INVASÃO DE PRIVACIDADE ELETRÔNICA E ADULTÉRIO NUMA ANÁLISE KARDECIANA Diante da infidelidade conjugal, várias pessoas apresentam duas fases de reação: protesto e desespero. Na primeira, a pessoa se contorce, grita, chora, implora por uma nova chance. Já na segunda fase, a reação será muito parecida com a de pacientes em depressão: falta de vontade de interagir socialmente, perda de apetite, insônia e desinteresse por qualquer atividade. Mas o americano Leon Walker, de Michigan, acessou o correio eletrônico de Clara, sua esposa, para confirmar que ela estava tendo um caso extraconjugal. Walker informou que “invadiu” a caixa postal da esposa visando proteger os filhos do casal. Há quem se espante com o fato e faça julgamento antes moralista do que moral. Estamos num estágio social em que o mundo virtual é o real, mas ele nos surge como sonho. Alguns sonham com cuidado, outros se perdem nos sonhos. Em todos esses sonhos, há o perigo dele virar pesadelo, como ocorreu com Walker. Para Jéssica Cooper, promotora do caso, o marido traído agiu de “má fé”, e qual um habilidoso “hacker”, invadiu a privacidade da esposa a fim colher material de prova contra ela. O instigante do fato é que, além de ser traído, Leon Walker ainda poderá ser condenado a 5 anos de cadeia, de acordo com as leis norte-americanas. Nessa confusão cibernética, Clara, a esposa infiel, saiu pela tangente e requisitou o divórcio.(1) Como hierarquizar os dois temas do episódio de Michigan, sob o viés metodológico kardeciano? Em verdade, os delitos (invasão de privacidade eletrônica e o adultério) são comprometedores para os seus autores, contudo, imaginamos que nos recessos da consciência do casal, a chibatada na emoção por prática de adultério, tem maior repercussão em face da Lei de Causa e Efeito. Imaginem se o fato ocorresse no Irã! O final da história teria nuanças mais trágicas para Clara. Por essa razão, o nosso argumento explorará doutrinariamente a questão da infidelidade conjugal e, sob o enfoque jurídico, a invasão de privacidade, lembrando que, se a intromissão eletrônica é uma transgressão às leis humanas, prevista sob os estrábicos códigos jurídicos, o adultério estremece mais diretamente a mente desprevenida, obstando sonhos reais de felicidade. “Há mais ou menos dois anos o principal executivo da Sun Microsystems, Scott McNealy proferiu sua solene – e sombria – assertiva de que a privacidade na Internet é igual a zero e que isto jamais iria mudar”.(2) Especialistas afirmam que o que mais cresce na bisbilhotagem online é a invasão a residências. A SpectorSoft, uma fabricante de equipamentos de espionagem, começou vendendo seus produtos para pais e patrões. Contudo, as vendas explodiram mesmo foi quando a empresa mudou seu programa para cônjuges e parceiros românticos. O Spector 2.2, uma vez instalado no computador, “fotografa” secretamente todos os sites, chat groups e e-mails visitados ou enviados e os salva em um arquivo secreto que possibilita à pessoa que está bisbilhotando examiná-los posteriormente. Esse é o preço que a sociedade contemporânea paga pelo avanço da Tecnologia da Informação (TI), apesar de muitos cidadãos ainda não terem se dado conta de que seus passos estão sendo monitorados pelas instituições públicas ou privadas. A noção do direito à intimidade é inata ao homem, tida pela maioria dos juristas como um direito natural, o qual advém da própria natureza humana, independentemente de declaração objetiva de tal direito em norma escrita. Dos gregos clássicos aos chineses, bem como ocorre com a própria Bíblia, doutrina-se a necessidade do respeito ao direito à intimidade, justificada como a necessidade de se preservar o recanto do indivíduo e as consequências de sua privacidade. Em 1948 foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e em seu artigo 12 prescreve: “ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda pessoa tem direito à proteção da lei.”. Para muitos juristas, há sinonímia entre o direito à intimidade e o direito à privacidade, pois ambos exprimem o mesmo significado, qual seja, representa a prerrogativa que o indivíduo tem perante todos os demais, inclusive o Estado, de ser mantido em paz no seu recanto. Representa, pois, o mecanismo de defesa da personalidade humana contra ingerências ou injunções alheias ilegítimas. Porém, outros estudiosos sustentam que o direito à intimidade representa o âmbito exclusivo que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social. No Brasil, o direito à privacidade é previsto pela Constituição de 1988, cujo artigo 5º – incisos X e XII – estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”. Destarte, para estudiosos, toda investida sobre tal situação é ilegítima, seja pela escuta clandestina de conversas, através de meios eletrônicos, pela captação de imagens ou fotos de pessoas por meios sub-reptícios ou ainda pelo monitoramento unilateral de e-mails de outrem. É inviolável o sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas, de dados, e das comunicações telefônicas, salvo em último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e nas formas que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A outra questão é o adultério, e para comentar doutrinariamente o tema, importa recorrermos à sentença do Cristo que diz: “atire-lhe a primeira pedra aquele que estiver isento de pecado.”.(3) Esta sentença faz da indulgência um dever para nós outros porque ninguém há que não necessite, para si próprio, de indulgência. “Ela nos ensina que não devemos julgar com mais severidade os outros, do que nos julgamos a nós mesmos, nem condenar em outrem aquilo de que nos absolvemos. Antes de profligarmos a alguém uma falta, vejamos se a mesma censura não nos pode ser feita.”.(4) O Espírito Emmanuel(5) diz que é curioso notar que Jesus, em se tratando de faltas e quedas, nos domínios do espírito, haja escolhido aquela da mulher, em falhas do sexo, para pronunciar a sua inolvidável sentença. Todavia, dos milenares e tristes episódios afetivos que reverberam na consciência humana, resta, ainda, por ferida sangrenta no organismo da coletividade, o adultério que, de futuro, será classificado na patologia da doença da alma, extinguindo-se, por fim, com remédio adequado. Mas o adultério ainda permanece na Terra, por instrumento de prova e expiação, destinado naturalmente a desaparecer, na equação dos direitos do homem e da mulher, que se harmonizarão pelo mesmo peso, na balança do progresso e da vida. Quando cada criatura for respeitada em seu foro íntimo, para que o amor se consagre por vínculo divino, muito mais de alma para alma que de corpo para corpo, com a dignidade do trabalho e do aperfeiçoamento pessoal luzindo na presença de cada uma, então o conceito de adultério se fará distanciado do cotidiano, de vez que a compreensão apaziguará o coração humano e a chamada desventura afetiva não terá razão de ser.(6) Sobre o equívoco de Clara, a esposa infiel, confessamos que não dispomos de recursos para examinar as consciências alheias e cada um de nós, ante a Sabedoria Divina, é um caso particular, em matéria de amor, reclamando compreensão. À vista disso, segundo Emmanuel, “muitos de nossos erros imaginários no mundo são caminhos certos para o bem, ao passo que muitos de nossos acertos hipotéticos são trilhas para o mal de que nos desvencilharemos, um dia!...”. (7) Por essas razões, auscultemos nos recessos profundos da consciência a oportuna advertência de Emmanuel que diz: “diante de toda e qualquer desarmonia do mundo afetivo, seja com quem for e como for, coloquemo-nos, em pensamento, no lugar dos acusados, analisando as nossas tendências mais íntimas e, após verificarmos se estamos em condições de censurar alguém, escutemos, no âmago da consciência, o apelo inolvidável do Cristo: "Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.”.(8) Jorge Hessen http://jorgehessen.net Bibliografia de Referência: (1) Para Frederick Lane, advogado especialista em privacidade eletrônica, cerca de 45% dos divórcios nos EUA envolvem incidentes com e-mail, Facebook e outras ferramentas virtuais. (2) Gueiros, Junior, Nehemias. Insegurança na Internet: Há remédio?. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 07 de janeiro de 2011 (3) João 8:7 (4) Kardec, Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1977, item 13, do Cap. X, (5) Idem (6) Idem (7) Idem (8) João 15:12