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Kant, Hegel e a Paz
Kant, Hegel and the peace
Tom Rockmore*
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Resumo: O autor pretende retomar a filosofia prática do idealismo alemão de modo a
demonstrar a capacidade de esclarecimento de problemas filosóficos atuais
especialmente a partir de Kant e Hegel. A retomada do Kant e Hegel e sua
confrontação para elucidação dos problemas limites do contemporâneo como o
terrorismo, a natureza do político e o papel dos estados objetiva demonstrar a
importância a atualidade da filosofia na reflexão sobre o presente.
Palavras-chave: Kant. Hegel. Filosofia. Política.
Abstract: The author wishes to recapture the practice philosophy of German idealism
in order to demonstrate the ability to clarify philosophical problems today especially
from Kant and Hegel. The revival of Kant and Hegel and his confrontational
approach to elucidate the limits of contemporary problems such as terrorism, the
nature of the political role of states aims to demonstrate the importance of philosophy
in the present reflection on the present.
Key-words: metaphysics on a non-material basis, physis, logos.
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Gostaria de lançar um breve olhar sobre a utilidade da filosofia para o mundo no qual
vivemos, sobretudo para a paz que, neste momento parece mais ameaçada que o
habitual pelo terrorismo internacional, bem como pela reação que ele suscita.
A paz põe evidentemente um grande problema. Não há como crer que nos
estamos hoje mais próximos de encontrar o que Kant chama a paz perpétua que há
séculos. O novo milênio não parece mais propício que seu predecessor. O último século
pode se orgulhar de ser o mais mortal de toda a história. Ao início do novo século, as
perspectivas não são melhores, longe disso. Em muitos lugares, a guerra faz o ódio,
senão, domina a ausência da paz.
Trata-se de resolver os problemas reais, é menos útil discutir da paz na teoria
que a abordar sobre o plano prático da vida real. Um exemplo flagrante é o que se
chama atualmente a guerra contra o terrorismo. Qualquer coisa que se diga este conflito
*
Professor na Universidade Duquesne, email: [email protected] Tradutor: Danilo Vaz-Curado R.M.
Costa (UFRGS/UNICAP), email: [email protected]. NT.; O presente texto apareceu pela
primeira vez, sob o título de Kant, Hegel et la Paix, Org. Andreas Arndt et alli, in Das Lebens denken
[Hegel-Jahrbuch, 2007], Akademie Verlag, 2007, pp. 107-110.
Revista Opinião Filosófica
Jan/Jun. de 2011, n. 01, v.02
Artigo – pp. 50-55
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Kant, Hegel e a Paz
complexo apenas tem lugar, relação, com os processos históricos. Em minha
interpretação é falso afirmar que o ataque sobre os Estados Unidos é sem causa,
portanto incognoscível, e é muito simplista trazer de volta a situação que previa uma
conflito entre uma religião moderna e uma outra que seria menos [moderna].
Para compreender a situação atual, é preciso uma explicação global
compreendendo todos os elementos, incluindo o ataque sobre os Estados Unidos e a
resposta hodierna corrente em curso neste país e em outros. Se, como eu penso, o
processo histórico toma mais e mais uma forma econômica, a que se tem o hábito de
identificar com o termo mundialização, então numa otimista visão global redutora, seria
possível afirmar que nós estamos em face de um conflito entre aqueles que aceitam e
aqueles que recusam este processo.
Neste contexto, parece arriscado falar de paz universal. Os filósofos
frequentemente tem tido hesitações quanto às possibilidade reais políticas reais. De
Platão à Rawls, a filosofia política ocidental descreve sobre as condições do estado
ideal, ou seja, aquelas de um estado justo. Portanto, Hobbes, fala da guerra de todos
contra todos, e Kant reconhece o que ele denomina a depravação da natureza humana.
O desprezo que Heidegger, então platônico, mostrou pela ciência política em
1933 responde a atitude do homem político. Kant é quem faz notar que o homem
político não leva à sério a filosofia política, estuda a paz universal em seu ensaio
homônimo. Fiel ao processo dito crítico posto em prática na sua Crítica da Razão Pura,
Kant analisa as condições da possibilidade geral (überhaupt). A fim de trazer uma
solução transcendental aos problemas de ordem prática, ele os transforma
sistematicamente em problemas teóricos. Ele suprime, portanto a distinção aristotélica
entre teoria e prática.
Da mesma forma que a natureza transborda a ciência que a estuda, a redução da
prática à teoria apenas se faz ao preço de esvaziar o que é verdadeiramente prático. Isto
é, em parte, o que Marx se pôs a dizer ao enunciar que a filosofia apenas se limitou a
interpretar e não a transformá-lo. É, de todo modo, mais difícil transformar uma prática
que a compreender sob uma forma reducionista, portanto deformada. A crítica hegeliana
à Kant se coloque sob este aspecto e posição.
A paz universal que Kant tinha em mente, visava, é o resultado de um estado
justo, um tema que já Platão visava. Platão baseava sua concepção de estado justo sobre
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Kant, Hegel e a Paz
uma analogia entre a estrutura da alma e do estado. O sonho de Kant de uma paz
universal se funda sob uma forma moderna, revista e corrigida, da analogia que ficara
de Platão entre o indivíduo e o estado. Segundo Platão, em um estado justo a harmonia
entre os elementos da alma se reproduz ao nível do estado onde cada um exerce a
função para a qual a natureza o dotou.
A fim de realizar a paz universal, Kant aplica às relações entre os estados a
analogia platônica entre o indivíduo e o estado. Platão considera toda uma série de
eventos, como de formas de desarmonia, que impedem o estado de ser justo. Do mesmo
modo e afim de prevenir a guerra, Kant imagina uma série de estratagemas para impedir
que a desarmonia não sucumba a relação entre os estados. A título de exemplo, ele
afirma que os negócios estrangeiros não deveriam dar lugar a uma dívida nacional e que
nenhum governante deveria se imiscuir nos negócios do outro.
Segundo Kant, a vida sobre a terra apenas vale a pena na medida onde é possível
fornecer os fins últimos de uma existência racional. Reconhecendo que a guerra é de
toda a forma natural para os homens, ele sugere que a paz pode ser atingida realizando o
que ele denomina o reino da razão pura prática. Aquela supõe uma relação racional
entre os estados. Segundo Kant, a política apenas poderia alcançar o estágio moral no
seio de uma união federativa que, ultrapassando o estado natural de guerra, defenda o
direito, levando à um direito que garanta os direito de cada cidadão. Ele pensa que uma
tal federação poderia se estender para englobar todos os países e todos os povos. O
resultado seria a criação de uma vontade comum que impediria, portanto a guerra.
Kant pensa que a separação dos poderes em um governo republicano,
favorecendo a paz universal, seria propícia a garantia dos direitos de cada um. Sua
análise é, portanto simplista demais. Nós sabemos, como a guerra atualmente em curso
no Iraque nos faz lembrar, que o simples fato de haver um governo representativo,
portanto do tipo republicano como Kant o compreende, não é suficiente para garantir a
paz. Mesmo um governo representativo é capaz de encontrar a paz se lançando a
ocasião de uma guerra totalmente agressiva. Do mesmo modo, a ideia de uma federação
das nações, portanto teoricamente interessante como modo de prevenir senão de reduzir
os choques entre os países, nunca teve seus frutos. As Nações Unidas, assim como antes
desta a Sociedade das Nações, parecem ineficazes e incapazes, de todo modo, de
impedir aos países fortes de se sobrelevar aos países fracos.
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Kant, que fala do dever de criar um estado de direito público, a bem saber, por
tratar-se de um processo que sendo aproximativo se estenderia sem fim, portanto ao
infinito. Mas, um processo de uma duração infinita nunca poderia se realizar. Se poderia
perguntar se ele já começou? E não é falso afirmar que o sonho de Kant de uma paz
universal ecoa sobre a prova da realidade. É, em suma, o sentido da crítica formulada
por Hegel. A diferença de Kant, Hegel se retira do contexto transcendental em favor de
uma análise baseada na vida vivida. Ele compreende o processo condutor à paz
universal visada por Kant do modo histórico, mais de um ponto de vista prático do que
de um ponto de vista teórico.
Mais realista do que Kant e menos inclinado a compreender o mundo de um
ponto de vista religioso, Hegel segue Fichte para quem o direito não se deixa deduzir da
moralidade. Porém, Hegel vai além de Fichte ao compreender que a liberdade se realiza
através das coisas, concebendo a natureza como mecânica e não teleológica, portanto,
não livre.
Se bem que, Hegel, não recusa o princípio da paz universal, a ele parece, no
entanto um pouco provável. Se Hegel tem razão, o sonho de Kant se quebra sob a dura
realidade do ser humano que, incapaz de retornar ao estado de graça primitivo de que
fala Rousseau, não chega jamais a criar a vontade geral religando em conjunto todos os
estados que Kant imagina como condição do reino de Deus sobre a terra, e não chega
nunca a criar a paz universal.
Hegel toma posição sobre o projeto da paz universal de Kant nas Lições sobre a
Filosofia do Direito. Ele propõe compreender o direito internacional enquanto relação
entre estados autônomos, portanto soberanos e independentes. Em princípio, cada
estado é soberano e autônomo, portanto tem um direito de reconhecimento, a saber, o
direito de ser reconhecido como tal. Mas, posto que este direito é puramente formal, ele
não é sempre reconhecido. O reconhecimento deste direito é a chave de todas as
relações entre os estados. A atualidade da autonomia do estado, assim como aquela do
indivíduo, depende do reconhecimento. Todo estado está preso em uma multiplicidade
de relações que dependem da vontade arbitrária das partes autônomas. Ele se segue,
como Hegel o faz ressaltar, que o direito internacional se funda sob os acordos que
devem ser tomados à sério. Fazendo observar que tal deveria ser o caso, Hegel, não
admite que uma pessoa esteja habilita a desempenhar o papel de juiz entre os estados
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Kant, Hegel e a Paz
antes de fazer alusão à ideia de Kant de uma liga das nações a fim de obter a paz
perpétua.1Mesmo não recusando a ideia, Hegel sublinha que uma acordo pressuposto
entre os estados não pode se basear nem sobre a religião, nem sobre a moral, mas deve
obrigatoriamente decorrer da vontade soberana, portanto contingente.
A diferença em relação à Kant é significativa. Kant, que pensa que apenas se é
possível garantir que a política se coordene com a moralidade em uma estrutura
federativa, não pode garantir-lhe o sucesso. Ele é, portanto obrigado a se remeter à um
princípio abstrato: dever implica poder. Sublinhando a contingência de toda solução
baseada sob uma liga de nações, Hegel antecipa sob os avatares do futuro sublinhando o
arbitrário da vida real. Ele bem afirma que, quando os estados não estão de acordo, a
guerra pode se seguir. Nenhum acordo é suficiente para contornar o perigo pois um
estado pode sempre se estimar lesado. Hegel fala de uma susceptibilidade devido a uma
forte individualidade. Atualmente se poderia dizer que estado que é forte pode fazer o
que bem quiser, enquanto que um estado frágil apenas pode fazer o que ele é obrigado a
fazer.
Segundo Hegel, cada estado persegue o que ele compreende como seu bem
querer, nos negócios estrangeiros do modo como os acordos os ligam aos demais
estados. Invocando uma sabedoria particular, Hegel se distancia de uma análise baseada
sobre a providência. Fazendo isto, ele comenta a oposição suposta entre a moralidade e
a política. Se Kant ensaia as harmonizar, Hegel torna supérfluo todo o esforço neste
sentido distinguindo o bem querer do estado daquele de um indivíduo.
Citando Schiller sem o nomear explicitamente, Hegel retorna sob a contingência
das relações entre os estados. Nesta importante passagem, ele afirma que a história do
mundo é o tribunal do mundo. Assinalando os limites devidos a contingência externa, os
fatores internos, tais como as paixões, os interesses privados, as capacidade finitas dos
seres finitos, Hegel direciona sua atenção sobre a diferença entre isto que ele denomina
a dialética da finitude, que sempre é limitada, e o espírito universal.
Kant, de sua perspectiva crítica, examina as possibilidades abstratas disto que ele
denomina a paz universal. Em resposta, Hegel tem razão em invocar as condições reais,
portanto históricas. Kant não está errado por dizer que a paz apenas será atingida ao
preço de se colocar sob os pés uma instituição, tal qual uma liga das nações. Porém,
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Grundlinien der Philosophie des Rehcts, §333 Anmerkung, in G.W.F. Hegel, Werke in zwanzig Bänden,
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Hegel tem razão de assinalar a dificuldade de tal tarefa. Lembremos pela memória que a
Liga, que entra em vigor em 1920, devia promover a cooperação internacional a fim de
instaurar a paz e a segurança. Mas, ela foi incapaz de impedir a agressão militar que
resultou na Segunda Guerra Mundial. A Liga cessa sua atividade durante a Guerre e foi
dissolvida em 1946. Em 1945, os representantes de 50 países redigiram a “Carta das
Nações Unidas”, que começaria a funcionar em outubro de 1945. Foi necessário, os
eventos a partir de 11 de setembro de 2001, para nos lembrar quanto é difícil para os
países trabalharem eficazmente juntos, e construir uma paz mesmo que de uma curta
duração, para não falar de uma paz universal.
Tem se acreditado erroneamente que a filosofia é indispensável para a vida da
cidade. Não é inútil adotar uma aproximação teórica fazendo abstração da vida real.
Uma tal aproximação não é inútil. Uma solução federativa para prevenir a guerra é
interessante em princípio. Mas, se ela caminha na teoria, como Hegel fazia ressaltar, na
prática a realização de um tal projeto põe dificuldades práticas formidáveis. Portanto, a
filosofia poderia se tornar ainda mais útil se compreendendo como fazendo parte de um
processo histórico de onde ela ressalta, e que ela ensaia compreender interpretando o
momento histórico ao qual ela pertence. Visar como Kant a eternidade me parece não
fazer valer todo o que pode fazer a filosofia que se compreendendo sobre o plano
histórico pode melhor contribuir.
Artigo recebido em abril de 2011
Artigo aceito para publicação em junho de 2011
Frankfurt/M. 1970.
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