relato de caso - Associação Catarinense de Medicina

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ISSN (impresso) 0004- 2773
ISSN (online) 1806-4280
RELATO DE CASO
Síndrome de Plummer-Vinson: diagnóstico diferencial de disfagia
Plummer-Vinson Syndrome: differential diagnosis of dysphagia
Marcos Frata Rihl1, Pauline Michelin1, Rafael Sartori Balbinot1, Jonathan Soldera2, Silvana Sartori Balbinot3,
Raul Angelo Balbinot3, Andreza Gautério Cavalcanti4
Resumo
and membranes in the upper esophagus and esophageal
contrasted X-ray found strictures in the upper esophagus
compatible with Plummer-Vinson Syndrome. It’s a rare
disease and its incidence has been declining nowadays.
It’s treated with iron replacement and, in some cases,
membrane rupture through endoscopy.
Disfagia é um sintoma de alarme que demanda investigação, podendo sua maior caratcterização auxiliar
no diagnóstico diferencial. Descreve-se o caso de um
paciente do sexo masculino de 58 anos, com história
de disfagia para sólidos há cerca de três meses. Investigação com endoscopia digestiva alta evidenciou anéis
e membranas em esôfago superior e a radiografia contrastada de esôfago revelou estreitamentos em esôfago
superior compatíveis com Síndrome de Plummer-Vinson. Essa patologia é rara e em declínio nos dias atuais.
E seu tratamento é feito com suplementação de ferro e,
em alguns casos, ruptura das membranas por meio de
endoscopia.
Keywords: Deglutition disorders. Iron-deficiency anemia.
Plummer-Vinson Syndrome.
Introdução
Disfagia é definida como qualquer dificuldade de
deglutição (1-3). É um sintoma esofágico comum: aproximadamente um em cada cinco pacientes com mais de
50 anos referem esse sintoma em estudos epidemiológicos (1,2). É um sintoma de alarme, indicando a necessidade de imediata investigação para definir sua causa e
planejar tratamento (4).
Descritores: Transtornos da deglutição. Anemia ferropri­
va. Síndrome de Plummer-Vinson.
Abstract
O objetivo deste relato de caso é descrever um caso
de disfagia com diagnóstico final de Síndrome de Plummer-Vinson, explorando o diagnóstico diferencial deste
sintoma.
Dysphagia is a red-flag symptom that requires investigation. Its characterization might aid in differential diagnosis. It’s described a case of a 58-year-old male patient
with an history of solid food dysphagia for about three
months. Upper gastrointestinal endoscopy showed rings
Relato de Caso
Paciente do sexo masculino, 58 anos, procura atendimento por disfagia intermitente para alimentos sólidos de início há cerca de três meses. Nega perda ponderal ou outros sintomas associados. Exames laboratoriais
sem anemia (hemoglobina 14,3 mg/dL) ou sideropenia
(ferro 166 μg/dL, ferritina 632,5 ng/dL, índice de saturação da transferrina 50,3%).
1. Acadêmicos da Faculdade de Medicina da Universidade de Caxias do Sul.
Serviço de Gastroenterologia, Hepatologia e Endoscopia Digestiva do Hospital Geral de Caxias do Sul.
2. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Caxias do Sul. Mestrando em Hepatologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre. Serviço de Gastroenterologia, Hepatologia e Endoscopia Digestiva do Hospital Geral de Caxias do Sul.
3. Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Caxias do Sul. Doutorado em Gastroenterologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Serviço
de Gastroenterologia, Hepatologia e Endoscopia Digestiva do Hospital Geral
de Caxias do Sul.
Foi prosseguida a investigação com endoscopia digestiva alta evidenciando anéis (Figura 1) e membranas
(Figura 2) em esôfago superior. Foi feito biópsias da
mucosa esofágica, que revelaram esofagite crônica ativa moderada. Complementação com radiografia de esô-
4. Médica residente do Serviço de Gastroenterologia, Hepatologia e Endoscopia Digestiva do Hospital Geral de Caxias do Sul. Medicina Interna pelo Hospital Geral de Caxias do Sul.
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Síndrome de Plummer-Vinson: diagnóstico diferencial de disfagia
fago contrastada com bário demonstrou na transição
faringoesofágica área de redução do calibre em parede
anterolateral esquerda, com estenose distal e dilatação
proximal, compatíveis com membrana faríngea e, então,
Síndrome de Plummer-Vinson (Figura 3).
Pesquisar manifestações associados à disfagia pode
ajudar a apontar um diagnóstico específico. Questionar
a presença de odinofagia, regurgitação nasal ou regurgitação logo após ou tardiamente à deglutição, desordens
do sistema nervoso central ou neuromuscular, perda de
peso, anemia e tosse é importante (2).
O paciente foi investigado para sangramento, malignidade e doença celíaca, os quais foram afastados.
Realizou-se procedimento endoscópico para ruptura
das membranas, com resolução da disfagia.
O exame físico pode providenciar pistas da causa da disfagia, particularmente ao identificar sinais de
disfunção neuromuscular em pacientes com disfagia
orofaríngea. Peso e estado nutricional podem sugerir a
duração da doença e severidade. O exame de cabeça e
pescoço pode revelar linfonodomegalia, tireoidomegalia, massas de pescoço ou orofaríngeas e evidência de
cirurgias prévias de cabeça e pescoço ou radioterapia.
Fasciculação muscular, fraqueza ou miastenia gravis e
um exame neurológico pode revelar disfunção motora
ou sensorial focal sugestivo de acidente vascular encefálico. Evidência de escloroderma pode apontar para
disfunção esofágica em pacientes com disfagia (2,3).
Exames laboratoriais após um mês da alta revelaram
anemia (hemoglobina 12,6 mg/dL) normocítica (volume
corpuscular médio de 93,5 fentolitros) normocrômica
(concentração de hemoglobina corpuscular média de
34,9 g/dL). Após acompanhamento em seis meses, paciente nega qualquer sintoma de disfagia.
Discussão
Uma anamnese cuidadosa é a pedra angular para a
investigação de um paciente com disfagia, podendo determinar a causa em mais de 80% das vezes (1). A história
ajuda a distinguir disfagia de odinofagia (dor ao deglutir) e sensação de globus (sensação de um caroço na garganta, mas sem dificuldade de deglutição), que possuem
diagnósticos diferenciais e investigação diferente (3).
A tríade clássica de disfagia, membranas supra-esofágicas e anemia ferropriva é conhecida como Síndrome
de Plummer-Vinson (SPV) nos na literatura americana e
Síndrome de Paterson-Brown Kelly na literatura britânica (5,10). O termo disfagia sideropênica também tem sido
utilizado (10,11).
Dois pontos-chave da história é diferenciar disfagia
orofaríngea de disfagia esofágica e diferenciar a causa
em disordem de função motora (causa funcional) ou estreitamento mecânico (causa mecânica) (1,2).
Nos EUA, assim como no Brasil, dados de prevalência confiáveis são escassos. A síndrome é atualmente
uma raridade, e a queda rápida da sua prevalência no
final do século vinte foi paralelo a uma melhora do estado nutricional, incluindo adição de ferro na farinha (12).
Apesar de rara, o diagnóstico é importante, pois identifica um grupo de pacientes com risco aumentado de
carcinoma epidermóide de faringe e esôfago (11, 13). A
síndrome foi descrita principalmente em brancos, sendo mais frequentemente observada em mulheres (em
estudo recente na Escandinávia, até 90% dos casos
ocorreu em mulheres). A idade típica do diagnóstico é
entre 40 e 70 anos, mas existem casos diagnosticados
em crianças (10, 13,14).
A disfagia orofaríngea se refere à dificuldade da passagem do alimento da boca para o estômago e é também chamada de disfagia de transferência, geralmente
acompanhada de tosse e regurgitação nasal durante a
refeição, ocorrendo logo após a deglutição. A maioria
dos casos envolve alteração da função motora.
A disfagia esofágica se refere à desordem da passagem do alimento do esôfago superior para o estômago,
geralmente com o paciente referindo que o alimento
tranca na região subesternal ou epigástrica. Pode se
associar à dor torácica, regurgitação tardia ou odinofagia. A maioria dos casos envolve tanto causas motoras
quanto mecâncias (1,2).
O substrato fisiopatológico permanece especulativo. Mecanismos etiopatogênicos postulados incluem
deficiências nutricionais e de ferro, predisposição genética e fatores autoimunes. A melhora da disfagia após
a reposição de ferro e melhora do estado nutricional
(incluindo suplementação de ferro) fornece evidência
para a associação entre deficiência de ferro e disfagia
pós-cricoidea. No entanto, estudos populacionais não
mostraram associação entre disfagia pós-cricoidea e
anemia ou sideropenia (15). Mesmo assim, a teoria da
deficiência de ferro não explica a predileção das membranas pelo esôfago superior e a raridade da síndrome
Uma vez que disfagia esofágica é suspeitada, determinar a consistência dos alimentos que produzem
a disfagia (sólidos, líquidos ou ambos) e a progressão
temporal dos sintomas ajuda a diferenciar causas funcionais de mecânicas. Disfagia por ambos sólidos e líquidos desde o início dos sintomas sugere desordem
funcional, enquanto que disfagia por apenas sólidos
ou progressiva de sólidos para líquidos sugere causa
mecânica (1,3).
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co aumentado de carcinoma de células escamosas de
faringe e esôfago em pacientes com SPV, os pacientes
devem ser acompanhados anualmente com EDA, no entanto o benefício desta conduta ainda não foi confirmada (14).
em populações em que deficiência crônica de ferro é
endêmica (leste e centro africano). Apesar de pouca
aceitação, a SPV também tem sido vista como um fenômeno auto-imune, pois tem sido associada com artrite
reumatoide, anemia perniciosa, doença celíaca e tireoidites em alguns estudos (10-13).
Conclusão
Quanto as suas manifestações clínicas, a disfagia é
tipicamente intermitente e limitada a sólidos e é geralmente sentida no nível da garganta. Crises de engasgos e aspiração podem ocorrer devido à localização
proximal da membrana. Fraqueza, fadiga e dispneia são
secundárias à anemia ferropriva e perda de peso é incomum. No exame físico, manifestações da deficiência
de ferro (com ou sem anemia) podem ser evidentes, incluindo queilite angular, glossite, coiloniquia e palidez
(16-18)
. Esplenomegalia, ausência de dentes e aumento
nodular da tireoide foram descritos em alguns pacientes com SPV (10-14).
A SPV, portanto, deve ser considerada nos diagnósticos diferenciais de disfagia e deve-se lembrar que pode
estar presente mesmo na ausência de sideropenia.
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O diagnóstico é baseado na evidência de deficiência
de ferro e uma ou mais membranas em paciente com
disfagia pós-cricoidea. No entanto, anemia ferropriva,
sideropenia ou história de anemia nem sempre está presente (12% em um estudo com setenta e dois pacientes), como foi a apresentação deste caso(13). Membranas
esofágicas podem ser detectadas por esofagografia com
bário, mas o melhor método é a videofluoroscopia(13). As
membranas também podem ser detectadas por endoscopia digestiva alta (EDA), cuja aparência é acinzentada,
fina e lúmen é mais comumente excêntrico, embora por
vezes central. O contraste com bário pode detectar a
membrana, que caracteristicamente aparece como uma
fina projeção antero-posterior da parede esofágica na
região pós-cricoide. A membrana é melhor visualizada
em perfil. Exames laboratoriais são solicitados para verificar deficiência de ferro, com ou sem anemia microcítica hipocrômica: hemograma e estudos do ferro (ferro
sérico, capacidade total de ligação de ferro, ferritina,
saturação de ferro) (10, 14).
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O prognóstico é excelente. Questões de morbidade
se relacionam primariamente à modificação de dieta e
às dilatações esofágicas repetidas (com pequeno risco
de perfuração) em pacientes com SPV com disfagia recorrente. No entanto, nos casos associados a carcinoma
de células escamosas de faringe e esôfago, o prognóstico piora dramaticamente (10).
11.Larsson LG, Sandstrom A, Westling P. Relationship
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O tratamento da síndrome deve iniciar com a avaliação da anemia, excluindo hemorragia, malignidade ou
doença celíaca. A suplementação com ferro é capaz de
resolver a disfagia em muitos pacientes (14, 19). Em alguns
casos pode haver necessidade de ruptura das membranas por meio de endoscopia (14,20-22). Como existe um risArq Catarin Med. 2014 jul-set; 43(3): 62-65
13.Chisholm M. The association between webs, iron
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Síndrome de Plummer-Vinson: diagnóstico diferencial de disfagia
Figura 1 – Anéis esofágicos visualizados em esôfago
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14.Hoffman RM, Jaffe PE. Plummer-Vinson syndrome.
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Figura 2 – Visualização de membrana durante
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Figura 3 – Radiografia contrastada de esôfago
evidenciando estenose em terço superior do esôfago,
visão lateral.
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