ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I Versão Online 2009 O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE CANÇÕES DO BRASIL À LUZ DA SEMIÓTICA Suzyanne Dantas dos Santos1 Luiz Carlos Migliozzi2 Resumo Parcelas expressivas de profissionais ligados à educação, instigados pela necessidade de produzir novas pontes de comunicação com os alunos, passaram a refletir criticamente sobre suas práticas educativas. Mais do que isso, como que tateando outros caminhos, vêm buscando incorporar aos recursos utilizados em classe, outros além dos habituais. A canção, por se tratar de um espaço de elaboração discursiva que engloba um amplo domínio das relações humanas, identidades e visões de mundo, com grande circulação, tem sido evidenciada por um número crescente de trabalhos desenvolvidos sob diferentes perspectivas. Uma boa música pode proporcionar, além da fruição, o desenvolvimento das capacidades de leitura, exercendo um papel importantíssimo na formação do leitor e do ser humano. Ela é a um só tempo o objeto e o veículo de discussões sobre questões raciais, sociais, culturais e econômicas. O desafio deste trabalho foi, portanto, propor novas possibilidades estratégicas de leitura, compreensão e entendimento de canções da MPB. Para este fim utilizamos a Semiótica, teoria ancorada nos trabalhos do linguista francês A.J. Greimas que não visa a apenas demonstrar o que um texto diz, mas descrever as diferentes estratégias empregadas na construção dos efeitos de sentido que nele se manifestam. PALAVRAS-CHAVE: LEITURA; CANÇÃO; SEMIÓTICA 1 2 Docente de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Educação do Paraná. Participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, vinculado à Universidade Estadual de Londrina – UEL.. Docente do departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de Londrina – UEL. 2 Morre lentamente quem não viaja, Quem não lê, Quem não ouve música” Pablo Neruda 1 Introdução A leitura é um instrumento essencial na formação do indivíduo. Faz-se, portanto, necessário que professores, pesquisadores e estudiosos conheçam caminhos para propiciar a tão sonhada leitura transformadora, crítico-reflexiva. A Música Popular Brasileira pode ser uma poderosa aliada do professor nesse complexo processo de lapidação de leitores, já que a influência da música no cotidiano e no imaginário das pessoas é indiscutível. Ela pode, de uma maneira prazerosa e estimulante, levar o aluno à reflexão e à criticidade, essenciais à formação de um leitor competente. Apontada como facilitadora desse processo, a Teoria Semiótica da Escola de Paris, de Algirdas J. Greimas, ocasionou o nascimento de uma teoria, cuja eficiência, na atualidade, proporciona novas possibilidades estratégicas de leitura, compreensão e entendimento de textos verbais e não-verbais. Na esteira das teorias da significação, a Semiótica explora o sentido que atravessa o texto, procurando descrever, analisar e explicar sua estrutura interna, elucidando os percursos que o sentido desenvolve em relação a níveis de estruturação, para desvendar mecanismos e conexões nas informações implícitas ao longo do texto. Um dos propósitos do projeto que gerou este artigo foi o de expor, principalmente ao docente de Língua Portuguesa, a viabilidade da teoria de Greimas, tendo em vista sua aplicação prática e eficaz na análise de textos diversos e na emancipação do indivíduo letrado. Entendemos que um indivíduo para ser considerado letrado não deve apenas saber ler e escrever, mas usar socialmente a leitura e a escrita, adaptando-as às demandas sociais. 2 As Diretrizes Curriculares da Educação Básica, ao discorrerem sobre a prática da leitura em sala de aula afirmam que: Trata-se de propiciar o desenvolvimento de uma atividade crítica que leva o aluno a perceber o sujeito presente no texto e, ainda, tomar uma atitude responsiva diante deles. Sob esse ponto de vista, o professor precisa atuar como mediador, provocando os alunos a realizarem leituras significativas, deve dar condições para que o aluno atribua sentido a sua leitura, visando um sujeito crítico e atuante nas práticas de letramento da sociedade (p. 71). Os próprios PCNs, orientadores dos docentes em suas práticas didáticopedagógicas, trazem desde sua publicação pelo Ministério da Educação em 1998, encaminhamentos de ensino da leitura, intitulado ”prática de escuta de textos orais e leitura de textos escritos” cujo objetivo é explicitado no próprio documento (p.33): “analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio, desenvolvendo a capacidade de avaliação de textos...” Já na década de 70, os eventos científicos na área de linguagem incluíram em suas programações trabalhos sobre teorias interacionistas. Mais de trinta anos se passaram, e essas teorias tornaram-se cada vez mais presentes na literatura específica voltada para o docente de língua, mas o que vemos é que tal literatura ainda está muito restrita à área acadêmica, na prática nossas escolas continuam com conceitos ultrapassados, via-de-regra não se ultrapassa a fase de leitura como decodificação. Sente-se cada vez mais intensamente a necessidade de as escolas de ensino fundamental e médio caminharem em busca de parâmetros e suportes teóricos seguros e, sobretudo, práticas pedagógicas que efetivamente possam contribuir para o processo de letramento de seus alunos, obviamente dentro dos limites e possibilidades que envolvem o ensino. (SOARES 2001:67) Assim sendo, a escola, principal agência de letramento que se conhece, não pode negligenciar, nem recalcitrar ante sua responsabilidade de tornar seus alunos leitores dos mais diferentes gêneros textuais, que não apenas circulam na sociedade, mas cujo domínio se torna a chave de acesso aos bens culturais e econômicos. E o professor, formador de leitores, necessita ter ele próprio desenvolvido suas estratégias de leitura, necessita ter domínio de teorias linguísticas e cognitivas do ato de ler para poder nortear suas atividades didático-pedagógicas. Sem essa visão abrangente da complexidade do trabalho com a leitura, não conseguirá “promover 3 4 nos alunos a utilização de estratégias que lhe permitam interpretar e compreender autonomamente os textos escritos” (SOLÉ, 1998, p. 17) Se considerarmos a imagem do desconhecimento do aluno quanto ao uso da língua padrão, detectada, por exemplo, nos exames nacionais oficiais, que visam avaliar o desempenho escolar do ensino básico ao superior, deparamo-nos com a questão de que mesmo a própria escola, muitas vezes mantém uma abordagem metodológica equivocada em relação ao ensino de língua portuguesa, seja por razões ideológicas, que asseguram a sobrevivência de uma tradição estritamente metalinguística de ensino, seja por comodidade, desconhecimento, ou ainda por uma questão de natureza ideológica. Se concordamos com as diretrizes de que somente uma leitura aprofundada, em que o aluno é capaz de enxergar os implícitos, permite que ele depreenda as reais intenções que cada texto traz e se torne um leitor autônomo, temos que admitir que há uma urgente necessidade de mudança. 2. Fundamentação teórica Elegemos a Teoria Semiótica para embasar esse trabalho por entendermos que esta estabelece um procedimento metodológico de análise bastante coerente, possibilitando-nos a apreensão de efeitos de sentido dos textos com base na descrição de seus mecanismos internos. A Semiótica ocupa-se em esclarecer “o que o texto diz e como faz para dizer o que diz” (BARROS, 2005,p.7), o que significa dizer que o semioticista faz a análise interna do texto. É na estrutura interna do texto que a semiótica explica o seu dizer, valendo-se dos procedimentos da própria organização textual e dos mecanismos enunciativos, que relacionam produtor e receptor do texto para descrever e explicar o que se diz e como se faz esse dizer. Todo texto alia um plano de conteúdo veiculado por meio de um plano de expressão. Na canção popular, esse plano de expressão é melódico, ou seja, a canção popular é um texto sincrético em que tanto o conteúdo quanto expressão supõem relação interna entre os elementos que o constituem como um todo de sentido. 4 A Semiótica parte do princípio de que os textos possuem uma estrutura lógica subjacente geral. Assim apesar de possuírem estruturas superficiais específicas, eles possuem esquemas de organização interna comuns. Ao identificar tais elementos entre os textos, a semiótica cria um procedimento metodológico que pode ser aplicado a qualquer texto, voltando-se para o modo como o texto constrói aquilo que diz. Uma análise semiótica não visa a apenas demonstrar o que um texto diz, mas descrever as diferentes estratégias empregadas na construção dos efeitos de sentido que nele se manifestam, sua visão de mundo. A Semiótica “se interessa por tudo que faça sentido para o ser humano. Herdeira de Saussure e de Hjelmslev, não toma a linguagem como sistema de signos, e sim como sistema de significações, ou melhor, de relações, pois a significação decorre da relação” (Barros, 2005, p. 13) e, também no fato de a concepção metodológica do Percurso Gerativo de Sentido, proposta por Greimas, permitir que se analise os mais variados discursos-políticos, religiosos, obras de arte, propagandas, letras de músicas - enfim, todo e qualquer produto cultural passível de sentido para o homem. Faz-se necessário um breve retrospecto dos princípios da Semiótica greimasiana, porém sem a intenção de dar conta de todo seu fazer teórico pois ela “ não está facta, mas in fieri” (Fiorin, 1999, p.1) é uma teoria que se modifica, se refaz, não está pronta e acabada, mas sim a se construir. Primeiramente, seria relevante esclarecer que para a Semiótica “o texto pode ser oral ou escrito (texto lingüístico); visual ou gestual (imagens, dança, etc) ou mesmo sincrético. (BARROS, 2005) Essas diferentes possibilidades de manifestação textual devem, de acordo com a Teoria Semiótica, ser abstraídas, o que possibilita tomar-se o texto no seu plano de conteúdo e a partir desse explicar o(s) sentido(s) presente(s) no texto, sob a forma de um percurso gerativo. O percurso Gerativo do Sentido (PGS), cânone metodológico proposto por Greimas (1966) pode ser usado para se analisar qualquer texto. Ao elaborar a sua Teoria Semiótica, Greimas buscou compreender a produção de sentido de um texto a partir das relações entre as unidades, sem prender-se a uma descrição dos signos. Propõe que se tome o texto como um todo de 5 6 significações; e que essas significações se fundem na relação existente entre as unidades que estruturam o texto. Relação é o termo chave na Teoria Semiótica proposta por Greimas, é ela que dá significação ao texto. A significação é responsável pela construção de simulacros. Cada texto constrói uma imagem, uma “verdade”, e preocupa-se com os efeitos que a produção do texto deixa apreender, “tenta determinar as condições em que um objeto se torna significante para o homem” (BARROS, 2005, p.13). A significação é sempre articulada, perceptível aos sentidos e , ao mesmo tempo, remete a um conteúdo, a um conhecimento. O texto constitui-se materialmente, seja de forma verbal ou não- verbal, aciona os órgãos sensoriais (audição, tato, paladar,olfato e visão) responsáveis diretos pela percepção humana do mundo e que levam o homem a dar sentido a essa percepção. Na Semiótica, a ideia de verdade é a da verdade do texto. Qualquer aspecto da realidade é mais complexo do que supomos e essa complexidade está atrelada ao sistema de valores do sujeito e dos objetos com os quais ele se relaciona. “A verdade é sempre uma construção do homem e por isso é necessário acolher seu caráter múltiplo, problemático, variável em função dos pontos de vista humanos” (PIETROFORTE & LOPES, 2003, p. 116-117). O homem, ao dar sentido a um texto, está produzindo “verdade”, logo, por termos valores diferentes, temos “verdades” diferentes. 3 A canção na sala de aula “O mundo é barulho e é silêncio. A música extrai som do ruído num sacrifício cruento, para poder articular o barulho e o silêncio cruento, para poder articular o barulho e o silêncio do mundo.” (Wisnik, 1999) Profissionais ligados à educação, instigados pela necessidade de produzir novas pontes de comunicação com os alunos, passaram a refletir criticamente sobre suas práticas, buscando incorporar aos recursos utilizados em classe, outros recursos além dos habituais. 6 A importância da canção, como objeto de estudo, tem sido evidenciada por um número crescente de trabalhos (teses, artigos, ensaios) desenvolvidos sob diferentes perspectivas. Trata-se de um espaço de elaboração discursiva que engloba um amplo domínio das relações humanas, identidades e visões de mundo, com grande circulação na sociedade, enfocado com renovado interesse para a compreensão de variados aspectos da cultura brasileira. Nessas circunstâncias a música tem assumido crescente importância como meio pedagógico, insuflando novos ares nas ações em sala de aula. 3.2 Poesia da canção A tradição diz que a música e poema nasceram juntos. De fato, a palavra “lírica”, de onde vem a expressão “poema lírico”, significava originalmente certo tipo de composição literária feita para ser cantada fazendo-se acompanhar por instrumentos de corda, de preferência a lira. Durante muito tempo a poesia foi destinada à voz e ao ouvido. Seria necessário esperar pela Idade Moderna para que a invenção da imprensa, e com ela o triunfo da escrita, acentuasse a distinção entre música e poesia. A partir do século XVI a lírica foi abandonando o canto para se destinar, cada vez mais, à leitura silenciosa. Entretanto, mesmo separado da música, o poema continuou preservando traços daquela antiga união. Certas formas poéticas ainda vigentes como o Madrigal, o Rondó, a Balada e a Cantiga aludem às formas musicais. Além disso, pode-se estudar o “andamento” de uma passagem poética ou referir-se à “harmonia” de um verso ou à “melodia” de um refrão ou estribilho de um poema. Não podemos esquecer também que, tradicionalmente, o poeta é chamado de “cantor”, assim como o poema é chamado de “canto”. Para se inspirar, Homero, o mais antigo poeta, começa a sua “Odisseia” procurando ouvir o canto da Musa: “ Canta pra mim, ó Musa amada ”. O filme PALAVRA (EN)CANTADA, de Helena Solberg, testa os limites entre a canção e o poema na MPB e foi a sensibilização perfeita para iniciarmos nossas discussões em sala de aula. 7 8 A aceitação e naturalidade com que as pessoas assimilam a música (muito mais do que o poema) deve-se a sua presença constante na vida de todos. Vivemos em um mundo essencialmente sonoro, já na vida pré-natal, a audição supera largamente todos os outros sentidos, ela está estreitamente ligada às emoções e ao mundo pré-verbal, o que faz dela uma linguagem privilegiada. José Miguel Wisnik, em sua obra O som e o sentido, 1999 faz a respeito desse assunto a seguinte consideração: O feto cresce no útero ao som do coração da mãe...o ritmo está na base de todas as percepções...Dessas imbricações se entende o “grande poder de atuação [da música] sobre o corpo e a mente, sobre a consciência e o inconsciente, numa espécie de eficácia simbólica” (: 30, grifo do autor em referência ao conceito de Lévi-Strauss). Com o intuito de motivarmos os alunos, desenvolvemos uma atividade em que todos trabalharam com seu repertório pessoal. Eles montaram a trilha sonora de suas vidas e ao apresentarem-na para a sala perceberam que muitas vezes gostamos de uma música mais pela melodia do que pela letra. Outras vezes, porém, a letra diz tanto que a melodia passa a ser menos importante, e que quando letra e música formam uma dupla indissociável, tão bela que atinge em cheio o gosto de muitas pessoas, torna-se um clássico. A canção Codinome Beija-flor foi a nossa escolha como exemplo de uma dessas duplas perfeitas, um casamento harmonioso entre letra e melodia que vêm acompanhando corações enamorados desde que foi composta por Cazuza em 1985. Codinome Beija-flor Pra que mentir Fingir que perdoou Tentar ficar amigo sem rancor A emoção acabou Que coincidência é o amor A nossa música nunca mais tocou [...] CAZUZA; ARIAS, Reinaldo; NEVES, Ezequiel. In Exagerado, 1985 8 Ao conversarmos sobre a canção de Cazuza esclarecemos que, para a compreensão de um texto, a depreensão do significado contextual é um dado muito importante, sobretudo quando se trata de um texto de caráter poético. É bastante comum que letras de canções, assim como poemas, explorem as múltiplas possibilidades de significação de uma palavra. Assim o autor pode sempre apresentar as coisas do mundo, os fatos e as pessoas de forma nova e mais viva. O texto de Cazuza não usou as palavras apenas em seu sentido próprio, habitual, mas lançou mão de recursos que “brincam” com os seus significados. A canção nos possibilitou ainda trabalhar com a questão de que ao lermos pela primeira vez a letra de uma canção, podemos ter dificuldade para encontrarmos um fio condutor que nos mostre a unidade e a organização do texto. Porém, a exploração do texto mostrou que por trás desse aparente caos, há, em bons textos, coerência e harmonia, que poderemos vislumbrar a partir da observação de dados concretos da superfície até a compreensão de significados mais abstratos. Com o objetivo de proporcionarmos aos alunos envolvidos no projeto, um momento de fruição musical, convidamos alunos do curso de Música da UEL para que apresentassem, além da canção Codinome Beija-flor, todas as outras selecionadas para a Unidade Didática. Estando os alunos motivados, pudemos partir para a outra fase da implementação, que pretendia mostrar que uma boa música pode nos proporcionar, além da fruição, o desenvolvimento das capacidades de leitura. Uma pesquisa no laboratório de informática sobre “música-protesto” levou os alunos a ouvirem várias músicas, lerem diversas letras, assistirem a vídeo-clips e discutirem o contexto histórico das canções selecionadas. Vimos que desde as semi-eruditas modinhas imperiais até o surgimento de um “rock nacional”, a canção foi eleita lugar privilegiado para a manifestação dos ideais da cultura brasileira. Ela pode ser a um só tempo o objeto e o veículo de discussões sobre questões raciais, sociais, culturais e econômicas. O Brasil possui uma das maiores diversidades musicais do mundo e é o terceiro maior produtor de música do planeta, atrás apenas dos EUA e do Reino Unido. Apesar dessa diversidade, do inquestionável valor pedagógico e da riqueza que a MPB pode ofertar às práticas de ensino, pouco uso se faz dela. Mas isso parece estar mudando, há nos meios acadêmicos um progressivo interesse pela semiótica da canção popular. Dentre os estudos voltados para a 9 10 canção está o trabalho de Luiz Tatit, músico, linguista, professor e compositor, que, a partir da Semiótica greimasiana, apresenta em sua obra Semiótica da Canção, uma análise do processo de significação, ou seja, das condições de apreensão e de produção do sentido de canções da MPB. Assim define seu trabalho: A minha produção intelectual tem como foco teórico a semiótica e como objeto de estudo a canção. A semiótica me permite ouvir a canção como um entrosamento refinado entre melodia e letra, sem me empurrar para abordagens 'musicais', 'literárias' ou 'sociológicas' que pouco têm a ver com a canção. Gosto de considerar a canção uma linguagem à parte que precisa ser enfocada com parâmetros adequados. Só a semiótica abre uma perspectiva nessa linha de abordagem. O autor salienta que “o êxito obtido até agora pela Semiótica greimasiana pode em parte ser explicado por sua forte vocação para a multidisciplinaridade, a despeito de sua origem e tradição linguística” uma vez que teorias específicas para o componente verbal e musical raramente se compatibilizam a ponto de permitirem uma análise homogênea. Considerada como área de significativo valor para a compreensão da vida brasileira, a canção popular assume uma importância ainda maior se levarmos em conta a sua grande circulação na sociedade. Historicamente, tem se constituído como terreno frutífero para a elaboração de discursos variados, em enunciados que dialogicamente constroem significados abertos ao olhar interpretativo que busca a compreensão da cultura brasileira. Embora não cite Backtin em seus trabalhos, o autor compartilha a percepção de que a canção é na verdade um enunciado completo, que revela um intuito discursivo “ou o querer dizer” (Backtin,1997:122), diz ainda que a música é na verdade a atualização da fala e de modo sucinto afirma isso, com exemplos ilustrativos do caso brasileiro: O canto sempre foi uma dimensão potencializada da fala. No caso brasileiro, tanto os índios como os negros invocavam os deuses pelo canto. Do mesmo modo, as declarações lírico amorosas extraíam sua melhor força persuasiva das vozes dos seresteiros e modinheiros do século XIX. (2004:41) Mesmo não desconsiderando o fato de que a canção só pode ser plenamente avaliada levando-se em consideração a intimidade essencial da letra com a música, nesse trabalho privilegiamos a letra como objeto da nossa preocupação. 10 3. Canções: um retrato do Brasil A canção, tal como a conhecemos hoje, existe há bastante tempo. Uma de suas características foi a de ser produzida no meio popular e para ele especialmente dirigida. Entretanto, com o advento de meios de comunicação, ela foi abandonando aquele seu espontaneísmo de arte popular para entrar definitivamente nos esquemas comerciais que o rádio e o “disco” vieram impulsionar. Tomando esse rumo, a canção deixou de ser apenas expressão cultural de uma comunidade para atingir públicos cada vez maiores. Daremos um salto na história da música popular brasileira e começaremos pela década de 60. Nesse período a televisão brasileira se consolida, empurrando o rádio para o segundo plano. Surge o gosto pelas telenovelas e pelos seriados americanos, mas parecia faltar algo para que a TV empolgasse um certo tipo de público ainda resistente à programação televisiva. Apareceram, então, os musicais gravados nos teatros da TV Record. Graças a eles a emissora passou a viver uma fase de liderança absoluta de audiência. Nesses programas puderam se lançar aqueles que seriam os principais herdeiros da geração Bossa Nova: Chico Buarque e Caetano Veloso. Ambos jovens cantores de voz curta, mas de enorme talento e amor pela nossa música popular brasileira. Caetano e Chico saltaram, da noite para o dia das cadeiras universitárias para os palcos da televisão. Em pouquíssimo tempo eram transformados em celebridades. Grandes nomes de uma geração de talentos que chegavam para revitalizar a MPB dos anos 60, Caetano e Chico logo receberam o nome de poetas, devido não somente a qualidade lírica das suas canções, mas também ao fato de terem sido porta-vozes de um tempo e dos dilemas de uma geração. Em 1967, com apenas dois anos de carreira, Chico Buarque já era uma unanimidade nacional, graças à televisão. No ano anterior, Chico ganhara o primeiro lugar no Festival da MPB da TV Record, com a canção “A banda”. 11 12 A Banda Estava a toa na vida O meu amor me chamou Pra ver a banda passar Tocando coisas de amor A minha gente sofrida, despediu-se da dor Pra ver a banda passa, cantando coisas de amor [...] HOLLANDA, Francisco Buarque de. In Chico Buarque de Holanda, (LP) RGE, 1966. A letra refere-se a um tempo de paz e liberdade que se perdeu. A palavra banda é uma metáfora para representar a esperança e a alegria de um povo. A “minha gente sofrida” que vê na banda a possibilidade de quebrar o silêncio, representa as pessoas injustiçadas por um regime que estabeleceria o que elas deveriam fazer e pensar.Todas as rotinas de dor e tristeza se rompiam como que significando o rompimento da aceitação das regras impostas pelo governo militar. Essa era uma forma velada de protesto, já que não se podia dizer abertamente o que se pensava. O ritmo da música contagia pela alegria, o que reforça a mensagem. “Tudo aquilo que, tendo se formado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores.” (BAKHTIN. 1981 p. 111). Parece ser esse o caso de A Banda e seus interlocutores. Como o país inteiro cantarolou a sua marchinha aparentemente ingênua e nostálgica “A Banda” acabou contribuindo para rapidamente se cristalizar em Chico uma imagem de moço bom, bonito e bem criado, que atraia não apenas as moças, mas também as senhoras. Esse mesmo ano marcaria uma reviravolta na imagem do artista, que romperia com o enquadramento forjado pela televisão. Chico iria deixar de ser o bom mocinho. A oportunidade seria dada pelo III Festival da MPB, onde Chico Buarque apresentou “Roda Viva”. A letra revelaria o cuidado e o talento de um compositor experiente, que se propunha a competir num festival exigente, mas essa voz poética nos chegava 12 mesmo era para apontar a crueldade do presente. Um presente contraposto a um passado que por sua vez era visto com um sentimento de nostalgia. O que se foi parecia belo e o que vinha era terrível na medida em que nada mais escapava às garras de um tempo esmagador. Naquela época os valores acumulados até então começaram a entrar em crise ao mesmo tempo em que a repressão política brasileira afinava seus instrumentos para promover o desastre da ditadura. Desde 1964 vivíamos sob uma ditadura militar que não tinha mostrado ainda todo o seu poder de fogo. Um ano depois daquele festival, o Governo baixou o Ato Institucional nº 5 que pretendia calar de vez as vozes contrárias aos arbítrios do regime. Alguns meses depois, a canção voltou à cena para ser apresentada numa peça também intitulada “Roda Viva”, do mesmo Chico Buarque. O tema do espetáculo era a condição do artista vitimado pela idolatria forjada pelos meios de comunicação, mas como a peça também podia ser interpretada como imagem da vida civil oprimida pelo regime militar, a certa altura da temporada o “Comando de Caça aos Comunistas” invadiu o teatro agredindo brutalmente os atores e o público, e o cenário ficou destruído. Esse terrível episódio mostra os efeitos de uma notável mudança na obra e na postura de Chico Buarque. Da poesia nostálgica aos versos amargos, o compositor passava a desgostar parte de seu público. Questionando a unanimidade que fora criada em torno de si, Chico rejeitava sua condição de ídolo. No lugar do bom mocinho, aparecia o artista inquieto e combativo que não mais se enquadrava na imagem cultivada pela televisão. Em 1970, vivia-se no Brasil o ufanismo que antecedeu a conquista do tricampeonato mundial de futebol, no México. Rádios executavam à exaustão “Pra frente, Brasil”, de Miguel Gustavo, e “Eu te amo, meu Brasil”, da dupla Dom e Ravel. Carros exibiam adesivos como “Brasil! Ame-o ou deixe-o” ou até o ameaçador “Brasil! Ame-o ou morra”. A resposta de Chico ao que viu e não gostou foi a canção “Apesar de você”, que ele considera uma de suas canções realmente de protesto. 13 14 Prevendo atritos com a censura, Chico resolveu consultar um amigo que ponderou que só haveria problemas se os censores percebessem segundas intenções na letra e, de fato, num primeiro momento, não houve. Para surpresa geral, a letra foi liberada. Gravada, chegou a vender mais de 100 mil compactos em uma semana. Tudo ia bem, até que uma notinha num jornal do Rio de Janeiro insinuou que o “você” era na verdade o presidente Médice. Chico, que já estava preparado, disse cinicamente que se tratava de uma mulher muito mandona. Não colou. A polícia recolheu as cópias das lojas, invadiu a fábrica para destruir o estoque, proibiu sua execução nas rádios e, de quebra, puniu o censor que deixara escapar tamanho desrespeito. Apesar de você Hoje você é quem manda Falou, tá falado Não tem discussão A minha gente hoje anda Falando de lado E olhando pro chão, viu Você que inventou esse estado E inventou de inventar Toda a escuridão Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar O perdão [...] HOLLANDA, Chico Buarque de, Compacto Simples,1970 “Apesar de você” é uma metáfora da ditadura militar. A canção parte da situcionalidade para o texto pois reflete o sentimento de luta dos jovens artistas da época. O texto assimilou as ideias da sociedade e da época em que foi produzido. 14 O autor conta com a memória discursiva do leitor, pois não deixa tudo explícito e recorre ainda a uma intertextualidade quando utiliza a expressão popular “Inda pago pra ver” . Outro recurso utilizado pelo autor para dar mais sonoridade ao texto foi o trocadilho “vou cobrar com juros, juro”. O tema “Ditadura Militar” despertou bastante o interesse dos alunos e acabamos complementando o material didático e as atividades em sala de aula. Assistimos a depoimentos em vídeo, pesquisamos na internet, trouxemos para a sala de aula uma pessoa que estudava na USP na época e que relatou sua experiência pessoal com o período da Ditadura. Trabalhamos também com a canção “Cálice”, composta por Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973 para ser apresentada em um evento promovido pela gravadora Polygram. Em mais um episódio de repressão, no dia do evento, os microfones dos cantores foram desligados para que não pudessem cantá-la. Motivo: a música é uma comparação entre o sofrimento vivido pelo povo brasileiro e a Paixão de Cristo “Pai, afasta de mim esse cálice”. Além disso, a palavra cálice, repetida ao fundo, lembra-nos a ação da censura que procurava calar a sociedade oprimida. A canção, por meio do ritmo, de metáforas, analogias e seleção de palavras, retrata a agonia de um povo obrigado a se calar diante de um regime autoritário. Ainda aproveitando a curiosidade e o interesse dos alunos pelo tema, trabalhamos com mais duas canções de Chico Buarque “Vai Passar” e “Angélica” esta última solicitada por eles após assistirmos ao filme “Zuzu Angel” que conta a história da estilista Zuzu Angel, amiga de Chico Buarque, que teve seu filho, Stuart Angel, integrante do movimento guerrilheiro MR-8, preso, torturado e brutalmente assassinado pela ditadura. Seu corpo jamais foi encontrado. Conhecer parte do repertório de Chico Buaque, até então desconhecido para a maioria dos alunos, motivou-nos a levá-los a uma apresentação musical no SESC, o Show do Chico, com o cantor Jaime Santos, que lhes apresentou o lado sambista do compositor. Vislumbramos no show e em leituras posteriores um compositor preocupado com a preservação da música nacional no mercado musical da década de 70 que já impunha, com toda a força, a música estrangeira ao gosto brasileiro. 15 16 Antes da década de 50 não havia propriamente o que se pode chamar de uma “cultura da juventude”. O fenômeno o foi trazido dos Estados Unidos. Na ânsia de afirmar seu modo de ser, os adolescentes ganharam um mercado de produtos variados, capazes de atender aos seus gostos e hábitos próprios: sanduíches, refrigerantes, chicletes, roupas, cinema, música. Como se sabe, a música típica de afirmação juvenil é o rock, que por sinal aportou no Brasil na mesma época em que virou moda entre os adolescentes de classe média americana. No final dos anos 50 já se faziam por aqui muitas versões de baladinhas sentimentais, a matéria mais consumível do rock, de preferência sucessos de Paul Anka, Platters, Neil Sedaka e Pat Boone. Procurava-se um mercado de música juvenil entre nós. Mas não havia tradição brasileira nesse campo, e nem o rock recém-chegado tinha força para tanto. Parte da juventude gostava de Bossa Nova, mas a maioria ainda gostava dos cantores de rádio. Porém, em 1965 os Beatles varreriam o mundo. Com sua música,suas guitarra e cabeleiras, os quatro rapazes de Liverpool aqueciam o gosto pelo rock, tornando branda depois de esgotada a melhor fase de Elvis Presley. Nesse mesmo tempo Roberto Carlos também já era um artista de sucesso no Brasil. Tal como os Beatles, seu repertório destinava-se especialmente à juventude. Além disso o moço chegava com um estilo que prometia: gírias para se expressar, gosto por carrões, cabelos compridos, terninhos sem gola, botinhas, etc. Em pouco tempo tudo viraria moda. Apesar da rivalidade entre os rapazes da MPB, que abominavam a guitarra elétrica, e os rapazes do rock, que não tinham compromisso com o nacionalismo musical, a Jovem Guarda, liderada por Roberto Carlos, manteve-se firme por um bom tempo. Nas tardes de domingo era impensável ver outra coisa na televisão, os “cantores da Jovem Guarda” tornaram a TV Record a grande campeã de audiência. Mas como as fórmulas da TV tendem a se esgotar, o “movimento” acabou entrando em declínio. Além desse aspecto, contribuiu para a decadência da Jovem Guarda a sua incapacidade de competir com o rock internacional, que penetrava firmemente no mercado brasileiro de discos. Foi preciso aguardar os anos 80 para que pudéssemos ver no rock uma tendência dominante em nossa música popular. 16 A essa altura já tínhamos um público jovem bastante habituado ao rock, uma tecnologia musical mais compatível com a música pop e, por fim, um esquema de shows capacitado para promover espetáculos às grandes platéias. Foi assim que vimos aparecer um número considerável de bandas gravando discos de sucesso. Por ser um estilo de música especialmente praticada nos grandes centros, foi em São Paulo (Titãs, Ira!), no Rio (Barão Vermelho, Blitz) e em Brasília (Paralamas do Sucesso, Legião Urbana) que surgiram os principais conjuntos do rock nacional. O rock surgiu nos EUA numa época de grande prosperidade econômica, talvez por isso a ele tenha sido logo associada a ideia de rebeldia. Contra a acomodação da família pequeno- burguesa, o rock impunha seu ritmo acelerado, procurando liberar os costumes da classe média. No Brasil dos anos 80, a presença da AIDS comprometeu o discurso de liberação dos costumes, em especial aqueles ligados ao comportamento sexual. Além disso, para nós a década de oitenta está marcada como época de derrocada econômica e, com ela, o sentimento de decepção com os rumos do país. Nessa medida o rock brasileiro expressa bem os dilemas de uma geração vivendo num tempo abafado, sem muitas esperanças. Canções como Brasil e Ideologia (Cazuza) saltando da esfera restrita do depoimento pessoal, acabam se dirigindo a uma geração ameaçada pelo imobilismo que é fruto, talvez, do esfriamento das lutas políticas, do consumo desmedido e da crise do sonho de uma sociedade mais justa. A nova geração do rock queria “revolucionar a música popular brasileira; pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer” (Clemente, Banda Inocentes, apud Bivar 1982) e “invadir a sua praia”, “sentindo cheiro de gasolina e óleo diesel”, com os pés fincados firmemente no concreto das grandes cidades. Com um discurso pós- moderno as letras invertiam conceitos como “Tradição, Família e Propriedade” questionando diversas rotulações e preconceitos. A canção “ A gente somos inútil” (Ultraje a Rigor) recheada de deboche e ironia, seguida dos clássicos “Que País é Esse?” (Legião Urbana), “Polícia”, “Estado Violência”, “Comida” (Titãs), “Armas”, “Alagados” (Paralamas do Sucesso), e “O Tempo Não Pára”, “Brasil”, “Blues da Piedade”, “Burguesia” (Cazuza), colocaram o “País do Futuro”, “ame o Brasil ou Deixe-o” e “Deus é brasileiro” na lixeira da história. 17 18 “Comida” do grupo Titãs, talvez seja o rock mais expressivo dessa fase eletrizada da MPB. A canção foi um dos mais fortes e marcantes protestos da sua geração, ela apresenta críticas ao sistema de governo, na tentativa de gerar a conscientização das pessoas para o problema da distribuição de renda no Brasil. Ao analisar a letra percebe-se que ela possui um discurso bastante direto, sem metáforas complicadas ou imagens difíceis de desvendar. A canção é dividida em duas estrofes com oito versos cada, acompanhadas do refrão. Os versos são paralelísticos, ou seja, repetem a mesma estrutura sintática, de modo que facilitam a memorização e reforçam a musicalidade da composição. Comida Bebida é água Comida é pasto Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? A gente não quer só comida, A gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só comida, A gente quer saída para qualquer parte (...) ANTUNES Arnaldo, BRITO Sérgio, FROMER Marcelo. In Jesus não tem dentes no país dos banguelas, WEA, 1987. Em relação à letra tudo se organiza a partir do verbo querer. Em relação ao ritmo, a base do rock, ouvimos a batida forte e repetitiva do funk. Vale a pena observar que a leitura das estrofes pode ser feita de duas maneiras: tanto na linha horizontal, quanto na vertical. Como as palavras “não” e “quer” aparecem sempre na mesma posição, forma-se na vertical o mesmo jogo “quer/não quer”. A letra traz uma crítica à campanha contra a fome liderada pelo sociólogo Betinho, afirmando que comida corresponde a apenas uma parte das necessidades do homem e que o ser humano precisa muito mais do que comida. precisamos de lazer, diversão, arte, liberdade para que nos sintamos saciados. 18 Todos O uso de recorrências lexicais, como no caso de “a gente” enfatiza a ideia de que gente é diferente de animal, que precisa de mais coisas além da comida. O advérbio “só” aparece em várias partes do texto, para reforçar a ideia de parcialidade. Já no teor do refrão percebemos a redução rítmica e formal da canção, onde comida e bebida se apresentam em seu sentido mais elementar: a bebida é apenas o líquido e a comida o mero alimento. A polifonia constitui-se no diálogo com a Campanha da Solidariedade e com a política do “pão e circo”. Questões como: salário mínimo, política das “bolsas”, campanha de solidariedade do Betinho foram discutidas. O início dos anos 80 pode ser definido como o momento da história recente do país em que o último dos governos militares enfrentava uma profunda crise nos seus três frontes decisivos: economia, coesão e hegemonia. Os militares estavam divididos sobre a dosagem correta de repressão e liberdade a ser aplicada. Amplos setores das classes dominantes, muitos dos quais haviam apoiado o golpe de 64, estavam descontentes com o governo. O povo e principalmente a classe média que fazia para com eles a ligação e formação da opinião, sinalizava o desejo de mudança. O povo foi às ruas em grandes manifestações e o fez como cidadão, não como classe. Nesse mesmo período, deputados e senadores derrotaram a emenda Dante de Oliveira, que tinha por objetivo reinstaurar as eleições diretas para presidente da República no Brasil, e tomaram para si a tarefa de escolher o novo mandatário da nação. Os alunos conversaram com seus pais e/ou avós e trouxeram anotações sobre esse período para a sala de aula. As opiniões foram bastante divergentes, o que enriqueceu nosso debate sobre: Diretas Já, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, José Sarney e Fernando Collor de Mello. Percebendo o interesse pelo assunto propusemos a leitura do livro “Carapintada” de Renato Tapajós, que amarra dois períodos históricos muito agitados no Brasil: 1969/ 1992. Com uma linguagem ágil, coloquial e forte, o autor constrói com competência o encontro de duas gerações que, cada qual a seu modo, tentaram mudar o destino do país. 19 20 Outras sugestões foram: O livro Rômulo e Júlia – Os caras-pintadas de Rogério Andrade Barbosa (Ed. FTD), que aborda os quatro meses que antecederam à renúncia do presidente Collor, coincidindo com a descoberta da adoção ilegal de uma criança, filha de presos políticos, na época da repressão militar no Brasil. Os filmes, Eles não usam black-tie de 1981, dirigido por Leon Hirszman, Pra frente, Brasil de 1982, escrito por Roberto Farias, La historia oficial (A história oficial), filme argentino de 1985, e Anos Rebeldes, minissérie brasileira produzida e transmitida pela Rede Globo, entre 14 de julho e 14 de agosto de 1992. A música que atravessou os conturbados anos 80, especialmente o rock, parecia brotar das entranhas e das garagens. Ela foi uma ruptura com a tradição, não uma evolução do rock dos anos 70, embora guarde em alguns casos, influências do Tropicalismo, dos Mutantes, de Rita Lee, dos Novos Baianos da primeira fase, de Secos & Molhados e da eclética vanguarda paulista. A relação com o social é a forte marca do rock desse período. As letras de Cazuza, por exemplo, recheadas de fortes metáforas, são afiadas, sarcásticas, refletem muito bem o Brasil pós repressão militar e como veremos, continuam extremamente atuais. O tempo não para Disparo contra o sol Sou forte, sou por acaso Minha metralhadora cheia de mágoas Eu sou o cara Cansado de correr Na direção contrária Sem pódio de chegada ou beijo de namorada Eu sou mais um cara [...] CAZUZA, In Ideologia. RJ, 1988 O “centro da sociedade”, materializado pela cultura do homem branco ocidental, heterossexual e de classe média passa a ser contestado pelo discurso do excluído presente nessa e em muitas de suas canções. 20 Muito mais do que um sujeito, o que passa a ser questionado é toda uma noção de cultura, ética, educação e moral que, vem usufruindo, ao longo dos tempos, de um modo praticamente inabalável, a posição privilegiada ao torno da qual tudo o mais gravita. Apesar da estreita relação entre o eu-lírico e o autor da canção precisamos lembrar que “nenhuma das categorias, enunciador, enunciatário, o tempo e o lugar, são manifestações do mundo natural, mas apenas simulacros que representam um universo utópico. Para a semiótica o enunciado se projeta a partir da enunciação, que se define através das categorias de, pessoa, de tempo e espaço. Floch (2001, p. 26-27). Por outro lado, se pensarmos no sujeito da enunciação, que manipula valores no nível discursivo, observamos que a voz do enunciador, ao denunciar a situação de opressão social por meio de seu texto, visa conscientizar os enunciatários, simulacros dos ouvintes de sua canção, a respeito da necessidade de transformação social. Desse modo, o texto, por meio das estratégias enunciativas utilizadas, visa à transformação de consciências Quanto à projeção de personagens, espaço e tempo, observa-se que na canção de Cazuza, o enunciador se concretiza na primeira pessoa: disparo, eu sou, minha, eu vejo, eu vou...sempre no presente do indicativo. Ocorre pois, aí, uma debreagem actancial e temporal enunciativa em que se revelam efeitos de sentido de subjetividade e presentificação temporal. Ex: Disparo contra o sol/ Sou forte, sou por acaso/ Minha metralhadora cheia de mágoas/ Eu sou o cara. A canção tem seu percurso narrativo centrado no sujeito que busca um ‘valor’, no caso do sujeito de “O tempo não para” o valor a ser alcançado é a identificação, o sujeito da enunciação busca o reconhecimento como cidadão brasileiro, seu “querer” é denunciar uma situação de marginalização, de manipulação e para tanto ele “dispara” contra tudo e contra todos usando a única arma que tem: a música. A situação conjunta para o enunciador é de inconformismo, típica de um adolescente, o que se evidencia nas marcas linguísticas: tô, eu sou o cara e em figuras como “beijo de namorada”. Ainda na primeira estrofe podemos observar a mudança do artigo definido o em “o cara” para o indefinido um em “mais um cara” o que nos dá ideia da vulnerabilidade do sujeito, às vezes se sente invencível , outras derrotado. 21 22 A aparência, as expressões, a conduta, os acessórios, os gestos, a idade e o modo de se vestir emitem sinais de identidade e classe social. Todo o texto se constrói sob oposições semânticas, o que reforça a tese da vulnerabilidade, descrença e incertezas do sujeito sobre o futuro e as reais possibilidades de mudança. Vejamos o quadro a seguir: FIGURA SOL METRALHADORA CANSADO DE CORRER PÓDIO/ BJ DE NAMORADA ROLANDO OS DADOS ARRANHÃO PISCINA RATOS TEMPO FUTURO TEMPO PASSADO MUSEU DIAS DE PAR EM PAR AGULHA NO PALHEIRO LADRÃO/BICHA/MACONHEIRO PUTEIRO DINHEIRO TEMA MUDANÇA / PODER DESTRUIÇÃO DESÂNIMO / DESILUSÃO VITÓRIA/ CONQUISTA / RECOMPENSA COMPETIÇÃO/ ESPERANÇA PERDA / DOR / SOFRIMMENTO RIQUEZA / PODER / BELEZA SUJEIRA/ CORRUPÇÃO / NOCIVIDADE MUDANÇA/ TRANSFORMAÇÃO ESTAGNAÇÃO / REPETIÇÃO PERPETUAÇÃO DE VALORES PERDA DE TEMPO PERDA DE TEMPO / FRACASSO MARGINALIZAÇÃO DESORDEM / BAGUNÇA/ CORRUPÇÃO VANTAGENS/LUCRO/ RECOMPENSA Ao observarmos o quadro acima percebemos que as situações de disjunção são mais constantes do que as de conjunção, porém o sujeito ao repetir por diversas vezes a expressão “o tempo não para” mantém o programa de transformação atuando na apropriação dos objetos desejados e valorizados. Dessa forma o sujeito assume o “fazer”: crítica social. ”Me chamam de ladrão, de bicha, maconheiro / Transformam o país inteiro num puteiro / Pois assim se ganha mais dinheiro” Enquanto os indivíduos se preocupam em analisar e categorizar pessoas, assuntos mais importantes nos fogem à mente, gerando alienação e possibilitando a continuação da exploração do país pelas elites. As “categorias” o ladrão, o bicha, o maconheiro, são como uma espécie de “depósito de lixo conceitual” (Eerola,T. 2004) onde os fenômenos e condutas “estranhas” são colocados, numa tentativa de serem digeridos. Essa tentativa de entender um fenômeno comportamental “diferente”, quando frustrada causa desconforto, perturba, incomoda, irrita. Assim, o fenômeno novo pode ser considerado tão agressor que represente uma ameaça. Surge então o preconceito. Como disse o cantor e compositor Renato Russo “o preconceito nasce do desconhecimento, do medo” (apud Dapieve 1995). 22 Quando a digestão e absorção de algo não procedem, uma categorização pode ser embasada, fortificada e este ganha uma voz viva em forma de uma exclamação, de uma ofensa dirigida ao representante deste fenômeno. Um exemplo disto é a expressão “bicha”, tenta-se assim desconstruir o “estranho”, invertendo-o a algo pejorativo. Como exemplo, o visual agressivo dos punks, na década de 80, com os cabelos arrepiados ou moicanos, virou “pavão/periquito/urubu”, ao mesmo tempo em que desesperadamente tentava-se classificar o visto e percebido, mas não reconhecido e compreendido. O período da ditadura militar foi um campo fértil para a propagação de preconceitos de toda ordem, produzindo uma série de categorizações e rótulos neles baseadas, muitos artistas foram categorizados como “arruaceiros, bichas, subversivos, maconheiros, agitadores, comunistas, traidores da pátria” e, como vimos, foram perseguidos e presos. Lamentavelmente, isso não acabou com o fim da Ditadura Militar, muitos preconceitos continuavam sendo utilizados para nomear e categorizar o “diferente”, ou seja, tudo aquilo que difere de uma sociedade machista e conservadora. O problema é que na maioria das vezes as pessoas não questionam ou resistem a estes mecanismos, é difícil lutar contra toda uma cultura, herdeira do machismo luso-latino, exploração escravista, ditaduras militares e forte estratificação social. Politicamente falando o rock dos anos 80 tinha certa ligação com o sindicalismo e com os partidos de esquerda, mas, não eram, de forma alguma, partidários da música engajada, característica de setores da MPB 60/70: “Meu partido / É um coração partido / E as ilusões estão todas perdidas / Os meus sonhos foram todos vendidos / Tão barato que eu nem acredito/ Meus heróis morreram de overdose / Meus inimigos estão no poder / Ideologia / Eu quero uma pra viver...” (Ideologia/Cazuza) O rock tinha na realidade, uma relação de distanciamento com a ideia de nação, um rock anti-exaltação, certa concepção de que “nação” é uma instituição tão especial que é mesmo feita só para poucos. Uma abstração. O mais conhecido exemplo é a música Brasil, também de Cazuza. 23 24 Brasil Não me convidaram Pra essa festa pobre Que os homens armaram pra me convencer A pagar sem ver Toda essa droga Que já vem malhada antes de eu nascer (...) Brasil, mostra a tua cara Quero ver quem paga Pra gente ficar assim (...) CAZUZA. In Ideologia, 1988 As figuras utilizadas pelo autor associam imagens narrativas de uma voz excluída remetendo o nosso olhar em direção ao país desigual. A voz do sujeito fazse ouvir pelas posições desvalorizadas e ignoradas. Ela ecoa das margens da cultura e, com destemor, contesta as imagens do Brasil, propostas por músicas anteriores que só enalteciam o país. Uma política protagonizada por vários grupos que se reconhecem passa a acontecer. O que passa a ser questionado, nas músicas de Cazuza é toda uma noção de arte, educação, ética e cultura. A anáfora e a repetição do vocábulo “não” na letra da canção reforçam a revolta e a ironia em relação aos dirigentes do país, anunciando uma visão crítica do contexto social: “não me convidaram/ não me elegeram/ não me ofereceram/ não me sortearam/ não me subornaram” Por essas repetições, a canção reverbera um Brasil que exclui, que enfatiza um discurso vazio “fala-se muito e faz-se pouco”. A canção estabelece diálogo com situações da época, exigindo conhecimento de mundo do ouvinte. Na década de 80, o programa Fantástico da Rede Globo exibia um quadro chamado Garota do Fantástico, que consistia num desfile e na eleição de uma garota, o qual projetava as eleitas para a fama. Hoje temos o quadro “Garota fantástica”. 24 Apesar de fazer uma séria crítica ao país, na última estrofe o eu-lírico reafirma o seu compromisso de não traição, talvez uma alusão aos responsáveis pelas condições sócio-econômicas do país. A progressão do texto ocorre por meio de paralelismo: “Não me sortearam/não me convidaram” e na última estrofe ocorre a reativação de Brasil por meio de “grande pátria”. 4. Novas canções Nos anos 90, deu-se a chamada “nova MPB”, e vem acontecendo em meio a muitas críticas. Alguns afirmam que o novo ritmo é apenas mais um estilo inserido na indústria cultural, e que suas letras de música não possuem preocupação ideológica. Por outro lado, há a questão da inovação tecnológica da música brasileira, marcada pela individualidade de cada artista. Artistas como Chico César, Lenine e Zélia Duncan, cantores que já pertenciam a MPB, optaram por renovar suas músicas a partir dos anos 90, inserindo elementos eletrônicos, como bateria eletrônica, piano elétrico e baixo eletrônico e misturando a música pop. Cássia Eller, Bebel Giberto, Marisa Monte, Maria Rita, Ana Carolina, Adriana Calcanhoto, Luciana Melo, Vanessa da Mata, Zeca Baleiro, Fernanda Porto, Maria Gadu, dentre outros, fazem parte dessa nova geração. Os denominados novos músicos da MPB são uma verdadeira junção do que há de melhor na música popular brasileira com os experimentalismos do século 21. A nova MPB surge como um pensamento diferenciado. É a mistura do novo, da tecnologia, com o que passou, considerando e ampliando referências. Mas esse grupo enfrenta dificuldade para a difusão de suas músicas, pois outra forte tendência contemporânea são as manifestações musicais de gêneros fáceis, como axé, sertanejo, forró e funk, que são veiculados a grande mídia. São composições fáceis de serem memorizadas, de ritmo comum e com a finalidade da venda. Essas músicas tornam-se “onda” e não possuem muito tempo de vida no mercado musical. 25 26 Encerramento: Com uma apresentação musical eclética e divertida, encerramos nossa viagem pela MPB. Para o “gran-finale” contamos com a participação de alunos do curso de música da UEL, que também nos auxiliaram no decorrer do trabalho, e montaram uma banda para apresentarem ao vivo aos alunos todas as músicas trabalhadas em sala, além de outros “hits” das últimas décadas. 4. Considerações postados pelos professores do GTR: Na opinião da professora Helaine Giraldeli, Canções do Brasil à luz da Semiótica trabalha com um gênero altamente dialógico, que possibilita a postura crítica e o desenvolvimento das capacidades linguístico-discursiva dos alunos. O projeto não desconsidera a intimidade essencial entre letra e melodia e prevê a leitura de canções que trazem a possibilidade de confrontar visões de mundo, cultura e valores o que o torna pertinente em relação às DCEs do Paraná. Helaine comenta que, por só terem acesso à cultura de massa, a aceitação das músicas da MPB nem sempre é imediata, mas também acredita que ampliar os horizontes e mostrar um mundo mais rico e significativo aos alunos é papel fundamental da escola. Essa opinião também é da professora Clice Acácia de Castro que considerou bastante oportuna a prática didático-pedagógica, pois ela permite que se analise criticamente diferentes discursos; argumenta ainda que trabalhar com canções possibilita trazer questões raciais, sociais, culturais e econômicas para serem debatidas em sala de aula de maneira prazerosa. Jacinta Magalhães concordou com a problematização do projeto e não tem dúvidas de que grande parte de nossos alunos não ultrapassa a decodificação, que uma das grandes dificuldades do professor tem sido formar leitores que não se atenham somente à decifração de códigos, muitas vezes sem entender o que estão lendo, outras tantas, sem refletir a respeito do que leem. Ela acredita que o projeto leva os alunos a conhecerem um pouco mais da nossa história, haja vista que o contexto de produção é levado em conta, bem como “o reconhecimento das vozes sociais e das ideologias presentes nos discursos”, conforme é mencionado nas DCEs. A professora apreciou ainda a possibilidade de se trabalhar as figuras 26 de linguagem nas análises das canções, uma vez que para que o aluno compreenda tal recurso faz-se necessário que ele reflita com profundidade sobre os sentidos do texto. Sueli do Rocio considerou o trabalho bastante pertinente às escolas públicas e concorda com a importância de nos preocuparmos com o desenvolvimento das habilidades linguístico-discursivas dos alunos, já que a possibilidade da interpretação amplia sua visão de mundo. Para o professor Humberto H. Maronezi um grande problema em relação à utilização canções em aulas de português é que estas acabam se tornando apenas um “pretexto” para se ensinar a gramática normativa. Sandra de Lourdes concorda e comenta que frequentemente, os livros didáticos trazem trabalhos com música, mas quase sempre voltados apenas para aspectos relacionados à estrutura ou a estudos gramaticais. Para ela, caso o professor se detenha somente a esses aspectos, o seu trabalho não será em nada diferente das metodologias tradicionais de ensino da Língua Portuguesa. Angélica Torres comenta que o universo de músicas e letras dentro da MPB é imenso e pode ser trabalhado a partir de temas, épocas e aspectos linguísticos, aponta que o projeto está totalmente arraigado às experiências diárias em audição dos alunos e colocá-los em prática na oralidade e leitura proporcionará maior aprendizagem. Desenvolver um trabalho como esse de reflexão sobre um dos gêneros textuais que viabiliza um trabalho lúdico e prazeroso em sala da aula desenvolve potencialidades cognitivas de forma significativa na opinião da colega Sirlene da Silva. A professora Angélica concorda e aponta que usar a canção como fonte desencadeadora de estudo torna a aula prazerosa e harmônica. Por haver prazer o aluno abre as suas barreiras de aceitação, próprias da idade, para incutir os valores e análises que o professor irá permear dentro das aulas de desenvolvimento do projeto. Diz ainda que a escolha do recorte histórico da música popular brasileira utilizado no projeto foi de feliz escolha, pois aproximase dos alunos em questão e traz em suas letras valores de época e análises críticas que ainda estão vigentes na sociedade brasileira , além do que é de um cabedal riquíssimo tanto em conteúdo quanto estilo, perfeitos elementos para uma análise em textos discursivos. 27 28 O caminho, segundo Humberto, consiste em atribuir voz aos alunos, para que estes também se manifestem socialmente, o que somente será possível através do domínio dos mecanismos discursivos de que poderão lançar mão, apreendidos através da análise dos diversos textos sociais que os circundam, dentre os quais as canções ocupam papel preponderante. Joaquina de Lima Cristo endossa a posição do projeto de que a música está presente em todas as etapas de nossas vidas, que o mundo é sonoro e que, portanto, a música é sempre bem aceita. A professora cita as DCEs ao comentar que a dimensão artística contribui ainda para a humanização dos sentidos e para a superação da condição de alienação e repressão. Além disso, Joaquina salienta que, muito além da fruição a elaboração do projeto visa a formação de leitores críticos, capazes de identificar nas letras das músicas as intenções de seus autores e capazes de opinar a respeito.. 5. Considerações finais Nossas leituras, audições, debates, reflexões e análises tiveram a finalidade de mostrar o quanto a canção pode estar impregnada de idealismos, denúncias, críticas sociais e sentimentos. Historicamente, ela tem se constituído como terreno frutífero para a elaboração de discursos variados, em enunciados que dialogicamente constroem significados abertos ao olhar interpretativo que busca a compreensão da cultura brasileira. Para desvendarmos mecanismos de estruturação de significados das canções, exploramos o sentido que as atravessa, procurando descrever, analisar e explicar sua estrutura interna, elucidando os percursos que o sentido desenvolve. A preocupação principal deste trabalho foi o de despertar o senso crítico do educando por meio da leitura e compreensão das letras de canções, levandoo a pensar a respeito dos processos de transformação social, bem como refletir acerca da estrutura linguística procedimento metodológico de análise. 28 do texto utilizando a Semiótica como O sentido dos textos musicais foi construído, levando em conta o contexto sócio-político-cultural. Nesse percurso, foram mobilizados fatores de coerência do texto como conhecimento de mundo, intertextualidade, polifonia discursiva, operadores argumentativos. aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos. Discutiu-se, também, as diferenças culturais a partir dos usos linguísticos documentados nas letras das músicas e a representação de mundo presente nas canções. O critério para a escolha dessas letras foi a textualidade e sua importância como (re) construção de mundo. O suporte momentos teórico em que da proposta foi a Teoria foram mobilizados Semiótica, porém, houve conhecimentos acerca da Semântica Argumentativa e da Análise do Discurso. Os estudantes, alunos do Ensino Médio noturno, foram avaliados com base na sua participação nas discussões em classe, nas pesquisas em grupo, nas respostas dadas às questões que acompanharam cada um dos textos e demais atividades propostas. Essa avaliação nos possibilitou a percepção do desenvolvimento gradativo e constante da capacidade dos alunos de compreender as letras das canções, com um gradativamente mais crítico, atento e curioso acerca da cultura musical que o cerca. A mesma metodologia de análise foi estendida a outros textos veiculados pela mídia com o intuito de ajudar o aluno a selecionar aquilo que ouve, vê e lê, tornandose um cidadão consciente, capaz de inferir em seu meio. Reiteramos a certeza de que é possível desenvolver uma metodologia da análise textual e formação do leitor competente capaz de assegurar uma melhor compreensão textual, proporcionando prazer, conhecimento e consciência, sublinhando o caráter político e transformador da tarefa educativa e em consonância com a proposta de ensino das DCES de Língua Portuguesa. REFERÊNCIA AGUIAR, Joaquim. A poesia da canção. Col. Margens do texto. Ed. Scipione, São Paulo, 1993. 29 30 ARBEX JR., J. 2001. Shownalismo. A notícia como espetáculo. 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