Trabalho de extensão de matéria de Eletromagnetismo Paradoxo do Disco de Feynman Instituto Superior Técnico Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica Miguel Forte Tenreiro 81856 11 de julho de 2016 I. Introdução O paradoxo do disco de Feynman foi apresentado pela primeira vez em 1963 em Feynman Lectures on Physics. Para ilustrar este paradoxo consideremos um disco de plástico fino suportado por um eixo concêntrico de modo a que possa rodar livremente. No disco existe um solenoide (ideal), de material supercondutor, concêntrico ao eixo de rotação do disco. O enrolamento do solenoide é percorrido por uma corrente 𝐼, devido à presença de uma bateria. Perto da extremidade do disco, e uniformemente espaçadas pela circunferência, existem pequenas esferas Figura 1_ Esquema do Paradoxo de Feynman. In Feynman Lectures on Physics. [1] metálicas carregadas com igual carga 𝑄. No início o disco encontra-se parado. (ver Figura 1). Supúnhamos agora que, por acidente, o circuito que fornece a corrente é interrompido. Antes de isto acontecer, no solenoide, existiria um fluxo magnético aproximadamente paralelo ao eixo do disco. No entanto, na ausência de corrente, este fluxo deverá diminuir até anular-se, pois a corrente não se extingue de imediato. Sendo assim, atendendo à equação de Maxwell-Faraday, é criado um campo elétrico induzido, 𝐸⃗ i , que circula no sentido anti-horário quando o disco é olhado de cima. 𝑑Φ (1) ∮ (𝐸⃗ i ∙ 𝑑𝑟) = − 𝑑t 𝛾 As esferas na periferia do disco vão sentir a presença deste campo elétrico tangencial ao perímetro do disco e, dado que a força elétrica é idêntica para todas as esferas, existe um torque resultante no disco. Portanto, estaremos à espera que, à medida que a corrente se extingue no solenoide, o disco comece a rodar. Sabendo o momento de inércia do disco, a corrente 𝐼 e as cargas 𝑄 das esferas, facilmente se calcula a velocidade angular. 1 No entanto, poderemos envergar por outra via usando o princípio da conservação do momento angular. Dado que inicialmente o disco se encontra em repouso o seu momento angular é nulo, então este deveria permanecer nulo, isto é, não deveria haver rotação quando o circuito é interrompido. Sendo assim, qual o argumento correto? O disco rodará ou não? Como é possível conciliar a indução eletromagnética com o princípio da conservação do momento angular? A resolução deste paradoxo está dependente de nos apercebemos que um campo eletromagnético estático possui momento angular, o qual tem de ser considerado para verificarmos que esta quantidade é conservada! Quando consideramos que o momento angular está inicialmente armazenado no campo, o paradoxo desaparece. II. Momento Linear e Angular para o campo Eletromagnético Conservação do Momento Linear De acordo com a segunda Lei de Newton, a força aplicada num objeto é igual à taxa de variação do seu momento linear: 𝑑p ⃗ (2) ⃗F = mec 𝑑t Por sua vez, a força eletromagnética total que atua num conjunto de cargas para um volume 𝑉: ⃗F = ∫ (E ⃗ +v ⃗ + J × ⃗B) 𝑑 3 𝑟 ⃗ × ⃗B)𝜌 𝑑 3 𝑟 = ∫ (𝜌E 𝑉 (3) 𝑉 ⃗ +J×B ⃗ . Podemos escrever esta Sendo assim, a força por unidade de volume é dado por f = 𝜌E última expressão numa forma mais simplificada, recorrendo ao tensor de stress de Maxwell (T) e ao ⃗ 𝑑S vetor de Poynting (S): f = ∇ ∙ ⃡ T − 𝜖0 𝜇0 𝑑t (ver demonstração completa em [2]). Assim, por aplicação do Teorema da Divergência, a força total pode ser escrita na forma: 𝑑 (4) ⃗F = ∮ ⃡ T ∙ 𝑑a − 𝜖0 𝜇0 ∫ ⃗S 𝑑 3 𝑟 𝑑t 𝑉 𝑆 Fisicamente, ⃡ T representa a força por unidade de área (ou stress) que atua numa superfície. Podemos então considerar a seguinte expressão: 𝑑p ⃗ mec 𝑑 (5) = −𝜖0 𝜇0 ∫ S⃗ 𝑑 3 𝑟 + ∮ ⃡ T ∙ 𝑑a 𝑑t 𝑑t 𝑉 𝑆 ⃗pmec representa o momento linear (mecânico) total das partículas contidas no volume 𝑉. Se repararmos esta expressão é muito semelhante à expressão encontrada no Teorema de Poynting, o que nos induz a fazer uma interpretação parecida: o primeiro integral representa o momento linear armazenado no campo eletromagnético e o segundo integral é o fluxo de momento linear que, por unidade de tempo, atravessa a superfície. Repare-se que existe conservação do momento linear, uma 𝑑 vez que a quantidade p ⃗ mec + p ⃗ em mantém-se constante, com p ⃗ em = 𝜖0 𝜇0 ∫ ⃗S 𝑑𝜏. Esta última 𝜕 𝑑t 𝑉 ⃗ mec + 𝒫 ⃗ em ) = ∇ ∙ ⃡ afirmação pode ainda ser traduzida matematicamente pela expressão: 𝜕t (𝒫 T, em ⃗ em = 𝜖0 𝜇0 ⃗S representa a densidade de momento linear. Concluímos, igualmente, que ⃡ que 𝒫 T corresponde à densidade de fluxo de momento linear, tendo um papel parecido ao de J (densidade de 2 corrente) na equação da continuidade ou de ⃗S (densidade de fluxo de energia) no Teorema de Poynting. Conservação do Momento Angular Estamos agora em condições de deduzir uma expressão para a densidade de momento angular: (6) ⃗ em = 𝜖0 𝜇0 [r × S⃗] = 𝜖0 [r × ⌈E ⃗ ×B ⃗ ⌉] ℒem = r × 𝒫 Para o cálculo do momento angular devido à presença de um campo eletromagnético, ⃗Lem , basta integrar a equação 6 sobre o espaço. Sendo assim, até mesmo os sistemas que estão num estado estacionário possuem momento ⃗ ×B ⃗ seja não nulo. Só quando este produto externo é nulo é que podemos aplicar angular, desde que E a lei da conservação do momento angular clássico. Por analogia, verifica-se que existe, igualmente, conservação do momento angular. De facto, 𝜕 podemos escrever 𝜕t (ℒmec + ℒem ) = r × (∇ ∙ ⃡ T). Integrado esta equação obtemos: ⃗ mec 𝑑L 𝑑 ⃗ =− ∫ L 𝑑 3 𝑟 + ∫ r × (∇ ∙ ⃡ T) 𝑑 3 𝑟 𝑑t 𝑑t 𝑉 em 𝑉 (7) Assim, verifica-se que a quantidade ⃗Lmec + ⃗Lem é mantida constante, assegurando que o princípio da conservação do momento angular é satisfeito. III. Resolução do Paradoxo de Feynman A conversão do momento angular gerado por um campo eletromagnético em momento angular mecânico pode ser demonstrada utilizando uma variedade de configurações experimentais simples, nos quais a variação temporal da sobreposição de campos elétricos e magnéticos leva à variação do momento angular mecânico de objetos carregados eletricamente que constituem o sistema. Esta conversão de momento angular, que pode ser vista como não conservativa, é a base deste paradoxo de Feynman. A investigação teórica quantitativa deste fenómeno foi realizada no contexto de vários sistemas simples, utilizando solenoides reais ou infinitos, mas mais simples do que o proposto por Feynman. Os modelos que vamos adotar permitem a desmitificação deste paradoxo. Apesar da adoção destes modelos trazerem algumas desvantagens, estas serão abordadas para assegurar a veracidade do resultado. 3 Consideremos um solenoide muito longo, de comprimento 𝐿 e raio 𝑅 (𝐿 ≫ 𝑅), com 𝑛 espiras por unidade de comprimento, e percorrido por uma corrente 𝑖. Existem dois cilindros coaxiais ao solenoide, ambos com comprimento 𝑙 : o cilindro interior ao solenoide tem raio 𝑎 e possui uma carga +𝑄 uniformemente distribuída pela sua superfície; o cilindro exterior ao solenoide tem um raio 𝑏 (𝑏 ≪ 𝑙) e tem uma carga −𝑄 uniformemente distribuída pela sua superfície. (ver Figura 2) Vamos verificar que, tal como acontece no disco de Feynman, quando o circuito que fornece a corrente 𝑖 ao solenoide é interrompido, os cilindros começam a rodar e existe conservação do momento angular! Antes de o circuito de alimentação ser interrompido existe um campo elétrico entre 𝑎 < 𝑟 < 𝑏. Podemos facilmente calculá-lo recorrendo ao Teorema de Gauss, considerando uma superfície cilíndrica de raio r genérico entre 𝑎 e 𝑏, de comprimento 𝑙 : ∑ 𝑄int ∮ (𝐸⃗ 𝑒 ∙ 𝑛⃗) 𝑑𝑆 = 𝜖0 𝑆 𝑄 𝑄 1 (8) |𝐸⃗ 𝑒 |2𝜋𝑟𝑙 = ⇒ 𝐸⃗ 𝑒 = 𝑒 𝜖0 2𝜋𝑙𝜖0 𝑟 𝑟 Na região dos dois cilindros existe um campo magnético. Poderemos ⃗ = 𝜇0 𝑛𝑖 𝑒𝑧 , para calculá-lo recorrendo ao Teorema de Ampére: 𝐵 𝑟 < 𝑅 (desprezou-se a corrente de deslocamento ao assumirmos Figura 2_ ⃗ 𝜕𝐷 que |𝐽| ≫ | 𝜕t | ). ⃗ em , na região 𝑎 < 𝑟 < 𝑅 é: Então, a densidade de momento, 𝒫 𝜇 𝑄𝑛𝑖 ⃗ em = 𝜖0 𝜇0 ⃗S = 𝜖0 [𝐸⃗ 𝑒 × 𝐵 ⃗]=− 0 𝒫 𝑒 2𝜋𝑙 𝑟 𝜃 Atendendo à equação 6, a densidade de momento angular, ℒem , na mesma região é: 𝜇 𝑄𝑛𝑖 ⃗ em ] = 𝑟 |𝒫 ⃗ em |[𝑒𝑟 × (−𝑒𝜃 )] = − 0 ℒem = [r × 𝒫 𝑒 2𝜋𝑙 𝑧 (9) (10) Para agora calcularmos o momento angular basta integrar, em volume, sobre a região 𝑎 < 𝑟 < 𝑅. Isto corresponde a multiplicarmos pelo volume, 𝜋(𝑅 2 − 𝑎2 )𝑙, uma vez que ℒem é uma grandeza constante. 𝜇 𝑄𝑛𝑖 2 (11) ⃗Lem = − 0 (𝑅 − 𝑎2 ) 𝑒𝑧 2 Quando o circuito de alimentação é interrompido, o campo magnético variável cria um campo elétrico induzido, 𝐸⃗ 𝑖 (equação 1). Este campo é azimutal e vai aparecer tanto na região 𝑟 < 𝑅 como em 𝑟 > 𝑅 ⃗ | 𝜋𝑟 2 Na região 𝑟 < 𝑅 : Φ𝑎 = |𝐵 ⃗ | 𝜋𝑅 2 ; pois como o campo magnético é (aproximadamente) nulo no Na região 𝑟 > 𝑅 : Φ𝑏 = |𝐵 exterior do solenoide, o seu fluxo também o será. Sendo assim, e considerando 𝛾 uma circunferência de raio 𝑟 genérico, temos: 𝑑Φ 1 𝑑𝑖 Na região 𝑟 < 𝑅 : ∮ (𝐸⃗𝑎𝑖 ∙ 𝑑𝑟) = − 𝑎 ⇒ 𝐸⃗𝑎𝑖 = − 𝜇0 𝑛 𝑟 𝑒𝜃 𝛾 𝑑𝑡 2 𝑑𝑡 4 2 𝑑Φ 1 𝑑𝑖 𝑅 Na região 𝑟 > 𝑅 : ∮𝛾 (𝐸⃗𝑏𝑖 ∙ 𝑑𝑟) = − 𝑑𝑡𝑏 ⇒ 𝐸⃗𝑏𝑖 = − 2 𝜇0 𝑛 𝑑𝑡 𝑟 𝑒𝜃 𝐸⃗ 𝑖 = 1 𝑑𝑖 − 𝜇0 𝑛 𝑟 𝑒𝜃 2 𝑑𝑡 1 𝑑𝑖 𝑅 2 − 𝜇 𝑛 { 2 0 𝑑𝑡 𝑟 𝑒𝜃 , 𝑟≤𝑅 , (12) 𝑟≥𝑅 O torque criado no cilindro interior pela presença do campo induzido 𝐸⃗𝑎𝑖 é: 1 𝑑𝑖 ⃗ 𝑎 = 𝑟 × (+𝑄𝐸⃗𝑎𝑖 ) = 𝑎𝑄𝐸 𝑖 (𝑎) [𝑒𝑟 × (−𝑒𝜃 )] = − 𝜇0 𝑛𝑄 𝑎2 𝑒𝑧 𝑁 2 𝑑𝑡 Consequentemente, o momento angular do cilindro interior será: 0 1 𝑑𝑖 1 ⃗La = − 𝜇0 𝑛𝑄𝑎2 ∫ 𝑑𝑡 𝑒𝑧 = 𝜇0 𝑛𝑄𝑎2 𝑖 𝑒𝑧 2 2 𝑖 𝑑𝑡 (13) (14) Analogamente, o torque criado no cilindro exterior pela presença do campo induzido 𝐸⃗𝑏𝑖 , bem como o respetivo momento angular, são: 1 𝑑𝑖 ⃗ 𝑏 = 𝑟 × (−𝑄𝐸⃗𝑏𝑖 ) = 𝑏𝑄𝐸 𝑖 (𝑏)[𝑒𝑟 × (−𝑒𝜃 )] = 𝜇0 𝑛𝑄 𝑅 2 𝑒𝑧 𝑁 (15) 2 𝑑𝑡 0 1 𝑑𝑖 1 ⃗ b = 𝜇0 𝑛𝑄𝑅 2 ∫ (16) L 𝑑𝑡 𝑒𝑧 = − 𝜇0 𝑛𝑄𝑅 2 𝑖 𝑒𝑧 2 2 𝑖 𝑑𝑡 Facilmente se verifica que ⃗Lem = ⃗Lb + ⃗La . Logo, o momento angular “perdido” pelo campo eletromagnético é exatamente igual ao momento angular “ganho” pelos cilindros, que rodam à medida que a corrente decresce gradualmente. O momento angular total (eletromagnético + mecânico) é conservado! Contudo esta análise assume um sistema infinito, no qual não existe retorno de fluxo fora do solenoide e dos cilindros. Isto levaria um resultado que contraria a conservação do momento angular no caso em que que as cargas dos dois cilindros sejam arbitrárias e não opostas. Não encontramos nenhuma violação ao princípio da conservação, uma vez que quando as cargas são simétricas não existe campo elétrico na região exterior e o campo não tem momento angular fora do cilindro exterior, pelo que o retorno do fluxo pode ser negligenciado. No entanto, no caso de cargas arbitrárias é preciso ter em consideração o retorno do fluxo no solenoide, que é longo mas finito. Tendo em conta isto vamos agora considerar o caso de um solenóide não ideal, de comprimento 𝑙, não desprezando o retorno de fluxo, isto é, consideramos que as linhas de campo magnético são fechadas (na realidade elas são fechadas, como se pode ver pela Figura 3). Além disso, vamos considerar o caso geral em que o cilindro de raio 𝑎 tem uma carga 𝑄 e o cilindro de raio 𝑏 tem uma carga −𝑄 ′ , não necessariamnte simétricas. Assume-se um campo magnético com simetria axial dentro do solenoide da forma: ⃗ int = 𝐵𝑟 (𝑟, 𝑧) 𝑒𝑟 + 𝐵𝑧 (𝑟, 𝑧) 𝑒𝑧 𝐵 Figura 3_ Linhas de campo magnético num solenoide real. (17) Devido à geometria cilíndrica do sistema, usou-se coordenadas cilíndricas da forma 𝑟 = 𝑟𝑒𝑟 + 𝑧𝑒𝑧 , uma vez que 𝐵𝜃 = 0 e tanto 𝐵𝑟 como 𝐵𝑧 não tem dependência em 𝜃. 5 ⃗ ext , e assumimos, igualmente, O campo magnético do solenoide extende-se para o exterior, 𝐵 que este tem simetria axial com uma componente radial e outra axial. Á semelhança da situação descrita anteriormente, no instante inicial existe um campo elétrico devido aos cilindros estarem carregados eletricamente. Esse campo elétrico pode ser determinado recorrendo ao Teorema de Gauss: 𝑄 1 𝑒 ,𝑎 < 𝑟 < 𝑏 2𝜋𝑙𝜖0 𝑟 𝑟 (18) 𝐸⃗ 𝑒 = ′ 𝑄−𝑄 1 𝑒 ,𝑏 < 𝑟 < ∞ { 2𝜋𝑙𝜖0 𝑟 𝑟 No início sabemos que não existe momento angular mecânico. O momento angular provém unicamente do campo eletromagnético. A densidade de momento angular devido ao campo é: 𝑄 𝑒𝑟 × (𝐵𝑟int (𝑟, 𝑧) 𝑒𝑟 + 𝐵𝑧int (𝑟, 𝑧) 𝑒𝑧 ) + 2𝜋𝑙𝜖0 𝑟 𝑄 𝑄 − 𝑄′ +( + ) 𝑒 × (𝐵𝑟ext (𝑟, 𝑧) 𝑒𝑟 + 𝐵𝑧ext (𝑟, 𝑧) 𝑒𝑧 )] = 2𝜋𝑙𝜖0 𝑟 2𝜋𝑙𝜖0 𝑟 𝑟 𝑄 𝑄 𝑄 − 𝑄 ′ ext = (𝑟𝑒𝑟 + 𝑧𝑒𝑧 ) × (−𝑒𝜃 ) [ 𝐵𝑧int (𝑟, 𝑧) + ( + ) 𝐵𝑧 (𝑟, 𝑧)] = 2𝜋𝑙𝑟 2𝜋𝑙𝑟 2𝜋𝑙𝑟 𝑄 int 𝑄 𝑄 − 𝑄 ′ ext =[ 𝐵𝑧 (𝑟, 𝑧) + ( + ) 𝐵𝑧 (𝑟, 𝑧)] (−𝑒𝑧 ) + 2𝜋𝑙 2𝜋𝑙 2𝜋𝑙 (𝑄 − 𝑄 ′ )𝑧 ext 𝑄𝑧 int 𝑄𝑧 (𝑟, +[ 𝐵 𝑧) + ( + ) 𝐵𝑧 (𝑟, 𝑧)] 𝑒𝑟 2𝜋𝑙𝑟 𝑧 2𝜋𝑙𝑟 2𝜋𝑙𝑟 ⃗ ×B ⃗ ⌉] = 𝜖0 r × [ ℒem = 𝜖0 [r × ⌈E (19) Para esta análise temos de definir o conceito de fluxo magnético médio através de uma região cilíndrica ao longo do eixo de simetria do sistema. Este fluxo magnético é definido por: 𝑙 𝑙 2𝜋 2 ′ 𝑟2 ′ ′ 2𝜋 2 ̅ Φ(𝑟1 , 𝑟2 ) ≡ ∫ 𝑑𝑧 ∫ 𝑑𝑟 𝑟 𝐵𝑧 (𝑟 ′ , 𝑧 ′ ) = ∫ 𝑑𝑧 Φ(𝑟1 , 𝑟2 ) 𝑙 −𝑙 𝑙 −𝑙 𝑟1 2 (20) 2 ̅ int (𝑟1 , 𝑟2 ) representa o fluxo magnético Á semelhança da notação usada para o campo magnético, Φ ̅ ext (𝑟1 , 𝑟2 ) representa o fluxo magnético médio no exterior da fonte médio no interior da fonte e Φ (retorno do fluxo). Esta definição simplifica o cálculo da densidade de momento angular, uma vez que a parte radial do campo magnético não contribui para o cálculo do fluxo através da equação 20. Sendo assim, a segunda parcela da eqaução 19 é eliminada e poderemos escrever a primeira parcela em função dos fluxos da seguinte maneira: 𝑄 𝑄 − 𝑄 ′ ext tot int (𝑎, ext (𝑅, ̅ ̅ ̅ (𝑏, ∞)] (−𝑒𝑧 ) ℒem = [ (Φ 𝑅) + Φ 𝑏)) + Φ (21) 2𝜋 2𝜋 ⃗ ) = 0, isto é, as linhas de campo magnético são fechadas, poderemos ainda Uma vez que (∇ ∙ 𝐵 ext ̅ (𝑏, ∞) + Φ ̅ ext (𝑅, 𝑏) = −Φ ̅ int (0, 𝑅) ; Φ ̅ ext (𝑏, ∞) e Φ ̅ ext (𝑅, 𝑏) representam o fluxo de afirmar que Φ ̅ int (0, 𝑅) representa o fluxo no interior do solenoide. Assim, a equação 21 retorno ao solenoide e Φ pode ser escrita de uma forma ainda mais simplificada: 6 𝑒𝑧 ̅ int (𝑎, 𝑅) + Φ ̅ ext (𝑅, 𝑏) + Φ ̅ ext (𝑏, ∞)) − 𝑄 ′ Φ ̅ ext (𝑏, ∞)] = [𝑄 (Φ 2𝜋 𝑒𝑧 ̅ int (𝑎, 𝑅) − Φ ̅ int (0, 𝑅)) − 𝑄 ′ Φ ̅ ext (𝑏, ∞)] = =− [𝑄 (Φ 2𝜋 tot ℒem =− ̅ int (0, 𝑅) = Φ ̅ int (0, 𝑎) + Φ ̅ int (𝑎, 𝑅), vem: Como Φ 𝑒𝑧 tot ̅ int (0, 𝑎) + 𝑄 ′ Φ ̅ ext (𝑏, ∞)] ℒem = [𝑄Φ 2𝜋 (22) Após a interrupção do circuito de alimentação que fornece a corrente ao solenoide, é induzido um campo elétrico segundo a Lei de Faraday-Maxwell. Adotando um raciocínio semelhante ao do caso anterior, temos que o campo induzido na região do cilindro de raio 𝑎 é: 𝑑Φ(0, 𝑎) 𝑑Φ 𝑑Φ(0, 𝑎) 𝑑t ∮ (𝐸⃗𝑎𝑖 ∙ 𝑑𝑟) = − ⇒ 𝐸⃗𝑎𝑖 2𝜋𝑟 = − 𝑒𝜃 ⇔ 𝐸⃗𝑎𝑖 = − 𝑒𝜃 (23) 𝑑𝑡 𝑑t 2𝜋𝑟 𝛾 O correspondente torque é: ⃗ 𝑎 = 𝑟 × 𝑄𝐸⃗𝑎𝑖 = (𝑟𝑒𝑟 + 𝑧𝑒𝑧 ) × (−𝑒𝜃 ) 𝑁 𝑄 𝑑Φ(0, 𝑎) 𝑄𝑧 𝑑Φ(0, 𝑎) 𝑄 𝑑Φ(0, 𝑎) = 𝑒𝑟 − 𝑒𝑧 2𝜋𝑟 𝑑t 2𝜋𝑟 𝑑t 2𝜋 𝑑t (24) Integrando o torque sobre o tempo e considerando a definição de fluxo magnético médio dada pela equação 20, a parte radial desaparece e poderemos considerar o momento angular para o cilindro de raio 𝑎 como sendo igual a: 𝑄 int ⃗L𝑎 = ̅ (0, 𝑎) 𝑒𝑧 Φ (25) 2𝜋 Analogamente, para o cilindro de raio 𝑏 o momento angular pode ser escrito da forma: 𝑄 ′ ext ⃗L𝑏 = ̅ (𝑏, ∞) 𝑒𝑧 Φ (26) 2𝜋 Atentando nas equações 22, 25 e 26, facilmente comprovamos que o momento angular do sistema é conservado. Além disso comprovamos que a conservação desta quantidade é independente da forma que as linhas do campo magnético tomam. Contudo, a concretização numérica neste tipo de problemas é mais difícil uma vez que o campo magnético já não pode ser calculado de uma forma direta recorrendo ao Teorema de Ampére. A única maneira de os analisarmos de uma forma simples é fazendo um raciocínio mais “teórico”. Não obstante, para o caso de um solenoide é possível, embora bastante trabalhoso, calcular o campo. (consultar ref. [5]) Nesta nova resolução considerou-se um solenoide real, não se desprezando o retorno do fluxo. Mas, se repararmos, os cilindros em rotação vão também criar um campo magnético, que vai contribuir para o momento angular do campo aquando a interrupção da corrente. Os cálculos que fizemos anteriormente desprezam este efeito (válido para 𝑄 e −𝑄 ′ pequenos). Ao assumirmos isto estamos a dizer que todo o momento angular presente no campo vai ser convertido em momento angular mecânico quando os cilindros começam a rodar; mas, de facto, o momento angular final vai ter uma componente mecânica e outra devido ao campo eletromagnético. Mesmo tendo em conta isto, o momento angular vai continuar a ser conservado! Para comprovarmos que tal se verifica vamos considerar uma nova versão do paradoxo, de modo a simplificarmos ainda mais os cálculos. 7 Esta nova variante do paradoxo é também conhecida como “Paradoxo do Cilindro de Feynman” (ref. [6]). Consideremos um fio infinitamente longo eletrizado com uma carga de densidade linear −𝜆, localizado no eixo de simetria de uma camada cilíndrica isolante, de comprimento 𝑙 e raio 𝑎 (𝑙 ≫ 𝑎), eletrizado com uma carga de densidade 𝜆 linear 𝜆 (𝜎 = 2𝜋𝑎). No interior do cilindro existe um campo magnético ⃗ = 𝐵0 𝑒𝑧 . No início o sistema encontra-se estacionário. uniforme 𝐵 Suponhamos que para 𝑡 > 𝑡0 o campo magnético vai ser reduzido até se anular durante um período 𝑇 ≫ 𝑎/𝑐. Verifiquemos que existe conservação do momento angular. Apesar de agora ser necessário considerar o campo magnético criado pelo cilindro em rotação (i.e. pela rotação das cargas no cilindro), escolhemos 𝜆s simétricos, pois caso contrário teríamos de considerar o retorno do fluxo. Evitou-se isso porque como já ficou claro esses cálculos são trabalhosos. Figura 3_ Como no início o sistema se encontra estacionário não existe momento angular mecânico. No entanto, existe momento angular pela presença de um campo elétrico e outro magnético. O campo elétrico pode ser calculado recorrendo ao Teorema de Gauss: 𝜆𝑙 𝜆 Na região 𝑟 < 𝑎 : |𝐸⃗ 𝑒 |2𝜋𝑟𝑙 = − ⟹ 𝐸⃗ 𝑒 = − 𝑒𝑟 𝜖0 2𝜋𝜖0 𝑟 Na região 𝑟 > 𝑎 , o campo elétrico é nulo. Portanto, a densidade de momento angular do campo no início é: 𝜆 𝜆 𝐵0 ⃗ ] = 𝜖0 𝑟 (− (27) ℒem i = 𝜖0 𝑟 × [𝐸⃗ 𝑒 × 𝐵 ) 𝐵0 𝑒𝑟 × [ 𝑒𝑟 × 𝑒𝑧 ] = 𝑒 2𝜋𝜖0 𝑟 2𝜋 𝑧 Como o módulo de ℒem i é constante, por isso para o cálculo do momento angular basta-nos multiplicar pelo volume do cilindro. 𝜆 𝐵0 2 𝜆 𝐵0 𝑎2 𝑙 ⃗Lem i = (28) 𝜋𝑎 𝑙 𝑒𝑧 = 𝑒𝑧 2𝜋 2 𝜕𝐵 Quando o campo magnético do cilindro é reduzido, com 𝜕t < 0 , aparece um campo magnético induzido azimutal no seu interior que pode ser calculado pela Lei de Maxwell-Faraday: 𝑑 𝜕𝐵 2 𝑟 𝜕𝐵 ⃗ ∙ 𝑛⃗) 𝑑𝑆 ⇒ 𝐸⃗ 𝑖 2𝜋𝑟 = − (29) ∮ (𝐸⃗ 𝑖 ∙ 𝑑𝑟) = − ∫ (𝐵 𝜋𝑟 𝑒𝜃 ⇔ 𝐸⃗ 𝑖 = − 𝑒 𝑑𝑡 𝑆 𝜕t 2 𝜕t 𝜃 𝛾 Consequentemente, o torque originado na superfície do cilindro é: 𝑎2 𝜆𝑙 𝜕𝐵 (30) ⃗ = 𝑟 × (+𝜆𝑙 𝐸⃗ 𝑖 ) = 𝑎𝜆𝑙|𝐸 𝑖 (𝑎)| [𝑒𝑟 × (−𝑒𝜃 )] = − 𝑁 𝑒 2 𝜕t 𝑧 Conclui-se que o cilindro roda e temos que o seu momento angular mecânico é tal que ⃗ ⃗ = 𝑑Lmec . Integrando esta equação sobre o tempo temos: 𝑁 𝑑t final ∫ final ⃗ mec = ∫ 𝑑L inicial ⃗ 𝑑𝑡 ⇒ ⃗Lmec f − ⃗Lmec i = − 𝑁 inicial 𝑎2 𝜆𝑙 (𝐵f − 𝐵i ) 2 (31) 8 Inicialmente o cilindro encontra-se em repouso pelo que ⃗Lmec i = 0, com 𝐵i = 𝐵0. Portanto, para calcularmos ⃗Lmec f precisamos apenas de calcular o valor do campo magnético no final. Ora, esse campo magnético que procuramos determinar é resultante da rotação do cilindro e podemos determiná-lo facilmente recorrendo ao Teorema de Ampére. Este campo é em tudo idêntico ao campo criado por um solenoide de raio 𝑎 percorrido por uma corrente superficial 𝐼. A densidade de corrente superficial que percorre o cilindro em rotação é: 𝑗= carga por unidade de comprimento 𝜆 𝜔𝜆 = = período de rotação 𝑇 2𝜋 (32) sendo 𝜔 a velocidade angular com que o cilindro roda. Para aplicarmos o ̂ , quadrado de Teorema de Ampére vamos considerar o caminho 𝐴𝐵𝐶𝐷 lado 𝐿 (ver Figura 4). Então, vem: ∮ Figura 4_ ̂ 𝐴𝐵𝐶𝐷 ⃗ f ∙ 𝑑𝑟) = 𝜇0 ∑ 𝑖 (𝐵 (𝑆) ⃗ f ∙ 𝑑𝑟) + ∫ (𝐵 ⃗ f ∙ 𝑑𝑟) + ∫ (𝐵 ⃗ f ∙ 𝑑𝑟) + ∫ (𝐵 ⃗ f ∙ 𝑑𝑟) = 𝜇0 𝑗𝐿 ∫ (𝐵 ̂ 𝐴𝐵 ̂ 𝐵𝐶 ̂ 𝐶𝐷 (33) ̂ 𝐷𝐴 ⃗ Sabemos, à partida, que o campo vai ter direção axial segundo o versor 𝑒𝑧 . Sendo assim, ∫𝐵𝑐 ̂ (𝐵f ∙ 𝑑𝑟 ) = ̂ ̂ ⃗ ∫𝐷𝐴 ̂ (𝐵f ∙ 𝑑𝑟 ) = 0 uma vez que os troços 𝐵𝐶 e 𝐷𝐴 são perpendiculares às linhas de campo magnético. ⃗ f ∙ 𝑑𝑟) = 0 pois o campo magnético no exterior do cilindro é aproximadamente nulo Por sua vez, ∫̂ (𝐵 𝐶𝐷 (idêntico ao campo criado por um solenoide ideal, algo que é aceitável porque 𝑙 ≫ 𝑎). Portanto, 𝜇 𝜔𝜆 ⃗ f |𝐿 = 𝜇0 𝑗𝐿 ⟹ 𝐵 ⃗ f = 0 𝑒𝑧 |𝐵 (34) 2𝜋 ⃗ mec f é dado por: Substituindo este novo valor na equação 31 verifica-se que L 2 𝑎 𝜆𝑙 𝜇0 𝜔𝜆 ⃗ mec f = L (𝐵0 − ) 𝑒𝑧 2 2𝜋 (35) Na situação final existe ainda um momento angular devido ao campo eletromagnético. A densidade desse momento angular é dada por: 𝜆 𝜇0 𝜔𝜆 𝜇0 𝜔𝜆2 𝑒 ⃗ ⃗ ℒem f = 𝜖0 𝑟 × [𝐸 × 𝐵f ] = 𝜖0 𝑟 (− ) 𝑒𝑟 × [ 𝑒𝑟 × 𝑒𝑧 ] = 𝑒𝑧 (36) 2𝜋𝜖0 𝑟 2𝜋 4𝜋 2 Como o módulo de ℒem f é constante, para o cálculo do momento angular basta-nos multiplicar pelo volume do cilindro. 𝜇 𝜔𝜆2 𝑎2 𝜆2 𝑙𝜇0 𝜔 2 ⃗ em f = 0 (37) L 𝜋𝑎 𝑙 𝑒 = 𝑒𝑧 𝑧 4𝜋 2 4𝜋 ⃗ em i = L ⃗ mec f + L ⃗ em f, isto é, Atentando nas equações 28, 35 e 37, facilmente se verifica que L ⃗ i = ⃗Lf ). existe, como era expectável, conservação do momento angular (L 9 IV. Conclusão A investigação relacionada com este paradoxo de Feynman permitiu chegar à conclusão de que na realidade os campos eletromagnéticos têm associado um momento linear e angular! Chegou-se assim a um resultado bastante elegante assegurando tanto o princípio da conservação do momento angular como a equação de Maxwell-Faraday, dois dos grandes “pilares” da Física, mantendo a coerência do Eletromagnetismo e da Mecânica. V. Referências [1] Richard P. Feynman, Robert B. Leighton, and Matthew Sands, The Feynman lectures on physics. Vol. 2: Mainly electromagnetism and matter (1964). [2] Griffiths D J, Introduction to Electrodynamics (1999, 3ª edição). [3] Lombardi G G, Feynman’s disk paradox (1983), Am. J. Phys. 51 213–4. [4] George Pantazis and Leandros Perivolaropoulos, A general realistic treatment of the disk paradox (2016). [5] E. E. Callaghan and S. M. Maslen, The magnetic field of a finite solenoid, NASA Technical Note D-465 (1960). [6] Kirk T. McDonald John Belcher, Feynman cylinder paradox (2015). 10