A CONSTRUÇÃO DE UM PERSONAGEM NO CENÁRIO

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A CONSTRUÇÃO DE UM PERSONAGEM NO CENÁRIO
TRANSICIONAL DA SESSÃO ANALÍTICA.
Luiz Marcírio Machado
Membro Titular Didata da Sociedade Psicanalítica de Pelotas.
Membro Convidado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre.
Eixo Temático: Transferência, vínculo e alteridade na clínica de crianças e
adolescentes.
E-mail: [email protected]
Organiza
Federación Psicoanalítica de America Latina
Septiembre 23 AL 25 de 2010
Bogotá - Colombia
A CONSTRUÇÃO DE UM PERSONAGEM NO CENÁRIO
TRANSICIONAL DA SESSÃO ANALÍTICA.
Eixo Temático: Transferência, vínculo e alteridade na clínica de crianças e
adolescentes.
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Septiembre 23 AL 25 de 2010
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RESUMO: O autor enfatiza a necessidade de criar junto com cada paciente um
setting onde predomine aspectos empáticos, tais como espontaneidade, jogo
criativo e humor. Baseado em idéias de Winnicott, Bollas e Ogden, o autor
expõe suas próprias experiências clínicas, especialmente com crianças e
adolescentes, nas quais a criação de um personagem, como um objeto
transicional, assume provisoriamente o papel de “catalisador” no processo
psicanalítico.
DESCRITORES:
transferência,
contratransferência,
objeto
transicional,
criatividade, personificação.
Em alguns trabalhos recentes1 preocupei-me com questões que se
referem à Teoria da técnica Psicanalítica, levando em conta, em especial um
modelo de processo analítico, no qual o papel do analista é melhor descrito
como o de um co-participante, do que o original analista “ tela em branco”.
1
MACHADO, L. Marcírio. O Psicanalista: Um Artífice e os Limites de sua Identidade. In:
Revista Brasileira de Psicanálise. Vol. 29, nº 3, 1995. Cf também do mesmo autor:
Transferência e Contratransferência Erótica na Análise de Crianças e Adolescentes. In: Revista
Brasileira de Psicanálise. Vol 30, nº 4, 1996; Criatividade e Função Analítica. Trabalho de
conclusão da formação analítica, na Sociedade Psicanalítica de Pelotas, 1993.
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Neste enfoque que me parece expressar toda tendência da psicanálise
atual, o campo analítico é muito mais vincular, levando-se em conta uma
especial dialética entre os fenômenos transferenciais e contra-transferenciais.
Essa abordagem do acontecer de uma análise, que se desenvolve numa
esfera de inter-subjetividade, recoloca uma velha questão da nossa prática,
como se combina a técnica e a arte na nossa atividade de psicoanalistas, em
outras palavras o quanto estamos movidos por um conhecimento teórico
adquirido durante a nossa formação profissional e em que medida funcionam
as experiências de uma natureza mais intuitiva que fizeram parte de nossa
história e que, na melhor das hipóteses, ficaram elaboradas e preservadas em
nossa análise pessoal.
Ao refererir-se a estas questões, principalmente num trabalho lido por
ocasião do XV Congresso Brasileiro de Psicanálise2, associei as noções de
arte e de criatividade, tomando esta última a partir da idéia da criatividade
primária, desenvolvida principalmente por Winnicott3 e redimencionada, com
matizes próprias por alguns pensadores atuais, entre os quais encontra-se
Christopher Bollas.4
Não pretendo demorar-me em explanações que já estão contidas nos
textos citados e que representam alicerces para o que estou começando a
desenvolver, não somente neste texto, como também e fundamentalmente no
meu trabalho com pacientes.
2
MACHADO, op. Cit, 1995.
WINNICOTT, Donald W. A criatividade e suas origens. In: O Brincar e a Realidade. Imago
Editora Ltda, 1975.
4
BOLLAS, Christopher. Uma Teoria para o Self Verdadeiro. In: Forças do Destino. São Paulo:
Imago Editora, 1995.
3
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O enunciado central deste trabalho, procurando ser bem sintético, pode
ser equacionado assim:
O campo analítico, quando chega a se desenvolver é formado pela
interação, sempre peculiar, das experiências e principalmente das
transferências mútuas entre analistas e pacientes. O que se entende como
contratransferência é um precipitado de transferências do analista, ativado
por material transferencial de seu paciente. Assim, ao nosso ver a
contratransferência é a parte mobilizada das transferencias do analista e
tem um papel primordial na construção de um verdadeiro campo analítico.
Ousamos afirmar que as transferencias do analista são assuntos para a sua
análise pessoal, mas a contratransferência, por sua produção vincular, é
assunto para ser enfrentado na relação específica com seu paciente.
A interpretação é o instrumento mais eficaz do analista para elucidar e
resolver os conteúdos transferenciais, contudo o enquadre, “o setting”, na
medida em que se estabelece como continência, sustentação confiança
básica é o elemento que permite e que autoriza o exercício das
interpretações.
Este enquadre psicanalítico é obtido pela constância, paciência e interesse
genuíno do analista e, em parte do próprio paciente, na tarefa proposta.
Uma combinação espontânea entre criatividade e humor, são elementos
facilitadores para a sustentação de um clima favorável à tarefa analítica.
O jogo, ou em outras palavras, o clima lúdico dentro de uma sessão, tanto
em análise de crianças como de adultos, favorece a formação de um
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espaço transicional, área de passagem por onde podem circular elementos
de realidade interna e externa,
sem a necessidade imediata
de
confrontações.
No entrecruzamento das fantasias conscientes e inconsciente do paciente e
do analista, nascem não só as interpretações mais eficazes, como as
propostas lúdicas. Os jogos de palavras, trocadilhos e os chistes. Entre
estes, destaco um fenômeno que me interessa de um modo especial. Tratase da criação de um “personagem“, que assume provisoriamente a
identidade do paciente, ou alguns aspectos particularmente controvertidos
de sua personalidade. Estes na medida em que já começam a ser
percebidas pelo analista e, por vezes também no sistema pré-consciente do
paciente, são personificados e isto funciona como uma preparação para as
interpretações futuras.
Esse personagem, nas análises de crianças tem uma presença mais
concreta. Ganha vida, através de um brinquedo ou de um desenho. Nas
análises de adolescentes e de adultos sua presença é mais simbólica, está
configurado nas alegorias e nas metáforas que são produzidas por ambos,
num processo criativo, durante as sessões.
Como todo fenômeno transicional estas personificações devem brotar
espontaneamente, nas associações livres dos pacientes e ao analista cabe
captá-las e utilizá-las em algum jogo ou metáfora. Em outras palavras não
cabe ao analista forçar a introdução de um personagem, nem quando uma
criança começar a utilizar algum brinquedo em especial, mas este não se
encontra suficientemente catexizado.
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A possibilidade de construção de algum personagem está na dependência
de algum momento criativo do processo analítico, quando a transferência
positiva, a curiosidade e o impulso epistemofílico estão mais fortes do que
as ansiedades persecutórias e as defesas projetivas muito maciças. Dito de
outra forma, em crianças que não brincam e adultos que não associam, a
utilização de um espaço lúdico fica mais difícil e as interpretações devem ser
diretamente dirigidas às resistências. Da mesma forma um personagem
pode ficar “interditado” temporariamente ou definitivamente, na medida em
que se aproxima excessivamente de um conflito pulsional e se afasta de sua
natureza e função transicional . Nestes casos o analista deve ter flexibilidade
para esperar que este retorne ou que o paciente decida trazer um outro para
o cenário da análise.
Uma vez criado este personagem, com as intensidades catexiais de um
verdadeiro objeto transicional (que por tanto - não é só externo, nem só
interno -) está o analista autorizado a participar do jogo. Isso se processa de
duas formas: através de dramatização e/ou de interpretações. Na
dramatização o analista pode participar através de uma técnica “Role Play”,
ora como um coadjuvante, ora introduzindo, ou enfatizando alguma conduta
deste personagem; que não esteja sendo evidenciada em virtude de
algumas resistências do paciente. Em geral são condutas mais destrutivas
ou erotizadas, que encontram-se encobertas por formação reativas. Quando
a escolha do analista é predominantemente o uso da interpretação, estas
devem ser temporariamente dirigidas ao personagem, na terceira pessoa, já
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que uma vez precipitadamente atribuídas ao próprio paciente, podem
bloquear a “encenação”.
Neste momento em particular, penso que é válido uma crítica e um
esclarecimento. Aprendemos na técnica psicanalítica tradicional que
interpretações que apontam para aspectos pulsionais recalcados, atribuindolhes um caráter de independência com relação ao ego, favorecem às
dissociações já existentes, ainda mais em pacientes com defesa obsessiva.
Estou de acordo com esta recomendação clinicamente irrefutável,
mormente para aqueles momentos em que nossos pacientes nos dizem:
“Nunca pensei tal coisa, só se foi inconsciente”. A meta final de um
tratamento analítico é a integração dos conflitos inconscientes e isto só
acontece com o reconhecimento de sua “paternidade” pelo seu ego. O que
tratamos de avaliar neste estudo teórico-clínico é uma questão de estratégia
para atingir este objetivo.
O uso de um personagem, na condição de um objeto transicional, não deixa
de ser uma repetição de uma fórmula exitosa da tenra infância. Ali também,
de uma forma criativa, a mãe de um bebê facilitou-lhe o apego ao bico ou a
um cobertor, fraldinha e depois um bichinho de pelúcia e toda uma
constelação de brinquedos, e, em condições normais jamais lhe passaria
pela cabeça dizer ao seu filho que aquilo que está atribuindo ao seu
personagem é na verdade uma projeção de seus próprios sentimentos. Isto
se dá assim porque, num adulto que ainda mantém seus espaços lúdicos e
suas capacidades de devanear, permanece o conhecimento intuitivo de que
a sanidade de uma criança não se mede pela intensidade do seu apego a
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um brinquedo, nem pelo grau de convicção que possa desenvolver numa
ficção, enquanto se encontra entretido num jogo. Essa sanidade é melhor
avaliada pela capacidade “de entrar e de sair das fantasias”, assim como de
incluir outros parceiros em suas brincadeiras. Além do que, está previsto que
ao longo de algum tempo, acontecer um natural desinteresse pelo objeto e a
sua substituição por um comportamento mais “realista”.
A questão do uso de um objeto transicional, como passagem e preparação
para
um
contato
mais
verdadeiro
com
objetos
internos,
passa
necessariamente pela possibilidade do uso do próprio analista como uma
extensão deste objeto, que pode ser e deve ser destruído para se tornar
real. Ao analista cabe sobreviver aos ataques de seu paciente e isto significa
não retaliar. Clinicamente isto acontece com freqüência, inúmeras vezes
brigas que começaram com “bonecos play mobil, evoluíram para um
engalfinhamento de um furioso menino, que teve de ser contido fisicamente,
enquanto eu lhe dizia: - “Agora tu estás muito bravo comigo!”
Apesar de que eu tenha me referido com mais ênfase a um certo uso de
algum personagem mais concreto no tratamento de crianças, também referi
que com adolescentes e com adultos podem acontecer figurações, mais
permanentes ou mais fugazes, que desempenham este mesmo papel. Num
dos artigos já referidos5 expus com detalhes um fragmento de uma análise
de uma menina de quatro anos, cujos personagens que nos auxiliaram a
alcançar às suas “teorias sexuais infantis”, bem como os conflitos neuróticos
5
MACHADO, op. Cit., 1996.
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que já começavam a perturbar o seu desenvolvimento emocional e, por fim à
sua transferência erótica, foram denominados A vamp e a cobra cocozenta.
BIBLIOGRAFIA:
BOLLAS, Christopher. Uma Teoria para o Self Verdadeiro. In: Forças do
Destino. Imago Editora, 1995.
MACHADO, L. Marcírio. “O Psicanalista: Um Artífice e os Limites de sua
Identidade”. In: Revista Brasileira de Psicanálise. Vol. 29, nº 3, 1995.
MACHADO, L. Marcírio. “Transferência e Contratransferência Erótica na
Análise de Crianças e Adolescentes”. In: Revista Brasileira de Psicanálise.
Vol 30, nº 4, 1996.
MACHADO, L. Marcírio. Criatividade e Função Analítica. Trabalho de
conclusão da formação analítica, na Sociedade Psicanalítica de Pelotas,
1993.
OGDEN,Thomas. Os sujeitos da psicanálise. São Paulo: Ed. Casa do
Psicólogo, 1996.
WINNICOTT, Donald W. A criatividade e suas origens. In: O Brincar e a
Realidade. Imago Editora Ltda, 1975.
WINNICOTT, Donald W. Objetos Transiconais e Fenômenos Transicionais.
In: O Brincar e a Realidade. Imago Editora Ltda, 1975.
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