Jewish-Christian Relations Insights and Issues in the ongoing Jewish-Christian Dialogue Rosen, David | 01.06.2004 Relações Cristãs-Judaicas - O Legado do Papa João Paulo II David Rosen A revolução nas relações católicas-judaicas veio na esteira da Shoáh, embora eu creia que a sugestão de que o “ensino de desdém” histórico da Igreja referente aos judeus era diretamente responsável para essa tragédia seja insustentável. De fato, como escreve o grande intelectual judaico americano, Maurice Simon, já antes do começo da Segunda Guerra Mundial, a ideologia nazista era também em grande parte uma agressão contra a própria Cristandade. Todavia, pode haver pouca dúvida de que a Solução Final não teria tido sucesso à extensão que tinha, sem que o terreno ter sido tão fertilizado pelos séculos pelo encorajamento - ativo e passivo - da demonização e dehumanização do judeu. Precisamente por essa razão, quando a Shoáh estava devastadora além de todas as medidas para a Judiaria, ela tinha também implicações e ramificações profundas para a Cristandade. Como o autor e clérigo cristão, Rev.dº David L. Edwards o põe: “Gentílicos retos, incluindo alguns bispos, salvaram milhares de judeus; mas os seus esforços eram pequenos em comparação com o fato de seis milhões de assassínios, um crime colossal e de sangue frio, que teria sido impossível sem a indiferença geral a respeito do fado das vítimas. O Holocausto chegou a ser a fonte mais terrível de culpa da Cristandade européia - naturalmente, não por causa de os assassinos serem piedosos ou porque os líderes da Igreja se teriam sido completamente calados sobre as leis e ações dos nazistas pelos anos, mas por causa do relato inegável de anti-semitismo no ensino das Igrejas pelos séculos. Não somente camponeses ignorantes ou monges, mas também teólogos eminentes e professores espirituais atacaram os judeus como os ‘matadores de Cristo’, como povo agora abandonado por Deus. Não somente os judeus de Roma foram forçados a viverem em gueto até os papas não mais governavam aquela cidade; não só Lutero se permitira a lançar palavras inflamatórias a esse alvo fácil; mas quase em qualquer lugar na Europa os judeus tinham sido feitos parecerem estranhos, sinistros e repulsivos. Uma longa estrada de pregação vergonhosa era uma das sendas pelos séculos, as quais conduziram aos campos de morte nazistas, e no fim, não o Judaísmo, mas sim a Cristandade estava sendo desacreditada.” Mas como Edwards reconhece, havia, todavia, heróis cristãos que sobressaem como exceções neste mais horrível dos tempos. Um deles era o núncio - Embaixador Papal - na Turquia durante o período da Shoáh, sendo uma das personalidades religiosas ocidentais primeiras a receber informação sobre a máquina nazista de assassínio. Esse homem, como se vê, era o arcebispo Ângelo Roncalli, que ajudou a salvar milhares de judeus das garras dos seus possíveis matadores, sendo profundamente comovido pela situação do povo judaico. Dentro de menos que uma década e com o falecimento do papa Pio XII, foi eleito como o novo pontífice, assumindo o nome de João XXIII. Como sabemos, ao contrário da percepção popular dele como algo dum homem simples, o Papa João provou ser não menos que um visionário para o seu tempo, convocando o Concílio Ecumênico Vaticano Segundo com as suas implicações de longo alcance para a Igreja Católica. Argumentavelmente, o mais histórico dos seus documentos era aquele que tratava das relações com outras religiões, o qual conhecemos pelas suas duas palavras latinas iniciais, Nostra Aetate. Não 1/9 pode haver dúvida de que esse documento, promulgado em 1965 depois da morte do papa João XXIII, era profundamente influenciado pelo impacto da Shoáh, transformando o ensino da Igreja Católica a respeito dos judeus e do Judaísmo. Advertiu contra a descrição dos judeus como coletivamente culpados pela morte de Jesus naquele tempo, sem falar em perpetuidade (em contradição direta com as palavras explícitas de autoridades como Orígenes e o papa Inocêncio III); afirmou a aliança irrompida entre Deus e o Povo Judaico (citando de Paulo na Romanos 2,29) e, fazendo isso, Nostra Aetate eliminou em um só golpe, para assim dizer, quaisquer objeções teológicas ao retorno do povo judaico à sua pátria ancestral e à soberania nesta. O documento, assim, refutou explicitamente qualquer sugestão de que os judeus estejam sendo rejeitados ou amaldiçoados por Deus, declarando o contrário ser o caso; e também condenou categoricamente o anti-semitismo. Karol Wojtyla Como sabemos, o bispo mais jovem presente naquele concílio histórico era Karol Wojtyla, que depois chegou a ser o papa João Paulo II; e esse era experiência formativa na sua própria Weltanschauung [visão do mundo] com o exemplo e liderança do papa João XXIII dando impacto enorme nele. Contudo, sabemos também que Wojtyla era completamente atípico entre os bispos aí unidos, precisamente em termos da sua própria experiência pessoal, tanto da Judiaria viva como da tragédia que sobreveio a esta. As experiências da sua infância e amizades com membros da comunidade judaica em Wadowice tiveram impacto atual na sua própria perspectiva religiosa muito antes que contemplava mesmo entrar no sacerdócio. Numa entrevista que deu a Tad Sxulc, publicada no magazine Parade em 1994, João Paulo II se refere ao efeito nele como garoto ouvindo o Salmo 147 sendo cantado durante a missa de noite: “Oh Jerusalém, glorifica o Senhor, louva teu Deus, oh Sião, pois Ele fez fortes as barras para tuas portas e abençoou as tuas crianças dentro de ti.” (Incidentemente, esse salmo faz parte integral das orações de manhã diárias judaicas). João Paulo II, na sua entrevista com Szulc, deixou claro que completamente identificaria esses versos com as pessoas judaicas que conhecia. “Tenho ainda nos meus ouvidos essas palavras e essa melodia que tenho lembrado durante toda a minha vida”, declarou. Em outras palavras, já como criança, Karol Wojtyla percebera o povo judaico como abençoado por Deus, não como amaldiçoado e rejeitado. Contudo, no pequeno livro notável de Gianfranco Svidercoshi “Carta ao seu Amigo Judaico”, que remete às amizades judaicas de Wojtyla da sua juventude - em particular uma que ainda continua hoje - descobrimos outra visão no seu entendimento formativo do relacionamento com o povo judaico emanando, de maneira interessante, da própria cultura polonesa. Essa lhe foi transmitida pelo seu respeitado professor Mr Gebhardt, o qual lhe inspirou apreciação da melhor herança intelectual da Polônia, incluindo os escritos de Adam Mickiewisz. No recente concerto papal para a reconciliação entre as Fés Abraâmicas, a maior peça de música era a Segunda Sinfonia de Mahler, conhecida como Sinfonia de Ressurreição. A inspiração de Mahler no escrever essa obra era o epos dramático de Mickiewicz, Dziadzy. Nas suas notas de regente no programa, Gilbert Levine observa que “Mickiewicz é para a história literária polonesa e para a nação polonesa, o que Shakespeare e Lord Byron são para os ingleses; Chateaubriand e Victor Hugo para os franceses; Dante e Ugo Foscolo para os italianos; ou Goethe e Friedrich Schiller para o mundo de fala alemã. (Mickiewicz) está e era a inspiração para muitos dos grandes movimentos na literatura polonesa e na construção nacional polonesa.” O livro de Svidercoshi narra 2/9 como, no dia depois da amotinação anti-semítica em Wadowice, Gebhardt leu em voz alta as palavras de Mickiewicz escritos em 1848, as quais ele explicou sendo “preparadas (como) espécie de manifesto político, o qual pretendia inspirar a constituição do futuro Estado Eslavo”. Entre outras coisas, Mickiewicz escreveu: “Na nação cada um é cidadão. Todos os cidadãos são iguais perante a lei e perante a administração. Aos judeus, os nossos irmãos mais idosos, (devemos mostrar) estima e ajuda no caminho ao bem-estar eterno e, em todas as coisas, direitos iguais.” João Paulo II e os judeus Não é, certamente, coincidência que o papa João Paulo II fez precisamente esse termo de referência ao povo judaico - “irmão mais idoso” a sua própria moeda de frase, para refletir, não somente uma visão histórica do relacionamento, mas também uma teológica. Na introdução à versão inglesa do livro de Sviderocoshi, o falecido cardeal John O’Connor declarou a sua convicção de que o papa João Paulo II “está, inconsciente de si mesmo, formado por sua gratidão fundamental ao Judaísmo como a própria raiz do seu Catolicismo … (e) … parece simplesmente assumir que o seu amor pelos (judeus) e pelo próprio Judaísmo é tão forte que as suas boas intenções devam ser reconhecidas…” Na entrevista mencionada acima que apareceu no Parade, João Paulo II continuou: “E então veio a experiência terrível da Segunda Guerra Mundial, a ocupação (nazista) e o Holocausto, o qual era o extermínio dos judeus justamente pela razão por que eram judeus. … Depois, sempre quando tive a oportunidade, falei sobre ele em qualquer lugar.” Assim podemos dizer que muito antes do seu pontificado, a aproximação de Wojtyla aos judeus e ao Judaísmo estava definida por uma atitude positiva tanto histórica como teológica a respeito daqueles, bem como o trauma da Shoáh e das implicações desta. Essas experiências eram claramente seminais no levar o papa João Paulo II ao que o cardeal Edward Cassidy descreve como a sua “dedicação especial para a promoção das relações católicas-judaicas … (as quais refletem hoje) … um espírito novo de entendimento e respeito mútuos; de boa vontade e reconciliação, de cooperação e metas comuns entre judeus e católicos; e muito para o crédito para isso vai ao papa que, não só abriu as portas do Vaticano a líderes judaicos que viam a Roma, mas tem os visitado nas suas viagens pastorais pelo mundo e tomado cada ocasião possível de tocar, nos seus sermões, em questões que se referem às duas comunidades de fé.” João Paulo II - Mestre de Grandes Gestos No entanto, o que tipificava o pontificado de João Paulo II não eram somente grandes gestos e iniciativas, mas a comunicação desses em grande escala também. É algo de paradoxo que foi um papa polonês emergindo duma comunidade comunista rígida que quase intuitivamente entendeu a linguagem advertidora da Madison Avenue, comunicando a grandes números pela media moderna. Ao lado das suas visões teológicas profundas a respeito do relacionamento da Cristandade com o Judaísmo e formulações dessas, a sua condenação do mal do mal do anti-semitismo e das suas expressões dum desejo profundo pela reconciliação cristã-judaica vou-me estender sobre tudo isso - dois eventos deram a essas mensagens uma força e poder sem paralelos: a sua visita à sinagoga de Roma em 1886 e a sua peregrinação à Terra Santa no ano de 2000. Sua alocução na sinagoga de Roma está entre os textos mais importantes nessa revolução nas relações católicas-judaicas, mas era, sobretudo, a imagem do papa abraçando rábi Toaff e mostrando amor fraternal evidentemente genuíno pela comunidade judaica que permaneceu na mente pública, alcançando milhões que não iriam e não podiam ser alcançados por suas palavras. 3/9 De fato, assentando os eventos maiores de 1986, o papa destacou a sua visita à comunidade judaica na sinagoga de Roma como o mais significante, expressando a sua convicção de que ela seria relembrada “por séculos e milênios … e agradeço à Providência Divina que essa tarefa foi dada a mim” (National Catholic News Service, dezembro 31, 1986). De impacto não menor era a visita do papa a Israel, a qual tinha efeito enorme em judeus israelis em particular. A maioria dos judeus israelis e especialmente os mais tradicionais e observantes entre eles nunca encontraram um cristão moderno. Quando viajarem, encontram não-judeus como não-judeus raramente como cristãos. Assim, a sua imagem prevalecente da Cristandade estava tirada do passado trágico negativo. A visita papal a Israel abriu os seus olhos para uma realidade mudada. Não só que a Igreja não era mais a inimiga, a sua cabeça é até um amigo sincero. Ver o papa no Yad Vashem no Memorial do Holocausto, em solidariedade lagrimosa com o sofrimento judaico, aprender como ele mesmo ajudara a salvar judeus naquele tempo terrível, devolvendo, como padre, crianças judaicas dos seus lares cristãos adotivos de volta às suas famílias judaicas; ver o papa no Muro Ocidental em reverência respeitosa para a tradição judaica, colocando o texto da oração que compusera para a liturgia de arrependimento tida brevemente antes na São Pedro, pedindo perdão Divino pelos pecados que cristãos cometeram contra judeus pelas épocas; tudo isso tinha impacto profundo numa seção amplamente cruzada da sociedade israeli. Esses gestos e a sua mensagem visual tinham impactos tremendo sobre o modo em que judeus viram a Igreja, mas tinham não menos impactos, senão mais, sobre o modo em que católicos em particular e cristãos em geral viam os judeus, o Judaísmo e o Estado Judaico. Em ambos esses eventos históricos, como durante todo o seu pontificado, o papa João Paulo Segundo articulou a evolução dos temas centrais do seu legado para as relações católicas-judaicas temas que, como mencionamos, podem ser traçados para trás à sua juventude, referindo-se ambos ao passado trágico e às implicações deste, bem como à natureza e objetivo do relacionamento cristão-judaico. João Paulo II sobre Anti-semitismo Já na sua primeira audiência com representantes judaicos em março de 1979, o papa reafirmou a repudiação de anti-semitismo por Nostra Aetate, descrevendo atos de discriminação ou perseguição contra judeus como “pecaminosos” e, em agosto de 1991, descreveu o anti-semitismo em particular e o racismo em geral “um como pecado contra Deus e a humanidade”. Além disso, para João Paulo II, a tragédia do sofrimento judaico de da Shoáh em particular não é algo a ser justamente reconhecido. Em 1985, publicou um apelo baseado no documento vaticano recentemente publicado: as “Notas sobre o Modo Correto de Apresentar os Judeus e o Judaísmo na Pregação e Catequese na Igreja Romano-Católica”, “para sondar as profundezas da exterminação de muitos milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial e todas as feridas infligidas por meio dela na consciência do povo judaico”: Para isso, declarou, “reflexão teológica está também necessária”. Ensinar sobre a Shoáh era preocupação para João Paulo II e, a esse respeito, enfatizou do específico de serem vítimas na Shoáh. Numa carta ao arcebispo John May em agosto de 1987, declarou que uma aproximação autêntica ao ensinar da Shoáh deva primeiro lutar corpo a corpo com a realidade judaica específica do evento, sendo dessa particularidade que a mensagem universal da Shoáh possa ser derivada. Ficando com esse tema educacional, no mesmo ano da sua visita aos EUA, o papa chamou os cristãos a evolverem, junto com a comunidade judaica, “programas educacionais comuns que … 4/9 ensinarão a gerações futuras sobre o Holocausto, assim que nunca mais tal horror ser possível. Nunca mais.” De fato, a sua referência à perversidade teológica do anti-semitismo mencionada acima foi articulada num contexto pedagógico, quando declarou em agosto 1991 que “face ao risco de ressurgirem sentimentos anti-semíticos, atitudes e iniciativas, das quais certos sinais inquietantes estão sendo vistos hoje, e dos quais experimentamos os resultados mais terríveis no passado, precisamos ensinar as consciências considerarem anti-semitismo e todas as formas de racismo como pecados contra Deus e a humanidade.” Como declarou mais recentemente, esse apelo tem, lamentavelmente, tanta relevância hoje como sempre. A sua mensagem da necessidade crucial para manter viva a memória da Shoáh como educação moral e advertência, é uma coisa que o papa reiterou repetidamente, como isso fui privilegiado a ouvir pessoalmente, quando me cumprimentou pessoalmente na ocasião de juntar preces para paz nos Bálcãs em Assis no início de 1993. Mas certamente, o aspecto mais notável do foco do papa no anti-semitismo foi a sua vontade de confrontar o papel que os cristãos jogaram pelos tempos da tragédia do anti-semitismo e nas implicações deste. Penso que é honesto dizer que esse era um processo gradual. Todavia, na celebração do vigésimo-quinto aniversário de Nostra Aetate, abraçou as palavras impressivas do cardeal Edward Cassidy fazendo-as as suas, declarando que “o fato de que o anti-semitismo encontrou lugar no pensamento e ensino cristãos requer um ato de teshuba, arrependimento”. Quase imediatamente depois, em novembro de 1990, João Paulo recebeu o novo embaixador à Santa Sé. Na sua alocução, o papa declarou que “para os cristãos, o fardo pesado de culpa pelo assassínio de pessoas judaicas deva ser chamada permanente para arrependimento: com isso, poderemos superar qualquer forma de anti-semitismo, estabelecendo relacionamento novo com a nossa nação parentesca original.” O documento da Santa Sé sobre a Shoáh “Nós nos lembramos”, saído em 1998, também reconheceu os preconceitos que levavam os cristãos a falharem no resistir ao mal contra os judeus e, no ano seguinte, a Comissão Teológica Internacional, sob a presidência do cardeal Ratzinger publicou texto sobre o sujeito de “Memória e Reconciliação: A Igreja e as Falhas do Passado”, no qual reiterou que esta falha requer “um ato de arrependimento (teshuba)”. De fato, na sua exortação apostólica à Igreja na Europa para o novo milênio, o papa João Paulo II declarou que “(é preciso) dar reconhecimento a qualquer parte que as crianças da Igreja tiveram no crescimento e divulgação do anti-semitismo na história, perdão por isso deve ser procurado de Deus e qualquer esforço deve ser feito para favorecer encontros de reconciliação e de amizade com as crianças de Israel.” Todavia, penso que era a liturgia de arrependimento de João Paulo II na São Pedro em 2000 a que a posteridade vai remeter, sobretudo nesse respeito. Essas frases solicitando perdão divino para os pecados cometidos pelos cristãos contra os judeus pelas épocas estavam, como todos nos sabemos, escritas naquele papel que João Paulo II pôs nas fendas do Muro Ocidental na sua peregrinação a Jerusalém algumas semanas depois. O texto declarou: Deus dos nossos pais, escolheste Abraão e os descendentes deste para levar o Teu nome às nações: estamos profundamente tristes pelo comportamento daqueles que no decurso da história causaram essas Tuas crianças sofrerem e pedimos Teu perdão; queremo-nos cometer à fraternidade genuína com o povo da Aliança 5/9 Sobre o Judaísmo De fato, como a frase “o povo da Aliança” revela, o papa João Paulo II apreciava completamente que aquilo que pervertia as relações cristãs-judaicas no passado era atitude negativa, não só contra o judeu, mas não menos contra o Judaísmo. Já em Mainz [Mogúncia, Alemanha] em novembro de 1980, dirigiu-se à comunidade judaica como “o povo de Deus da Aliança Antiga, a qual nunca tem sido revogada por Deus (mantendo a ênfase de Nostra Aetate em Romanos 2,29) enfatizando o “valor permanente” de tanto da Bíblia Hebraica como da comunidade judaica. Além disso, citando uma passagem da declaração dos Bispos Alemães chamando atenção “à herança espiritual de Israel para a Igreja”, muito notavelmente acrescentou a palavra “viva”, para enfatizar a vitalidade e integridade contínuas do Judaísmo. Dois anos depois, dirigindo-se a delegados de Conferências de Bispos ao redor do mundo que se reuniram em Roma para promover relações católicas-judaicas, o papa afirmou que tanto a reconciliação com o povo judaico bem como um entendimento melhor dos aspetos da vida da Igreja requer que os cristãos estudem e mostrem “a devida percepção da fé e vida religiosa no povo judaico como este as professava e praticava ainda hoje.” … “Devemos almejar, nesse campo, que o ensino católico, nos seus diferentes níveis no catequizar crianças e jovens, apresente os judeus e o Judaísmo, não só de maneira honesta e objetiva, livre de preconceito e sem ofensas, mas também com plena consciência (dessa) herança…”. Esse sentimento reiterou na sua visita em Roma em 1986, mencionada antes, onde usava a frase “irmãos mais idosos”, combinando esta a seguir com a linguagem que usara antes, para descrever o povo judaico como “os nossos irmãos mais idosos da Aliança Antiga nunca rompida por Deus e a não ser rompida nunca.” Sobre Israel João Paulo II veio também a apreciar os elementos religiosos e nacionais inextricáveis no Judaísmo que fazem o Estado de Israel tão importante para a Judiaria contemporânea. Em 1984, na sua Carta Apostólica Redemptionis Ano, declarou que “para o povo judaico que vive no Estado de Israel e que preserva neste país tais testemunhos preciosos da sua história e fé, devemos solicitar a segurança desejada e devida tranqüilidade, que é prerrogativa de cada nação do progresso para a sociedade.” Relações plenas entre a Santa Sé e o Estado de Israel teriam sido afinal um regulador moral nesse respeito. Creio, no entanto, honesto dizer que a cautela do Secretariado Vaticano de Estado no assunto controlava a balança sobre as inclinações e desejo do papa. Contudo, no fim, posso divulgar, como alguém envolvido nas negociações no estabelecer relações plenas entre a Santa Sé e o Estado de Israel, que era a determinação de João Paulo II que estabeleceu essas relações as quais superavam as várias objeções do Secretariado do Estado, não ideológicas, mas sim técnicas - que teriam ainda mais atrasado o processo diplomático. Na entrevista de 1994 com Tad Szulc, a qual foi publicada no Parade depois do estabelecimento de tais relações, declarou: “É preciso entender que os judeus, que por dois mil anos estavam dispersos entre as nações do mundo, decidiram retornar à terra dos seus ancestrais. Isso é seu direito. … O ato de restabelecer relações diplomáticas com Israel é simplesmente afirmação internacional desse relacionamento.” O estabelecimento dessas relações facilitou a sua visita histórica a Israel. A recepção e despedida estaduais bem como a sua visita à residência do Presidente Weizman serviam muito para testemunhar a culminação dum processo notável e sinal dum respeito genuíno do Papa para a identidade e integridade do povo judaico refletidas na sua soberania restabelecida na sua pátria 6/9 histórica. Sobre o enraizamento da Cristandade no Judaísmo Embora argumentável, o aspecto teológico mais importante do legado do Papa João Paulo II para as relações cristãs-judaicas foi o desenvolvimento do conceito do enraizamento da Cristandade no Judaísmo, e ao que Nostra Aetate se refere como ao “elo espiritual” que os liga. Na sua primeira audiência papal com representantes judaicos expôs sobre a frase acima que signifique “que as nossas duas comunidades religiosas são conexas e firmemente relatadas no próprio nível das suas respectivas identidades”. Usou também a frase “diálogo fraterno” para descrever a meta das relações cristãs-judaicas. O Dr. Eugene Fisher apontou que o uso do termo “fraternal” e se dirigir uns aos outros como “irmãos e irmãs” reflete uso antigo dentro da comunidade cristã, implicando reconhecimento duma comunalidade de fé com implicações litúrgicas. De fato, o papa aprofundou a idéia do elo espiritual descrevendo-o, em março de 1984, como “o elo espiritual misterioso, que nos junta estreitamente em Abraão e através de Abraão, em Deus que escolheu Israel e fez surgir a Igreja a partir de Israel”. No ano seguinte, no vigésimo aniversário de Nostra Aetate, descreveu esse “elo” espiritual como “a fundação real para o nosso relacionamento com o povo judaico - relacionamento que poderia ser bem chamado como ‘parentesco’ real, e que temos com aquela comunidade religiosa (judaica) somente … Esse ‘elo’ pode ser chamado de ‘sagrado’, já que se origina da vontade misteriosa de Deus.” Em 1986, na Austrália, João Paulo II declarou a líderes da comunidade judaica, que “a fé católica se radica nas verdades eternas das Escrituras Hebraicas e na aliança irrevogável de Abraão. Nós também mantemos as mesmas verdades da nossa herança judaica, vendo-vos como os nossos irmãos e irmãs.” Essa declaração reflete, não só a maduração notável do entendimento teológico do papa do relacionamento cristão-judaico, mas também a sua sensibilidade a respeito da integridade judaica, refletida na sua substituição do seu uso prévio do termo “Antigo Testamento” pelo termo “Escrituras Hebraicas”. No mesmo ano, durante a sua visita histórica na sinagoga de Roma, declarou: “A religião judaica não nos está extrínseca, mas de certo modo ‘intrínseca’ à nossa própria religião. Com o Judaísmo, portanto, temos um relacionamento que não temos com qualquer outra religião. Vós sois os nossos carinhosamente amados irmãos e, de certo modo, poderia ser dito que sois os nossos irmãos mais idosos.” Como já mencionado, combinou a seguir esse termo com a referência à aliança divina eterna com a Judiaria, descrevendo o povo judaico como “irmãos mais idosos carinhosamente amados da aliança antiga nunca rompida e que vai nunca ser rompida”, e fui privilegiado a ser cumprimentado por ele com essas palavras, quando me recebeu em Assis em 1993. As Responsabilidades Mútuas Esse relacionamento único também traz consigo expectativas. Nas palavras do papa que dirigiu aos representantes do Comitê Judaico Americano em 1990 declarou que “a nossa herança espiritual comum … inclui veneração da Sagradas Escrituras, confissão do Deus Vivo Único; amor do vizinho e testemunho profético para justiça e paz. Vivemos igualmente na expectativa da vinda do reino de 7/9 Deus, orando que a vontade de Deus seja feita na terra como está sendo feita no céu. Como resultado, podemos efetivamente agir juntos promovendo a dignidade de cada pessoas humana, salvaguardando os direitos humanos, especialmente a liberdade religiosa. Precisamos também ser unidos no combate à discriminação e ódio raciais, étnicos ou religiosos, inclusive anti-semitismo.” Durante o pontificado de João Paulo II, vários documentos vaticanos oficiais extraordinários foram publicados, notáveis entre eles são as anteriormente mencionadas “Notas sobre Pregação e Catequese” de 1985; o documento de 1988, intitulado de “A Igreja e o Racismo”, que condena, não só o anti-semitismo, mas também o anti-sionismo que serve de máscara para o anti-semitismo; o documento de 1998 sobre a Shoáh “Nós nos lembramos”, também mencionado acima; e a Comissão Bíblica Pontifical de 2001 sobre “O Povo Judaico e as suas Sagradas Escrituras na Bíblia Cristã”; e não está para ser esquecido o “Acorde Fundamental entre a Santa Sé e o Estado de Israel”, o qual tem significantes aspetos e implicações teológicas bem como diplomáticas. Esses ensinamentos oficiais do Magistério entesouraram para a perpetuidade muito do legado único e histórico do papa João Paulo II para as relações cristãs-judaicas em geral. Tudo isso não é para negar que havia assuntos de tensão entre o papa e a comunidade judaica, e que, às vezes, havia ações que ele tomou que causaram tristeza e esta. Algumas delas se relatavam ao papel da Igreja e a da liderança dela durante a Shoáh, havendo ações como as beatificações de Edith Stein, uma convertida judaica ao catolicismo, assassinada pelos nazistas, e do papa Pio IX, lembrado na memória histórica judaica como tendo suportado a abdução dum judeu romano jovem, Edgardo Mortara. No entanto, estou convencido que nada disso jamais foi motivado no mínimo por qualquer insensividade intencional na parte do papa - ao contrário. Inevitavelmente, a memória histórica e a interpretação desta são muito subjetivas. Além disso, o primeiro cometimento e responsabilidade do papa estão com a sua fé e Igreja como as vê; sendo todas as suas ações determinadas de acordo com isso. Se no processo de perseguir essas metas possa pisar em algumas sensibilidades judaicas, estou certo é isso algo que lamenta. No entanto, não o impede a fazer o que pensa que está reto para a Igreja. Todavia, a sua preocupação genuína para o bem-estar da Judiaria, para a promoção do respeito pelo Judaísmo e pela reconciliação católica-judaica é um dos pilares do seu pontificado. Na conclusão, deixem-me voltar à outra declaração do papa ao Comitê Judaico Americano em 1985, a qual ela mesma pode ser vista como descrição da sua própria contribuição extraordinária à reconciliação e entendimento católicos-judaicos: “Estou convencido e alegre por poder declarar isso nessa ocasião, que o relacionamento entre judeus e cristãos melhoraram radicalmente nesses anos. Onde havia ignorância e, portanto, preconceito e estereótipos, há agora conhecimento, apreço e respeito mútuos crescentes. Há, sobretudo amor entre nós; essa espécie de amor acho que é, para ambos nós dois, injunção fundamental das nossas tradições religiosas. … Amor envolve entendimento. Envolve também franqueza e a liberdade de discordar de modo fraternal onde houver razão para isso.” Certamente, essas palavras testemunham tão poderosamente a jornada notável de transformação e reconciliação desde o diálogo dos surdos entre Herzl e Pio X. De fato, na medida em que há hoje - nessas palavras do papa - amor, entendimento e franqueza nas relações cristãs-judaicas em geral e católicas-judaicas em particular, devemos a ele, o papa João Paulo II, uma dívida enorme de gratidão por um legado notável. Mesmo si for acontecer que as relações católicas-judaicas não forem abençoadas com um sucessor do papa João Paulo que demonstre o mesmo grau de cometimento a essas relações, creio que aquilo que tem sido alcançado a esse respeito, especialmente sob o pontificado de João Paulo II, garantiu fundações firmes e resolutas para às relações católicas-judaicas assim que só possam continuar andando de força a força. 8/9 Alocução dada por Rábi David Rosen na Georgtown University em 2 de fevereiro de 2004 Tradução Pedro von Werden SJ. Christian-Jewish Relations - The Legacy of Pope John Paul II. 9/9 Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)