Ética, Moral e Direito *Guilherme Assis de Almeida e Martha Ochsenhofer Christmann "El ideal ético no puede contentarse com ser él correctísimo: es preciso que acierte a excitar nuestra impetuosidad."1 1.1 Que é a ética? Podemos afirmar que uma gangue de criminosos respeita alguma espécie de ética? A resposta a essa pergunta é não, e a seguir exporemos o raciocínio que nos levou a essa resposta negativa. Advertimos que a resposta à pergunta formulada é fundamental para definirmos o exato significado da palavra ética. A resposta é negativa porque a gangue de criminosos pode até conseguir um benefício econômico caso realize um assalto bem-sucedido. Todavia, esse benefício será conseguido à custa do sofrimento de várias outras pessoas, portanto, não será ético. Para a ética, o que importa não é o benefício de um indivíduo ou de um específico grupo de indivíduos; seu ponto de vista não é egoístico, individual ou pessoal, mas coletivo, universal. Ela, portanto, elege as melhores ações com base no interesse de toda a comunidade humana. Afirma Peter Singer: "Para serem eticamente defensáveis, é preciso demonstrar que os atos com base no interesse pessoal são compatíveis com princípios éticos de bases mais amplas, pois a noção de ética traz consigo a idéia de alguma coisa maior que o individual. Se vou defender a minha conduta em bases éticas, não posso mostrar apenas os benefícios que ela me traz. Devo reportar-me a um público maior."2 Tendo como base esse raciocínio, podemos afirmar que o preceito cristão "amai-vos uns aos outros como ama a ti mesmo" é essencialmente ético. Também está contido no campo da ética o imperativo categórico de Immanuel Kant (1724-1804):3 ''Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal." Tanto o preceito cristão como o imperativo categórico de Kant partem de um ponto de vista coletivo, em outras palavras, uma perspectiva do bem comum. No "amai-vos uns aos outros como ama a ti mesmo" fica patente a necessidade da igualdade na forma de amar. Você deve amar a seu semelhante de modo igual a que você ama a si mesmo. Esse preceito é também um convite ao autoconhecimento, pois antes de amar ao outro, você necessita amar a si próprio, e para amar-se, é imprescindível conhecer-se. Já no "age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal", está clara a necessidade de que o preceito que uma pessoa tenha escolhido como guia para suas ações deva poder ser utilizado como princípio de uma legislação universal, ou seja, possa ser usado por todos os homens e mulheres do universo. Uma lei dessa espécie proporá a harmonia e o equilíbrio da sociedade e não a discórdia e o conflito! Resumindo nosso raciocínio, afirmamos que a ética é a ciência ou filosofia que fará a eleição das melhores ações tendo como horizonte o interesse coletivo, universal. Se a ética é isso, o que é a moral?! 1.2 Que é a moral? 1 2 ORTEGA Y GASSET, José. El tema de nuestro tiempo. Madri: Alianza Editorial, 1981. P.108. SINGER, Peter. Ética prática. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 18. Para um estudo da obra de Immanuel Kant, consulte: ALMEIDA, Guilherme Assis de; BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Capo 14: Kant: criticismo e deontologia, p. 258-271. 3 A moral não tem pretensões de universalização, porque ela tem como base o próprio comportamento social, não uma reflexão sobre ele. O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado assim define moral: "moral (. . .) moralis ( ... ) conforme com os mores, costumes, tradições referentes ao comportamento social". O comportamento moral não se baseia numa reflexão, mas nos costumes de determinada sociedade em determinado lugar, em um preciso tempo histórico. Ele é portanto costumeiro, tradicional, e não filosófico. A moral, por não se basear numa reflexão filosófica ou científica, não tem pretensões universalizantes, nem normativas. Assim a define Beatriz di Giorgi: "Conceituamos moral, por sua vez, como algo particularizante em relação à ética, envolta em subjetividades e diversificada demais para sustentar leis objetivas. Mais uma vez reforçamos o papel da etimologia como básico ponto de partida: se moral é algo que está de acordo com as tradições referentes apenas ao comportamento social, como poderia ser ela universal, se não abarca outros comportamentos que não o social?"4 Uma vez exposto o conceito de ética e moral, concluímos que a moral baseia-se no comportamento da sociedade e que a ética, a partir da reflexão desse comportamento, criará normas universais com a finalidade de estabelecer as melhores ações. 1.3 Ética e direito A moral diferencia-se da ética, apesar de ter um objetivo igual: o ordenamento do comportamento social. Elas partem de premissas diversas. A moral tem como fundamento o próprio comportamento social e a ética, uma reflexão sobre ele. E o Direito? Aprendemos nos manuais do curso jurídico que a principal função do Direito é ordenar a vida social. Esse ordenar a vida social deverá respeitar os limites da ética e da moral? A posição dos autores é de responder afirmativamente a essa pergunta; o Direito deve respeitar o campo de atuação delimitado pela Ética; como esclarece Miguel Reale, o Direito está contido na Ética e é sua garantia: "Donde pode dizer-se que a Ética é a realização da liberdade, e que o Direito, momento essencial do processo ético, representa a sua garantia específica, tal como vem sendo modelado através das idades, em seu destino próprio de compor em harmonia, liberdade, normatividade e poder."5 A proposta deste livro é mostrar Ética e Direito enquanto duas disciplinas coesas e integradas, daí o título "Ética e direito: uma perspectiva integrada". Na próxima seção apresentamos pormenorizadamente nossa tese; antes de prosseguir é o momento de esclarecer que a integração entre Ética e Direito é fruto de um processo de construção, não um dado, o que significa dizer que o Direito pode existir fora do campo da Ética. Um exemplo histórico desse acontecimento é o Direito no Estado Totalitário. *ALMEIDA, Guilherme Assis; CHRISTMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e Direito - uma perspectiva integrada. 3.3d. São Paulo: Atlas, 2009. p.3-6. 4 DI GIORGI, Beatriz. In: CAMPILONGO, Celso Femandes; DI GIORGI, Beatriz; PIOVESAN, Flávia. Direito, cidadania e justiça: ensaios sobre lógica, interpretação, teoria, sociologia e filosofia jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 241242. Para um detalhado estudo da diferenciação entre moral e ética, consulte no livro anteriormente citado o artigo de Beatriz di Giorgi. Especulações em tomo do conceito de ética e moral, p. 229-245. 5 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 219.