IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil CARACTERIZAÇÃO TÉRMICA DO SULFATO DE HIDROXICLOROQUINA ATRAVÉS DE TG/DTG E DSC, PIRÓLISE ACOPLADA À CG/EM E DSC-FOTOVISUAL RESUMO A caracterização do fármaco é uma etapa essencial para um estudo de Pré-formulação, contribuindo para o desenvolvimento de um medicamento seguro e eficaz. Este trabalho teve como objetivo caracterizar o sulfato de hidroxicloroquina (HCQ) por meio de técnicas termoanalíticas, tais como: termogravimetria (TG), Calorimetria Diferencial Exploratória (DSC), pirólise acoplada à cromatografia gasosa hifenizada ao espectrômetro de massas e DSC-fotovisual, visando à elaboração de uma robusta carta de identidade do fármaco utilizada em estudos de pré-formulação. Através da curva TG-DTG e DSC, foram evidenciado 3 eventos de perda de massa e quatro eventos endotérmicos, respectivamente. Dentre esses eventos endotérmicos, encontra-se a faixa de fusão do fármaco (242,23-254,90ºC). Todos esses resultados foram corroborados através do DSC-fotovisual. As análises de resíduos através de espectro de infravermelho e difratograma mostraram que o segundo evento de degradação é o mais significativo, informação de grande valia para o estudo de cinética de degradação. A pirograma possibilitou a corroboração desse resultado. Com o auxílio do espectro de massas obtidos, foi possível elucidar os possíveis produtos da degradação térmica do sulfato de HCQ. Estes podem ser utilizados como base de referência para estudos de estabilidade do fármaco. O trabalho forneceu informações relevantes e complementares à monografia específica de compêndios oficiais do fármaco. Além disso, mostrou a utilidade da análise térmica como um método adequado para a análise de caracterização de materiais e, por conseguinte, dos estudos de pré-formulação. Palavras-Chave: Sulfato de Hidroxicloroquina, Análise Térmica, Estudo de Pré-Formulação, Caracterização. ABSTRACT The characterization of a drug is essential step for a pre-formulation study, contributing to the development of a safe and effective medicine. This study aimed to characterize the hydroxychloroquine (HCQ) sulfate using thermoanalytical techniques, such as thermogravimetry (TG), Differential Scanning Calorimetry (DSC), the pyrolysis coupled to gas chromatography hyphenated with mass spectrometry and DSC-photovisual, aiming the development of a robust identity card of the drug used in studies of preformulation. Through TG-DTG and DSC curves, were shown three events of mass loss and four endothermic events, respectively. Among these endothermic events is the melting range of the drug (242,23-254,90ºC). All these results were corroborated by DSC-photovisual. Analyses of the residue through diffraction and infrared spectrum showed that the second event of degradation is the most significant, valuable information for the degradation kinetics study. The pyrogram enabled corroboration of this result. With the aid of the mass spectrum obtained, it was possible to elucidate the possible products of thermal degradation of hydroxychloroquine sulfate. These can be used as a reference base for stability studies of the drug. The work provided relevant and complementary pieces of information to specific monograph official compendia of the drug. Moreover, it showed the usefulness of a suitable thermal analysis as for the analysis of materials characterization, and therefore, the pre-formulation studies method. Keywords: Hydroxychloroquine Sulfate, Thermal Analysis, Pre-Formulation Study, Characterization. 1. INTRODUÇÃO A caracterização do insumo farmacêutico ativo é o primeiro passo no processo de desenvolvimento de um medicamento seguro e eficaz, sendo uma etapa imprescindível no estudo de pré-formulação, contribuindo para a elaboração da carta de identificação do fármaco [1]. As técnicas de análise térmica, destacando a termogravimetria (TG) e a calorimetria diferencial exploratória (DSC), são bastante utilizadas na caracterização de fármacos. As técnicas termoanalíticas permitem a avaliação de alterações de propriedades físicas de materiais em relação ao tempo e à IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil temperatura. Dentre as propriedades físicas mais comuns, tem-se a variação de massa ou da energia de entalpia oriunda de um evento térmico. Isso pode fornecer informações importantes no que tange estudos de pré-formulação, como o comportamento térmico de um fármaco ou possíveis interações entre os componentes de uma formulação [2, 3]. A pirólise permite a identificação dos produtos de degradação correspondente ao evento de perda de massa do fámaco. A partir do pirograma é possível identificar a fragmentação do fármaco decorrente da degradação térmica. Já a técnica de DSC-fotovisual pode ser utilizada para a corroboração de resultados previamente obtidas. O sulfato de hidroxicloroquina (HCQ), inicialmente desenvolvido como agente antimalárico, vem sendo utilizado como fármaco antirreumático de ação lenta no tratamento de desordens do tecido conectivo, tais como: artrite reumatoide (AR) e lúpus eritematoso sistémico [4, 5]. Este trabalho teve por objetivo caracterizar o sulfato de HCQ por meio de técnicas termoanalíticas, tais como: TG/DTG, DSC, DSC-fotovisual e pirólise-CG/EM visando a elaboração de uma robusta carta de identidade do fármaco utilizada em estudos de pré-formulação. Fig 1. Estrutura química da hidroxicloroquina base livre com a enumeração dos carbonos 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Materiais O sulfato de HCQ foi adquirido da FAGRON® do Brasil Farmacêutica Ltda., lote 0007HS4RIICX#7 e sintetizado pela indústria Sanofi-Aventis®. 2.2 Métodos A curva DSC do sulfato de HCQ foi obtida utilizando Calorímetro Shimadzu® DSC-60 interligado ao software Shimadzu® TA-60WS com atmosfera de nitrogênio de 100 mL.min-1 e razão de aquecimento de 10°C.min-1, na faixa de temperatura de 25–500°C. A curva TG foi realizada por meio de termobalança Shimadzu®, modelo TGA Q60, em atmosfera de nitrogênio em fluxo de 100 mL.min-1, sendo a massa da amostra cerca de 5 mg (± 0,05), acondicionadas em cadinho de platina na faixa de temperatura de 25 a 600°C na razão de aquecimento de 10ºC.min-1. Os estudos de pirólise foram conduzidos no pirolisador acoplado a um cromatógrafo gasoso (Shimadzu®, GCMS - QP5050A) diretamente ligado a um espectrômetro de massa usando elétrons como fonte de ionização. A fragmentação foi realizada pelo impacto eletrônico com energia de ionização de 70 eV . O espectrômetro foi operado no modo de varredura, varrendo uma faixa massa de 50-600 m/z. A temperatura da fonte iônica foi de 300ºC. Os estudos de DSC-fotovisual foram realizados com calorímetro modelo DSC-50 Shimadzu®, em atmosfera de nitrogênio a um fluxo de 100 mL.min-1, a uma razão de aquecimento de 10°C.min-1, até 500°C. O DSC foi acoplado a um sistema fotovisual envolvendo um Microscópio Olympus® ligado a uma Câmera Sanyo modelo VCC-D520 [6, 7]. 3. RESULTADOS A curva DSC do sulfato de hidroxicloroquina apresentou quatro eventos endotérmicos. O primeiro evento correspondente a fusão do fármaco entre 242,23-254,90ºC (DSCpico=244ºC), observando entre 261,88-297,55 ºC a primeira etapa de degradação sobrepondo o pico de fusão. O terceiro e o quarto evento ocorrem nas faixas entre 290,22-311,61ºC e 329,18-341,10ºC. A partir do valor de fusão do sulfato de HCQ foi possível determinar a pureza de 98,85 ± 0,6% (valor de compensação de IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil aproximadamente 8%), estando de acordo com o que preconiza a Farmacopeia Americana (USP 36 – NF 31, 2013). Na curva TG foi possível observar três eventos de perda de massa. O primeiro com início em 254,78ºC e término em 278,01 resultou em perda de massa de 5,56% da massa inicial (DTGpico=269,41ºC). O segundo, na faixa de temperatura entre 288,55-301,16ºC apresenta perda de massa de 20,9% (DTGpico=293,62ºC). O terceiro evento, observado entre 335,03-378,32ºC, corresponde a uma perda de massa de 29,23% (DTGpico= 353,86ºC). Fig 2. Curva DSC, TG e DTG do sulfato de hidroxicloroquina (β=10ºC.min-1) As alterações moleculares causadas pelas etapas degradativas foram avaliadas quando a amostra foi submetida à condição isotermal na temperatura de 300ºC (Tonset) durante 2 horas. Terminada a análise, o resíduo foi levado à caracterização através de espectroscopia por absor’ção na regiáo do infravermelho com transformada de Fourier (IV-TF) e difração de Raios-X (DR-X) para a observação dos grupos funcionais e do perfil difratométrico, respectivamente. O espectro de infravermelho do resíduo analisado (Figura 4.a), evidenciou que, ao final do segundo evento não é possível visualizar as bandas referentes às deformações axiais do grupo hidroxila e da amida pertencente ao anel heterocíclico (3584 – 3650 cm-1 e 3310 – 3350 cm-1, respectivamente); bem como a banda resultante da interação da molécula de HCQ com o ânion sulfato e com as ligações de hidrogênio intermoleculares, que deveria ser observada na região entre 2250 – 2750 cm-1. Isso passa a descaracterizar a molécula, já que esta se trata de uma 4-aminoquinolina. Além disso, é possível verificar que as bandas referentes às deformações axiais simétricas e assimétricas do sulfato e simétrica do cloro estão ausentes, indicando que as ligações intermoleculares são desfeitas e que a molécula perde seu átomo de cloro que está provavelmente relacionado ao mecanismo de reação do fármaco. A figura 3.b) ainda mostra o total desaparecimento de picos que caracterizam a cristalinidade da molécula, evidenciando um perfil amorfo e confirmando o fato de que no resíduo não há indícios da integridade do sulfato de HCQ. Sendo assim, pode-se afirmar que o segundo evento está intimamente relacionado com a degradação do sulfato de HCQ Fig 3. Comparação entre o sulfato de hidroxicloroquina e o seu resíduo após ser submetido à condição isotermal na temperatura de 300ºC: a) Espectro de infravermelho e b) Difração de raios-X a) b) IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil A análise de DSC-fotovisual confirmou os resultados obtidos até então. A Figura 4.d) mostra o início da fusão do fármaco, afirmando o primeiro evento de degradação do sulfato de HCQ sobrepõe o evento relacionado à fusão do mesmo. A figura 4.k) mostra a mudança da coloração do material, sendo mais bem visualizada pela figura 4.l). A análise ainda evidenciou o evento de degradação conseguinte. Na figura 4.o), o material se apresenta com diferente coloração e aspecto. A coloração negra sugere a degradação do material, confirmada pela curva TG. Já a fluidificação sugere que tal degradação promove a perda da estrutura reticular do fármaco. Aqui pode também ser observada a volatilização do material degradado, caracterizada pela presença de bolhas [6, 7]. Fig 4. DSC-fotovisual do sulfato de hidroxicloroquina matéria-prima. a) b) c) d) e) f) g) h) i) j) k) l) m) n) o) p) q) r) O pirograma obtido (Figura 5) foi utilizado para identificar a fragmentação do fármaco decorrente da sua degradação térmica. A ausência do pico do íon molecular da HCQ no EM confirma a degradação da amostra,devido a alta intensidade relativa dos picos, a partir de 301 ºC [8]. A técnica evidencia que o segundo o segundo evento de perda de massa visto na curva TG do fármaco é, de fato, a principal etapa de degradação térmica do sulfato de HCQ. Além disso, no que diz respeito à identificação dos fragmentos da decomposição térmica, foi possível observar que os principais picos de degradação são provenientes da quebra da HCQ base livre no grupamento quinolina, junto a pontos instáveis da molécula sujeitos à quebra, o que fornece relevantes informações sobre a estabilidade térmica do insumo farmacêutico ativo. Fig 5. Pirograma do sulfato de HCQ (temperatura de 300ºC) A partir do EM dos principais produtos da pirólise, pode-se sugerir a presença de picos característicos da molécula e seus fragmentos. A Tabela 1 sumariza tais resultados, evidenciando: tempo de retenção, relação M/Z, nomenclatura e fórmula molecular e estrutural. IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil Tabela 1. Produtos de degradação térmica do sulfato de hidroxicloroquina obtidos através de piróliseCG/EM. Pico Tempo de retenção (min) Relação m/z Nomenclatura Fórmula molecular A 6,175 99 Ânion Sulfato SO4 B 12 163 2-CloroQuinolina C9H5NCl C 18,4 178 6-Cloro-8aminoquinolina C9H7ClN2 C14H13ClN2 2- D 20,4 244 4-(5-metil-4,5dihidropirroli-1il)-7cloroquinolina E 21,05 246 3-Cloro-4-tbutil-6fenilpiridazina C14H15ClN2 291 2-(7cloroquinolina4-il)amino)-5etilamino pentanto C16H22ClN3 F 24,9 Fórmula estrutural 4. DISCUSSÃO Os resultados da análise térmica influenciam significativamente na solubilidade e permeabilidade do fármaco, auxiliando na descoberta de formas polimórficas, e consequentemente na caracterização do mesmo. IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil Com a caracterização térmica, foi possível colaborar para a elaboração da carta de identidade do sulfato de HCQ, um robusto dossiê sobre a natureza físico-química do fármaco. As informações obtidas no presente estudo são capazes de fornecer subsídios para o delineamento racional de formas farmacêuticas, abrangendo todo o setor produtivo, desde a identificação e armazenamento da matériaprima ao controle de qualidade a forma farmacêutica. O trabalho forneceu informações relevantes e complementares à monografia específica de compêndios oficiais do fármaco. Além disso, mostrou a utilidade da análise térmica como um método adequado para a análise de caracterização de materiais e, por conseguinte, dos estudos de pré-formulação. Tais técnicas vem sendo cada vez mais utilizadas, tanto que podem ser consideradas técnicas oficiais para testes de identificação em compêndios oficiais como a Farmacopeia Brasileira 5ª edição. AGRADECIMENTOS À Fundação de Amparo à Ciência de Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE). CONFLITOS DE INTERESSE Os autores declararam que não há conflitos de interesses. REFERÊNCIAS 1. Soares-Ssobrinho JL. et al. Caracterização Físico-Química do Tripanomicida Benznidazol para o Desenvolvimento de Medicamentos. Lat Am J Pharm 2010; 29(5): 803-807. 2. Santos FLA. Desenvolvimento de comprimido de liberação prolongada de benznidazol. Dissertação (Mestrado em Ciências Farmacêuticas) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011. 122 p. 3. Rolim LA. Estudo da Degradação do Fármaco Benznidazol Utilizado no Combate a Doença de Chagas por Hidrólise, Oxidação, Fotólise e Termodegradação. Dissertação (Mestrado em Inovação Terapêutica) Programa de Pós-Graduação em Inovação Terapêutica, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010. 128 p. 4. Olsen NJ, Schleich MA, Karp DR. Multifaceted effects of hydroxychloroquine in human disease. Semin Arthritis Rheum 2013; 43( 2):264-272. 5. Mackenzie AH. Dose refinements in long-term therapy of rheumatoid arthritis with antimalarials. Am J Emerg Med 1983;75(1):40-5. 6. Macêdo RO, Nascimento TG. Thermal characterization of lapachol by means of tg and dsc coupled to a photovisual system. J Therm Anal Calorim 2001; 64(2):751–6. 7. Silva RMF. Thermal characterization of indinavir sulfate using TG, DSC and DSC-photovisual. J Therm Anal Calorim 2009; 95(3):965–8. . 8. Oliveira MA, Yoshida MI, Lima-gomes EC. Análise térmica aplicada a fármacos e formulações farmacêuticas na indústria farmacêutica. Quím. Nova 2011; 34(7): 1224-1230.