Farmacoeconomia:

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Farmacoeconomia
Farmacoeconomia:
Uso de avaliações econômicas para decisão
sobre a incorporação de novas tecnologias
ao Sistema de Saúde Brasileiro.
Vanessa Teich*
1621133 - Produzido em Maio/2011
Farmacoeconomia:
Uso de avaliações econômicas para decisão
sobre a incorporação de novas tecnologias
ao Sistema de Saúde Brasileiro
Vanessa Teich*
1. MedInsight – Decisions in Health Care
Nos últimos anos vem sendo observado um aumento dos gastos em saúde no Brasil
e no restante do mundo.1 Observa-se, ainda, um aumento da participação de medicamentos
em relação aos gastos totais em saúde.1 A estimativa de gasto em saúde como percentual do
produto interno bruto foi de 8,4% em 2007, sendo 41,6% destes gastos realizados pelo sistema
público.2
Parte do aumento de custos em saúde está associado à incorporação de novas
tecnologias. Tecnologias em saúde representam todos os recursos utilizados para prevenção,
diagnóstico ou tratamento de uma determinada condição clínica. Avaliando-se retrospectivamente
o processo de incorporação tecnológica do sistema de saúde brasileiro, inicialmente os critérios
utilizados para definir se uma nova tecnologia deveria ser reembolsada ou não eram critérios
exclusivamente de eficácia e segurança. Com o aumento de custos em saúde e diante de
restrições orçamentárias dos sistemas de saúde, cada vez mais torna-se necessária a definição
de critérios não só clínicos e de segurança como também econômicos, que subsidiem a tomada
de decisão a respeito da incorporação racional de novas tecnologias.
Neste contexto, foi criada, em 2006, a Comissão para Incorporação de Tecnologias
em Saúde (CITEC) do Ministério da Saúde, que definiu critérios para a avaliação sobre a
incorporação de novas tecnologias em saúde ao Sistema Único de Saúde (SUS). Além de critérios
de eficácia e segurança, passaram a ser considerados critérios de custo-efetividade ou custoutilidade e de impacto orçamentário para recomendação a favor ou contra as novas inclusões.
Avaliações econômicas em saúde envolvem estudos que comparam a eficácia ou
efetividade de duas ou mais tecnologias e também seus custos. O termo farmacoeconomia
passou a ser utilizado como sinônimo de avaliações econômicas em saúde, embora represente
um subtipo destas análises, focadas em medicamentos.
Os principais tipos de avaliações econômicas em saúde são as análises de custoefetividade, custo-utilidade e custo-benefício.
Os custos incorporados nas análises seguem o mesmo racional, independente
do tipo de estudo desenvolvido. Podem ser considerados:
1) Custos diretos, que incluem todos os recursos envolvidos no diagnóstico,
tratamento, acompanhamento ou manejo de complicações de uma determinada
doença. Estes custos podem ser subdivididos em custos diretos médicos,
representados por medicamentos, materiais, exames, consultas médicas e
hospitalizações, e custos diretos não médicos, representados pelos recursos
diretamente associados ao tratamento dos pacientes, porém que não são recursos
médicos, como, por exemplo, o custo de deslocamento dos pacientes até os centros
de tratamento ou os custos de contratação de um cuidador para o período de
recuperação dos pacientes após um evento clínico;
2) Custos indiretos, associados à perda de produtividade dos pacientes por
mortalidade precoce e ao absenteísmo ou presenteísmo em função da doença.
Vale ressaltar que as avaliações econômicas levam em consideração todo o período
de acompanhamento dos pacientes após o início do tratamento em análise, mesmo após sua
eventual descontinuação por progressão da doença ou por eventos adversos. O objetivo deste
tipo de estudo é mensurar não só os custos diretamente associados às tecnologias avaliadas,
como também o seu impacto sobre todo o horizonte de vida dos pacientes. Se um paciente tem,
por exemplo, menores taxas de hospitalização em função do uso de uma tecnologia mais eficaz,
este fator é incorporado na análise.
A diferença entre os tipos de avaliação econômica está associada aos desfechos
considerados. Análises de custo-efetividade consideram como desfechos eventos clínicos ou
a sobrevida dos pacientes. Quando se objetiva comparar o custo-efetividade de uma nova
tecnologia em relação à tecnologia padrão, considerando-se que a nova tecnologia prolonga
a vida dos pacientes, por exemplo, deve-se projetar: a sobrevida média esperada para os
pacientes tratados com a nova tecnologia e com a tecnologia padrão; e os custos totais dos
pacientes com a nova tecnologia e com a tecnologia padrão, incluindo: custos do tratamento
farmacológico, acompanhamento dos pacientes através da realização de exames e consultas
médicas, tratamento dos pacientes após progressão da doença ou em caso de ocorrência de
um evento clínico desfavorável. Após o cálculo da expectativa de vida média dos pacientes com
cada alternativa, e dos custos totais médios associados a cada uma, deve-se calcular os valores
incrementais de sobrevida e de custo médio entre as alternativas. Com isto, objetiva-se avaliar
não só o quanto a nova tecnologia se mostra melhor do que a tecnologia padrão em termos
clínicos, como também o quanto seria mais cara do que a nova tecnologia.
Com estes dados, calcula-se a razão de custo-efetividade incremental (RCEI),
principal resultado das avaliações econômicas. Esta é calculada através da divisão do custo
incremental pela efetividade incremental e representa o quanto se gastaria a mais para se obter
1 ano de vida adicional com o uso da nova tecnologia, quando comparada à tecnologia padrão.
Quando os desfechos considerados são eventos clínicos evitados, a RCEI representa o quanto se
gastaria a mais para se evitar um evento clínico. A fórmula para cálculo da RCEI é apresentada
abaixo:
RCEI
=
Custo nova tecnologia
Efetividade nova tecnologia
- Custo tecnologia padrão
- Efetividade tecnologia padrão
Esta razão de custo-efetividade incremental deve ser comparada com o limite
de disposição para pagar, dos gestores ou da sociedade como um todo, por um ano de vida
adicional para os pacientes. Não existe, no Brasil, um limite oficial de quanto se estaria disposto
a pagar para salvar um ano de vida de um paciente. Nos Estados Unidos costuma-se trabalhar
com o limite de US$ 50.000,00 por ano de vida salvo e no Reino Unido tecnologias com RCEI
abaixo de £ 20.000,00 por “quality adjusted life years” (QALY) salvo são consideradas muito
custo-efetivas e tendem a ser incorporadas, enquanto tecnologias com RCEI entre £ 20.000,00
e £ 30.000,00 são consideradas potencialmente custo-efetivas com chance de incorporação.3
Exceções acontecem a estas regras, como, por exemplo, no caso de medicamentos para
doenças raras, para os quais costuma-se aceitar valores de RCEI mais altos. Quando uma nova
tecnologia apresenta uma RCEI abaixo do limite de disposição para pagar do país em questão,
diz-se que a tecnologia é custo-efetiva quando comparada à tecnologia padrão.
Vale ressaltar, ainda, que os termos custo-efetivo e “cost-saving” são algumas vezes
utilizados como equivalentes, embora, na verdade, representem diferentes tipos de resultados.
Quando duas tecnologias são comparadas e conclui-se que a nova tecnologia é “cost-saving”,
isto significa que a nova tecnologia é melhor ou equivalente à tecnologia padrão em termos de
eficácia e, além disso, reduz custos. Novas tecnologias consideradas custo-efetivas são mais
eficazes do que a tecnologia padrão, porém, são também mais caras quando os custos totais de
pacientes tratados com ambas as alternativas são comparados.
Um segundo tipo de avaliação econômica é a análise de custo-utilidade. Neste tipo
de análise, os custos podem ser medidos também em termos de custos diretos e indiretos, e
os desfechos são avaliados como anos de vida ajustados para qualidade, ou “quality adjusted
life years” (QALYs). Os QALYs são compostos por duas dimensões: duração da sobrevida e um
fator de qualidade de vida, também chamado de utilidade ou “utility”. Calcula-se o valor do QALY,
portanto, através da multiplicação dos anos de vida vividos pelos pacientes pelo fator de utilidade
associado ao seu estado de saúde. Os valores de utilidade podem variar de 0 a 1, onde zero
representa a morte e um representa saúde perfeita. Um valor de utilidade de 0,7, por exemplo,
representa um estado de saúde com 70% da qualidade de vida do estado de saúde perfeita.
Os valores de utilidade são medidos através da aplicação de questionários como
o EuroQol ou de técnicas baseadas em trocas temporais (time trade-off) ou disposição para
aceitar riscos (standard gamble), que não serão aprofundadas no presente artigo. A incorporação
de fatores de qualidade de vida na análise objetiva considera não só o benefício das novas
tecnologias em termos de prolongamento da sobrevida, como também seu impacto sobre
a qualidade de vida dos pacientes. Este tipo de avaliação permite ainda a comparação de
tecnologias para diferentes intervenções.
O terceiro tipo de avaliação econômica é representado pela análise de custobenefício. Este tipo de análise considera como desfecho a quantificação monetária dos ganhos
clínicos. Se uma nova tecnologia evita um determinado evento adverso, por exemplo, devese quantificar o valor monetário deste evento evitado. Esta mensuração é realizada através
do método de willingness-to-pay, que avalia a disposição da sociedade para pagar por um
determinado benefício clínico. As análises de custo-benefício permitem a comparação de
investimentos em saúde com investimentos em outras áreas, como segurança e educação, por
exemplo, pois os resultados são expressos em termos monetários. Este tipo de análise é pouco
utilizado em virtude da dificuldade de aplicação dos métodos de willingness-to-pay e porque,
geralmente, as análises de custo-efetividade ou custo-utilidade são de mais fácil compreensão
para gestores e profissionais de saúde.
As avaliações econômicas previamente apresentadas objetivam comparar diferentes
tecnologias para uma determinada indicação clínica e mensurar o quanto uma nova tecnologia
agrega em termos de benefício clínico e/ou qualidade de vida e de custos em relação à tecnologia
padrão. No entanto, para que os gestores possam decidir sobre a incorporação de uma nova
tecnologia, é necessário quantificar o impacto orçamentário esperado com esta incorporação.
As análises de impacto orçamentário geralmente são apresentadas como
complemento às análises de custo-efetividade ou custo-utilidade. Contemplam a projeção da
população elegível ao tratamento e dos custos associados com cada alternativa em comparação
e definem o nível de comprometimento do orçamento do gestor ao optar pela incorporação.
considerações
Finalmente, as avaliações econômicas são geralmente construídas considerando-se
um cenário base, no qual são considerados os resultados médios dos parâmetros de interesse,
como, por exemplo, a eficácia da nova tecnologia em relação à tecnologia padrão. Existem, no
entanto, diversas incertezas a respeito dos valores de eficácia, segurança e custos incorporados
nas avaliações econômicas. A avaliação do impacto destas incertezas é realizada através
das análises de sensibilidade, que permitem identificar as variáveis que mais influenciam os
resultados da análise e que devem ser avaliadas com cautela pelos tomadores de decisão.
Deve-se considerar que as avaliações econômicas são particulares de cada país.
Se uma nova tecnologia se mostra custo-efetiva em um determinado país, isto não implica,
necessariamente, em um resultado custo-efetivo para o Brasil. Grande parte dos dados de
eficácia e segurança utilizados para avaliar os benefícios clínicos de uma nova tecnologia são
gerados fora do Brasil ou de países da América Latina. Geralmente é aceito que dados de eficácia
sejam generalizados para o Brasil, mesmo que não tenham sido gerados no país. No entanto,
os dados de padrão de tratamento e custos devem ser sempre adaptados para a realidade
Brasileira para que possam ser úteis para a tomada de decisão. Um movimento no sentido de
levantamento de dados de mundo real vem sendo observado no Brasil, o que aumenta ainda
mais a credibilidade dos resultados dos estudos econômicos.
Diante do envelhecimento populacional, que acarreta uma expectativa de aumento
da prevalência de doenças crônicas e do avanço tecnológico, torna-se urgente a disseminação
e uso de avaliações econômicas pelos gestores em saúde para uma alocação mais racional dos
recursos financeiros.
Referências:
* Autora: Vanessa Teich
Engenheira de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduada em Economia
da Saúde pela Universidade de York, no Reino Unido, e especialista em Economia da Saúde pela
Escola Europeia de Economia da Saúde. Sócia da empresa de consultoria MedInsight - Decisions
in Health Care.
1.
Vieira FS, Mendes ACR. Evolução dos gastos do Ministério da Saúde com Medicamentos.
Ministério da Saúde 2007. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/
pdf/estudo_gasto_medicamentos.pdf
2.
WHO - Global Health Indicators Part II http://www.who.int/whosis/whostat/EN_WHS10_
Part2.pdf
3.
NICE Guideline Manual: Incorporating health economics in guidelines and assessing
resource impact. National Institute for Health and Clinical Excellence 2007.
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