Texto 07 - Ética, Moral e Direito

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Ética, Moral e Direito
*Guilherme Assis de Almeida e
Martha Ochsenhofer Christmann
"El ideal ético no puede contentarse com ser él correctísimo: es preciso que
acierte a excitar nuestra impetuosidad."1
1.1 Que é a ética?
Podemos afirmar que uma gangue de criminosos respeita alguma espécie de ética? A resposta a essa
pergunta é não, e a seguir exporemos o raciocínio que nos levou a essa resposta negativa. Advertimos que
a resposta à pergunta formulada é fundamental para definirmos o exato significado da palavra ética.
A resposta é negativa porque a gangue de criminosos pode até conseguir um benefício econômico caso
realize um assalto bem-sucedido. Todavia, esse benefício será conseguido à custa do sofrimento de várias
outras pessoas, portanto, não será ético. Para a ética, o que importa não é o benefício de um indivíduo ou
de um específico grupo de indivíduos; seu ponto de vista não é egoístico, individual ou pessoal, mas
coletivo, universal. Ela, portanto, elege as melhores ações com base no interesse de toda a comunidade
humana. Afirma Peter Singer:
"Para serem eticamente defensáveis, é preciso demonstrar que os atos
com base no interesse pessoal são compatíveis com princípios éticos de
bases mais amplas, pois a noção de ética traz consigo a idéia de alguma
coisa maior que o individual. Se vou defender a minha conduta em bases
éticas, não posso mostrar apenas os benefícios que ela me traz. Devo
reportar-me a um público maior."2
Tendo como base esse raciocínio, podemos afirmar que o preceito cristão "amai-vos uns aos outros como
ama a ti mesmo" é essencialmente ético. Também está contido no campo da ética o imperativo categórico
de Immanuel Kant (1724-1804):3
''Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao
mesmo tempo como princípio de uma legislação universal."
Tanto o preceito cristão como o imperativo categórico de Kant partem de um ponto de vista coletivo, em
outras palavras, uma perspectiva do bem comum. No "amai-vos uns aos outros como ama a ti mesmo"
fica patente a necessidade da igualdade na forma de amar. Você deve amar a seu semelhante de modo
igual a que você ama a si mesmo. Esse preceito é também um convite ao autoconhecimento, pois antes de
amar ao outro, você necessita amar a si próprio, e para amar-se, é imprescindível conhecer-se. Já no "age
de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma
legislação universal", está clara a necessidade de que o preceito que uma pessoa tenha escolhido como
guia para suas ações deva poder ser utilizado como princípio de uma legislação universal, ou seja, possa
ser usado por todos os homens e mulheres do universo. Uma lei dessa espécie proporá a harmonia e o
equilíbrio da sociedade e não a discórdia e o conflito!
Resumindo nosso raciocínio, afirmamos que a ética é a ciência ou filosofia que fará a eleição das
melhores ações tendo como horizonte o interesse coletivo, universal. Se a ética é isso, o que é a moral?!
1.2 Que é a moral?
1
2
ORTEGA Y GASSET, José. El tema de nuestro tiempo. Madri: Alianza Editorial, 1981. P.108.
SINGER, Peter. Ética prática. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 18.
Para um estudo da obra de Immanuel Kant, consulte: ALMEIDA, Guilherme Assis de; BITTAR, Eduardo C. B. Curso de
filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Capo 14: Kant: criticismo e deontologia, p. 258-271.
3
A moral não tem pretensões de universalização, porque ela tem como base o próprio comportamento
social, não uma reflexão sobre ele. O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro
Machado assim define moral: "moral (. . .) moralis ( ... ) conforme com os mores, costumes, tradições
referentes ao comportamento social". O comportamento moral não se baseia numa reflexão, mas nos
costumes de determinada sociedade em determinado lugar, em um preciso tempo histórico. Ele é portanto
costumeiro, tradicional, e não filosófico.
A moral, por não se basear numa reflexão filosófica ou científica, não tem pretensões universalizantes,
nem normativas. Assim a define Beatriz di Giorgi:
"Conceituamos moral, por sua vez, como algo particularizante em relação
à ética, envolta em subjetividades e diversificada demais para sustentar
leis objetivas. Mais uma vez reforçamos o papel da etimologia como
básico ponto de partida: se moral é algo que está de acordo com as tradições referentes apenas ao comportamento social, como poderia ser ela
universal, se não abarca outros comportamentos que não o social?"4
Uma vez exposto o conceito de ética e moral, concluímos que a moral baseia-se no comportamento da
sociedade e que a ética, a partir da reflexão desse comportamento, criará normas universais com a
finalidade de estabelecer as melhores ações.
1.3 Ética e direito
A moral diferencia-se da ética, apesar de ter um objetivo igual: o ordenamento do comportamento social.
Elas partem de premissas diversas. A moral tem como fundamento o próprio comportamento social e a
ética, uma reflexão sobre ele. E o Direito?
Aprendemos nos manuais do curso jurídico que a principal função do Direito é ordenar a vida social. Esse
ordenar a vida social deverá respeitar os limites da ética e da moral? A posição dos autores é de responder
afirmativamente a essa pergunta; o Direito deve respeitar o campo de atuação delimitado pela Ética; como
esclarece Miguel Reale, o Direito está contido na Ética e é sua garantia:
"Donde pode dizer-se que a Ética é a realização da liberdade, e que o
Direito, momento essencial do processo ético, representa a sua garantia
específica, tal como vem sendo modelado através das idades, em seu destino próprio de compor em harmonia, liberdade, normatividade e poder."5
A proposta deste livro é mostrar Ética e Direito enquanto duas disciplinas coesas e integradas, daí o título
"Ética e direito: uma perspectiva integrada". Na próxima seção apresentamos pormenorizadamente nossa
tese; antes de prosseguir é o momento de esclarecer que a integração entre Ética e Direito é fruto de um
processo de construção, não um dado, o que significa dizer que o Direito pode existir fora do campo da
Ética. Um exemplo histórico desse acontecimento é o Direito no Estado Totalitário.
*ALMEIDA, Guilherme Assis; CHRISTMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e Direito - uma perspectiva
integrada. 3.3d. São Paulo: Atlas, 2009. p.3-6.
4
DI GIORGI, Beatriz. In: CAMPILONGO, Celso Femandes; DI GIORGI, Beatriz; PIOVESAN, Flávia. Direito, cidadania e
justiça: ensaios sobre lógica, interpretação, teoria, sociologia e filosofia jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 241242. Para um detalhado estudo da diferenciação entre moral e ética, consulte no livro anteriormente citado o artigo de Beatriz di
Giorgi. Especulações em tomo do conceito de ética e moral, p. 229-245.
5
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 219.
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