Hakakure e o caminho do samurai

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Paulo Coelho
Hakakure e o caminho do samurai
Yamamoto Tsunetomo (1659 – 1719), depois de servir
durante muitos anos como samurai, resolveu narrar tudo aquilo
que aprendeu para Tsuramoto Tashiro, um de seus discípulos. O
resultado
destas
conversas
transformou-se
no
livro
“Hagakure”(Escondido atrás da folhagem), que conseguiu
resistir à passagem do tempo, e ainda hoje é atual.
Relendo o texto, me dei conta que grande parte dos
ensinamentos ali contidos podem ser aplicados à nossa vida
diária. Um samurai, como sabemos, era um guerreiro com um
código de conduta (conhecido como bushido), baseado em três
pontos importantes:
A] disciplina.
B] ética
C] coragem.
Elementos esses que deviam estar presentes em cada
uma das decisões que tomamos. Assim, ao procurar um sentido
em nossa peregrinação sobre a face da Terra, entenderíamos
que:
A] só é possível atingir um sonho quando se tem a
vontade necessária para tanto. Não basta entusiasmo, paixão,
desejo – é preciso força e concentração também.
B] quando vamos em busca de algo que tem um
verdadeiro significado em nossa existência, não existe
necessidade de ferir ou pisar as outras pessoas. Ao
contrário, quanto mais respeitamos o caminho alheio, mais
aliados encontramos em nosso caminho, e mais respeito teremos
em troca.
C] além da disciplina e da ética, é necessário
entender que, apesar do medo, precisamos seguir adiante.
Coragem não significa ausência de temores – mas a capacidade
de não se deixar paralisar por eles.
Como já disse em outras colunas, todos nós vamos
morrer um dia. Ao tomarmos consciência disso, devíamos nos
entregar com muito mais alegria à vida, fazendo coisas que
sempre adiamos, respeitando os minutos preciosos que estão
passando e não voltarão jamais, desvendando e descobrindo
horizontes que podem ser interessantes ou decepcionantes, mas
que merecem pelo menos um pouco de esforço de nossa parte.
É normal que procuremos evitar a morte. Não apenas
é normal, como é a atitude mais saudável que podemos ter.
Entretanto, é uma aberração negá-la, já que sua consciência
nos dá muito mais coragem. Se eu fosse morrer hoje, o que
gostaria de fazer que não fiz? Este é o meu pensamento todas
as manhãs. Aprendi, no caminho de Santiago, que o Anjo da
Morte é o meu melhor conselheiro.
Paulo Coelho
Yamamoto Tsunetomo diz em determinado momento a seu
discípulo: “todos nós queremos viver, e isso é absolutamente
natural. Entretanto, desde crianças, devíamos também aprender
a escolher nossa melhor maneira de morrer. Se não fazemos
isso, terminamos gastando nossos dias como um cão, apenas em
busca de abrigo, comida, dando em troca uma lealdade cega ao
seu dono, de modo a justificar o teto e a alimentação. Isso
não basta para fazer com que nossas vidas tenham um sentido”.
Não adianta tentar criar um mundo aparentemente
seguro, e nada melhor para explicar isso do que uma pequena
história de John O’Hara:
Um homem vai ao mercado comprar frutas, quando vê
sua Morte caminhando entre as pessoas. Desesperado, volta
correndo, e pede ao patrão para dispensá-lo aquele dia, já
que viu sua Morte de perto.
O patrão deixa que retorne à sua aldeia, mas começa
a pensar que talvez tudo aquilo seja uma mentira. Resolve ir
até o mercado – e realmente vê a Morte do seu empregado
sentada em um banco. Reclama:
- Mas o que você está fazendo aqui? Meu servo ficou
surpreso ao encontrá-la, e por causa disso precisei
dispensá-lo hoje do trabalho!
- Eu também fiquei surpresa ao vê-lo aqui –
responde a Morte. – Tenho um encontro marcado com ele às
cinco horas desta tarde, em sua aldeia, e pelo visto ele irá
escapar de mim.
O patrão pensa em voltar correndo, chamar o
empregado, mas já é tarde. O destino irá se cumprir
exatamente como tinha sido escrito – sobretudo, porque o
homem teve medo da Morte, e resolveu sair correndo.
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