PREFÁCIO: Quando atendemos um paciente, como médicos, perguntamos o que ele está sentindo e geralmente o que ouvimos são respostas do tipo sinto DOR, tenho CALORÕES e estou com muita ANGUSTIA, entre outras. Essas resposta, na forma literal de seu significado técnico, são a descrição de sintomas. O sintoma expressa o que o paciente sente, mas na verdade isso não traduz de uma maneira mais abrangente seus sentimentos, essa é uma forma mais concreta de referir-se às suas sensações físicas. Entretanto, o paciente pode também expressar suas emoções, não apenas o que o corpo sente, mas o que a mente sente. Na busca por definições, em minhas pesquisas pessoais percebi que não há nenhuma definição clara para o significado da palavra SENTIMENTO. Foi assim que me perguntei: Já que Sintoma significa o que o paciente sente, todo sentimento é um sintoma? E segui me questionando, o que o paciente sente é uma sensação, um reflexo ou uma emoção? O que acreditamos ser um sentimento é uma emoção, uma percepção ou um reflexo? A Coragem, por exemplo, é uma atitude ou um sentimento? Quiçá ambos. E quanto à dor? É fato que ela mobilizar emoções, tanto de sofrimento e em certos casos de prazer. A Dor é uma percepção, uma reação física e emocional, é uma verdadeira síndrome com seus sinais e o próprio sintoma dolorosamente subjetivo, referido por quem sente. Naquele momento, movida por minha curiosidade, busquei na internet e encontrei listas de emoções/sentimentos, porém não concordei com muitas citações classificadas como sentimento, elas me pareciam por vezes atitudes. Segui na busca de definições de Sentimento nas mais variadas fontes e não encontrei nenhuma que fosse mais clara ou definida, na maioria o que se descreviam eram exemplos de sentimentos, na tentativa que o outro captasse o sentido. Além disso, não encontrei uma definição científica que pudesse satisfazer-me, pois ainda que o sentimento seja subjetivo, pode ser estudado de maneira científica e, portanto, também confiável. O método científico é uma padronização que visa a pesquisa de forma mais concreta e universal, possibilitando a todo aquele curioso, seja amador ou profissional, reproduzir a experiência. A pesquisa científica passa a ser uma forma de encontrar evidência sobre algo e uma evidencia é uma prova e, sendo assim, torna-se palpável, torna-se concreta. No caso do nosso sistema nervoso, o cérebro é a parte concreta e a mente é a parte subjetiva, mas são duas partes de um mesmo sistema, como duas caras da mesma moeda. Muitos estudiosos e até mesmo Freud, tentaram aprofundar essa ligação, mas acabaram confrontando-se com as limitações da época. Entretanto, o que mais se viu ao longo da história foi a separação do corpo e da mente, tantas vezes mencionada por diversos pensadores como Descartes, que acreditava existir uma substância pensante chamada res cogitans separada do resto do organismo. Não podemos deixar a mente à parte e resumi-la apenas a discussões filosóficas, podemos atualmente ter um olhar mais científico para a mente e seus fenômenos, sem deixar de agregar as subjetividades das outras ciências como importante complemento. Na atualidade, essas idéias separatistas vêm caindo por terra, temos como exemplo novos pesquisadores como Antônio Damasio que contribuiu e ainda contribui imensamente para o estudo das Emoções e também outros como Daniel Goleman, o autor de A Inteligência Emocional. Clonninger, por exemplo, acredita na evolução consciente de si mesmo e que o Homem atual tem que adaptar em sua vida 5 esferas diferentes: Sexual, Mental, Material, Espiritual e Emocional. Darwin, em sua infinita curiosidade, não apenas estudou a biodiversidade da natureza animal e vegetal, como também estudou e identificou expressões faciais básicas que são universais, tanto na mímica muscular quanto em sua compreensão cognitiva. Ele observou que através dessa linguagem universal somos capazes de expressar nossas emoções com padrões universais nos mais diferentes povos. Portanto, ainda que nenhum sentimento seja concreto, podem ser percebidos e muitas vezes tornam-se evidentes (não apenas para profissionais da saúde mental, mas para as pessoas em geral). O medo em um transtorno de ansiedade nada mais é que um sintoma, mas o medo não é apenas isso, ele pode ter efeito protetor para o organismo e é visto como um inibidor, freio ou desacelerado, Já a raiva por outra parte, pode funcionar como um acelerador, como um fator motivador. Acredito que o problema não seja o Medo ou a Raiva, pois nenhum sentimento é totalmente bom ou totalmente ruim. O que determina o sentimento é a intencionalidade, o processamento interno e seu direcionamento. Entretanto, a Psiquiatria não é puramente descritiva, mas fenomenológica, multifatorial e neuroquímica. Recentemente outros autores estão fazendo novos estudos baseados em outros elementos, como os neurotransmissores, traços de personalidade e buscando mapear adequadamente as funções de nosso cérebro. Um dos exemplos recentes é a proposta de Diogo Lara que estudou o espectro de Humor baseado em traços de Medo e Raiva e à medida que fui buscando mais informações a respeito dos Sentimentos e das Emoções, minha curiosidade aumentava e mais via a necessidade em pensar no indivíduo como um todo, desde sua origem celular até sua evolução cerebral. Cada vez mais fui me perguntando, quem é esse Homem? Quem somos, como somos e por que somos? O que verdadeiramente nos move? Muitos dizem que é o amor, outros dizem ser o dinheiro, mas o que seria o dinheiro senão um tipo de poder materializado sob a forma de papel? Poder esse que nós configuramos, que nós colocamos significado. O dinheiro, assim como outras formas de poder, não representa simplesmente a capacidade de realizar a própria vontade, mas principalmente é a possibilidade de submeter o outro a nossa própria vontade. Toda forma de poder é perigosa, pois pode escravizar ou escravizar-se, mas pode também ser usufruída de forma harmônica e equilibrada, depende do indivíduo. Equilíbrio, aliás, que palavra é essa? O meio terno entre 2 referências, entre 2 contrapontos, entre opostos? O que percebo é que tudo na Natureza é feito de opostos e vemos nas mais diversas discussões filosóficas que algo para existir deve haver o seu contrário e que somente podemos ter alguma conclusão, resultado ou movimento mediante 2 lados, pólos, referências ou cargas elétricas. Em minha curiosidade, fui à busca de respostas e fazendo ainda mais perguntas, juntando o conhecimento ao longo da vida acadêmica, profissional e cultural. Não tenho a pretensão de que este livro seja um livro de referências sobre estudos científicos recentemente realizados, mas espero muito mais que seja um debate interno do leitor, unindo embasamento científico ao imaginário humano. Acredito que essa seja a única forma de nos aproximarmos mais intimamente no âmbito das emoções e dos sentimentos; unindo alma, mente e cérebro como uma santíssima trindade. O objetivo deste livro é trazer o conceito de emoções e sentimentos para o âmbito neuropsiquiátrico e desenvolver uma reflexão filosófica, unindo embasamento científico ao imaginário humano na construção e evolução das principais emoções. Também espero trazer o enfoque sobre as emoções e os sentimentos, destacando sua grande importância na história da humanidade e com isso, levar o leitor a discutir consigo mesmo e imaginariamente comigo nas próximas páginas, sobre a temática das emoções e dos sentimentos sob novos e antigos olhares. QUEM SOMOS A (R)evolução das Emoções Graziela Stein de Vargas CAPÍTULO I NEM TUDO FREUD EXPLICA Acredito que Freud foi influenciado no princípio de seus estudos por Darwin, ambos eram médicos e ambos influenciaram e modificaram permanentemente o mundo após sua existência. De certa forma, eles acabaram permanecendo vivos até hoje, superando sua finita humanidade, encontraram uma maneira de permanecerem imortais. Freud, em seu livro Além do Princípio do Prazer, buscou qualificar os impulsos e descrever a energia interna que conduz o Homem, criando o termo Metapsicologia. Entretanto, desde o início percebeu que já existia uma grande limitação em aprofundar tais estudos devido à falta de recursos existente na época. Freud esclareceu que não estava tentando abordar questões filosóficas relacionadas ao tema, mas estava tentando provar sob o ponto de vista neurológico que somos movidos por algo. No mesmo livro Freud mencionou que os sentimentos e as emoções seguiam sendo a área mais misteriosa e que ainda não tinha elementos para entrar neste campo de maneira científica. Portanto, Freud decidiu falar em termos de desprazer e prazer como Quantidade de Excitação. Para Freud isso se traduzia como a capacidade de Estabilidade ou de Instabilidade, ou seja, o aumento da Tensão seria o aumento da Excitação e a diminuição desta Tensão conduziria a uma Sensação de Prazer, traduzida pelo retorno da Estabilidade. Em termos neuroquímicos isso se traduz como aumento da excitação que é igual ao aumento da carga elétrica. Portanto, um indivíduo que entra em estado de tensão fica neurologicamente e quimicamente mais excitado e com isso aumenta sua sensação de desprazer que só é aliviada quando descarregada. AUMENTO DA TENSÃO = AUMENTO DA EXCITAÇÃO = AUMENTO DA CARGA ELETROQUÍMICA = SENSAÇÃO DE DESPRAZER O movimento existe porque existe o potencial elétrico, que é a própria energia que faz com que o coração bombeie o sangue e como a energia da pilha, ou seja, uma carga positiva é atraída por uma carga negativa. Na+ ou K + / Cl- Esse diferencial de potencial elétrico é o mesmo princípio que faz os neurônios transmitir as informações. Os princípios da Física e da Química também se aplicam para nosso organismo, onde os opostos se atraem e onde o mais concentrado passa para o menos concentrado (osmose), esses fenômenos acontecem a nível celular em nosso organismo e quando não temos esse diferencial de cargas ou concentração a célula precisa fazer um esforço e recrutar energia proveniente do ATP. Segundo Freud, o aparelho mental se esforça para manter uma quantidade de Excitação baixa e constante, qualquer aumento desta Excitação é percebido como um estado desagradável ou ‘de desprazer’. Freud acreditava no Princípio de Fechner, um estudioso de sua época que dizia existir uma tendência do organismo em manter essa Estabilidade, pois aumentando a Tensão, aumentaria a Sensação de Desprazer que levaria a um Estado de Instabilidade. CONSTÂNCIA = ESTABILIDADE = BEM ESTAR INCONSTÂNCIA= DESESTABILIDADE= TENSÃO = DESPRAZER Traduzindo em outras palavras, é como se o Homem buscasse uma Constância, a permanência num estado prazeroso, ou seja, de Equilíbrio. Entretanto, Freud percebeu que apesar desta busca pelo Prazer, ou seja, por essa Estabilidade, existem forças contrárias a essa tendência, pois existe o Princípio da Realidade, que nem sempre está em acordo com o indivíduo, dando origem ao surgimento de conflitos. Acredito que o Homem busca a Estabilidade e a Natureza força o movimento e então, a princípio teríamos o Princípio de Freud contra o Princípio de Darwin. Segundo Freud, o motor que impulsiona a pessoa, a origem da bateria elétrica se encontra nos impulsos natos. Muitas vezes esses impulsos natos primários são contrários a padrões socialmente aceitos pelo Ego e, desta forma, surgem os conflitos. Acredito que também estamos não só em conflito entre Id, Ego e Superego, mas por vezes também estamos em conflito com nosso meio, pois enquanto buscamos a Constância, a natureza e, de certa forma, também nossa própria natureza, busca a evolução. Está comprovado cientificamente que o meio é mais forte que a genética, a experiência de ratas agressivas comparadas com as não agressivas abriu um precedente para essa afirmação. Foram observados que filhotes de ratas agressivas se tornavam calmos após serem colocados juntos a ratas com DNA não agressivo e depois se observou que esta troca de habitat fez com que eles gerassem ratos também calmos, apesar de seu antecessor genético agressivo. Resumindo, desta forma fica comprovado cientificamente que o meio é mais forte para modificar o indivíduo que sua própria genética e assim, vemos que a teoria da Evolução das Espécies de Darwin está totalmente certa. Já dizia o ditado popular que o “indivíduo é fruto do meio”, penso que esse pode ser nosso maior conflito, tentar manter nossa Constância, sendo que nosso meio é inconstante. O Homem interfere na natureza para buscar manter sua própria homeostase, mas quanto mais interfere no meio, mais modifica sua própria natureza. Acredito que a família e a sociedade são os meios que auxiliam o Ego a evoluir, mas também podem modificar drasticamente uma pessoa para melhor ou para pior. Retomando a idéia de Excitação, podemos determinar isso como a capacidade de estar em Alerta. Freud disse em seu livro que na maioria das vezes experimentamos um desprazer perceptivo, reconhecido como aflitivo ou ameaças de perigo. O Homem quer viver em harmonia, mas se sente na maior parte do tempo mais ou menos ameaçado, com isso aumenta a tensão interna que só é aliviada quando esta tensão é descarregada, produzindo uma sensação de prazer. Desta forma, as ações do Ego são reações a seu meio, o indivíduo interage constantemente com seu meio, ainda que exista casos onde o ser humano evite as interações, comum nos pacientes com quadros de depressão e fobia social. Já naquela época, Freud observou que a Neurose de Guerra, o que hoje conhecemos como Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT), se caracterizava pela existência lesões psíquicas que ocorriam mesmo na ausência de um impacto direto ao cérebro, ou seja, eram lesões não por impacto mecânico, mas por impacto emocional. A experiência emocional era tão forte e significativa para o indivíduo que ele terminava desenvolvendo sintomas de ansiedade após este acontecimento. Freud percebeu que o principal elemento contribuinte nestes quadros era o Fator Susto, ou seja, o fator surpresa, de não estar preparado para a situação. Tanto nas neuroses de guerra (TEPT), quanto nos demais quadros de angustia ocorre, posteriormente, a Repetição da situação traumática ou de preocupações que surgem na mente do paciente relacionadas ao fato e que o deixam fixado em algum ponto de sua trajetória de vida ou com algum bloqueio específico, dificultando, impedindo ou produzindo lacunas no desenvolvimento do Ego, ou fazendo-o regredir a estágios anteriores e, inclusive, levando a formação de sintomas. Freud não entendia o porquê da Repetição, da ruminação de pensamentos ligados a mesma situação ou fato, como uma obsessão sem intenção aparente, mas sem ter como impedir a mente de pensar. De certo modo, repetimos o que ainda não sabemos e repetiremos até aprender e dominar o fato em questão, o problema é que o excesso de repetição pode adoecer a mente levando a quadros de transtorno mental. É provável que a própria repetição cause estresse a nível celular e com isso lesão dos neurônios, é o que chamamos de estresse oxidativo e com isso a morte celular, ou seja, dos neurônios, aconteceria mais rápido (apoptose). Nascemos com uma base de dados em branco para a cultura e aptidões da inteligência superiores, ao longo da vida vamos formando e aprimorando essa inteligência. No início do desenvolvimento humano aprendemos por imitação, como fazem muitos animais (é o aprendizado por condicionamento) e somente mais tarde, com o tempo, é que vamos fazendo associações mais complexas e profundas. Entretanto, no início só aprendemos porque repetimos e assim é com toda novidade, até consolidar-se sob a forma de conhecimento. Freud acreditou que a repetição pudesse de alguma forma trazer algum tipo de satisfação ou recompensa, como citou o exemplo do menino que jogava o brinquedo para depois trazê-lo de volta repetidas vezes. A repetição auxilia o indivíduo, é uma forma da mente encontrar significado para seu entorno, o problema é se o indivíduo permanecer fixado em um ponto e não progride mais em seu potencial de desenvolvimento. Brincar é uma busca de aprendizado, assim como a Ciência é para o Homem (de certa forma seguiremos brincado e aprendendo eternamente). Freud acreditava que brincar era o desejo de dominar as tarefas para poder crescer e se tornar um adulto, acredito que brincar é o desejo de aprender a dominar-se e dominar o próprio meio. Com isso vem a satisfação que também funciona como um propulsor, um novo estímulo para repetir. O Homem, como outros animais nasce com esse gatilho da natureza, que impulsiona a mover-se, evoluir. De certa forma, o cérebro só quer entender, inclusive até na ‘loucura’ há alguma razão. Muitos delírios e quadros psicóticos têm algum sentido e explicação na vida daquele indivíduo, a mente sempre busca uma ordem, explicação ou seqüência lógica ainda que no caos. No setting terapêutico o paciente pode repetir várias situações onde ele ainda não tenha resolvido seus complexos e é papel do terapeuta retirar o paciente de seus pontos de fixação para que ele possa seguir evoluindo e desenvolvendo seu potencial. É comum os terapeutas ouvirem repetidas vezes a mesma história, os terapeutas são treinados para suportar junto com o paciente suas repetições e tentar retirá-lo deste sistema de funcionamento. Freud acreditava que a compulsão à Repetição por si só já trazia um aumento na Tensão interna e com isso uma sensação de desprazer que somente depois de descarregada se produz a sensação de alívio, ou seja, de prazer. É uma espécie de vício de comportamento que conduz o Homem a repetir para provar a recompensa do alívio. Freud disse ainda a respeito da compulsão ‘’... se uma compulsão a repetição opera mesmo na mente, ficaríamos satisfeitos em conhecer algo sobre ela, aprender a que função corresponde, sob que condições pode surgir e qual é a sua relação com o princípio do prazer... ’’. Freud não sabia, mas estava falando da Dopamina. Freud disse ainda no mesmo livro, que na maioria das vezes o que temos é uma percepção externa da Excitação e que, conseqüentemente a isso, temos sensações de prazer ou desprazer. Acredito que Freud tenha razão, pois somos receptores de estímulos e reagimos conforme essas percepções. Freud acreditava que teríamos uma espécie de membrana invisível que nos protege até certo ponto e que quando algum estímulo consegue atravessar essa membrana somos atingidos ou afetados pelo estímulo externo, citou ainda que a sede da consciência encontrava-se no córtex cerebral, a camada mais externa que envolve o cérebro. É interessante ressaltar essa citação, pois na embriologia quando estudamos o desenvolvimento do feto, vemos que todo organismo humano é desenvolvido a partir de 3 capas (ectodermo, mesodermo e endodermo) e que o ectodermo, que dá origem ao cérebro é o mesmo que origina a camada mais externa da pele. Estamos cobertos, nosso cérebro e nossa pele, pela mesma origem, de certa forma possuímos a mesma camada protetora e conseqüentemente, a mesma camada perceptiva. Como disse Nietsche, a superfície é a pele... Esta ‘membrana’ que envolve nosso cérebro é a mesma que envolve nossa pele, temos um receptor de estímulos externos conectados ao nosso processador interno, o cérebro. Nossos sentidos como a visão, o olfato e etc, são como janelas onde nosso cérebro tem acesso ás informações que acontecem em nosso meio. Com isso me atrevo a concordar com a seguinte frase poética de que ‘os olhos são as janelas da alma’ e não diria que somente os olhos, mas o nariz, os ouvidos a língua e toda a pele. É fato que possuímos cinco sentidos, dizem que temos um sexto sentido, uma espécie de intuição ou percepção maior, acredito que ela se encontre no cérebro com todos os seus mistérios que ainda não desvendamos. Por falar em mistério, a alma segue sendo um deles, Freud tentou descobrir mais á fundo sobre ela e até hoje se busca por essa conexão entre mente e alma e entre Neurologia e Psiquiatria. Entretanto, ainda permanece certa divisão onde a Neurologia estuda mais as estruturas cerebrais e a perda das capacidades adquiridas e a Psiquiatria a ausência no desenvolvimento destas capacidades. A Psiquiatria também busca auxiliar o indivíduo com suas emoções e em observar como elas refletem em seu meio e vice versa. O Psiquiatra é o médico que cuida da alma, pois Psique é considerada alma e podemos considerar que as emoções e as percepções do Ser Humano traduzem sua alma, ou seja, o seu mundo interno. Retomando a idéia de Excitação de Freud, ele disse que todos os processos excitatórios que ocorrem deixam traços permanentes na memória. Acredito que assim povoamos nosso Inconsciente com todas as impressões e acontecimentos de nossa vida, desta forma o Inconsciente se comporta como o Universo em expansão. Nosso mundo subjetivo pode se tornar mais ou menos rico conforme essas experiências. Freud acreditava que nosso ectodermo poderia receber esses estímulos excitatórios nos primórdios de vida e que acabava registrando essas informações de forma a ela se tornar uma crosta até ficar registrada, imutável, como numa vesícula interna, provavelmente a glândula pituitária e que nosso comportamento ficaria condicionado e automatizado conforme esses registros. De fato, temos os processos do sistema nervoso periférico que funcionam automaticamente “sem que precisemos pensar” para realizar várias coisas ao mesmo tempo, um exemplo é o ato de dirigir. É como se um disco rígido se formasse com os primeiros estímulos recebidos e o primeiro contato com o estímulo em questão formasse uma memória marcante, do tipo ‘a primeira impressão é a que fica’ e que pode não ser facilmente moldável com o passar do tempo. Em relação à formação desta crosta sensitiva, Freud disse que a proteção contra os estímulos é quase tão importante quanto a recepção deles. Para Freud a principal razão para a recepção dos estímulos externos é saber o objetivo do estímulo externo e para isso o cérebro armazena pequenas e múltiplas classificações na memória, são diversos registros para poder associá-los e deles retirar uma conclusão. Por essa razão, antes mesmo de você achar que pensou você já pensou e não sabia. De certa maneira o escudo tenta proteger o indivíduo e manter a estabilidade interna, este escudo podemos chamar de defesa e na pratica, ou seja, na fisiologia do sistema psíquico, funciona através dos mecanismos de defesa. O objetivo de nossos receptores e nosso disco rígido é tentar prever o potencial de risco para o perigo externo. Nosso organismo funciona como uma máquina que tenta prever e prevenir perigos ao organismo para manter-nos vivos e ao mesmo tempo tentarmos permanecer em estabilidade, o que por si só já é um gerador de conflito e, portanto, gerador de angustia. Desta forma, volto a dizer que o estímulo externo é mais forte que o estímulo interno e neste ponto está a importância de possuirmos algum tipo de membrana protetora que filtre os estímulos e os impeça de atravessar. Freud acreditava que era possível ocorrer uma lesão a nível mental quando este estímulo era muito forte e a membrana invisível não conseguia proteger a mente. A tendência natural à proteção faz com que todo estímulo pareça externo, por isso a Projeção é um dos mecanismos de defesa mais primitivos. Pode ser vista também na relação Mãe-Bebê, onde a criança tem necessidade de controlar o outro em seu benefício (alimentação, sono, etc), projetando suas necessidades como se a mãe fosse uma continuidade dela mesma. Portanto, a necessidade de tentar controlar o meio é muito antiga e muito nata. De certa maneira, todo estímulo é externo, mas todo processamento é interno. Recebemos a imagem através dos olhos, mas enxergamos na região occipital do cérebro. Vários sentidos têm função de alerta, além de informar o cérebro com dados sobre o que está acontecendo. A dor, por exemplo, tem função de alerta, pois tenta proteger o organismo de uma lesão definitiva. Acredito que a Excitação também funciona para lavar o indivíduo ao estado de alerta, buscando nos proteger do estímulo externo a ponto de nos manter vivos física e psicologicamente. Também tentamos juntamente com os mecanismos de defesa conter as possíveis fendas deste bloqueio, tentando minimizar as dores e as lesões quando este bloqueio é atravessado. O Sado-Masoquismo, por exemplo, é um Transtorno mental caracterizado por um comportamento compulsivo com objetivo de manter esse desprazer-prazer e recompensa, excitação e relaxamento. Toda a relação sexual funciona desta forma, um estado de excitação e de descarga. Ainda em seu Livro Além do Princípio do Prazer, Freud destacou a teoria de Breuer que dizia existir uma energia, ou seja, catexia que corria livremente no cérebro e outra não; talvez uma com objetivo de manter a homeostase e a outra sob a forma de uma reserva que poderia ser usada nestes estados Excitatórios, ou seja, Estados de Alerta. Freud comparou essa ruptura da membrana protetora como um choque mecânico, mas neste caso um choque emocional, onde o principal fator diferencial seria o Fator Susto, em que o indivíduo recebe um estímulo externo sem estar previamente preparado para ele. Desta forma, sem o preparo prévio, a proteção fica vulnerável e pode ser mais facilmente atravessada causando a lesão psíquica. O estado de Alerta, ou seja, a Angústia constante é uma forma de não desligar o estado de Excitação. A Excitação é a pulsão de Vida, o instinto protetor de sobrevivência psíquica, mas deve ser descarregado, para que o indivíduo possa relaxar e retornar ao estado de bem estar. Os sonhos são muitas vezes conflitos e desejos inconscientes, também são como repetições, traduzindo o desejo de dominar e aprender. Ajudando o paciente a resolver as repetições, podemos restabelecer o fluxo de energia intrapsíquica que corre livremente no cérebro. O paciente aprende, resolve e retoma o seu estado de homeostase (Estabilidade). Emtretanto, muitas vezes o paciente não consegue traduzir com palavras estas sensações porque por vezes estão a nível inconsciente, mas outras vezes porque são percepções que levam ao estado de Excitação que ainda não desensibilizaram o paciente, ainda não ocorreu totalmente o processamento cognitivo. A percepção é a recepção de um estímulo e, portanto, ai se encontra a dificuldade em traduzi-la, é por isso que muitas vezes o paciente não consegue transmitir com clareza ao terapeuta o que lhe aflige. Independente do motivo, o simples fato do indivíduo estar em um estado constante de Excitação já é razão para o terapeuta tentar tirá-lo deste estado neuropsíquico proporcionando alívio. No susto não há preparação para a angústia que, de certa forma, funciona como um protetor para o organismo, porque a ansiedade deixa o indivíduo em estado de Alerta, ou seja, em estado Excitatório, mais preparado para aquele momento em que é necessária a ação. Entretanto, nos quadros de angustia permanente o indivíduo não consegue desligar o Estado de Alerta e nos quadros depressivos clássicos parece não ligar. Não acredito que tentamos reprimir instintos, mas que buscamos a inibição deste estado de Excitação de forma mais consciente e outras vezes de forma mais inconsciente. Um funcionamento adequado seria quando o indivíduo se torna capaz de ligar- se e desligar-se conforme requerer a situação, dominando melhor a si mesmo. A Repetição é uma tentativa de domínio, mas pode ser uma falta total de domínio do indivíduo que perde o controle sob certos atos e entra em processo de compulsão. Muitas vezes o Inconsciente quer se tornar consciente, mas é o Ego que não quer ter consciência de certos fatos e atitudes. Freud propôs que fizéssemos o contraste não entre o consciente e inconsciente, mas entre o ego coerente e o reprimido. Traduzo isso como usar o Princípio da Realidade para comparar com as queixas do Ego e seu estado de alerta ou angustia (Excitação). Aprendizados infantis ocorrem como o fator susto, a novidade do primeiro contato pode gerar uma digital na memória tão forte que poderá determinar permanentemente o comportamento da criança. Isso pode deixá-la em estado de alerta (Excitação) sempre para determinada situação, podendo deixá-la com algum ponto de Fixação (Estado de Compulsão) e com reações infantis primitivas que se repetirão durante sua vida adulta, mesmo de forma indireta. A criança irá repetir inúmeras vezes o mesmo ato, em primeiro lugar até ter o controle motor, mas depois será para adquirir e incorporar o significado do objeto ou situação. O brincar possibilita também a incorporação dos significados externos à vida interna da criança e a busca pela compreensão de seus sentimentos é a melhor forma de conhecê-la realmente. Finalizo esse capítulo dizendo que apesar de Freud não ter explicado tudo, com todas as limitações da época, ele explicou muito. CAPÍTULO II A EVOLUÇÃO DAS EMOÇÕES As emoções são difíceis de traduzir porque são produtos diretos das sensações, ou seja, das percepções do paciente. Já os sentimentos possuem maior capacidade de entendimento por conter maior potencial de conteúdo descritivo, já foi processado pelo sistema nervoso central através de suas concepções e frente ao conjunto de sua prévia base de dados. É papel do terapeuta auxiliar o paciente a decodificar e processar tais sensações e emoções, pois na maioria das vezes elas permanecem inconscientes e muitas vezes reagimos de acordo a essas emoções e podemos ter atitudes impulsivas; o problema acaba sendo a atitude e não a emoção que ainda não foi totalmente processada. O sentimento é um resultado de fatores, a emoção é a reação a uma sensação. A emoção é mais pura, mais bruta e o sentimento apresenta um processo de intelectualização e, portanto, o sentimento tem uma cota de razão, já a emoção é pura reação impulsiva. Não digo que a emoção não tenha suas razões e justificativas, mas ela acaba sendo uma reação mais impulsiva do organismo frente a uma percepção ou recepção a determinados estímulos, a emoção é um reflexo. Às vezes vemos pessoas reagindo das mais diversas formas a um estímulo e, por vezes, observamos inclusive uma não reação, como não sensibilização por parte do paciente, como no processo de negação. Somente após o processamento cognitivo ela pode tomar outra configuração e a emoção ser manifesta, ou seja, após a emoção deixar de ser reprimida e através do entendimento e significação, se pode realizar a construção de um sentimento. Nos primórdios as emoções não existiam, os seres vivos eram movidos por reações e somente mais tarde, com a evolução das emoções, foram surgindo as emoções tão características dos mamíferos. Ao longo da História do Homem essas experiências de reações somadas à rotina, ao dia a dia, foram se consolidando e transformando-se em significado na mente do Homem, o Homem foi desenvolvendo e adquirindo a consciência. Desta forma, o Homem foi se diferenciando uns dos outros, a sua personalidade foi surgindo e sua existência tomando um significado único. Foi ocorrendo o processo de individuação dentro da coletividade, o que levou a um maior estímulo interno-externo do homem sobre o próprio homem. Ao mesmo tempo em que o Homem se diferenciava também afetava seu meio e com isso diferenciava também seu próximo, estimulado por seu meio e estimulando ao seu próximo e conseqüentemente a si mesmo. Da mesma forma acontece com a criança, ao longo de seus primeiros anos, ela vai tomando os objetos de seu meio e atribuindo significado e com isso atribui significado também para a própria existência. Imita os adultos e seu meio e com isso aprende, por esse condicionamento que vai sendo incorporado, preenche suas atitudes e seus objetos de significado e mais adiante, com o mesmo processo, ela descobre as palavras e com isso a linguagem. Com a comunicação, mais um universo se abre e ela passa a ter ainda mais compreensão e significado para sua vida. São várias etapas de universo em expansão, explodindo a cada ‘Big Bang’ de mais um espaço de consciência, ampliando a mente. Passamos a vida com uma mente em expansão caso tenhamos condições e estímulos necessários para tal. O Homem evoluiu, mas um dos principais fatores responsáveis por essa evolução foram as emoções e os sentimentos, estimulando o Homem a querer cruzar os oceanos, alcançar os céus, aproximar a comunicação e buscar o entretenimento. O Homem segue buscando e necessitando de estímulo ao mesmo tempo em que luta por sua comodidade. A ambivalência faz parte do Homem e graças a esse conflito de opostos somos capazes de gerar uma resultante, como na Física, cujas cargas opostas geram energia e com isso movimento. Inevitavelmente vamos adiante, mas somos nós quem damos sentido para esse avanço e sem um sentido morremos. Colocamos sentido em nossas atitudes, colocamos razão e sentimento em nossa vida, em nossas respostas, em nossas escolhas e palavras. Seguimos assim quando adultos, na modernidade, buscando razões em nossa base de dados da infância ou na história de nossa humanidade. Estudamos Antropologia, Arqueologia, Filosofia e não nos cansamos de perguntar por quê? Claro que existe uma parcela da população que não se pergunta muito ou quase nada sobre a própria existência e que vive alienado sem interesse em mudar algo em seu entorno, apenas suprindo suas necessidades básicas, reagindo impulsivamente aos estímulos sem tentar analisá-los. Não condeno, pois acredito que o não conhecimento, ou seja, a ignorância de certas coisas pode trazer a ausência de certas dores. Porém, como somos seres cheios de ambigüidades e conflitos, o não saber também pode gerar sofrimento. Nunca estaremos totalmente imunes a dor ou a morte e esta é uma verdade que muitas vezes buscamos negar ou ignorar. A vida, desde os primórdios dos hominídeos e até mesmo antes deles é uma escolha, escolhemos a vida e somos escolhidos por ela todos os dias, mesmo sabendo da certeza da morte ou negando sua chegada. Por isso proponho um passeio imaginário para que possamos tentar mergulhar numa hipótese cronológica para a busca da construção desta evolução de sensações e emoções na História do Homem. Imagine que no início dos tempos o primata não dominava seu entorno, não conhecia o fogo, não preparava seus alimentos e vivia espalhado pelo mundo e contando com o acaso. Na verdade não podia contar com nada, nem com o próprio acaso, pois tampouco conhecia coisa alguma, então o Hominídeo era movido por muito pouco. Ele acordava porque abria os olhos e quando sentia sono deitava e dormia... Então o que poderia movê-lo naqueles tempos? A FOME. Lembremos que a palavra fome, sede, acaso entre outras, são construções do Homem, depois que começou a colocar significado em seu entorno e posteriormente intensamente com o desenvolvimento da escrita. Então, nosso antepassado era nômade e só se levantava para saciar esse vazio, só seguia quando essa fonte de alimento acabava e só parava quando estava repleto de alimento em seu estômago ou quando tinha sono. Do ponto de vista médico, ele parava quando o estômago estava cheio, essa sensação de prazer era provocada pela saciedade e por uma série de reações químicas como o aumento da glicemia entre outras reações. Esse Hominídeo parava se tivesse encontrado uma grande fonte de alimento, o que para ele seria sinônimo de alívio ou satisfação, já que o conceito de prazer ainda não existia, e absorveria grandes quantidades até o limite de seu estômago. Com este peso e sensação de satisfação e plenitude, provavelmente ficava prostrado, armazenando ao máximo as calorias absorvidas. Da mesma forma acontece com os bebês que mamam no peito até se saciar e depois param de chorar ou dormem, pois estão saciados, o estômago é o limite. Fome significava Vida e não encontrar alimento ou não buscá-lo significava a Morte, mas naquele tempo o Homem não compreendia desta maneira, para ele era apenas a sensação de dor, de sofrimento. Fome era e ainda é sinônimo de DOR. A fome assim como a dor é um sinal de aviso, de que algo deve ser feito para evitar a destruição do organismo, é um aviso que naquela época e, ainda hoje, vem de forma automática, é nosso cérebro quem dá esse alerta. Seguindo em nossa construção imaginária, esse Hominídeo não possuía sentimentos, mas reações, ou seja, sensações primitivas que o faziam mover-se. Ele sentia dor e se movimentava para buscar cessar essa insatisfação e com essa busca por sobreviver deveria ter um comportamento de busca, de repetição, de curiosidade, de tentativa e erro para seguir tentando outras possíveis fontes de alimento. Desistir significaria morrer, não repetir, se aquietar e não ser curioso poderia ser o fim. A necessidade de aliviar a dor e a necessidade de sono e, com isso restabelecer energias e armazenar calorias, foi e ainda é para o organismo um sistema de sinais que não permite que o organismo se deixe morrer, o cérebro luta para que o organismo não morra. Todos esses foram os impulsos natos que empurraram o Homem a seguir adiante, em primeiro lugar a Dor e em seguida a AGRESSIVIDADE, A REPETIÇÃO e a CURIOSIDADE. Quando falo em Agressividade, não quero dizer matar ou machucar que são formas mais modernas de se ver a agressividade, ou seja, é uma construção conceitual e com isso mais sentimental da agressividade. Não estou aqui para defender a violência, mas estou falando da atitude agressiva e não da violência. Uma atitude agressiva nata é aquela no sentido de defender o próprio território, manter o que é seu e ir atrás do que se necessita. Uma atitude agressiva muitas vezes é extremamente positiva e necessária para a autodefesa e sobrevivência. Uma pessoa agressiva é uma pessoa de atitude, de ação que não permanece passivamente aceitando os acontecimentos, mas luta para modificá-los à sua vontade, isso era essencial nos primórdios para a sobrevivência. Com o tempo, pela lei da natureza observada por Darwin, o mais forte ou mais capacitado iria viver mais tempo e com isso passaria suas habilidades para as gerações seguintes. Entretanto, podemos propor que os mais motivados, seriam os melhores alimentados, que estariam menos cansados e com isso poderiam se movimentar por maiores territórios e conhecer uma variedade maior de fontes de alimento, dominar o fogo, conservar a água e assim sucessivamente. A persistência em sua forma rudimentar poderia ser chamada de REPETIÇÃO e seu gatilho, ou seja, sua MOTIVAÇÃO seria a necessidade. Saciada a necessidade, seu reflexo de nova busca, sua resultante, seria o interesse, o que chamamos atualmente de curiosidade. Não se pode falar em uma sem falar da outra, elas são de certa forma a mesma coisa, mas a curiosidade, ou seja, o interesse é a incerteza do que virá e a repetição a certeza do que se tem. A tentativa na busca por comida e sua repetição foram vitais para, com o tempo, levar o organismo a incorporar esse conhecimento e conhecer as plantas, identificar o que era veneno, desenvolver o paladar, etc. As neuroses, ou seja, os transtornos de ansiedade têm muito deste comportamento de dúvida e certeza, de busca e confirmação, é como se o indivíduo estivesse constantemente buscando preencher um vazio pré-histórico que não sacia. Isso pode ser visto na Psicanálise quando o indivíduo fixado em uma mesma maneira de agir ou em um momento de sua vida, leva o paciente a repetir inúmeras vezes os mesmos atos e/ou escolhas e, mesmo que o faça sofrer, ele não consegue parar. Por fim, sentir alívio de sua dor, seja saciando a fome ou descansando à sombra levava nosso antepassado a ter um reforço positivo sobre esse comportamento, levando-o novamente a Repetição e desta forma incorporando com mais facilidade o aprendizado. Ter maior atenção no que fez e gostou poderia desta maneira fixar melhor na memória as informações do episódio vivido. Existem vários tipos de fome, a fome 1ria é a necessidade básica orgânica, ela é o impulso original, mãe de todas as outras necessidades e avó dos desejos. O cérebro começou a aprender desde os primórdios o que era necessário para que pudesse identificar as fontes de alimento, o que era amistoso, o que era perigoso e assim começou aos poucos a aprender a avaliar riscos (potencial de perda e ganho). Claro que nem todo primata se desenvolveu da mesma forma e nem ao mesmo tempo, alguns cérebros melhor estimulados e com mais experiências de resultado positivo foram capazes de ter maiores progressos. Entretanto, após vários tantos milhares de anos, a Humanidade passou a ter um desenvolvimento relativamente mais uniforme nas capacidades adquiridas e foi desenvolvendo automatismos. Acredito que as emoções começaram a fazer parte inevitável deste desenvolvimento, potencializando a própria evolução da Humanidade. É possível que a natureza pré-histórica tivesse outra maneira de funcionar, ou seja, uma fisiologia diferente da que possuímos hoje, mas que tenha resultado no que somos. Por exemplo, é possível que a placenta demorasse mais a se desprender da parede uterina e que o filhote tivesse que ficar maior tempo preso à mãe como sendo parte dela e desta forma ela não pudesse abandoná-lo. O filhote ficando no nível do peito da mãe, agarrado com as mãos bem fechadas e com sua boca próxima a região das mamas para desta forma poder alimentar-se e agarrar-se ao mesmo tempo. Nota-se que nas áreas de Brocca, uma classificação anatômica do cérebro, vemos que as áreas correspondentes às mãos e a boca são as mais desenvolvidas, ou seja, grande parte do cérebro é destinada ao funcionamento das mãos e da boca, provavelmente as áreas mais necessitadas e que mais formam estimuladas no organismo. No homem moderno, a áreas das mãos e da face são as mais desenvolvidas e habilidosas. Este tempo em que mãe e filhote ficavam ligados poderia estimular o desenvolvimento do apego já que, no princípio, a mãe não tinha o conceito do nascimento de um filho e sim, mais possivelmente, veria o filhote como uma continuação de seu próprio corpo. Com o desenvolvimento do apego e o crescimento do filhote é provável que tenha se desenvolvido também a Empatia e que a mãe começasse a perceber a presença de outro ser que dependia dela, que de certa forma era como uma parte dela, mas independente. Nota-se que inclusive nos tempos atuais, muitas mães ainda se referem aos filhos como uma parte delas e realmente são, metade delas e metade do pai, mas acredito que ter que carregá-los fez uma diferença crucial na vida de todos nós. Essa mãe teve que aprender a decodificar as expressões faciais deste filhote para compreendê-lo e com certeza essa Empatia proporcionou um salto enorme no desenvolvimento da Humanidade, tanto em termos psicológicos do desenvolvimento do Ego primitivo até o surgimento dos sentimentos. A Empatia proporcionou a individualização mais consciente e também o espírito de companheirismo, de se colocar no lugar do próximo, de perceber suas dores e ser fraterno com o outro. A Empatia proporcionou a união, a solidariedade e reduziu a agressividade negativa, tornando-se com certeza o propulsor da formação das famílias e da sociedade. A formação de grupos na Pré História era vital para manter a sobrevivência da espécie, os indivíduos quando unidos se faziam mais fortes. Aqueles que tivessem maior capacidade de socialização, liderança e empatia tinham vantagem no sentido de permanecer no grupo, assim como hoje ocorre com a maioria dos adolescentes, grupo era sinônimo de proteção. Provavelmente não somente os doentes, os velhos e os fracos ficavam para traz, mas também aqueles que não conseguiam estar no grupo por alguma incapacidade de socialização. É interessante observar que muitos pacientes que apresentam Transtorno de Personalidade Antisocial buscam imitar os sentimentos e atitudes dos demais, como se ainda não tivessem aprendido, como se seu cérebro fosse ainda imaturo ou não desenvolvido para essa determinada aptidão. Isso já é comprovado cientificamente, existe uma diferença no funcionamento destes cérebros. Ressalto os que pacientes com Transtorno de Personalidade Antissocial, popularmente chamados de Psicopatas, não possuem sentimentos de culpa ou remorso e na maioria das vezes simulam ou fingem o sentimento, buscando imitar as reações que observa nas pessoas ao seu redor. É possível que não somente os pacientes com Transtorno de Personalidade Antissocial, mas também os Narcisistas tenham dificuldade no desenvolvimento da Empatia a nível neurológico, pois já existem alguns estudos que demonstram diferenças no funcionamento do cérebro em diversos transtornos mentais, como é o caso dos pacientes psicopatas. É possível que eles tenham sido minoria e eliminados por seleção natural. Seguindo essa linha de raciocínio, não somente a necessidade de proteção, mas igualmente o afeto, começou a modificar a conduta do primata, que com o tempo começou a permanecer no grupo por vontade própria e não somente por necessidade. A maneira como as mães criavam e davam afeto aos seus filhotes faziam com que o bando não se dizimasse. Os grupos em que os machos permaneciam por mais tempo ou com maior número de machos se tornavam mais fortes. O apego, ou seja, o Afeto, fez com que a primeira comunicação ocorresse através do olhar, as mães sabiam o que os filhos queriam mesmo sem existir a fala. Famílias que se compreendiam melhor brigavam menos, eram mais numerosas e acabavam menos propensas aos perigos. Sabendo o que queriam começaram a se ajudar melhor e a cooperar mais uns com os outros. Já sabemos que a maior parte da comunicação é não verbal, aprendemos desde cedo a decodificar as expressões faciais com nossas mães e com as pessoas que nos acompanham nos primeiros anos de nossas vidas. O afeto é uma forma poderosa de comunicação. É interessante ressaltar que o primata que tem maior relação com nossa identidade genética são os bonobos, que compartilham 99,6% de nosso DNA, mais que os chimpanzés e uma importante característica desta espécie é a grande demonstração de afeto (Ref. 8; 15). Além do formato das mãos e dos pés, própria para subir em árvores e agarrar objetos, uma característica que diferencia os primatas dos outros mamíferos é a visão, capaz de ver à cores e tridimensional, muito diferente da maioria dos outros animais cuja principal característica é o olfato. Destaco que no desenvolvimento embrionário dos sentidos que mais precocemente surge no feto humano é a visão e audição. Os sentidos são tão importantes para a vida humana que já se desenvolvem nas primeiras 7 semanas de gestação. Existem estudos que referem que o feto já apresenta intraútero capacidade para escutar e identificar a voz da mãe e das principais pessoas que convivem na casa. Ele nasce com capacidade para captar imagens, mas não identifica o que enxerga, o bebê aprende a colocar significado na imagem com o tempo, pois enxergamos com o cérebro. Ele descobre como é o rosto da voz que escutava dentro do útero e essa voz passa a ter uma representação exterior concreta que se tornará conhecida para a criança com o passar dos meses. Todos os estímulos são internos e o bebê acredita que ele é o centro do mundo, somente com a descoberta dos objetos externos e com o tempo, vai incorporando os significados, o que antes era visto e sentido como interno passa a ser percebido como externo e a consciência do bebê se expande. A criança cresce e começa a ser capaz de conviver com os demais sem achar que é o centro do Universo, começa a se socializar melhor e a interagir melhor com seu meio, isso é um processo. O desenvolvimento das habilidades de uma criança com 10 anos dos tempos atuais tardou milhares de anos de evolução para ocorrer. Acredito que repetimos todo o processo da escala evolutiva, mas com a rapidez do neurodesenvolvimento adquirida pela evolução da espécie. Observando o desenvolvimento do bebê, vemos que seus primeiros reflexos são os de sucção e a força da mão fechada, pois compartilhamos a mesma origem com os primatas. Aliás, Darwin chamou de Árvore da Vida, cuja origem celular é a mesma, mas que devido a diversas influências ambientais foi se diferenciando e gerando mais e mais ramificações e diferentes espécies. Sem sombra de dúvida somos possuidores de reflexos arcaicos e trazemos conosco uma memória celular bastante poderosa. Graças a ela somos capazes de nos reproduzir e graças à influência do meio fomos capazes de incorporar pequenas modificações que, juntamente com a persistência de centenas e milhares de anos sob o mesmo estímulo, conduziu a uma modificação celular, gerando aptidões. Essa última idéia é o que teorizava Lamarck e, em minha opinião é complementar às teorias de Darwin, sendo assim, Lamarck é um reflexo de Darwin. Darwin se deu conta que a evolução não poderia acontecer em processo linear como acreditava Lamarck, mas sim como uma árvore com suas várias ramificações e tendo uma origem comum, acredito que a repetição do mesmo estímulo por gerações foi capaz de modificar o DNA. Na expressão da emoção não é apenas uma estrutura que funciona como papel central, mas um sistema em conjunto que possibilita a existência da emoção, no caso o Sistema Límbico. A emoção somente é possível devido ao estímulo mobilizar a região do córtex e o sistema autônomo e através do processamento do sistema límbico e seus neurotransmissores conduzir a uma cascata de reações. Muitas vezes ouvi que somente o Brasil tem uma palavra que define saudade, mas encontrei uma similar em japonês que traduz algo parecido, ITOSHI (vontade de encontrar a pessoa amada que não está presente). Outras diferenças são interessantes como, por exemplo, o Taiti não tem palavra para tristeza e o conceito ansiedade não existe para os esquimós. Muitas palavras em português são encontradas em listas na internet para qualificar sentimentos e emoções e, encontrei uma bibliografia que mencionava existir em Inglês mais de 500 palavras e acredito que novas poderão ser inventadas. Falando um pouco de História Moderna, Schlosberg em 1954, percebeu que a emoção envolvia um aspecto avaliativo, pois geralmente as pessoas dividiam as emoções como agradáveis ou desagradáveis. Já em 1975, Ekman determinou 5 emoções fundamentais (alegria, medo, tristeza, repugnância e raiva) e na década de 90 incluiu mais 4 (desprezo, vergonha, culpa e interesse) e estimou que os músculos faciais poderiam criar cerca de 7 mil expressões diferentes. Alguns estudos passados foram realmente muito instigantes, revelando que as pessoas cegas também têm a capacidade de expressar emoções universais, pois mesmo sendo cegas de nascimento expressam alegria e tristeza da mesma forma que uma pessoa não cega, ainda que jamais tenham visto um rosto humano. Somente há 200mil anos começamos utilizar a comunicação verbal, com isso aumentamos nosso potencial para estimularmos e influenciarmos ainda mais uns aos outros. Na Teoria do Big Bang lingüístico, a fala resultou possivelmente de um gene único autossômico dominante. Entretanto, acredito que primeiro ocorreu o estímulo e depois se produziu a marca no gene, ou seja, seu registro. Neste caso o gene FOXP2 do cromossomo 7 que sofreu a mutação, ocorrendo após este processo a diferenciação dos Hominídeos (Ref. 15). O Hominídeo não desceu das árvores e começou a caminhar porque ficou mais inteligente, foi o meio que o forçou a começar a caminhar. As árvores foram diminuindo e com pouco espaço os macacos foram obrigados a descer. Da mesma forma acredito que o ser humano somente começou a falar pressionado internamente pela necessidade, tensão ou impulso de querer se expressar ainda mais. Acredito que a emoção foi o grande estímulo interno, gerando cada vez maior necessidade de comunicação, não apenas visual, mas comunicação verbal. Para falar, além de capacidade cerebral é necessário ter cavidade oral, lábios e a migração posterior da laringe que só ocorre por volta de 1 ano de vida, processo que finaliza por volta dos 14 anos. Cabe salientar que o Homo Erectus possui uma laringe correspondente a uma criança de 8 anos (Ref. 8), ou seja, ainda o Homo Erectus não estaria plenamente desenvolvido para tal tarefa. Não somente a satisfação da pulsão sexual, mas principalmente a catarse, proporciona redução da angustia. Freud acreditava na melhora do paciente através da lembrança do trauma, mas acompanhada da experiência da expressão da emoção daquele momento, enfatizo. Em seu livro, Evolução do Cérebro de Dalgalarrondo, o autor cita um artigo em que aves tanto herdam a capacidade de cantar quanto a aprendem e desta forma identificam uns aos outros, podendo também identificar ‘’dialetos’’ entre eles, ou seja, as aves se expressam. Todos os animais seguiram e seguem evoluindo em suas espécies, mas não é unicamente o tamanho do cérebro o determinante para ser mais capacitado e sim a especialização e complexidade do tecido, cada organismo é único e especial. Os Genes Hox, por exemplo, são 8 genes que são uma seqüência de DNA chamada Homeobox que coordenam a seqüência da construção do corpo dos vertebrados, foram neles que surgiram os pares cranianos (Ref. 15), algo que não é exclusivo dos humanos. ‘’... a origem dos vertebrados surge de um desvio ecológico de alimentação de partículas em suspensão para uma busca mais ativa de alimentos mediante estratégias de predação ativa’’ - Dalgalarrondo Aproveito a citação para destacar a influência do meio e da alimentação sobre a espécie, assim como a busca por esse alimento. Há 13 bilhões de anos ocorreu o Big Bang, uma explosão de energia que é a mesma que alimenta tudo a nossa volta até hoje. Há cerca de 3,8 bilhões de anos alguns desses elementos se combinaram surgindo o DNA e com isso o primeiro microorganismo, as bactérias. Entretanto apenas há cerca de 500 milhões de anos atrás surgiram os peixes primitivos e o real aumento dos mamíferos somente ocorreu após a extinção dos dinossauros. Acredito que com a agressividade de um dinossauro, ainda que alguns fossem herbívoros, os sentimentos não existiriam, pois o mais provável é que seríamos alimento para eles. Bem vindo os mamíferos com seu sangue quente e suas emoções e, cabe destacar novamente uma das maiores características dos mamíferos, eles amamentam seus filhotes. CAPÍTULO III HIPÓTESE CRONOLÓGICA DAS EMOÇÕES/ SENTIMENTOS ‘’A ciência ainda tem muita coisa para descobrir sobre a árvore genealógica do Homem. Vários milhões de anos de nossa história não estão documentados sequer por algum fóssil relevante. Neste quebra cabeça evolutivo faltam peças, mas com esforço imaginativo pode-se traçar, mesmo que imperfeitamente, uma história inteligível de como criaturas simiescas aos poucos foram se tornando humanas’’ (Ref. 6). Acredito que os sentimentos são construções intelectuais de nossa mente superior, ou seja, do Homem como o conhecemos agora, e não de nossos ancestrais mais primitivos. Entretanto, quando somos crianças não temos esses conceitos e estamos em processo desta construção e destas definições, busca esta muitas vezes inconsciente e que levará uma vida inteira para ser sentida , construída e reconstruída. Deixo claro que não estou referindo que crianças não tenham sentimentos, o que estou referindo é que os sentimentos são construções intelectuais baseadas no tempo e no conjunto histórico das reações ao longo da vida. Seguiremos tendo emoções ao longo de toda a vida, mas sentimentos como amor são construções intelectuais, assim como a Paz é uma construção e pode ser também um objetivo. Não é possível ainda determinar exatamente em que tempo de vida a sensação passa a se transformar em emoção durante o desenvolvimento do bebê, mas quanto maior a idade cronológica e estímulo, mais capaz é o Ser Humano de perceber seu mundo interno e externo. Essa percepção e o estímulo para tal é essencial para o desenvolvimento da Inteligência Emocional. Existem diversos estudos que confirmam que o bebê tem diversas sensações, como dor, sendo o choro muitas vezes a reação a essa dor, a esse estímulo. No estudo do desenvolvimento dos bebês se percebeu que eles têm cerca de 4 tipos diferentes de choro, pois o choro passa a ser a comunicação primária do bebê, uma forma de conversar e de atrair a atenção dos pais. Entretanto, no início o choro não tem significado para o recém nascido, o choro é só de dor ou desconforto, mas aos poucos vai adquirindo significado. Com o tempo a criança e os pais vão percebendo o que significa cada choro conforme seu tom, intensidade, etc. Essa incorporação de significado de uma sensação a transforma em uma emoção, o bebê vai incorporando essas diversas sensações e seus significados em emoções à medida que cresce. É um processo constante e simultâneo e que necessita de estímulo, reação neuroquímica e memória. A neurofisiologia seria: O Estímulo é captado por receptores e seu processamento resulta em uma reação primária que reflete na produção de uma sensação determinada (prazer, desgosto, etc). Esta sensação provoca imediatamente uma emoção que seria uma reação secundária à sensação em questão. Esta reação secundária, a emoção, geralmente é acompanhada de algum movimento motor, como expressão da face, demonstrando o que foi percebido internamente e invocando memórias afetivas que contribuem para essa reação secundária. A persistência da Emoção e maior qualidade de mobilização de memórias afetivas e reações já vividas, juntamente com a racionalização cognitiva, levam à formação do sentimento. Isso tudo acontece muito rápido, às vezes o processo secundário é quase simultâneo com o processo primário. A racionalização cognitiva é um processo mental superior, igualmente é um mecanismo de defesa que tenta filtrar e amenizar o impacto que Freud dizia ocorrer quando algo extremamente forte nos afeta. É uma tentativa de ordenar o estímulo recebido e não desestruturar a construção, ou seja, o funcionamento cerebral prévio. A racionalização é inevitável, pois a tentativa cerebral em compreender e se proteger leva a uma possível repetição do pensamento e revivência da emoção até construir uma base de dados chamada sentimento. Portanto, todo sentimento tem uma cota de razão, o cérebro exige entender o que aconteceu e buscará de todas as formas, com a capacidade que possui para simbolizar, ou seja, poder representar mentalmente os fatos. A emoção é um sentimento primário, não menos importante, a emoção e o sentimento são conseqüentes e complementares, mas podem acontecer tão simultaneamente que a pessoa pode ter sentimentos sem transmitir ou transparecer emoções. Falar em sentimento é falar em memória, razão e emoção e é por isso que os sentimentos são tão complexos. O sentimento é uma base de dados, uma construção intelectual que cria uma raiz e uma identidade ao longo do tempo e que segue sendo alimentada por toda a vida. Geralmente o sentimento remete a uma série de lembranças e recordações, é impossível pensar no Amor e não lembrar-se de algo. Os sentimentos necessitam de experiência, de vida, de Humanidade e esse é o grande diferencial em nosso cérebro. Essa capacidade de desenvolvimento de sentimentos é o grande diferencial entre nós e as outras espécies, somos os únicos capazes de fazer, pois somos a única espécie que realiza o processo de simbolização. Sem o processo de simbolização é impossível que o amor, a paz, a felicidade, entre outros sentimentos se tornem conceitos e filosofias de vida, cada um tem a própria idéia e necessidade de felicidade, por exemplo. Inclusive a própria emoção é uma reação baseada em uma experiência prévia, ou seja, necessita da memória, sem memória não somos nada. Sentimento significa Humanidade, se perdermos nossos sentimentos perderemos nossa Humanidade. Para resumir, precisamos de nossa memória (nossa base de dados), de nossos sentimentos que são nossa emoção e razão, para permanecermos com nossa identidade Humana e desta forma poderemos preservar nossa história e construir nosso futuro. Quando unimos nossa razão e emoção, fazemos as coisas com sentimento e tudo que é feito com sentimento se torna especial, tem um diferencial. ESTÍMULO → CAPTAÇÃO PELOS RECEPTORES → REAÇÃO 1ria: SENSAÇÃO → REAÇÃO 2ria: EMOÇÃO → REAÇÃO 3ria: SENTIMENTO Ainda que algumas etapas possam ocorrer quase que instantaneamente, nem toda sensação é uma emoção. Usando a fome como exemplo, podemos ver que ela é uma sensação muito poderosa que pode levar a uma determinada emoção ou conjunto delas. A pessoa pode sentir-se mais ansiosa, desconfortável e, com a persistência desse estímulo, surgir diversos tipos de sentimentos baseados no histórico emocional desta pessoa, podendo variar a uma ampla gama. Um exemplo ilustrativo é a prática clínica, onde com freqüência observarmos a relação de afeto que muitos pacientes têm com a comida, muitos apresentam grande dificuldade em manter uma dieta adequada porque sentem tristeza quando não podem comer determinados alimentos. Retomando o tema da evolução, acredito que levamos milhares de anos para chegar ao estado atual e fazer todo o processo com extrema rapidez, o fruto desta evolução pode ser acompanhado no neuropsicodesenvolvimento de nossos bebês. Acredito que os fetos a princípio têm apenas reações aos receptores e com isso sensações primárias, com o tempo essas reações primárias vão criando essa base de dados que vai incorporando significado. Essa base que vai se formando no feto e no início da vida dos bebês é o temperamento, na medida em que essa base se torna antiga, muitas vezes torna-se difícil de moldar, melhorar ou aprimorar, essa tentativa de modulação e de expressão emocional é um dos papéis do terapeuta e antes de nós, dos pais. Acredito que os recém nascidos têm na maioria Reações 1rias e 2rias e, conforme os estímulos que recebe e seu desenvolvimento prosseguem alcançando estágios seguintes. Por isso é tão importante os primeiros anos de vida para todo Ser Humano, pois ele está formando uma identidade emotiva primária, como uma célula antiga, uma base para desenvolver sua Inteligência Emocional, que sabemos ser tão importante quanto o Coeficiente de Inteligência. O que reforça esse pensamento é o fato de que os bebês não nascem enxergando, mas aprendem a ver, eles são capazes de receber as imagens através dos olhos, mas não sabem o que elas significam, pois enxergam com o cérebro e, portanto, aprendem o significado do que vêm. O alívio de toda dor e de toda tensão traz uma sensação de prazer e esse prazer reforça no bebê e, em todos nós, uma memória deste episódio. A seqüência de sensações prazerosas ou desagradáveis cria um traço, uma marca ou uma cicatriz em nossa mente que influenciará nossa personalidade e com isso nossas atitudes. Seguindo na linha das emoções, proponho seguirmos imaginando como elas poderiam ter surgido na Humanidade. É possível que existam emoções básicas assim como são as cores básicas, que se potencializadas, somadas ou inibidas possam gerar novas emoções. Devemos pensar no organismo como um funcionamento primário, Ligado ou Desligado, em estado de Alerta ou Relaxado, como são as origens da vida, com suas cargas elétricas e os potenciais celulares de excitação que, somente com o tempo, foram se especializando e modificando estruturas elétricas por transmissões químicas e mais adiante por neurotransmissores excitatórios e inibitórios. Somos estimulados ou desestimulados, permanecemos neutralizados ou somos potencializados e isso para tudo, tanto para uma descarga elétrica quanto para uma emoção. Surgiram os primeiros átomos, em especial o Hidrogênio e com isso as primeiras galáxias. Nasceram as primeiras estrelas através do aumento da temperatura e dos choques de Hidrogênio formando Helio e gerando luz. Com isso novos elementos foram surgindo, através dessas explosões estelares (podemos dizer que viemos do pó das estrelas e por ironia ao pó voltaremos). Nosso sol foi a terceira estrela que nasceu e nossa Terra surgiu há cerca 4 bilhões de anos. Com o choque de explosões, uma parte da Terra se deslocou e se condensou formando nossa lua, nosso satélite que nos protege do sol e traz a marcação do tempo, a oscilação do clima e a presença dos ciclos da natureza, assim começou nossa ambiguidade e a regência dos opostos. O Universo se formou e o silêncio nunca mais existiu, os cientistas dizem que até hoje recebemos estas ondas, que são ondas de rádio, ainda que imperceptíveis a audição natural do homem, mas que podem ser percebidas através de um canal de televisão fora do ar. O som é extremamente poderoso e fazendo uma alusão à Gênesis, a Bíblia menciona que Deus falou e a luz se fez. Quando ouvimos uma melodia podemos ser estimulados ou inspirados por ela, se a música é melancólica e estamos tristes podemos potencializar esse sentimento, da mesma forma que numa cena de um filme a música acompanha e evidencia a emoção em questão. Ocorre o mesmo com nossa voz, que não deixa de ser uma melodia, nossa música pessoal. O tom de voz é capaz de transmitir ao menos em parte como estamos nos sentindo e também pode colocar ênfase, potencializar alguma palavra ou idéia, colocando-a em destaque. Seguindo com a idéia de estímulo, a necessidade por nutrientes sempre foi vital para o organismo, desde o início da vida na Terra, nas formas de vida mais simples, a necessidade por nutrientes foi o ‘primeiro movimento celular’. As primeiras formas de vida se desenvolveram por estarem mergulhadas em uma abundância de elementos químicos que proporcionou essa nutrição, os cientistas desta área a comparam a uma sopa nutritiva que foi capaz de iniciar combinações, gerando com isso, movimento destes elementos. Entretanto, foi evidente que essa sopa nutritiva não seria eterna, tanto é que estamos aqui e com a evolução do microorganismo, houve também a necessidade dele se autoconduzir para obter o próprio nutriente. Começava, desta forma, a busca pela autoconservação. Por isso acredito que a fome seja um estímulo primário muito antigo e a dor é um reflexo dela, assim como nossa atitude é um reflexo condicionado e também um reflexo de nossas escolhas, nossa atitude é um reflexo de nossa personalidade e nós somos o reflexo de ontem. “Grande parte de nosso comportamento é motivada por necessidades como fome, sede e fuga da fadiga ou da dor”. (Ref. 14) Acredito que possuímos uma gama de emoções que se auto-alimentam, transformam, se reproduzem e se estimulam e, mediante nossa capacidade de Ego, somos capazes de absorver, compreender e desenvolver. Penso também que a soma de várias emoções simultâneas, sem processamento prévio poderia levar a instabilidade, ao caos e turbilhão no Ego. Acredito que caso o Ego não possa superar esta instabilidade momentânea e retomar seu equilíbrio, sua homeostase, pode ocorrer uma cisão. O rompimento do Ego pode gerar uma cicatriz ou uma lesão tão profunda que em alguns casos não permite ao Self se reorganizar adequadamente, já mencionado por Freud, cuja barreira do Ego foi insuficiente para filtrar ou diminuir o impacto do estímulo recebido. Acredito que em outros casos, frente à exposição de um estímulo parecido, não necessariamente ocorre uma cisão, mas uma ferida que se encontra impedida de cicatrizar, levando a casos mais adaptáveis de conseqüências que podem variar de reações explosivas de emoção até pequenos núcleos psicóticos escondidos no Self. No Congresso Mundial de Psiquiatria em Buenos Aires, tive a oportunidade de assistir a palestra da pesquisadora italiana Donatela Marazziti que falou sobre o processo neuroquímico da Paixão e Ciúmes. Em ambas as emoções, a pesquisadora observou que ocorre primeiramente o ATACHMENT, uma ligação. Na Paixão o objetivo é a conquista, ganhar evidência, território, já na situação de Ciúmes a idéia é de ameaça e geralmente ocorre a necessidade de proteger esse território. ‘’O corpo poderia não tolerar estar em permanente estado apaixonado’’ Donatela Marazziti Tanto no ciúme como na paixão se observa um estado inicial de aumento de tensão onde a pessoa tenta conquistar alguém, como no caso do amor ou preparar-se para defende seu território como no caso do ciúme. O ciúme é uma reação que envolve uma ameaça, risco de perda e mobiliza os mesmos neurotransmissores que o amor segundo Donatela. Na paixão há grande papel da serotonina e cortisol, além de uma redução da testosterona no homem e do aumento na mulher de testosterona e oxitocina. O que se percebe é um padrão de aproximação e separação com interação da oxitocina e vasopressina, o que gera um sistema de adição, como esclareceu a pesquisadora italiana. Um estudo dos anos 90 demonstrou que as mulheres têm mais ciúmes do envolvimento emocional de seus parceiros e os homens apresentavam mais ciúmes do envolvimento físico. É interessante pensar que essas sensações primitivas foram se desenvolvendo e se potencializando e se processando em novas emoções. Muitas emoções passam a ser igualmente além de emoção um sentimento, uma construção intelectualizada. Darwin acreditava que a emoção era um reflexo da evolução, os animais evoluíram e em sua trajetória já foram comandados apenas pelo tronco e seus reflexos e, posteriormente, por outras estruturas como o sistema límbico, responsável pela emoção e pelo córtex. Na teoria do Impulso opera o princípio de manter a homeostase, enquanto que a teoria do Incentivo propõe um objetivo externo que influencia o comportamento. Abraham Maslow teorizou décadas atrás sobre a existência de uma hierarquia de necessidades, que passaria para a fase seguinte conforme as necessidades do estágio anterior tiverem sido atendidas. Maslow desenvolveu uma pirâmide onde a base são as Necessidades Básicas como fome e sede; em seguida está a Necessidade de Proteção; depois a Necessidade de Pertinência e Aceitação; no estágio seguinte a Necessidade de Reconhecimento; um estágio acima as Necessidades Cognitivas de compreensão e conhecimento; depois Necessidades Estéticas de ordem e beleza e por último a Necessidade de Auto-realização, onde citou: O que um homem pode ser, ele tem que ser. A necessidade e o incentivo forçam a motivação, sendo a emoção um grande motor para a motivação. Tanto a palavra motivação quanto a palavra emoção representam movimento, ação. Silvan Tonkins, Carroll Izard e Robert Plutchik realizaram listas com pelo menos 8 emoções básica, os dois primeiros fizeram listas praticamente iguais e maiores; ambos citaram medo, raiva, repugnância, interesse, surpresa, desprezo, vergonha e tristeza. A diferença consistiu em que o primeiro considerou também prazer e sofrimento; o segundo culpa e alegria e o terceiro não considerou desprezo, vergonha, sofrimento, culpa, prazer, mas considerou expectativa e aprovação. Em minha opinião culpa não poderia ser uma emoção primária, mas seria um sentimento, um processo terciário e a expectativa poderia ser o interesse, referido nas listas dos primeiros citados. Também relaciono a surpresa com o fator susto, citado por Freud em seu livro Além do Princípio do Prazer. Plutchik também criou um modelo em que as emoções variavam conforme intensidade e poderiam combinar-se gerando outras, na forma de um bolo ou pudim invertido onde na camada inferior teríamos as emoções menos intensas (contrariedade, tédio, melancolia, distração, apreensão), no recheio uma camada intermediária (repugnância, tristeza, surpresa) e na camada superior a expressão de emoções consideradas por ele mais intensas (raiva, fúria, desgosto, pesar, assombro, terror, medo adoração, êxtase, vigilância). Acredito que a satisfação oral ou sua insatisfação somada a indivíduos com maior ou menor capacidade de excitação determinou reforços positivos e negativos no comportamento desses indivíduos, construindo memórias afetivas, ou seja, emocionais, que carregamos até hoje e que conforme o desenvolvimento de cada um vai incorporando novos significados sob a forma de sentimento. CAPÍTULO IV NOVAS E ANTIGAS IDÉIAS Há cerca de 50 anos atrás alguns científicos propuseram modelos para estudos de traços de personalidade, como Eysenck que estudou os traços de Extroversão e Neuroticismo; Cloninger que estudou alguns traços herdados para emoções básicas como Medo (esquiva ao dano), Raiva (busca por novidades) e Gray que falava em termos de modelo para cima e para baixo, onde a Ativação do comportamento seria a Impulsividade e sua Inibição se apresentaria sob sintomas de Ansiedade. Lara, Cloninger, Akiskal e uma série de outros autores já reconheceram a raiva e o medo como sentimentos muito primitivos e que seguem presentes na atualidade, mais ou menos modificados nas pessoas e com possibilidade de modulação e maior sensibilização e/ou desensibilização ao longo da vida. Muitos autores sugeriram a Raiva como drive ou vontade, conforme menciona Diogo Lara em seu livro O Modelo de Medo e Raiva, acredito que todas as emoções são influencias sobre nosso comportamento e sentimento, mas a Raiva é um forte potencializador, uma emoção capaz de potencializar fortemente as demais emoções. A Raiva pode ser motivada por algo e se seu processamento não é adequado, pode voltar-se contra o próprio indivíduo como nos casos de Neuroticismo, uma ansiedade ruminante que faz com que o indivíduo se autocritique ferozmente e martele em sua cabeça idéias que não lhe deixam em paz, como se fossem idéias persecutórias, assim como ocorre com o psicótico, mas sem perder o senso de realidade. O Neuroticismo é quase uma Psicose, só que em termos aparentemente mais leves para a sociedade, mas talvez menos leves para o paciente, pois além de causar sofrimento, pode interferir em seu juízo tornando-o mais crítico e severo consigo mesmo. O paciente neurótico de certa forma é como o narcisista em outra esfera, pois se responsabiliza por tudo, se achando o centro de toda a culpa. Em muitas situações a crítica pode ser construtiva, o problema é quando essa crítica é injusta ou cruel e invalida o sujeito, isso seria equivalente a uma autoviolência emocional, ou seja, o famoso autoBullying. É interessante destacar que antes mesmo destes pensamentos, Freud já havia descrito essa Ativação ou Inibição como maior e menor Excitação/Tensão. Conforme também já havia observado Freud, a compulsão parece ser orgânica e sua importância está em exercer forte influência sobre o comportamento e, de certa forma, a Fixação poderia ser sinônimo de Compulsão, onde o indivíduo fica engessado e preso a um mesmo sistema de funcionamento. Novamente temos a interação de Freud com Darwin, pois nosso ego nos instiga a manter-nos constantes e nosso meio nos instiga a seguir adiante, seria o impulso contra e estática. Seguindo nessa linha de raciocínio, é interessante ressaltar que a impulsividade reflete a ação direta da dopamina e que uma das manifestações do Transtorno de Parkinson é a dificuldade no movimento, caracterizado pelo tremor intencional e com dificuldade para iniciar o movimento. O impulso para ser adequado deve atingir o objetivo sem excedê-lo, sem ser excessivo, sem desperdício de energia, mas sem bloquear-se ou esgotar-se antes do tempo. O impulso deve existir, pois sua falha pode resultar em extinção ou em casos atuais de incapacitação. Acredito que só exista o impulso de autopreservação e sua ausência seria uma falta de impulso. Parece-me mais esclarecedor pensar assim do que aceitar a designação de pulsão de morte, pois a falta ou falha no impulso me parece uma ausência de pulsão, uma falha na resposta natural. Freud falou de Eros (um dos tipos diferentes de amor de acordo com a mitologia grega) e determinou a libido como a origem da pulsão ou do impulso elétrico, funcionando como um gatilho ou drive, capaz de gerar um impulso. Para Freud o drive, impulso, vontade ou a Raiva/busca por novidades, essa energia ou Pulsão era proveniente da libido. Cabe salientar que pacientes muito impulsivos geralmente são muito agressivos no sentido de serem mais alertas, ou seja, estar mais facilmente e mais constantemente em estado de Excitação. Com freqüência é comum o aumento da impulsividade nos episódios maníacos, estados de hipersexualidade e aumento do apetite sexual e com freqüência nos quadros de ansiedade a ejaculação precoce. Não acredito que a libido seja um impulso no sentido da vida ou da morte, mas um impulso elétrico, neuroquímico que pode ser usado para vários fins e de diversas maneiras. A libido é sempre potencialmente agressiva, não em um sentido negativo ou positivo da palavra, mas como uma carga de Excitação, ou seja, de Estado de Alerta, de Ataque ou de arranque, drive. Acredito que parte da energia ou libido intrapsíquica é usada para manter a estabilidade do indivíduo, mas que somos potencialmente excitáveis e que o desafio maior é aprender a utilizar essa energia extra e descarregá-la de forma produtiva, transformadora e intencional através da razão e consciência. Freud correlacionou a ambivalência entre amor (afeição) e ódio (agressividade), como pulsões opostas de vida e de morte. Não concordo com essa relação, para mim o amor e o ódio, o medo a alegria têm a mesma origem, ou seja, a mesma essência assim como os demais sentimentos e emoções, exceto a Indiferença que é a ausência de emoção. O sadismo é uma reação primitiva de agressão imposta ao outro. Acredito que o masoquismo é a falha da autopreservação, uma incapacidade de contingente ou armazenamento da libido impulsional e uma percepção distorcida da satisfação alheia introjetada como verdadeira, mas falsa autosatisfação (de certa forma o masoquista ‘pegaria emprestado’ a sensação de prazer do outro). O masoquista se projeta no outro e através da identificação projetiva assume o prazer do sádico, sente o que o outro sente, se prejudica e se satisfaz, deixando em parte de ser quem é para fusionar-se no outro. Freud faz referência á imortalidade dizendo que as únicas células potencialmente imortais são as células germinais que são capazes de se desenvolver em um indivíduo novo e citou Weismann que considerava os indivíduos unicelulares como potencialmente imortais ao contrário dos multicelulares. Também em seu livro Além do Princípio do Prazer, mencionou os estudos de Weismann, que dizia ser a morte uma aquisição tardia de organismos celulares mais desenvolvidos. Freud citou a experiência de Woodruff que chegou até a 3029ª geração acompanhando uma célula única dividir-se sozinha, trocando a água e seus dejetos e que só não seguiu dividindo-se porque o cientista decidiu interromper o experimento. Nestas experiências Woodruff viu que o que causava a fraqueza celular eram os produtos de excreção de seu próprio metabolismo, ou seja, o que com o tempo causava a morte celular. É o mesmo que ocorre nos processos de oxidação de nossas células e sua morte celular definitiva, após um grande número de renovações (apoptose). De acordo com a evolução das espécies, já fomos unicelurares e, portanto, imortais, mas hoje evoluímos a células multicelulares. Muitos acreditam que o sexo é o principal motor propulsor para a ação, mas vejo a fome como um impulsor primário poderoso. Em minha opinião sexo e fome não podem ser comparadas, pois fome é uma sensação primária e sexo é uma sensação secundária, mas ambas podem ser além de sensações, objetivos. Na fome existe a necessidade de sanar, resolver a sensação desagradável mais antiga que conhecemos; de qualquer forma, ambos geram e potencializam emoções. O sexo é um ato aprendido ou conquistado posteriormente capaz de funcionar como veículo para descarregar a carga de excitação que Freud chamou de angustia, mas não é a única forma de descarregá-la. Ninguém morre se deixar de fazer sexo por 1 ano, mas se deixar de se alimentar, com certeza já estará morto. Na atualidade, o sexo recebeu uma conotação sensual, outras vezes romântica, em outras, perversa ou com objetivo de procriação, mas em minha opinião esses conceitos são do Homem Cognitivo, ou seja, do Homem Contemporâneo. Retomando a esfera dos sentimentos, Darwin mencionou que as emoções eram o resultado da evolução, as teorias evolucionistas influenciaram diversos cientistas, assim como Darwin influenciou a Freud e a muitos outros cientistas e pensadores. Richard Solomon, por exemplo, era um psicólogo que acreditava no equilíbrio do cérebro através da neutralidade da intensidade das emoções e chamou de Teoria do Processo Oponente. Essa teoria tinha 5 fases, a primeira afirmava que a experiência produzia uma emoção forte, na segunda fase ocorria uma pósreação, na terceira etapa a interação de ambas provoca a formação de um modelo, na quarta etapa desaparece a emoção e segue a pós-reação e na última fase a pós reação se intensifica toda vez que ocorre uma experiência similar (Ref. 9). Esse processo tem muita relação com a maior ou menor capacidade de Resiliência e com pacientes que sofrem os diversos processos traumáticos, além de demonstrar como uma sensação pode transformar-se em uma emoção. Seyle, por outro lado, desenvolveu o conceito de SAG, Síndrome de Adaptação Geral nos quadros de ansiedade crônica, caracterizada por 3 fases: Reação de Alarme, Resistência e Exaustão. Acredito que em outros casos o que ocorre não é a Exaustão, mas sim o processo de Adaptação, no qual indivíduos mais Resilientes têm grande capacidade de suportar os fatos de seu meio. Acredito que o fenômeno de Adaptação foi crucial para nossa evolução e não extinção. Comportamentos comuns frente á ansiedade são a regressão (principalmente observado em crianças), desabafo e apoio social, agressividade/violência, enfrentamento/resolução, retraimento e fuga/esquiva. Brutalidade, negligência, rejeição, pouca afetividade e excesso de exigência disciplinar dura dentro da família, levam a dificuldade na formação de vínculo com os pais e posteriormente com outras pessoas ou pode levar a formação de vínculos agressivos ou abusivos, isso se reflete como um legado para os relacionamentos que essa pessoa terá caso não seja de alguma forma resolvido. Todo impulso é agressivo em termos de atividade, pois necessita sair do estado de repouso e conduzir a ação. A agressividade é primeiramente um impulso, a hiperativação de um estado de alerta e a possibilidade de potencializar esse estado interno de excitação pode conduzir a ação e muitas vezes culminar em um ato de violência, dependerá do objetivo do indivíduo e seu controle cognitivo. Cannon foi um dos principais expoentes nos estudos de comportamento e emoções, determinou o conceito de Comportamento de Luta e Fuga e a Teoria da Homeostase. A teoria da Homeostase influenciou pensadores como Freud e o comportamento de Luta e Fuga foram influencias para diversos pesquisadores da personalidade e do humor. Diogo Lara, por exemplo, propôs a explicação de diversos transtornos mentais baseados no Modelo do medo e da raiva, desde Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtornos de Humor até Dependência Química. Entretanto, o medo e a raiva são apenas duas emoções básicas e o indivíduo também reage frente á combinação de outras emoções e em um nível mais complexo por seus sentimentos (Ref. 2). Diogo Lara mencionou que impulsão e compulsão não poderiam ser opostos comparados em um mesmo eixo, acredito que igualmente a Pulsão de Vida e Morte não seriam opostos, mas complementares, como impulso e ausência de impulso. Clonninger, um expoente nos estudos sobre temperamento, determinou que o medo e a raiva são emoções básicas, em que a primeira é marcada por evitação e pouca energia e a última caracterizada por busca de novidades e maior energia, apetite, dominância e agressividade. Já Paul Ekman definiu as 6 emoções básicas como nojo, raiva, alegria, tristeza, felicidade e medo (Ref. 10). Automaticamente, ou seja, instintivamente julgamos as emoções uns dos outros, a livre associação não é livre, mas já implica uma condição ou ligação, uma intenção de compreensão. Toda análise se resume, no final de contas, a estudar as emoções e sentimentos do indivíduo, o inconsciente tem linguagem própria, interpretá-lo é uma arte. Os sonhos e igualmente as emoções são portas para o inconsciente, cabe lembrar que Jung disse que os sonhos têm seus próprios limites, mas ao que me parece os sentimentos não. O Inconsciente parece ser a parte mais constante do ser humano, o Inconsciente estimula o desenvolvimento do Ego dando-lhe energia psíquica para tal. Acredito que o Inconsciente não é apenas um depósito, ele é o todo e o consciente é apenas uma parte que despertou e que tenta ficar independente ainda que parcialmente. Vejo o flash de consciência como uma estrela que desperta no Universo do Inconsciente. Jung afirmava que o homem nunca percebe, entende ou ouve plenamente algo, tudo depende da capacidade dos seus sentidos, e que certos acontecimentos que são absorvidos de forma sublimar, sem tomarmos consciência no momento e que mais tarde brotam como uma espécie de segundo pensamento como um sonho, intuição ou imagem simbólica. Para ele, quando a mente explora um símbolo, é conduzida a idéias que estão fora do alcance da razão. Os sinais apenas servem para referir a que ou quais objetos estão ligados, mas os símbolos que podem ser imagens ou palavras implicam algo além do seu significado manifesto. Formas simbólicas são encontradas em diversas culturas antigas e inclusive hoje reagimos inconscientemente a eles o que foi chamado por Jung de inconsciente coletivo (existe um padrão que se repete). O inconsciente, assim como a vida primitiva, trazem reflexos até os tempos de hoje, como uma batalha do Ego contra o Id (passado primitivo) e o Superego (civilização com regras e leis). Self, a totalidade da psique, é também um fator orientador, seria como um centro regulador que os gregos chamavam de daimon, os egípcios de alma-ba e os gregos de gênio, mas é o que se ilumina e permite que se torne consciente (Ref. 5). É interessante destacar que algumas tribos não têm em seu vocabulário as palavras medo e culpa, o que é maravilhoso, pois a cultura pode amenizar ou potencializar um sentimento. Por exemplo, o sentimento de culpa é tão forte nos japoneses que em sua cultura o suicídio é visto como aceitável conforme a vergonha social determina (Ref. 10). Quando não conseguimos exercer comportamentos mais recentes, sob influência do Superego, tendemos a regredir para respostas comportamentais menos adaptativas à sociedade atual e mais adaptativa a épocas primitivas. Claro que a expressão emocional varia com a idade e com a personalidade do indivíduo e sua educação (cultura e aprendizado geral) e nem todos irão reagir com ansiedade ou regressão. Na década de 20, Leonard Keller criou o detector de mentiras baseado nas reações fisiológicas que eram provocadas pelas emoções, onde era medida a freqüência cardíaca e respiratória, resposta cutânea, pressão arterial e temperatura da pele (Ref. 11). Esse método ficou bastante famoso e foi muito popularizado em filmes, mas atualmente não é uma pratica corriqueira. Entretanto, o futuro da Medicina será estudar cada paciente com suas características e peculiaridades a nível neuroquímico, cultural e genético, isso proporcionará um atendimento ainda mais completo e certeiro, estamos caminhando para isso, mas ainda falta muito por pesquisar e aperfeiçoar. As deficiências de nossa posição como Psiquiatras provavelmente se desvaneceriam se nos achássemos em posição de substituir os termos psicológicos como fixação, transferência, contratransferência, entre outros, por expressões fisiológicas ou neuroquímicas. No final das contas, Psiquiatras, Psicólogos e Neurologistas tratam, observam e identificam o mesmo substrato, mas de diversos ângulos, estamos todos falando das mesmas coisas. CAPÍTULO V SENTIR OU NÃO SENTIR, EIS A QUESTÃO Possuímos de 10 bilhões a 1 trilhão de neurônios e na proporção de 9 glias (células de defesa) para 1 neurônio. Nele se encontram os dendritos, como são chamadas as ramificações nervosas e que se originou da palavra grega árvore, assim também como a referência de Darwin que acreditava que a evolução dos seres vivos se apresenta como uma árvore e suas ramificações. A membrana do neurônio, como de outras células do organismo, é permeável a algumas substâncias, semipermeável a outras e impermeável a outras tantas. No primeiro caso a substância tem passagem livre, como a água, no segundo e terceiro caso necessita de auxílio para entrar na célula utilizando canais de íons, membranas transportadoras como a proteína G e energia (ATP). O impulso neural é uma sequência de despolarização de cargas, com princípio elétrico do tudo ou nada; estamos em constante estado de excitação e inibição, de liga e desliga, de carga e descarga. Alguns neurônios são excitatórios e outros inibitórios, alguns são rápidos e outros lentos, depende da constituição do neurônio e de sua função e localização. Nas sinapses elétricas predominam movimentos estereotipados, como nos insetos, enquanto que nas sinapses químicas existe a possibilidade de uma maior modulação na resposta. Os neurotransmissores são mais antigos que o cérebro e são eles responsáveis pelas sinapses químicas (Ref. 15). Muitos neurotransmissores têm papel na transmissão da informação como Noradrenalina (relacionado à atenção), GABA (efeito ansiolítico), Oxcitocina (relacionado à empatia, parto e amamentação, apego e cuidado), Adenosina (aumento da agressividade). Existem mais de 70 neurotransmissores, os mais conhecidos são a Adrenalina, Noradrenalina, Glutamato, Acetilcolina, Serotonina, Dopamina, Gaba, Endorfinas. Existem outros neurotransmissores como ATP, ADP, Encefalinas, Endorfinas, Substância P, Neurotensina, Neuropeptídeo Y, VIP, entre outros. Todos os principais neurotransmissores têm como origem de suas vias o troncocerebral, exceto a acetilcolina que tem 2 vias, uma que se origina no tronco e outra no córtex frontobasal (Ref.4). Da mesma forma, existe a contribuição dos receptores que interferem na transmissão elétrica como os receptores opiódes, nicotínicos, muscarínicos, adrenérgicos e noradrenérgico, entre outros que podem ser bloqueados ou estimulados, bem como a participação de maior ou menor gasto de energia (ATP/ADP, canais de Na), ocorrendo maior ou menor estresse celular para alcançar determinado objetivo a nível neuroquímico. A Acetilcolina é uma substância capaz de provocar tanto excitação como inibição, no músculo causa contração e no cérebro tem grande concentração no hipocampo (responsável pela memória, estando envolvida nos processo de Alzheimer e Esquizofrenia) e possui receptores muscarínicos e nicotínicos espalhados pelo organismo (Ref. 4). A Dopamina está envolvida nos casos de Adição, Esquizofrenia, Déficit de Atenção e Hiperatividade, Jogo Patológico e Parkinson. Também está relacionada com a busca de alimentos, com a vontade ou apetite sexual, sensações de prazer e é responsável por estimular a liberação de Prolactina, hormônio que estimula a produção de leite. O Glutamato se encontra em abundância no cérebro, muito relacionado a processos de excitação e nos casos onde necessita mais de um estímulo, sendo capaz de abrir os canais de Ca+. Esse tipo de situação causa de certa forma um reforço na transmissão elétrica, podendo reforçar os processos de memória e também na emoção. Por exemplo, há um aumento de receptores do Glutamato nos casos de agressividade. Já o Gaba parece ser o oposto do Glutamato, já que está relacionado a processos de inibição, como, por exemplo, relaxando os músculos esqueléticos. Além disso, o Cortisol em casos agudos pode induzir a mania (excitação) e em casos crônicos depressão (Ref.2). Também existe o efeito de diversas substâncias como álcool e tabaco entre outras drogas e sustâncias que são capazes de reagir igualmente sobre esses receptores e neurotransmissores, produzindo reações e efeitos a nível cerebral que podem ser mais ou menos duradouras e com conseqüências que ainda não estão totalmente esclarecidas. Sabemos, por exemplo, que as drogas podem ser um gatilho para desenvolver Transtorno do Pânico e Esquizofrenia, além de prejudicar no desenvolvimento do lobo frontal. A combinação destes neuroquímicos pode definir o tempero, ou seja, o temperamento de cada um, como na cozinha quando misturamos ingredientes e conseguimos algo mais doce, mais apimentado ou mais azedo e inclusive agridoce. O que ocorre é uma cascata química, como na reação inflamatória, envolvendo uma série de neurotransmissores, pois nunca a emoção é uma reação química de um único neurotransmissor. Pode haver um neurotransmissor prevalente para cada emoção ou transtorno mental, ou seja, um neurotransmissor principal, mas geralmente é um conjunto de reações, o que faz a emoção ser tão intensa e complexa, ainda que grande parte do processo seja imperceptível a olho nu. O que vemos é um reflexo de um processo interno. No Medo, por exemplo, temos o envolvimento da noradrenalina no tronco cerebral como mensageiro para córtex pré-frontal e sistema límbico (amígdala, cingulado, hipocampo. Além disso, existe interação de outros neurotransmissores como o Gaba, Serotonina, Noradrenalina e Corticóide (Ref. 2 e 15). No caso da raiva e das compulsões em geral, sabe-se que ela está relacionada á Dopamina cujo aumento ou maior sensibilidade individual para esse neurotransmissor, pode levar a quadros mais intensos. Já a alteração da Serotonina pode levar tanto a sintomas de medo quanto de impulsividade, ou seja, a Dopamina, a Serotonina e outros neurotransmissores sempre estão presentes e se combinam (Ref.2). A princípio as emoções foram chamadas de resposta de luta e fuga, mas as expressões emotivas são as mais variadas. Harold Schlosberg, na década de 50 referiu que os sentimentos podiam ser avaliados através de 3 dimensões: agradável- desagradável, neutro-intenso e pela atenção-rejeição. Entretanto isso é apenas uma possibilidade de qualificar as emoções. O medo, por exemplo, em um Transtorno de Ansiedade, nada mais é que um sintoma. O medo não é necessariamente uma trava ou um freio para a raiva, o medo é um sentimento que surge muitas vezes na vida e apresentar intensidades diferentes alto/médio/baixo. A grande dificuldade é que ainda não podemos quantificar ou qualificar de uma forma mais científica essas reações internas para aprofundar estudos e conhecimento, mas acredito que será possível em alguns anos. Humor e comportamento são reflexos da neuroquímica que ocorre em nosso cérebro. A Serotonina, por exemplo, se relaciona a comportamentos de luta ou fuga, impulsividade e raiva e está relacionada também ao quadro de Transtorno de Humor, sono e apetite, maior agressividade e menor socialização. Vemos a história genético-familiar como influência para a manifestação de algum transtorno, é freqüente vermos famílias com quadros de ansiedade e depressão em vários integrantes. É igualmente interessante pensar que alguns transtornos são mais prevalentes em homens e outros mais em mulheres, como exemplo de predominância masculina, o Transtorno de Hiperatividade e, nas mulheres o Déficit de Atenção. Cabe lembrar que é muito comum sintomas depressivos ou ansiosos em pacientes com alteração de tiróide, mas nem todo paciente que possui hipo ou hipertiroidismo irá desenvolver tais sintomas. Da mesma forma as alterações de hormônios femininos como o estrogênio, tão fortemente ligados a mudanças de humor no período pré-menstrual e quadros como Depressão Pós-Parto não produzem esse quadros em todas as mulheres. Nota-se da mesma forma que alguns pacientes têm reações totalmente atípicas tomando medicações como um simples analgésico ou remédio para náusea. Os 23 pares de cada um dos pais quando combinados possibilitam 70 trilhões de possíveis combinações. Os genes são a maior expressão da memória celular e sua importância para a sobrevivência consiste no registro das capacidades adquiridas pelo organismo, mas nem todas são natas, muitas precisam ser estimuladas. Cabe destacar que houve contato reprodutivo entre sapiens e neandertais, os últimos forneceram material genético ao sapiens ou viceversa, entre 80 a 50 mil anos atrás, coincidindo com o surgimento do chamado Homem plenamente moderno. Naquela época teria um cérebro de cerca de 1500cc, tendo ocorrido uma diminuição no volume cerebral, especulando-se que a fome na história da humanidade possa ter relação. Cabe lembra que uma boa nutrição não significa gordura, mas sim ter uma dieta equilibrada. Acredita-se que a ingestão de carne possa ter estimulando o crescimento cerebral, acredito que sua participação foi essencial, já que este alimento promove grande fonte de proteínas que durante a digestão e metabolismo se transformam em aminoácidos (Ref. 15). Ainda falando do cérebro, possuímos cerca de 100 trilhões de conexões entre eles, sendo que o Prosencéfalo foi onde mais ocorreu aumento do volume do córtex durante a evolução de nossa espécie. Possuímos assimetria cerebral, as subdivisões internas do cérebro proporcionaram maior especialização para realizar tarefas. Por exemplo, 20% do córtex do hemisfério esquerdo correspondem a linguagem e em sua região frontal o córtex está intimamente relacionado com a personalidade (Ref.15). Já hemisfério direito é mais rápido em representações visuoespaciais e no reconhecimento e produção de expressões emocionais, além da criatividade, música e processo de insight. O lobo frontal é responsável pela habilidade social, inteligência, planejamento e execução, atenção, motivação, expressão da fala e outros controles motores. O córtex pré-frontal relaciona-se com o sistema límbico no processamento das emoções e tem projeções para áreas sensoriais e motoras, essa região também é responsável pela capacidade de aprendizado. A região pré-frontal é altamente desenvolvida nos seres humanos, representando 29% do cérebro, mas é no córtex pré-frontal que se encontra a capacidade de simbolização e a representação do mundo (Ref.15). Os lobos parietais são responsáveis pela orientação espacial e pelo processamento de alguns sentidos como dor, temperatura, pressão e tato. Já os lobos occipitais são responsáveis pela visão e suas qualidades como cor, movimento e profundidade e o lobo da ínsula pela percepção do paladar sendo considerado também como parte do sistema límbico (Ref.4). O lobo temporal é responsável pelo córtex auditivo e a compreensão da linguagem (área de Wernicke), lógica, matemática, uso de símbolos e noção do tempo. Corresponde ao processamento da emoção, aprendizado e audição e está intimamente relacionado à memória devido a presença do hipocampo. Nos casos de lobotomia bilateral do lobo temporal em macacos durante experiências do século passado se percebia uma mudança no controle do comportamento, demonstrando compulsão alimentar e sexual. Cabe salientar que o sistema límbico tornou-se mais desenvolvido a partir dos mamíferos (Ref.15). O sistema límbico, responsável pela emoção, é um conjunto de estruturas que interagem como um sistema em conjunto para produzir uma resposta complexa. O sistema límbico é formado pela amígdala, hipotálamo, hipocampo, núcleo anterior do tálamo, corpos mamilares, fórnice, giro do cíngulo, área frontobasal anterior e córtex orbitofrontal (Ref.4). A amígdala é responsável por sensações de medo, irritação e controle emocional, sua ausência provoca indiferença. Essa estrutura do cérebro funciona como um alarme para a ação, para o impulso (a amígdala funcionando como se fosse o Id e o neocortex como o Ego, buscando freia-lo e controlá-lo). A amígdala processa emoções, processa odores e se relaciona ao ciclo sonovigília, desde os tempos primórdios dos primatas está relacionado a comportamentos de luta e fuga, justamente os necessários para defender-se, sendo encontrando alimento ou para reagir contra a ameaça de outros animais. A amígdala reage e o hipocampo registra, mas o importante também é ter o controle do neocortex para estas reações, reforçando o Ego. É por isso que as crianças têm maior dificuldade em controlar seu comportamento conforme o que sentem, porque essa região ainda não está plenamente desenvolvida (neocortex). Nascemos com um Ego primitivo, ou seja, um neocórtex que ainda não está amadurecido. O neocortex pode compreender melhor a situação e ponderar suas diversas variáveis, pois mais importante que potencializar uma emoção é compreendê-la. O Tálamo é o centro integrador de toda informação e apenas o olfato é o único sentido que tem conexão direta com o córtex. O Tálamo processa diversas informações e integra os diversos sentidos, além de controlar o sono e vigília. O hipotálamo se relaciona a comportamentos de luta e fuga, além de possuir centros da sede, fome e controle da temperatura. O hipotálamo e a hipófise controlam 4 glândulas que produzem hormônios: tireóide, pâncreas, suprarenal e gônadas femininas e masculinas. Essa estrutura é a grande responsável pela homeostase como temperatura, pressão arterial e freqüência cardíaca, mas cabe ressaltar que também está relacionada a sensações de prazer e desprazer. Parece-me extremamente interessante salientar que o centro da homeostase se encontra no mesmo local onde diferentes estimulos provocasse diferentes sensações. Eu diria que o ‘princípio do prazer’ ou do desprazer se relaciona intimamente com a homeostase. Além disso, essa estrutura foi chamada de ‘’centro do estresse’’, relacionado ao comportamento de luta-fuga, ou seja, o hipotálamo e sua capacidade libidinal de recrutrar neurotransmissores e hormônios. Hipocampo em grego significa cavalo marinho, bilateral (no direito relacionado à audição e no esquerdo a fala e escrita) fica escondido no interior do cérebro, proporcionando a capacidade de memorizar e aprender. Além disso, também é responsável pela orientação espacial, essa estrutura foi se escondendo e durante a evolução migrando cada vez mais para o interior do cérebro após o surgimento dos mamíferos (Ref.15). Voltando as emoções, a questão é que o medo e a raiva são emoções muito primitivas e geralmente são as emoções que se manifestam com muita freqüência. A emoção por si só é primitiva e não falo isso com desdém, mas refiro que ela é muito antiga e o grande desafio é ter uma inteligência emocional suficientemente desenvolvida para processá-la da maneira mais eficaz possível. Há pouco tempo se descobriu que a depressão é capaz de causar degradação dos neurônios e morte celular, o que é muito comum pacientes com Alzheimer, pois manifestarem quadros iniciais da doença com sintomas de depressivos (o que causou a morte dos neurônios foi um grande estresse oxidativo a nível neurocelular). Sabemos que o Transtorno Depressivo é uma verdadeira síndrome, com sinais e sintomas físicos e emocionais que se manifesta pela resultante entre genética e fatores neuroquímicos e ambientais. Ressalto a importância de estimular a população a prestar cada vez mais atenção aos sintomas ou sinais internos de como a pessoa se sente para que, além dos sentimentos poderem ser reconhecidos, o transtorno possa ser evitado ou pelo menos suas conseqüências minimizadas. Pelo que pudemos ver neste capítulo, tudo está interligado em nosso organismo, nossas emoções, nossos neurônios, a neuroquímica, os fatores ambientais e nosso comportamento, por isso a complexidade e profundidade do Ser Humano. CAPÍTULO VI SOMOS UM REFLEXO DO QUE FOMOS Os sentimentos têm origem nas reações primitivas que surgiram como uma proteção ao próprio homem e também como conseqüência de nossa evolução. De certa forma a emoção sempre está ligada a uma parte motora, ainda que aparentemente a pessoa pareça não mover-se, ocorre alguma resposta que pode ser desde uma simples mudança de condutância elétrica no coração, alteração da pressão arterial, padrão respiratório, sudorese, expressão facial, até um comportamento mais claramente motor como de luta ou fuga. Inclusive, pode ocorrer comportamentos ainda mais complexos, levando os indivíduos a tomar determinada decisão, como por exemplo, romper um relacionamento, escolher uma carreira ou optar por comprar um novo produto no mercado. A atitude pode ser mais imediata, impulsiva, afetada mais fortemente pela emoção ou pode ser processada e assim forma criar um conceito, ou seja, um sentimento. Influenciados pelo sentimento (emoção + razão) podemos apoiar e fortalecer ainda mais determinada atitude ou decisão, ainda que de maneira tardia e às vezes parecendo não haver relação direta com o fato em questão. Este é mais um dos vários papéis do terapeuta, buscar analisar e descobrir quais são essas conexões e ligações muitas vezes inaparentes ou mais inconscientes para o paciente. Existem diversos estudos que demonstram reações em diversas áreas do cérebro juntamente com respostas fisiológicas do organismo frente á imagens ou palavras apresentadas, provocando alterações na sudorese, expressão facial entre outras manifestações no indivíduo. A emoção também é muito utilizada pelos artistas e na publicidade, o impacto das propagandas mobiliza nossas emoções nos levando a fazer escolhas direcionadas ou tendenciosas para buscar atingir um público alvo. Mobilizar emoções é algo extremamente forte, pois afeta o indivíduo no mais profundo de seu íntimo, gerando reações em seu corpo e em sua alma. Sentir pode ser muito forte, dependendo do tipo de estímulo enviado e da facilidade com que ele atravessa nossas defesas, pois nem sempre somos tão resistentes a um estímulo externo, já que somos influenciados constantemente por nosso meio. Vivemos tão automaticamente que nem sempre percebemos o quanto influenciamos uns aos outros e somos influenciados, desde o que falamos até o que escolhemos ou quando interagimos com alguém. O Humor, o Estado de Espírito, na maioria das vezes é contagiante. Um exemplo disso são os estágios de futebol ou um show musical, é impressionante o que um conglomerado de pessoas é capaz de fazer, vemos as pessoas se empolgarem e se envolverem através das emoções. Os adolescentes são um claro exemplo da grande influencia que uns exercem nos outros, determinando novas gírias, influenciando nas roupas e no comportamento, o grupo passa a ser o elemento determinante nas emoções destes jovens. Claro que nem todos integrantes do grupo terão as mesmas atitudes e farão as mesmas escolhas, mas de alguma forma receberão influencias que serão processadas internamente junto com outras influencias como as paternas. A adolescência é uma época da vida onde essas influências são mais evidentes e é fortemente aproveitado pela indústria de consumo (claro que essa faixa etária não é a única que recebe influências). Gostaria de citar também as rebeliões e motins, sejam em prisões ou as manifestações de protestos contra o governo, o quanto é comum que termine em violência. Parece uma onda que começa de uma forma leve e vai crescendo e arrastando o que ou quem estiver na sua frente, tomando uma grande força, como um tsunami, difícil de parar. Quando somos afetados por uma emoção temos a mesma reação de uma onda que às vezes poderá se comportar como uma marola e em outras como um tsunami. Em seu livro O Modelo de Medo e Raiva, Diogo Lara referiu Mira e Lopes, autores de mais de 50 anos citando que ‘’a Raiva, o Medo, o Amor e o Dever como domínios do temperamento e emoções básicas’’. Além disso, mencionou Akiskal que referiu que o Alto Medo pode trazer o lado mais escuro da Raiva e que, por outro lado, nos pacientes com baixo medo se pode ver um lado mais ensolarado, mais otimista e brilhante do ser humano. Se naturalmente não se luta para viver, a morte é uma certeza, mas seguramente a raiva pode ser aplicada de uma forma positiva, direcionando para a conquista de um objetivo, da mesma forma que pode ser destrutiva, para si mesmo e para os demais. Partindo destas observações, concluo que o medo e a raiva são emoções freqüentes e que essas dinâmicas podem equilibrar ou desequilibrar reações e produzir emoções e comportamentos que podem beneficiar ou prejudicar o indivíduo afetando seu desempenho social, laboral e familiar. Acredito que o problema não seja o medo ou a raiva, pois nenhuma emoção é totalmente boa ou totalmente ruim. O que determina a qualidade da emoção é a intenção, como direcionamos para um determinado foco e como processamos dentro de nós. Freud disse que os processos 1rios são mais intensos que os 2rios. Acredito que o terapeuta deve fazer intervenções como se funcionasse também como o Fator Susto, mas de forma positiva, trazendo uma interpretação não saturada e com um fator novidade ao paciente para desta forma desensibilizá-lo para o trauma, trazendo uma nova versão e possibilitando uma construção interna mais positiva. Intervenções e explicações diminuiriam os traumas nas crianças se os processos primários fossem em seguida acompanhados por processos 2rios de forma a realizar prevenção psicodinâmica amorosa, evitando a formação de um compromisso, ou seja, um sintoma. Primeiro existe um EU QUERO, o narcisismo primário com o domínio do corpo e de suas funções para depois o individuo em seu desenvolvimento perceber o que o outro quer e de certa forma também querer este querer, não no sentido de querer o mesmo que o outro, mas de se interessar também pelo desejo do outro e não somente pelos próprios. Os transtornos mentais são muito mais antigos que imaginamos, acredito que eles sejam influências do meio Pré Histórico que marcou nossa genética e nosso padrão neuroquímico. A Depressão, por exemplo, ficou mascarada por comportamentos tidos como adequados em épocas passadas, inclusive a Melancolia já foi modismo na época do Romantismo, assim como a culpa religiosa que já foi muito valorizada. A Psiquiatria não criou doenças, apenas descobriu a face reprimida de sintomas que eram a ponta de um iceberg mais profundo. Os transtornos mentais são muito mais antigos do que imaginamos, mas somente a partir de agora teremos cada vez mais clareza sobre as Neurociências. Freud referiu que possuímos um reservatório da libido, ou seja, da energia ou carga neuroquímica /elétrica que proporciona um grande sentido de autoconservação, como um narcisismo 1rio e primitivo. A Psicose, no caso, é vista como uma capacidade deficiente de manter o Self unido, integrado, como se não suportasse a carga neuroelétrica, ou essa libido, energia química circundante e se desintegra. A Psicoterapia auxilia na remodelação da experiência emocional deixando o córtex mais preparado, além disso, o desenvolvimento afetivo conduz ao desenvolvimento da Inteligência Emocional. Algumas escolas nos EUA possuem programas referentes ao SEL (Social and Emotional Learning), ou seja, programas que buscam desenvolver o aprendizado emocional e com isso melhorar as relações sociais das crianças e jovens. Nestes programas as crianças devem reconhecer sentimentos, identificar sinais não verbais, solucionar conflitos, identificar o que as estimula ou desestimula e isso acaba sendo um grande exercício para desenvolver o autoconhecimento, entender como os demais se sentem e com isso desenvolver ainda mais a empatia (o colocar-se no lugar do outro). Esses avanços na educação americana foram conseqüência do trabalho de Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, que pode constatar os diversos benefícios visando não apenas o Coeficiente de Inteligência Intelectual, mas especialmente o Coeficiente de Inteligência Emocional. Acredito que a Inteligência Emocional funciona como parte integradora dessa inteligência e do indivíduo com seu meio. “Aqueles que conseguem gerenciar suas vidas emocionais com mais serenidade e autoconsciência parecem ter uma vantagem clara e considerável na saúde”. Daniel Goleman Na pratica psiquiátrica é evidente o quanto as emoções desagradáveis são prejudiciais para o indivíduo podendo levar a sintomas físicos. A maioria dos pacientes com quadro de Transtorno do Pânico, com o simples fato de sentirem medo de passar mal já começam a sentir aumento da freqüência cardíaca e terminam tendo uma crise de ansiedade. A sensação de medo, ainda que sem motivo aparente, é bastante real e intensa para o paciente e é essa emoção que gera uma série de reações físicas desagradáveis. Um trauma, por exemplo, muitas vezes estará elaborado caso não provoque mais reações de alarme como lembranças intrusivas, aceleramento cardíaco, sudorese, náuseas, pesadelos, entre outros sintomas. “Toda emoção forte tem sua raiz no impulso para agir: o controle desses impulsos é básico para a inteligência emocional”. - Daniel Goleman Buscando evidência da evolução do Homem, acredita-se que as fissuras e circunvoluções do crânio são evidências da evolução cerebral. A lateralização e a presença da área de Broca são também evidências da evolução; na lateralização vemos que o lado esquerdo, responsável pela emissão da voz é maior que o direito. O cérebro humano corresponde a 2% do peso corporal e consome 18% da glicose do sangue. Nosso cérebro continua crescendo por longos períodos após o nascimento, 9 meses intraútero e mais 12 meses fora do útero, mas segue amadurecendo por mais alguns anos. Acredita-se que por volta de 12 anos, com estímulos adequados, um ser humano estaria plenamente capaz, mas a finalização do amadurecimento do lobo frontal ocorre apenas por volta dos 20 anos (Ref. 8). Assim como as circunvoluções do cérebro são evidências da evolução cerebral, acredito que os sentimentos são produto da evolução das emoções. O medo, por exemplo, pode em alguns casos proteger a própria pessoa e a coragem faz com que a pessoa possa proteger a ela e aos outros, numa tentativa de afastar o perigo. A paixão, por outro lado, pode durar até 2 anos, seria o tempo dos 9 meses de gravidez mais o tempo da amamentação e tem como objetivo principal aproximar as pessoas e estimular o coito. A repugnância ou nojo sempre se acompanhada do movimento do nariz, essa característica se relaciona com o olfato e com a busca de comida no passado. Já na reação de surpresa, vemos o movimento de arquear sobrancelhas, abrindo mais os olhos, que funcionam como uma máquina fotográfica registrando o momento no cérebro (Fator Surpresa, maior fixação na memória). O sentir cognitivo é, com certeza, a maior evolução, pois é através desta habilidade que todo tipo de sentimento se torna possível: paixão em amor; medo em fobia; sentimento de culpa, de posse, de revolta; sentimento de incapacidade, de inadequação, de solidão, enfim, um universo de possibilidades e suas variáveis interpretativas. “Para o bem e para o mal, quando são as emoções que dominam, o intelecto não pode nos conduzir a lugar nenhum.” - Daniel Goleman As emoções processadas sob a forma de sentimento encontraram a razão para consolidá-las, o terapeuta é uma ferramenta nesse processo. O psiquiatra usa seu corpo, sua mente e suas emoções no auxílio e entendimento de seu paciente, da mesma forma que a mãe faz com seu filho. O setting, de certa forma, funciona como um grande útero, amadurecendo as estruturas mentais do paciente depois de seu nascimento. A questão não é não sentir, mas saber sentir. A Expressividade por si só não é terapêutica, é apenas manifestação momentânea da personalidade, entretanto a Expressividade pode ser um objetivo da terapêutica. O saber sentir é o porquê, como e o que se sentiu, entendendo plenamente todo o processo desde sua emoção inicial ao seu processamento final sob a forma de sentimento e seu processo de simbolização. No Projeto Washoe, há mais de 50 anos, cientistas cuidaram toda a vida de um chimpanzé fêmea começando a tratá-la igual como se fosse uma criança desde seus primeiros meses de vida. Com muita dificuldade e muito trabalho lhe ensinaram a linguagem dos sinais, a chimpanzé aprendeu cerca de 160 sinais diferentes, mas sua comunicação foi sempre com associações primitivas (Ref. 9), uso do símbolo, mas não capacidade de simbolização. No livro, Evolução do Cérebro, Dalgalarrondo refere que bonobos e chimpanzés têm consciência da morte e os golfinhos possuem capacidade de simbolismo para guiar seu comportamento. (Ref. 15) O autor faz referência ainda a uma descoberta de Falk e seus pesquisadores, referindo que a região cortical correspondente a área 10 de Brodmann é de 6 a 7 vezes maior nos humanos, essa é a área que corresponde ao pensamento abstrato, julgamento, memória e processamento das emoções. Simbolismo é diferente da capacidade de simbolização, este último é a capacidade para criar diversos significados. Esta capacidade é o grande diferencial dos seres humanos e é também devido a essa capacidade que quando pensamos na palavra amor geramos uma série de representações afetivas mentais e resgates em nossa memória, levando a construção de um conceito. Apenas nós, humanos, somos capazes de processar a emoção sob a forma de sentimento, apenas nós criamos conceito. O mundo em que vivemos é a maior invenção do Homem, vivemos uma série de resultados e conseqüências de conceitos estipulados por nós mesmos, desde a Matemática, o “controle do tempo”, o sistema financeiro, etc. O Homem inventou o próprio Homem... Somos, sem sombra de dúvida, nossa maior criação e pelo que parece seguimos adiante em um processo de expansão que acredito, não terá fim. Talvez essa tenha sido a verdadeira maneira de superarmos nossa imortalidade, sendo células multicelurares de um organismo unicelular chamado sociedade. CAP. VII UMA HISTÓRIA ANTIGA Piaget acreditava em uma seqüência padrão que se repete de forma geral em todas as crianças, mas também é fato que todas as culturas influenciam seus bebês. Desde cedo, os bebês começam a aprender a discriminar rostos e aos poucos vão percebendo que eles emitem sinais emocionais, expressões que sinalizam à criança sobre o estado de espírito do outro e, ao que tudo indica, esse processo começa a ser mais evidente a partir dos 2 a 3 meses de vida (Ref. 10). Alguns estudos referidos no livro A criança em Desenvolvimento, apontam que os bebês reagem conforme a expressão materna, referindo que quando as mães estão felizes os bebês se mostram mais interessados, quando elas expressam raiva, choram intensamente e quando suas mães estão tristes viram o rosto. Geralmente em torno de 1 ano de vida as crianças utilizam a expressão no rosto de seus pais para saber se um estranho é confiável ou se podem pegar um objeto diferente em segurança. A expressão dos pais funciona como sinalizador e educador emocional, por isso a imensa importância da expressão emocional e sua influência direta na educação emocional dos filhos. A expressão dos pais pode ser constantemente de insegurança, desconfiança ou irritação que levam ao desenvolvimento de uma criança insegura ou irritadiça. Em contrapartida, pais com expressão tranqüila possibilitam o desenvolvimento de uma criança mais segura e com confiança nas pessoas, devido ao aprendizado seguro com as primeiras figuras de sua vida. Os pais são a referência social das crianças e os maiores professores que eles podem ter, já por volta dos 4 anos as crianças compreendem e identificam todas a principais emoções, mas podem ainda confundir expressões como orgulho e vergonha (Ref. 10). Ainsworth realizou o modelo funcional baseado nos estudos de Erikson sobre apego seguro ou inseguro, no qual a relação mãe e bebê quando é segura leva ao desenvolvimento de confiança na criança. Neste modelo funcional mãe e filho são responsáveis pela manutenção do apego e a estabilidade do mesmo gera uma memória na criança, caso o padrão de apego se modifique o comportamento do bebê também poderá se modificar. Essa influência é determinada pela regulação mútua, onde é necessário que tanto mãe como filho possam perceber e interpretar adequadamente os sinais emocionais um do outro. No caso de pacientes com quadro de Autismo, o contato visual, o brincar e a formação do vínculo afetivo com a mãe encontra-se prejudicado, o que leva também a dificuldades sociais posteriores. É o comportamento da mãe o maior responsável pelo desenvolvimento de um apego seguro e o afeto, prazer ou desprazer, satisfação ou insatisfação, influenciam diretamente na motivação, resultando em uma sensação ou ganho primário que pode ser reforçada por um ganho secundário, como por exemplo, o reconhecimento social. O sorriso social que se inicia aproximadamente com 2 a 3 meses de vida fortalece vínculos familiares e é uma manifestação clara de satisfação, de bem estar. A aprendizagem da recompensa está sempre relacionada ao sistema de motivação e incentivo, relaciona-se com a integração da dopamina e o sistema límbico, através de suas projeções pelo encéfalo de forma ascendente e em direção à região frontal. A dopamina e a memória aprendida passa a ser um motivador potente para que o indivíduo repita o comportamento, o tornando altamente sensibilizável para situações de prazer. Um estudo com ratos determinou que o fator recompensa utilizando alimentos para saciar a fome não apresentava o mesmo resultado quando os ratos eram alimentados através de uma sonda diretamente ao estômago, mas que a diferença no comportamento de recompensa consistia em saciar a fome saboreando o alimento, ou seja, a importância da satisfação oral como um potente estímulo ao cérebro proporcionando sensação de prazer. Destaco a importância do estímulo oral e sua satisfação, já que é um dos mais antigos sistemas de estimulação neuroquímica, falamos e nos alimentamos muito mais do que fazemos sexo. O cérebro é altamente sensível à glicose e só funciona adequadamente através dela, além disso, apresentamos uma série de quimioreceptores presentes em grande número na cavidade bucal que já transmitem informações antes mesmo do alimento chegar ao estômago. Por isso a importância da amamentação, não apenas pelo aporte de imunidade e nutrientes ao bebê, mas também por ser o primeiro estímulo agradável que proporciona satisfação e conforto a criança, desenvolvendo o apego. Ainda que a mãe não tenha leite para amamentar seu filho, mesmo que só possa ser dado através da mamadeira, esse é um ato de amor, é um forte estímulo afetivo e que deve ser dado por ela na maior parte do tempo. Esse ato reforça a confiança e a relação mãe-bebê, entretanto outros cuidados não devem ser negligenciados, mas destaco o ato de amamentar por ser o primeiro estímulo afetivo prazeroso. É importante que depois esse estímulo vá sendo substituído por outros para a criança não ficar presa à fase oral e ser capaz de descobrir e desenvolver outros estímulos e fontes de satisfação. É comum vermos mães que resolvem tudo com comida, mas isso não é cuidar adequadamente de uma criança, essa é uma atitude simplista e de certa forma negligente, pois deixa de observar e buscar resolver outros aspectos, necessidades e conflitos que podem surgir nas crianças. Um estudo da década de 50 determinou 3 tipos básicos de temperamento dos bebês, baseados nos padrões de sono e alimentação e definiram os bebês como fáceis, irritáveis e de adaptação lenta. Ressalto ainda que o temperamento e sua influência sobre a personalidade dependerá da interação da herança genética e do meio em que vive a criança, sua relação com os pais e a cultura de sua sociedade. Destaco que é o meio, ou seja, a interação com as pessoas da casa e essa constante que determinará como esse temperamento irá se desenvolver. Um temperamento é uma herança genética de probabilidades que podem ser estimuladas ou atenuadas, podendo se manifestar ou não conforme a interação com o meio. O meio e seus estímulos são extremamente importantes e decisivos na vida de uma criança. O ato de brincar, por exemplo, é extremamente importante para seu desenvolvimento e são os primeiros 12 meses essenciais para desenvolver a parte motora e sensitiva e, com isso desenvolver também suas percepções sobre seu meio, ou seja, seu mundo. Acredita-se que por volta dos 2 a 3 anos de idade a criança tem alguma compreensão de que o outro tem uma visão diferente da sua, por isso mesmo esse período geralmente é chamado de anos terríveis, onde ocorre a árdua tarefa de ensinar a incorporar regras; regras sociais, ou seja, da sociedade e desse outro que não é a criança. O jogo de Faz de Conta inicia-se por volta dos 15 meses e o Faz de Conta Substituto por volta dos 4 anos, onde a criança é capaz de utilizar outro objeto e simular a função que quiser com ele. Na fase pré-escolar é que o jogo social interativo se faz mais evidente, com a representação de diversos e variados papéis sociais, como por exemplo, brincar de professora, mamãe, médico, policial, enfim, proporcionando a criança enxergar o mundo sob diferentes olhares, auxiliando no desenvolvimento da empatia (Ref. 10). ‘’ Os bebês que não tiveram oportunidade de olhar para as coisas, explorar objetos com as mãos, com os olhos e com a língua, e que foram privados da oportunidade de se movimentar com liberdade ficaram retardados no desenvolvimento das habilidades perceptuais e motoras”. – Piage Em torno dos 5 anos a criança compreende falsas crenças, mas ainda não é capaz de compreender plenamente o que os outros pensam sobre ela mesma, gradativamente vai tornando-se menos egocêntrica e entendendo cada vez mais a relação de causa e efeito nas emoções das pessoas. Também nesse período a criança vai aprendendo cada vez mais a controlar e inibir os próprios impulsos, modulando sentimentos fortes em reações socialmente mais aceitáveis. Além disso, é o período onde aprende a utilizar a própria emoção para influenciar os demais e conseguir o que deseja (Ref. 10). A empatia e o aprendizado social são muito importantes na sociedade. Se o mundo não se tornar mais empático, poderemos ter um futuro repleto de psicopatas e a extinção será uma possibilidade, além disso, a agressividade como atitude pode ser aprendida como qualquer outra habilidade ou característica social. Brutalidade, negligência, rejeição, pouca afetividade, nada disso é saudável para a formação de vínculo, isso se reflete como um legado para os relacionamentos que essa pessoa terá caso não seja de alguma forma revertido. Achei interessante em um dos livros que li a menção de uma pesquisa em que demonstrava que os homens com níveis menores de testosterona tinham empregos com cargos superiores do que os homens com altos níveis de testosterona. Não sei se essa pesquisa foi confiável e não acredito que tudo seja responsabilidade da testosterona, mas vejo que a grande evolução da humanidade foi o desenvolvimento do córtex cerebral, que é capaz de entender o turbilhão neuroquímico que acontece no organismo e buscar soluções para as situações conflitantes. Nascemos com grande plasticidade cerebral que tem a característica de ser moldada conforme o meio. A agressão e a raiva geram ainda mais agressão e raiva e isso pode ser ensinado aos filhos, gerando conflitos que geralmente aparecem na escola ou em situações de frustração. No primeiro mês do desenvolvimento fetal é o período de vida humana onde ocorre a maior velocidade de crescimento e o feto desenvolve todos os órgãos de forma rudimentar. Com apenas 7 semanas a metade do feto corresponde à cabeça e aos 5 meses o feto já apresenta padrões de sono e vigília. Com 7 meses de vida intrauterina já possui todos os reflexos, sendo capaz de engolir, sugar, chutar e chorar, são capazes de distinguir as diferentes vozes que escuta ainda dentro da barriga da mãe e quando nascem preferem gostos e cheiros doces. Meninos têm o cérebro maior e começam a produzir testosterona entre 2 e 5 semanas de vida intraútero. O hipocampo cresce antes nas meninas e nos meninos a amígdala, além disso, as mulheres têm maior córtex ainda que tenham cérebros menores (Ref. 15). O hipotálamo é uma glândula cujo papel é extremamente importante nas emoções, se estimulado em um lado pode provocar agressividade e no outro medo, é também o centro do prazer, através do seu estímulo os animais preferem manter o estímulo mesmo que em detrimento à comida. A amígdala processa emoções e processa odores, se relaciona a processos hormonais e ciclo sono-vigília. Desde os tempos dos primatas está relacionado a comportamentos de luta e fuga, justamente os necessários para defender-se, sendo encontrando alimento ou para reagir contra a ameaça de outros animais. A poda das sinapses e o processo de mielinização dos neurônios inicia-se por volta de 1 ano de vida e segue por toda infância, é um período de extrema importância não apenas para a aquisição de conhecimento, mas também para aumentar a agilidade, ou seja, a rapidez na resposta referente aos processos mentais, inclusive sobre elementos que compõem o sistema límbico (Ref. 9). Portanto, a imensa importância dos primeiros anos de vida, pois as crianças não estão apenas aprendendo a falar e caminhar, mas estão aprendendo como ver o mundo, como interagir com ele e aos poucos como se tornarem seres humanos. Essa poda é determinada e moldada pelo meio, exercendo enorme influencia sobre a criança, sendo capaz de potencializar ou inibir algumas de suas características. Piaget destacou 6 etapas no desenvolvimento que se iniciam após o primeiro mês de vida com o desaparecimento dos reflexos primitivos do bebê. A primeira etapa foi chamada de Reações Circulares Primárias, que estão sempre ligadas ao próprio corpo, é quando ocorrem as atitudes repetitivas do bebê, chamo essa etapa de fisioterapia da aprendizagem que busca coordenar diferentes sentidos que estão amadurecendo. Os ouvidos nascem maduros, mas a visão não e muito menos a coordenação de todas as capacidades, pois o bebê segue em desenvolvimento. Somente com 2 anos de vida tem plenamente a capacidade visual desenvolvida; não é capaz de caminhar sozinho antes de 1 ano de vida e somente falam com mais de 12 meses. As Reações Circulares Secundárias, entre os 4 e 8 meses de vida, fase em que o bebê repete atitudes fora do corpo e observa suas conseqüências, é uma interação motora maior com seu meio. Mais adiante, por volta dos 8 a 12 meses ocorre a compreensão entre causa e efeito de suas atitudes, mas somente após este período ocorre as Reações Circulares Terciárias, a chamada exploração por tentativa e erro, onde a crianças experimenta variações, para finalmente no último estágio se tornar capaz de simbolizar e entender que as pessoas têm intenções (Ref. 10). Por volta dos 18 meses o bebê se torna capaz de usar símbolos, o que em minha opinião é uma das maiores diferenças entre nós e as demais espécies. O processo de simbolização é quando um objeto, pessoa, palavra ou sinal é capaz de ter um ou mais significados e fazer diferentes e novas associações entre eles. É um processo complexo que torna o ser humano diferente dos outros animais, pois concomitantemente a esses processos o afeto reforça as memórias e o aprendizado, trazendo marcas e impressões que moldam, desenvolvem e estimulam o indivíduo a ser quem ele é. Além da capacidade de decodificação facial, desde cedo aprendemos a perceber o tom de voz e a expressão emocional do som. Os bebês preferem tons mais altos, mais agudos, de forma mais tranqüila e fala mais arrastada. Acredita-se que o primeiro choro do nascimento seja uma reação de estresse agudo secundária à dor nos pulmões, assim como acredito que a amamentação é o primeiro estímulo de prazer, o choro do nascimento é o primeiro sinal do recém nascido de desprazer. O humor e a dor afetam nosso desempenho, nossos julgamentos e, portanto, nossas escolhas; vemos, por exemplo, que o irritado tende a culpar os outros e o deprimido tende a culpar a si mesmo, sendo que muitas vezes a culpa não é de ninguém. O afeto é extremamente importante para o aprendizado, o afeto, ou o humor (estado mais duradouro) é altamente influente. Muitos dependem da tristeza para escrever enquanto outros precisam de um ambiente de alegria para conseguir trabalhar. Algumas pesquisas revelam a influencia do humor para fixar memórias, ou seja, manter maior atenção e com isso fixar melhor na memória as informações aprendidas. Piaget percebeu que os esquemas mentais infantis se dão por 3 processos: Assimilação, Acomodação e Equilibração, esses processos mentais são realizados por todos nós de forma mais rápida e automática, pois já temos nosso cérebro amadurecido. No primeiro processo, a Assimilação, significa que a atenção da criança estará mais fortemente ligada àqueles aspectos que já são conhecidos pela criança (base de dados prévia). No processo de Acomodação significa que após a primeira experiência, o cérebro tentará reagir mais adequadamente como, por exemplo, para pegar um objeto com maior precisão numa segunda tentativa. No último processo, Equilibração, a criança estará sempre buscando maior coerência entre o aprendido e seu meio (Ref. 10). A expressão facial por si só não provoca emoção, mas é uma conseqüência ou ato que pode causar um reforço na emoção, inclusive sobre a emoção do outro. A manifestação emocional através da expressão facial possibilita a maior conscientização, servindo como sinal externo que pode conduzir a observação interna e uma maior reflexão dos próprios sentidos. A cognição auxilia no esclarecimento consciente de algumas motivações, por vezes, inconscientes. É através de todo esse processo de capacidade nata e aprendizado, somada as diversas estruturas cerebrais e a capacidade mental de simbolização que somos capazes de decodificar e expressar emoções e ter afeto por pessoas. Aos poucos objetos, pessoas e lugares vão se tornando importantes ao longo de nossas vidas, formando nossos conceitos afetivos, ou seja, nossos sentimentos sobre diversos símbolos de nossa vida. É desta maneira que nossa vida vai se enchendo de significado, esse grande processo torna as emoções e os sentimentos tão profundos e complexos quanto nós, seres humanos, somos pura emoção, puro sentimento. “O homem desenvolveu muito lentamente sua consciência num processo que levou bastante tempo, até alcançar o estado civilizado, a consciência é uma aquisição muito recente da natureza. É vulnerável e facilmente danificável e fora identificado inclusive em culturas indígenas como perda da alma (ruptura da consciência)... A psique está longe de ser seguramente unificada e pode fragmentar-se com facilidade sob o assalto de emoções incontidas.” - Jung CAP. VIII PARA UNIR SENTIMENTO E IMAGINAÇÃO Proponho agora que o leitor exercite ao máximo sua imaginação e desta forma embarque num mundo novo. Bem, na verdade embarcaremos no mundo antigo, tão antigo que o homem não era ainda homem, mas um hominídeo, uma espécie de projeto de homem, ou seja, uma forma ainda mais primitiva do homem antigo. Este hominídeo, tanto o macho quanto a fêmea, é coberto por pêlos em todo seu corpo, inclusive na face e, nas fêmeas, também sobre as mamas. Seu rosto se assemelha mais ao macaco, mas com tendências humanas. Eles vivem em árvores e, portanto, necessitam que suas mãos sejam fortes já desde filhotes para se agarrarem às mães, inclusive quando pegam no sono seguem agarrados à elas. Graças aos pêlos que ajudam a camuflar, podem também agarrarem-se com facilidade e ficam no mesmo nível das mamas possibilitando a alimentação. Esses filhotes têm o corpo preparado para se comportarem como verdadeiros parasitas acoplados às suas mães, já que sozinhos não sobreviveriam, então seus corpos são máquinas projetadas para sobreviver e se adaptarem ao meio. Com isso, seguem muito tempo pendurados às suas mães e somente quando já estão bem grandes e em condições de se separarem delas é que ocorre naturalmente, ou seja, pela simples força da natureza. Os filhotes crescem e se tornam com o tempo pesados e suas mães são incapazes de carregá-los eternamente, muitos chegam a ficar maiores que elas quando chegam à idade adulta. Os filhotes são muito observadores e com o tempo vão aprendendo tudo que suas mães fazem, tornam-se independentes quando crescem, mas geralmente seguem vivendo no bando, pois é seguro e estão acostumados ao grupo. O filhote aprendeu com as reações e atitudes da mãe como agir e o que esperar dos outros, como conseguir alimento, como defender-se e como se comunicar. O filhote, muito observador, aprendeu a fazer tudo o que os outros integrantes do grupo fazem e quando seu corpo ficou capaz de gerenciar-se sozinho, deixou de ter uma postura dependente e passou a ser visto pelo grupo separado de sua mãe, ainda que junto no mesmo bando. Assim que se separou de sua mãe teve que começar a se defender e buscar imporse perante o bando para adquirir seu espaço e ser respeitado, também teve que começar a se esforçar para obter alimento, pois já não podia ficar pendurado à sua mãe. Além do mais, como o filhote era observador, depois de um tempo começou também a experimentar o que a mãe comia e como já não mamava com a mesma freqüência, o leite de sua progenitora foi secando. Não era mais amamentado apenas em função do tamanho e peso, mas sua boca desenvolvera dentes e isso machucava. No início o leite saia com mais facilidade, pois os próprios hormônios que estimulavam o parto para que o filhote nascesse eram também responsáveis pela produção de leite, mas depois de alguns meses a mãe já não aceitava o filhote e o empurrava quando ele queria mamar. Logo após o parto, as fêmeas buscavam rapidamente voltar à rotina habitual do bando, afinal, durante o parto era comum que a fêmea se afastasse do grupo, em outras vezes era o grupo que se afastava dela, o grupo percebia que algo estranho estava acontecendo, por mais que nem o bando nem a fêmea tivessem real consciência sobre os fatos. Algumas não conseguiam acompanhar o bando, mas a tentativa de se movimentar muitas vezes ajudava para que o filhote nascesse mais rápido. Entretanto, como eram nômades, algumas ficaram para traz e sozinhas muitas vezes morriam. Os perigos de estar em minoria eram enormes, sozinha e com dores mais ainda, pois os movimentos ficavam limitados e, além disso, poderiam ser cercadas por outros animais. Algumas conseguiam sobreviver, encontravam novos bandos ou alcançavam o que pertenciam. Entrar em um novo bando nem sempre era fácil, os machos através do olfato percebiam que eram fêmeas e mesmo assim lutavam contra elas para demonstrar força e com isso poder frente ao bando. Geralmente era o líder do bando quem fazia isso e, muitas vezes, a luta resultava em coito, algumas não ficavam grávidas e outras ficavam prenhas novamente. Em alguns casos o bando não tinha exatamente a mesma genética que a fêmea intrusa, algumas fêmeas fugiam do novo bando, outras eram mortas e algumas permaneciam adaptando-se e trazendo uma nova carga genética aos descendentes. O coito era também uma forma de demonstrar poder e domínio sobre o outro, além disso, a própria agressividade da luta também estimulava a excitação sexual, pois ocorria uma excitação geral do corpo. A lei do mais forte era a única lei possível e era desta forma que tudo acontecia, dentro e fora do bando. O mais poderoso era visivelmente privilegiado em todos os sentidos, tinha mais experiências sexuais, se alimentava mais e determinava as coisas conforme sua vontade. Alguns filhotes quando cresciam, imitando o resto do bando, desde cedo lutavam por poder e disputavam entre si. Também tentavam disputar com outros do bando, inclusive adultos. Quando o líder estava mais velho e já sem a mesma força, começava a perder disputas com os mais jovens e o bando acabava periodicamente tendo um novo líder. A liderança do bando mudava com bastante freqüência e, disputar, ainda que no próprio bando, era algo comum. Ser mais forte do grupo era sinônimo de ter vantagem sobre os outros e desta forma ter poder. A força foi o primeiro poder descoberto pelo bando e a força começou a ser usada como instrumento para tudo. Ser forte naqueles tempos implicava ter uma boa musculatura, ter todos os membros, em especial os braços e as pernas, muito potencial de excitação e energia para manter a luta até sair-se vencedor. Com o tempo e com as constantes observações, muitos hominídeos aprenderam a perceber as reações e as atitudes durante a luta. Eram necessários reflexos rápidos e um contragolpe, ou seja, quem pudesse pensar mais rapidamente seria capaz de se sair melhor nestes momentos. Aprender a ver e identificar as reações faciais era essencial para perceber a ameaça e naquela época a ameaça era constante. Quanto mais em estado de alerta e quanto mais automático fossem os reflexos, mais habilidoso e poderoso seria o hominídeo. Com o tempo apenas força, por si só, já não definia o líder, mas outras habilidades também, como agilidade. Entretanto, com o passar do tempo ser apenas forte e ágil não era garantia de vitória, pois ainda assim alguns eram derrotados, desta forma, o desempate se dava pelos mais observadores. A diferença dos mais observadores é que eles tinham a capacidade de aprender com a observação e desta forma aprendiam o que esperar de seu combatente e começaram a ser capazes de fazer pequenas previsões relacionadas às reações do outro. Quanto mais claras e precisas fossem essas observações, mais poderoso se tornava o membro do grupo, pois além de ser mais assertivo e eficiente, chamava a atenção que pudesse vencer confrontos mesmo se fosse menor. Este integrante era visto como poderoso dentro do grupo e os outros tentavam também adquirir o mesmo poder e, portanto, o imitavam. A observação foi crucial em todos os sentidos para a evolução, juntamente com a imitação, a persistência e uma tentativa intrínseca de dominar seu meio. Desta forma a inteligência foi surgindo pela necessidade de substituir a força física, o mais forte já não era necessariamente o líder, mas o mais esperto. Quem protegesse o bando e ajudasse a conseguir mais habilmente alimento era mais imitado pelos outros. A imitação sempre foi a alavancagem na aprendizagem e até hoje segue sendo a forma mais poderosa de ensino, ensinar através do exemplo. A grande capacidade de observação permitiu o conhecimento e o desenvolvimento em toda a história da humanidade. Seguindo nossa história, o hominídeo mais esperto tinha a capacidade de influenciar os outros, sua inteligência auxiliava na descoberta de novas possibilidades, bem como a produção de ferramentas das mais diversas. Este hominídeo sempre enxergava uma maneira mais fácil de ver as coisas, ainda que demorassem milhares de anos para que as habilidades se desenvolvessem nas gerações de hominídeos, elas eram acumulativas e permaneciam no grupo. O grupo mantinha as ferramentas e sua utilização, isso era passado para os novos integrantes e permanecia nas gerações através dos ensinamentos formado pelos hábitos e costumes do grupo. Essas atividades e capacidades da sociedade primitiva deram início à formação da cultura. A cultura era capaz de manter no grupo as aquisições daqueles hominídeos que tiveram um relâmpago de inspiração criando novas ferramentas ou tendo novas atitudes e assim ampliando a consciência primitiva. A cultura passou a ser igualmente uma ferramenta do Homem, capaz de armazenar imensos conhecimentos que eram ensinados de uma forma muito mais rápida e eficaz. A cultura passou a ser a identidade de cada grupo, de cada sociedade, como um tipo de personalidade ou modus vivendi dos integrantes, influenciando a todos. Ela passou a ser um legado, repleta de conhecimento habilidoso ou laboral, mas também social, com os costumes e interações entre os habitantes. A vida social passou a ser regida por hábitos e costumes que eram aprendidos pela simples observação, esses hábitos de comportamento foram gerando padrões de comportamento social. Os padrões de luta ou fuga foram sendo substituídos por padrões sociais de auxílio e empatia ou desagrado e afastamento. Desta forma laços afetivos foram se estabelecendo, parcerias e uniões menores dentro do próprio grupo aconteciam mediante a reciprocidade da emoção, da empatia e agrado. As uniões sociais passavam a ter um forte componente dentro do grupo, pois eram repletas de afeto, tornando-se muito fortes e estabelecendo vínculos mais duradouros. Desta maneira, uma pessoa que tivesse uma ligação com outra desenvolvia o apego, capaz de promover ainda mais estímulos emocionais uma com a outra. O afeto era e sempre foi um potente motor, capaz de impulsionar o indivíduo a novas buscas por maior ligação, conforto e domínio de seu meio. O afeto também levava a dominar o outro a própria vontade e de querer se dominar pela vontade própria do outro. O objeto de afeto passava a simbolizar algo mais que ele mesmo, ele passava a representar muito mais que um integrante, ele passou a ser especial para alguém e isso era percebido dentro do grupo e por vezes imitado. Além disso, essa significação maior do outro através do afeto possibilitou o desenvolvimento da capacidade de simbolização. A simbolização é o maior diferencial entre o Homem e as demais espécies, a capacidade de simbolização possibilitou a evolução da emoção para sentimento, utilizando-se da inteligência superior para encher o sentimento de razões, conceitos e memória. Portanto um objeto não era mais apenas um objeto concreto, com a capacidade de simbolismo ele passou a ser algo a mais, passou a ter valor. Não foram apenas as pessoas que começaram a ter valor umas às outras, mas também os objetos, pois eles podiam auxiliar no trabalho ou ser fruto de curiosidade ou motivo de exibicionismo dentro do grupo e passaram a ser alvo ou objetivo, vontade ou necessidade. Desta maneira, os objetos tendo valor passaram a representar ainda mais e eram disputados ou trocados. Essa atividade de troca propiciou a negociação e os objetos passaram a representar um tipo de moeda de troca. Cada vez mais era necessário desenvolver novas habilidades para trocar e negociar com os companheiros, desde alimento, ferramentas e inclusive afeto. A negociação auxiliou ainda mais o hominídeo a desenvolver-se como homem, pois estimulava a socialização e com isso diversas capacidades afetivas como paciência, compreensão, e perseverança, entre outras foram surgindo. Não nascemos superiores, mas nos tornamos animais altamente capazes devido à poderosa aquisição do aprendizado de como utilizar o meio e nossas ferramentas. Herdamos o temperamento, mas não a cultura, ela foi passada através das gerações. Não existe superioridade, existe maior ou menor desenvolvimento das próprias potencialidades. A consciência é fruto da mente racional, mas a alma criou identidade. Os sentimentos passaram a ser o grande estímulo que proporcionou o desenvolvimento humano dos últimos séculos, uma poderosa inteligência invisível de tão simplesmente SER. Cérebro é corpo, mente é pensamento e alma é identidade sentimental, precisamos juntar todas as partes para ser um só por inteiro. O cérebro executa, a mente cria e a alma sente. A natureza tem força para surgir e desenvolver a vida e também a morte. Constante nascimento, desenvolvimento e posteriormente morte, destruição e transformação para um novo ciclo. A natureza e em especial o cérebro humano funciona e se desenvolve mediante a REPETIÇÃO e APERFEIÇOAMENTO, mas a evolução precisa de uma base prévia, não é possível melhorar o que não existe. Ser, sentir, existir, o cérebro é limitado, mas a mente é um universo em expansão. Pequenas marcas ou sinas que se transformam em símbolos, gerando digitais e criando uma identidade na mente. Da mesma forma as palavras representam diversos significados, as palavras são como símbolos que traduzem algo, o processo de simbolização tem cerca de 100mil anos na historia de nossa humanidade. A emoção somada à incorporação de um significado único naquele instante foi e é responsável por todas as evoluções humanas. A empatia é a mente afetiva, cuja característica é a capacidade de simbolizar-se como sendo o outro e sentindo-se nesse outro. Vemos alguns casos em Psiquiatria onde esse processo é deficiente ou inexistente como quadros antisociais e autismo. Acredito que o anti-social seja um cérebro que não evoluiu e se amadureceu adequadamente, deixando o sistema límbico com funcionamento deficiente. Paul Mclean foi um neurocientista que definiu que nós humanos temos o cérebro em 3 partes, a mais primitiva seria o cérebro reptiliano, onde apenas ocorrem reações programadas automáticas; num segundo momento o cérebro teria evoluído até o chamado cérebro do mamífero primitivo com reações sexuais e agressivas mediante o surgimento do sistema límbico e, por fim, o cérebro mamífero superior com o surgimento do córtex (Ref. 15). ‘’...a origem dos vertebrados surge de um desvio ecológico de alimentação de partículas em suspensão para uma busca mais ativa de alimentos mediante estratégias de predação ativa.’’ - Dalgalarrondo Mamíferos, por sua vez, apresentaram uma diferenciação dos demais com a capacidade de amamentação, assim que o filhote nascia e tendo sangue quente eram ainda mais capazes de se espalhar pelo planeta. Caracterizam-se pela socialização, busca constante de alimentos e maior cuidado por parte dos progenitores com os filhotes, além de ter o sistema límbico bastante desenvolvido. A diferença do genoma humano em comparação ao do chimpanzé resume-se em 1%, sendo que a diferença entre o Neandertal e o Homo Sapiens é de 0,5%. Cabe ressaltar que o Neandertal era intolerante a lactose e torna-se inevitável pensar que sofremos suas influências até hoje (Ref. 15). O córtex é o grande diferencial nos mamíferos, pois é responsável pela cognição (pensamento abstrato como a simbolização e planejamento), movimentos motores e diversas habilidade (córtex agranular) e percepção dos sentidos (córtex granular), além disso, existe o córtex associativo que associa e integra o córtex motor ao sensitivo. O neocórtex é mais superficial e externo, possui 6 capas, enquanto que o córtex mais antigo possui apenas 4 camadas. Cabe destacar que a estrutura do hipocampo é a mesma deste córtex mais antigo, sendo que cerca de 80% do cérebro do homem corresponde a esse córtex mais especializado e recente chamado de neocórtex (seu maior ou menor desenvolvimento dependerá muito dos estímulos que recebe) (Ref. 15). Ressalto ainda, a afirmação proveniente das investigações feitas pelo professor e pesquisador Dr. Dalgalarrondo, referindo que o córtex associativo tem grande representação nos primatas e que essa área começou a aumentar nos mamíferos, ou seja, destaca-se a influência da alimentação e seu reflexo no organismo durante a evolução. Nos mamíferos a amígdala se manteve e o hipotálamo, cerebelo, hipocampo e tálamo se expandiram muito, ampliando inclusive as áreas corticais e de forma extremamente avançada nos humanos. “Para Rousseau, o gesto nasce de necessidades físicas naturais; em oposição aos gestos, as palavras nascem dos sentimentos, da paixão”... Palavras do próprio Dalgalarrondo e acredito que a explosão da linguagem teve como principal estímulo a influencia das emoções. A linguagem por sua vez foi um grande contribuinte da cultura, abrindo-se um novo universo de possibilidades de criação, na arte, nas ciências e no desenvolvimento e preservação das tradições. Com isso também foi possível uma maior interação do mundo interno com o externo e a expressividade máxima do Homem e de sua socialização. Darwin via a linguagem como arte, como cultural no sentido de ser ensinado, pois não nascermos com essa habilidade, nascemos com a capacidade. Ora o que não é a Arte do que a expressão pura do que pensamos e sentimos? A última capacidade mais evidente e popularmente conhecida adquirida pelo Homem foi a fala e parece que a mutação genética teria ocorrido há cerca de 50mil anos atrás, algo muito recente na história da humanidade. A linguagem ocorreu após o surgimento das emoções e acredito que elas foram o principal estímulo para o surgimento e desenvolvimento da linguagem. O gostar, o não gostar, o perigo, o medo, entre outras sensações provocaram emoções que, com o tempo, necessitavam cada vez mais expressão, falar foi apenas uma conseqüência... CONSIDERACÕES FINAIS Alma é mais que consciência, consciência é mente racional; alma é sentir consciente, ser o que se sente. Dualismo mente-corpo, a mente e o corpo interagem mutuamente, mas tudo é um tripé entre corpo, mente e alma. O cérebro é o corpo que pensa, a mente é consciência e a alma é a que sente e transcende. A TRANSCENDENTALIDADE é a necessidade do homem de ser acima de tudo e qualquer coisa, é a liberdade plena da alma que voa como a borboleta da Psique, ela simplesmente é, livre. O caráter é cultural, o temperamento é biológico, mas a índole vem da digital da cultura sobre a alma, sobre o que sentimos. Churchil somente acreditava em conceitos neuroquímicos e nunca acreditou que o cérebro pudesse ter um o ponto de Deus. Acredito que ele jamais encontraria, pois esse ponto não é anatômico e se ele existe, encontra-se a nível da expressão da alma, ou seja, dos sentimentos. As crenças, a fé e as percepções de si mesmo e do mundo afetam diretamente a capacidade de Resiliência do indivíduo. Entretanto, nada afeta mais o indivíduo do que os sentimentos que carrega, pois essa é a raiz de todas as anteriores e a verdadeira origem de suas escolhas. O Ser Humano é a maior invenção do Homem e sua maior revolução foi à nível dos sentimentos que são a maior expressão de humanidade, sendo o afeto o grande responsável pela evolução dos neurônios. O sentimento pode conduzir a conexão e reforçar a empatia, levando a formação do relacionamento. Entretanto, estamos conversando pouco sobre o que verdadeiramente sentimos e perdemos a oportunidade de estimular mais a inteligência emocional em nossas crianças e em nossa sociedade. As lendas e outras histórias são formas de conversar sobre sentimentos e emoções na terceira pessoa. Devemos estimular o pensamento sobre reações intrínsecas, o invisível aos olhos, mas na primeira pessoa. Vamos ao cinema, ao teatro, escutamos uma música e nos identificamos com ela por algo, mas dificilmente paramos e pensamos “como eu sinto e por que eu sinto” e, se pensamos, muitas vezes não dizemos, pouco conversamos sobre isso uns com os outros. Uma das maiores dificuldades do ser humano é expressar-se com calma e clareza no rompante da emoção, pois geralmente paralisa, emudece ou vomita palavras nem sempre conexas. Toda vez que o ser humano não entende algo e/ou está imerso em uma grande emoção, ele pode se comportar de forma primitiva. Algumas reações primitivas, antigas são o choro, bater as palmas e o grito. Freud falava que os sentimentos reprimidos levavam, na maioria das vezes a formação de um sintoma e que quando emergiam a consciência poderiam ser reelaborados tomando um novo significado e desta forma reincorporados, formando assim, o princípio da Psicoterapia. A Transferência e Contratransferência na Psicanálise estão baseadas na empatia, a própria Psiquiatria e Psicoterapia são formas de arte, na arte de tratar e interpretar o paciente e seus sentimentos. A Arte nada mais é que a expressão dos sentimentos e, portanto, expressão da alma. Os artistas são expoentes da expressão da alma, mas os pais devem ser os primeiros a ouvir a alma dos seus filhos, conversando sobre seus sentimentos. Na caverna de Platão o filósofo dizia que o Homem no escuro da ignorância nada vê, aos poucos quando uma chama de consciência vai surgindo ele começa a enxergar sombras projetadas por ele mesmo nas paredes da caverna e, quanto mais ele vai ampliando sua consciência, vai aos poucos saindo da caverna e enxergando a luz da sabedoria, da consciência. Parece-me que muitas vezes estamos em movimento retrógrado para a caverna digital, se algo nos desagrada facilmente apertamos a tecla ‘delete’ sem ao menos refletir. É PRECISO AUSCULTAR O SENTIMENTO... A maioria ouve com o cérebro e não com o coração e por isso nada escutam. A infância é um período de grande atividade emocional e de situações potencialmente dolorosas que devem receber grande atenção dos pais. Ressalto as palavras de Jung que mencionava que para o processo de individuação ocorrer é preciso nos submeter conscientemente ao poder do inconsciente, é preciso ouvir o self. “É do self que emerge a consciência individualizada do ego. O ego precisa voltar constantemente para restabelecer as relações com o self e conservar a saúde psíquica e a sensação de totalidade. Sem um certo grau de independência o indivíduo será incapacitado de relacionar-se com seu mundo adulto”. - Jung Assim como Goleman, acredito que para melhorar nossa sociedade precisamos buscar novas formas de interagir com o mundo e partir do princípio de nossas relações sociais e em especial do que cada um traz em seu coração. Assim como Goleman concordo que a área dos sentimentos segue pouco valorizada e que apesar das pesquisas, precisa ainda muito mais atenção científica e prática não apenas nas escolas, mas com novas políticas de saúde pública com enfoque na família. Goleman também mencionou em seu mesmo livro a idéia de 2 mentes, uma que pensa e outra que sente. Penso termos 5 sentidos somados a um sexto, as intuições que, em minha opinião, são emoções ainda não processadas de forma cognitiva, emoções que não se transformaram em sentimentos. A Psiquiatria não criou doenças, apenas descobriu a face reprimida de sintomas que eram a ponta de um iceberg mais profundo. Os transtornos mentais são muito mais antigos do que imaginamos, mas somente a partir de agora teremos cada vez mais clareza sobre as Neurociências. Aos poucos, objetos, pessoas e lugares vão se tornando importantes ao longo de nossas vidas, formando nossos conceitos afetivos, ou seja, nossos sentimentos sobre diversos símbolos de nossa vida (Sentimentos são conceitos afetivos). É desta maneira que nossa vida vai se enchendo de significado, esse grande processo torna as emoções e os sentimentos tão profundos e complexos quanto nós. Se há algo que realmente revolucionou a humanidade, esse elemento certamente não foi o fogo, mas a neuroquímica das emoções. Se hoje possuímos a capacidade de falar, é porque antes compreendemos, é porque antes sentimos. Foram as emoções as responsáveis pela fala e por todas as descobertas da humanidade. Finalizo com um sentimento, a Esperança, de que assim como criamos simbolismos que nos trouxeram até aqui, de agora em diante tenhamos em nossos sentimentos e em nossas atitudes a possibilidade de construir significados mais saudáveis para nossa humanidade. ANEXO I A seguir, proponho um esquema hipotético da origem evolutiva das emoções e algumas possíveis combinações e seus reflexos, partindo do que acredito ser a sensação mais primitiva: a Fome. Outros autores já fizeram essa relação de que as emoções poderiam recombinarse, como as cores que geram outras cores. As emoções básicas que todos nós seres humanos expressamos universalmente seriam as emoções primárias assim como as cores básicas verde, amarelo, vermelho, azul, preto e branco. No caso das emoções, também 6 emoções básicas: nojo, raiva, alegria, tristeza, surpresa e medo. Entretanto, não parece simples apenas combiná-las e por isso tratei de buscar uma origem comum em potencial, inspirada no efeito dos neurotransmissores mais comuns sobre nosso comportamento primitivo somado a interação com o meio daquela época (primórdios da vida). Desta forma, combinei a sensação secundária ao estímulo da dor frente á fome e sua saciedade (satisfação/gosto x insatisfação/desgosto) com os possíveis comportamentos frente à busca do alimento (interesse x pacividade) e em defesa do alimento (agressividade x pacividade) para chegar a reações primitivas mais básicas das emoções. Somando a satisfação oral do gosto ao comportamento passivo; interessado/ curioso e agressivo cheguei a 3 variáveis: afeição/amor; coragem e alegria, respectivamente. Fazendo o mesmo utilizando o estímulo oral de insatisfação/ desgosto, ou seja, o não gostar; pude chegar a nojo; medo e irritação, respectivamente. Por fim combinei apenas os comportamentos curiosidade/ interesse com pacividade e agressividade e cheguei até as emoções surpresa e raiva. Por fim combinei as emoções básicas, encarando-as como potencializadoras umas das outras e desta forma identifiquei ódio, tristeza, ira, desespero, euforia e esperança. Muitas vezes foi difícil chegar a uma idéia básica das emoções justamente pelo componente cognitivo, ou seja, pela interpretação que o córtex faz de uma emoção processando-a como sentimento, mas a idéia era buscar a emoção em sua forma mais pura ou mais primitiva, fazendo uso da imaginação para visualizar uma possível origem. SENSAÇÕES PRIMITIVAS: ESTÍMULO PRIMÁRIO: FOME SENSAÇÃO PRIMÁRIA frente o estímulo DOR ----- ALÍVIO SENSAÇÃO SECUNDÁRIA à ingesta do alimento GOSTO/ SATISFAÇÃO -------- DESGOSTO/ INSATISFAÇÃO (RE)AÇÕES PRIMITIVAS: PRIMÁRIA: EM BUSCA DO ALIMENTO (tentativa, imitação, espera) INTERESSE/ ’CURIOSIDADE’ ------- INDIFERENÇA/ PACIVIDADE SECUNDÁRIA: EM DEFESA DO ALIMENTO AGRESSIVIDADE -------- PACIVIDADE EVOLUÇÃO DAS REAÇÕES: EMOÇÕES PRIMÁRIAS GOSTO + PACIVIDADE = AFEIÇAO/ ‘AMOR’ GOSTO + AGRESSIVIDADE = ALEGRIA GOSTO + CURIOSIDADE = CORAGEM DESGOSTO + PACIVIDADE = NOJO DESGOSTO + CURIOSIDADE = MEDO DESGOSTO + AGRESSIVIDADE = IRRITAÇÃO CURIOSIDADE + AGRESSIVIDADE = RAIVA CURIOSIDADE + PACIVIDADE = SURPRESA/ SUSTO EMOÇÃO SOMADA/POTENCIALIZADA: IRRITAÇÃO + RAIVA = ÓDIO ÓDIO + RAIVA = IRA IRRITAÇÃO + NOJO = TRISTEZA MEDO + NOJO = FOBIA/ DESESPERO ALEGRIA + RAIVA = EUFORIA AMOR + CORAGEM = ESPERANÇA/ FÉ ANEXOII HIPÓTESE CRONOLÓGICA DO SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DAS EMOÇÕES TEMÁTICA: Neuropsicofilosofia OBJETIVO: Pesquisar o conceito de emoções e sentimentos em âmbito neuropsiquiátrico e desenvolver uma reflexão filosófica, unindo embasamento científico ao imaginário humano na construção e evolução das principais emoções. MÉTODOS: Realização de seleção bibliográfica de livros de Psiquiatria, Biologia e Psicologia, com foco nas emoções, neurodesenvolvimento e influência de alguns pensadores. Ao todo foram lidos capítulos específicos de uma seleção bibliográfica de 15 livros, juntamente com a busca de sites de interesse. RESULTADOS: O sentimento é um sintoma, uma emoção, uma percepção ou uma atitude? A Dor, por exemplo, é uma percepção, uma reação física e emocional, uma verdadeira síndrome com seus sinais e o próprio sintoma dolorosamente subjetivo, referido por quem sente. Darwin observou em diversas culturas a presença de padrões universais de expressão emocional como Alegria, Nojo, Medo. Entretanto, antes dele, Hipócrates se inspirou nos humores humanos (sangue, fleuma, linfa e bílis) para determinar 4 tipos de personalidades. Depois de Darwin, muitos contribuíram com seus estudos como Wundt que acreditava na intensidade e velocidade dos movimentos internos, lembrando que a palavra emoção significa movimento; Gray que estudou o comportamento de luta e fuga e os sistemas de ativação/inibição do comportamento e tantos outros como Eysenck, Jung, Akiskal, Cloninger e mais recentemente Diogo Lara com estudos baseados no medo e raiva. Todos eles estudaram o Humor e o Temperamento baseado na influência das emoções na constituição do indivíduo. Existem estudos que demonstram que o bebê apresenta diversas sensações, como a dor, por exemplo, e que aos 6 meses já é capaz de expressar reações de medo. O choro do bebê muitas vezes é uma reação a um estímulo, mas também uma forma de comunicação. Estudos indicam a existência de 4 tipos de choro, entretanto, nos primeiros dias de vida do recém nascido o choro significa apenas desconforto, mas adquire significado com o tempo conforme as interações com os pais. O alívio de toda dor e de toda tensão traz uma sensação de prazer e esse prazer reforça no bebê e, em todos nós, uma memória deste episódio. A seqüência de sensações prazerosas ou desagradáveis cria um traço, uma marca ou uma cicatriz em nossa mente que influenciará nossa personalidade e com isso nossas atitudes. A incorporação de diversas sensações e seus significados gera a formação de registros afetivos, é um processo constante e simultâneo, que necessita de estímulo, reação neuroquímica e memória. O estímulo é captado pelos receptores (como olhos e ouvidos) e seu processamento resulta em uma reação primária, com a liberação de neurotransmissores, o que provoca determinada reação (prazer, desgosto, etc). Esta sensação provoca imediatamente uma emoção (reação secundária) acompanhada por algum movimento motor, geralmente na face e reações periférica como piloereção ou taquicardia. A persistência da emoção e sua racionalização levam a formação do sentimento, um processo quase simultâneo em estágios de neurodesenvolvimento avançado. O sentimento é uma base de dados, uma construção intelectual que cria uma raiz e uma identidade ao longo do tempo. Geralmente o sentimento remete a uma série de lembranças e recordações, parece impossível pensar no Amor e não lembrar-se de algo, portanto, poderia ser visto como uma reação terciária, um processo cognitivo de funções superiores. ESTÍMULO e CAPTAÇÃO PELOS RECEPTORES SENSAÇÃO → REAÇÃO 2ria = EMOÇÃO → REAÇÃO 1ria = REAÇÃO 3ria = SENTIMENTO Ainda que possa ocorrer quase que instantaneamente, nem toda sensação é uma emoção. Usando a fome como exemplo, podemos ver que ela é uma sensação muito poderosa que pode levar a uma determinada emoção ou conjunto delas. A fome é um estímulo primário muito antigo e a dor acaba sendo um reflexo dela (protetor e sinalizador). Acredito que os sentimentos, diferentemente das emoções, são construções intelectuais de nossa mente superior, ou seja, do Homem como o conhecemos agora, e não de nossos ancestrais mais primitivos. A seguir, proponho um esquema hipotético da origem evolutiva das emoções e algumas possíveis combinações e seus reflexos, partindo do que acredito ser a sensação mais primitiva, a Fome. SENSAÇÕES PRIMITIVAS: ESTÍMULO PRIMÁRIO: FOME SENSAÇÃO PRIMÁRIA DOR ----- ALÍVIO SENSAÇÃO SECUNDÁRIA GOSTO/ SATISFAÇÃO -------- (DES)GOSTO/ INSATISFAÇÃO REAÇÕES PRIMITIVAS: PRIMÁRIA: EM BUSCA DO ALIMENTO (tentativa, imitação, espera) INTERESSE/ ’CURIOSIDADE’ ------- INDIFERENÇA/ PACIVIDADE SECUNDÁRIA: EM DEFESA DO ALIMENTO AGRESSIVIDADE -------- PACIVIDADE EVOLUÇÃO DAS REAÇÕES: EMOÇÕES PRIMÁRIAS GOSTO + PACIVIDADE = AFETO/ ‘AMOR’ (reforço da satisfação) GOSTO + AGRESSIVIDADE = ALEGRIA GOSTO + INTERESSE/ CURIOSIDADE = CORAGEM DESGOSTO + PACIVIDADE = NOJO DESGOSTO + CURIOSIDADE = MEDO DESGOSTO + AGRESSIVIDADE = IRRITAÇÃO CURIOSIDADE + AGRESSIVIDADE = RAIVA CURIOSIDADE + PACIVIDADE = SURPRESA/ SUSTO EMOÇÃO SOMADA/POTENCIALIZADA: IRRITAÇÃO + RAIVA = ÓDIO ÓDIO + RAIVA = IRA IRRITAÇÃO + NOJO = TRISTEZA MEDO + NOJO = FOBIA/ DESESPERO ALEGRIA + RAIVA = EUFORIA AMOR + CORAGEM = ESPERANÇA/ FÉ CONCLUSÃO: Acredito que possuímos uma gama de emoções que se auto-alimentam, nos transformam e estimulam. A intensidade da emoção sem processamento prévio pode levar a instabilidade, ao caos e ao turbilhão no Ego, levando a formação de cicatrizes na alma e em alguns casos até mesmo cisões, mencionado previamente por Freud. Não é possível ainda determinar exatamente em que tempo de vida a sensação passa a se transformar em emoção, mas quanto maior estímulo e capacidade de sensibilização e simbolismo, maior construção emocional. Esse processo somado à percepção interna é essencial para a formação dos sentimentos e o desenvolvimento da Inteligência Emocional. Darwin acreditava que a emoção era um reflexo da evolução, os animais evoluíram e em sua trajetória já foram comandados apenas pelo tronco e seus reflexos e, posteriormente, por outras estruturas como o sistema límbico, responsável pela emoção e o córtex. O Homem atual é dominado pelo córtex e, portanto, também por seus sentimentos que são construções racionais simbólicas repletas de memória afetiva. Por vezes somos inundados por nossas emoções, porém são os sentimentos o grande diferencial entre nós e as demais espécies. SUGESTÃO BIBLIOGRÁFICA: 1- Freud, Sigmund. Além do Princípio do Prazer- Editora Imago, 2003. 2- Lara, Diogo. O modelo do Medo e da Raiva 3- Goleman, Daniel. A Inteligência Emocional.- 10ªEd.- Editora Objetiva, 2007. 4- Kapezinski, Flávio; Quevedo, João; Izquierdo Iván e colaboradores. Bases biológicas dos transtornos psiquiátricos- 3ª Ed.- Editora Artmed, 2011. 5- Jung, Carl e colaboradores. O Homem e seus símbolos.- Editora Nova Fronteira, 1977. 6- Rosa, Heliandro Abreu. Sobre a origem do homem.- Editora Mercado Aberto, 1988. 7- Freeman, Scott; Herron, Jon C. Análise Evolutiva.- Editora Artmed, 2009. 8- Lewin, Roger. Human Evolution: An Ilustrated Introduction.- 5ª Ed.- Editora Blackwell Publishing, 2005. 9- Davidoff, Linda L. Introdução à Psicologia.- 3ª Ed.- Editora Pearson Education do Brasil, 2001. 10- Bee, Helen. A criança em desenvolvimento. Editora Artmed,2003. 11- Braghirolli, Elaine Maria; Bisi, Guy Paulo; Rizzon, Luíz Antônio; Nicoletto, Ugo.- 22ª Ed.- Editora Vozes, 2002. 12- Weiten, Wayne. Introdução à Psicologia. Temas e variações.- 4ª Ed.Editora Pioneira Thomson Ltda., 2002. 13- Papalia, Diane E.; Olds Sally Wendkos. Desenvolvimento Humano.- 7 Ed.Editora Artmed, 2000. 14- Atkinson Rita L.; Atkinson, Richard C. [etc]. Introdução à Psicologia de Hilgard. - 13ª Ed. Editora Artmed, 2002. 15- Dalgalarrondo, Paulo. Evolução do Cérebro. Ed. Artmed, 2011.