VOLUME I

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ISBN 978-85-8015-054-4
Cadernos PDE
VOLUME I
Versão Online
2009
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS
DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
CANÇÕES DO BRASIL À LUZ DA SEMIÓTICA
Suzyanne Dantas dos Santos1
Luiz Carlos Migliozzi2
Resumo
Parcelas expressivas de profissionais ligados à educação, instigados pela
necessidade de produzir novas pontes de comunicação com os alunos, passaram a
refletir criticamente sobre suas práticas educativas. Mais do que isso, como que
tateando outros caminhos, vêm buscando incorporar aos recursos utilizados em
classe, outros além dos habituais.
A canção, por se tratar de um espaço de elaboração discursiva que engloba um
amplo domínio das relações humanas, identidades e visões de mundo, com grande
circulação, tem sido evidenciada por um número crescente de trabalhos
desenvolvidos sob diferentes perspectivas. Uma boa música pode proporcionar,
além da fruição, o desenvolvimento das capacidades de leitura, exercendo um papel
importantíssimo na formação do leitor e do ser humano. Ela é a um só tempo o
objeto e o veículo de discussões sobre questões raciais, sociais, culturais e
econômicas.
O desafio deste trabalho foi, portanto, propor novas possibilidades estratégicas de
leitura, compreensão e entendimento de canções da MPB. Para este fim utilizamos a
Semiótica, teoria ancorada nos trabalhos do linguista francês A.J. Greimas que não
visa a apenas demonstrar o que um texto diz, mas descrever as diferentes
estratégias empregadas na construção dos efeitos de sentido que nele se
manifestam.
PALAVRAS-CHAVE: LEITURA; CANÇÃO; SEMIÓTICA
1
2
Docente de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Educação do Paraná. Participante do Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE, vinculado à Universidade Estadual de Londrina – UEL..
Docente do departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de Londrina – UEL.
2
Morre lentamente quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música”
Pablo Neruda
1 Introdução
A leitura é um instrumento essencial na formação do indivíduo. Faz-se,
portanto, necessário que professores, pesquisadores e estudiosos conheçam
caminhos para propiciar a tão sonhada leitura transformadora, crítico-reflexiva.
A Música Popular Brasileira pode ser uma poderosa aliada do professor nesse
complexo processo de lapidação de leitores, já que a influência da música no
cotidiano e no imaginário das pessoas é indiscutível. Ela pode, de uma maneira
prazerosa e estimulante, levar o aluno à reflexão e à criticidade, essenciais à
formação de um leitor competente.
Apontada como facilitadora desse processo, a Teoria Semiótica da Escola de
Paris, de Algirdas J. Greimas, ocasionou o nascimento de uma teoria, cuja eficiência,
na
atualidade,
proporciona
novas
possibilidades
estratégicas
de
leitura,
compreensão e entendimento de textos verbais e não-verbais.
Na esteira das teorias da significação, a Semiótica explora o sentido que
atravessa o texto, procurando descrever, analisar e explicar sua estrutura interna,
elucidando os percursos que o sentido desenvolve em relação a níveis de
estruturação, para desvendar mecanismos e conexões nas informações implícitas
ao longo do texto.
Um dos propósitos do projeto que gerou este artigo foi o de expor,
principalmente ao docente de Língua Portuguesa, a viabilidade da teoria de
Greimas, tendo em vista sua aplicação prática e eficaz na análise de textos diversos
e na emancipação do indivíduo letrado.
Entendemos que um indivíduo para ser considerado letrado não deve apenas
saber ler e escrever, mas usar socialmente a leitura e a escrita, adaptando-as às
demandas sociais.
2
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica, ao discorrerem sobre a prática
da leitura em sala de aula afirmam que:
Trata-se de propiciar o desenvolvimento de uma atividade crítica que
leva o aluno a perceber o sujeito presente no texto e, ainda, tomar uma
atitude responsiva diante deles. Sob esse ponto de vista, o professor
precisa atuar como mediador, provocando os alunos a realizarem leituras
significativas, deve dar condições para que o aluno atribua sentido a sua
leitura, visando um sujeito crítico e atuante nas práticas de letramento da
sociedade (p. 71).
Os próprios PCNs, orientadores dos docentes em suas práticas didáticopedagógicas, trazem desde sua publicação pelo Ministério da Educação em 1998,
encaminhamentos de ensino da leitura, intitulado ”prática de escuta de textos orais e
leitura de textos escritos” cujo objetivo é explicitado no próprio documento (p.33):
“analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio, desenvolvendo a
capacidade de avaliação de textos...”
Já na década de 70, os eventos científicos na área de linguagem incluíram
em suas programações trabalhos sobre teorias interacionistas. Mais de trinta anos
se passaram, e essas teorias tornaram-se cada vez mais presentes na literatura
específica voltada para o docente de língua, mas o que vemos é que tal literatura
ainda está muito restrita à área acadêmica, na prática nossas escolas continuam
com conceitos ultrapassados, via-de-regra não se ultrapassa a fase de leitura como
decodificação.
Sente-se cada vez mais intensamente a necessidade de as escolas
de ensino fundamental e médio caminharem em busca de parâmetros e
suportes teóricos seguros e, sobretudo, práticas pedagógicas que
efetivamente possam contribuir para o processo de letramento de seus
alunos, obviamente dentro dos limites e possibilidades que envolvem o
ensino. (SOARES 2001:67)
Assim sendo, a escola, principal agência de letramento que se conhece, não
pode negligenciar, nem recalcitrar ante sua responsabilidade de tornar seus alunos
leitores dos mais diferentes gêneros textuais, que não apenas circulam na
sociedade, mas cujo domínio se torna a chave de acesso aos bens culturais e
econômicos.
E o professor, formador de leitores, necessita ter ele próprio desenvolvido suas
estratégias de leitura, necessita ter domínio de teorias linguísticas e cognitivas do
ato de ler para poder nortear suas atividades didático-pedagógicas. Sem essa visão
abrangente da complexidade do trabalho com a leitura, não conseguirá “promover
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nos alunos a utilização de estratégias que lhe permitam interpretar e compreender
autonomamente os textos escritos” (SOLÉ, 1998, p. 17)
Se considerarmos a imagem do desconhecimento do aluno quanto ao uso da
língua padrão, detectada, por exemplo, nos exames nacionais oficiais, que visam
avaliar o desempenho escolar do ensino básico ao superior, deparamo-nos com a
questão de que mesmo a própria escola, muitas vezes mantém uma abordagem
metodológica equivocada em relação ao ensino de língua portuguesa, seja por
razões ideológicas, que asseguram a sobrevivência de uma tradição estritamente
metalinguística de ensino, seja por comodidade, desconhecimento, ou ainda por
uma questão de natureza ideológica.
Se concordamos com as diretrizes de que somente uma leitura aprofundada,
em que o aluno é capaz de enxergar os implícitos, permite que ele depreenda as
reais intenções que cada texto traz e se torne um leitor autônomo, temos que admitir
que há uma urgente necessidade de mudança.
2. Fundamentação teórica
Elegemos a Teoria Semiótica para embasar esse trabalho por entendermos que
esta estabelece um procedimento metodológico de análise bastante coerente,
possibilitando-nos a apreensão de efeitos de sentido dos textos com base na
descrição de seus mecanismos internos.
A Semiótica ocupa-se em esclarecer “o que o texto diz e como faz para dizer
o que diz” (BARROS, 2005,p.7), o que significa dizer que o semioticista faz a análise
interna do texto. É na estrutura interna do texto que a semiótica explica o seu dizer,
valendo-se dos procedimentos da própria organização textual e dos mecanismos
enunciativos, que relacionam produtor e receptor do texto para descrever e explicar
o que se diz e como se faz esse dizer.
Todo texto alia um plano de conteúdo veiculado por meio de um plano de
expressão. Na canção popular, esse plano de expressão é melódico, ou seja, a
canção popular é um texto sincrético em que tanto o conteúdo quanto expressão
supõem relação interna entre os elementos que o constituem como um todo de
sentido.
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A Semiótica parte do princípio de que os textos possuem uma estrutura lógica
subjacente geral. Assim apesar de possuírem estruturas superficiais específicas,
eles possuem esquemas de organização interna comuns. Ao identificar tais
elementos entre os textos, a semiótica cria um procedimento metodológico que pode
ser aplicado a qualquer texto, voltando-se para o modo como o texto constrói aquilo
que diz.
Uma análise semiótica não visa a apenas demonstrar o que um texto diz, mas
descrever as diferentes estratégias empregadas na construção dos efeitos de
sentido que nele se manifestam, sua visão de mundo.
A Semiótica “se interessa por tudo que faça sentido para o ser humano.
Herdeira de Saussure e de Hjelmslev, não toma a linguagem como sistema de
signos, e sim como sistema de significações, ou melhor, de relações, pois a
significação decorre da relação” (Barros, 2005, p. 13) e, também no fato de a
concepção metodológica do Percurso Gerativo de Sentido, proposta por Greimas,
permitir que se analise os mais variados discursos-políticos, religiosos, obras de
arte, propagandas, letras de músicas - enfim, todo e qualquer produto cultural
passível de sentido para o homem.
Faz-se necessário um breve retrospecto dos princípios da Semiótica
greimasiana, porém sem a intenção de dar conta de todo seu fazer teórico pois ela “
não está facta, mas in fieri” (Fiorin, 1999, p.1) é uma teoria que se modifica, se refaz,
não está pronta e acabada, mas sim a se construir.
Primeiramente, seria relevante esclarecer que para a Semiótica “o texto pode
ser oral ou escrito (texto lingüístico); visual ou gestual (imagens, dança, etc) ou
mesmo sincrético. (BARROS, 2005)
Essas diferentes possibilidades de manifestação textual devem, de acordo
com a Teoria Semiótica, ser abstraídas, o que possibilita tomar-se o texto no seu
plano de conteúdo e a partir desse explicar o(s) sentido(s) presente(s) no texto, sob
a forma de um percurso gerativo. O percurso Gerativo do Sentido (PGS), cânone
metodológico proposto por Greimas (1966) pode ser usado
para se analisar
qualquer texto.
Ao elaborar a sua Teoria Semiótica, Greimas buscou compreender a produção
de sentido de um texto a partir das relações entre as unidades, sem prender-se a
uma descrição dos signos. Propõe que se tome o texto como um todo de
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significações; e que essas significações se fundem na relação existente entre as
unidades que estruturam o texto.
Relação é o termo chave na Teoria Semiótica proposta por Greimas, é ela
que dá significação ao texto.
A significação é responsável pela construção de simulacros. Cada texto
constrói uma imagem, uma “verdade”, e preocupa-se com os efeitos que a produção
do texto deixa apreender, “tenta determinar as condições em que um objeto se torna
significante para o homem” (BARROS, 2005, p.13). A significação é sempre
articulada, perceptível aos sentidos e , ao mesmo tempo, remete a um conteúdo, a
um conhecimento.
O texto constitui-se materialmente, seja de forma verbal ou não- verbal,
aciona os órgãos sensoriais (audição, tato, paladar,olfato e visão) responsáveis
diretos pela percepção humana do mundo e que levam o homem a dar sentido a
essa percepção.
Na Semiótica, a ideia de verdade é a da verdade do texto. Qualquer aspecto
da realidade é mais complexo do que supomos e essa complexidade está atrelada
ao sistema de valores do sujeito e dos objetos com os quais ele se relaciona. “A
verdade é sempre uma construção do homem e por isso é necessário acolher seu
caráter múltiplo, problemático, variável em função dos pontos de vista humanos”
(PIETROFORTE & LOPES, 2003, p. 116-117). O homem, ao dar sentido a um texto,
está produzindo “verdade”, logo, por termos valores diferentes, temos “verdades”
diferentes.
3 A canção na sala de aula
“O mundo é barulho e é silêncio. A música extrai som do ruído num sacrifício
cruento, para poder articular o barulho e o silêncio cruento, para poder
articular o barulho e o silêncio do mundo.” (Wisnik, 1999)
Profissionais ligados à educação, instigados pela necessidade de produzir novas
pontes de comunicação com os alunos, passaram a refletir criticamente sobre suas
práticas, buscando incorporar aos recursos utilizados em classe, outros recursos
além dos habituais.
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A importância da canção, como objeto de estudo, tem sido evidenciada por um
número crescente de trabalhos (teses, artigos, ensaios) desenvolvidos sob
diferentes perspectivas. Trata-se de um espaço de elaboração discursiva que
engloba um amplo domínio das relações humanas, identidades e visões de mundo,
com grande circulação na sociedade, enfocado com renovado interesse para a
compreensão de variados aspectos da cultura brasileira.
Nessas circunstâncias a música tem assumido crescente importância como meio
pedagógico, insuflando novos ares nas ações em sala de aula.
3.2 Poesia da canção
A tradição diz que a música e poema nasceram juntos. De fato, a palavra “lírica”,
de onde vem a expressão “poema lírico”, significava originalmente certo tipo de
composição literária feita para ser cantada fazendo-se acompanhar por instrumentos
de corda, de preferência a lira.
Durante muito tempo a poesia foi destinada à voz e ao ouvido. Seria necessário
esperar pela Idade Moderna para que a invenção da imprensa, e com ela o triunfo
da escrita, acentuasse a distinção entre música e poesia. A partir do século XVI a
lírica foi abandonando o canto para se destinar, cada vez mais, à leitura silenciosa.
Entretanto, mesmo separado da música, o poema continuou preservando traços
daquela antiga união. Certas formas poéticas ainda vigentes como o Madrigal, o
Rondó, a Balada e a Cantiga aludem às formas musicais. Além disso, pode-se
estudar o “andamento” de uma passagem poética ou referir-se à “harmonia” de um
verso ou à “melodia” de um refrão ou estribilho de um poema. Não podemos
esquecer também que, tradicionalmente, o poeta é chamado de “cantor”, assim
como o poema é chamado de “canto”. Para se inspirar, Homero, o mais antigo
poeta, começa a sua “Odisseia” procurando ouvir o canto da Musa: “ Canta pra mim,
ó Musa amada ”.
O filme PALAVRA (EN)CANTADA, de Helena Solberg, testa os limites entre a
canção e o poema na MPB e foi a sensibilização perfeita para iniciarmos nossas
discussões em sala de aula.
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A aceitação e naturalidade com que as pessoas assimilam a música (muito mais
do que o poema) deve-se a sua presença constante na vida de todos. Vivemos em
um mundo essencialmente sonoro, já na vida pré-natal, a audição supera
largamente todos os outros sentidos, ela está estreitamente ligada às emoções e ao
mundo pré-verbal, o que faz dela uma linguagem privilegiada.
José Miguel Wisnik, em sua obra O som e o sentido, 1999 faz a respeito desse
assunto a seguinte consideração:
O feto cresce no útero ao som do coração da mãe...o ritmo está na base
de todas as percepções...Dessas imbricações se entende o “grande poder
de atuação [da música] sobre o corpo e a mente, sobre a consciência e o
inconsciente, numa espécie de eficácia simbólica” (: 30, grifo do autor em
referência ao conceito de Lévi-Strauss).
Com o intuito de motivarmos os alunos, desenvolvemos uma atividade em que
todos trabalharam com seu repertório pessoal. Eles montaram a trilha sonora de
suas vidas e ao apresentarem-na para a sala perceberam que muitas vezes
gostamos de uma música mais pela melodia do que pela letra.
Outras vezes,
porém, a letra diz tanto que a melodia passa a ser menos importante, e que quando
letra e música formam uma dupla indissociável, tão bela que atinge em cheio o gosto
de muitas pessoas, torna-se um clássico.
A canção Codinome Beija-flor foi a nossa escolha como exemplo de uma dessas
duplas perfeitas, um casamento harmonioso entre letra e melodia que vêm
acompanhando corações enamorados desde que foi composta por Cazuza em
1985.
Codinome Beija-flor
Pra que mentir
Fingir que perdoou
Tentar ficar amigo sem rancor
A emoção acabou
Que coincidência é o amor
A nossa música nunca mais tocou
[...]
CAZUZA; ARIAS, Reinaldo; NEVES, Ezequiel. In Exagerado, 1985
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Ao conversarmos sobre a canção de Cazuza esclarecemos que, para a
compreensão de um texto, a depreensão do significado contextual é um dado muito
importante, sobretudo quando se trata de um texto de caráter poético. É bastante
comum que letras de canções, assim como poemas, explorem as múltiplas
possibilidades de significação de uma palavra. Assim o autor pode sempre
apresentar as coisas do mundo, os fatos e as pessoas de forma nova e mais viva.
O texto de Cazuza não usou as palavras apenas em seu sentido próprio,
habitual, mas lançou mão de recursos que “brincam” com os seus significados. A
canção nos possibilitou ainda trabalhar com a questão de que ao lermos pela
primeira vez a letra de uma canção, podemos ter dificuldade para encontrarmos um
fio condutor que nos mostre a
unidade e a organização do texto.
Porém, a
exploração do texto mostrou que por trás desse aparente caos, há, em bons textos,
coerência e harmonia, que poderemos vislumbrar a partir da observação de dados
concretos da superfície até a compreensão de significados mais abstratos.
Com o objetivo de proporcionarmos aos alunos envolvidos no projeto, um
momento de fruição musical, convidamos alunos do curso de Música da UEL para
que apresentassem, além da canção Codinome Beija-flor, todas as outras
selecionadas para a Unidade Didática.
Estando os alunos motivados, pudemos partir para a outra fase da
implementação, que pretendia mostrar que uma boa música pode nos proporcionar,
além da fruição, o desenvolvimento das capacidades de leitura.
Uma pesquisa no laboratório de informática sobre “música-protesto” levou os
alunos a ouvirem várias músicas, lerem diversas letras, assistirem a vídeo-clips e
discutirem o contexto histórico das canções selecionadas.
Vimos que desde as semi-eruditas modinhas imperiais até o surgimento de
um “rock nacional”, a canção foi eleita lugar privilegiado para a manifestação dos
ideais da cultura brasileira. Ela pode ser a um só tempo o objeto e o veículo de
discussões sobre questões raciais, sociais, culturais e econômicas.
O Brasil possui uma das maiores diversidades musicais do mundo e é o
terceiro maior produtor de música do planeta, atrás apenas dos EUA e do Reino
Unido. Apesar dessa diversidade, do inquestionável valor pedagógico e da riqueza
que a MPB pode ofertar às práticas de ensino, pouco uso se faz dela.
Mas isso parece estar mudando, há nos meios acadêmicos um progressivo
interesse pela semiótica da canção popular. Dentre os estudos voltados para a
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canção está o trabalho de Luiz Tatit, músico, linguista, professor e compositor, que, a
partir da Semiótica greimasiana, apresenta em sua obra Semiótica da Canção, uma
análise do processo de significação, ou seja, das condições de apreensão e de
produção do sentido de canções da MPB.
Assim define seu trabalho:
A minha produção intelectual tem como foco teórico a semiótica e
como objeto de estudo a canção. A semiótica me permite ouvir a canção
como um entrosamento refinado entre melodia e letra, sem me empurrar
para abordagens 'musicais', 'literárias' ou 'sociológicas' que pouco têm a ver
com a canção. Gosto de considerar a canção uma linguagem à parte que
precisa ser enfocada com parâmetros adequados. Só a semiótica abre uma
perspectiva nessa linha de abordagem.
O autor salienta que “o êxito obtido até agora pela Semiótica greimasiana
pode em parte ser explicado por sua forte vocação para a multidisciplinaridade, a
despeito de sua origem e tradição linguística” uma vez que teorias específicas para
o componente verbal e musical raramente se compatibilizam a ponto de permitirem
uma análise homogênea.
Considerada como área de significativo valor para a compreensão da vida
brasileira, a canção popular assume uma importância ainda maior se levarmos em
conta a sua grande circulação na sociedade. Historicamente, tem se constituído
como terreno frutífero para a elaboração de discursos variados, em enunciados que
dialogicamente constroem significados abertos ao olhar interpretativo que busca a
compreensão da cultura brasileira.
Embora não cite Backtin em seus trabalhos, o autor compartilha a percepção
de que a canção é na verdade um enunciado completo, que revela um intuito
discursivo “ou o querer dizer” (Backtin,1997:122), diz ainda que a música é na
verdade a atualização da fala e de modo sucinto afirma isso, com exemplos
ilustrativos do caso brasileiro:
O canto sempre foi uma dimensão potencializada da fala. No caso
brasileiro, tanto os índios como os negros invocavam os deuses pelo canto.
Do mesmo modo, as declarações lírico amorosas extraíam sua melhor força
persuasiva das vozes dos seresteiros e modinheiros do século XIX.
(2004:41)
Mesmo não desconsiderando o fato de que a canção só pode ser plenamente
avaliada levando-se em consideração a intimidade essencial da letra com a música,
nesse trabalho privilegiamos a letra como objeto da nossa preocupação.
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3. Canções: um retrato do Brasil
A canção, tal como a conhecemos hoje, existe há bastante tempo. Uma de
suas características foi a de ser produzida no meio popular e para ele especialmente
dirigida. Entretanto, com o advento de meios de comunicação, ela foi abandonando
aquele seu espontaneísmo de arte popular para entrar definitivamente nos
esquemas comerciais que o rádio e o “disco” vieram impulsionar. Tomando esse
rumo, a canção deixou de ser apenas expressão cultural de uma comunidade para
atingir públicos cada vez maiores.
Daremos um salto na história da música popular brasileira e começaremos
pela década de 60. Nesse período a televisão brasileira se consolida, empurrando o
rádio para o segundo plano. Surge o gosto pelas telenovelas e pelos seriados
americanos, mas parecia faltar algo para que a TV empolgasse um certo tipo de
público ainda resistente à programação televisiva.
Apareceram, então, os musicais gravados nos teatros da TV Record. Graças
a eles a emissora passou a viver uma fase de liderança absoluta de audiência.
Nesses programas puderam se lançar aqueles que seriam os principais herdeiros da
geração Bossa Nova: Chico Buarque e Caetano Veloso. Ambos jovens cantores de
voz curta, mas de enorme talento e amor pela nossa música popular brasileira.
Caetano e Chico saltaram, da noite para o dia das cadeiras universitárias para os
palcos da televisão. Em pouquíssimo tempo eram transformados em celebridades.
Grandes nomes de uma geração de talentos que chegavam para revitalizar a
MPB dos anos 60, Caetano e Chico logo receberam o nome de poetas, devido não
somente a qualidade lírica das suas canções, mas também ao fato de terem sido
porta-vozes de um tempo e dos dilemas de uma geração.
Em 1967, com apenas dois anos de carreira, Chico Buarque já era uma
unanimidade nacional, graças à televisão. No ano anterior, Chico ganhara o primeiro
lugar no Festival da MPB da TV Record, com a canção “A banda”.
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A Banda
Estava a toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Tocando coisas de amor
A minha gente sofrida, despediu-se da dor
Pra ver a banda passa, cantando coisas de amor
[...]
HOLLANDA, Francisco Buarque de. In Chico Buarque de Holanda, (LP) RGE, 1966.
A letra refere-se a um tempo de paz e liberdade que se perdeu. A palavra
banda é uma metáfora para representar a esperança e a alegria de um povo. A
“minha gente sofrida” que vê na banda a possibilidade de quebrar o silêncio,
representa as pessoas injustiçadas por um regime que estabeleceria o que elas
deveriam fazer e pensar.Todas as rotinas de dor e tristeza se rompiam como que
significando o rompimento da aceitação das regras impostas pelo governo militar.
Essa era uma forma velada de protesto, já que não se podia dizer
abertamente o que se pensava. O ritmo da música contagia pela alegria, o que
reforça a mensagem. “Tudo aquilo que, tendo se formado
de alguma maneira no
psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem com a ajuda de
algum código de signos exteriores.” (BAKHTIN. 1981 p. 111).
Parece ser esse o caso de A Banda e seus interlocutores. Como o país
inteiro cantarolou a sua marchinha aparentemente ingênua e nostálgica “A Banda”
acabou contribuindo para rapidamente se cristalizar em Chico uma imagem de moço
bom, bonito e bem criado, que atraia não apenas as moças, mas também as
senhoras.
Esse mesmo ano marcaria uma reviravolta na imagem do artista, que
romperia com o enquadramento forjado pela televisão. Chico iria deixar de ser o
bom mocinho. A oportunidade seria dada pelo III Festival da MPB, onde Chico
Buarque apresentou “Roda Viva”.
A letra revelaria o cuidado e o talento de um compositor experiente, que se
propunha a competir num festival exigente, mas essa voz poética nos chegava
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mesmo era para apontar a crueldade do presente. Um presente contraposto a um
passado que por sua vez era visto com um sentimento de nostalgia. O que se foi
parecia belo e o que vinha era terrível na medida em que nada mais escapava às
garras de um tempo esmagador.
Naquela época os valores acumulados até então começaram a entrar em
crise ao mesmo tempo em que a repressão política brasileira afinava seus
instrumentos para promover o desastre da ditadura.
Desde 1964 vivíamos sob uma ditadura militar que não tinha mostrado ainda
todo o seu poder de fogo. Um ano depois daquele festival, o Governo baixou o Ato
Institucional nº 5 que pretendia calar de vez as vozes contrárias aos arbítrios do
regime.
Alguns meses depois, a canção voltou à cena para ser apresentada numa peça
também intitulada “Roda Viva”, do mesmo Chico Buarque. O tema do espetáculo era
a condição do artista vitimado pela idolatria forjada pelos meios de comunicação,
mas como a peça também podia ser interpretada como imagem da vida civil
oprimida pelo regime militar, a certa altura da temporada o “Comando de Caça aos
Comunistas” invadiu o teatro agredindo brutalmente os atores e o público, e o
cenário ficou destruído.
Esse terrível episódio mostra os efeitos de uma notável mudança na obra e na
postura de Chico Buarque.
Da poesia nostálgica aos versos amargos, o compositor passava a desgostar
parte de seu público. Questionando a unanimidade que fora criada em torno de si,
Chico rejeitava sua condição de ídolo. No lugar do bom mocinho, aparecia o artista
inquieto e combativo que não mais se enquadrava na imagem cultivada pela
televisão.
Em 1970, vivia-se no Brasil o ufanismo que antecedeu a conquista do
tricampeonato mundial de futebol, no México. Rádios executavam à exaustão “Pra
frente, Brasil”, de Miguel Gustavo, e “Eu te amo, meu Brasil”, da dupla Dom e Ravel.
Carros exibiam adesivos como “Brasil! Ame-o ou deixe-o” ou até o ameaçador
“Brasil! Ame-o ou morra”.
A resposta de Chico ao que viu e não gostou foi a canção “Apesar de você”,
que ele considera uma de suas canções realmente de protesto.
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Prevendo atritos com a censura, Chico resolveu consultar um amigo que
ponderou que só haveria problemas se os censores percebessem segundas
intenções na letra e, de fato, num primeiro momento, não houve.
Para surpresa geral, a letra foi liberada. Gravada, chegou a vender mais de
100 mil compactos em uma semana. Tudo ia bem, até que uma notinha num jornal
do Rio de Janeiro insinuou que o “você” era na verdade o presidente Médice.
Chico, que já estava preparado, disse cinicamente que se tratava de uma
mulher muito mandona. Não colou. A polícia recolheu as cópias das lojas, invadiu a
fábrica para destruir o estoque, proibiu sua execução nas rádios e, de quebra, puniu
o censor que deixara escapar tamanho desrespeito.
Apesar de você
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
[...]
HOLLANDA, Chico Buarque de, Compacto
Simples,1970
“Apesar de você” é uma metáfora da ditadura militar. A canção parte da
situcionalidade para o texto pois reflete o sentimento de luta dos jovens artistas
da
época.
O texto assimilou as ideias da sociedade e da época em que foi
produzido.
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O autor conta com a memória discursiva do leitor, pois não deixa tudo
explícito e recorre ainda a uma intertextualidade quando utiliza a expressão
popular “Inda pago pra ver” .
Outro recurso utilizado pelo autor para dar mais sonoridade ao texto foi o
trocadilho “vou cobrar com juros, juro”.
O tema “Ditadura Militar” despertou bastante o interesse dos alunos e
acabamos complementando o material didático e as atividades em sala de aula.
Assistimos a depoimentos em vídeo, pesquisamos na internet, trouxemos para a
sala de aula uma pessoa que estudava na USP na época e que relatou sua
experiência pessoal com o período da Ditadura.
Trabalhamos também com a canção “Cálice”, composta por Chico Buarque e
Gilberto Gil em 1973 para ser apresentada em um evento promovido pela gravadora
Polygram. Em mais um episódio de repressão, no dia do evento, os microfones dos
cantores foram desligados para que não pudessem cantá-la.
Motivo: a música é uma comparação entre o sofrimento vivido pelo povo
brasileiro e a Paixão de Cristo “Pai, afasta de mim esse cálice”. Além disso, a
palavra cálice, repetida ao fundo, lembra-nos a ação da censura que procurava calar
a sociedade oprimida.
A canção, por meio do ritmo, de metáforas, analogias e seleção de palavras,
retrata a agonia de um povo obrigado a se calar diante de um regime autoritário.
Ainda aproveitando a curiosidade e o interesse dos alunos pelo tema,
trabalhamos com mais duas canções de Chico Buarque “Vai Passar” e “Angélica”
esta última solicitada por eles após assistirmos ao filme “Zuzu Angel” que conta a
história da estilista Zuzu Angel, amiga de Chico Buarque, que teve seu filho, Stuart
Angel, integrante do movimento guerrilheiro MR-8, preso, torturado e brutalmente
assassinado pela ditadura. Seu corpo jamais foi encontrado.
Conhecer parte do repertório de Chico Buaque, até então desconhecido para a
maioria dos alunos, motivou-nos a levá-los a uma apresentação musical no SESC, o
Show do Chico, com o cantor Jaime Santos, que lhes apresentou o lado sambista do
compositor.
Vislumbramos no show e em leituras posteriores um compositor preocupado
com a preservação da música nacional no mercado musical da década de 70 que já
impunha, com toda a força, a música estrangeira ao gosto brasileiro.
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16
Antes da década de 50 não havia propriamente o que se pode chamar de uma
“cultura da juventude”. O fenômeno o foi trazido dos Estados Unidos. Na ânsia de
afirmar seu modo de ser, os adolescentes ganharam um mercado de produtos
variados, capazes de atender aos seus gostos e hábitos próprios: sanduíches,
refrigerantes, chicletes, roupas, cinema, música.
Como se sabe, a música típica de afirmação juvenil é o rock, que por sinal
aportou no Brasil na mesma época em que virou moda entre os adolescentes de
classe média americana.
No final dos anos 50 já se faziam por aqui muitas versões de baladinhas
sentimentais, a matéria mais consumível do rock, de preferência sucessos de Paul
Anka, Platters, Neil Sedaka e Pat Boone.
Procurava-se um mercado de música juvenil entre nós. Mas não havia tradição
brasileira nesse campo, e nem o rock recém-chegado tinha força para tanto. Parte
da juventude gostava de Bossa Nova, mas a maioria ainda gostava dos cantores de
rádio.
Porém, em 1965 os Beatles varreriam o mundo. Com sua música,suas guitarra
e cabeleiras, os quatro rapazes de Liverpool aqueciam o gosto pelo rock, tornando
branda depois de esgotada a melhor fase de Elvis Presley.
Nesse mesmo tempo Roberto Carlos também já era um artista de sucesso no
Brasil. Tal como os Beatles, seu repertório destinava-se especialmente à juventude.
Além disso o moço chegava com um estilo que prometia: gírias para se expressar,
gosto por carrões, cabelos compridos, terninhos sem gola, botinhas, etc. Em pouco
tempo tudo viraria moda.
Apesar da rivalidade entre os rapazes da MPB, que abominavam a guitarra
elétrica, e os rapazes do rock, que não tinham compromisso com o nacionalismo
musical, a Jovem Guarda, liderada por Roberto Carlos, manteve-se firme por um
bom tempo. Nas tardes de domingo era impensável ver outra coisa na televisão, os
“cantores da Jovem Guarda” tornaram a TV Record a grande campeã de audiência.
Mas como as fórmulas da TV tendem a se esgotar, o “movimento” acabou
entrando em declínio. Além desse aspecto, contribuiu para a decadência da Jovem
Guarda a sua incapacidade de competir com o rock internacional, que penetrava
firmemente no mercado brasileiro de discos.
Foi preciso aguardar os anos 80 para que pudéssemos ver no rock uma
tendência dominante em nossa música popular.
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A essa altura já tínhamos um
público jovem bastante habituado ao rock, uma tecnologia musical mais compatível
com a música pop e, por fim, um esquema de shows capacitado para promover
espetáculos às grandes platéias.
Foi assim que vimos aparecer um número considerável de bandas gravando
discos de sucesso. Por ser um estilo de música especialmente praticada nos
grandes centros, foi em São Paulo (Titãs, Ira!), no Rio (Barão Vermelho, Blitz) e em
Brasília (Paralamas do Sucesso, Legião Urbana) que surgiram os principais
conjuntos do rock nacional.
O rock surgiu nos EUA numa época de grande prosperidade econômica, talvez
por isso a ele tenha sido logo associada a ideia de rebeldia. Contra a acomodação
da família pequeno- burguesa, o rock impunha seu ritmo acelerado, procurando
liberar os costumes da classe média.
No Brasil dos anos 80, a presença da AIDS comprometeu o discurso de
liberação dos costumes, em especial aqueles ligados ao comportamento sexual.
Além disso, para nós a década de oitenta está marcada como época de derrocada
econômica e, com ela, o sentimento de decepção com os rumos do país.
Nessa medida o rock brasileiro expressa bem os dilemas de uma geração
vivendo num tempo abafado, sem muitas esperanças.
Canções como Brasil e Ideologia (Cazuza) saltando da esfera restrita do
depoimento pessoal, acabam se dirigindo a uma geração ameaçada pelo imobilismo
que é fruto, talvez, do esfriamento das lutas políticas, do consumo desmedido e da
crise do sonho de uma sociedade mais justa.
A nova geração do rock queria “revolucionar a música popular brasileira; pintar
de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo
Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer” (Clemente, Banda Inocentes, apud
Bivar 1982) e “invadir a sua praia”, “sentindo cheiro de gasolina e óleo diesel”, com
os pés fincados firmemente no concreto das grandes cidades.
Com um discurso pós- moderno as letras invertiam conceitos como “Tradição,
Família e Propriedade” questionando diversas rotulações e preconceitos. A canção “
A gente somos inútil” (Ultraje a Rigor) recheada de deboche e ironia, seguida dos
clássicos “Que País é Esse?”
(Legião Urbana), “Polícia”, “Estado Violência”,
“Comida” (Titãs), “Armas”, “Alagados” (Paralamas do Sucesso), e “O Tempo Não
Pára”, “Brasil”, “Blues da Piedade”, “Burguesia” (Cazuza), colocaram o “País do
Futuro”, “ame o Brasil ou Deixe-o” e “Deus é brasileiro” na lixeira da história.
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“Comida” do grupo Titãs, talvez seja o rock mais expressivo dessa fase
eletrizada da MPB. A canção foi um dos mais fortes e marcantes protestos da sua
geração, ela
apresenta críticas ao sistema de governo, na tentativa de gerar a
conscientização das pessoas para o problema da distribuição de renda no Brasil.
Ao analisar a letra percebe-se que ela possui um discurso bastante direto, sem
metáforas complicadas ou imagens difíceis de desvendar.
A canção é dividida em duas estrofes com oito versos cada, acompanhadas do
refrão. Os versos são paralelísticos, ou seja, repetem a mesma estrutura sintática,
de modo que facilitam a memorização e reforçam a musicalidade da composição.
Comida
Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte
(...)
ANTUNES Arnaldo, BRITO Sérgio, FROMER Marcelo. In Jesus
não tem dentes no país dos banguelas, WEA, 1987.
Em relação à letra tudo se organiza a partir do verbo querer. Em relação ao
ritmo, a base do rock, ouvimos a batida forte e repetitiva do funk.
Vale a pena observar que a leitura das estrofes pode ser feita de duas
maneiras: tanto na linha horizontal, quanto na vertical. Como as palavras “não” e
“quer” aparecem sempre na mesma posição, forma-se na vertical o mesmo jogo
“quer/não quer”.
A letra traz uma crítica à campanha contra a fome liderada pelo sociólogo
Betinho, afirmando que comida corresponde a apenas uma parte das necessidades
do homem e que o
ser
humano precisa muito mais do que comida.
precisamos de lazer, diversão, arte, liberdade para que nos sintamos saciados.
18
Todos
O uso de recorrências lexicais, como no caso de “a gente”
enfatiza a
ideia de que gente é diferente de animal, que precisa de mais coisas além da
comida. O advérbio “só” aparece em várias partes do texto, para reforçar a ideia de
parcialidade.
Já no teor do refrão percebemos a redução rítmica e formal da canção, onde
comida e bebida se apresentam em seu sentido mais elementar: a bebida é apenas
o líquido e a comida o mero alimento.
A polifonia constitui-se no diálogo com a Campanha da Solidariedade e com a
política do “pão e circo”.
Questões como: salário mínimo, política das “bolsas”, campanha de
solidariedade do Betinho foram discutidas.
O início dos anos 80 pode ser definido como o momento da história recente
do país em que o último dos governos militares enfrentava uma profunda crise nos
seus três frontes decisivos: economia, coesão e hegemonia. Os militares estavam
divididos sobre a dosagem correta de repressão e liberdade a ser aplicada. Amplos
setores das classes dominantes, muitos dos quais haviam apoiado o golpe de 64,
estavam descontentes com o governo. O povo e principalmente a classe média que
fazia para com eles a ligação e formação da opinião, sinalizava
o desejo de
mudança.
O povo foi às ruas em grandes manifestações e o fez como cidadão, não
como classe. Nesse mesmo período, deputados e senadores derrotaram a emenda
Dante de Oliveira, que tinha por objetivo reinstaurar as eleições diretas para
presidente da República no Brasil, e tomaram para si a tarefa de escolher o novo
mandatário da nação.
Os alunos conversaram com seus pais e/ou avós e trouxeram anotações
sobre esse período para a sala de aula. As opiniões foram bastante divergentes, o
que enriqueceu nosso debate sobre: Diretas Já, Tancredo Neves, Ulisses
Guimarães, José Sarney e Fernando Collor de Mello.
Percebendo o interesse pelo assunto propusemos a leitura do livro
“Carapintada” de Renato Tapajós, que
amarra dois períodos históricos muito
agitados no Brasil: 1969/ 1992. Com uma linguagem ágil, coloquial e forte, o autor
constrói com competência o encontro de duas gerações que, cada qual a seu modo,
tentaram mudar o destino do país.
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20
Outras sugestões foram: O livro Rômulo e Júlia – Os caras-pintadas de
Rogério Andrade Barbosa (Ed. FTD), que aborda os quatro meses que antecederam
à renúncia do presidente Collor, coincidindo com a descoberta da adoção ilegal de
uma criança, filha de presos políticos, na época da repressão militar no Brasil. Os
filmes, Eles não usam black-tie de 1981, dirigido por Leon Hirszman, Pra frente,
Brasil de 1982, escrito por Roberto Farias, La historia oficial (A história oficial), filme
argentino de 1985, e Anos Rebeldes, minissérie brasileira produzida e transmitida
pela Rede Globo, entre 14 de julho e 14 de agosto de 1992.
A música que atravessou os conturbados anos 80, especialmente o rock,
parecia brotar das entranhas e das garagens. Ela foi uma ruptura com a tradição,
não uma evolução do rock dos anos 70, embora guarde em alguns casos,
influências do Tropicalismo, dos Mutantes, de Rita Lee, dos Novos Baianos da
primeira fase, de Secos & Molhados e da eclética vanguarda paulista.
A relação com o social é a forte marca do rock desse período.
As letras de Cazuza, por exemplo, recheadas de fortes metáforas, são
afiadas, sarcásticas, refletem muito bem o Brasil pós repressão militar e como
veremos, continuam extremamente atuais.
O tempo não para
Disparo contra o sol
Sou forte, sou por acaso
Minha metralhadora cheia de mágoas
Eu sou o cara
Cansado de correr
Na direção contrária
Sem pódio de chegada ou
beijo de namorada
Eu sou mais um cara
[...]
CAZUZA, In Ideologia. RJ, 1988
O “centro da sociedade”, materializado pela cultura do homem branco
ocidental, heterossexual e de classe média passa a ser contestado pelo discurso do
excluído presente nessa e em muitas de suas canções.
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Muito mais do que um sujeito, o que passa a ser questionado é toda uma
noção de cultura, ética, educação e moral que, vem usufruindo, ao longo dos
tempos, de um modo praticamente inabalável, a posição privilegiada ao torno da
qual tudo o mais gravita.
Apesar da estreita relação entre o eu-lírico e o autor da canção precisamos
lembrar que “nenhuma das categorias, enunciador, enunciatário, o tempo e o lugar,
são manifestações do mundo natural, mas apenas simulacros que representam um
universo utópico. Para a semiótica o enunciado se projeta a partir da enunciação,
que se define através das categorias de, pessoa, de tempo e espaço. Floch (2001,
p. 26-27).
Por outro lado, se pensarmos no sujeito da enunciação, que manipula valores
no nível discursivo, observamos que a voz do enunciador, ao denunciar a situação
de opressão social por meio de seu texto, visa conscientizar os enunciatários,
simulacros dos ouvintes de sua canção, a respeito da necessidade de transformação
social. Desse modo, o texto, por meio das estratégias enunciativas utilizadas, visa à
transformação de consciências
Quanto à projeção de personagens, espaço e tempo, observa-se que na
canção de Cazuza, o enunciador se concretiza na primeira pessoa: disparo, eu
sou, minha, eu vejo, eu vou...sempre no presente do indicativo. Ocorre pois, aí, uma
debreagem actancial e temporal enunciativa em que se revelam efeitos de sentido
de subjetividade e presentificação temporal. Ex: Disparo contra o sol/ Sou forte, sou
por acaso/ Minha metralhadora cheia de mágoas/ Eu sou o cara.
A canção tem seu percurso narrativo centrado no sujeito que busca um ‘valor’,
no caso do sujeito de “O tempo não para” o valor a ser alcançado é a identificação, o
sujeito da enunciação busca o reconhecimento como cidadão brasileiro, seu “querer”
é denunciar uma situação de marginalização, de manipulação e para tanto ele
“dispara” contra tudo e contra todos usando a única arma que tem: a música.
A situação conjunta para o enunciador é de inconformismo, típica de um
adolescente, o que se evidencia nas marcas linguísticas: tô, eu sou o cara e em
figuras como “beijo de namorada”.
Ainda na primeira estrofe podemos observar a mudança do artigo definido o
em “o cara” para o indefinido um em “mais um cara” o que nos dá ideia da
vulnerabilidade do sujeito, às vezes se sente invencível , outras derrotado.
21
22
A aparência, as expressões, a conduta, os acessórios, os gestos, a idade e o
modo de se vestir emitem sinais de identidade e classe social. Todo o texto se
constrói sob oposições semânticas, o que reforça a tese da vulnerabilidade,
descrença e
incertezas do sujeito sobre o futuro e as reais possibilidades de
mudança.
Vejamos o quadro a seguir:
FIGURA
SOL
METRALHADORA
CANSADO DE CORRER
PÓDIO/ BJ DE NAMORADA
ROLANDO OS DADOS
ARRANHÃO
PISCINA
RATOS
TEMPO FUTURO
TEMPO PASSADO
MUSEU
DIAS DE PAR EM PAR
AGULHA NO PALHEIRO
LADRÃO/BICHA/MACONHEIRO
PUTEIRO
DINHEIRO
TEMA
MUDANÇA / PODER
DESTRUIÇÃO
DESÂNIMO / DESILUSÃO
VITÓRIA/ CONQUISTA / RECOMPENSA
COMPETIÇÃO/ ESPERANÇA
PERDA / DOR / SOFRIMMENTO
RIQUEZA / PODER / BELEZA
SUJEIRA/ CORRUPÇÃO / NOCIVIDADE
MUDANÇA/ TRANSFORMAÇÃO
ESTAGNAÇÃO / REPETIÇÃO
PERPETUAÇÃO DE VALORES
PERDA DE TEMPO
PERDA DE TEMPO / FRACASSO
MARGINALIZAÇÃO
DESORDEM / BAGUNÇA/ CORRUPÇÃO
VANTAGENS/LUCRO/ RECOMPENSA
Ao observarmos o quadro acima percebemos que as situações de disjunção
são mais constantes do que as de conjunção, porém o sujeito ao repetir por diversas
vezes a expressão “o tempo não para” mantém o programa de transformação
atuando na apropriação dos objetos desejados e valorizados. Dessa forma o sujeito
assume o “fazer”: crítica social.
”Me chamam de ladrão, de bicha, maconheiro / Transformam o país inteiro num
puteiro / Pois assim se ganha mais dinheiro”
Enquanto os indivíduos se preocupam em analisar e categorizar pessoas,
assuntos mais importantes nos fogem à mente, gerando alienação e possibilitando a
continuação da exploração do país pelas elites.
As “categorias” o ladrão, o bicha, o maconheiro, são como uma espécie de
“depósito de lixo conceitual” (Eerola,T. 2004) onde os fenômenos e condutas
“estranhas” são colocados, numa tentativa de serem digeridos.
Essa tentativa de entender um fenômeno comportamental “diferente”, quando
frustrada causa desconforto, perturba, incomoda, irrita. Assim, o fenômeno novo
pode ser considerado tão agressor que represente uma ameaça. Surge então o
preconceito.
Como disse o cantor e compositor Renato Russo “o preconceito nasce do
desconhecimento, do medo” (apud Dapieve 1995).
22
Quando a digestão e absorção de algo não procedem, uma categorização pode
ser embasada, fortificada e este ganha uma voz viva em forma de uma exclamação,
de uma ofensa dirigida ao representante deste fenômeno. Um exemplo disto é a
expressão “bicha”, tenta-se assim desconstruir o “estranho”, invertendo-o a algo
pejorativo. Como exemplo, o visual agressivo dos punks, na década de 80, com os
cabelos arrepiados ou moicanos, virou “pavão/periquito/urubu”, ao mesmo tempo em
que desesperadamente tentava-se classificar o visto e percebido, mas não
reconhecido e compreendido.
O período da ditadura militar foi um campo fértil para a propagação de
preconceitos de toda ordem, produzindo uma série de categorizações e rótulos neles
baseadas, muitos
artistas
foram categorizados
como
“arruaceiros, bichas,
subversivos, maconheiros, agitadores, comunistas, traidores da pátria” e, como
vimos, foram perseguidos e presos. Lamentavelmente, isso não acabou com o fim
da Ditadura Militar, muitos preconceitos continuavam sendo utilizados para nomear e
categorizar o “diferente”, ou seja, tudo aquilo que difere de uma sociedade machista
e conservadora.
O problema é que na maioria das vezes as pessoas não questionam ou
resistem a estes mecanismos, é difícil lutar contra toda uma cultura, herdeira do
machismo luso-latino, exploração escravista, ditaduras militares e forte estratificação
social.
Politicamente falando o rock dos anos 80 tinha certa ligação com o
sindicalismo e com os partidos de esquerda, mas, não eram, de forma alguma,
partidários da música engajada, característica de setores da MPB 60/70: “Meu
partido / É um coração partido / E as ilusões estão todas perdidas / Os meus sonhos
foram todos vendidos / Tão barato que eu nem acredito/ Meus heróis morreram de
overdose / Meus inimigos estão no poder / Ideologia / Eu quero uma pra viver...”
(Ideologia/Cazuza)
O rock tinha na realidade, uma relação de distanciamento com a ideia de
nação, um rock anti-exaltação, certa concepção de que “nação” é uma instituição tão
especial que é mesmo feita só para poucos. Uma abstração. O mais conhecido
exemplo é a música Brasil, também de Cazuza.
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Brasil
Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer
(...)
Brasil, mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
(...)
CAZUZA. In Ideologia, 1988
As figuras utilizadas pelo autor associam imagens narrativas de uma voz
excluída remetendo o nosso olhar em direção ao país desigual. A voz do sujeito fazse ouvir pelas posições desvalorizadas e ignoradas. Ela ecoa
das margens da
cultura e, com destemor, contesta as imagens do Brasil, propostas por músicas
anteriores que só enalteciam o país.
Uma política protagonizada por vários grupos que se reconhecem passa a
acontecer. O que passa a ser questionado, nas músicas de Cazuza é toda uma
noção de arte, educação, ética e cultura.
A anáfora e a repetição do vocábulo “não” na letra da canção reforçam a
revolta e a ironia em relação aos dirigentes do país, anunciando uma visão crítica do
contexto social: “não me convidaram/ não me elegeram/ não me ofereceram/ não me
sortearam/ não me subornaram”
Por essas repetições, a canção reverbera um Brasil que exclui, que enfatiza
um discurso vazio “fala-se muito e faz-se pouco”.
A
canção
estabelece
diálogo
com
situações
da
época,
exigindo
conhecimento de mundo do ouvinte. Na década de 80, o programa Fantástico da
Rede Globo exibia um quadro chamado Garota do Fantástico, que consistia num
desfile e na eleição de uma garota, o qual projetava as eleitas para a fama. Hoje
temos o quadro “Garota fantástica”.
24
Apesar de fazer uma séria crítica ao país, na última estrofe o eu-lírico
reafirma
o
seu compromisso
de não
traição,
talvez
uma
alusão
aos
responsáveis pelas condições sócio-econômicas do país.
A progressão
do
texto
ocorre
por meio
de
paralelismo:
“Não me
sortearam/não me convidaram” e na última estrofe ocorre a reativação de Brasil por
meio de “grande pátria”.
4. Novas canções
Nos anos 90, deu-se a chamada “nova MPB”, e vem acontecendo em meio a
muitas críticas. Alguns afirmam que o novo ritmo é apenas mais um estilo inserido
na indústria cultural, e que suas letras de música não possuem preocupação
ideológica.
Por outro lado, há a questão da inovação tecnológica da música brasileira,
marcada pela individualidade de cada artista.
Artistas como Chico César, Lenine e Zélia Duncan, cantores que já
pertenciam a MPB, optaram por renovar suas músicas a partir dos anos 90,
inserindo elementos eletrônicos, como bateria eletrônica, piano elétrico e baixo
eletrônico e misturando a música pop. Cássia Eller, Bebel Giberto, Marisa Monte,
Maria Rita, Ana Carolina, Adriana Calcanhoto, Luciana Melo, Vanessa da Mata,
Zeca Baleiro, Fernanda Porto, Maria Gadu, dentre outros, fazem parte dessa nova
geração.
Os denominados novos músicos da MPB são uma verdadeira junção do que
há de melhor na música popular brasileira com os experimentalismos do século 21.
A nova MPB surge como um pensamento diferenciado. É a mistura do novo,
da tecnologia, com o que passou, considerando e ampliando referências.
Mas esse grupo enfrenta dificuldade para a difusão de suas músicas, pois
outra forte tendência contemporânea são as manifestações musicais de gêneros
fáceis, como axé, sertanejo, forró e funk, que são veiculados a grande mídia. São
composições fáceis de serem memorizadas, de ritmo comum e com a finalidade da
venda. Essas músicas tornam-se “onda” e não possuem muito tempo de vida no
mercado musical.
25
26
Encerramento: Com uma apresentação musical eclética e divertida,
encerramos nossa viagem pela MPB. Para o “gran-finale” contamos com a
participação de alunos do curso de música da UEL, que também nos auxiliaram no
decorrer do trabalho, e montaram uma banda para apresentarem ao vivo aos alunos
todas as músicas trabalhadas em sala, além de outros “hits” das últimas décadas.
4.
Considerações postados pelos professores do GTR:
Na opinião da professora Helaine Giraldeli, Canções do Brasil à luz da
Semiótica trabalha com um gênero altamente dialógico, que possibilita a postura
crítica e o desenvolvimento das capacidades linguístico-discursiva dos alunos. O
projeto não desconsidera a intimidade essencial entre letra e melodia e prevê a
leitura de canções que trazem a possibilidade de confrontar visões de mundo,
cultura e valores o que o torna pertinente em relação às DCEs do Paraná.
Helaine comenta que, por só terem acesso à cultura de massa, a
aceitação das músicas da MPB nem sempre é imediata, mas também acredita
que ampliar os horizontes e mostrar um mundo mais rico e significativo aos
alunos é papel fundamental da escola.
Essa opinião também é da professora Clice Acácia de Castro que
considerou bastante oportuna a prática didático-pedagógica, pois ela permite que
se analise criticamente diferentes discursos; argumenta ainda que trabalhar com
canções possibilita trazer questões raciais, sociais, culturais e econômicas para
serem debatidas em sala de aula de maneira prazerosa.
Jacinta Magalhães concordou com a problematização do projeto e não tem
dúvidas de que grande parte de nossos alunos não ultrapassa a decodificação,
que uma das grandes dificuldades do professor tem sido formar leitores que não
se atenham somente à decifração de códigos, muitas vezes sem entender o que
estão lendo, outras tantas, sem refletir a respeito do que leem. Ela acredita que o
projeto leva os alunos a conhecerem um pouco mais da nossa história, haja vista
que o contexto de produção é levado em conta, bem como “o reconhecimento das
vozes sociais e das ideologias presentes nos discursos”, conforme é mencionado
nas DCEs. A professora apreciou ainda a possibilidade de se trabalhar as figuras
26
de linguagem nas análises das canções, uma vez que para que o aluno
compreenda tal recurso faz-se necessário que ele reflita com profundidade sobre
os sentidos do texto.
Sueli do Rocio considerou o trabalho bastante pertinente às escolas públicas
e concorda com a importância de nos preocuparmos com o desenvolvimento das
habilidades linguístico-discursivas dos alunos, já que a possibilidade da
interpretação amplia sua visão de mundo.
Para o professor Humberto H. Maronezi um grande problema em relação à
utilização canções em aulas de português é que estas acabam se tornando
apenas um “pretexto” para se ensinar a gramática normativa.
Sandra de Lourdes concorda e comenta que frequentemente, os livros
didáticos trazem trabalhos com música, mas quase sempre voltados apenas para
aspectos relacionados à estrutura ou a estudos gramaticais. Para ela, caso o
professor se detenha somente a esses aspectos, o seu trabalho não será em
nada diferente das metodologias tradicionais de ensino da Língua Portuguesa.
Angélica Torres comenta que o universo de músicas e letras dentro da
MPB é imenso e pode ser trabalhado a partir de temas, épocas e aspectos
linguísticos, aponta que o projeto está totalmente arraigado às experiências
diárias em audição dos alunos e colocá-los em prática na oralidade e leitura
proporcionará maior aprendizagem.
Desenvolver um trabalho como esse de reflexão sobre um dos gêneros
textuais que viabiliza um trabalho lúdico e prazeroso em sala da aula desenvolve
potencialidades cognitivas de forma significativa na opinião da colega Sirlene da
Silva.
A professora Angélica concorda e aponta que usar a canção como fonte
desencadeadora de estudo torna a aula prazerosa e harmônica. Por haver prazer
o aluno abre as suas barreiras de aceitação, próprias da idade, para incutir os
valores e análises que o professor irá permear dentro das aulas de
desenvolvimento do projeto.
Diz ainda que a escolha do recorte histórico da
música popular brasileira utilizado no projeto foi de feliz escolha, pois aproximase dos alunos em questão e traz em suas letras valores de época e análises
críticas que ainda estão vigentes na sociedade brasileira , além do que é de um
cabedal riquíssimo tanto em conteúdo quanto estilo, perfeitos elementos para
uma análise em textos discursivos.
27
28
O caminho, segundo Humberto, consiste em atribuir voz aos alunos, para
que estes também se manifestem socialmente, o que somente será possível
através do domínio dos mecanismos discursivos de que poderão lançar mão,
apreendidos através da análise dos diversos textos sociais que os circundam,
dentre os quais as canções ocupam papel preponderante.
Joaquina de Lima Cristo endossa a posição do projeto de que a música está
presente em todas as etapas de nossas vidas, que o mundo é sonoro e que,
portanto, a música é sempre bem aceita. A professora cita as DCEs ao comentar
que a dimensão artística contribui ainda para a humanização dos sentidos e para
a superação da condição de alienação e repressão. Além disso, Joaquina salienta
que, muito além da fruição a elaboração do projeto visa a formação de leitores
críticos, capazes de identificar nas letras das músicas as intenções de seus
autores e capazes de opinar a respeito..
5. Considerações finais
Nossas leituras, audições, debates, reflexões e análises tiveram a finalidade de
mostrar o quanto a canção pode estar impregnada de
idealismos,
denúncias,
críticas sociais e sentimentos. Historicamente, ela tem se constituído como terreno
frutífero
para
a
elaboração
de
discursos
variados,
em
enunciados
que
dialogicamente constroem significados abertos ao olhar interpretativo que busca a
compreensão da cultura brasileira.
Para desvendarmos mecanismos de estruturação de significados das canções,
exploramos o sentido que as atravessa, procurando descrever, analisar e explicar
sua estrutura interna, elucidando os percursos que o sentido desenvolve.
A preocupação principal deste trabalho foi o de despertar o senso crítico do
educando por meio da leitura e compreensão das letras de canções, levandoo a pensar a respeito dos processos de transformação social, bem como
refletir
acerca
da estrutura linguística
procedimento metodológico de análise.
28
do texto utilizando a Semiótica como
O sentido dos textos musicais foi construído, levando em conta o contexto
sócio-político-cultural. Nesse percurso, foram mobilizados fatores de coerência
do texto como conhecimento de mundo, intertextualidade, polifonia discursiva,
operadores argumentativos. aspectos fonológicos, morfológicos,
sintáticos
e
semânticos.
Discutiu-se, também, as diferenças culturais a partir dos usos linguísticos
documentados nas letras das músicas e a representação de mundo presente nas
canções.
O critério para a escolha dessas letras foi a textualidade e sua importância
como (re) construção de mundo.
O suporte
momentos
teórico
em que
da proposta foi a Teoria
foram
mobilizados
Semiótica,
porém,
houve
conhecimentos acerca da Semântica
Argumentativa e da Análise do Discurso.
Os estudantes, alunos do Ensino Médio noturno, foram avaliados com base na
sua participação nas discussões em classe,
nas pesquisas em grupo,
nas
respostas dadas às questões que acompanharam cada um dos textos e demais
atividades propostas.
Essa avaliação nos possibilitou a percepção do desenvolvimento gradativo e
constante da capacidade dos alunos de compreender as letras das canções, com
um gradativamente mais crítico, atento e curioso acerca da cultura musical que o
cerca.
A mesma metodologia de análise foi estendida a outros textos veiculados pela
mídia com o intuito de ajudar o aluno a selecionar aquilo que ouve, vê e lê, tornandose um cidadão consciente, capaz de inferir em seu meio.
Reiteramos a certeza de que é possível desenvolver uma metodologia da
análise textual e formação do leitor competente capaz de assegurar uma melhor
compreensão
textual,
proporcionando
prazer,
conhecimento
e
consciência,
sublinhando o caráter político e transformador da tarefa educativa e em consonância
com a proposta de ensino das DCES de Língua Portuguesa.
REFERÊNCIA
AGUIAR, Joaquim. A poesia da canção. Col. Margens do texto. Ed. Scipione, São
Paulo, 1993.
29
30
ARBEX JR., J. 2001. Shownalismo. A notícia como espetáculo. São Paulo: Casa
Amarela, 290.
AUGUSTO, Carlos. Conhecimento, Transversalidade e Educação para além da
Interdisciplinaridade. Disponível em: http://carlosaugusto.org/ . Acesso em: 05
nov, 2007.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988.
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