Doença difusa e obstrução ao fluxo aéreo

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Doença difusa e obstrução ao fluxo aéreo
Trabalho realizado no HSPE-SP
Maria Raquel Soares-Médica do serviço
Rafael Vanin de Moraes – estagiário de clínica de médica
Mariana Lima- Médica do serviço
Ester NAM Coletta-Patologista so Serviço de Anatomia Patológica
Carlos AC Pereira-Ex-diretor do serviço
Relato do caso
Paciente masculino, 69 anos, ex-tabagista há 25 anos (20 maços-ano), procurou o
serviço de emergência em agosto de 2010, referindo tosse acompanhada de
hemoptise (leve) há cinco dias, mais pela manhã e dispnéia aos pequenos esforços
como deambular.
De antecedentes pessoais referia diabetes mellitus, em uso de insulina 20/6 U;
hipertensão arterial, em uso de enalapril, hidroclorotiazida e propanolol.
Etilista, portador de hepatopatia alcoólica com varizes de esôfago.
Trabalhou como lustrador de móveis até há 15 anos.
Faz trabalhos caseiros ocasionais em móveis, usando verniz e tiner
Ao exame clínico encontrava-se em BEG, PA= 150/90 mmHg, FC: 88bpm, BNRNF,
sem sopros; FR= 24irpm, estertores grossos bibasais discretos.Panturrilhas livres, sem
sinais de TVP, discreto edema de MMII
Exames laboratoriais à admissão
- BNP=428 pg/ml
- D-dímero=<0,5 ng/ml
-PCR=<0,10mg/dl
- Ca=6,9 mg/dl / creat=0,9 mg/dl/ uréia=23 / Na= 140mEq/l /K=3,0mEq/l / Mg=1,2mg/l/
- Glicemia: 174mg/dl/ DHL=704 U/L/ TGO=59 U/L/ TGP=217 U/L / FAL=188 U/L /
GGT:774 U/L / Plaquetas= 290000/mm3 / TP=11seg/ AP=>100% / RNI=0,97
- HMG: Hb= 13,9g/dl / Ht = 42,5% / LG=8400/mmm3 (N80/E1,7/B0,5/L11,5/M5,7)
(Obs: 30 dias antes tinha Hb de 15,7 e Ht de 48%)
- Gasometria arterial pH=7,45/ PaCO2=37,8mmHg/ PaO2=64,4mmHg/
HCO3=25,7mmol/L/ BE=1,7mmol/L/ SatO2=90,7%.
US abdome: Esteatose hepática moderada e discreto aumento de lobo hepático E
Figura 1. Radiografia do tórax de 11/08/2010
Figura 2. TCAR
ECODOPPLERCARDIOGRAMA (11/08/2010):
- Alteração de relaxamento de VE
- Insuficiência mitral, aórtica e tricúspide discreta
- Dilatação discreta da raiz da aorta
- FE=0,66
- Sem sinais de HP
Apesar de tratamento para possível ICC mantinha hemoptise, sendo transferido do
serviço de Geriatria para a Pneumologia.
A suspeita foi de hemorragia alveolar difusa, confirmada por realização de LBA.
Pesquisa de agentes infecciosos no LBA negativa. Biópsia transbrônquica com
achados inespecíficos. Diferencial do LBA após centrifugação: macrófagos 21%, N=
0,5%, Li= Li 67%; Eo 11% .
Exames laboratoriais colhidos em (24/08/2010):
- Urina I = dentro da normalidade
- Anticoagulante lúpico, anticardiolipina, anti RNP, SM, RO, La, Jo1, Scl70, FR e FAN
= todos negativos
- ANCA: não reagente
- IgG anti-GBM= negativo
Após broncoscopia e exames laboratoriais, iniciado corticóide com melhora da
hemoptise e radiografia do tórax normal após uma semana.
Figura 3. Radiografia do tórax de 30/08/2010:
Questão 1. Com os achados acima o diagnóstico mais provável para a
hemorragia alveolar difusa é:
A)
B)
C)
D)
E)
Poliangeite microscópica
Granulomatose com vasculite (antiga granulomatose de Wegener)
Capilarite pulmonar idiopática pauci-imune
Doença de Churg-Strauss
Hemorragia alveolar por distúrbio de coagulação
A hemorragia alveolar difusa (HAD) é uma síndrome clinico-patologica que descreve o
acúmulo de eritrócitos intra-alveolares provenientes do capilar alveolar. A síndrome
clínica inclui hemoptise, anemia, infiltrado pulmonar difuso na radiografia de tórax e
insuficiência respiratória hipoxêmica, que pode ser grave.
HAD está associada com inúmeras entidades clínicas e vários subtipos histológicos. A
histologia subjacente mais comum de HAD é a vasculite de pequenos vasos
conhecidos como capilarite pulmonar, geralmente vista em vasculites sistêmicas
soropositivas, ou doença do tecido conjuntivo. Pode ainda haer a denominada
hemorragia pulmonar “branda” (sem lesões capilares aparentes à histologia) e dano
alveolar difuso devido a um número de lesões, provocado por drogas, distúrbios de
coagulação, e infecções. Capilarite pulmonar também pode decorrer de uma vasculite
de pequenos vasos limitada ao pulmão.
O Lavado Broncoalveolar (LBA) confirma o diagnóstico clínico de HAD, no entanto,
uma biópsia pulmonar pode ser necessária para o diagnóstico histológico. Em geral, a
biópsia pulmonar cirúrgica é considerada se a HAD não fizer parte de uma doença
sistêmica ou se os marcadores reumatológicos estiverem negativos. O diagnóstico
histopatológico de HAD inclui a presença de eritrócitos intra-alveolares e fibrina, e o
eventual acúmulo de hemossiderina no interior dos macrófagos, os quais podem levar
até 48 a 72 horas para surgir.
Das histologias que estão associados com HAD (capilarite pulmonar, hemorragia
pulmonar branda, dano alveolar difuso, e miscelânea) capilarite pulmonar é a mais
comum. Capilarite pulmonar tem uma aparência histopatológica única, a qual consiste
em um infiltrado intersticial predominantemente neutrofílico, necrose fibrinoide das
paredes alveolares e capilares, e leucocitoclasia. O infiltrado neutrofílico sofre
citoclasia, debris nucleares acumulam-se no interstício, e há uma perda subsequente
da integridade do capilar alveolar da membrana basal. (Figura 4) É o rompimento das
membranas alvéolo-capilares que resultam no acumulo de eritrócitos nos espaços
alveolares. Há uma distinção entre capilarite pulmonar e vasculite pulmonar. A
vasculite pulmonar refere-se a inflamação dos vasos pulmonares de qualquer
tamanho, ao passo que capilarite pulmonar é inflamação confinada à microcirculação
do pulmão (capilares alveolares, arteríolas e vênulas). No entanto, ambas podem ser
encontradas nas vasculites sistêmicas e nas doenças do tecido conjuntivo.
Figura 4 - (A) Neutrófilo polimórficos invadem as paredes dos capilares (ponta de seta). (B) Acúmulo de
eritrócitos nos espaços alveolares e leucocitoclasia (setas).
Quanto à etiologia, lesões na microcirculação alveolar, resultando em HAD podem ser
localizadas somente no pulmão (lesões por inalação, dano alveolar difuso) ou
associadas com uma doença sistêmica (vasculite ou doença do tecido conjuntivo). As
causas de HAD estão listadas na tabela 1:
Lara A.R, Schwarz M.I. Diffuse Alveolar Hemorrhage CHEST 2010; 137(5):1164–1171.
Existe um espectro de doenças associadas à HAD, mas não existem estudos
prospectivos que estimam suas respectivas freqüências. Uma revisão de 34 casos de
HAD confirmada histopatologicamente indicou que capilarite ocorreu em 88% dos
casos. Em um relato, a causa clínica mais comum da HAD foi granulomatose de
Wegener (GW) (32%), seguido por síndrome de Goodpasture (SG) (13%),
hemossiderose pulmonar idiopática (HPI) (13%), doenças do colágeno (13%) e
poliangeíte microscópica (PAM) (9%). Em outra série, capilarite pulmonar
pauciimmune isolada foi a causa mais comum de HAD associada à capilarite. Em
receptores de transplante de células tronco hematopoiéticas, HAD foi verificada em
5% de 3.806 pacientes.
Quanto à apresentação clínica e diagnóstico a HAD aparece em qualquer idade e,
muitas vezes associada à uma doença pré-estabelecida. A HAD pode ser também
manifestação inicial de uma doença sistêmica de base. Sinal cardinal de HAD, a
hemoptise, pode acontecer como um evento dramático ou surgir ao longo de dias a
semanas, no entanto pode ser ausente em até 33% dos casos de HAD na
apresentação inicial. O curso natural é imprevisível e varia em gravidade, mas sempre
deve ser considerado um evento potencialmente tratável. Os sintomas da HAD, além
da hemoptise, são inespecíficos como febre, dor no peito, tosse e dispnéia. Sinais e
sintomas extra-pulmorares são aqueles que acompanham a doença sistêmica
subjacente. Além da história, exame físico, exames laboratorias de rotina, testes
sorológicos específicos para doenças do tecido conjuntivo e vasculites sistêmicas são
úteis para estabelecer o diagnóstico. O diagnóstico de HAD é estabelecido após LBA
que revela acentuação sequencial do aspecto hemorrágico, pela maior amostragem de
alvéolos.. Além disso, um hematócrito baixo deve alertar o clínico para a possibilidade
de HAD. Achados na radiografia de tórax são inespecíficos, e resumem-se em um
infiltrado alveolar heterogêneo, focal ou difuso. TC de tórax confirma os achados da
radiografia de tórax de maneira mais precisa e define a extensão da doença.
Broncoscopia deve ser realizada para estabelecer o diagnóstico de HAD e para excluir
infecções. LBA hemorrágico encontrado progressivamente em amostras em série é
diagnóstico de HAD, mas não da causa subjacente. A biópsia pulmonar cirúrgica pode
ser necessária para estabelecer o diagnóstico se os testes sorológicos ou a história
clínica não forem reveladores. Biópsias transbrônquicas são geralmente insuficientes.
Doenças Específicas Associadas à HAD
Capilarite Pulmonar Pauci-imune Isolada
Capilarite Pulmonar Pauci-imune é uma vasculite de pequenos vasos, confinada ao
pulmão e sem características clínicas ou sorológicas de doença sistêmica associada.
Em uma série de 29 casos de capilarite pulmonar confirmada por biópsia, a capilarite
pulmonar pauci-imune isolada foi a causa mais comum de HAD. Em geral, pacientes
com essa doença tendem a ter um melhor prognóstico quando comparados com HAD
ocorrendo nas um vasculites sistêmicas ou doenças do colágeno.
Hemossiderose Pulmonar Idiopática (HPI)
HPI é uma síndrome rara em que episódios repetidos de HAD ocorrem resultando em
anemia crônica e fibrose pulmonar. A incidência na população adulta é desconhecida,
mas parece ocorrer mais frequentemente antes da idade de 30 anos. Na histologia,
não existe evidência de capilarite e as membranas basais alveolares estão
espessadas, mas permanecem intactas.
Granulomatose de Wegener (GW)
GW é uma vasculite sistêmica caracterizada por inflamação granulomatosa do trato
respiratório superior e inferior, vasculite necrosante, e presença de ANCA.O ANCA
associado a este tipo específico de vasculite é um anticorpo dirigido contra proteinase
citoplasmática 3 (PR3). Os dados demográficos obtidos a partir de um estudo sobre
etanercepte na GW variaram entre os pacientes com doença limitada vs doença grave.
Os doentes com HAD que foram definidos como tendo doença grave, eram mais
velhos (idade média de 50 ± 16 vs 41 ± 16 anos), e a maioria homens. HAD foi
identificada em 25% dos pacientes com doença grave.
Poliangeíte microscópica (PAM)
PAM é uma vasculite sistêmica que acomete os microvasos e está sempre associada
a uma glomerulonefrite focal e segmentar necrosante. Pode-se distinguir da GW pela
sorologia, demonstrando um ANCA-p contra mieloperoxidase dos neutrófilos (MPOANCA).
Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES)
HAD ocorre em 4% dos pacientes com LES admitidos em hospital e a capilarite
pulmonar geralmente é a causa. Em um paciente imunodeprimido com LES,
pneumonia infecciosa deve ser excluída como a causa de HAD. Na maioria dos casos
de HAD associadas ao LES, glomerulonefrite também está presente, e em 80% a HAD
ocorre em pacientes com LES já diagnosticado. Estes são na maioria das vezes
mulheres jovens com um média de idade de 27 anos.
Pneumonite lúpica aguda apresenta-se com as mesmas características clínicas e
radiográficas da HAD, no entanto capilarite não está presente.
Outras Doenças do Tecido Conjuntivo
HAD com capilarite pulmonar é uma ocorrência não frequente na Doença Mista do
Tecido Conjuntiva, Artrite Reumatóide, Polimiosite, Dermatomiosite, Síndrome
Antifosfolípide Primária, e Esclerodermia. HAD pode ser a manifestação atual ou
complicação de uma doença preexistente.
Síndrome de Goodpasture (SG)
SG, também conhecida como doença do anticorpo anti-membrana basal gromerular
associada à HAD, é resultado de auto-anticorpos dirigidos contra o domínio NC1 da
cadeia α3 do colágeno tipo 4 da menbrana basal. A expressão clínica decorre do
acometimento apenas dos pulmões e rins. A SG acontece mais em homens jovens e
fumantes.Mais do de 90% dos pacientes com a SG têm anticorpos anti-menbrana
basal presentes. Em pacientes com anticorpos negativos, biópsia pulmonar ou renal
com imunofluorescência revela deposição de anticorpos lineares dentro do alveolo ou
da membrana basal glomerular confirmando o diagnóstico.
Referência:
Lara A.R, Schwarz M.I. Diffuse Alveolar Hemorrhage CHEST 2010; 137(5):1164–1171.
No presente caso o diagnóstic inicial foi de capilarite pulmonar isolada pauciimune.
O paciente foi tratado com prednisona e posteriormente ciclofosfamida em
pulso, mudada após 6 meses para azatioprina.
Após oito meses retornou referindo dispnéia com sibilância há 60 dias.
A radiografia de tórax permanecia normal.
Provas funcionais seriadas são mostradas abaixo:
Data
12/10
Pré-Bd
12/10
Pós-Bd
1/11
4/12
Pré-Bd
4/12
Pós-Bd
CVF (L,%)
3,31
(93%)
3,35
(94%)
2,57
(74%)
1,76
(51%)
2,17
(63%)
VEF1 (L,%) 2,21
(80%)
2,41
(87%)
1,84
(68%)
1,23
(46%)
1,74
(65%)
VEF1/CVF
72%
72%
69%
80
66%
DCO
21,9
(92%)
SaO2 R/Ex
94/92
Qual o diagnóstico mais provável:
A) Asma e HAD por isocianatos
B) Estenose subglótica por vasculite granulomatosa
C) Doença de Churg-Strauss com asma antes inaparente
D) Estenose mitral inaparente
E) DPOC
Nas provas funcionais, a grande variação do VEF1 aponta claramente para obstrução
largamente variável e com resposta acentuada a broncodilatador, indicando asma.
O paciente referiu que o início do quadro de sibilância coincidiu com a volta do contato com
tintas e verniz em oficina doméstica.
O diagnóstico final foi de HAD e asma por exposição a isocianatos.
Asma Ocupacional (AO) pode ser dividida em asma não-imunológica, irritante-induzida e
imunológica, ou asma alérgica. A asma alérgica pode ser causada por dois grupos diferentes
de agentes: proteínas de alto peso molecular (> 5.000 Da) ou agentes de baixo peso molecular
(<5.000 Da), geralmente produtos químicos como os isocianatos.
Isocianatos são produtos químicos muito reativos caracterizados por um ou mais grupos
isocianatos (KN = C = O). Desde 1930, o uso de isocianatos tem crescido rapidamente em
todo o mundo, atingindo milhões de toneladas que hoje em dia são produzidos e usados em
diferentes indústrias. Ao lado de seu largo uso industrial, isocianatos são também cada vez
mais utilizados em domicílios, por exemplo, na aplicação de tintas ou espuma de construção.
Os sintomas clínicos após asma induzida raramente são vistos rapidamente (de 2 a 4 horas)
após a exposição, em geral se desenvolvem após um período de latência de algumas semanas
até meses. Após sensibilização mesmo quantidades muito pequenas de isocianato podem
induzir reações asmáticas. Isto e outros fatos, incluindo o período de latência acima
mencionado, a reação de apenas uma parte dos trabalhadores expostos e a reação retardada
sugerem asma alérgica clássica mediada por IgE, porém se a asma por isocianatos é induzida
ou não por IgE ainda está em discussão.
Um caso de hemorragia alveolar difusa em um paciente de 34 anos, exposto a spray de tintas,
e confirmado por altos níveis de IgE e IgG a di-isocianatos e teste de provocação específico foi
publicado em 1990. No presente caso estes testes não estavam disponíveis.
Referências
1: Fisseler-Eckhoff A, Bartsch H, Zinsky R, Schirren J. Environmental
isocyanate-induced asthma: morphologic and pathogenetic aspects of an increasing
occupational disease. Int J Environ Res Public Health. 2011; 8(9):3672-87.
2. Patterson R, Nugent KM, Harris KE, Eberle ME. Immunologic hemorrhagic
pneumonia caused by isocyanates. Am Rev Respir Dis. 1990;141(1):226-30.
3. Wisnewski AV, Jones M. Pro/Con debate: Is occupational asthma induced by
isocyanates an immunoglobulin E-mediated disease? Clin Exp Allergy. 2010
;40(8):1155-62.
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