Artigo autorizado para publicação e cessão de direitos autorais pelos autores para os Anais do I Simpósio Latino Brasileiro de Psicologia Positiva Título: Tratamento da obesidade baseado em psicologia positiva e mindfulness Autores: Emerson Andrade Pacheco, MSc. Mestre em Sistemas de Gestão pela Universidade Federal Flumenense. Psicólogo e terapeuta cognitivo-comportamental. Mônica Portella, DSc. Introdução O enfoque do presente trabalho é propor um tratamento complementar de redução de peso e na manutenção da perda de peso de pessoas obesas, baseado em Psicologia Positiva, especialmente pela prática de mindfulness, aumentando a eficácia dos tratamentos convencionais da obesidade. A obesidade tem se tornado uma epidemia mundial em crescimento, considerando que a quantidade de obesos no mundo dobrou desde 1980, segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS (WHO, 2014). Em 2008, segundo a OMS, mais de 1,4 bilhões de adultos com 20 anos ou mais estava acima do peso, representando cerca de 35% do total de adultos nesta faixa etária. Destes, mais de 200 milhões de homens e quase 200 milhões de mulheres estavam obesos, cerca de 11% do total. (Ibidem) Estes dados são preocupantes, porque a obesidade é um importante fator de risco para diversas doenças graves, como hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia, doenças cardiovasculares, síndrome de apnéia do sono, osteoatrose dos membros inferiores, dentre outros. Por este motivo, a mortalidade tende a aumentar nos pacientes obesos, proporcionalmente ao aumento da obesidade. (MARINHO et col., 2011). Definição, Critérios e Etiologia A obesidade é caracterizada pela acumulação excessiva de gordura corporal com potencial com prejuízo à saúde, decorrente de vários fatores, sejam esses genéticos ou ambientais, como padrões dietéticos e de atividade física ou, ainda, fatores individuais de susceptibilidade biológica, entre muitos outros, que interagem na etiologia dessa patologia (WHO, ibidem). Tem-se identificado o ponto de corte para adultos com base na associação entre IMC e doença crônica ou mortalidade (ABESO, 2009). A classificação adaptada pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1998) apresentada na tabela abaixo, baseia-se em padrões internacionais desenvolvidos para pessoas adultas descendentes de europeus. Tabela: Classificação de peso pelo IMC (WHO, 2014). A etiologia da obesidade é complexa e multifatorial, resultando da interação de genes, ambiente, estilos de vida e fatores emocionais. (MARINHO et col, 2011). O ambiente moderno apresenta inúmeros estímulos para a obesidade. A diminuição dos níveis de atividade física em decorrência do sedentarismo, associado ao aumento da ingestão calórica através de alimentos ricos em gorduras e carboidratos são os fatores determinantes ambientais mais fortes que colaboram para o desenvolvimento da obesidade.(ABESO, 2009). O fato de haver forte influência genética na obesidade não indica que não se devam empregar esforços para adequar o peso dessas pessoas desde a infância, atuando na prevenção primária da obesidade (ABESO, ibid.). Tratamentos Convencionais para o Transtorno de Obesidade Os tratamentos convencionais incluem a prescrição de dieta hipocalórica e a realização de atividades físicas a fim de produzir déficit calórico pela diminuição da ingestão de calorias e do aumento do gasto calórico.. (ABESO, ibid.). Quando os tratamentos convencionais à base de dieta hipocalórica e por realização de atividade física não funcionam, pode-se lançar mão da terapia medicamentosa e, em casos de sobrepeso associado à comorbidades ou em graus de obesidade mais graves, a cirurgia pode ser indicada. Não existe nenhum tratamento farmacológico em longo prazo que não envolva mudança de estilo de vida .(ibid.). Considera-se sucesso no tratamento da obesidade a habilidade de atingir e manter a perda de peso que seja clinicamente útil, resultando em efeitos benéficos sobre as doenças associadas, como diabetes tipo 2, hipertensão e dislipidemia. Uma queda de peso corporal em 10% ou mais é considerado sucesso terapêutico. (MARINHO et col., 2011). Para dar certo, o tratamento deve ser, portanto, multidisciplinar, e deve sempre incluir:, segundo Marinho e colegas (2011), dieta hipocalórica, exercícios físicos, terapia medicamentosa e terapia comportamental. Tabela 1: Principais tratamentos convencionais para a obesidade e sobrepeso, elaborado pelo autor Resultados dos tratamentos tradicionais para a obesidade Uma revisão recente baseada em evidências examinou 36 trabalhos que avaliaram os benefícios adicionais da terapia comportamental a outras abordagens para a perda de peso e 31 trabalhos que compararam diferentes estratégias comportamentais. (ABESO, 2009) Dessa revisão, concluiu-se que a terapia cognitivo-comportamental fornece benefício adicional no curto prazo a até um ano, mas que necessitam de intervenção continuada para que esses resultados possam persistir em longo prazo, como em três a cinco anos.(ibid.). Com base na revisão de resultados empíricos, pode-se, portanto, afirmar que tratamentos para obesidade como terapia comportamental, dietas hipocalóricas, programas de exercício, e psicofarmacologia frequentemente produzem apenas efeitos moderados e temporários de perda de peso. (LEAHY, 2008). Por exemplo, no tratamento de obesidade com terapia comportamental, embora os pacientes percam aproximadamente 10% de seu peso inicial, a maioria é incapaz de manter o novo peso por mais de 1 ano e muitos retornam ao peso inicial depois de 5 anos. (ibid.). Embora a cirurgia bariátrica para redução de peso demonstre ser efetiva para pessoas com obesidade mórbida (IMC igual ou maior que 40), ou com moderada obesidade (IMC entre 35 e 39) e/ou sérias co-morbidades, como diabetes mellitus, apnéia do sono, doença cardiovascular, etc), tem-se evidenciado que a ocorrência de transtorno de compulsão alimentar em muitos desses pacientes prejudica a sua perda de perda de peso pós-cirúrgica, e o tratamento efetivo deste transtorno é imprescindível para promover perda de peso pós-cirúrgica. (ibid.) Para Caldwell e Baime (2012), uma das razões para que apenas 20% das pessoas que perderam peso após participarem de um programa comportamental padrão de redução de peso consigam manter esse peso é que, ao seguir uma dieta hipocalórica, o paciente aprenda a ignorar alguns sinais somáticos associados à fome. A percepção acurada desses sinais fisiológicos internos, e a resposta apropriada a eles, é necessária para uma auto-regulação bem-sucedida do comportamento alimentar. Portanto, uma alternativa a esse paradigma centrado na dieta hipocalórica é a abordagem centrada na alimentação intuitiva ou sintonizada com as necessidades corporais. (idem). Evidências Empíricas mindfulness dos Tratamentos da obesidade baseados em Resumidamente, para Snyder et col. (2011), mindfulness é uma busca ativa por novidade e sensibilidade ao contexto e à perspectiva. Envolve uma consciência dos acontecimentos cotidianos e das sensações fisiológicas e psicológicas; implica em superar o desejo de reduzir a incerteza na vida cotidiana e a tendência de se envolver num comportamento automático; em avaliar a si mesmo, aos outros e às situações com menor frequência. Para Snyder e colegas (2011), o comportamento automático seria a tendência oposta, chamada“Mindlessness” (literalmente, “atenção ausente” ou “mente ausente”), que implica em vagar passivamente pela vida cotidiana. Para Godsey (2013), as abordagens baseadas em mindfulness, combinadas com outras estratégias tradicionais de redução de peso, podem aumentar a eficácia desses tratamentos no longo prazo, com uma abordagem holística voltada para a saúde e bem-estar. Segundo o National Center of Complementary and Alternative Medicine (NCCAM, apud Godsey, 2013, pg.431), “as práticas de mindfulness podem ser associadas com um aumento do bem-estar psicológico, menores índices de transtornos alimentares, maior perda de peso e melhoria na função metabólica”. Há numerosa evidência empírica fundamentando a eficácia da abordagem das terapias baseadas em mindfulness no tratamento psicológico de ansiedade e transtornos depressivos, bem como nos transtornos alimentares. (GODSEY, 2013) No entanto, são ainda incipientes as pesquisas empíricas controladas demonstrando a eficácia do mindfulness no tratamento da obesidade e sobrepeso, sobretudo como uma estratégia única para prevenção e tratamento da obesidade. A maioria dos estudos recentes têm como público-alvo mulheres e crianças. Poucos estudos incluem homens como participantes de intervenções baseadas em mindfulness ou como uma conjunção com outras estratégias de redução de peso. (ibidem). Os pesquisadores Lillis e colegas (ibid.) complementaram seu programa de redução de peso com uma oficina de trabalho de 1 dia baseado nos princípios da Terapia da Aceitação e Compromisso – TAC, que é baseada em mindfulness. A oficina de trabalho de Lillis e colegas (ibidem) enfocou os estigmas sociais associados à obesidade e o estresse psicológico. Num acompanhamento de 3 meses, os participantes relataram resultados favoráveis na redução no estigma associado à obesidade, no estresse psicológico, e na diminuição da massa corporal que aqueles randomizados no grupo de controle em lista de espera. Análises estatísticas comprovaram que esses resultados estavam relacionados à mudanças na aceitação específica do peso e na flexibilidade psicológica. Tapper et al. (ibid.) evidenciaram que a prática de mindfulness pode reduzir o IMC em indíviduos obesos. Eles basearam seu programa de redução de peso na TAC. Amostras aleatórias de mulheres participaram de 4 oficinas de trabalho de 2 horas. Depois de um acompanhamento de 6 meses, os participantes que relataram maior uso das habilidade aprendidas durante as oficinas de trabalho também apresentaram os maiores índices de adesão à atividade física e maior redução do índice de massa corporal (IMC) que os participantes do grupo de controle. A redução na alimentação compulsiva esteve relacionada à redução do IMC. Estes resultados empíricos evidenciam que o tratamento baseado em mindfulness é um componente essencial no tratamento holístico da obesidade e que as abordagens baseadas em mindfulness pode melhorar ou estender no longo prazo a eficácia os resultados de saúde em pessoas portadoras de transtornos alimentares e também está associado com a redução de consumo de alimentos de forma geral, escolhas alimentares mais saudáveis, e práticas que tornam mais lento e consciente o processo de alimentação entre populações obesas. (GODSEY, 2013) Proposta de tratamento da obesidade e sobrepeso baseados em Psicologia Positiva e mindfulness Segundo Snyder e Lopez (2002), alguns fatores são responsáveis por uma melhor qualidade de vida e bem-estar, e dentre estes citamos a saúde física como principal enfoque deste trabalho. No tratamento proposto neste trabalho, integra-se a abordagem baseada em mindfulness com outros conceitos da Psicologia Positiva, como savoring, apreciação (SNYDER e LOPEZ, 2011) e as atividades intencionais de LYUBOMIRSKY (2009). A relação dos principais conceitos e técnicas de Psicologia Positiva ao tratamento da obesidade e sobrepeso se encontram na tabela abaixo: Técnica Positiva de Psicologia Saúde física (Snyder e Lopez, 2002) Atividades de Lazer (Portella, 2011) Apreciação ou savoring (Snyder e Lopez, 2011) Relação com o tratamento da obesidade e sobrepeso O exercício físico é um caminho para a boa forma e para a autoconfiança e contribui para melhorar o humor Além de gerar prazer e emoções positivas pode ajudar na aderência à realização de atividades físicas prazerosas A ampliação e apreciação (savoring) de experiências positivas e agradáveis pode ser empregada ao alimentar-se e praticar atividades físicas para aumentar aderência ao tratamento Congratular-se por conquistas e realizações positivas Promove emoções positivas e pode ser associado ao trabalho com metas de emagrecimento para aumentar motivação e aderência ao tratamento Snyder e Lopez (2011) Afiar os sentidos através da concentração (Bryant e Veroff, 2006, apud PORTELLA, 2011) Compartilhar experiências positivas (Bryant e Veroff, ibid.) Atividades intencionais Tem efeito multiplicador das emoções positivas e pode ser usado no trabalho de grupo durante as oficinas de trabalho Expressar gratidão, cultivar otimismo, evitar ruminação mental e comparação social, desenvolver estratégias para lidar com adversidades, savoring, comprometer-se com seus objetivos, e, especialmente, cuidar de seu corpo (Lyubomirsky,2009) Estar no momento prolongar ativamente evento Consiste na absorção nas atividades cotidianas, pode ser empregado ao alimentar-se e praticar exercícios físicos e o Forma de apreciação que pode ser empregada ao alimentar-se e durante exercícios físicos Mindfulness ou “Atenção Plena” Prática de atenção e consciência plena ao alimentar-se e praticar exercícios, ajuda a se manter presente, sem julgamento, na regulação das emoções associadas e nos mecanismos naturais de feedback corporal de fome e saciedade (Bryant e Veroff, ibid) (Snyder e Lopez, 2011) Tabela 2 – Aplicações da Psicologia Positiva no Tratamento de Obesidade Fonte: Elaborado pelo autor Conclusão As evidências empíricas apresentadas na revisão bibliográfica mostram que o tratamento da obesidade baseados em mindfulness, estando já consolidado no tratamento dos transtornos alimentares, é ainda incipiente no tratamento da obesidade, mas os resultados iniciais são muito promissores. Este trabalho propõe um tratamento da obesidade com Psicologia Positiva, especialmente baseado na prática de mindfulness, visando a redução do peso e a manutenção da perda do peso no longo prazo, complementando, assim, a eficácia limitada das terapias tradicionais da obesidade, já que, por estes métodos tradicionais, a maioria das pessoas recupera o peso depois de 2 anos. Os resultados do trabalho integrado de Psicologia Positiva e mindfulness pode aumentar a eficácia no longo prazo do tratamento da obesidade ao diminuir a alimentação externa (alimentar-se devido a estímulos externos, ao invés de ser motivado por necessidades fisiológicas de fome); ao reduzir a alimentação emocional (que é uma estratégia inadequada de lidar com emoções negativas utilizando a alimentação como distração ou compensação); e diminuindo a restrição alimentar, comum nas dietas hipocalóricas que se assemelham aos comportamentos restritivos dos transtorno alimentares. Depreende-se que a prática de mindfulness está ligada às atividades intencionais e é por elas reforçada, e, portanto, a Psicologia Positiva pode contribuir enormemente para atuar na prevenção secundária (que ocorre quando o problema de obesidade já existe), contribuindo para a redução do peso dos obesos, - e na prevenção primária (atuando na manutenção do peso para que o problema da obesidade não volte a ocorrer), promovendo, assim, saúde e qualidade de vida, e prevenindo doenças graves associadas à obesidade e ao sobrepeso. Referências Bibliográficas ABESO - Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. - Diretrizes brasileiras de obesidade 2009/2010. 3.ed. - Itapevi, SP : AC Farmacêutica, 2009. CALDWEL, K..L BAIME, M.J. Mindfulness Based Approaches to Obesity and Weight Loss Maintenance.- Journal of Mental Health, 2012 extraído do site search.ebscohost.com em 10 de maio de 2014 GODSEY, J. The role of mindfulness based interventions in the treatment of obesity and eating disorders: An integrative review. Complementary Therapies in Medicine Volume 21, Issue 4 , Pages 430-439, Elsevier, 2013. LEAHY, RL.; Tirch, Dennis; Napolitano, Lisa A. Regulação Emocional em Psicoterapia. Um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental.Porto Alegre, Editora Artmed.2013 PORTELLA, M. A ciência do bem-viver. Propostas e técnicas da Psicologia Positiva. CPAF-RJ Rio de Janeiro, 2011 SNYDER, C.R. LOPEZ, S.J., Pedrott, J.T.. Positive Psychology - The Scientific and Practical Explorations of Human Strengths. 2ª ed. SAGE Publications, 2011 WHO. World Health Organization. Global Health Observatory (GHO). Extraído do site http://www.who.int/gho/ncd/risk_factors/overweight/en/ em 10 de maio de 2014 MARINHO, M.; ROCHA LIMA, M; NICOLICH, M; Netto, M; MESSINA, Bruno. Endocrinologia Volume 3. MedCurso. Rio de Janeiro: MedyKlin Editora, 2011 PORTELLA, M. A ciência do bem-viver. Propostas e técnicas da Psicologia Positiva. Rio de Janeiro: CPAF-RJ, 2011 SNYDER, C.R. Lopez, S.J., PEDROTT, J.T.. Positive Psychology - The Scientific and Practical Explorations of Human Strengths. 2ª ed. SAGE Publications, 2011 LYUBORMIRSKY, Sonja - The How of Happiness: approach to getting the life you want. Kindle Edition, 2007 A scientific