2016-1 PET - Introdução - Sentido da Historia - PET Filosofia

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PET Filosofia – UFPR
Data: 16.03.2016
Aluno: Eduardo Antonio da Silva Lacerda
Fichamento do capítulo que serve de introdução ao livro O Sentido da História,
de Karl Löwith.
Karl Löwith (1897-1973), foi um pensador ascendência judia alemã (e
protestante no tocante à religião), ex-aluno de Husserl, orientando de
Heidegger (de quem se tornaria um profundo adversário intelectual), tendo
abandonado a biologia em favor da filosofia por considera-la objetiva demais.
Löwith inverte a ontologia heideggeriana, colocando a realização da
autenticidade na alteridade, numa abertura que coloca o estar/ser junto ao
outro de maneira recíproca, enquanto outras influências destacadas na sua
trajetória intelectual são Nietzsche e Burckhardt. Do primeiro, embora crítico
do desenvolvimento de vários conceitos, toma de empréstimo sobretudo a
ideia do império do niilismo. Do segundo, toma emprestado o tom mais
moderado no diagnóstico nietzschiano e a resignação perante o mundo, o que
acaba por se refletir no campo intelectual com a rejeição da filosofia como
práxis.
O livro em estudo, O Sentido da História (The Meaning in History:
The Theological Implications of the Philosophy of History, no original), fora
escrito no final dos anos 40 durante o exílio do autor nos Estados Unidos.
Antes da Segunda Guerra Mundial, Löwith havia estado também na Itália
(por recomendação de Heidegger) e Japão, retornando para a Alemanha em
1952. O livro propriamente dito constitui-se de uma análise “(….) históricoteológica do conceito de cultura e de humanismo e elucida como as categorias
que orientam a modernidade, sobretudo aquela de progresso (e seu corolário
salvífico), são reminiscências de elementos tradicionais apenas pretensamente
ultrapassadas.” (ARAÚJO, p. 130)
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Na introdução da obra, o autor trata logo de início de colocar as raízes
do termo “filosofia da história” em Voltaire, além de criticar a banalização do
termo, tal como acontece com o termo filosofia sendo empregado como
“filosofia de vida”. Löwith também trata de prevenir eventuais dúvidas e
equívocos, estabelecendo logo no primeiro parágrafo o sentido em que ele
mesmo emprega a filosofia da história, qual seja:
“No debate em que se segue, o termo <<filosofia da história>> é
empregue com o sentido de uma interpretação sistemática da
história universal de acordo com um princípio segundo o qual os
acontecimentos e sucessões históricos se unificam e dirigem para
um sentido final.” (LOWITH, p. 15).
O autor considera privilégio da filosofia e da teologia buscar
respostas além do empirismo. Todas as questões conservam seu sentido com
respostas que não as silenciam. Os acontecimentos não têm um sentido por si
só, o que motiva a busca por sentido.
Um outro aspecto fundamental da obra, a chamada tese da
secularização, também é apresentada na introdução. A ideia aparece no
começo do texto como uma espécie de réplica para quem desacredita a
interpretação teológica da história. Antes de entrar em maiores detalhes da
tese, é relevante antes situar a origem do termo “secularização”:
“O termo secularização aparece no Direito Canônico e se refere à
dispensa dos votos religiosos a um clérigo regular e sua
incardinação numa diocese, no clero secular. Com a revolução
francesa o termo secularização passa a se referir à expropriação das
propriedades eclesiásticas pelo governo revolucionário. Aqui o
termo possui uma conotação negativa de ilegitimidade do ato, já
que as terras e propriedades expropriadas pertenciam
legitimamente à Igreja.” (ARAÚJO, p. 45)
Nesse contexto o objetivo de Löwith, como o subtítulo do livro já
indica, é buscar as implicações da teologia na filosofia da história expondo
suas raízes teológicas. O Sentido da História assim propõe um “(…) estudo do
processo de imanentização de determinados elementos teológicos tradicionais
através de dois conceitos-chave dos séculos XIX e XX – humanidade e
cultura” (SOUZA, p. 129). As raízes teológicas se espalham pelos mais
diversos campos, ainda que encobertas da superfície pela modernidade e seu
cientificismo, racionalismo e laicismo. Mas ainda que a modernidade
proclame estabelecer bases mais sólidas para o pensamento dito racional,
segundo a tese da secularização, o edifício será construído no mesmo solo e
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com os mesmos tijolos já utilizados anteriormente. A propriedade apenas
mudou de dono, mas continua essencialmente a mesma.
“(…) todo o processo de secularização não passaria de mera
aparência de um sentido escondido mais amplo, já que existe um
elemento religioso na definição da modernidade que não se
encontra transparente.” (SOUZA, p. 46)
Como exemplo dessa apropriação ilegítima da propriedade feita pela
modernidade, a tese da secularização advoga que, por exemplo, hegelianismo
e marxismo compartilham o mesmo elemento escatológico bíblico através das
ideias do espirito absoluto e do fim da sociedade de classes. São promessas
não muito diferentes da Nova Jerusalém.
No escopo de O Sentido da História, a escolha de apresentar a análise
de forma cronologicamente reversa é justificada pelo autor por motivos
didáticos, metódicos e substanciais. Karl Löwith busca fazer uso da pretensa
familiaridade dos leitores com o pensamento mais recente como forma de
progressivamente os despertar do que ele chama de sonho secular. O
pensador ainda coloca o olhar regressivo como a forma correta de abordar a
história, porque permite um reencontro e redescoberta da história, uma vez
que “compreendemos – ou não – os autores antigos, mas sempre à luz do
pensamento contemporâneo, lendo o livro da história de trás para a frente da
ultima à primeira página” (LÖWITH, p. 16).
Colocando a interpretação da história como uma busca do sentido do
sofrimento histórico, a autor alemão chama a atenção para duas grandes
perspectivas deste sofrimento: Prometeu e Jesus. Os dois olhares mostram
que não havia perspectiva da resolução do problema do mal pela via de sua
eliminação.
Outro ponto que havia consenso entre o modo de pensar helênico e
hebreu era quanto à não busca de um sentido fundamental. Havia entre as
duas culturas diferentes formas de apreciação do cosmos e do mundo natural
como um todo.
O autor relata um domínio do caráter teológico da história para
judeus e cristãos. A história seria a história da salvação. Essa perspectiva
também domina o destino de homens e nações que possuem uma tarefa de
civilizar, purificar, salvar, se impor perante seus semelhantes. O passado ecoa
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como promessa para o futuro numa linha de continuidade ao invés de um
círculo contínuo. O passado é uma prefiguração para o futuro.
A esfera teológica acaba por se refletir na maneira como se usa as
palavras “sentido” e “objetivo”. Há uma alternância na atribuição de sentido
e objetivo. “Uma cadeira tem sentido como <<cadeira>>, pelo facto de indicar
algo para além da sua natureza material: o objetivo de servir para nos
sentarmos” (LÖWITH, p. 18). O sentido fundamental de um objetivo
transcendente (a cadeira servindo para nos sentar e descansar) converge para
um futuro esperado. O mesmo se passa com a história, que precisa de um
objetivo transcendente na interpretação lowithiniana para a aquisição de
sentido. Escreve o autor:
“Se reflectirmos sobre todo o curso da história, imaginando o seu
começo e prevendo o seu fim, pensamos no seu sentido em termos
de objetivo básico. A afirmação de que a história tem um sentido
fundamental implica um objetivo ou meta finais que transcendem
os acontecimentos reais. Esta identificação do sentido com o
objectivo não exclui a possibilidade de outros sistemas de
significação.” (LOWITH, p. 19)
Para Löwith, a cultura clássica era mais preocupada com o logos do
que com o destino do homem, emergiu a filosofia natural e não uma filosofia
da história. O termo filosofia da história seria uma contradição, uma vez que
história era apenas a história política e, portanto, objeto de estadistas e
historiadores, não de filósofos. O tempo grego é interpretado como circular,
onde a repetição ora adquire um caráter de lei cósmica (Heródoto), ora de
algo regido pela natureza do homem (Tucídides).
Para Löwith, Políbio possuía uma perspectiva mais próxima da do
conceito de história hoje empregado. O fim definido por ele é o domínio
romano do mundo. Mas mesmo ele ainda se mantém uma perspectiva que
seria regida pelo ciclo da natureza de tal forma que seria previsível ao
historiador a previsão do futuro.
Políbio também defende que a mudança se concentra na fortuna dos
sujeitos da história, não nos acontecimentos (guerras, revoluções). E esta
mutabilidade da fortuna deve ser aceita, mesmo que isso signifique o
inevitável fim. O estudo da história indica nunca se vangloriar indevidamente
das conquistas, além de poder indicar o melhor a cada tempo.
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Diferente de Políbio, do ponto de vista judaico-cristão a previsão do
futuro só pode ser feita pela revelação divina. Não há outra forma de
prognósticos pois não há uma lei natural na história que não a divina. Com o
problema histórico sendo dominado pela escatologia, o problema depende da
fé. E por ser algo da fé a religião pode situa-la em oráculos, profetas ou na
ideia de predestinação.
Burckhardt coloca que a grande diferença entre os modernos e os
antigos é justamente este tópico, a crença dos antigos na possibilidade de
conhecer o futuro seja por fé ou razão. Para nós a presciência é sequer
desejável, além de improvável. Ela tende a se confundir com desejos, crenças
e esperanças. As próprias previsões de Burckhardt não contrariam sua tese.
Já em relação ao problema da previsibilidade em Tocqueville e
Spengler, Löwith afirma que o primeiro situa uma liberdade parcial dentro de
um fatalismo das inevitabilidades de tons quase divinos. Já o segundo remete
a Políbio, transformando em imperativo moral a aceitação da fortuna: deve-se
estar preparado para o destino.
Outro pensador situado dentro de um determinismo politibiano seria
Toynbee, que para o autor moderno teria um ritmo cadente. Este autor
acrescentaria a dimensão religiosa além da civilizatória à história. A religião
teria a função de escape criativo de sociedades em via de desintegração, como
o cristianismo floresceu nos últimos dias da antiguidade. A civilização
cumpre sua função ao dar origem a uma religião que se aperfeiçoa, se torna
mais madura. Mas sua análise, segundo Löwith, propõe o cristianismo como
ultima novidade e democracia como repetição, o que sem evidências
científicas adquire o status de crença. Toynbee, “substitui a ideia cristã de
unidade contínua da história universal por um processo de unificação parcial
de um Ocidente <<cristão>>” (LÖWITH, p. 28). Para Toynbee, cada ciclo
aproximaria mais a história de seu objetivo dado pela divindade. Conforme
Karl Löwith, nesse desenho a religião teria progresso contínuo enquanto as
civilizações seriam cíclicas.
Finalmente, o conceito de história é apontado como fruto do
profetismo. O historien grego, do futuro como algo que pode ser conhecido e
investigado, é deturpado pela fé hebraica na finalidade da história. A cultura
moderna é uma combinação das duas, onde o “(…) eschaton não só delimita o
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processo da história através de um fim, como o articula e preenche também
com um objectivo definido” (LÖWITH, p. 30). E nesse esquema a substituição
de um deus por alguma outra coisa permite a universalização da história.
BIBLIOGRAFIA
*
LOWITH, Karl. O sentido da historia. tradução de Maria Georgina Segurado
Lisboa: Edições 70, 1991. 228p. (Coleção Perfil ; historia das ideias e do
pensamento, 5).
LÖWITH, Karl. Meaning in history. Chicago: University Press, 1949.
ARAÚJO, Laíse Helene Barbosa. Entre o século e o círculo: Diálogos sobre
historia e niilismo na trajetória historiográfico-filosófica de Karl Löwith.
2011. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura) - Pontifícia
Universidade
Católica
do
Rio
de
Janeiro.
Disponível
em
http://www.maxwell.vrac.pucrio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=18260@1
Acesso
em
13/03/2016
SOUZA, J. C. A. . As Filosofias da História e a tese da secularização: a
teologia cristâ e as raizes da secularização na modernidade. PLURA, Revista
de Estudos de Religião , v. 2, p. 43-57, 2011. Disponível em
http://www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/plura/article/viewFile/324/
pdf_18 Acesso em 14/03/2016
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As citações de Karl Löwith foram extraídas da edição em português.
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