Interações Entre Formigas e Nectários Extraflorais em Angicos-do-Cerrado (Anadenanthera falcata) Camila Miranda Lopes [email protected] Eliane Pereira [email protected] Fernanda Mariano Macieira [email protected] Gustavo Maruyama Mori [email protected] Luana Cheven Perbore dos Santos [email protected] Victor Toni Lourenço [email protected] RA:031635 RA:032398 RA:032759 RA:033209 RA: 034109 RA:036422 Curso de Graduação em Ciências Biológicas, IB, UNICAMP Orientadora: Eleonore Setz 1 Resumo: Nectários extraflorais (NEFs) são estruturas secretoras de néctar não relacionadas à polinização da planta. Nesse trabalho foram observadas as interações entre plantas com NEFs, formigas e possíveis herbívoros. A planta considerada foi a Anadenanthera falcata, o Angico, que apresenta seus NEFs localizados nos caules próximos às inserções das folhas. O trabalho em questão foi realizado na Reserva Campininha, em Mogi-Guaçu, São Paulo, em uma vegetação de cerrado. O objetivo foi verificar se formigas oferecem proteção potencial contra herbivoria do Angico, analisando o número de formigas encontradas na planta, o tempo de remoção de um possível herbívoro, no caso desse estudo um cupim, e a intensidade de herbivoria da planta. Como referência, utilizamos também uma planta próxima ao angico de porte semelhante e sem nectários extraflorais. Chegamos a conclusão de que angicos possuem mais formigas quando comparados com plantas vizinhas. Os angicos com maior número de formigas apresentaram menores tempos de remoção do herbívoro, mas isso não ocorreu com as plantas vizinhas. Além disso, plantas menos predadas (as que apresentam NEFs) foram as que possuíram tempo de remoção menor, já que nelas há uma proteção potencial das formigas. Podemos, então, sugerir que as formigas oferecem proteção potencial contra possíveis herbívoros do angico. Palavras-chave: Anadenanthera falcata, nectários extraflorais, cerrado, formigas, herbivoria 2 Introdução: Os nectários extaflorais são estruturas secretoras de néctar. O termo extrafloral é usado para designar nectários não envolvidos diretamente na polinização da planta. Muitas espécies de plantas com nectários extraflorais (NEFs) mantêm uma relação mutualística com formigas que visitam esses nectários e, portanto, protegem a planta contra possíveis herbívoros. As plantas que apresentam nectários extraflorais são abundantes entre locais de vegetação arbórea. Essas glândulas têm-se mostrado muito importantes na atividade de formigas na flora do cerrado.(Oliveira et.al. 2002). Estudos recentes no cerrado brasileiro revelaram que nectários extraflorais estão presentes em até 25% das espécies de plantas lenhosas (Costa et.al. 1992). Porém a interação formiga-NEFs ainda demanda investigações. Nosso trabalho foi realizado com Anadenanthera falcata, de nome popular “angico-do-cerrado”, presente nessa vegetação e que apresenta NEFs e visa responder às seguintes perguntas: -Plantas com nectários extraflorais são mais visitadas por formigas do que plantas sem nectários? -As formigas oferecem proteção potencial contra possíveis herbívoros do Angico? -O número de formigas afeta o tempo de remoção do cupim na planta? Material e Métodos: O trabalho foi realizado em uma área de cerrado da Reserva Biológica de Mogi-Guaçu do Instituto de Botânica de São Paulo (350 ha), localizada na Estação Experimental de Mogi-Guaçu (Fazenda Campininha) do Instituto Florestal do Estado de São Paulo. A Fazenda Campininha está localizada a 22º 11-18’ S, 47º 7-10’ W, próxima a Vila Martinho Prado, no Município de Mogi-Guaçu, Estado de São Paulo (Morais, 1984). Os dados foram coletados, pela manhã, no dia 28/04/2004, coincidindo com o período de estação seca da região, que abrange os meses de abril a setembro (Lopes, 1984). Para o início da realização do trabalho de campo coletamos um fragmento de uma colônia de cupins. Então, à beira de uma estrada que atravessa a vegetação de cerrado, localizamos indivíduos de angico e de plantas vizinhas de altura aproximadamente igual a do angico. A altura da planta vizinha devia ser 3 semelhante a do angico para permitir uma comparação entre os dados obtidos para as duas espécies.Imediatamente contamos o número de formigas presentes em ambas as plantas sem encostar nas mesmas. Essa medida evitou que as possíveis perturbações na planta pudessem modificar a circulação das formigas e, desta forma, alterar a contagem.Em plantas com poucos ramos, efetuamos a contagem total de formigas, ao passo que em plantas com muitos ramos o número de formigas foi estimado através de contagem em um único ramo e posterior multiplicação pelo número total de ramos da planta. Após a contagem de formigas, aderimos com o auxílio de cola branca e de pinça macia, um cupim a cerca de 50 cm do ápice. Verificamos o tempo de encontro e remoção do cupim pelas formigas que patrulhavam o angico. Caso não houvesse encontro ou remoção em até 10 min de observação, considerou-se o cupim como não-removido. Estimamos a altura e a intensidade de predação na planta, sendo que essa intensidade foi medida em termos de porcentagem de área foliar perdida na planta. Ao final da coleta de dados, marcamos as duas plantas com fitas numeradas para evitar que as mesmas plantas fossem usadas novamente. Para a análise dos dados, foram amostrados 30 pares de plantas de 50 a 250cm de altura. Para a análise de alguns dados, aplicamos o teste do Qui Quadrado relacionando os valores esperados e os observados para formigas nos angicos e para formigas nas plantas vizinhas. A proporção esperada, se as formigas se distribuíssem ao acaso, entre presença e ausência de formigas, em ambas as plantas, seria de 5:1 (no caso de 30 indivíduos, 24:6), pois o cerrado apresenta um grande número de formigas e elas não estariam igualmente divididas entre as árvores com e sem formigas. Resultados Relacionamos a altura da planta, tanto dos angicos quanto das “vizinhas”, com o número de formigas nela presente. Nos angicos, à medida que a altura aumenta, aumenta o número de formigas (Figura1). Já nas “vizinhas”, não encontramos nenhuma relação entre tamanho e número de formigas (Figura2.). Observamos também a ausência de formigas em 33,33% das plantas vizinhas, enquanto que 6,66% dos angicos não apresentavam formigas. Relacionando os valores esperados e os observados para a presença ou ausência de formigas nos angicos e nas “vizinhas”, chegamos a um valor de Qui Quadrado igual a 6,6, maior do que o valor crítico de Qui Quadrado 3,8; para 1% e GL=1. 4 A média de intensidade de predação observada foi menor nos angicos (12,63 +-10,72%) do que nas plantas vizinhas (15,67 +-12,43%) (figura 3). Relacionamos também o número de formigas com o tempo de remoção do cupim tanto nos angicos (figura 4) quanto nas plantas vizinhas (figura 5). Observamos que, tanto no angico quanto nas plantas vizinhas, quanto maior o número de formigas, menor o tempo de remoção do cupim. A média de tempo de retirada dos cupins nos angicos foi inferior (178s) à média de tempo de retirada de plantas vizinhas (201,57s). É necessário salientar que em 23 das 30 plantas vizinhas (76,67%) os cupins não foram retirados durante o tempo de pesquisa, enquanto que, em apenas 7 dos 30 angicos (23,33%) esse fato ocorreu. Nos angicos, quanto maior o tempo de remoção do cupim, maior a predação da planta(figura 6). Já com relação às plantas vizinhas não houve essa correlação (figura 7). Discussão Relacionando o número de angicos e plantas vizinhas com e sem formigas encontramos um valor de qui quadrado (X²=6,6) que mostra que os angicos efetivamente possuem mais formigas. Além disso, 33,33% das plantas vizinhas não apresentavam formigas, enquanto que em apenas 6,66% dos angicos elas estavam ausentes. Esses fatos se devem provavelmente à presença de NEFs, uma fonte fixa de alimentos para as formigas. Os angicos com alturas maiores apresentaram mais formigas do que os menores (Figura 1) o que não ocorre com as “vizinhas” (figura2.). Isso pode significar que plantas maiores possuem mais NEFs, o que implica em uma maior quantidade de alimento para as formigas. O tempo de remoção de cupins, nos angicos, é relativamente menor em relação às plantas vizinhas (Figura 4) quando comparado ao tempo de remoção dos mesmos nos angicos (figura 5). Esse fato deve-se a reação mais agressiva das formigas, uma vez que elas tendem a proteger essa fonte fixa de alimento. Plantas que apresentam um maior número de formigas possuem uma intensidade de predação menor, o que pode evidenciar o papel das formigas em proteger plantas contra a herbivoria (Costa et al., 1992). Quanto menor o número de formigas no angico, maior o tempo de remoção do cupim, menor a proteção potencial e, conseqüentemente, maior a intensidade de predação da planta. Já nas plantas vizinhas, não encontramos essa 5 correlação. Essa diferença entre angicos e “vizinhas” pode ser explicada pela ausência da relação de protocooperação, entre as formigas e as plantas vizinhas. A interação formiga-herbívoro-planta é especialmente difundia no cerrado, o que pode ser observado pela grande abundancia de nectários extraflorais presentes nesse ambiente (Oliveira et al., 2002 apud Oliveira and Oliveira-Filho 1991). Observações feitas em áreas de cerrado confirmaram a ocorrência de visitas de formigas em plantas com nectários extraflorais (Costa et al., 1992 apud Oliveira et al., 1987). Nossas conclusões foram semelhantes às de experimentos anteriores sobre a interação planta-formiga, que revelaram que as visitas das formigas aos nectários extraflorais diminuem o nível de herbivoria, consideravelmente (Oliveira et al., 2002 apud Oliveira 1997). Entretanto, para melhor avaliar quão relevante os NEFs podem ser para a manutenção da Integridade da planta na comunidade do cerrado experimentos adicionais devem ser realizados com essa espécie nesse tipo de vegetação. Referências Bibliográficas: COSTA, F.M.C.B., OLIVEIRA-FILHO, A.T., OLIVEIRA, P.S. 1992, The role of extrafloral nectaries in Qualea grandiflora (Vochysiaceae) in limiting herbivory: an experiment of ant protection in cerrado vegetation. Ecological Entomology 17, 363-365,. FERREIRA, S. O. 1994. Nectários extraflorais de Qualea spectabilis (Ochnaceae) e a comunidade de formigas associadas: um estudo em vegetação de cerrado, no Sudeste do Brasil. T/UNICAMP- Campinas. LOPES, BENEDITO CORTES. 1984. Aspectos da ecologia de mebracídeos (insecta: homóptera) em vegetação de cerrado do estado de São Paulo, Brasil. Campinas, SP: [s.n.] MORAIS, HELENA CASTANHEIRA de. 1984. Estrutura de uma comunidade de formigas arborícolas em vegetação de campo cerrado. Campinas,SP: [s.n.]. OLIVEIRA, P.S., SILVA, A. F. AND MARTINS A.B. 1987. Ant foraging on extrafloral nectaries of Qualea grandiflora (Vochysiaceae) in cerrado vegetation: ants as potential ant herbivore agents. Ecologia 74: 228230. OLIVEIRA, P.S., MARQUIS, R.J. 2002. The Cerrados of Brazil. Ecology and Natural History of a Neotropical Savanna. Columbia University Press, New York. 6 Apêndice: Figura1. Altura do angico em relação ao número de formigas nele presente. 35 N. formigas 30 25 20 R2 = 0.2705 15 10 5 0 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 Altura (m) p=0,0032 Figura2. Altura da planta vizinha em relação ao número de formigas nela presente. 10 número de formigas 9 8 7 6 5 4 3 R2 = 0,0001 2 1 0 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 altura da planta vizinha (m) p=0,9573 7 Figura 3. Comparação entre as médias da intensidade de predação dos angicos e das planta vizinhas com Média da Intensidade de Predação das Plantas (%) seus respectivos desvios padrão. 30 25 20 Angico 15 Planta Vizinha 10 5 0 Figura 4. Número de formigas em relação ao tempo de remoção do cupim nos Angicos que tiveram seus cupins removidos. 500 tempo de remoção (s) 450 400 350 300 250 200 150 100 50 0 0 5 10 15 20 25 30 35 nº de formigas P=0,6450 8 Figura 5. Número de formigas em relação ao tempo de remoção do cupim nas Plantas Vizinhas que tiveram Tempo de remoção do cupim (s) seus cupins removidos. 400 350 300 250 200 150 100 50 0 0 2 4 6 8 10 Nº de formigas P=0,5235 Figura 6. Relação entre intensidade de predação e tempo de remoção do cupim nos Angicos, considerando-se intensidade de predação (%) apenas os angicos que tiveram cupins removidos. 30 25 20 15 R2 = 0,1865 10 5 0 0 100 200 300 400 500 tempo de remoção (s) p=0,0395 9 Figura 7. Relação entre intensidade de predação e tempo de remoção do cupim nas plantas vizinhas, intensidade de predação (s) considerando apenas as plantas vizinhas que tiveram seus cupins removidos. 45 40 35 30 25 20 15 10 R2 = 0,0593 5 0 0 100 200 300 400 tempo de remoção (%) p=0,5986 10