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Problemas com vizinhos
20 de julho de 2008, por Carlos Fernando Maggiolo
Vizinhos - o problema de todo baterista. Pelo menos um em cada dois bateristas vai
saber, um dia, que o som tem limites – seus vizinhos. É por isso mesmo que
resolvemos escrever sobre o assunto, já que nos propomos a disponibilizar um
acervo realmente útil para os amantes dos tambores. Há muito que este tema é
ventilado pelo Fórum de Discussões. São inúmeros colegas que constantemente
precisam de uma orientação com urgência, em razão de assédios de vizinhos.
São em situações assim, com o vizinho batendo à porta (ou pior, com a polícia) que
muitas vezes os companheiros bateristas vêm pedir um socorro no fórum. É claro
que o espírito vai estar aflito, se sentindo ameaçando de ser castrado naquilo que
ele mais ama – a bateria.
Ora, sou um advogado criminalista extremamente especializado na área que
abracei e creio que, como amante dos tambores que também sou, posso tentar dar
uma luz para que você não fique de mãos para o ar enquanto assaltam a sua vida
no afã de te castrarem naquilo que você faz com tanto amor e que é uma das mais
belas expressões da música moderna – a bateria. Chega de especulações ou
afirmações sem fundamento. Ninguém pode ser cerceado em seu direito, senão em
virtude de lei – então vamos a ela.
O que fazer quando o seu barulho excessivo perturba a paz e a tranqüilidade do
condomínio? Em primeiro lugar, saiba que o som de uma bateria não recebe
tratamento especial da legislação. O tema jurídico a ser abordado é a poluição
sonora, pouco importando se estamos falando de uma bateria ou um liquidificador.
A poluição sonora é assunto muito extenso, o que faz o legislador dar atenção
especial à poluição sonora industrial, por exemplo, mas jamais à poluição sonora
causada por uma bateria. Conheça a seguir as leis e os programas criados para
combater a poluição sonora.
Em termos de Brasil a legislação básica aplicável à poluição sonora é a seguinte:
artigo 225 da Constituição Federal; Lei n.º 6.938/81, que dispõe sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente; Decreto nº 99.274/90 que regulamenta a Lei nº
6.938/81. Resolução CONAMA nº 001, de 08.03.1990, que estabelece critérios e
padrões para a emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades
industriais; a Resolução CONAMA nº 002, de 08.03.1990, que institui o Programa
Nacional de Educação e Controle de Poluição Sonora Silêncio, e as Normas de nºs
10.151 e 10.152 da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.
As normas acima são as normas gerais. Porém, na prática, cada estado da
Federação vai estabelecer as suas regras e critérios específicos no tratamento do
tema em apreço, sem, contudo, ferir as determinações contidas nas normas gerais.
Mas muita coisa muda de estado para estado. Em São Paulo por exemplo, foi criado
o programa "Silêncio Urbano (PSIU)", instituído pelo Decreto 34.569 de 06 de
outubro de 1994, e reestruturado pelo Decreto 35.928 de 06 de março de 1996. O
propósito desse programa é limitar sons ou ruídos estridentes que possam provocar
o incômodo e interferir na saúde e no bem-estar das pessoas. Felizmente, o PSIU
só pode ser acionado em casos em que estabelecimentos comerciais ou em
logradouro público, nunca para ruídos produzidos dentro de domicílios. Agora, se
você é professor de bateria e utiliza sua residência para a prática dessa atividade –
atenção – você deve tomar maiores cuidados – um isolamento acústico mais
aprimorado é recomendável.
Já no Estado do Rio de Janeiro temos uma lei conhecida popularmente como Lei do
Silêncio (LEI Nº 126, DE 10 DE MAIO DE 1977), que estabelece que, no período
entre 22 e 7 horas, consideram-se prejudiciais à saúde, à segurança ou ao sossego
públicos quaisquer ruídos que:
atinjam, no ambiente exterior ao recinto em que têm origem, nível sonoro superior
a 85 (oitenta e cinco) decibéis, medidos na curva C do "Medidor de Intensidade de
Som", de acordo com o método MB-268, prescrito pela Associação Brasileira de
Normas
Técnicas;
alcancem, no interior do recinto em que têm origem, níveis de sons superiores aos
considerados normais pela Associação Brasileira de Normas Técnicas.
Além da Lei do Silêncio, já regulamentada, que exige o silêncio dos condôminos no
horário das 22:00 às 06:00, o condomínio deverá fazer constar no Regulamento
Interno, uma orientação para que os moradores evitem fazer ruídos em suas
unidades e nas áreas comuns do condomínio, que possam vir a prejudicar os
demais moradores. O condômino infrator deverá ser advertido pelo síndico e em
caso de reincidência, ser multado.
Falamos um pouquinho do Rio e de São Paulo, mas é sempre oportuno lembrar que
cada município vai poder aplicar as regras que encontrarem mais convenientes.
Todo esse cuidado da lei tem fundamentos científicos. Quando exposta a ruídos
muito altos (acima de 50 decibéis) durante um período prolongado, a audição
humana pode sofrer danos, resultando certas vezes em deficiência auditiva
permanente. Além disso, a poluição sonora prejudica a tranqüilidade de quem
deseja adormecer ou mesmo apenas descansar. O barulho constante impede o
relaxamento, e à medida que vai aumentando crescem também os sintomas de
stress: entramos em estado de alerta, o organismo tenta se adequar ao ambiente,
liberando endorfina, minando as defesas e aumentando ainda mais a agitação. Isso
explica porque algumas pessoas só conseguem adormecer se o rádio ou a televisão
permanecerem ligados. A continuidade dessas ocorrências pode gerar problemas
cardíacos, infecções e outros problemas de saúde. Por isso recomendamos,
também, que todo baterista utilize um protetor auricular, ainda que seja para
estudar, sempre.
Os condôminos que se sentirem lesados podem ingressar diretamente no Judiciário
através do Juizado Especial Cível, ou simplesmente registrar uma ocorrência numa
delegacia de polícia, o que vai gerar um inquérito policial (se a autoridade policial
entender que há crime no caso concreto – podem ocorrer situações de fato que
configurem outros crimes e tudo mais). Assim, tanto você pode ser surpreendido
por um oficial de Justiça ou um agente policial com uma intimação para prestar
esclarecimentos no órgão competente, como também pode deparar com situação
pior – um mandado de interdição, por exemplo - em que você é sumariamente
impedido de exercer suas atividades. Em qualquer dos casos: muita calma nessa
hora. Peça licença ao agente público que ali está no cumprimento do seu dever e
ligue imediatamente para o seu advogado – você vai precisar dele – ali – na hora –
ele pode ser muito mais útil do que você imagina.
Porém, normalmente, quando chega nesse ponto você já não se surpreende com
essa situação, porque já ocorreram dezenas de pedidos e negociações – em vão, e
você está mais que alertado de que vem chumbo grosso pela frente.
Para evitar esses dissabores recomendamos um isolamento acústico no ambiente
(não é de tratamento acústico que estamos falando, é de “isolamento” – são coisas
distintas, mas que devem ser observadas igualmente para um bom desempenho da
bateria) de molde que o barulho causado no exterior esteja dentro dos limites
permitidos em lei.
Se você não tem vizinhos – ótimo - faça apenas um tratamento acústico para o seu
ambiente, mas você deve viver numa fazenda de florestas virgens na Amazônia ou
é como eu, cuja bateria ocupa um quarto isolado dos vizinhos no seu apartamento.
Tenho um quarto num terraço isolado do resto do mundo e os dois andares abaixo
são meus. Nesse caso, não precisei de isolamento. Como o quarto é pequenininho,
tive que fazer um bom tratamento acústico: joguei espuma no teto (tipo sonex) e
cortiça nas paredes. No chão eu ainda tomei um cuidado especial porque o quarto
imediatamente abaixo é da minha filha – joguei um tapete de E.V.A. (aquela
borracha utilizada em tapetes modulares de criança que estampa o alfabeto,
animais etc). Esse tapete fica sobre um piso de borrachão, ou seja, o chão tem
duplo tratamento de borracha. Gastei nisso tudo uns R$ 2.500,00, mas existem
alternativas mais baratas e de igual ou similar eficiência. Existem lugares que você
não encontra o que fazer – naturalmente já proporciona um ambiente excepcional
para os agudos, graves e médios. No meu caso o quarto é bem pequeno e o som
potente demais, bateria grande – tudo complicado. Gastei porque precisava isolar o
chão aproveitei e fiz um belo tratamento. Hoje o som casa direitinho. Mas dá pra
fazer um tratamento sem gastar quase nada: tudo depende da sua criatividade.
Muitas vezes jogar um quadro grande ou um tapete numa parede já resolve um
problema de excesso nos pratos.
O outro lado da moeda é que não é fácil: isolamento acústico. Imaginem um homestudio localizado no terceiro andar de um edifício comercial. Imaginem uma sala
comercial cujos vizinhos são médicos, dentistas etc. Lá é necessário um
investimento bem maior. O baterista se vê obrigado a contratar uma pessoa
especializada (indico: Rogério Duarte – tel. 21-9219-1970), que idealize um projeto
que isole a sala do resto do edifício. Deverá ser construída, no interior da sala, uma
cápsula suspensa. E assim foi feito. Eu entrei nessa furada. Essa foi a sala que eu
aluguei. Tive que fazer até sistema de ar condicionado com tratamento nas
tubulações à prova de som. Tive que levantar uma parede de tijolo mesmo, para
isolar a sala da janela. Fiz portas grossas de lã de vidro, sistema elétrico de
tubulação aparente, levantei paredes de lã de rocha numa estrutura de madeira –
duas camadas. Na verdade gastei os tubos - mas porque o material é caro mesmo em termos de mão-de-obra foi super barato. O Rogério Duarte foi um achado –
recomendo (para quem é do Rio). Com tudo isso, se algum agente público bater na
minha porta com um mandado de interdição eu sei que alguma ilegalidade foi
cometida, porque estou absolutamente dentro dos critérios estabelecidos pela lei.
Ainda que o dentista de baixo tenha atingido e dilacerado um nervo do seu paciente
e tente jogar a culpa de sua imperícia para o bumbo da minha bateria, sei que ali
na frente eu reverto tudo isso – porque o que se escuta fora daquela sala é de
menor volume que um radinho de pilha. No chão do estúdio tem duas camadas de
lã de vidro e ainda encomendei uma borracha que veio de São Paulo, que preenche
o interior de um tablado de 20 centímetros de espessura, onde fica descansada a
bateria. Gastei menos de R$ 10.000,00 nisso tudo. Quem conhece sabe que isso
pode ser orçado até por mais de R$ 50.000,00 por aí.
Pude expor dois extremos de situações que podem levar você a ter que provocar
um derrame na sua conta bancária, mas é melhor do que ser inibido
coercitivamente de praticar a sua atividade que tanto agrada os seus vizinhos.
Gastei muito porque os tempos eram outros, mas para cada caso existem
alternativas distintas, mais caras ou mais baratas – o importante é fazer alguma
coisa para diminuir o impacto sonoro da sua bateria. Se você não pode gastar, a
palavra é “improvisar” – então você mesmo vai idealizar o seu projeto e priorizar os
pontos críticos. Se você mora num edifício e abaixo de você vive uma senhora de
90 anos ou um bebê de dois meses, você vai ter que priorizar o chão. Se você vive
numa casa germinada e uma das paredes dá para o quarto do vizinho, a sua
prioridade é essa parede. Existe uma variedade enorme de produtos e matérias que
podemos improvisar num isolamento acústico. Pegue dicas com amigos e procure
aquele cara que conhece um pouquinho o assunto – ele vai ter idéias engenhosas e
baratas.
Você tem que ter bom-senso. Não dá pra montar um estúdio onde o seu vizinho de
baixo é a CTI de um hospital. Mas se você insistir e as finanças resistirem, você
monta. O importante é respeitar os decibéis estabelecidos pela legislação da sua
cidade e as regras de convivências determinadas pelo seu condomínio.
Boas batucadas.
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