A Política da Nova Classe média: o sonho norte

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A Política da Nova Classe média: o sonho norte-americano de ascensão social às
avessas
Jana Martins Leal – Brasil
Instituto de Estudo Sociais e Políticos (IESP-UERJ)
Resumo
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre o ideal de mobilidade social norteamericano promovido pela Política da Nova Classe Média no Brasil. Por meio da
análise comparativa dos fundamentos teóricos da Política da Nova Classe Média, isto é,
de uma análise do conceito de nova classe média utilizada pelo economista Marcelo
Neri (2008a, 2008b, 2011) em comparação com a desenvolvida por Wright Mills (1969)
e do exame dos aspectos ideológicos das cartilhas produzidas pelo projeto “Vozes da
classe média” no âmbito da Política da Nova Classe Média, este trabalho procura
demonstrar como esta política promove o sonho de ascensão social norte-americano
num contexto de enorme desigualdade como a do Brasil.
Palavras-chave: Política, Nova Classe Média, mobilidade social, Brasil, Estados
Unidos.
1. Introdução
Em 2008, a pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV),
coordenada pelo economista Marcelo Neri, acerca da desigualdade de renda no Brasil
indicava que a desigualdade econômica havia diminuído no Brasil e que uma nova
classe estava em ascensão no Brasil, a classe C, também chamada de Nova Classe
Média brasileira.
Ao defender a tese, Marcelo Neri (2008a), seu idealizador, indicou que “esta
mobilidade social estrutural social-ascendente seria algo como realizar o similar em
cada país do chamado ‘sonho americano’, da possibilidade de ascensão social” (p. 23).
Com esta afirmação, expressava-se na tese o significado da existência de uma Nova
Classe Média no Brasil: ter alcançado o sonho norte-americano de ascensão social. Não
era simplesmente o desejo de mobilidade social, mas um estilo de vida norte-americano,
o famoso self made man que estava por trás dessa classificação.
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Essa tese ganhou ampla divulgação na mídia e gerou um debate público acerca
do tema no país. Apesar da polêmica, em 2011, a classificação da Nova Classe Média
serviu de base para a implementação de política estratégica do primeiro governo Dilma
Rousseff (2011 – 2014). Assim, a tese saiu do papel e transformou-se em assunto de
políticas públicas. Nesse sentido, o que representou ideologicamente o estabelecimento
de uma política que promove o sonho norte-americano de ascensão social num país de
extrema desigualdade social como o Brasil?
Esta é a pergunta que norteia este trabalho. Dessa forma, por meio da análise
comparativa dos fundamentos teóricos da Política da Nova Classe Média, ou seja, de
uma análise da concepção de nova classe média utilizada pelo economista Marcelo Neri
(2008a, 2008b, 2011) em comparação com a desenvolvida por Wright Mills (1969), este
trabalho busca pensar as implicações ideológicas do caráter normativo implícito ao
termo. Por conseguinte, a análise das cartilhas produzidas pelo projeto “Vozes da classe
média”, produzidas no âmbito da política da Nova Classe Média em conjunto com o
exame de seus fundamentos teóricos, permite demonstrar como esta política promove o
sonho de ascensão social norte-americano num contexto de enorme desigualdade como
a do Brasil. Vale acrescentar que este trabalho é um desdobramento da dissertação de
Mestrado em Sociologia defendida no início deste ano IESP-UERJ.
2. A tese da Nova classe Média: fundamentos teóricos da política
A pesquisa coordenada pelo economista Marcelo Neri da FGV em 2008 sobre a
desigualdade de renda no Brasil constatou uma diminuição na desigualdade econômica
no país na primeira década do milênio e o surgimento de uma nova classe social no
país: a Nova Classe Média brasileira (2008a, 2008b, 2011). Nessa pesquisa, Neri
identificou que a renda dos mais pobres tinha aumentado proporcionalmente mais do
que a renda dos mais ricos ao longo dos anos 2000. A partir disso, verificou que muitas
das famílias cuja renda estava em ascensão formavam, a partir daquele momento, uma
nova classe social no Brasil: a Nova Classe Média. A Nova Classe Média era formada,
então, pelas camadas populares que antes dos anos 2000 se encontravam na linha da
pobreza e que nos anos seguintes teriam aumentado suas rendas e ingressado num
patamar econômico médio.
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Neri desenvolveu um modelo de estratificação para classificar as classes sociais
brasileiras baseado no “Critério Brasil” que utilizava, sobretudo, a renda e o potencial
de consumo para dividir as classes brasileiras. Ele dividiu a população brasileira em 5
classes econômicas distintas: a classe A, B, C, D e E. A classe E seria formada pelas
famílias cuja renda domiciliar se encontraria entre 0 e R$ 768,00, a classe D, entre
R$768,00 e 1064,00, classe C, entre R$1064 e 4561 e as classes AB acima de
R$4561,00.1
A classe E seria formada pelos mais pobres e/ou miseráveis da população
brasileira. Para sua delimitação, Neri utilizou a noção de linha de pobreza. Acima dela,
todas as outras classes foram calculadas com base em medianas. A classe C foi
calculada com base na renda média da população. Ela é a classe média em termos
estatísticos e encontra-se no meio da estratificação. Por isso foi denominada Nova
Classe Média brasileira.
Neri constatou que ela teria crescido conjuntamente com as classes AB,
enquanto que as classes D e E teriam diminuído nesse período. Segundo o economista, a
classe C teria ascendido 22%. Com isso, a maioria da população brasileira se formaria, a
partir de agora, por uma população de renda média, já que a maioria da população
brasileira estaria distribuída a partir de agora entre as camadas A, B e C, ou seja, o
Brasil teria deixado de ser um país de maioria pobre para se tornar um país de classe
média.
No entanto, diversos intelectuais questionaram essa tese. Uma forte crítica à
tese esteve relacionada aos parâmetros utilizados na definição da nova classe média. O
modelo de estratificação sobre o qual se baseava a ideia da Classe C havia sido
formulado a partir apenas da renda e do potencial de consumo das famílias brasileiras e
não com base na ocupação das pessoas no sistema produtivo (Souza, 2010, Pochmann,
2012, 2014). Logo, ela não dialogava com as definições sociológicas da noção de classe
(Scalon & Salata, 2012) e acabava por trazer uma noção empobrecida da realidade
social (Souza, 2010, Pochmann, 2012, 2014). Além disso, a classe C teria sido calculada
de forma arbitrária e aritmética (Sobrinho, 2011), já que era constituída por aqueles que
possuíam literalmente a renda média da população. Desta forma, o caráter
economiscista e arbitrário da tese eram aspectos que desagradavam aos intelectuais.
1
Esses valores foram modificados em pesquisas posteriores pelo autor, em função das mudanças na
economia.
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Outra crítica ao termo diz respeito ao aspecto ideológico presente na tese. Para
Souza (2010), a ideia da Nova Classe Média indiretamente reforça ideais liberais: ela
expressa a vitória do mercado liberal, já que é fruto de uma política de inclusão social
via mercado que mascara os conflitos e contradições da realidade trabalhadora dessa
população. Mas o caráter ideológico da tese não se limita apenas a este aspecto. Está
atrelado ao termo um ideal de ascensão social. Mais precisamente, ela representa a
tentativa de realização do sonho da classe média norte-americano de mobilidade social.
Nesse sentido, o termo Nova Classe Média constitui em si a promessa de um futuro de
ascensão social, o “buscar progredir na vida”, e, portanto representa o velho e já
conhecido ideal do self made man (woman). (Cohn, 2013).
3. O sonho norte-americano de ascensão social: a nova classe média nos
estados Unidos no século XX
O sonho de ascensão social da classe média norte-americana foi observado por
Charles Wright Mills no livro White Collar: The American Middle Classes (1969) Neste
livro, Mills realiza uma análise da “nova classe média” norte-americana de meados do
século XX, também chamada de trabalhadores de colarinho branco ou white-collar.
Para ele, os white-collar se definem, em termos ocupacionais, pela ocupação de
cargos não manuais. Segundo Mills, eles lidam mais com símbolos e com pessoas do
que com coisas. Estão envolvidos em funções de coordenação, de distribuição, de
organização, principalmente do setor de serviços. Suas ocupações exigem habilidades
para lidar com a burocracia, com dinheiro e com pessoas, e, por isso, costumam ser
mestres nas relações comerciais, profissionais e técnicas. Eles mantêm o controle,
oferecem serviços técnicos e pessoais e ensinam as habilidades que os outros necessitam
para trabalhar. Deste modo, os três maiores grupos ocupacionais que compõem estes
trabalhadores são os professores, os vendedores e os diversos trabalhadores de
escritório.
Em termos de status, os white-collar reivindicam um prestígio maior do que os
outros trabalhadores assalariados. De acordo com Mills, o prestígio é algo fundamental
na constituição desse grupo. O perfil psicológico dessa camada se constitui pela busca
constante por prestígio. Seu status está vinculado aos lugares e os tipos de trabalho
realizados, bem como à renda relativamente superior que auferem em relação aos outros
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trabalhadores. Muitos deles possuem prestígio pelo status da firma em que trabalham.
As habilidades e a qualificação requeridas para o exercício de seus cargos, ou mesmo a
autonomia que possuem para decidir os procedimentos dos seus trabalhos são fatores
que contribuem para o prestígio dessa camada social.
É importante ressaltar que um dos valores fundamentais dessa nova classe média
norte-americana é a sua busca constante por sucesso. Este é sinônimo de prestígio
social. Uma das formas dessa classe obter sucesso e, portanto, prestígio é por meio da
aquisição de cargos de alto padrão, ou seja, dos empregos mais bem remunerados e
prestigiados do mercado. No entanto, numa sociedade capitalista onde as grandes
empresas realizam o papel de ofertar os melhores empregos, não há espaço para todos.
Estabelece-se então uma realidade altamente competitiva. Nesse sentido, a busca pelo
sucesso significa para a nova classe média enfrentar um caminho árduo de competição
para se chegar ao topo, para se alcançar o sonho de ascensão social.
Essa procura constante pela ascensão social e, portanto, pelo sucesso é também a
busca pela aquisição de habilidades específicas para a ocupação de altos cargos. As
grandes empresas requerem uma especialização constante para aqueles que pretendem
ocupar seus altos postos de trabalho. Especialização essa que é obtida por meio do
sistema educacional. Logo, não é a toa que a nova classe média norte-americana
encontra-se mergulhada constantemente numa corrida pelas melhores escolas e
universidades. A educação é, portanto, segundo Mills, compreendida como um
trampolim na corrida pela ascensão social.
Outro aspecto crucial relacionado ao prestígio da nova classe média que não
pode deixar de ser mencionado é o consumo. Seja por meio da aquisição de bens como
roupas ou de serviços como em viagens e restaurantes, a classe média tem no consumo
uma forma de se distinguir dos trabalhadores de nível mais baixo. Segundo Mills, após
períodos de trabalho e privação durante os dias semanais, a nova classe média norteamericana concede a si momentos de consumo e prazer durante os finais de semana que
lhe conferem prestígio social.
A partir dessa caracterização da nova classe média norte-americana, pode-se
estabelecer uma comparação entre as ideias de Marcelo Neri e Wright Mills, uma vez
que há algumas correlações entre as concepções de ambos. A começar pelo fato de que
os dois autores desenvolvem a ideia de uma “nova classe média”. Embora seus critérios
de definição, bem como os contextos no quais surgiram suas ideias sejam diferentes,
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ambos os autores entendem que são classes específicas das realidades que estão
examinando e que as novas classes médias provêm de uma transformação da realidade
econômica-social de seus países. De fato, não há como saber se Neri foi influenciado
pelas ideias de Mills. Neri não deixa claro a origem do termo “nova classe média”.
Contudo, o que é mais interessante perceber é que Neri parece ter incutido na
sua concepção de nova classe média brasileira um aspecto ideológico típico da nova
classe média norte-americana. Mills constatou que a nova classe média norte-americana
tem um ideal normativo de busca constante pela ascensão social. Neri, ao criar a
nomenclatura de nova classe média no Brasil, mobilizou o ideal de mobilidade social
típico da classe média norte-americana, tentando aplicá-lo para o caso brasileiro. É
como se ele desejasse que esse ideal típico das classes médias estadunidenses tivesse se
concretizado na realidade brasileira. Esse é, portanto, um forte aspecto ideológico
presente no conceito da nova classe média brasileira.
4. A Política da Nova Classe Média: o fortalecimento ideológico da mobilidade
social, dos serviços privados e da produtividade
Esse ideal de ascensão social subjacente ao termo produziu impactos políticos no
Brasil, uma vez que a tese da Classe C transformou-se no fundamento teórico para a
constituição do público alvo de políticas públicas. Em 2012, a tese saiu do papel e
transformou-se em assunto estratégico do primeiro governo Dilma Rousseff. Foram
realizados diversos estudos no governo sobre a população inserida nesta nova camada
social que resultaram em cartilhas para a promoção das políticas para essa camada. Em
2013, Marcelo Neri, idealizador da Classe C foi nomeado Ministro da Secretaria de
Assuntos Estratégicos e dirigiu as políticas públicas para esse grupo social.
Em 2012, foi lançado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos o projeto Vozes
da Classe Média que definiu o perfil desse estrato social e serviu de base para nortear a
formulação de políticas públicas para esse segmento. Desse projeto, foram produzidas 4
edições dos cadernos intitulados “Vozes da Classe Média”, contendo os resultados
dessas pesquisas. A primeira edição da cartilha apresenta a expansão da classe média
entre 2002 e 2012. Nela realiza-se um mapeamento da Nova Classe Média: de onde
vem, onde mais cresceu, como se comporta, como utiliza os serviços públicos, o que
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pensa e quer, quais as suas necessidades, receios, valores e como avalia os serviços
públicos, entre outros aspectos.
Nessa cartilha, a pesquisa informa, com base na análise do perfil de consumo
que há uma utilização crescente de planos de saúde e escolas privadas por parte da Nova
Classe Média brasileira e que essa população avalia que os serviços privados de
educação e saúde possuem uma qualidade superior aos da esfera pública. Além disso, a
cartilha afirma que o trabalho e o aumento da produtividade são os principais fatores
que promoveram o crescimento da renda da classe média acima da média nacional.
Segundo a cartilha, mais de ¾ da renda das famílias que compõem a classe média ainda
provém do trabalho e os ganhos de produtividade respondem individualmente por 40%
do crescimento ocorrido na renda da classe média. É preciso destacar, portanto, que o
ganho de produtividade é o determinante mais importante do crescimento da renda da
classe média.
A análise dessa cartilha permite perceber que essa política tem como pressuposto
básico a existência de uma Nova Classe Média, ou seja, de uma suposta classe em
ascensão. Em relação a este aspecto, são notáveis as implicações dos aspectos
ideológicos contidos na teoria de Neri. Como foi apresentado nas sessões anteriores, o
termo já é, em si, uma tentativa de aplicar o sonho de mobilidade social de uma classe
média norte-americana para a realidade brasileira. Logo, a política da Nova classe
média, por ter como fundamento as ideias de Neri, acaba promovendo e valorizando o
ideal da busca autônoma pelo sucesso das classes médias norte-americanas, ou seja, o
ideal do self made man para as classes populares no Brasil. A constatação, também
nessa mesma cartilha, de que o trabalho e, sobretudo, a produtividade foram
responsáveis pelos ganhos na renda dessa população reforça esta premissa. Elas
permitem a valorização da produtividade individual e promovem a lógica da realização
financeira por conta própria.
Além disso, esta cartilha indica que a Nova classe Média possui uma preferência
pela educação privada. Esta é considerada superior ao ensino público e, portanto, objeto
de maior interesse da nova classe média brasileira. Essa constatação presente na cartilha
legitima a lógica de competição pelas melhores escolas na corrida pelos melhores postos
de trabalho. Assim, a Política da Nova Classe Média no Brasil indiretamente promove
essa lógica competitiva, necessária na busca constante por ascensão social.
7
Além disso, esta constatação promove a ampliação dos serviços privados no
Brasil. Com isso, ela acaba legitimando o ideal de sustentação autônoma do self made
man. Se o indivíduo não necessita de apoio de ninguém ou de nenhuma instituição para
se sustentar, então não precisa de serviços públicos financiados pelo Estado para poder
obter seus meios de sobrevivência. Ele pode, por conta própria, arcar com os custos de
obtenção dos seus meios de vida, isto é, ele tem condições de pagar uma escola privada
para seus filhos. Em termos ideológicos, a mercantilização da saúde e da educação sai
fortalecida com essa proposição e o Estado desresponsabilizado de oferecer os meios de
sustentação para essa camada social.
Visto isso, é possível perceber que a Política da Nova Classe Média fortalece
ideologicamente o ideal de ascensão social norte-americano. Seja pelo próprio ideal
normativo contido na concepção do termo nova classe média, seja por afirmar que a
produtividade foi um fator crucial para o aumento da renda e do consumo das camadas
populares no Brasil, o fato é que ela acaba promovendo o ideal da busca autônoma pelo
sucesso, ou seja, o ideal do self made man na realidade brasileira. Além disso, a
valorização da educação privada, indicou que essa política também promove a lógica
competitiva e privatista do capitalismo no Brasil.
5. Os “avessos" brasileiros ao sonho norte-americano de ascensão social
Por outro lado, é preciso lembrar que o ideal do self made man norte-americano
promovido pela Política da Nova Classe Média para as classes populares no Brasil é, em
si, uma contradição. O aumento da renda e do consumo dos mais pobres no Brasil ao
longo da década de 2000 foi possibilitado por políticas de valorização do salário
mínimo e por políticas redistributivas como o Bolsa Família. Logo, o ideal do self made
man, que parte do pressuposto de que o indivíduo é capaz de ascender socialmente e
conquistar sucesso por conta própria, é uma falácia, uma vez que não foram apenas os
esforços individuais que levaram essa camada a obter um crescimento de renda e de
consumo, mas as políticas governamentais do Reformismo Fraco.
A ideia não é aqui afirmar que este ideal é uma realidade palpável nos Estados
Unidos e não, no Brasil. Na realidade, nos dois países este é apenas um ideal, uma vez
que as condições em que a classe média norte-americana luta para obter seu sucesso é
resultado, assim como no Brasil, de uma série de políticas e ações de diferentes
instâncias e não apenas do esforço individual. No entanto, conforme Mills observa, este
8
ideal motiva o comportamento das classes médias norte-americanas e faz parte do seu
caráter. O que acontece nos Estados Unidos é que esse ideal encontra uma ressonância
maior, dado que as condições econômico-sociais para a mobilidade social para a classe
média norte-americana são maiores do que para o grupo que se entende por nova classe
média no Brasil. A realidade econômica e social norte-americana de um país capitalista
desenvolvido faz com que as condições para a mobilidade social se tornem muito mais
amplas do que no Brasil.
Aliás, a realidade profundamente desigual do Brasil faz com que o ideal da
ascensão social e da busca pela realização financeira por conta própria de uma classe
média norte-americana encontre aqui condições sociais desfavoráveis. Segundo
Segundo Souza (2010), o que se entende por nova classe média é, na verdade, o
conjunto de “batalhadores” brasileiros que, em grande parte exercem funções de baixo
prestígio social como no caso dos operadores de telemarketing ou dos feirantes. Além
disso, Kerstenetzky e Uchôa (2013), afirmam que, dentre o grupo considerado nova
classe média, 75% das unidades residenciais possuem apenas um banheiro e que cerca
de 390 mil não dispõem de nenhum. Além disso, mais de 50% dos chefes de domicílio
desse grupo social possuem apenas ensino fundamental completo ou incompleto e mais
de 10% dos chefes de domicílio são analfabetos, ou seja, mais de 60% desses chefes de
família não possuem educação superior.
Visto isso, é possível perceber que o sonho norte-americano de ascensão social
promovido pela Política da Classe Média esbarra numa realidade de trabalho,
educacional e de moradia da chamada nova classe média brasileira muito diferentes da
realidade da nova classe média norte-americana e que, portanto, mesmo se fosse
possível alcançá-lo, haveria grandes limitações para sua implementação no Brasil.
Nesse sentido, a realidade social encontrada no Brasil é uma condição social às avessas
para o sonho norte-americano de ascensão social.
6. Conclusão
A análise comparativa entre a concepção de nova classe média utilizada por
Marcelo Neri com a desenvolvida por Wright Mills demonstrou que o termo no Brasil
carrega em si um ideal de mobilidade social típico da classe média norte-americana.
Além disso, o exame das cartilhas produzidas pelo projeto “Vozes da Classe Média”,
mostrou que a Política da Nova Classe Média, na medida em que é fundamentada
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teoricamente pela concepção de Neri “vende como real” o sonho norte-americano de
ascensão social.
A partir disso, pode-se concluir que a Política da Nova Classe Média, ao
informar que é possível o sonho de ascensão social típico da classe média norteamericana numa realidade altamente desigual como o Brasil, endossa a ideia de que a
diminuição da desigualdade pode e deve ser combatida através de um ideal liberal. Ela
torna crível que por meio do esforço pessoal de cada um, da busca autônoma pelo
sucesso é possível ascender socialmente e transformar o Brasil num país menos
desigual. Ela é, portanto, a expressão de um ideal liberal, mas que esbarra numa
realidade social às avessas.
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