ÁREAS URBANAS, USO DO SOLO E PROTECÇÃO AMBIENTAL

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VI Congresso da Geografia Portuguesa
Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
ÁREAS URBANAS, USO DO SOLO E PROTECÇÃO AMBIENTAL
José Eduardo Ventura
e-Geo – Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional/FCSH/UNL
Av. de Berna, 26C, 1069-061 Lisboa
Tel. 217908318
[email protected]
Resumo
A questão da protecção ambiental é, cada vez mais, um problema pertinente a equacionar nos
processos de planeamento urbano pelas implicações que tem na vida das populações. Temas
actuais como a alteração climática e o desenvolvimento sustentável reposicionam com destaque
esta questão. Os cenários da mudança climática e suas incertezas dificultam a previsão dos efeitos
da acção humana no funcionamento dos sistemas naturais e o desenvolvimento sustentável,
conceito banalizado na agenda política, tem como um dos seus principais pilares o ambiente.
Neste contexto, a integração da protecção ambiental e o respeito pelo funcionamento dos
sistemas naturais devem ser aprofundados na concepção de novos projectos urbanos e na
requalificação dos antigos, sem esquecer as modificações introduzidas pela acção do homem. O
rigoroso planeamento do uso do solo urbano permite mitigar os efeitos dos fenómenos extremos e
concretizar o paradigma ambiental como um dos alicerces do desenvolvimento sustentável.
Nas áreas urbanas do nosso território e em particular na AML, existem múltiplos casos de
desrespeito pela natureza, pela legislação vigente e pela segurança e bem-estar das populações.
As situações climático-hidrológicas extremas constituem um dos exemplos que tem posto em
evidência a vulnerabilidade destes territórios, resultante da inadequada ocupação do solo que, em
muitos casos, não atende aos seus condicionalismos naturais.
Nesta comunicação será feita uma reflexão sobre esta problemática, ilustrada com exemplos da
região de Lisboa.
Palavras-chave: áreas urbanas, uso do solo, protecção ambiental, região de Lisboa, inundações.
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Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
1. Introdução
As questões ambientais, nas suas variadas escalas, constituem uma problemática presente no
quotidiano da sociedade contemporânea: suscitam notícias, marcam a agenda política e
influenciam directa ou indirectamente o nosso modo de vida.
A escala global inclui questões como a depleção da camada de ozono, a perda de biodiversidade,
o crescimento da população ou a mudança climática, hoje considerada pelos media como
responsável pelos acontecimentos ligados ao tempo e ao clima que causam prejuízos por todos os
continentes.
Menos noticiados mas mais influentes no dia a dia são as condições ambientais dos espaços onde
vivemos. Não obstante a influência dos problemas globais são as condições locais, que decorrem
do modo como ocupamos e gerimos o território, que mais nos afectam. Assim, um ordenamento
que desrespeite as limitações biofísicas significa, em geral, uma utilização intensiva de energia
para suprimir os constrangimentos naturais. O ordenamento do território assente no velho
paradigma da tecnologia como solução para as limitações do meio, pressupõe um forte input
energético para implantar e manter estruturas e actividades, situação que no presente se pode
considerar sem futuro, pois os seus custos comprometem o desenvolvimento sustentável que tem
na economia e no ambiente dois dos seus pilares fundamentais.
2. As questões ambientais no ordenamento do território
De acordo com Fadigas (2007), no ordenamento territorial podemos considerar uma visão
tradicional que considera o território como suporte das actividades humanas e cujas limitações,
como referimos, eram superadas pela tecnologia disponível. Nesta fase, “a alteração do meio foi
um desafio constante para a evolução da humanidade” (ob. cit.: 91). O equilíbrio e os riscos
ambientais não eram considerados e as propostas de protecção resultavam da necessidade
assumida de preservar paisagens mais pelo seu valor cénico do que pela sua valia ambiental. Pelo
contrário, na visão actual, o conhecimento biofísico é indispensável para balizar as mudanças de
utilização do solo bem como a sua capacidade de carga. Este é o caminho para se atribuírem usos
compatíveis com as potencialidades e limitações de cada espaço, em consonância com o
funcionamento dos ecossistemas, encarando o território como “instrumento de desenvolvimento
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cujo uso contribui para a sustentabilidade de que depende a qualidade de vida das populações que
nele vivem e dele dependem” (ob. cit.: 62).
Em consequência, o conhecimento dos sistemas naturais e respectivo funcionamento devem
integrar os estudos de base dos planos de ordenamento do território, permitindo optar por
modelos de ordenamento compatíveis com o desenvolvimento sustentável. A consideração destas
questões em geral e com especial ênfase para a alteração do uso do solo, toma maior acuidade na
presente conjuntura de mudança climática. Esta, apesar do grau de incerteza existente, preconiza
uma tendência para o acréscimo da intensidade e frequência dos fenómenos extremos, com
efeitos inevitáveis no funcionamento dos sistemas biofísicos, danos nos espaços construídos e
consequente incremento da vulnerabilidade do território e respectivas populações.
Em Portugal a legislação que prevê e regula a elaboração dos planos de ordenamento territorial
tem incorporado, nas últimas décadas, as condicionantes ambientais quer enquadradas em normas
gerais através de diplomas próprios, quer nas plantas de condicionantes dos planos de
ordenamento (Pereira e Ventura, 2004(b): 248). Contudo, a implementação não tem sido fácil e
são ainda frequentes situações dissonantes com a legislação em vigor.
3. A dificuldade de implementação das normas de protecção ambiental
Para ilustrar a dificuldade de implementação das normas produzidas, tendo em vista a
salvaguarda dos sistemas naturais, podemos tomar como exemplo a aplicação da legislação em
matéria de inundações na região de Lisboa que apresentou, nas últimas décadas, uma assinalável
dinâmica de transformação do território e elevada frequência de ocorrência de inundações.
A região de Lisboa, sujeita a partir de meados do século XX a um forte crescimento
populacional, foi palco da proliferação de construções não licenciadas e de loteamentos urbanos,
muitos de génese ilegal, em que não foram consideradas as limitações ambientais existentes. Esta
população, de origem rural e de parcos recursos, chegou em busca de melhores condições de vida
desconhecendo as características dos espaços onde se instalou. Também os promotores
imobiliários ignoraram os condicionalismos existentes promovendo a valorização dos seus
empreendimentos. Como consequência verificou-se uma expansão da área construída, à mercê da
especulação, por territórios com as mais variadas vocações e condicionalismos. Como exemplos
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refiram-se os de grande aptidão agrícola, no fundo de vales e depressões onde ocorrem
inundações e as vertentes de forte declive sujeitas a deslizamentos.
Neste contexto, de ocupação desordenada do território, aumentou a vulnerabilidade das
respectivas populações, situação que se tornou especialmente evidente nos episódios de
precipitação intensa e abundante registados em Novembro de 1967 e no mesmo mês de 1983, de
que resultaram avultados prejuízos materiais e perdas de vidas humanas que se cifraram em
várias centenas de mortos em Novembro de 1967.
Após a ocorrência deste tipo de eventos, as autoridades reagem, no imediato, no sentido de
restabelecer o quotidiano as populações (realização de obras nas infra-estruturas danificadas,
realojamento, limpeza e correcção de linhas de água …) e, depois, legislando de modo a prevenir
situações semelhantes no futuro. A esta primeira fase de reacção e acção por parte das entidades
responsáveis segue-se um período de apatia “com abrandamento das medidas estabelecidas,
nomeadamente as de carácter não estrutural, de aplicação institucional mais complexa” (Saraiva,
1999: 324-325). Outro ciclo de acção é iniciado com novas ocorrências, como se verificou
aquando das inundações de Novembro de 1983.
Na sequência das inundações de Novembro de 1967, a gravidade do evento levou à tomada de
medidas pela Administração quer através de acções correctivas nas bacias hidrográficas quer do
quadro legislativo regulador do uso do solo, no sentido de disciplinar a mudança de uso e
ocupação que esteve na origem de boa parte dos danos então registados.
Em relação à evolução do quadro legal destaque-se o Decreto-Lei nº 368/71, de 5 de Novembro,
que reviu, actualizou e unificou o regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público
hídrico, definiu os conceitos de leito1, margem2 e zonas adjacente3 (prevendo a sua classificação
por Decreto-Lei) e disciplinou a ocupação dos leitos de cheia. Os terrenos privados situados nas
1
Leito é o “terreno coberto pelas águas, quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades;
integrando mouchões, lodeiros e areais nele formados por deposição fluvial”. O leito das águas fluviais é limitado pela linha
correspondente à estrema das terras que as águas cobrem em condições de cheias médias, sem transbordar para o solo
natural.
2
Margem é a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas. A margem das águas navegáveis ou
flutuáveis sujeita à jurisdição das entidades marítimas ou portuárias tem uma largura mínima de 50 metros, passando a 30
metros nas restantes águas navegáveis ou flutuáveis e a 10 metros nas águas não navegáveis ou flutuáveis.
3
Zona adjacente é a área contínua à margem classificada como tal por decreto, em virtude de se encontrar ameaçada por
cheias, até à linha alcançada pela maior cheia centenária. Até à classificação estão sujeitas ao regime de zonas adjacentes as
áreas contínuas às margens que se encontrem dentro do limite da maior cheia conhecida ou numa faixa de 100 metros quando
aquele se desconheça.
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margens do domínio público hídrico e nas zonas adjacentes ficaram sujeitos a servidões e
restrições de utilidade pública, passando as obras aí realizadas a exigir o licenciamento da
Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos (DGRAH). O mesmo passou a aplicar-se aos
licenciamentos, realização de obras e à aprovação de planos e contratos de urbanização e
expansão a realizar nas zonas adjacentes.
Após as inundações de Novembro de 1983 o Decreto-Lei nº 89/87, de 26 de Fevereiro, veio
alterar as disposições do anterior e estabelecer medidas de protecção às zonas ameaçadas por
cheias, no que respeita ao regime das zonas adjacentes, que passaram a ser classificadas por
portaria4, ficando a ocupação e utilização das margens das águas não navegáveis ou flutuáveis
sujeita à aprovação do INAG. Nas áreas adjacentes às margens ameaçadas por cheias e
classificadas por portaria, passaram a ser consideradas as áreas de ocupação condicionada e as
áreas non aedificandi, apontando-se para cada uma as práticas permitidas e as interditas. Nas
zonas ainda não classificadas como adjacentes mas dentro do limite da maior cheia conhecida ou,
quando se desconheça aquele, numa faixa de 100 metros para cada lado da linha de margem do
curso água, a aprovação dos Planos de Urbanização, contratos de urbanização, licenciamento de
operações de loteamento urbano ou Planos de Pormenor de obras ou edificações ficou dependente
de parecer vinculativo do INAG.
Outras medidas legislativas não directamente direccionadas para o problema das inundações, mas
com implicações nestas, foram entretanto produzidas. Cite-se o Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de
Julho, relativo à REN e alterado pelo Decreto-Lei nº 93/90, de 19 de Março. A REN passou a
integrar as zonas ribeirinhas, áreas de infiltração máxima, zonas declivosas e águas interiores.
Refira-se que, no âmbito destas últimas se integram os leitos dos cursos de água e as zonas
ameaçadas pelas inundações.
Em termos práticos a legislação teve poucos efeitos no ordenamento das áreas sujeitas a
inundações. A aplicação do Decreto-Lei nº 368/71 foi mínima: poucas vezes foi considerada a
faixa de protecção às linhas de água e as zonas adjacente só começaram a ser classificadas depois
da publicação do Decreto-Lei nº 89/87, ou seja alguns anos após as inundações de Novembro de
1983 que promoveram novo pacote de medidas quer correctivas quer legislativas. As próprias
zonas adjacentes, publicadas em Portaria, foram delimitadas por defeito, face às resistências
4
Na sequência do Decreto-Lei nº 89/87 foram publicadas as portarias com as zonas adjacentes das ribeiras da Laje,
Vinhas, Jamor e Colares.
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resultantes dos condicionamentos que impõem a diversas actividades, com especial relevo para a
urbanização (Saraiva, 1999).
Apesar das restrições públicas a que ficaram sujeitas as áreas inundáveis com a integração na
REN (obrigatoriamente identificadas em todos os instrumentos de planeamento que definem a
ocupação física do solo), a sua desafectação tem sido comum nas áreas urbanas e nas suas
periferias urbanizáveis (Pereira e Ventura, 1994a). A gravidade deste processo levou à publicação
em 1998 do Decreto-Lei nº 364/98, de 21 de Novembro, da responsabilidade do MEPAT, que
prevê a obrigatoriedade de elaborar a “carta de zonas inundáveis” nos perímetros urbanos
atingidos por cheias. Nestes devem ser demarcadas, em escala adequada, as áreas com risco de
inundação, devendo esta informação ser considerada nos Planos Municipais de Ordenamento do
Território (PMOT), o que permite repor esta condicionante, indispensável na definição do uso do
solo, em especial nas áreas urbanas onde causa avultados prejuízos materiais e, por vezes, mesmo
humanos. Também este diploma, não obstante o prazo de 18 meses estabelecido para a sua
aplicação, teve pouca aplicação apesar de estar em vigor desde19985.
4 . Exemplos da implementação das medidas legislativas referentes aos riscos de inundação
No processo de transformação do uso do solo este deve ser considerado não só suporte de usos e
actividades, mas também como recurso estratégico que pode potenciar o desenvolvimento
sustentável da região. Embora depois da Revolução Industrial o Homem tenha passado a dispor
de tecnologia que lhe permite interferir e modificar o ambiente, em função das suas necessidades,
é preciso não esquecer os custos directos e indirectos destas modificações. É aqui que o
conhecimento dos sistemas naturais se revela fundamental, possibilitando planear a interferência
do Homem de modo a não destabilizar o seu funcionamento, permitindo estabelecer “os
parâmetros de referência para a definição da sensibilidade, das limitações e das potencialidades
do território, face aos usos existentes e às transformações de uso que se podem propor” (Fadigas,
2007: 95).
5
Em matéria de protecção em relação às inundações refiram-se, também, a Lei de Bases da Política de
Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei 48/98) que prevê “a protecção civil da população, prevendo os
efeitos decorrentes de catástrofes naturais ou da acção humana” e o próprio EDEC (Esquema de Desenvolvimento
do Espaço Comunitário) que refere a necessidade das decisões relativas ao desenvolvimento territorial terem em
conta potenciais riscos das inundações.
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Como foi dito, na região de Lisboa houve dificuldades na implementação das medidas
legislativas em matéria de protecção das zonas inundáveis. O crescimento urbano da área
metropolitana levou, um pouco por toda a região, ao aumento das expectativas de obtenção de
mais valias com a passagem do uso rural ao uso urbano dos solos. Saliente-se o “apelo” para
urbanizar as áreas planas, muitas correspondendo a leitos de inundação, onde é mais fácil e
menos dispendiosa a construção de infra-estruturas.
O quadro legal prevê, como vimos, a consideração do risco de inundação no ordenamento do
território. Razões várias, de que se destacam quer as dificuldades de implementação quer as
restrições que este tipo de limitação produz na ocupação do espaço, têm levado a que as regras
estabelecidas tenham forte défice de aplicação. A região de Lisboa é hoje um palco onde se
podem encontrar situações de ordenamento do território com a implementação da lei em graus
muito diversos de que apresentamos dois exemplos.
O Município da Amadora
Tendo em conta a obrigatoriedade prevista no Decreto-Lei nº 364/98, de 21 de Novembro, este é
um dos municípios em que este diploma foi aplicado tendo-se procedido à elaboração da “carta
de zonas inundáveis”.
A carta de zonas inundáveis do Município da Amadora (fig.1) teve como finalidade responder ao
requisito legal do DL 364/98 e complementar a Planta de Condicionantes, no sentido de restringir
a ocupação das áreas inundáveis a formas que não sejam susceptíveis de por em perigo a
segurança de pessoas e bens. Na delimitação das zonas inundáveis foram considerados os registos
cartográficos das inundações de 1983 – referência de uma situação real em que o risco foi
comprovado (não corresponde, contudo, à maior inundação conhecida) e o buffer de 100 metros a
partir das linhas de água (conforme o previsto no DL 364/98). Foram definidas como classes de
ocupação as Zonas inundáveis (limite da inundação de 1983) – com interdição ou forte
condicionamento à ocupação e as Zonas com risco potencial de inundação correspondentes ao
buffer dos 100m – com ocupação compatível com este risco e minimizadora de prejuízos.
Apesar de grande parte do município estar urbanizado e com núcleos antigas em locais sujeitos a
inundações, como se comprovou em Novembro de 1967 e de 1983, a Amadora tem na expansão
urbana recente uma gestão do uso do solo consentâneo com o risco de inundação.
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Figura 1 – Carta das Zonas inundáveis do Município da Amadora.
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Esta compatibilização entre risco e uso levou à construção de diversos parques urbanos em leito
de cheia de que são exemplos: o Parque Aventura (ribeira da Falagueira), o Parque da Ribeira
(ribeira de Algés) (fig. 2), o Parque Ilha Mágica do Lido (ribeira de Carenque) e o Parque do
Zambujal (ribeira de Algés) (fig. 3).
N
N
ODIVELAS
SINTRA
LISBOA
OEIRAS
0
1000 metros
Meters
troço da Ribeira de Algés
Espaços Verdes
0
metros
100 Meters
Figura 2 - Parque da Ribeira
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N
N
N
ODIVELAS
SINTRA
LISBOA
OEIRAS
0
1000 metros
Meters
troço da Ribeira de Algés
Espaços Verdes
0
60 metros
Meters
Figura 3 – Parque do Zambujal
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A vila de Alenquer
Outro exemplo digno de referência é o da evolução da ocupação do solo na Vila de Alenquer, a
Norte de Lisboa. Esta vila, segundo Paviani (1968), divide-se em parte alta, construída na colina
e parte baixa, junto à ribeira. A primeira corresponde ao núcleo mais antigo que se estendeu até à
base da vertente e a segunda à extensão do povoado para a estreita faixa plana que margina a
ribeira, de melhor acessibilidade e proximidade ao abundante caudal mas, desde sempre, sujeita a
inundações (fig.4).
E
A
B
D
C
Figura 4 – A vila de Alenquer em 2004 (?) (Google Earth). A jusante (canto inferior direito) é
visível, em cor clara, os sectores da várzea com aterro, utilizados nesta fase para estacionamento e
realização de mercados/feiras.
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Os episódios mais recentes correspondem às grandes inundações da região de Lisboa (Novembro
de 1967 e Novembro de 1983). Para o primeiro destes, o de maior magnitude, Paviani (1968)
refere uma subida da água da ordem de 3 a 4 metros que afectou não só os pisos térreos, onde se
localizava o comércio, mas também o piso superior, geralmente de habitação (ob cit.:41).
Nas últimas décadas o crescimento da área urbana fez-se, no essencial, a partir dos núcleos
próximos, fora do vale encaixado, onde a topografia menos acidentada favoreceu a urbanização.
Contudo, houve mudanças na ocupação do fundo inundável, sobretudo a jusante da vila. Aí foi
preservado um espaço livre de construções utilizado, durante décadas, para estacionamento e
realização da feira e mercado mensal. Entretanto, este espaço (em leito de cheia) foi ocupado pelo
edifício do tribunal (assinalado como A na figura 4), no final do século passado. As funções deste
espaço foram então transferidas mais para jusante, para lá da estrada nacional (assinalada como B
na figura 4) para a várzea agrícola, que foi transformada em espaço público, numa mudança de
utilização compatível com o risco de inundação existente. Esta ocupação na margem direita da
ribeira (assinalada como C na figura 4) estendeu-se para jusante ao longo da margem esquerda
(assinalada como D na figura 4). Ao longo do tempo, o aterro da margem direita da ribeira foi,
em parte, ocupado por pavilhões de exposição e, na sua periferia, por prédios, com comércio no
piso térreo e de habitação nos pisos superiores (fig. 5).
Em 2007 estão em curso um conjunto de intervenções nas margens da ribeira sendo visíveis
novas mudanças na ocupação do leito de inundação. Enquanto dentro da vila decorrem obras de
requalificação do sector ribeirinho (figuras 6, 7 e 8), a montante da vila tem-se verificado a
desocupação do leito de inundação, em parte graças à demolição de antigos armazéns e fábricas
desactivados (figuras 9, 10 e 11) e a jusante desta procede-se, actualmente, a nova reconversão
quer do espaço público (em leito de inundação) onde, até há pouco, se realizava o mercado quer
ocupando a restante várzea agrícola na margem esquerda da ribeira (assinalada como E na figura
4). Esta reconversão inclui a construção do edifício destinado ao Centro de Saúde (dentro do
sector assinalado como D na figura 4) e um parque urbano (ocupando espaços dos sectores C e D
e todo o sector E assinalados na figura 4) de que se mostram imagens nas figuras 12, 13 e 14.
Esta mudança de uso do solo, a jusante da vila, levou a nova transferência do local de realização
do mercado, agora deslocado para os novos espaços desocupados a montante da vila (figuras 9,
10 e 11).
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Figura 5 – Vista a jusante da vila de Alenquer da antiga várzea agrícola na margem direita da
ribeira.
Figura 6 – Requalificação da ribeira e espaço envolvente dentro da vila de Alenquer.
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Figura 7 – Idem figura 6.
Figura 8 - Idem figura 6.
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Figura 9 – Espaços libertos de construção a montante da vila (mercado mensal e estacionamento).
Figura 10 – Idem figura 9.
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Figura 11 – Espaços actualmente desocupados a montante da vila (mercado mensal,
estacionamento…).
Figura 12 – Edifício do Centro de Saúde, em leito de cheia, a jusante da vila de Alenquer.
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Figura 13 – Espaço do parque urbano junto ao edifício do Centro de Saúde na margem esquerda são visíveis os aterros, um edifício em construção e o pavimento já colocado nalgumas faixas.
Figura 14 – Pormenor do aterro na margem esquerda da ribeira a jusante da vila de Alenquer
(sector assinalado como E na figura 4). Pode ver-se a altura do aterro sobre a antiga várzea.
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Em resumo, podemos concluir que a jusante da vila se tem dado uma progressiva apropriação dos
terrenos agrícolas da várzea, transformados em espaço público, numa mudança de uso compatível
com o seu risco de inundação. Ressalve-se que, depois desta mudança inicial, alguns sectores têm
sido utilizados para construção nomeadamente para edifícios públicos como o Tribunal e o
edifício em construção destinado ao Centro de Saúde. Assim, concluí-se, que as mudanças
operadas a jusante apresentam, nalguns casos, uma ocupação nem sempre consentânea com o
risco existente, com construção de edificações sujeitas a danos em situação de inundação, de que
se destacam as instalações do futuro Centro de Saúde, unidade cuja operacionalidade é
fundamental em situação de catástrofe o que é incompatível com esta localização, numa área com
risco de inundação, de difícil acesso em situação de cheia e em total desacordo com a legislação
vigente. A montante a evolução recente tem compatibilizado o uso com o risco de inundação,
com desobstrução do leito, em resultado da demolição de antigas construções aí existentes.
Contudo, face aos “sinais” resultantes das mudanças de uso de alguns sectores da várzea a jusante
da vila, fica a dúvida relativamente a esta evolução recente. A actual compatibilização do uso
com o risco não será uma situação transitória que antecede a construção de infra-estruturas e
edificações vulneráveis ao risco de inundação do local e em desrespeito pela legislação vigente?
5 - Nota Final
As questões ambientais, tradicionalmente deixadas para segundo plano no ordenamento do
território, são, cada vez mais, objecto de estudos prévios que permitem a sua consideração e
integração nos planos de ordenamento territorial. Esta nova atitude, consignada na legislação,
contribui para diminuir a vulnerabilidade das novas áreas urbanas e consequentemente minimiza
os prejuízos decorrentes de situações climato-hirológicas extremas, nomeadamente nas situações
de inundação que aqui foram referidas como exemplo.
As inundações em meio urbano, além dos transtornos à circulação pedonal e viária, são causa de
elevados prejuízos materiais pelo alagamento de pisos térreos e de caves. Contudo, de
consequências mais graves, que incluem perdas de vidas humanas, são as que resultam das cheias
de pequenos cursos de água que percorrem áreas urbanas, como acontece em algumas cidades e
vilas da região de Lisboa.
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Na sequência de episódios de chuva intensa, com duração de algumas horas (que corresponde ao
tempo de concentração da cheia em grande parte destas pequenas bacias) muitos cursos de água
da região entram em situação de cheia, transbordando e invadindo as áreas urbanas que se
desenvolveram nos seus leitos de inundação. Estas situações causam inúmeros prejuízos em
função da altura das águas, sua impetuosidade e tipo e quantidades de materiais que transporta.
As inundações representam, assim, um forte constrangimento ao uso urbano do solo, pelo que o
planeamento deste tipo de ocupação deve ter em conta esta condicionante e atribuir-lhe usos
consentâneos, precavendo situações como as vividas em Novembro de 1967 e de 1983.
Em matéria de áreas com risco de inundação, não obstante a legislação produzida nas últimas
décadas, no sentido de limitar e/ou proibir a construção nas áreas com este tipo de risco, verificase que persistem problemas antigos, e que estes se repetem nalguns espaços urbanos recentes.
Apesar da legislação impor fortes restrições ao uso do solo nas áreas inundáveis, a sua ocupação
para uso urbano tem continuado a aumentar. Aliás, a própria comunicação social tem feito eco
das preocupações que resultam desta situação.
Na sua edição de 7 de Dezembro (2007) o Semanário veiculava os resultados de um relatório da
OCDE que, tendo em conta variáveis como a população, as alterações climáticas e a economia,
traçou cenários de evolução para um numero alargado de cidades portuárias. O relatório conclui
que Lisboa integra o conjunto de cidades que irão correr “sérios riscos de inundação”. A notícia
deixava o alerta para a gravidade das consequências, relacionadas com a ocorrência de uma cheia
com um período de retorno de 100 anos (cheia centenária) no presente e no futuro. Na situação
actual seriam afectadas 40.000 pessoas e em 2070, face à evolução prevista, este número
ascenderia a 90.000 pessoas.
Na região de Lisboa e um pouco por todo o país a “vontade das forças locais” continua, muitas
vezes, a sobrepor-se à legislação. A falta de implementação desta, mais do que as suas omissões,
é um obstáculo ao eficaz ordenamento territorial. Em consequência, impõe-se uma profunda
mudança por parte dos agentes que intervêm no ordenamento do território que, em nossa opinião,
devem ter em conta a necessidade de:
•
Investir na formação dos agentes que formulam e aprovam os planos;
•
Encontrar mecanismos que permitam uniformizar os critérios de aplicação prática da
legislação;
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•
Ter em conta o conhecimento empírico das populações acerca do funcionamento dos
sistemas naturais;
•
Incentivar a participação pública: informando, auscultando e fomentando a intervenção
dos interessados na procura de soluções compatíveis com os interesses da população;
•
Penalizar/desvalorizar as intervenções/construções em desconformidade com a lei;
•
Promover uma cultura de elaboração de legislação considerando a sua viabilidade de
implementação.
Tudo isto tendo em conta que o conhecimento dos sistemas ambientais, sua protecção e
manutenção do seu regular funcionamento, são indispensáveis para tornar as áreas urbanas
ambientalmente sustentáveis e evitar o incremento da vulnerabilidade das respectivas populações.
A regulação do uso do solo é uma ferramenta indispensável no processo de ordenamento do
território, na medida em que permite promover a valorização de cada parcela atribuindo-lhe um
uso compatível com as suas limitações e potencialidades.
Bibliografia:
AMARAL, I. (1968), As inundações de 25/26 de Novembro de 1967 na região de Lisboa,
Finisterra, nº 5, Lisboa, p. 79-84.
FADIGAS, L. (2007), Ordenamento do território e da paisagem, Edições Sílabo, Lisboa.
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