TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:42 Página 97 História Integrada FRENTE 1 MÓDULO 11 Expansão Cafeeira e Imigração Europeia 1. INTRODUÇÃO A independência do Brasil não trouxe mudanças fundamentais à organização colonial de produção. A grande lavoura para exportação, as técnicas rudimentares, a impermeabilidade da sociedade brasileira, o escravismo e o patriarcalismo persistiram. A emancipação política significou na realidade uma mudança formal, estabelecendo o livre comércio e uma política econômica liberal. A primeira metade do século XIX é considerada um período de crise. As revoluções que caracterizaram essa fase de instabilidade política e institucional espelham as mazelas da crise na lavoura tradicional. A crise espalhava-se por todos os setores exportadores e, como consequência, as finanças se abalavam: a dívida externa e o custo de vida aumentaram incessantemente. Foi justamente em meio aos perigos que ameaçavam o País, estagnado economicamente, em que a própria estrutura de produção colonial se via ameaçada de desarticulação, que nasceu uma nova economia: a economia cafeeira. Sua organização mantinha as características coloniais de produção e consolidava o Império, garantindo sua unidade. 2. ECONOMIA CAFEEIRA q O desenvolvimento da lavoura cafeeira O consumo de café pelos europeus começou a crescer durante o século XVIII, sendo a Arábia sua grande fornecedora. Entretanto, com a vulgarização do produto e a ampliação do consumo, a América também passou a exportar café. Assim, a implantação efetiva da lavoura cafeeira no Brasil deu-se no século XIX, atendendo às solicitações do mercado europeu. Partindo dos arredores da Corte (Rio de Janeiro), o café, já na primeira década do século XIX, começou a ganhar o interior fluminense para, a partir de 1830, expandir-se pelo Vale do Paraíba. Se até então os cafezais possuíam uma importância reduzida, foi com a cafeicultura do Vale do Paraíba que surgiu a grande lavoura cafeeira para exportação. Simultaneamente, o ouro verde dos cafezais ganhava também a Zona da Mata mineira. q Condições para a expansão cafeeira Além das condições naturais (clima/solo), a prosperidade e rentabilidade atingidas pela lavoura cafeeira estiveram intimamente ligadas à abundância de recursos subutilizados, fundamentais para a organização da economia do café. Os capitais necessários provinham das antigas lavouras tradicionais das próprias regiões, enquanto a mão de obra escrava procedia dessas mesmas lavouras tradicionais e das antigas áreas de mineração. Mas a ampliação dos cafezais exigia um número maior de braços; as pressões inglesas sobre o tráfico negreiro aumentavam; a reserva interna tornava-se insuficiente; assim, colocou-se o problema da mão de obra para o desenvolvimento da economia cafeeira. A solução encontrada foi a introdução do braço livre europeu. q A expansão no Oeste Paulista A tendência da lavoura cafeeira era expandir-se em direção ao chamado Oeste Paulista, o que ocorreu por volta de 1850. Essa expansão decorreu da fixação dos cafezais na região de Campinas; efetivamente, foi no planalto interior de São Paulo que a lavoura cafeeira se adaptou com mais facilidade. Na segunda metade do século XIX, a onda verde do café se espalharia por praticamente todo o território paulista. 3. IMIGRAÇÃO EUROPEIA q O sistema de parceria Os progressos da lavoura cafeeira e os obstáculos à utilização da mão de obra escrava levaram alguns fazendeiros a incrementar a vinda de colonos europeus, na condição de trabalhadores livres. A primeira experiência foi feita pelo senador Nicolau de Campo Vergueiro, que trouxe para sua Fazenda Ibicaba, em Limeira, 80 famílias suíças e alemãs para trabalhar em regime de parceria. Nesse sistema, os imigrantes entravam com o trabalho e o fazendeiro com os recursos. Entretanto, o predomínio do trabalho escravo e a própria mentalidade dos fazendeiros transformaram os imigrantes de parceria em escravos brancos. O tratamento desumano dado ao negro estendeu-se ao trabalho livre. Os ganhos obtidos pelos imigrantes eram insuficientes para pagar suas dívidas; os problemas de adaptação ao meio tropical e, principalmente, a violência levaram os colonos a rebelarem-se contra o sistema. Em 1857, na Fazenda Ibicaba do senador Vergueiro, os imigrantes revoltaram-se. As notícias dessa revolta e dos maus-tratos em imigrantes das lavouras de parcerias fizeram que o governo da Prússia proibisse a emigração para o Brasil. Com isso, os problemas da mão de obra para a cafeicultura agravaram-se, principalmente nas regiões pioneiras do café. q O trabalho assalariado O fracasso do sistema de parceria e a necessidade de braços para a lavoura cafeeira do Oeste Paulista fizeram que o governo da província de – 97 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:42 Página 98 São Paulo adotasse uma política de estímulo à imigração. “Uma lei provincial de março de 1871 autorizou o governo paulista a tomar dinheiro junto ao público, através de apólices, para emprestá-lo aos fazendeiros, com o fim de introduzir trabalhadores agrícolas nas fazendas. Para atrair imigrantes, previu-se um auxílio para despesas de viagem. Começava assim a imigração subvencionada para São Paulo” (Boris Fausto). A grande imigração, principalmente italiana, também foi possível graças à liberação de mão de obra provocada pela Segunda Revolução Industrial. No sistema de trabalho assalariado, a remuneração dependia do tipo de trabalho contratado. Além de encontrar trabalho, os imigrantes vinham com perspectiva de se tornar proprietários de terras no Brasil. O TRÁFICO INTERPROVINCIAL DE ESCRAVOS As mudanças econômicas provocadas pela expansão cafeeira produziram alterações na estrutura da sociedade imperial. Surgiram novos seg- mentos sociais no campo e na cidade. A principal inovação foi o nascimento do mercado de trabalho assala- riado. Mesmo na composição da classe dos grandes proprietários rurais, houve alterações: uma nova aristocracia, a do Oeste Paulista, dotada de certa mentalidade empresarial, contrapunha-se à aristocracia tradicional de mentalidade escravista, localizada tanto na área do café — Vale do Paraíba — como no Nordeste açucareiro. No novo quadro socioeconômico, divergiam e conflitavam novas aspirações. O Império já mostrava sinais de superação, pois suas estruturas políticas não se adequavam às mudanças ocorridas, tornando inevitável — a médio prazo — a queda da Monarquia. q A Lei de Terras O sonho do imigrante europeu de tornar-se proprietário de terras foi eliminado antes mesmo de sua chegada ao Brasil. Em 1850, o Parlamento Imperial aprovou a Lei de Terras, que só permitia o acesso às terras devolutas pela compra. Dessa maneira, os colonos europeus foram obrigados a sujeitar-se ao sistema de trabalho, com baixos salários e sem perspectiva de ascensão social. Por isso, muitos italianos, inconformados com as condições de vida nas fazendas de café do Oeste Paulista, retornaram à Europa. O próprio governo italiano, no ano de 1885, por meio de circular, descreveu a província de São Paulo como inóspita e insalubre, desaconselhando a vinda dos italianos para o Brasil. MÓDULO 12 A Crise do Império e Movimento Republicano 1. INTRODUÇÃO As transformações que se operaram na sociedade brasileira durante a segunda metade do século XIX foram responsáveis pela queda da Monarquia e implantação da República. Naturalmente, a mola-mestra dessas 98 – 4. TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS mudanças foi a expansão da cafeicultura, que trouxe consigo elementos modernizadores, tais como o crescimento do mercado interno, a imigração, a urbanização e o surgimento de uma nova aristocracia rural com espírito empresarial-capitalista, no Oeste Paulista. 2. FATORES ECONÔMICOS A partir da década de 1840, as solicitações do mercado internacional de café contribuíram para a sistemática expansão desse produto, que encontrou no Brasil um excelente hábitat. Com isso, a lavoura cafeeira ex- TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:42 Página 99 pandiu-se, primeiramente na Baixada Fluminense, depois no Vale do Paraíba e finalmente no Oeste Paulista. Por causa da lavoura cafeeira, passamos de um déficit crônico para um saldo positivo na balança comercial. Além disso, houve um substancial aumento da arrecadação, ampliação da rede interna de serviços (principalmente no setor de transportes, com a introdução das ferrovias), expansão da rede comercial e surgimento da bancária, com suas múltiplas ramificações. Nesse contexto, fundaram-se numerosos empreendimentos urbanos: somente na década de 1850, surgiram 62 estabelecimentos industriais, 14 bancos, 20 empresas de navegação a vapor e 23 companhias de seguro; enfim, uma verdadeira febre empresarial. Esse processo de “modernização” econômica, aliado às mudanças sociais em curso, exigia uma adequação no plano político; assim, aos poucos as instituições imperiais mostrar-se-iam anacrônicas em relação ao novo quadro socioeconômico. “Alegoria à Lei do Ventre Livre” — Aprovada em 1871, considerava livres os filhos de mães escravas nascidos a partir de sua promulgação, Museu Histórico Nacional – RJ. 3. FATORES SOCIAIS Nas duas primeiras regiões cafeeiras (Baixada Fluminense e Vale do Paraíba), o trabalho nas fazendas era realizado por escravos. Contudo, diante das pressões inglesas relativas ao tráfico negreiro e da própria extinção do tráfico pela Lei Eusébio de Queirós, de 1850, os fazendeiros mais esclarecidos, como o senador Vergueiro, procuraram utilizar o imigrante europeu para substituir o escravo. Aliás, foi o senador Vergueiro que, em 1847, inaugurou o sistema de parceria, contratando imigrantes para sua fazenda de café em Limeira (SP). Mais tarde, a escassez do braço negro, vinculada à campanha abolicionista, condicionou a total suplantação do escravo pelo imigrante. Ao mesmo tempo em que o trabalho escravo era substituído pelo trabalho assalariado, a sociedade modificava-se e novos grupos sociais emergiam, exigindo transformações no plano político. A nova aristocracia cafeeira constituía uma classe progressista e interessada em exercer o poder, sem as peias criadas pelo regime instituído em 1822 e consolidado após 1840. Por outro lado, as camadas médias urbanas, ligadas ao setor terciário e ao funcionalismo público, também aspiravam a mudanças políticas. 4. FATORES POLÍTICOS Já na década de 1850, o imobilismo político do País era notado pelo próprio imperador, que chegou a perguntar ao Marquês do Paraná pelos “partidos políticos brasileiros”. É claro que tal situação era reflexo direto da excessiva centralização do poder nas mãos do monarca. Era necessário adequar a nova realidade econômica e social à esfera política. Essa necessidade se tornou mais patente após o desmascaramento do “parlamentarismo às avessas” (queda do Gabinete Zacarias) e com o término da Guerra do Paraguai (1870). Nesse último ano, foi publicado no Rio de Janeiro um Manifesto Republicano; três anos depois, na Convenção de Itu, fundou-se oficialmente o Partido Republicano Paulista (PRP). A ideia central dos republicanos era o federalismo. Os signatários do manifesto e os republicanos em geral eram elementos ligados aos cafeicultores progressistas e aos setores intelectuais urbanos (jornalistas, juristas, escritores). papa Pio IX publicou a Bula Syllabus, proibindo que membros da Igreja Católica pertencessem à maçonaria. D. Pedro II não deu seu placet (consentimento para o cumprimento da bula), mas os bispos D. Vital (de Olinda) e D. Macedo (de Belém) suspenderam irmandades que não cumpriram os ditames da bula. Os maçons reclamaram ao imperador e, por isso, os bispos foram presos, processados e condenados a quatro anos de prisão com trabalhos forçados. Os condenados receberam indulto em 1875, quando o Duque de Caxias ocupava a presidência do Conselho de Ministros. De qualquer modo, a chamada Questão Religiosa foi mais um fator a contribuir para o “ocaso do Império”, pois tornou clara a necessidade de separar a Igreja do Estado. 6. FATORES MILITARES Desde o Período Regencial, o Exército brasileiro ocupava uma posição secundária em relação à Guarda Nacional. Porém, a Guerra do Paraguai exigiu um exército moderno, profissional, capaz de fazer frente ao exército paraguaio. Após o conflito, os oficiais passaram a defender um ideal de “salvação nacional”, caracterizado por um verdadeiro “espírito de corporação”. Além disso, as ideias positivistas e republicanas infiltravam-se nas fileiras do Exército. A chamada Questão Militar, iniciada em 1883, insere-se nesse clima de incompatibilidade entre o Exército e o Estado. 5. FATORES RELIGIOSOS A Constituição de 1824 estabelecera o regalismo, de acordo com o qual a Igreja estava subordinada ao Estado, ou seja, o poder espiritual ficava sujeito ao poder político. As contradições provocadas por essa aliança político-religiosa vieram à luz na década de 1860. Nessa época, o Espadim, faixa e malhete, objetos usados nos ritos maçônicos. – 99 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:42 Página 100 7. CRONOLOGIA 1870 – Fim da Guerra do Paraguai. – “Manifesto Republicano”, no Rio de Janeiro. 1871 – Lei do Ventre Livre. – Início da Questão Religiosa. 1873 – Convenção do Partido Republicano Paulista, em Itu. 1874 – Os bispos de Olinda e Belém são julgados e condenados a MÓDULO 13 quatro anos de prisão. 1875 – Anistia aos bispos de Olinda e Belém e fim da Questão Religiosa. 1877 – Secas no Nordeste matam 110 mil pessoas. 1880 – Joaquim Nabuco e André Rebouças inauguram a Sociedade Brasileira contra a Escravidão. 1882 – A borracha da Amazônia assume lugar de destaque nas República da Espada 1. INTRODUÇÃO Dá-se o nome de República da Espada ao período republicano de 1889 a 1894, correspondente aos governos dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Caracterizou-se pelo fato de os militares exercerem o Poder Executivo, com apoio dos setores civis ligados às elites agrárias, principalmente dos cafeicultores do Oeste Paulista. Foi uma fase de consolidação do regime republicano e de preparação para a chamada República das Oligarquias (1894-1930). Por determinação do ministro da Fazenda, Rui Barbosa, realizou-se uma política de incentivo à indústria, caracterizada pela facilitação dos créditos bancários, pela excessiva emissão de papel-moeda e pela especulação com ações. Gerou-se uma crise conhecida como Encilhamento, que provocou inflação, aumento da dívida pública, quebra de bancos e empobrecimento de inúmeros pequenos investidores. 2. GOVERNO PROVISÓRIO (1889-FEVEREIRO DE 1891) Proclamada a República, foi instituído um governo provisório chefiado pelo marechal Deodoro da Fonseca. Seus primeiros decretos determinaram o banimento da Família Imperial, o estabelecimento de uma nova bandeira nacional, a separação entre a Igreja e o Estado, a liberdade de cultos, a secularização dos cemitérios e a grande naturalização. Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República. Busto feito por Décio Villares. 100 – exportações brasileiras. 1883 – Início da Questão Militar. 1884 – É proclamada a libertação dos escravos no Ceará. 1885 – Lei Saraiva-Cotegipe (Lei dos Sexagenários). 1886 – Marechal Deodoro envolvese na Questão Militar. 1888 – Lei Áurea. 1889 – Proclamação da República. Separação entre o Estado e a Igreja. Cari catura de Ângelo Agostini para a Revista Ilustrada. O texto da lei que instituía o casamento civil e regulamentava a separação dos casais, aprovado em janeiro de 1890, provocou protestos dos religiosos, que se sentiram lesados em seu prestígio junto à sociedade católica. Elegeu-se um Congresso Constituinte que, em 24 de fevereiro de 1891, promulgou a primeira Constituição republicana do Brasil, fortemente influenciada pelo modelo norte-americano. Foram extintos o poder moderador, o cargo de primeiro-ministro, a vitaliciedade do Senado, o voto censitário e as eleições legislativas indiretas. A nova Constituição estabeleceu a tripartição de poderes, o sistema presidencialista, a eleição direta do presidente da República para um mandato de 4 anos (sem direito à reeleição) e o sufrágio universal masculino (excluídos os analfabetos e as praças de pré, isto é, os soldados e marinheiros rasos). Também foi estabelecido o sistema federativo, com a concessão de autonomia aos estados-membros da União. A Constituição de 1891 determinou que a primeira eleição presidencial fosse realizada por voto indireto, por meio do Congresso. Visando enfraquecer Deodoro (que era o candidato natural à Presidência da República) e provocar uma cisão entre os militares, os políticos civis apoiaram a candidatura do marechal Floriano Peixoto à Vice-Presidência. 3. O GOVERNO CONSTITUCIONAL DO MARECHAL DEODORO DA FONSECA (1891) Eleito para a Presidência da República, o marechal Deodoro logo se indispôs com o Congresso Nacional. Este, usando como pretexto o favorecimento do presidente a um amigo na construção de um porto na cidade de Torres (RS), aprovou o projeto da Lei de Responsabilidade do Presidente da República, que abria a possibilidade de se declarar o impedimento do chefe de Estado. Deodoro vetou o projeto; mas, ao perceber que o Congresso ia rejeitar seu veto e promulgar a lei, deu um golpe de Estado. O Congresso Nacional foi fechado. Os governadores estaduais (exceto o do Pará) solidarizaram-se com o presidente. Mas a Marinha, liderada pelo almirante Custódio de Melo, revoltou-se em defesa da legalidade. Para evitar derramamento de sangue, Deodoro renunciou à Presidência da República. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 101 4. O GOVERNO CONSTITUCIONAL DO MARECHAL FLORIANO PEIXOTO (1891-1894) Ao assumir o poder, o vice-presidente, marechal Floriano Peixoto, reabriu o Congresso, mas afastou os chefes de governo estaduais que haviam aderido ao golpe de Deodoro. Os políticos ligados à aristocracia rural apoiaram a permanência de Floriano Peixoto à frente do governo até completar o mandato de Deodoro, muito embora o artigo 42 da Constituição determinasse que, caso o presidente da República não chegasse a completar metade de seu mandato, o vice-presidente deveria convocar nova eleição presidencial. Um manifesto de 13 generais e almirantes, exigindo que Floriano cumprisse o art. 42, foi punido com a reforma (aposentadoria) de seus signatários. MÓDULO 14 Floriano enfrentou e reprimiu com violência duas revoltas: a Revolução Federalista do Rio Grande do Sul e a Revolta da Armada no Rio de Janeiro. Os dois movimentos, que contavam com a participação de adeptos da Monarquia, acabaram por fundir-se, mas foram vencidos. O papel de Floriano nesses episódios valeu-lhe os epítetos de Marechal de Ferro e Consolidador da República. Apesar de seus partidários exaltados insistirem para que se implantasse uma ditadura militar, Floriano Peixoto permitiu que se realizasse a eleição presidencial. Seu sucessor foi um civil, paulista, cafeicultor e republicano histórico – Prudente de Morais –, cuja posse assinalou o término da República da Espada e o início da República das Oligarquias. 5. CRONOLOGIA 15/11/1889 – Proclamação da República. 1889 – Decreto de Banimento da Família Imperial. 1890 – Eleições para o Congresso Constituinte. – Crise do Encilhamento. 1891 – Promulgação da Constituição e eleição indireta do marechal Deodoro da Fonseca. – Renúncia de Deodoro da Fonseca. – Início do governo do marechal Floriano Peixoto. 1893 – Revolta da Armada e Revolução Federalista. 1894 – Eleição de Prudente de Morais (primeiro presidente civil). Bases Sociopolíticas da República Oligárquica 1. SANEAMENTO FINANCEIRO Em nome da oligarquia agrária do café, o presidente Campos Sales, antes mesmo de tomar posse, renegociou a dívida externa do Brasil, assinando uma moratória, e fez um empréstimo de 10 milhões de libras esterlinas, conhecido como fundingloan. O objetivo dessa política era combater a inflação e sanear as finanças do País, consolidando sua “vocação agrária”. 2. CAFÉ, BORRACHA E O CONVÊNIO DE TAUBATÉ O café, cuja expansão caracterizou a economia brasileira na segunda metade do século XIX, foi a base de sustentação da República Velha. Durante o governo do presidente Rodrigues Alves, conhecido como “quadriênio progressista”, muitos recursos financeiros por ele utilizados se originaram da política financeira do presidente Campos Sales, do aumento das exportações de café e da crescente produção de borracha. Rodrigues Alves (paulista – presidente da República de 1902 a 1906), eleito com 592.039 votos, numa população de 18,7 milhões de habitantes, sendo 3,4% de eleitores. (foto de Rosenfeld. Biblioteca Nacional). Em 1906, no final do quadriênio progressista, a superprodução de café, com a consequente queda dos preços, levou os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro a firmarem um convênio em Taubaté, uma cidade do Vale do Paraíba paulista. De acordo com as decisões tomadas pelos representantes da cafeicultura, o governo deveria intervir no mercado cafeeiro comprando e estocando os excedentes de produção para valorizar seu preço. Apesar de o presidente Rodrigues Alves não concordar com essa política de valorização do café, os estados produtores da rubiácea adotaram a valorização, que foi aplicada pelo presidente Afonso Pena. 3. SURTO INDUSTRIAL A Guerra de 1914-1918 (em que tomamos pequena parte ao lado dos Aliados), que corresponde a todo o período da presidência de Venceslau Brás, permitiu uma pausa no declínio das oligarquias que o civilismo anunciava. Também o conflito mundial proporcionou excelentes negócios, pois os Aliados compravam tudo o que o país lhes pudesse vender. Implantaram-se indústrias que, estimulando a produção de matéria-prima nacional, acumulavam forte capital e especializavam numeroso corpo de operários. 4. CRONOLOGIA 1890 – Crise do Encilhamento. 1893 – Crise de superprodução de café. 1898 – Moratória e funding-loan. 1906 – Convênio de Taubaté. 1912 – Boom da borracha. 1914-18 – Surto industrial. – 101 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 28/01/14 10:46 Página 102 MÓDULO 15 1. O CAPITALISMO TARDIO Ao ser proclamada a República, em 1889, existiam no Brasil 626 estabelecimentos industriais, sendo 60% do ramo têxtil e 15% do ramo de produtos alimentícios. Em 1914, o número já era de 7.430 indústrias, com 153.000 operários. Em 1920, o número havia subido para 13.336, com 275.000 operários. Até 1930, foram fundados mais 4.687 estabelecimentos industriais. Por outro lado, já em 1907, o total de capital aplicado na indústria de produtos alimentícios tinha superado o total aplicado no ramo têxtil. Nesse período, deve-se considerar que a indústria brasileira reunia um grande número de pequenas oficinas, semi-artesanais, que fabricavam bens de consumo simples para suprimento local. Em 1920, apenas 482 estabelecimentos tinham mais de 100 operários. Há que se levar em conta que a industrialização se concentrou no eixo Rio–São Paulo e, secundariamente, no Rio Grande do Sul. O empresariado industrial era oriundo do café, do setor importador e da elite dos imigrantes. Ideias e Movimentos Urbanos na Primeira República comando do marinheiro negro João Cândido. Os marinheiros dos dois modernos encouraçados, “Minas Gerais” e “São Paulo”, rebelaram-se contra os maus-tratos, excesso de trabalho e contra a chibata, processo que ainda era usado para punir infratores. Oficiais foram mortos e granadas despejadas sobre o Rio de Janeiro. 4. A GREVE DE 1917 “São Paulo é uma cidade morta: sua população está alarmada, os rostos denotam apreensão e pânico, porque tudo está fechado, sem o menor movimento. Pelas ruas, afora alguns transeuntes apressados, só circulam veículos militares, requisitados pela Companhia Antarctica e demais indústrias, com tropas armadas de fuzis e metralhadoras. Há ordem de atirar sobre quem fique parado nas ruas. Nos bairros fabris do Brás, Mooca, Barra Funda e Lapa sucedem-se tiroteios com grupos de populares...” 2. A REVOLTA DA VACINA A origem dessa revolta ocorrida no Rio de Janeiro deve ser procurada na questão social gerada pelas desigualdades sociais e agravada pela reurbanização do Distrito Federal pelo prefeito Pereira Passos. Além disso, o grande destaque do período foi a Campanha de Saneamento no Rio de Janeiro, dirigida por Oswaldo Cruz. Decretando-se a vacinação obrigatória contra a varíola, ocorreu o descontentamento popular. Disso se aproveitaram os militares e políticos adversários de Rodrigues Alves. Assim, irrompeu a Revolta da Vacina (novembro de 1904), sob a liderança do senador Lauro Sodré. O levante foi rapidamente dominado, fortalecendo a posição do presidente. 3. A REVOLTA DA CHIBATA Em 23 de novembro de 1910, estourou a Revolta da Chibata, sob o 102 – Quirino Campofiorito (nascido em 1902), em O Operário, retrata de forma realista a rusticidade dos traços e marcas do operariado. Foi dessa maneira que o militante operário Everardo Dias descreveu a greve de 9 de julho de 1917. A origem do movimento grevista está associada ao capitalismo tardio e selvagem, bem como à influência do anarcossindicalismo. Na realidade, o movimento operário brasileiro foi influenciado, a partir do século XIX e até a década de 1920, pelo socialismo reformista, trabalhismo e anarquismo. As greves que paralisaram as fábricas em São Paulo e em outras cidades brasileiras tiveram caráter reivindicatório e foram conduzidas pelos anarcossindicalistas, sendo violentamente reprimidas pelo Governo Federal do presidente Venceslau Brás. 5. MOVIMENTO MODERNISTA Na década de 1920, contra o elitismo e o europeísmo que marcavam a cultura brasileira, rebelou-se o movimento modernista brasileiro. Seu ponto alto foi a Semana de Arte Moderna (1922), realizada em São Paulo com o objetivo de criar uma cultura moderna, baseada em elementos genuinamente brasileiros. Os modernistas foram buscar inspiração nas imagens da indústria, da máquina, da metrópole, do burguês e do proletário, do homem da terra e do imigrante. Entre os escritores modernistas, o que melhor reflete o espírito da Semana é Oswald de Andrade. De maneira geral, sua produção literária reflete a sociedade em que se forjou sua formação cultural: o momento de transição que une o Brasil agrário e patriarcal ao Brasil que caminha para a modernização. Ao lado de Oswald de Andrade, destaca-se como ponto alto do Modernismo a figura de Mário de Andrade, principal animador do movimento modernista e seu espírito mais versátil. Cul tivou a poesia, o romance, o conto, a crítica, a pesquisa musical e folclórica. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 103 Escritores de relevo da época foram também Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo e Antônio de Alcântara Machado. Este, inovando a estrutura do conto, em suas coletâneas Brás, Bexiga e Barra Funda (1927) e Laranja da China (1928) retrata, numa linguagem que se aproxima da jornalística, a vida social de São Paulo, destacando a figura do imigrante, sobretudo do italiano, responsável por marcantes alterações na fisionomia cultural de São Paulo. A Semana de Arte Moderna foi um marco na história da cultura brasileira. Foi aplaudida e duramente criticada, mas deixou a semente renovadora da produção cultural nacional. O ano de 1922 foi pródigo em ocorrências inovadoras: Modernismo, Tenentismo e a criação do Partido Comunista do Brasil. MÓDULO 16 1. A CRISE DE 1929 q Fatores Os Estados Unidos emergiram da Primeira Guerra Mundial como a maior potência econômica do mundo. Sua indústria e agricultura haviam atingido níveis de produção jamais alcançados e suas reservas de ouro superavam as de todos os demais países. Os Estados Unidos eram os grandes credores do mercado internacional. Havia inclusive um considerável excedente de capital, que os norteamericanos investiram sob a forma de empréstimos para recuperar os países europeus devastados pela guerra. O fator primordial para a eclosão da crise de 1929 foi a insistência, por parte da economia norte-americana, em manter os níveis de produção alcançados durante o conflito mundial, sem ajustá-los às condições do pósguerra. Mas o reerguimento econômico das nações europeias tendeu a torná-las autossuficientes e, depois, concorrentes dos próprios Estados Unidos. O excesso de produção provocou a baixa dos preços internacionais das matérias-primas, afetando o poder aquisitivo dos países exportadores de produtos primários. Por outro lado, o mercado interno norteamericano, cuja população com po- A Crise de 1929 e o New Deal der de compra vinha consumindo dentro do limite máximo de sua capacidade, mostrou-se incapaz de absorver a produção excedente. Gerou-se assim uma crise de superprodução (pelo ângulo dos produtores) ou de subconsumo (pelo ângulo dos consumidores), agravada pelo fato de a economia norte-americana haver se desenvolvido de forma descontrolada. q A crise A redução planejada da produção – que atualmente se apresenta como a solução mais apropriada para o problema – foi inviabilizada pelos próprios capitalistas e pelo governo do presidente republicano Hoover, o qual manteve o tradicional liberalismo econômico dos Estados Unidos, recusando-se a interferir no processo econômico. Assim, procurou-se amainar a crise em curso por meio da estocagem de excedentes da produção e da maior facilidade na concessão de empréstimos, a fim de incentivar o mercado consumidor. O primeiro setor a entrar em colapso foi o agrícola, devido à queda dos preços de seus produtos e à alta dos custos. Em seguida, foi a vez da indústria. A abrupta contenção da produção gerou dispensas em massa, reduzindo ainda mais o potencial de consumo. Durante alguns meses, o mercado de ações manteve-se alheio à derrocada da agricultura e da indústria. Mas a persistência da crise afetou a confiança dos especuladores, gerando a retração na compra de ações. Como resultado, ocorreu o crack da Bolsa de Valores de Nova York (outubro de 1929). Embora os grandes bancos sobrevivessem à tormenta, milhares de instituições financeiras menores faliram, arruinando milhões de pequenos depositantes e investidores. O desemprego cresceu avassaladoramente, superando a marca de 13 milhões de pessoas! A Grande Depressão espalhou-se por todo o mundo capitalista, favorecendo a ascensão dos regimes totalitários e preparando o caminho para a Segunda Guerra Mundial. 2. O NEW DEAL Em 1933, assumiu a Presidência dos Estados Unidos o democrata Franklin Roosevelt (eleito em 1932), o qual pôs em prática uma política econômica intervencionista e antiliberal, à qual deu o nome de New Deal. Seus pontos principais eram a realização de grandes obras públicas, a fim de reduzir o desemprego; fi- – 103 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 104 diante das portas antes que elas se abrissem. Mas somente as quantias necessárias para os soldos, salários, impostos e outros pagamentos necessários foram entregues nos guichês. Houve protestos, brigas e discussões, mas nenhuma desordem séria (...).” q Grã-Bretanha A crise financeira propagou-se da Alemanha para a Grã-Bretanha. Os fundos alemães a curto prazo, investidos em Londres, foram retiraNova York, outubro de 1929: alguém que dos, e por volta de agosto houve perdeu tudo com a queda dos preços das uma corrida a Londres. ações tenta levantar alguns recursos para O Banco da Inglaterra teve que fazer pagamentos em ouro, mas a poder enfrentar despesas inadiáveis. partir de setembro de 1932 não xação de preços mínimos para o pepodia mais fazê-los. Ao final desse tróleo, carvão e produtos agrícolas, ano, do ze países seguiam o exemplo com o objetivo de estimular a produda Grã-Bre tanha e suspendiam ção; apoio aos pequenos investidores também o pa gamento em ouro. O e criação de um órgão governamental dólar ficou sem lastro-ouro em 1933, que controlasse o sistema bancário; o franco em 1936. empréstimos estatais aos fazendeiros A luta para manter o lastro-ouro, cujas propriedades estivessem hipoen tretanto, havia inibido mais ainda o tecadas; elevação dos salários, visanin vestimento e o crescimento, e audo aumentar o poder aquisitivo da men tado as dificulda des do comércio população; e concessão de empréstimos ao exterior, com vistas à rea- internacional. A reação americana à tivação dos mecanismos do comércio redução de capital e à queda de produção havia sido a elevação das internacional. Por volta de 1936, os Estados Uni- tarifas sobre produtos importados, dos já estavam superando os efeitos que já eram muito altas. A Europa não da Grande Depressão. Assim, em 1939, podia vender produtos à América e, o país se encontrava em condições de consequentemente, não tinha dinheiaproveitar a nova conjuntura criada pela ro para comprar produtos da América. Pouco a pouco, os países da Segunda Guerra Mundial. Europa aumentaram suas tarifas e cotas de importação. A Grã-Bretanha, q Alemanha O escoamento de divisas do país finalmente, abandonou sua política de já atingia uma taxa sem precedentes livre comércio. O comércio internacioquando o marco perdeu a cobertura nal havia sofrido um colapso; muitas americana. Uma soma de 50 milhões fábricas, estaleiros e indústrias foram de libras em ouro e divisas deixou a fechados. Muitos trabalhadores ficaAlemanha, na primeira quinzena de ram desempregados. Provavelmente, junho, acompanhada, na terceira se- na pior época, havia aproximadamana, de uma soma de 17,5 milhões mente 30 milhões de pessoas no de libras. O povo e o governo da Ale- mundo para os quais não havia trabamanha relembraram claramente a lho, homens que, aparentemente, não terrível crise monetária de 1923, quan- tinham utilidade para a sociedade. do os marcos valiam menos do que o Em alguns países o desespero dos papel em que eram impressos. Te- desempregados, dissimulado pela mendo o pânico, o governo impôs se- mera citação das estatísticas, gerava veras restrições ao crédito. uma situação revolucionária. Mas, na “A redução da circulação mone- Grã-Bretanha, os desempregados tária está causando grandes transtor- não se tornaram revolucionários; simnos. A corrida às caixas econômicas plesmente se acomodaram, fazendo começou hoje, e já havia longas filas o possível para tirar o melhor proveito 104 – do pouco que tinham. q América Latina “Por alguns anos, antes da crise atual, os países latino-americanos tomaram empréstimos em grande escala do mercado americano (...). A população americana era próspera e parecia desejosa de comprar bônus latino-americanos em quantidades quase ilimitadas, sob pressão dos poderosos vendedores das companhias de investimento americanas. Na América Latina era fácil obter dinheiro com tais empréstimos, e era também fácil gastá-lo, muitas vezes com desperdício. Essa importação levara a uma expansão de obras públicas em países latino-americanos e a uma procura anormal de trabalho (...). Quando veio a crise, esse estímulo artificial aos negócios foi subitamente suprimido. Em muitos países, não foi possível obter empréstimos adicionais. A execução de obras públicas teve de ser inteiramente interrompida, ou grandemente retardada. Muitos governos encontraram-se às voltas com grandes projetos que não podiam levar avante. Seus orçamentos eram agravados por enormes compromissos de juros e amortização sobre essa nova dívida pública, enquanto suas receitas, especialmente as receitas alfandegárias, de que esses países dependem em grande parte, estavam se esgotando rapidamente. Homens aproveitados na construção de obras públicas eram despedidos, assim como muitos trabalhadores empregados na produção de artigos básicos para exportação. Isso significava depressão nos negócios, declínios de salários e desemprego.” Comentarista americano, citado no New York Times, 30 de agosto de 1930. 3. CRONOLOGIA 1918 – Os EUA detêm metade do estoque de ouro do mundo. 1921 – Crise de superprodução. 1923 – Empréstimos particulares à Europa. 1929 – Crack da Bolsa de Nova York. 1930 – Auge da crise. 1932 – Eleição de Roosevelt. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 105 MÓDULO 17 Crise do Estado Oligárquico e Revolução de 1930 1. DELFIM MOREIRA (1918-1919) Rodrigues Alves fora eleito, sucedendo a Venceslau Brás, mas, por moléstia, não pôde tomar posse. Respondeu interinamente pela Presidência o vice-presidente da República, Delfim Moreira. Seu governo durou até julho de 1919. 2. EPITÁCIO PESSOA (1919-1922) Rodrigues Alves faleceu em janeiro de 1919, não tendo decorrido dois anos de seu mandato. De acordo com a Constituição, eram necessárias novas eleições. A oposição do Estado do Rio Grande do Sul a qualquer candidatura paulista ou mineira, bem como à candidatura de Rui Barbosa (que foi apresentada), influiu na indicação de Epitácio Pessoa, paraibano que gozava de prestígio por sua participação na reunião de Versalhes. Epitácio Pessoa colocou civis no Ministério da Guerra (Pandiá Calógeras) e no Ministério da Marinha (Raul Soares). A insatisfação contra o sistema político e a desmoralização da República provocaram o surgimento do “Tenentismo”. O Tenentismo apareceu pela primeira vez como manifestação política durante o governo de Epitácio Pessoa, quando do levante do Forte de Copacabana (5/7/22), episódio dos “Dezoito do Forte”. 3. ARTUR BERNARDES (1922-1926) Em 1921, São Paulo já aprovara a candidatura de Artur Bernardes, de Minas Gerais. Mas o novo presidente recebia uma situação dificílima. Além de uma permanente ameaça de revolução, em virtude da malquerença e da agitação dos militares, apareciam os primeiros efeitos de uma crise econômica decorrente do fim da Primeira Guerra Mundial. Artur Bernardes governou sob estado de sítio. Novas manifestações tenentistas aconteceram. Em São Paulo, a revolta que dominou a capital foi chefiada por Isidoro Dias Lopes, Juarez e Joaquim Távora. Partindo do Rio Grande do Sul, formou-se a Coluna Prestes que, de 1924 a 1927, percorreu grande parte do país. Antes dos levantes de 1924, a oposição no Rio Grande do Sul, chefiada por Assis Brasil, revoltara-se contra a quinta reeleição de Borges de Medeiros. Com a mediação do general Setembrino de Carvalho, foi firmado o Pacto de Pedras Altas (1923), concordando-se com a reforma da Constituição gaúcha, a fim de se vetar a reeleição do presidente do Estado. fechado no Catete, granjeava certa popularidade depois que assumiu, passeando a pé pela Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Suspendera o estado de sítio, mas recusara a anistia aos presos políticos do tempo de Epitácio Pessoa e Artur Bernardes. q Sucessão Washington Luís, rompendo com a Política do Café com Leite, preteriu o nome de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (Minas Gerais) em favor de Júlio Prestes. Aglutinadas em torno de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, as forças oposicionistas formaram a Aliança Liberal, cujo programa reivindicava voto secreto, maiores garantias individuais, direitos trabalhistas e anistia aos rebeldes. Indicou como candidatos Getúlio Vargas e João Pessoa (vice). Foi a terceira eleição competitiva da República Velha (1930). A vitória coube a Júlio Prestes, que não foi empossado em virtude da deposição de Washington Luís pela Revolução de 1930. 5. A REVOLUÇÃO DE 1930 A reforma da Constituição Federal (1926) impôs a limitação do habeas corpus, o veto parcial do presidente e a ampliação do poder de intervenção federal nos Estados, o que resultou em um fortalecimento do Executivo presidencial. 4. WASHINGTON LUÍS (1926-1930) Radicado em São Paulo desde moço, Washington Luís ali fizera sua carreira política na máquina do PRP (Partido Republicano Paulista). Ao contrário de Artur Bernardes, que vivera q Introdução No fim da década de 20, os setores que contestavam as instituições da República Velha não tinham possibilidade de êxito: os “tenentes”, após seus vários insucessos, estavam marginalizados ou no exílio; as classes médias urbanas não tinham autonomia para se organizar. Todavia, uma oportunidade ia abrir-se para esses setores: uma nova divergência entre as oligarquias regionais e o golpe sofrido pelo setor cafeeiro com a crise mundial de 1929. q Fatores • A dissidência regional A indicação de Júlio Prestes pelo presidente Washington Luís como candidato do governo à Presidência na eleição de 1930, ao que parece, para que sua política de estabilização financeira não fosse interrompida, não foi aceita por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, presidente do Estado de – 105 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 106 Minas Gerais. Rompia-se a Política do Café com Leite. Antônio Carlos, a fim de enfrentar o Governo Federal, realizou uma aliança com os Estados do Rio Grande do Sul e Paraíba. No Rio Grande do Sul, o Partido Republicano e o Partido Libertador tinham chegado a um relativo acordo, o que fortalecia o Estado no plano nacional. A este último foi oferecida a candidatura à Presidência, e à Paraíba, a candidatura à Vice-Presidência. Juntaram-se a eles o Partido Democrático de São Paulo e outras oposições de outros Estados. Era a coligação da Aliança Liberal (1929). Dela faziam parte velhos políticos, como Borges de Medeiros, Epitácio Pessoa, Artur Bernardes, Venceslau Brás, Antônio Carlos. Foram lançadas as candidaturas de Getúlio Vargas para presidente e João Pessoa para vice. Cartaz de propaganda de Júlio Prestes, o candidato indicado por Washington Luís, o que significou o rompimento do Acordo Café com Leite. O programa da Aliança Liberal ia ao encontro das aspirações dos setores opostos ao cafeeiro, ao proclamar que os produtos nacionais deviam ser incentivados, e não só o café, cujas valorizações prejudicavam financeiramente o país. Outrossim, pretendendo sensibilizar as classes médias urbanas, o programa defendia as liberdades individuais, o voto secreto, a participação do poder judiciário no processo eleitoral, leis trabalhistas e anistia. 106 – Apesar da grande repercussão de sua campanha nos centros urbanos, os candidatos da Aliança Liberal foram derrotados, pois a grande maioria dos Estados se alinhou junto ao presidente Washington Luís. • A Crise de 1929 Embora seja certo que a crise mundial repercutiu com mais intensidade no Brasil em 1931, é preciso considerar que seus efeitos iniciais já abalavam o setor cafeeiro, e isso foi percebido por seus adversários, que viram nesse fato uma oportunidade para criticar o governo. Por outro lado, o setor cafeeiro e o Governo Federal estavam distanciados por este ter recusado auxílio àquele no início da crise. Os grupos dominantes de São Paulo, embora tivessem marchado com a candidatura de Júlio Prestes, não estavam dispostos a uma luta armada. • A Revolução Com a derrota eleitoral, os velhos políticos da Aliança Liberal, como Borges de Medeiros, pretenderam compor-se com os vitoriosos, como geralmente acontecia na República Velha. Mas existia na Aliança uma ala de políticos jovens (Maurício Cardoso, Osvaldo Aranha, Lindolfo Collor, João Neves, Flores da Cunha, Virgílio de Melo Franco, Francisco Campos) que não se conformava com uma situação na qual sua ascensão política permanecia dependente. Portanto, optaram pela via armada, e, para isso, aproximaram-se dos “tenentes”, como Juarez Távora, Ricardo Hall e João Alberto. A conspiração sofreu várias oscilações por causa da posição conciliatória dos velhos oligarcas da Aliança Liberal, até mesmo do próprio Getúlio Vargas, o que provocou seu esfriamento. Porém, foi alentada pela “degola” de deputados federais eleitos por Minas Gerais e Paraíba (maio de 1930), pelo assassinato de João Pessoa (julho de 1930) no Recife, por motivos ligados a problemas locais, mas explorado politicamente pelos conspiradores, e pela adesão de Borges de Medeiros, em agosto. Os “tenentes” foram aproveitados por sua experiência revolucionária, mas a chefia militar coube ao tenente-coronel Góis Monteiro, elemento de confiança dos políticos gaúchos. Getúlio Vargas, a partir de 1930, assume o governo e permanecerá até 1945. (óleo de A. Teixeira, Museu da República) No dia 3 de outubro eclodiu a revolta no Rio Grande do Sul; e no Nordeste, sob a chefia de Juarez Távora, no dia seguinte, participavam principalmente tropas das milícias estaduais e forças arregimentadas por “coronéis”. Várias tropas do Exército aderiram, algumas mantiveram-se neutras e poucas resistiram. Em vários Estados os governantes puseram-se em fuga. Quando se esperava um choque de grandes proporções entre as tropas que vinham do Sul e as de São Paulo, o presidente Washington Luís foi deposto, no dia 24, por um grupo de altos oficiais das Forças Armadas, que tinham a intenção de exercer um papel moderador. Formou-se a Junta Governativa Provisória, intitulada Junta Pacificadora, integrada pelos generais Mena Barreto e Tasso Fragoso, e pelo almirante Isaías Noronha. • Conclusão Houve um momento culminante na crise da década de 1920: as oligarquias regionais dissidentes optaram pela luta armada, o descontentamento militar ganhava novo alento, as classes médias urbanas insatisfeitas constituíam uma ampla ala de apoio. Nesse momento, o setor cafeeiro era atingido pelos primeiros efeitos da crise de 1929 e distanciava-se do Governo Federal. Daí a possibilidade de vitória de uma revolução. Portanto, um fator externo combinou-se com o agravamento de contradições internas. O setor cafeeiro continuou representando um papel fundamental na economia do país, mas, com a derrota, perdeu a hegemonia política. A revolução levou a uma composição de equilíbrio entre os setores da classe dominante. Não houve uma ruptura no processo histórico, mas apenas uma acomodação à atualização das instituições. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 107 6. CRONOLOGIA 1914 – Início do governo de Venceslau Brás e da Primeira Guerra Mundial. 1917 – Greves operárias em São Paulo. 1918 – Reeleição e morte de Rodrigues Alves. 1919 – Participação do Brasil na Conferência de Paz de Paris. 1922 – Eleição competitiva (Reação Republicana); Revolta Tenentista do Forte de Copacabana; Semana de Arte Moderna; primeiro centenário da MÓDULO 18 1. GOVERNO PROVISÓRIO (1930-1934) A Constituição republicana de 1891 foi suprimida e Vargas recebeu poderes ditatoriais por meio de uma Lei Orgânica aprovada em 6 de novembro de 1930. A legitimidade era proporcionada pelas Forças Armadas, que apoiavam Getúlio. Para governar os Estados, foram nomeados interventores, geralmente “tenentes” civis ou militares, imbuídos de ideias elitistas, apolíticas, autoritárias e modernizantes, que conflitavam com os “constitucionalistas” representantes das oligarquias. O controle dos “tenentes” por Getúlio foi feito por meio do Clube 3 de Outubro, que congregava elementos ligados diretamente ao governo. Ainda em 1930, foram criados o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde. 2. REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE SÃO PAULO Depois de nomear José Maria Whitaker, banqueiro paulista, para a pasta da Fazenda, Vargas o substituiu por Osvaldo Aranha, que inaugurou o sistema de compra e queima dos excedentes de café, financiado por uma emissão inflacionária, na tentativa de defender o principal setor da economia brasileira. Apesar disso, os paulistas insurgiram-se contra o Independência do Brasil. 1924 – Revolta tenentista de Isidoro Dias Lopes, em São Paulo. 1925 – Início da Coluna Prestes. 1926 – Criação do Partido Democrático de São Paulo; Washington Luís é eleito presidente da República; reforma constitucional amplia os poderes do Executivo; a Coluna Prestes percorre o interior do País. 1927 – A Coluna Prestes se dispersa na Bolívia; entra em vigor a Lei Celerada. 1928 – Fundação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP); Minas Gerais rejeita a candidatura de Júlio Prestes à Presidência da República. 1929 – Políticos mineiros e gaúchos fundam a Aliança Liberal e lançam a candidatura de Getúlio Vargas; Quebra da Bolsa de Valores de Nova York. 1930 – Eleição competitiva e vitória fraudulenta de Júlio Prestes; assassinato de João Pessoa e eclosão da Revolução no dia 3 de outubro; deposição de Washington Luís e ascensão de Getúlio Vargas. Era Vargas Governo Federal, exigindo para São Paulo um interventor civil e paulista. Assim, em fevereiro de 1932, o Partido Democrático e o Partido Republicano Paulista formaram a Frente Única Paulista. Em maio, durante uma manifestação contra o governo getulista, foram mortos quatro manifestantes: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo (MMDC). São Paulo conseguiu seu interventor civil e paulista, na pessoa de Pedro de Toledo, que defendia a reconstitucionalização do país. Nesse ínterim, Vargas promulgou o novo Código Eleitoral, que instaurava o voto secreto e o voto classista. Mas a demora na reconstitucionalização serviu de pretexto para a eclosão do levante paulista, comandado pelos generais Bertoldo Klinger e Isidoro Dias Lopes. Após três meses de combates, os paulistas capitularam. Então Vargas convocou uma Assembleia Constituinte, que seria instalada em 10 de novembro de 1933. 3. A NOVA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA (1934) Pelo novo Código Eleitoral, votaram pela primeira vez mulheres e houve representação “classista”. A Constituinte aprovou todos os atos do Governo Provisório e elegeu Vargas presidente da República, indiretamente, de acordo com as disposições transitórias da própria Constituição. Os presos políticos foram anistiados. A sociedade paulista mobilizou-se em torno da Revolução de 1932, conclamando o povo a aderir ao movimento (cartaz do Movimento Constitucionalista). Em relação ao texto constitucional de 1891, ocorreram numerosas inovações, tais como: extinção do cargo de vice-presidente da República, voto secreto e extensivo às mulheres, deputados eleitos pelos organismos de classe (1/5 da Câmara dos Deputados e das assembleias estaduais), redução do número de senadores a dois por Estado, com mandato de oito anos, mandato de quatro anos para os deputados, ministérios com assessorias técnicas, legislação trabalhista, mandado de segurança, ensino primário obrigatório e gratuito, e Conselho Superior de Segurança Nacional. – 107 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 108 Vargas convoca a Constituinte e recebe a faixa de presidente constitucional. (Revista Careta, 1933) q Os tenentes e a Constituinte “Em 1931, um documento atribuído a Juarez Távora resumia a posição tenentista em relação à convocação de uma Assembleia Constituinte: “Os elementos revolucionários que constituem o Clube 3 de Outubro – libertos de quaisquer facciosismos políticopartidários – impugnam a ideia de volta imediata do país ao regime constitucional. (...) Sendo, entretanto, partidários sinceros da constitucionalização, apenas divergem dos chamados constitucionalistas, quanto à conveniência de sua decretação a todo transe, como meio eficaz de salvação pública. (...) A Revolução de outubro venceu porque se apoderara do povo brasileiro a convicção de que os erros e obliterações do regime que o oprimia lhe criaram problemas gravíssimos para os quais não existiam soluções possíveis dentro da lei. Por isso, derrubado o governo legal de então, a Nação inteira clamou pela instituição da ditadura como único meio capaz de arrancar o País do caos a que o haviam arrastado alguns decênios de vida constitucional. (...) E para provar que não desejamos protelar indefinidamente o advento constitucional, é nosso propósito sugerir ao Chefe do Governo Provisório a nomeação de uma comissão de homens cultos e conhecedores da nossa realidade social e política, para elaborar criteriosamente sobre ela um anteprojeto de constituição. Mas se querer uma constituição é convocar 108 – um grupo de homens, com ou sem simulacros eletivos, para que do seu agregado ocasional e fora do tempo saiam algumas dezenas de preceitos legais, copiados aqui e ali, ao sabor das aparências, assaz vagos para permitir enrolarem-se na mesma coberta os ideais mais opostos, então o Clube 3 de Outubro é abertamente, decisivamente, contra a constituição. Na ânsia de constituição imediata, o que mais se vê é o prurido de voltar aos postos de mando sem vigilância, ao rebanho dos tempos passados ou disfarçada hostilidade ao Governo Provisório, principalmente ao seu Chefe, que sabe perfeitamente não ter sido a Revolução obra exclusiva de políticos. Os decênios de regime decaído foram pontilhados de revoluções, o que prova não bastar a existência de qualquer constituição para evitar a desordem, fazer descer a tranquilidade sobre os espíritos, permitir a moralidade administrativa e a prosperidade do país. O Clube 3 de Outubro quer a constituição. Não qualquer constituição. Pedirá a constituição quando notar ser possível a adoção de um sistema, senão perfeito, pelo menos assegurador da ordem por período relativamente longo. Antes disso, enquanto o desejo de constituição reflete a ambição de poderio e a volta a hábitos que justificaram a Revolução de 3 de outubro, o Clube que tem este nome não quer combate e não permitirá que se adote uma constituição qualquer para um país, cujo Destino é, para o Clube, a sua única razão de ser”. 4. GOVERNO CONSTITUCIONAL (1934-1937) O primeiro período constitucional de Vargas foi marcado pela polarização ideológica, reflexo da conjuntura europeia. Surgiram dois agrupamentos políticos: Aliança Nacional Libertadora (ANL), liderada por Luís Carlos Prestes, de tendência esquerdista e antifascista, e Ação Integralista Brasileira (AIB), chefiada por Plínio Salgado, de tendência direitista e anticomunista. Em junho de 1935, o governo fechou a ANL, acusando-a de subver- são, o que provocou a rebelião armada de novembro do mesmo ano (Intentona Comunista). Como consequência, Getúlio obteve a decretação do estado de sítio e viu seus poderes aumentados, podendo demitir funcionários públicos, afastá-los e decidir onde deveriam servir. A AIB organizou-se aos moldes do nazi-fascismo europeu. 5. O GOLPE DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937 Pretendendo perpetuar-se no poder, Vargas manobrou grupos contra grupos. Como a Constituição não lhe permitia a reeleição, acabou forjando um plano que redundou na implantação do Estado Novo. O golpe interrompeu o processo democrático iniciado em 1934, impedindo a realização das eleições presidenciais que seriam disputadas por três candidatos: Armando de Sales Oliveira (governador de São Paulo), José Américo de Almeida (ex-ministro da Viação) e Plínio Salgado (chefe da AIB). Usando como pretexto o Plano Cohen (elaborado por um oficial do Exército), Getúlio acabou fechando o Congresso e as Assembleias Legislativas e dissolvendo os partidos políticos. 6. NOVA CONSTITUIÇÃO Promulgada no dia do Golpe, não chega, praticamente, a ser aplicada. Vargas a desrespeitaria quando bem entendesse e não poria em prática a maior parte dos seus artigos. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 109 Pela nova Carta, eram suprimidas as bandeiras, hinos, escudos e armas estaduais ou municipais (art.2º). Este artigo será completado por disposições do decreto-lei nº 37 de 2 de dezembro de 1937, que extinguia os partidos políticos, vedando o “uso de uniformes, estandartes, distintivos e outros símbolos dos partidos políticos” (medida então dirigida contra os integralistas). O Poder Executivo intervinha praticamente sempre que o desejasse nos Estados (art.9º), cabendo a nomeação do interventor ao próprio presidente, que se outorgava o direito de modificar a Constituição e legislar por decretos. O artigo 14 permitia o controle sobre as Forças Armadas, podendo afastar os militares que representassem perigo “aos interesses nacionais”. Pelo artigo 186, era declarado estado de emergência em todo o Território Nacional, o que tornava possível ordenar prisões, exílio e invasão de domicílios; instituía-se a prisão perpétua e tornava-se legal a censura de todos os meios de comunicação. O mandato presidencial era oficialmente de seis anos. O Poder Legislativo, que aliás nunca chegou a ser eleito, podia ser dissolvido quando o Executivo bem entendesse. Seria ele exercido pelo Parlamento Nacional, com a colaboração do Conselho da Economia Nacional e do presidente da República (art.38). Dividia-se o Parlamento em Câmara dos Deputados, eleita por sufrágio indireto (eleitores: vereadores das Câmaras municipais e dez “eleitores” escolhidos por voto direto) para uma legislatura de quatro anos, praticamente sem poderes, senão o de discutir os gastos orçamentários do governo, e Conselho Federal, composto de representantes dos Estados eleitos para um mandato de seis anos pelas Assembleias estaduais e de dez membros nomeados pelo presidente da República. A presidência do Conselho cabia a um ministro de Estado, também designado pelo presidente da República. Outra inovação era o Conselho da Economia Nacional, composto de representantes das associações pro- fissionais ou sindicatos (influência do “Corporativismo” fascista). Este Conselho constituiria uma assessoria técnica, cujas atribuições eram “promover a organização corporativa da economia nacional”, regular os contratos coletivos de trabalho, verificar o desenvolvimento dos vários ramos da economia, fundar institutos de pesquisa destinados a promover o desenvolvimento tecnológico, “racionalizar a organização e administração da indústria e agricultura, crédito e organização do trabalho”. Com a legislação trabalhista o operariado brasileiro ficou subordinado ao Estado. Quanto às “eleições presidenciais”, estabelecia o artigo 78: em caso de vacância, o Conselho Federal elegeria um presidente provisório entre seus membros, ou aquele indicado pelo presidente da República. O mandato presidencial é de seis anos e este seria “eleito” por um complexo colégio eleitoral, salvo indicações em contrário do presidente (Vargas). Carmem Miranda tornou-se um dos símbolos do orgulho nacional. No plano da Segurança Nacional, a Constituição estabelecia a pena de morte, que seria regulamentada posteriormente pelo Decreto-lei de 18 de maio de 1938 (após a tentativa do golpe integralista). Finalmente, ficava sujeita a Constituição a um plebiscito, a ser marcado por Vargas, que, evidentemente, nunca foi realizado. 7. FORÇAS ARMADAS Vargas, apesar de descartar os militares “inconvenientes”, não conseguira estabelecer um verdadeiro controle sobre as Forças Armadas. Assim, a lealdade da alta oficialidade era bem precária, como ficou demonstrado quando do assalto integralista ao palácio presidencial, em maio de 1938 (os principais colaboradores militares de Vargas “perderam a cabeça” ao saber do atentado e demoraram várias horas antes de ajudar o presidente: esperavam provavelmente encontrá-lo morto...). Escapando do atentado, o prestígio de Vargas (ele resistira a bala, atirando lado a lado com sua filha, Alzira, e outros membros de sua “suíte”) aumentara sensivelmente. Porém, a sua política militar continuaria fraca, como ficou demonstrado em 1945, quando Dutra e Góis depuseram o presidente. 8. INSTITUIÇÕES POLÍTICOADMINISTRATIVAS Se o Estado Novo prima pela pobreza institucional, o aparelho burocrático do Estado será intensivamente expandido e modernizado para atender às necessidades centralizadoras do governo. Entre os novos órgãos criados, destacam-se o DASP e o DIP. O DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), com funções administrativas aparentemente burocráticas, super visionava as atividades dos inter ventores em cada Estado, além de ser um “cabide de empregos”, com um funcionalismo público desproporcionalmente grande. O DASP permitiu a centralização administrativa e a subordinação das administrações estaduais à Federal. – 109 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 110 O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) é o grande instrumento ideológico do Estado Novo. Sua missão: censura total e forjar uma “imagem popular” do governo. A enxurrada verbal promovida pelo DIP conciliava o bacharelismo verbal, tão caro às oligarquias, com o dilúvio de autofelicitações que o governo fazia. Utilizando modernos meios de comunicação, o rádio, a imprensa, filmes e edições, conseguiria instalar uma verdadeira fobia anticomunista, tão cara à oligarquia e, mais tarde, transmitiria a imagem de Vargas como “Pai dos Pobres” para o consumo das massas urbanas. Porém, evidentemente, seu campo de atuação é limitado, acabando por concentrar-se na censura da imprensa existente (confisca O Estado de S. Paulo, cria um jornal próprio, A Noite, no Rio de Janeiro). Instituiu a emissão radiofônica “A Hora do Brasil”, destinada a louvar a ação do governo. De outro lado, temos o fortalecimento da polícia secreta do Estado Novo, comandada pelo pró-nazista Felinto Muller, a mais detestada instituição da época no Brasil, e responsável por inúmeros crimes, torturas, assassinatos e terror cultural, que construíram a celebridade mundial do Estado Novo, equiparando-o aos totalitarismos europeus. Mas cabe salientar que este organismo não é de âmbito nacional, talvez em virtude da fraqueza da oposição, não havendo, até 1964, quando foi criado o Departamento Federal de Segurança Pública e o moderno SNI (Serviço Nacional de Informação), nenhum organismo policial ou informativo de âmbito nacional. Finalmente, a mola mestra da política getulista é o sistema de interventorias. Vargas tratou de impor às oligarquias estaduais uma camada nova de burocratas que permitisse executar a política de patronagem varguista nos Estados. Os interventores eram em geral continuamente trocados (“rodízio”), mas todos mantinham a mesma política, ditada pelo Governo Federal. Em cada Estado, as oligarquias políticas pré-revolucionárias eram eliminadas, sendo substituídas por outras (unidade de 110 – classe), sem nunca ameaçar o poder econômico das oligarquias tradicioniais. Getúlio Vargas. As mudanças introduzidas pelos interventores limitaram-se ao mínimo necessário para assegurar o controle de Vargas. Mas como a maioria dos interventores era tradicional, Vargas punha em prática o rodízio dos interventores, impedindo a sedimentação destes nos Estados. De outro lado, o sistema permitiu a assimilação dos “tenentes” pelas oligarquias locais. q O Ministério do Trabalho e o enquadramento da classe operária Já salientamos a importância e a função do Ministério do Trabalho desde sua fundação: “revolução” da questão social e enquadramento estatal da classe operária destruindo suas lideranças legítimas. Esta “obra” prosseguirá durante o Estado Novo, sendo aperfeiçoada pelo ministro Waldemar Falcão – responsável pela modificação da Legislação Trabalhista em 1941. Já na Constituição de 1937, encontrava-se o fundamento institucional da nova legislação. Era textualmente copiada das corporações, sindicatos de trabalhadores e patrões totalmente subordinados ao Estado (peleguismo sindical) pela ação do próprio gover- no e pela dependência econômica dos sindicatos ao Estado (por meio do imposto sindical). Proibiam-se totalmente o direito de greve e as associações de trabalhadores não filiados ao sistema oficial, cujas normas mais importantes consistiam no reconhecimento de apenas um sindicato para cada profissão, que poderia ser distrital, municipal, estadual e interestadual; só excepcionalmente, e com a autorização expressa do Ministério do Trabalho, foram admitidas associações nacionais. O caráter semi-autoritário, semiconcessivo, de toda essa estrutura, viciava de paternalismo as relações entre trabalhadores e governo, identificado por eles com Getúlio Vargas. Nos primeiros anos de Estado Novo, esse sistema teria por função política predominante, portanto, a conquista e, ao mesmo tempo, o controle e a disciplina das organizações, sobretudo operárias. Somente mais tarde, no fim do regime, ele seria utilizado para mobilizar “as massas”, fazendo-as intervir ativamente nas lutas políticas, a favor de Vargas, contra os grupos oposicionistas. A eficácia desses recursos se explica, em parte, pela composição do proletariado: camada a que se incorporavam constantemente novos contingentes de origem rural, para os quais a vida urbana era sinônimo de ascensão e, de modo particular, eram indivíduos beneficiados pelos direitos adquiridos com a legislação do trabalho. Mais ainda, as diferenças sociais e culturais que implica a vida urbana, se comparada à do campo, exigiam de suas energias. Não havia tempo – nem condições políticas – para que se pudessem cristalizar reivindicações e tradição organizatória autônomas. 9. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO No plano econômico, Vargas adotou uma política intervencionista, pragmática e nacionalista. Já em 1931, diante das repercussões da crise de superprodução que abalou o mundo capitalista, mormente as eco- TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 111 nomias periféricas, criou-se o Conselho Nacional do Café (mais tarde denominado Departamento Nacional do Café), para defender os preços desse produto com financiamentos do Banco do Brasil. Adotou-se a política do "equilíbrio estatístico" e das "cotas de sacrifício", comprando-se parte das safras e destruindo-a, além de se desestimularem os investimentos no setor, por meio da instituição de uma taxa sobre cada novo cafeeiro plantado. Em 1938 e começo de 1939, pressionado pelos déficits da balança de pagamentos, o governo congelou a dívida externa. Com o objetivo de modernizar a agricultura, foram criados os Institutos do Açúcar e do Álcool, do Mate e do Pinho e incrementou-se a produção algodoeira. No setor industrial, foi adotado o modelo de "substituição de importações", devido às dificuldades do país em importar e, particularmente, à conjuntura mundial marcada pela Grande Guerra de 1939 a 1945. Assim, em 1941, foi criada, com capital norte-americano, a Companhia Siderúrgica Nacional e iniciada a construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda; em 1942, também foi criada a Companhia Vale do Rio Doce, para a extração de minério de ferro. 10. SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Com a invasão da Polônia, em setembro de 1939, eclodiu a Segunda Guerra Mundial. O conflito, desdobramento da Guerra de 1914 a 1918 e das crises do capitalismo, envolveu dois blocos distintos: o Eixo, formado pela Alemanha, Itália e Japão, e os Aliados, que contou com a presença da Grã-Bretanha, União Soviética, Estados Unidos e outros países. 11. POLÍTICA EXTERNA DO ESTADO NOVO Apesar das afinidades ideológicas do Estado Novo e das relações comerciais do Brasil com os regimes totalitários de direita, Vargas, inicialmente, manteve-se neutro no conflito mundial. Não obstante, havia homens do governo, como Filinto Muller, chefe de polícia do Rio de Janeiro, Eurico Dutra e Góis Monteiro, ministros militares, e o jurista Francisco Campos, abertamente favoráveis ao Eixo. No outro extremo, Osvaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, liderava a corrente favorável aos EUA. Porém, o bloqueio econômico inglês ao comércio alemão e a ofensiva políticoideológica do presidente Roosevelt na América Latina obrigaram Vargas a definir-se pelos Aliados. Foi nesse contexto que, em 1940, o Brasil negociou com os EUA um empréstimo para a construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda e permitiu que tropas norte-americanas se instalassem no Nordeste. batentes eram homens humildes, recrutados nas favelas e que se portaram com bravura, reconhecida pelos próprios inimigos. No Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, construído no aterro da Glória no Rio de Janeiro, estão as cinzas de 454 soldados brasileiros que tombaram no campo de batalha, lutando contra o nazifascismo. 12. O BRASIL ENTRA NA GUERRA No início do ano de 1942, o Brasil rompeu relações com o Eixo e firmou um acordo secreto de natureza político-militar com os EUA. Nesse mesmo ano, cinco navios mercantes brasileiros foram afundados por submarinos germânicos. Esse episódio provocou uma onda de in- dignação por parte da população brasileira e serviu de pretexto para a declaração de guerra aos países do Eixo. Por iniciativa do governo brasileiro, e apesar das restrições dos ingleses e norte-americanos, Vargas resolveu enviar tropas para lutar no exterior. Foi assim que surgiu a Força Expedicionária Brasileira (FEB), cujo comando foi entregue ao general João Batista Mascarenhas de Morais. Em julho de 1944, desembarcou na Itália o primeiro contingente da FEB. As vitórias de Monte Castelo, Castelnuovo, Montese e Zocca foram demonstrações do esforço de guerra dos soldados brasileiros. Muitos desses com- Símbolo brasileiro (FEB) para a II Guerra – “A cobra vai fumar”. A participação oficial do Brasil na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Aliados, contra o Eixo nazifascista, criou no seio das Forças Armadas uma contradição que abalou os alicerces da ditadura do Estado Novo, abrindo perspectiva para a redemocratização do país. – 111 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 112 13. OS CAMINHOS DA REDEMOCRATIZAÇÃO q O Manifesto dos Mineiros Em outubro de 1943, foi divulgado o Manifesto dos Mineiros, no qual políticos e intelectuais de Minas Gerais reconheciam "que o Brasil está em fase de progresso material e tem sabido mobilizar muitas das suas riquezas naturais, aproveitando inteligentemente as realizações do passado e as eventualidades favoráveis do presente. A ilusória tranquilidade e a paz superficial que se obtêm pelo banimento das atividades cívicas e que podem parecer propícias aos negócios e ao comércio, ao ganho e à própria prosperidade, não são nunca benéficas ao revigoramento dos povos". Assinavam o documento, entre outros, Virgílio de Melo Franco, Afonso Arinos, Milton Campos, Magalhães Pinto, Adauto Cardoso, Odilon Braga, Pedro Aleixo e Bilac Pinto, todos eles futuros líderes da UDN, após a guerra, e que foram demitidos de seus cargos em função do manifesto. A estes acrescentam-se alguns elementos do existinto PD de São Paulo (Paulo Nogueira Filho, Júlio de Mesquita e Waldemar Ferreira) e os políticos eliminados pelo golpe de 1937: Lima Cavalcanti, Juracy Magalhães, Otávio Mangabeira, Flores da Cunha e José Américo. O Rio de Janeiro e o Distrito Federal eram representados por Raul Fernandes, Prado Kelly, José Eduardo Macedo Soares e Carlos Lacerda. Todos estes também se encontrarão nas fileiras da UDN após o conflito. O “Manifesto” defendia timidamente a “redemocratização do país”. A conjuntura da guerra e o esgotamento da ditadura do Estado Novo levaram o próprio Vargas a declarar em novembro de 1943 que “quando terminar a guerra, em ambiente próprio de paz e ordem, com as garantias máximas à liberdade de opinião, reajustaremos a estrutura política da Nação, fazendo de forma ampla e segura as necessárias consultas ao povo brasileiro”. 112 – Cartaz de propaganda da campanha para Presidência do brigadeiro Eduardo Gomes, 1945, candidato da UDN, derrotado por Dutra. q I Congresso Brasileiro de Escritores Em janeiro de 1945, o I Congresso Brasileiro de Escritores manifestouse abertamente favorável ao restabelecimento do Estado de Direito e as declarações do escritor e ex-ministro José Américo de Almeida, publicadas no Correio da Manhã, alcançaram grande repercussão. q Ações de Redemocratização q O pluripartidarismo A União Democrática Nacional (UDN) reunia antigos jornalistas liberais, como Assis Chateaubriand (proprietário de uma cadeia de jornais), Júlio de Mesquita Filho (de O Estado de S. Paulo) e Paulo Bittencourt (do Correio da Manhã), elementos da burguesia comercial contrários ao intervencionismo estatal e ao nacionalismo populista de Vargas, as camadas médias urbanas prejudicadas pela volta da inflação, enfim, todos aqueles que se opunham à ditadura getulista e ao estatismo do modelo econômico do Estado Novo. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criado sob inspiração do trabalhismo peleguista de Vargas, mobilizou a burocracia sindical para esta- belecer um vínculo com as camadas populares urbanas que conservavam a imagem de Getúlio como o “Pai dos Pobres”. Destarte, o PTB adquiriu uma feição declaradamente populista. O Partido Social Democrático (PSD) era outra agremiação de base governista, mas possuía um caráter mais conservador que o PTB. Integravam-no os interventores nomeados por Getúlio para atuar nos Estados, as oligarquias e os banqueiros – todos beneficiados pelo Estado construído durante a ditadura. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) fora fundado em 1922, em meio à conjuntura de crise da República Velha e de expansão do comunismo soviético. Legalizado em O próprio Vargas foi obrigado a reconhecer a nova realidade por meio de uma série de medidas redemocratizantes: compromisso de realizar eleições gerais em 2 de dezembro de 1945, fim da censura à imprensa, libertação dos presos políticos e uma Lei Orgânica dos Partidos que permitia a formação de agremiações político-partidárias. Comício queremista no largo da Carioca (RJ), 20/8/1945. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 113 1945, defendia a tese da ditadura do proletariado e utilizava como estratégia política a aliança com as "forças progressistas", isto é, com outras correntes de esquerda. Seu líder máximo era Luís Carlos Prestes, preso desde 1936 (em consequência da fracassada Intentona Comunista de 1935) e que fora libertado quando da anistia concedida aos presos políticos por Getúlio. Outros partidos políticos organizaram-se nessa época. Um deles era o Partido de Representação Popular (PRP), que reunia antigos integralistas sob a direção de Plínio Salgado. Esse pluripartidarismo refletia a heterogenei- dade da própria sociedade brasileira e os interesses de classe de um país ainda agrário, mas que caminhava para a consolidação do capitalismo industrial e urbano. 14. A CAMPANHA QUEREMISTA E A QUEDA DE GETÚLIO VARGAS Em meio à campanha eleitoral para a Presidência da República, já apre- sentadas as candidaturas do general Eurico Dutra pelo PSD, do brigadeiro Eduardo Gomes pela UDN e de Plínio Salgado pelo PRP, surgiu o “queremismo”. Organizado pelos trabalhistas com o slogan “Queremos Getúlio”, esse movimento contou com o surpreendente apoio dos comunistas, cuja Getúlio Vargas, deposto pelos militares em 1945, retira-se para palavra de ordem era São Borja, no RS. ligeiramente diferente a vitória ao candidato do PSD, general (“Constituinte com Getúlio”). Quando Eurico Gaspar Dutra, o qual contou Vargas, aparentemente alimentando com o apoio ostensivo do PTB intenções continuístas, nomeou seu getulista. Os comunistas acabaram lanpróprio irmão chefe de polícia do çando um candidato próprio, que obteDistrito Federal, os militares, pressio- ve escassa votação. O processo de nados pelas oposições antigetulistas e redemocratização iria completar-se em preocupados com a natureza popular setembro de 1946, quando os depudo movimento queremista, depuseram tados e senadores constituintes, eleitos o ditador em 29 de outubro de 1945. igualmente em dezembro de 1945, Com a queda de Vargas, o Poder Exe- promulgaram a nova Constituição bracutivo passou a ser exercido por José sileira. Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal. A eleição presidencial deu 15. CRONOLOGIA 1930 – Lei Orgânica discricionária e criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e da Lei dos 2/3 ou Lei da Nacionalização do Trabalho. 1931 – Lei de Sindicalização. 1932 – Revolução Constitucionalista 1934 – Promulgação de uma nova Constituição. 1935 – Intentona Comunista. 1937 – Golpe que implanta o Estado Novo; Carta outorgada e extinção de todas as agremiações políticopartidárias. 1938 – Criação do Conselho Nacional de Petróleo e tentativa de golpe integralista. 1939 – Criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). – Início da Segunda Guerra Mundial. 1940 – Aprovação do financiamento do Eximbank ao Brasil. – Vargas cria o salário-mínimo. – Empréstimo do Eximbank para financiar a Usina Siderúrgica de Volta Redonda. 1941 – O Brasil rompe relações com o Eixo. – Criação do Ministério da Aeronáutica, da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda e do imposto sindical. 1942 – Rompimento das relações diplomáticas com o Eixo Roma–Berlim–Tóquio. – Afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães e declaração de guerra à Alemanha e Itália. 1943 – Criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). – Criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB). – Manifesto dos Mineiros. 1944 – A FEB integra-se ao IV Corpo do Exército norteamericano na Itália. 1945 – Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores. – Ato Adicional convoca eleições gerais. – Lei de Anistia Política. – Legalização da UDN, PSD, PTB, PCB e PRP. – Golpe militar depõe Getúlio Vargas. – Presidência interina de José Linhares. – Eleições gerais com vitória de Dutra para a Presidência da República. – Fim da Segunda Guerra Mundial. – 113 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 114 História Geral FRENTE 2 MÓDULO 11 Reformas Religiosas do Século XVI 1. O SIGNIFICADO DA REFORMA A Reforma foi uma mudança ocorrida tanto na parte material quanto espiritual da Igreja Católica, isto é, tanto na organização eclesiástica como na ortodoxia, na doutrina religiosa. 2. AS CAUSAS DO MOVIMENTO REFORMISTA A transição do sistema feudal para o sistema capitalista transformou a mentalidade do indivíduo. A quebra da estrutura do sistema feudal fez surgir a necessidade de uma nova religião, mais adaptada ao espírito acumulador e empresarial do capitalismo. A burguesia em ascensão combatia a teoria da usura desenvolvida durante a Idade Média, segundo a qual o lucro excessivo e os juros eram condenados. Tornava-se necessária uma religião que, em vez de combater, estimulasse a acumulação de capital, colocando a burguesia em paz com a sua consciência religiosa. Ao mesmo tempo, os reis, centralizando o poder, procuraram transformar a religião e a Igreja em instrumento de sua autoridade, pois, na medida em que combatiam o poder papal, assumiam o controle das igrejas nacionais e de seus bens. No plano cultural, o Renascimento estimulou a leitura e a tradução de textos bíblicos, acentuando as discussões teológicas. As numerosas edições da Bíblia aguçaram o conhecimento da doutrina e isso permitiu aos fiéis se aperceberem do baixo nível intelectual e da corrupção do clero. A necessidade de reformar o clero é que iria dar origem à Reforma. 3. HUMANISMO E A TENTATIVA DE REFORMA Os humanistas cristãos tiveram consciência dessa necessidade. Pro- 114 – curavam o verdadeiro cristianismo na leitura e comentário do Antigo e do Novo Testamento, bem como na tradição dos grandes escritores cristãos antigos. Erasmo publicou em 1516 uma edição em grego dos evangelhos e uma tradução latina. Por outro lado, um grupo de estudiosos franceses (do qual faziam parte Guilherme Briçonnet, e principalmente Lefèvre d'Etaples, protegidos pela rainha de Navarra, Margarida D'Angoulême) publicou uma coleção de Salmos, edição das cartas de São Paulo e uma tradução francesa do Novo Testamento (1521). Outros, mais ligados ao papado, tais como Pico De La Mirandola e Marsílio Ficino, empenharam-se igualmente numa reforma dos costumes da Igreja, que não alcançou o efeito desejado. Um fator muito significativo do porquê da não execução das reformas propostas pelos pensadores cristãos prende-se ao problema conciliar já citado. A Reforma tinha que ser feita pelo Concílio. O papado tinha receio de convocá-lo por causa de suas tendências de supremacias. Assim, o problema foi adiado até que a solução protestante forçou a reunião do Concílio de Trento. Nessa ocasião, entretanto, o papado já possuía a Companhia de Jesus, que man-i pulou o Concílio e evitou a discussão do problema da superioridade. 4. AS ETAPAS DA REFORMA Na verdade, houve várias reformas, iniciadas com a Reforma Luterana, a qual deu origem à primeira guerra de religião da Era Moderna, travada entre protes- tantes e católicos. A Paz de Augsburgo de 1555 pôs fim ao conflito na Alemanha. Depois da Reforma Luterana, vieram a Reforma Calvinista, a Reforma Anglicana, a Reforma Católica e a Contrarreforma. 5. A REFORMA PROTESTANTE Teve início com Martinho Lutero em 1517, na Alemanha, quando ele protestou contra a venda de indulgências e aproveitou para fazer outras críticas à estrutura eclesiástica. Combatido pelo papado, Lutero foi condenado pelo imperador Carlos V na Dieta de Worms e somente escapou da execução porque se refugiou na Saxônia, junto ao duque Frederico, o Sábio. Uma nova Assembleia foi reunida em Spira, em 1529. O imperador Carlos V impôs o catolicismo romano aos príncipes, que se rebelaram. Daí o nome “protestante”. Em 1530, em Augsburgo, a doutrina de Lutero foi exposta por Melanchton na Confissão de Augsburgo, que se tornou a constituição da nova Igreja. Os príncipes protestantes organizaram a Liga de Smalkalde contra o imperador. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 115 Sátira: católicos e reformados disputam a salvação das almas. Finalmente, em 1555, uma nova Dieta de Augsburgo colocava os príncipes protestantes em vantagem, pois estabelecia a teoria de que cada príncipe deveria determinar a religião dos súditos. Terminava, assim, a primeira guerra de religião na Alemanha. q A doutrina luterana A salvação, para o luteranismo, não se alcança pelas obras, e sim pela fé, pela confiança na bondade de Deus, pelo sofrimento interior do fiel. O culto é muito simples: um contato direto entre fiel e Salvador; somente salmos e leituras da Bíblia. Lutero rejeitou a maior parte dos sacramentos, conservou apenas três, que foram depois reduzidos a dois: batismo e eucaristia. Mesmo na eucaristia, Cristo está presente no pão e no vinho, não há transformação do corpo e sangue de Cristo em pão e vinho; ou seja, não há transubstanciação, e sim consubstanciação. A usura, que fora condenada pela Igreja, durante a Idade Média, passava a ser uma prática comum. 6. JOÃO CALVINO E A REFORMA EM GENEBRA A Bíblia traduzida por Lutero, em 1534. A Igreja na França padecia os mesmos males da Igreja em toda a Europa, agravados pela Concordata de 1516, que transferia para o rei da França o direito de nomear bispos e abades. Assim, o soberano passou a distribuir as abadias e bispados como forma de recompensa por serviços prestados, deixando em segundo plano as preocupações religiosas. Por outro lado, as ideias de Erasmo haviam-se difundido bastante na França, surgindo mesmo humanistas admiráveis como Lefèvre d’Etaples, que propunha uma reforma interior e progressiva da Igreja. Quando surgiu Calvino, portanto, as ideias de uma reforma humanista e mesmo luterana já haviam feito numerosos adeptos na França. Calvino estudou em Novon. Assimilou os ensinamentos luteranos e por isso foi obrigado a refugiar-se em Estrasburgo, por volta de 1534. Retirouse depois para Bâle, onde publicou sua principal obra, Instituição Cristã, que se tornou a constituição de sua reforma. A ação de Zwinglio havia iniciado a Reforma na Suíça, mas esta malograra. Calvino instalou-se em Genebra em 1536, a convite de Guilherme Farel, que pertencera ao grupo de Lefèvre d’Etaples, dando início à Reforma naquela cidade. A Reforma de Calvino foi bastante radical. Implantou uma censura rígida na cidade, dirigindo-a por meio de Ordenações Eclesiásticas. A intolerância era total. A Igreja reformada compreendia os fiéis, os pastores e o Conselho dos Anciões. Um Consistório dirigia a política religiosa e moral de Genebra. Essas ideias difundiram-se com rapidez. Theodoro de Beza levou-as para Gênova. Ele havia dirigido a Academia que se ocupava dos problemas teológicos e da difusão da crença. Na França, os artesãos, burgueses e mesmo grandes senhores converteram-se à fé de Calvino, que se instalou solidamente na Holanda e também penetrou na região do Rio Reno. Na Escócia, João Knox e os nobres escoceses impuseram a Reforma à rainha Maria Stuart (15571560). Dessa forma, a Igreja Calvinista, extremamente igualitária, austera, dirigida por um Conselho de Pastores e dos Anciãos, estabeleceu-se firmemente na Escócia. Calvino, defensor da teoria da predestinação. – 115 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 116 q A doutrina calvinista Mesmo em relação à doutrina luterana, a doutrina calvinista é bastante radical. Em relação ao catolicismo, então, há enormes diferenças. Para Calvino, a salvação é conseguida pela predestinação, que a condiciona totalmente à vontade de Deus. O amor ao trabalho, o espírito de economia e eventualmente a riqueza material são indícios de escolha divina para a salvação. Somente os sacramentos do batismo e da eucaristia foram conservados. O culto é de absoluta simplicidade. Não há imagens nem paramentos, apenas uma Bíblia que deve ser comentada. 7. HENRIQUE VIII E AS CAUSAS DA RUPTURA COM A IGREJA CATÓLICA Henrique VIII, rei da Inglaterra (1509-1547), era católico e considerado, inclusive pelo papado, um verdadeiro defensor da fé, pois opusera-se violentamente à Reforma Luterana. Entretanto, em 1527, o rei pretendeu casar-se com uma dama da corte, Ana Bolena, e, tendo o papa se negado a anular o seu casamento anterior com Catarina de Aragão, tia do imperador Carlos V, rompeu com o papado e com a convivência do bispo de Canterburg, casando-se com Ana Bolena. Em 1534, o Parlamento inglês promulgou o Ato de Supremacia, pelo qual Henrique VIII tornava-se o chefe supremo da Igreja na Inglaterra. Dessa forma, a Igreja Anglicana tornou-se uma Igreja nacional, separada de Roma. Nenhuma reforma foi efetuada na doutrina ou no culto. Henrique VIII perseguiu tanto os católicos quanto os calvinistas (os chamados puritanos). Sob a influência do bispo Cramer, o calvinismo penetrou na Inglaterra durante o reinado de Eduardo VI (1537-1553). Assim, a missa foi suprimida e o casamento dos padres, permitido. O poder passou em seguida a uma rainha católica, Maria Tudor (1553-1558), que empreendeu profunda perseguição aos calvinistas e anglicanos, restaurando o catolicismo. 116 – Foi somente com EIizabeth (15581603) que se estabeleceu definitivamente a Reforma na Inglaterra. Confirmou-se a superioridade do rei nos assuntos religiosos. Completouse a separação de Roma. Foi instituído um livro de orações comuns, e a hierarquia do clero, mantida. q A doutrina anglicana Em termos da doutrina, a salvação pela predestinação, apoio das Sagradas Escrituras, supressão dos liames em relação a Roma, preservação da hierarquia, conservação de dois sacramentos, presença espiritual de Cristo na eucaristia, supressão do sacrifício da missa e preservação da liturgia foram as modificações introduzidas. 8. A REFORMA CATÓLICA Por ocasião do início da Reforma Protestante, havia dentro da Igreja Católica uma disputa entre o papado e o Concílio, envolvidos numa luta pelo controle da Igreja. Isso impediu a pronta ação contra o protestantismo, que teve uma expansão tão rápida, tão fulminante que a Igreja Católica finalmente percebeu que poderia ser completamente destruída. Daí a necessidade de uma reorganização interna. O surgimento da Sociedade de Jesus, destinada a apoiar o papa, permitiu a convocação do Concílio de Trento (1545-1563), no qual se adotaram as principais medidas de defesa da Igreja Católica. O Concílio Reforma Protestante e reação católica nos fins do século XVI. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 117 conservou a doutrina tradicional, manteve a autoridade do papa e criou os seminários para melhorar a formação do clero. Confirmou-se o já existente Tribunal da Inquisição e foi criado o Índice dos Livros Proibidos. O Concílio realizou, pois, um trabalho de reestruturação da Igreja Católica, de reforma interna da Igreja, condição básica para poder enfrentar os protestantes. 9. AS REPERCUSSÕES DA REFORMA No plano econômico, a Reforma Calvinista trouxe consigo a ideia da predestinação (Deus elegia previamente os fiéis para a salvação) e de que um dos sinais da escolha divina era o êxito profissional, a riqueza. Tal concepção adaptava-se perfeitamente à ética capitalista, ao ideal da acumulação e do investimento. Socialmente, a Reforma deu margem a convulsões sociais, pois em nome da religião os camponeses e artesãos aproveitaram para fazer suas reivindicações específicas. Politicamente, os reis e os príncipes transformaram a Reforma em instrumento de luta pelo poder, pois o rompimento com a Igre- MÓDULO 12 1. A MONARQUIA NACIONAL FRANCESA q Introdução A unidade da França foi alcançada no processo de fortalecimento da autoridade real. O rei era ungido por Deus, ou seja, era designado para exercer o poder em Seu nome. q Administração O governo central adquiriu uma organização precisa. O principal assessor real era o chanceler, guardião do selo real e chefe da justiça. O condestável, chefe do exército, vinha em seguida, depois os secretários de Estado, principal inovação do século XVI (estes secretários ocupavam-se da correspondência real). O Conselho do rei era um órgão de grande importância. Não tinha ja tornava-os mais fortes. Por outro lado, os conflitos religiosos transformaram-se em cruentos conflitos militares, como as guerras de religião na Alemanha (1530-1555), as guerras de religião na França (1558-1594) e a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). 10. A CONTRARREFORMA Conjunto de medidas destinadas a combater o protestantismo, por meio da educação, da catequese e da Inquisição. No primeiro caso, o que se pretendia era difundir o ensino nas regiões atingidas pela Reforma, de modo a recuperar pelo menos as novas gerações. No segundo caso, a intenção era conseguir novos adeptos para a Igreja nas terras recém-descobertas no Novo Mundo; neste caso, converter os índios era uma maneira de combater os protestantes. Finalmente cabia à Inquisição (ou Tribunal do Santo Ofício) perseguir, nos países que ainda não tivessem sido dominados pela Reforma, os adeptos das novas doutrinas. A perseguição era feita de maneira cruel e servia aos propósitos do poder político nos Estados em que ela se realizou (Espanha, Portugal e Itália). 11. CRONOLOGIA 1517 – Início da Reforma Luterana. 1521 – Condenação de Lutero na Dieta de Worms. 1522 – Revolta dos Cavaleiros. 1525 – Eclode a revolta camponesa. 1526 – Primeira Dieta de Spira. 1529 – Segunda Dieta de Spira. 1530 – Primeira Dieta de Augsburgo. 1531 – Liga de Smalkalde. 1534 – Implantação do anglicanismo na Inglaterra; tradução do Velho e Novo Testamentos para o alemão, por Lutero. 1536 – Início da Reforma religiosa de Calvino em Genebra, na Suíça. 1540 – Fundação da Companhia de Jesus. 1545 – O Concílio de Trento dá início à Reforma Católica. 1555 – Segunda Dieta de Augsburgo e Paz de Augsburgo. O Absolutismo Francês atribuições fixas, nem composição permanente. Era chamado também Conselho Privado ou Conselho de Estado. Ocupava-se dos principais problemas relativos à política interior e exterior. A grande dificuldade do exercício do poder estava nas províncias. A efetivação das ordenações reais encontrava sérios obstáculos: a oposição de senhores ciosos de suas prerrogativas, as liberdades das províncias que vinham da Idade Média, as cidades e as vilas com seus privilégios adquiridos de longa data, até mesmo a distância que separava suas regiões e colaborava para o isolamento pelas condições difíceis de comunicação. A teoria do poder absoluto, em franco progresso, delineou os princípios fundamentais do poder de fato e de direito divino. O rei era apresentado como representante de Deus na Terra. Daí o caráter sagrado do seu poder. Esse poder só era limitado pelas leis cristãs e pelos costumes do povo francês, o que se denominavam Leis Fundamentais do Reino. q Justiça Mesmo assim, a or ga nização pro grediu. A distri bui ção da jus tiça foi melhorada com a criação de dois tri bu nais, cha mados Parlamentos, que fun cio navam em Rennes e Aixen-Provence, imitando bastante a justiça feudal e eclesiástica. No vos tribunais foram criados em 1551 para o mesmo fim. A ordenação de 1539 substituiu o latim pelo francês na redação dos julgamentos e atas notariais. – 117 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 118 q Finanças No setor financeiro, foi criado o Tesouro Central, incumbido de receber as contribuições tributárias. Em 1542 foram instituídas as intendências em vários locais, encarregadas de arrecadar os impostos localmente. O problema fundamental dessa administração era o cargo vitalício e hereditário. Um administrador não podia ser afastado de seu cargo, que poderia transferi-lo a terceiros ou deixá-lo como herança a quem designasse. q Religião Pela Concordata de Bolonha, realizada em 1516, o rei Francisco I adquiriu o direito de nomear os bispos e abades do reino. Havia necessidade de confirmação papal, mas era apenas uma formalidade. O alto clero passou a ser controlado pelo rei, sendo dele dependente. q Entraves ao absolutismo: as guerras de religião Na França, durante todo o século XVI, o poder real progrediu lentamente. As guerras de religião, que abalaram o país nos fins do século XVI e início do século XVII, retiveram o avanço do absolutismo. No século XVII, entretanto, encontramos o poder absoluto plenamente configurado em Luís XIV. Depois de Henrique II, sucessor de Francisco I, o poder real esfacelouse em virtude das guerras religiosas. Por volta de 1520 apareceram na França os primeiros protestantes. Seu número aumentou rapidamente em todas as camadas sociais, mas principalmente entre os burgueses e nobres opostos à centralização excessiva do poder real. A França tinha 18,5 milhões de habitantes, dos quais os protestantes representavam apenas 1,5 milhão. Com Francisco II (1559-1560), o poder era exercido praticamente pela família De Guise, Iíder do partido católico. Os protestantes tentaram atrair o rei para o seu partido durante a conspiração de Amboise, que terminou com uma violenta reação católica de 118 – Antonio De Guise, massacrando os protestantes em Vassy (1/3/1562). Com a ascensão de Carlos IX, menor de idade, a situação complicou-se ainda mais. A rainha-mãe, Catarina de Médicis, tentava conduzir a política do trono equilibrando-se entre protestantes e católicos. O casamento de um príncipe da casa Bourbon com a rainha protestante de Navarra abria perspectiva para que o herdeiro, Henrique de Navarra e Bourbon, pudesse chegar ao trono. O medo de uma conspiração protestante levou Catarina de Médicis e o Iíder católico Henrique de Guise a convencerem Carlos IX de que havia uma conspiração protestante. Dois mil protestantes foram assassinados na Noite de São Bartolomeu, 24 de agosto de 1572, incluindo o almirante Gaspar de Coligny. A guerra entre os dois partidos tornou-se cruenta, com a participação de voluntários de toda a Europa exortados pelo papa. 2. ASCENSÃO DOS BOURBONS q Henrique IV (1593-1610) Com a ascensão de Henrique III, irmão de Carlos IX, em 1574, a tutela exercida pela Liga Sagrada Católica de Médicis continuava. Amedrontado, Henrique III mandou assassinar Henrique de Guise, provocando a rebelião dos católicos. Apoiado por Henrique de Navarra, líder protestante, Henrique III tentou reconquistar Paris, mas foi assassinado. Seu herdeiro legal era Henrique de Navarra, que precisou abjurar o protestantismo para ascender ao trono. Iniciou-se assim a Dinastia de Bourbon, em substituição à Dinastia de Valois. Pelo Edito de Nantes (1598), o novo rei, Henrique IV, concedeu liberdade religiosa aos protestantes, dando-Ihes o direito de manter algumas praçasfortes. q Luís XIII (1610-1643) Quando morreu Henrique IV (1610), subiu Luís XIII. A parte inicial do seu governo foi conduzida por Maria de Médicis e pelo primeiro- ministro, cardeal Richelieu, que tomou medidas para consolidar a centralização do poder. Perseguiu internamente os protestantes, destruindo a fortaleza de La Rochelle, mas externamente realizou uma política de apoio aos protestantes contra os Habsburgos na Guerra dos Trinta Anos (1618-48), visando a garantir a hegemonia europeia à França. q Luís XIV (1643-1715) e o apogeu da Monarquia francesa Luís XIV é visto como herói, protetor das artes, defensor da Igreja, legislador, defensor dos fracos contra os fortes. Encarnou o Estado, cujos interesses estão acima dos interesses particulares ou individuais. Assumiu as funções de rei e ministro, fazendo recuar as instituições governamentais que cresceram na época do ministério de Mazzarino. Afastou dos altos postos do governo os ministros permanentes. Os Conselhos, base do governo no período anterior, foram relegados a plano secundário. Dirigiu o Estado com o auxílio de secretários e do diretorgeral das finanças. Usou das “lettres de cachet” e dos comissários para impor sua vontade aos particulares e às instituições. O exército mercenário, pago pelo Estado, a serviço do rei, garantia a execução das leis. O sistema administrativo foi reorganizado. O governo central era composto por seis conselheiros: o chanceler, diretor das finanças, secretários de Estado, dos assuntos estrangeiros, da guerra, da marinha e da casa real. Os conselheiros de Estado foram organizados na época de Mazzarino. O Alto Conselho ocupava-se dos assuntos políticos; o Conselho das Finanças, com a matéria tributária; o Conselho das Partes, com os assuntos jurídicos. Dois ConseIhos, menos importantes, da Consciência e dos Despachos, cuidavam das questões religiosas e dos intendentes das províncias. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 119 Nas províncias, a grande inovação administrativa foi a criação das intendências. Estavam diretamente ligadas ao poder central, tendo toda autoridade nas províncias em matéria de justiça, política e finanças. Fiscalizavam os oficiais Iocais, proprietários de seus cargos hereditários. Promulgavam as leis reais e asseguravam sua efetivação. Supervisionavam a arrecadação provincial. Aos poucos, os intendentes tornaram-se chefes locais, a cujo serviço se encontravam subdelegados, nomeados por eles para auxiliar nas suas atividades. Os subdelegados foram institucionalizados e passaram a ser indicados pelo próprio rei. No plano social, promoveu a ascensão da burguesia, escolhendo seus ministros nessa classe. Equiparou os grandes ministros aos nobres tradicionais. A nobreza foi domesticada, atraída para o Palácio de Versalhes, onde se arruinou pelo luxo da corte, incompatível com suas rendas reduzidas. Os nobres que se acercavam do rei recebiam pensões, governos de províncias, postos de comando no exército. A guerra era um meio de dar-Ihes condições de subsistência. Eram obrigados a se descobrirem diante do rei, numa etiqueta formalizada e complexa. Em suma, o rei equilibrava-se sobre as duas ordens sociais, com ligeiro favoritismo para a burguesia. Em 1685, com a revogação do Edito de Nantes, o protestantismo voltou a ser proibido, o que provocou a evasão de grande parte dos capitais, com a saída do país de cerca de meio milhão de huguenotes. O reinado do Rei-Sol foi o mais briIhante de toda a França. Personificou a figura máxima do Estado, justificando a frase “L’Etat c’est moi”, em que o poder não encontrava limites, a não ser nas leis fundamentais do reino e nas Sagradas Escrituras. Durante o reinado de Luís XIV, sob um poder central grandemente fortalecido, incrementaram a industrialização e o comércio interno na França. Restringiram-se as importações, estimularam-se as exportações. Abriram- se vias terrestres e fluviais, que facilitaram as comunicações. No plano econômico, nomeou Jean-Baptiste Colbert ministro das Finanças. Colbert estimulou a indústria a fabricar artigos de luxo, visando ao desenvolvimento da balança comercial, por meio de um mercantilismo industrial. No plano internacional, em busca da hegemonia europeia, a França adotou uma política de constante agressão aos vizinhos. A primeira guerra de Luís XIV foi a de Devolução, contra a Espanha, em que reivindicava direitos sobre o Brabante; conquistou Flandres e o Franco Condado, mas encontrou a forte reação da Tríplice Aliança (Inglaterra, Holanda e Suécia), que o obrigou a assinar o Tratado de Aix-la-Chapelle (1668), pelo qual a França ficava apenas com parte da região de Flandres. Dois anos depois, o monarca ocupou Lorena e, de 1672 a 1678, dedicou-se a uma “guerra de vingança” contra a Holanda, que terminou com o Tratado de Nimègue: a Espanha perdeu o Franco Condado para a França. De 1679 a 1684, Luís XIV fez uma série de anexações: Estrasburgo, Luxemburgo, Courtrai e outras cidades. Em 1689, proclamou sua pretensão à posse do palatinado, o qual invadiu e devastou. Formou-se, então, a Grande Aliança (de quase toda a Europa), que o obrigava a manter-se na defensiva: em 1679, pela Paz de Ryswick, a França abandonou a maioria dos lugares anexados, conservando Estrasburgo e Alsácia. Pelos tratados de Utrecht (1713) e Rastat (1714), perdeu várias possessões no Novo Mundo. 3. CRONOLOGIA 1337-1453 – Guerra dos Cem Anos, entre França e Inglaterra. 1455-1485 – Guerra das Duas Rosas, entre os Lancasters e os Yorks. 1485-1509 – Reinado de Henrique VII. 1509-1559 – Reinado de Henrique VIII. 1534 – Ato de Supremacia. 1559-1603 – Reinado de Elizabeth I. 1572 – “Noite de São Bartolomeu” (massacre de protestantes franceses em Paris). 1589 – Início da Dinastia dos Bourbons, com Henrique IV. 1598 – Edito de Nantes, que estabeleceu a liberdade religiosa na França. 1603-88 – Dinastia Stuart. 1624-1642 – O cardeal Richelieu governa a França como primeiro-ministro do rei Luís XIII. 1643-1661 – O cardeal Maz- zarino continua a política de Richelieu como primeiro-ministro do rei Luís XIV. 1661-1715 – Luís XIV, o “ReiSol”, briIha na França. Auge do absolutismo. 1685 – Revogação do Edito de Nantes. Henrique VIII, fundador da Igreja protestante inglesa, e duas de suas seis esposas (Catarina de Aragão e Ana Bolena). – 119 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 120 MÓDULO 13 Absolutismo Inglês e Revoluções Inglesas do Século XVII 1. A DINASTIA TUDOR Após a Guerra dos Cem Anos, a Inglaterra viveu uma forte crise dinástica, quando duas famílias de nobres disputaram o trono, envolvendo o país na Guerra das Duas Rosas. O conflito terminou quando Henrique Tudor foi coroado rei, com o nome de Henrique VII. Nesse momento, a autoridade do monarca esbarrou no Parlamento, que restringiu sua atuação e impediu a implantação do absolutismo. Com a morte de Henrique VII, o poder foi transmitido a seu filho Henrique VIII, que começou a impor seu poder aos nobres feudais, com a ajuda da burguesia, carente de apoio na sua expansão comercial. A partir desse momento, o poder real passou a centralizar-se cada vez mais na figura do rei. Este rei rompeu com a Igreja Católica, apoderando-se de todos os seus bens e aumentando seu poder político. Por meio do Ato de Supremacia, o Parlamento investiu o rei com a suprema autoridade eclesiástica. A luta contra a Igreja permitiu-lhe assumir o controle das propriedades eclesiásticas na Inglaterra e aumentar seu poder político ao assumir o poder religioso. O rei governava por decretos que não eram submetidos à sanção parlamentar. O Parlamento era figura decorativa, sendo convocado em raras oportunidades. O Conselho real era instrumento fundamental do poder real. No governo da rainha Isabel I (Elizabeth), o Parlamento foi mantido com um poder apenas aparente, porém o absolutismo foi implantado de fato. Nesse período, a tensão entre Inglaterra e Espanha cresceu. “Felipe II, encarando a possibilidade de atacar na Inglaterra o protestantismo e as bases dos corsários empregados pela rainha para saquear os galeões espanhóis no Atlântico, preparou a invencível armada (130 navios de guerra e 30 navios de transporte). A armada chegou diante de Calais em boa ordem, sem quase ter sido importunada pelo adversário. Na noite de 7 a 8 de agosto de 1588, os ingleses 120 – lançaram contra ela navios incendiários que provocaram a desordem. A artilharia fustigou-a muito e as duas esquadras foram arrastadas pelos ventos para o Mar do Norte. Os ingleses cessaram sua perseguição ao largo da Escócia. A armada perdera quase metade dos navios e a terça parte de seus efetivos.” (CORVISIER, André. História Moderna, São Paulo: Difel,1976. p.156.) Nesse momento, a hegemonia espanhola foi substituída pela Inglaterra, que passou a exercer a supremacia comercial no Atlântico. Durante o reinado de Isabel I, foi iniciado o processo de “cercamentos”, arruinando os pequenos proprietários, que passaram a concentrar-se nas cidades. Buscando solucionar a crise dos pobres ingleses, Isabel I assinou em 1601 a "Lei dos Pobres”. Essa lei obrigava a população pobre a trabaIhar em oficinas, abastecendo o setor manufatureiro de grande quantidade de mão de obra barata. Podemos afirmar que, durante o longo reinado de Isabel, o poder absoluto foi implantado de fato. A próxima dinastia, Stuart, tentaria legalizálo. Esse esforço dos Stuarts iniciou-se com a ascensão ao trono de Jaime I, primo de Isabel e rei da Escócia, e terminaria com a Revolução Gloriosa de 1688. 2. O SIGNIFICADO DAS REVOLUÇÕES INGLESAS q As principais etapas As Revoluções Inglesas podem ser separadas nas seguintes fases: a fase da Revolução Puritana, de 1642 a 1649; o Protetorado de Cromwell, de 1649 a 1658, que corresponde à República; um intervalo de dois anos, bastante confuso, que levou à restauração da Monarquia em 1660; a Revolução Gloriosa, completada em 1688. Realmente, todos estes períodos revolucionários constituem um único problema, que é a Revolução Inglesa, iniciada em 1640 e completada em 1688. q Conflito entre o rei e o Parlamento Esta Revolução tem sido analisada em função da oposição do Parlamento à tentativa dos Stuarts de implantar o absolutismo em termos legais, pois ele existia de fato desde os reis Tudors do século XVI. Parece-nos, entretanto, que a situação é inversa. É o Parlamento, que possuía o poder de direito, que tenta agora torná-lo de fato. Durante o século XVI, o absolutismo de fato tinha sua razão de ser porque a burguesia necessitava do poder real forte para acabar com o poder dos senhores, reformar a Igreja e confiscar seus bens, que foram postos em circulação no mercado, defender o Estado das pretensões imperialistas dos espanhóis e garantir a expansão comercial pelo Novo Mundo. Depois de realizados estes objetivos, o poder absoluto tornou-se desnecessário. Pelo contrário, passou a constituir um peso morto que entravava o progresso da burguesia inglesa. Isto porque na fase em que o poder forte era necessário, muitos direitos foram-lhe outorgados, como, por exemplo, governar por decretos, através da administração particular de livre escolha; controle do poder judiciário e da religião; concessão de monopólios a quem lhe aprouvesse para aumentar as rendas do Estado, cobrança de impostos alfandegários, manutenção de um exército permanente. No fundo, o poder monárquico continuava ligado à nobreza, a quem abatera, mas em seguida ligara-se novamente a ela, exatamente com o objetivo de ter apoio contra a burguesia mercantil. As instituições do Estado, isto é, as leis, os órgãos de governo, a justiça, impediam a continuidade do desenvolvimento econômico desejado pela burguesia. Por exemplo, os proprietários rurais precisavam transformar as terras cultivadas por pequenos proprietários em pastos para a criação de ovelhas, atividade mais lucrativa que a agricultura, mas eram obstados pelo rei, que protegia os pequenos proprietários nos seus tribunais. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 121 q Importância Histórica da Revolução Inglesa A revolução da burguesia na Inglaterra contra os entraves ao seu desenvolvimento, representados pelo rei, é um marco importantíssimo na história da Inglaterra. Depois da Revolução Gloriosa de 1688, nenhuma outra revolução se produziu na Inglaterra, até hoje. Somente por este fato podese perceber a sua importância. No plano da história europeia, as Revoluções Inglesas precederam a Revolução Francesa, constituindo um exemplo para esta, com a qual se igualam em importância histórica, e mesmo a Revolução Francesa supera-as por ter sido definitiva. Com a morte de Isabel I, a Inglaterra foi governada por Jaime I, iniciando-se a Dinastia dos Stuarts, de origem escocesa. Sua atuação absolutista chocou-se contra o Parlamento, que iniciou uma luta política com os Stuarts. 3. FATORES DAS REVOLUÇÕES INGLESAS Na Revolução Inglesa, os problemas econômicos, sociais e políticos misturaram-se aos religiosos. Com o aumento de importância da agricultura (em 1640, a Inglaterra fornecia quatro quintos do consumo europeu, já que o seu intenso comércio estimulou a produção de alimentos e matéria-prima), os empresários capitalistas passaram a investir na compra e exploração das terras, adotando técnicas e equipamentos que aumentavam a produção. Com os pequenos proprietários, a quem se uniram, estavam interessados em expulsar das terras os seus antigos rendeiros. Mas esses rendeiros eram protegidos pelo rei, pelos nobres e pelos chefes da Igreja Anglicana, que estavam todos ligados à agricultura, também, e em nada queriam alterar a situação vigente. Os monopólios concedidos pelo rei a alguns grandes capitalistas, e os privilégios (“herdados” da Idade Média) que tinham as corporações na produção de artigos artesanais nas cidades constituíam outros motivos de insatisfação para a burguesia. Empobrecidos pela concorrência burguesa na agricultura, os nobres viram sua riqueza diminuir ainda mais com a inflação (que enriquecia os burgueses); agarraram-se então às rendas do Estado, controlando a administração. Os burgueses, por seu lado, controlavam o poder local e elegiam seus representantes para o Parlamento. Ao pretender aumentar os impostos pagos pela burguesia para manter os nobres (seu instrumento contra a ascensão burguesa, que ameaçava o poder real), o rei entrou em choque com o Parlamento, que se considerava o único com direito a legislar sobre essa matéria. Rei e burgueses opuseram-se também por questões religiosas. O puritanismo tinha numerosos adeptos na burguesia, pois pregava o trabalho e a poupança, tão ao gosto dessa classe social. O rei, para quem o controle da Igreja era um instrumento indispensável do poder, protegia a Igreja Anglicana e perseguia os que atacavam a religião oficial. Os conflitos religiosos entre puritanos e anglicanos foram, desse modo, a expressão de uma luta mais importante: o choque entre burguesia e realeza. A prova é que o primeiro movimento revolucionário pelo controle do poder na Inglaterra foi chamado Revolução Puritana. 4. A REVOLUÇÃO PURITANA A luta entre o Parlamento e o rei começou em 1628, quando o Parlamento impôs a Carlos I a “Petição dos Direitos”, pela qual problemas relativos a impostos, prisões, julgamentos e convocações do exército não poderiam ser executados sem a autorização parlamentar. Carlos I disse que aceitava a imposição, mas não a cumpriu. Quando a reunião parlamentar do ano seguinte condenou sua política religiosa e o aumento dos impostos, o rei dissolveu o Parlamento e governou sem ele durante onze anos. As decisões que tomou durante esse tempo provocaram protestos em toda a Inglaterra. A revolta começou na Escócia, por causa da tentativa de imposição do anglicanismo aos puritanos e presbiterianos, e logo espraiou-se. Os rebeldes, que se negaram a pagar os novos impostos instituídos por Carlos I, foram condenados pelos tribunais reais, em 1639 e 1640. Em 1640, os problemas financeiros obrigaram o rei a convocar o Parlamento; este só funcionou durante um mês, pois foi dissolvido ao negarse a aumentar os impostos, como queria Carlos I. Ainda nesse mesmo ano foi reunido um novo Parlamento, que durante os dezoito meses nos quais trabalhou, transformou a administração da Inglaterra, perseguiu ministros do rei e passou a controlar a convocação do exército e a política religiosa. Em 1641, a eclosão de uma revolta separatista na Irlanda forçou a organização de um exército, cujo comando foi negado ao rei. Tornou-se, então, obrigatória a reunião do Parlamento pelo menos a cada três anos, e o rei perdeu o direito de dissolvê-lo. Ainda em 1641, porém, o Parlamento dividiu-se entre alguns líderes radicais (que queriam desapropriar as terras dos senhores religiosos) e a aristocracia unida aos burgueses capitalistas conservadores (que se sentiram ameaçados pelo povo e voltaram-se para o rei, “encarnação” da ordem e da segurança). Aproveitando-se disso, Carlos I tentou recuperar seu poder, indo contra as medidas parlamentares. Começou então a guerra civil, no início de 1642. O comando do exército parlamentarista foi dado a Cromwell, que – 121 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 122 revolucionou a organização militar da época, tornando-a muito mais eficiente. A ascensão aos postos começou a ser feita por merecimento, e não por nascimento, como antes. O povo pôde participar da revolução, pois foi organizado em grupos para discutir os problemas mais importantes. Embora precisasse dele na sua luta contra o rei, a burguesia começou a temê-lo, vendo que o povo começava a influir no curso dos acontecimentos. O exército de Cromwell foi influenciado durante algum tempo pelas ideias democráticas de certos grupos artesãos, os “niveladores”, que não conseguiram, no entanto, convencê-lo de suas ideias radicais. A sua luta pelo poder favoreceu o aparecimento dos “escavadores”, proletários urbanos e rurais que não possuíam terras. Em 1649, quando se apossaram de terras no condado de Surrey e começaram a escavá-las, para demonstrar que elas lhes pertenciam, foram dizimados pelos soldados da República. O mesmo movimento surgiu em outras regiões da Inglaterra, mas em todas elas foi reprimido. Muito disciplinado, o exército de Cromwell acabou por tornar-se uma força política poderosa: ocupou cidades, pôs em fuga líderes do Parlamento e assumiu o controle da situação: destituiu a Câmara dos Lordes, aprisionou e depois mandou decapitar em praça pública o rei. A guerra civil culminou com a implantação da República, em 1649. 5. COMMONWEALTH Com a República, começou a segunda fase da Revolução Puritana, a Commonwealth. Em poucos anos, Cromwell venceu Carlos II (filho de Carlos I) e dominou todo o Império Britânico. O “Ato de Navegação”, baixado em 1651 (os produtos importados pela Inglaterra só podiam ser transportados por navios britânicos ou pertencentes aos países produtores), provocou a luta com os Países Baixos, cujo comércio se baseava no transporte de mercadorias. Esse ato permitiu que fosse estabelecida a supremacia inglesa nos mares. Cromwell governou com intolerância e rigidez, impondo a todos as suas ideias puritanas. Quando, em 1653, o Parlamento tentou limitar seu 122 – poder, Cromwell dissolveu-o e fez-se proclamar “Protetor” da Inglaterra, Escócia e Irlanda. A partir daí governou com plenos poderes, até a sua morte, em 1658. Chamou-se Revolução Gloriosa o movimento que levou Guilherme de Orange ao trono inglês. Sucedeu-o seu filho Ricardo, que, não tendo as qualidades do pai, foi considerado incapaz e destituído do poder, em 1659. Os burgueses desejavam a segurança, e os irlandeses e escoceses, a volta da realeza. O Parlamento procurou então Carlos II, que estava refugiado na Holanda. Ao ser restaurado no poder, em 1660, Carlos II prometeu a anistia geral, a tolerância religiosa e o pagamento ao exército. Embora tudo parecesse continuar como antes, o Estado tinha sido reorganizado em outras bases: o rei era agora uma espécie de funcionário da nação, a Igreja Anglicana deixou de ser um instrumento do poder real, e a burguesia já estava bem mais poderosa que a nobreza. 6. A REVOLUÇÃO GLORIOSA Sentindo-se totalmente limitado pelo Parlamento (que legislava sobre as finanças, a religião e as questões militares), Carlos II uniu-se secretamente a Luís XIV da França, rei católico e absolutista, o que o tornou suspeito ao Parlamento. Desse momento em diante, o rei não pôde mais interferir na política europeia sem o consentimento parlamentar. Seu irmão e sucessor, Jaime II, era católico e amigo da França. Como tomasse várias medidas a favor dos católicos, o Parlamento revoltou-se e chamou Maria Stuart e seu marido, Guilherme de Orange, dos Países Baixos, para assumir o governo em lugar do rei, que fugiu para a França. Guilherme só foi proclamado rei (com o nome de Guilherme III) depois de ter aceito a Declaração de Direitos, que limitava muito a sua liberdade e dava ainda mais poder ao Parlamento: o rei não podia cancelar as leis parlamentares e o próprio trono podia ser dado pelo Parlamento a quem lhe aprouvesse, após a morte do rei em função; as reuniões parlamentares e as eleições seriam regulares; o orçamento anual seria votado pelo Parlamento; inspetores controlariam as contas reais; os católicos foram afastados da sucessão; a manutenção de um exército permanente em tempo de paz foi considerada ilegal. Todas as decisões começaram a ser tomadas pelos ministros, sob a autoridade do lorde tesoureiro. O Tesouro passou a ser dirigido por funcionários que, na época das guerras, orientavam a política interna e externa. Em 1694, foi criado o Banco da Inglaterra, para emprestar dinheiro ao Tesouro e aconselhar seus funcionários. Ficou assim organizado o tripé do desenvolvimento do capitalismo inglês, montado pela burguesia: o Parlamento, o Tesouro e o Banco da Inglaterra. Encerra-se, sem derramamento de sangue, a Revolução Gloriosa, que marcou a ascensão da burguesia ao controle total do Estado. Nesse sentido, ela pode ser considerada o complemento da Revolução Puritana. Uma vez estabelecida no poder, a burguesia fez com que fossem retirados os obstáculos à sua expansão: a terra foi liberada para os comerciantes e completou-se a expulsão dos rendeiros. O desenvolvimento da Inglaterra, depois disso, foi enorme. Oliver Cromwell liderou o único período republicano da Inglaterra. 7. CRONOLOGIA 1628 1641 1642 1645 1649 1651 1653 1658 1688 – – – – – – – – – Petição dos Direitos. Revolta na Irlanda. Início da Revolução Puritana. Batalha de Naseby. Implantação da República. Ato de Navegação. Protetorado de Cromwell. Morte de Cromwell. Revolução Gloriosa. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 123 MÓDULO 14 Revolução Industrial na Inglaterra 1. INTRODUÇÃO No final do século XVII, com o desenvolvimento do capitalismo comercial e das práticas mercantilistas, a burguesia afirmava-se como a classe economicamente dominante em quase todos os países da Europa Ocidental. A ascensão econômica da burguesia deveu-se, em grande parte, à acumulação de riquezas provenientes dos empreendimentos marítimos e dos monopólios comerciais concedidos pelos monarcas, no processo de formação do Estado Absolutista. O grande afluxo de metais preciosos e o crescimento da população europeia dilataram sobremaneira o mercado consumidor. O desequilíbrio entre as necessidades de consumo e a produção provocou a decadência do sistema artesanal independente e o surgimento da produção manufatureira doméstica. A fundação de impérios coloniais na Época Moderna inundou a Europa com novas matérias-primas, utilizadas amplamente na produção de manufaturas. As práticas mercantilistas estimulavam a produção para exportação, com a finalidade de garantir uma balança comercial favorável. Ao mesmo tempo, os produtos que até então eram considerados artigos de luxo tornaram-se de consumo mais popular. As transformações ocorridas na passagem do século XVII para o século XVIII, caracterizadas pela mudança da sociedade rural para a sociedade urbana, do trabalho artesanal e manufatureiro para o trabalho assalariado na organização fabril, envolvendo um rápido progresso tecnológico, culminaram com a Revolução Industrial. 2. CONCEITO E ETAPAS O conceito de Revolução Industrial é bastante amplo. Designa um conjunto de transformações ocorridas na Inglaterra, praticamente. Nesse período, surgiram as primeiras máquinas movidas a vapor. A par tir de 1830 até 1900, a revolução difundiuse pela Europa e América: Bélgica, França, Alemanha, Itália e Estados Unidos. Surgiram novas formas de energia, como a hidroelétrica, e novos combustíveis, como a gasolina. A técnica foi aprimorada e cresceu a produção. De 1900 em diante, várias inovações surgiram, como a energia atômica, meios de comunicação mais rápidos, produção industrial em massa e o desenvolvimento da informática e da engenharia genética. Revolução Industrial, é exatamente o uso das máquinas em substituição às ferramentas utilizadas pelos homens, afastando de uma forma definitiva os trabalhadores dos meios de produção, ou seja, a definitiva separação entre o capital e o trabalho. 3. DO ARTESANATO À MAQUINOFATURA Desde a segunda metade do século XVI, a Inglaterra da rainha Elizabeth já começava a despontar como uma forte candidata à hegemonia europeia. A pirataria e a derrota da Invencível Armada da Espanha pareciam confirmar esse favoritismo, porém foi com os Atos de Navegação decretados por Oliver Cromwell e a fragorosa derrota da marinha holandesa, na segunda metade do século XVII, que a Inglaterra assumiu definitivamente a liderança do comércio europeu. No início do século XVIII, os ingleses expandiram o seu comércio em escala mundial, favorecidos por acordos comerciais, como o Tratado de Methuen ("Panos e Vinhos"), em 1703, que assegurou ao reino britânico grande parte do ouro brasileiro. O ouro do Brasil foi para a Inglaterra via Portugal. Esse assustador desenvolvimento econômico permitiu que a burguesia inglesa rompesse precocemente as amarras do absolutismo e as restrições impostas pela política mercantilista, ascendendo ao poder com a Revolução Gloriosa, que implantou definitivamente na ilha o liberalismo político e econômico. A natureza foi extremamente generosa com os ingleses no processo de industrialização, pois Ihes deu enormes jazidas de ferro e carvão, matérias-primas indispensáveis para a construção e funcionamento das máquinas nas grandes indústrias. A posição insular permitiu-Ihes também se manterem à margem das convulsões que assolaram a Europa nos séculos XVII e XVIII e que acabaram prejudicando as economias europeias. Convém ressaltar ainda que o clima bastante úmido era um forte aliado da indústria têxtil, uma vez que dava A indústria pode ser considerada simplesmente como a transformação das matérias-primas para serem consumidas pelo homem. Antes de as transformações serem efetuadas pelas máquinas, o que chamamos maquinofatura, existiam o artesanato e a manufatura. O artesanato é uma forma de produção industrial muito simples. Não há divisão de trabalho, isto é, todas as fases da produção são feitas pela mesma pessoa. Por exemplo, na indústria de tecidos, a mesma pessoa fazia os fios e tecia. A manufatura representou um estágio mais avançado. Constituía uma concentração de numerosos trabalhadores sob a direção de um chefe, num mesmo local, com o objetivo de completar a fase derradeira de preparação de um produto, como, por exemplo, o tingimento do tecido. Aqui já existe uma especialização do trabaIho. Cada trabalhador era encarregado de uma tarefa específica, o que aumentava a capacidade produtiva. A passagem da indústria doméstica para a manufatureira é marcada pela transformação do artesão em trabalhador assalariado. Isso ocorre quando os artesãos deixam de comprar a matéria-prima e possuir suas máquinas próprias, passando a recebê-las de um grande comerciante. O produto era produzido a preço fixo, contratado entre o comerciante e o artesão, que, nesse caso, recebia apenas um pagamento pelo trabalho e transformação da matéria-prima recebida. A diferença entre a manufatura e a maquinofatura, que caracteriza a 4. A INDUSTRIALIZAÇÃO SURGE NA INGLATERRA – 123 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 124 maior flexibilidade às suas fibras, que podiam resistir aos primitivos teares mecânicos. O interesse da burguesia capitalista e a abundância de capital permitiram a fundação do Banco da Inglaterra, em 1694, que facilitava os empréstimos para os industriais, pois a taxa de juros cobrada era relativamente baixa. Dessa forma, tornava-se possível o investimento na construção de máquinas que exigiam muito tempo para recompensar os gastos. A substituição das antigas técnicas feudais provocou o desaparecimento da agricultura comunal e do sistema de campo aberto, o que permitiu maior aproveitamento do cultivo do solo e o aumento da produtividade. Essa Revolução Agrícola possibilitou a melhoria nas condições de vida, permitindo um grande crescimento populacional. A burguesia, vitoriosa contra a realeza, empreendeu os cercamentos das terras (enclosure), provocando o desaparecimento dos yeomen, que abandonaram os campos, configurando um forte êxodo rural, e concentraram-se nas cidades à disposição das manufaturas urbanas, constituindo a mão de obra barata e abundante utilizada nos primórdios da Revolução Industrial. No plano mental, o puritanismo e o calvinismo inglês fizeram progressos nos anos precedentes. Essas crenças estimulavam a acumulação, a poupança e o enriquecimento, apontados como sinais de salvação. 5. A INDÚSTRIA TÊXTIL DO ALGODÃO E AS INVENÇÕES O desenvolvimento industrial da Inglaterra está ligado à indústria de lã. O poder político procurou protegê-la, regulando o comércio e a indústria. Por isso, a legislação que pesava sobre essa indústria era enorme. A produção do tecido de lã exigia várias etapas especializadas. Começava pela escolha, limpeza e tingimento. Em seguida, vinha o processo de pentear, fiar, tecer e dar os retoques finais no tecido pronto. O comércio inglês no Oriente colocou os comerciantes em contato com o algodão e com o tecido de algodão. Essa indústria superou rapidamente a produção lanífera, devido à 124 – abundância de matéria-prima, tanto fios finos e resistentes. Porém, novo no Oriente quanto nos Estados Uni- desequilíbrio foi gerado, pois sobrados, então colônia da Inglaterra, bem vam fios que as tecedoras não consecomo pela inexistência de legislação guiam fiar. que impedisse a expansão dessa inEntão houve tentativas de aumendústria, como aconteceu com a fabri- tar a capacidade de tecer. Em 1785, cação de tecidos de lã. É, portanto, Edmund Cartwright inventou o tear na maquinofatura do algodão que mecânico. O mais importante invento serão concentrados os esforços dos nessa fase da industrialização surgiu empresários industriais. no ano de 1768, quando James Watt As invenções que tornaram pos- inventou a máquina a vapor com base sível a maquinofatura não foram obras nas experiências desenvolvidas antedo acaso. Um novo invento con- riormente por Newcomen. dicionava o aumento da produção, gerando capitais que poderiam ser aplicados em outras experiências, 6. CRONOLOGIA que resultavam em novas invenções, 1694 – Fundação do Banco da Ine assim por diante. Devemos considerar ainda um glaterra. desequilíbrio no processo produtivo, 1733 – Invenção da lançadeira voresultante da criação de novas má- lante, por John Kay. quinas. Quando uma invenção ace- 1760-1850 – Primeira Revolução lerava uma fase do processo pro- Industrial. dutivo, provocava-se um desequilíbrio em relação às fases posteriores, que 1764 – Invenção da spinning jenny, não conseguiam acompanhar o ritmo. por James Hargreaves. Desse modo, eram necessárias modifi- 1768 – James Watt inventa a mácações nas demais fases de produção. quina a vapor. Há, portanto, uma espécie de ci1769 – Invenção da water frame, clo: invenção, aumento da produção, criação de capitais, desequilíbrios nas por Richard Arkwright. fases produtivas, investimentos em 1779 – Invenção da mule, por Sanovas invenções, progresso tecnol- muel Crompton. ógico, aumento da produção etc. 1785 – Edmund Cartwright inventa O processo de mecanização da o tear mecânico. indústria têxtil demonstrou muito bem essa dinâmica. O surgimento da lançadeira volante, por John Kay, em 1733, aumentou a capacidade de tecelagem. Os fios começaram a escassear. James Hargreaves criou o spinning jenny, em 1764, aumentando a produção de fios. Essa máquina era uma roca de fiar que fazia vários fios ao mesmo tempo, com o problema de se tornarem quebradiços, o que dificultava a tecelagem. A water frame, de Richard Arkwright, em 1769, produzia fios grossos e, pelo fato de ser movida a água, era bastante econômica. A spinning jenny e a water frame foram combinadas em uma única máquina por Samuel Crompton, em 1779, surgindo a mule. O problema foi resolvido: fabricava A economia inglesa no final do século XVIII. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 125 MÓDULO 15 1. INTRODUÇÃO A sociedade da Época Moderna era estamental, mas dentro dela estava-se formando uma sociedade de classes. A ascensão da burguesia era resultado do desenvolvimento do capitalismo comercial. Essa classe social apresentava duas tendências marcantes: ou procurava ingressar na nobreza por meio da compra de títulos, ou tentava afirmar os seus valores, impondo critérios econômicos de hierarquização social em substituição ao critério do nascimento e da tradição, típico da sociedade estamental. Assim sendo, a ascensão da burguesia rompeu os quadros da sociedade do Antigo Regime. Por outro lado, o desenvolvimento manufatureiro (transformado mais tarde em desenvolvimento industrial) criara uma nova classe de trabalhadores urbanos, que teria enorme importância nos movimentos revolucionários dirigidos pela burguesia. No campo, a revolução agrária acabou por formar uma classe de pequenos produtores independentes, que Revolução Francesa queriam ver-se livres das obrigações feudais que pesavam sobre os trabalhadores. 2. FATORES DA REVOLUÇÃO FRANCESA O desenvolvimento econômico, a ascensão da burguesia e a miséria das classes populares no campo e na cidade entraram em choque com o regime absolutista do governo. A Monarquia Absoluta já cumprira seu papel, promovendo a expansão marítima, a exploração colonial, a acumulação primitiva de capitais e a modernização do Estado pela unificação de pesos, medidas, moedas, leis e alfândegas, além de ter abatido o poder universal do Papado. Mas também sustentava a nobreza parasitária da Corte, transformara a Justiça em instrumento de defesa do Estado e fizera da intolerância religiosa uma forma de defesa ideológica do poder político; além disso, fora incapaz de racionalizar a administração por meio da cobrança de impostos pelo Estado, e ainda mantinha o arcaico siste- ma de venda dos cargos públicos. Foi exatamente essa inadequação entre as necessidades da sociedade e a estrutura do Estado Absolutista que fez explodir a Revolução Francesa. As Revoluções Inglesas do século XVII anteciparam em cerca de um século a onda revolucionária europeia. Mas foi na França que a revolução atingiu seu clímax: o Absolutismo foi derrubado e o feudalismo desapareceu, criando-se condições para que a França ingressasse no capitalismo industrial (ou, segundo a terminologia marxista, para que ocorresse o advento do capitalismo na França). 3. A MARCHA DA REVOLUÇÃO Os Estados Gerais reuniram-se em Versalhes, em 5 de maio de 1789. O Terceiro Estado queria votações individuais. Os notáveis insistiam em voto por Estado, tendo o apoio do rei. O Terceiro Estado, revoltado com a situação, reuniu-se separadamente na sala de jogo da péla, em 20 de junho, tendo jurado não se dispersar enquanto o rei não aceitasse uma Constituição que limitasse seus poderes. Esta cena é um clássico de Prieur e representa um dos momentos mais importantes da Revolução Francesa. Em 14 de Julho de 1789, o povo toma a Bastilha, a prisãosímbolo da opressão do Absolutismo dos Bourbons. Foi a Revolução Francesa um dos pontos culminantes das Revoluções Atlânticas, significando o mais duro golpe no Antigo Regime. Dez anos depois, ela terminaria nas mãos de um só homem: Napoleão Bonaparte. – 125 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 126 berdade, igualdade, inviolabilidade da propriedade e direito de resistir à opressão. Tendo Luís XVI se recusado a sancionar estes últimos decretos, o povo de Paris, a comuna, marchou em direção ao Palácio de Versalhes, trazendo o rei para a cidade. Em 1790, os bens do clero foram confiscados, servindo de lastro para a emissão dos assignats, por intermédio da Constituição Civil do Clero. A Constituição ficou pronta em setembro de 1791, modificando comLuís XVI governava a França quando eclodiu a pletamente a organização Revolução, sendo executado na guilhotina durante o social e administrativa da período do Terror. França. Luís XVI cedeu, mandando o clero e a nobreza juntar-se ao Terceiro Estado, surgindo assim a Assembleia Nacional Constituinte. O rei queria ganhar tempo, pois pretendia juntar tropas para dispersar a Assembleia. Os produtos alimentícios começavam a faltar, surgindo revoltas nas cidades e nos campos. Os rumores de composição aristocrática da realeza cresciam. O medo do Terceiro Estado era muito grande em julho de 1789. A reunião de tropas, próximo a Paris, e a demissão de Necker provocaram a insurreição. Em 14 de julho, foi tomada a Bastilha, símbolo da tirania, onde eram mantidos os presos políticos. Não era uma revolta. Era a própria Revolução! Luís XVI visitou Paris, tentando acalmar a situação. Nas províncias, entretanto, o movimento alastrava-se. Os camponeses rebelavam-se contra os senhores. Tanto a nobreza e o clero quanto o Terceiro Estado temiam pelo que pudesse acontecer. Por isso, premidos pela situação criada com a revolta camponesa (4 de agosto de 1789), aboliram-se os direitos feudais. Em 26 de agosto, fezse a Declaração dos Direitos do Homem. Os pontos básicos eram: li- 126 – 4. AS PRIMEIRAS MUDANÇAS A França passava a ser uma Monarquia Constitucional. O Poder Executivo caberia ao rei, e o Legislativo, à Assembleia, que passaria a funcionar regularmente. O poder era dividido entre esses dois órgãos. A Monarquia continuaria hereditária e a Assembleia seria composta por deputados cujo mandato era de dois anos. Os eleitores precisavam ter uma riqueza mínima para exercer o direito de voto, o que dava um caráter burguês a essa primeira fase revolucionária. Luís XVI negou-se a aceitar essa Constituição, porém foi obrigado a assinar o documento em julho de 1791. No dia 20 de junho tentou fugir da França para dar início a uma contrarrevolução de fora do país. Foi preso em Varennes e reconduzido a Paris. A obra da Constituição foi valiosa. Completou a abolição do feudalismo, suprimindo as antigas ordens sociais, e estabeleceu a igualdade civil. A escravidão só foi mantida nas colônias. Os direitos eram iguais no que dizia respeito ao exercício de cargos públicos. Os bens da Igreja foram nacionalizados com vistas a pagar os débitos públicos que se tinham agravado durante a Revolução. As terras foram vendidas à burguesia e aos proprietários camponeses. Alguns trabalhadores rurais estavam também em condições de adquirir terra. Os Estados-Gerais reunidos após a convocação feita por Luís XVI. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 127 Em 10 de agosto as tulherias foram ocupadas e o rei aprisionado no templo. No início de setembro, a massa parisiense atacou as prisões e massacrou os nobres feitos prisioneiros. O Exército passou a convocar voluntários para defender a Revolução. Em Valmy, as forças francesas venceram os invasores (20 de setembro). No mesmo dia, uma nova Assembleia tomava posse: a Convenção. A República foi proclamada. A segunda fase da guerra, de setembro de 1792 a abril de 1793, é marcada pelas vitórias da França, que avançou em direção à Bélgica, região do Reno, Savoia e Nice. 6. A CONVENÇÃO NACIONAL As execuções na guilhotina marcaram o período do “terror”. Pela Constituição Civil do Clero, a Igreja foi reorganizada. Não tendo mais rendas derivadas das propriedades, o sustento teria de ser garantido pelo Estado. O clero foi transformado numa instituição civil, mantida por salários pagos pelo Estado. Tanto o papa quanto parte da Igreja da França rejeitaram a medida. A administração foi modificada. A França passou a ser dividida em departamentos, distritos, cantões e comunas. Cada um seria administrado por assembleias eletivas locais. Os juízes eram igualmente eleitos no local. 5. REAÇÕES EXTERNAS O êxito da Revolução na França deu novo estímulo aos revolucionários de outros países, onde, porém, não surtiu efeito, como nos Países Baixos, Bélgica, Suíça, Inglaterra, Irlanda, Alemanha, Áustria e Itália. Ainda assim, simpatizantes com a Revolução na França organizaram demonstrações de apoio. Os déspotas esclarecidos, alarmados, abandonaram seus programas de reformas e se aproximaram da aristocracia contra as classes baixas. Alguns escritores na Europa defenderam a contrarrevolução, ou seja, a retomada do poder na França pela força das armas e restauração da Monarquia Absoluta. Muitos franceses abandonaram o país. Nobres, clérigos e mesmo burgueses esperavam o auxílio das potências europeias. Estas se mantiveram indiferentes, a princípio, mas, quando as ideias que resultaram da Revolução ameaçavam abalar os soberanos absolutos da Europa, modificaram sua atitude. Em 20 de abril de 1792, a perseguição dos emigrados pelos franceses provocou a guerra com a Áustria, que continuaria com poucas interrupções até 1815. Os insucessos repetiram-se de abril a setembro. O avanço do exército prussiano rumo a Paris fez crescer o temor da contrarrevolução, arquitetada pelo rei e pela aristocracia. Os franceses avançaram em direção à Bélgica, região do Reno, Savoia e Nice. Internamente, a Convenção estava dividida entre Girondinos e Montanheses. Os Girondinos, representantes da alta burguesia, pretendiam uma República burguesa na França e a difusão da Revolução pela Europa. Os Montanheses, pequena burguesia apoiada pela Comuna de Paris, liderados por Robespierre, queriam maior participação política e poder econômico para as baixas camadas da população e restrição do movimento revolucionário à França, para sua consolidação. O rei foi julgado pela Convenção em 21 de janeiro de 1793 e, a despeito do esforço dos Girondinos, foi condenado à morte como traidor. Georges Jacques Danton (esquerda), líder da fase radical da Revolução e que disputou com Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (centro) o destino do governo montanhês. Tudo isso depois do assassínio de Marat por uma girondina. – 127 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 128 A guerra externa entrava em sua terceira fase, quando ocorreram várias derrotas. A Inglaterra unira-se à Áustria e à Prússia. A França perdeu a Bélgica e o Reno. Paris estava ameaçada. Isso acentuou o poder dos extremistas, os Montanheses. Os Jacobinos, núcleo mais radical da Montanha, eram apoiados pela Comuna de Paris, composta por trabalhadores, artífices, pequenos proprietários e trabalhadores rurais. 7. O GOVERNO DOS MONTANHESES O governo da Montanha impôs o Edito do Máximo, tabelando os preços dos produtos. Taxou os ricos, obrigando-os a pagar mais impostos, protegendo os pobres e desamparados. A educação tornou-se gratuita e obrigatória. As propriedades dos emigrados foram confiscadas e postas à venda para cobrir despesas do Estado. Chegou a propor o confisco de propriedades de indivíduos suspeitos para serem distribuídas aos pobres. Ocorreram revoltas contra essas medidas. Surgiu uma guerra na Vendeia e levantes separatistas na Normandia e Provença. O governo da Montanha tomou medidas drásticas, implantando o Terror. Mais de 30 mil suspeitos morreram nas prisões, esperando julgamento. Ao mesmo tempo, o exército revolucionário ascendia a 1 milhão de homens. A guerra entrava em sua quarta fase, após 1794. A vitória sobre os austríacos, em junho, permitiu a ocupação da Bélgica. As vitórias deram mais segurança, pois acabaram com o extremismo, abalando o governo da Montanha. Robespierre, líder da Montanha, foi deposto da Convenção em 26 de julho de 1794. Em março e abril do mesmo ano, tinha executado os líderes das camadas inferiores que Ihe davam apoio por se negarem a participar do Terror. Sem a Comuna de Paris para sustentá-lo, ficou à mercê dos Girondinos, que começaram a 128 – retomar o poder. Tinha início a reação termidoriana. As medidas montanhesas foram abolidas: o Edito do Máximo, as leis sociais e os esforços para a igualdade econômica. Robespierre e Saint-Just foram presos e levados à guilhotina. Era o fim da fase popular da Revolução. 8. A REPÚBLICA BURGUESA E A EXPANSÃO DA REVOLUÇÃO Com os Girondinos no poder, mais conservadores, uma nova Constituição foi organizada. O Poder Executivo passou a ser exercido por um Diretório formado por cinco membros eleitos por cinco anos, sendo substituído um dos diretores a cada ano. O Poder Legislativo era exercido por duas câmaras, eleitas por três anos e com renovação de 1/3 de seus componentes a cada ano. A organização administrativa estabelecida pela Cons- tituição de 1791 foi mantida, sendo apenas abolidos os distritos. Muito provavelmente, este regime republicano dirigido pela burguesia se consolidaria, caso não continuassem as guerras externas. Estas deturparam as relações entre o Diretório e o Conselho Legislativo. Os golpes políticos se sucederam. O Diretório discutia nova Constituição, enquanto explodia o terror branco no sul e oeste do país: era a contrarrevolução dos realistas (partidários da realeza). Estes tentaram tomar o poder em Paris, mas foram batidos por um jovem oficial, Napoleão, em 5 de outubro de 1795. Em 4 de setembro de 1797, os realistas foram retirados do Diretório e do Conselho. O exército francês ocupou o Reno e a Holanda, impondo a paz aos seus adversários: Prússia e Espanha. Depois penetrou na Itália, em 1796, forçou a paz de Campo Fórmio com a Áustria em 1797. Novo Mês Duração pelo Calendário Tradicional 1.° mês Vendemiario (colheita de uvas) 21/09 a 20/10 2.° mês Brumário (névoa ou brumas) 21/10 a 20/11 3.° mês Frimário (geadas) 21/11 a 20/12 4.° mês Nivoso (neve) 21/12 a 20/01 5.° mês Pluvioso (chuvas) 21/01 a 20/02 6.° mês Ventoso (ventos) 21/02 a 20/03 7.° mês Germinal (germinação das plantas) 21/03 a 20/04 8.° mês Floreal (flores) 21/04 a 20/05 9.° mês Prairial (padarias, campo) 21/05 a 20/06 10.° mês Messídor (colheitas) 21/06 a 20/07 11.° mês Termidor (calor) 21/07 a 20/08 12.° mês Frutidor (frutas) 21/08 a 20/109 Calendário que passou a vigorar na França com o governo da Convenção, que proclamou a República em 22/09/1792. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 129 As ideias revolucionárias continuaram a ser disseminadas. Os diretores haviam herdado a ideia girondina de espalhar a revolução pela Europa. Por esse motivo, as tropas francesas dominaram os Estados da Igreja e a Suíça, fundando Repúblicas. Dentre os adversários, o mais difícil de ser atingido era a Inglaterra. A sua insularidade, aliada à força naval que possuía, tornavam-na quase inexpugnável. Napoleão tentou enfraquecê-la tomando posse do Egito, cortando assim o comércio inglês com o Oriente. A vitória do Almirante Nelson, em Abukir, em 16 de agosto de 1798, sobre a esquadra francesa, pôs os planos a perder. Nova coligação foi retomada contra a França: Áustria, Rússia, Turquia e Inglaterra constituíram poderoso ad- 9. CRONOLOGIA 1787 – Revolta dos Notáveis. 1789 – Revolta do Terceiro Estado. – Tomada da Bastilha. 1790 – Confisco dos bens do clero. 1791 – Constituição que estabeleceu a Monarquia Constitucional. – Tentativa de fuga e prisão do rei Luís XVI. 1792 – Invasão da França pela Áustria e Prússia. MÓDULO 16 versário. Napoleão voltou à França em 1798 para explorar politicamente seu prestígio militar. A incapacidade do Diretório em conter as revoltas, tanto das baixas camadas quanto da aristocracia, criou condições para que o jovem corso assumisse o poder com o apoio do exército e da burguesia. Em 9 de novembro de 1799, Napoleão desfechou o Golpe de 18 Brumário, destituindo o Diretório. 1793 – Início da Convenção, dominada pelos Jacobinos. – Oficialização da República, morte do rei Luís XVI e segunda Constituição. – Terror contra os inimigos da revolução. 1794 – Deposição de Robespierre. 1795 – Regime do Diretório – terceira Constituição. – Conspiração dos Iguais. 1797 – Paz de Campo Fórmio. 1799 – Golpe de 18 Brumário, de Napoleão. A Era Napoleônica e o Congresso de Viena 1. INTRODUÇÃO Napoleão Bonaparte instituiu o regime do Consulado, centralizando os poderes em suas mãos. Exercendo uma verdadeira ditadura militar, enfraqueceu o Poder Legislativo. Em 1802, por um plebiscito, tornou-se cônsul vitalício, podendo designar o seu sucessor. Daí em diante, uma nova Constituição legalizou o Império, sendo coroado em dezembro de 1804 na Catedral de Notre-Dame. Napoleão procurou fazer uma política de reconciliação, tomando várias medidas para estabelecer a paz interior e garantir a segurança dos habitantes do país. A Constituição de 1799, que foi submetida a um plebiscito e aprovada por mais de 3 milhões de votos, deu a Napoleão poderes ilimitados, sob a aparência de um regime republicano, o Consulado. O voto universal, instituído pela Constituição de 1793, foi restabelecido. Fazia-se uma lista dos candidatos mais votados, entre os quais o governo escolhia os encarregados das funções públicas. O Poder Legislativo, tão fraco que sua existência era quase só formal, 2. AS REALIZAÇÕES DE NAPOLEÃO Em 1799, a França apresentava um aspecto desolador: a indústria e o comércio estavam arruinados, os caminhos e os portos, destruídos, o serviço público, desorganizado; todos os dias mais e mais pessoas deixavam o país, fugindo da desordem e da ameaça de ver os seus bens confiscados; os clérigos que se tinham negado a jurar fidelidade à nova Constituição eram perseguidos; a guerra civil ameaçava estourar em numerosas províncias. Napoleão, ao contrário de Carlos Magno, um milênio antes, fez da cerimônia de coroação uma confirmação do seu poder, o qual se sobrepunha ao da Igreja. – 129 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 130 era composto de quatro assembleias: o Conselho de Estado, que preparava as leis; o Tribunal, que as discutia; o Corpo Legislativo, que as votava; o Senado, que velava pela sua execução. O Poder Executivo, confiado a três cônsules nomeados pelo Senado por dez anos, era o mais forte de todos. Quem detinha efetivamente o poder era o primeiro-cônsul, que propunha, mandava publicar as leis e nomeava os ministros, os oficiais, os funcionários e os juízes. As guerras continuaram até 1802, quando Napoleão assinou a Paz de Amiens, pondo fim ao conflito europeu iniciado em 1792. A administração do Estado foi reorganizada e centralizada. Importantes medidas financeiras, como a criação de um corpo de funcionários para arrecadar os impostos e a fundação do Banco da França (que recebe o direito de emitir papel-moeda), foram tomadas, melhorando sensivelmente a situação econômica do país. O ensino secundário foi organizado com o fito de instruir funcionários para o Estado. A maior obra de Napoleão foi a criação do Código Civil, inspirado no Direito Romano, nas Ordenações Reais e no Direito Revolucionário; completado em 1804, continua, na essência, em vigor até hoje na França. A paz com a Igreja Católica foi restabelecida em 1801 pela Concordata com o papa. O sumo-pontífice 130 – aceitou o confisco dos bens eclesiásticos e o Estado ficou proibido de interferir no culto; os bispos, indicados pelo governo e investidos de funções religiosas pelo papa, prestariam juramento de fidelidade ao governo; as bulas só entrariam em vigor depois de aprovadas por Napoleão. O êxito da política interna e externa de Napoleão permitiu que fosse estabelecida a hereditariedade do Consulado, em 1802: o primeiro-cônsul recebeu do Senado o direito de indicar o seu sucessor. Tratava-se, na reaIidade, da implantação da Monarquia hereditária. Aproveitando-se da situação de perigo nacional trazida pelo reinício das guerras, em 1803, Napoleão fezse proclamar imperador. Em 1804 uma nova Constituição legalizava a instituição do Império e convocava um plebiscito para confirmá-la. Napoleão foi sagrado pelo papa em Paris. O poder imperial era absoluto. Uma nova Corte foi formada e a antiga nobreza foi reconstituída: quanto mais elevados eram os títulos dos nobres, mais importantes eram as funções a eles confiadas. Ao Código Civil seguiram-se o Código Comercial e o Código Penal. A economia da França foi impulsionada. Os camponeses proprietários passaram a produzir mais e, por isso, a apoiar o regime. A indústria, por sua vez, foi estimulada. Numerosos trabalhos iniciados sob o Consulado — aberturas de canais, reconstrução dos portos, construção de estradas, embelezamento das cidades — foram completados. Napoleão tornou-se ainda mais despótico que os antigos reis: as assembleias foram suprimidas, o Tri- TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 131 bunal e os Corpos Legislativos perderam suas funções, as liberdades individuais e políticas deixaram de ser respeitadas, a imprensa passou a ser censurada. A intervenção do imperador estendeu-se à educação: a Universidade imperial monopolizou o ensino superior, e as disciplinas consideradas perigosas para o regime (História e Filosofia) tiveram seus programas alterados. O governo procurou servir-se até da religião: o catecismo ensinava, ao mesmo tempo, os deveres para com Deus e para com o imperador; quando o papa se recusou a integrar-se na política internacional de Napoleão, este tomou os seus Estados e confinou-o em Savoia (1809); os bispos que tomaram o partido do papa foram perseguidos. Tudo isso aumentou o descontentamento geral: a burguesia opunha-se à perda de liberdade e às perseguições policiais, as guerras arruinavam a economia e os portos, o restabelecimento de antigos impostos irritou os contribuintes, os jovens procuravam fugir ao serviço militar obrigatório. 3. O EXPANSIONISMO MILITAR DO IMPÉRIO Apesar de Napoleão ter assinado com a Inglaterra a Paz de Amiens, em 1805, as ameaças francesas promoveram a formação da primeira coligação antifrancesa, reunindo a Inglaterra, Rússia e Áustria. Napoleão venceu em Ulm e Austerlitz, mas a esquadra franco-espanhola foi derrotada em Trafalgar pelo almirante inglês lorde Nelson. Após a vitória contra a nova coligação, em 1806, Napoleão dissolveu o Sacro Império RomanoGermânico, fundando a Confederação do Reno. No mesmo ano, formou-se ainda outra aliança contra Napoleão: a Prússia, vencida em Iena (Confederação do Reno), e a Rússia, em Friedland (Prússia). Pela Paz de Tilsit, a Prússia foi desmembrada e a Rússia aliou-se à França. Após derrotar a Prússia, decretou o Bloqueio Continental contra a Inglaterra. Tratava-se de asfixiar o poderio econômico inglês na Europa, proibindo o comércio e a escala de navios britânicos nos portos aliados. Foi visando à manutenção do bloqueio que se fez a invasão de Portugal e Espanha. A família real portuguesa, fugindo à invasão francesa, refugiouse no Brasil, enquanto José Bonaparte, irmão de Napoleão, era colocado como rei do trono espanhol, provocando forte reação popular na Espanha. Aproveitando-se da luta de Napoleão na Espanha, a Áustria formou, em 1809, uma coligação, sendo porém derrotada em Wagram, perdendo vastos territórios e transformando-se em potência secundária. Neste momento, o Império napoleônico encontrava-se em seu apogeu, com mais de 70 milhões de habitantes, dos quais somente 27 milhões eram franceses. O exército francês parecia imbatível. Em 1812, porém, a Rússia rompeu o bloqueio ao comércio inglês, sendo invadida por um poderoso exército. Apesar da vitória na Batalha de Moscou, Napoleão foi obrigado a fazer uma retirada desastrosa, na qual morreram milhares de homens. Entusiasmados por este fracasso de Napoleão, Inglaterra, Áustria, Prússia, Rússia e Suécia formaram uma coligação, derrotando os franceses na Batalha de Leipzig, em 1813. Napoleão foi então aprisionado na ilha de Elba, de onde fugiu um ano depois, retornando à França e retomando o poder. Inicia-se o governo dos Cem Dias. A partir daí, enfrentou a última coligação contra a França, sendo derrotado pelos ingleses em Waterloo, na Bélgica, e novamente aprisionado e exilado na ilha de Santa Helena, onde morreu em 1821. 4. O CONGRESSO DE VIENA Depois da primeira abdicação de Napoleão (1814), representantes de todos os governos europeus reuniram-se no Congresso de Viena, com o objetivo de reorganizar a Europa após a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas. Presidido pelo chanceler austríaco Metternich e dominado pelas potências vencedoras de Napoleão (Áustria, Rússia, Prússia e Grã-Bretanha), o Congresso encerrou seus trabalhos em 1815, depois da derrota definitiva do imperador francês em Waterloo, tendo adotado as seguintes decisões: – Restauração das dinastias destronadas nos conflitos anteriores, acatando-se assim o Princípio da Legitimidade formulado por Talleyrand, representante da França no Congresso. – Remanejamento do mapa político europeu em benefício da Prússia, Rússia e Áustria. – Ampliação do império colonial inglês, em detrimento da Holanda, França, Espanha e Turquia. O Congresso de Viena significou uma vitória temporária do conservadorismo sobre as ideias liberais, pois restaurou parte do Antigo Regime (sobretudo no que diz respeito ao Absolutismo monárquico) na maior parte do continente europeu. 5. A SANTA ALIANÇA Para manter a ordem europeia estabelecida pelo Congresso de Viena, Áustria, Prússia e Rússia criaram a Santa Aliança. Seu objetivo era combater os movimentos liberais e/ou nacionalistas, onde quer que ocorressem, aplicando o Princípio de Intervenção formulado por Metternich. A França, embora fosse uma Monarquia constitucional, também aderiu à Santa Aliança. 6. CRONOLOGIA 1799 – Regime do Consulado. 1801 – Concordata com a Igreja. 1802 – Regime do Consulado Vitalício. 1804 – Proclamação do Império. 1806 – Bloqueio Continental. 1812 – Campanha da Rússia. 1813 – Derrota de Napoleão em Leipzig. 1814 – Abdicação de Napoleão e retiro em Elba. – Reunião do Congresso de Viena. 1815 – Governo dos Cem Dias, derrota em Waterloo e prisão em Santa Helena. – Derrota definitiva de Napoleão Bonaparte. – Formação da Santa Aliança. 1818 – Primeira reunião da Santa Aliança. – 131 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 132 MÓDULO 17 Ideias Sociais e Políticas do Século XIX 1. INTRODUÇÃO A reação europeia, conduzida pelo Congresso de Viena e pela Santa Aliança, não conseguiu estancar o movimento revolucionário iniciado na segunda metade do século XVIII. As revoluções da América luso-espanhola foram bem-sucedidas, e a Grécia libertou-se do jugo turco. Por volta de 1830, nova onda revolucionária abalou a Europa: na França, Carlos X, sucessor de Luís XVIII, foi obrigado a abdicar do poder; a Bélgica, dominada pela Holanda, rebelou-se, proclamando sua independência; na Itália, as associações revolucionárias impuseram uma Constituição; na Alemanha, eclodiram movimentos liberais constitucionalistas; a Polônia tentou obter sua independência. Essas revoluções provocaram um golpe violento na reação representada pela Santa Aliança, aniquilando-a. Além disso, são caracterizadas por marcarem o aparecimento de ideias republicanas e o surgimento dos primeiros agrupamentos políticos socialistas. Em 1848, a bandeira da revolução voltou a agitar a Europa. Atingiu a França, Alemanha, Áustria e Itália, sendo esse período marcado pela intensificação do socialismo e pela vitória final da reação em toda a Europa, por volta de 1850. 2. A PRIMAVERA DOS POVOS Caricatura de Carlos X, mostrando-o como uma figura ridícula, ligada ao clero e aos militares. De um modo geral, são três as forças das Revoluções de 1848: o liberalismo, contrário às limitações impostas pela monarquia absoluta; o nacionalismo, que buscava unir politi- 132 – camente os povos de mesma origem e cultura; e o socialismo, força nova, surgida nos movimentos de 1830, que pregava a igualdade social mediante reformas radicais. Além disso, outros fatores podem ser arrolados para explicar o problema. Entre 1846 e 1848, as colheitas na Europa Ocidental e Oriental foram péssimas. Os preços dos produtos agrícolas subiram violentamente e a situação das classes inferiores piorou. Ao mesmo tempo, verificava-se uma crise na indústria, particularmente no setor têxtil. O aumento da produção ocasionou a superprodução. A crise na agricultura diminuiu ainda mais o consumo dos produtos manufaturados devido ao empobrecimento dos camponeses. A paralisação das atividades fabris resultou em dispensa dos trabalhadores e redução nos salários, exatamente quando os preços dos gêneros de primeira necessidade subiam vertiginosamente. Os recursos financeiros dos países europeus foram carreados para a aquisição de trigo da Rússia e dos Estados Unidos. Isto afetou os grandes empreendimentos industriais e a construção das estradas de ferro, em franco progresso na ocasião. A paralisação das atividades nesses setores arrastou outros, provocando uma estagnação econômica geral. A crise variou de país para país. Na Itália e Irlanda foi mais agrária; na Inglaterra e França, industrial, bem como na Alemanha. A miséria gerou o descontentamento político. A mas- A Revolução de 1848 apresentou a tônica socialista, evidenciando a importância do proletariado urbano. sa dos camponeses e proletários passou a reclamar melhores condições de vida e maior igualdade de recursos. No fundo, constituíam ideias socialistas, mas como não existia um partido socialista organizado que pudesse orientar essas classes, coube aos liberais e nacionalistas, compostos pela burguesia esclarecida, exercer a oposição ao governo, contando com o apoio da massa, sem orientação própria. q França Luís Felipe fora colocado no trono da França pela Revolução de 1830, representando os ideais da burguesia e tendo por objetivo conciliar a Revolução com o Antigo Regime. A oposição popular ao regime era manifesta. Em 1834, deu-se a insurreição dos operários de Lyon. As tendências republicanas ganhavam adeptos por intermédio das várias sociedades políticas fundadas com este propósito. A oposição não era somente popular. Havia muitos partidários da volta de Carlos X, exilado desde 1830. Os antigos correligionários de Napoleão Bonaparte acercavam-se de Luís Napoleão, seu sobrinho. O partido socialista opunha-se ao governo, propondo reformas. Seus líderes, Louis Blanc, Flocon e LedruRollin iniciaram, em 1847, uma campanha em todo o país visando à reforma eleitoral. A forma encontrada para a difusão da campanha foram os banquetes, nos quais os oradores debatiam a questão. TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 133 Em 12 de novembro de 1848 foi promulgada uma nova Constituição. O presidente da República seria eleito por quatro anos, sendo Luís Napoleão o primeiro presidente eleito. Em 1852 deu um golpe político, implantando o Segundo Império da França, assumindo o governo com o título de Napoleão III. q Itália A Itália, em 1848, estava dividida em vários Estados, todos eles com governo tipicamente despótico. A crítica a este regime era conduzida pelas sociedades secretas, principalmente a Carbonária. Ao mesmo tempo, reformas liberais visavam à unificação dos Estados italianos. Para tanto, seria preciso expulsar os austríacos que, desde o Congresso de Viena, adquiriram supremacia sobre a Itália. Em janeiro, deu-se uma revolta no Reino das Duas Sicílias. O rei Fernando II foi obrigado a conceder uma Constituição, o mesmo ocorrendo na Toscana e no Estado papal. Em 22 de fevereiro, o ministro Gui- fou violentamente a revolta. Dezesseis zot proibiu a realização de um ban- mil pessoas foram mortas e quatro mil quete, o que provocou a eclosão da deportadas. A questão operária foi rerevolta. Surgiram as barricadas nas solvida segundo os interesses da burruas com o apoio de elementos da guesia. Guarda Nacional. A revolta ganhou vulto. Guizot foi demitido em favor de Thiers, que nada resolveu. A Câmara foi invadida, e os deputados fugiram. Luís Felipe abdicou. O governo provisório foi organizado e proclamou a Segunda República da França, com a participação de burgueses liberais e socialistas. No dia 23 de abril, realizou-se a primeira eleição na Europa com voto universal masculino, direto e secreto. A crise econômica, entretanto, não foi debelada; pelo contrário, agravou-se. O governo provisório, a fim de ofertar trabalho aos desempregados, criou as “oficinas nacionais”, empresas dirigidas e sustentadas pelo Estado. O pagamento dos salários era coberto com a elevação dos impostos, o que redundou em crise maior. O fechamento dessas oficinas fez voltar à rua o proletariado. Tentou-se fazer uma revo- A unificação política da Alemanha envolveu guerras contra a Dinamarca, em 1864, contra a lução dentro da própria revolu- Áustria, em 1866, e contra a França, em 1870. Em 1867, a Áustria foi excluída da Confederação ção. A Assembleia delegou po- Alemã do Norte, que compreendia os Estados ao norte do Rio Main. A influência austríaca sobre deres excepcionais ao general a Alemanha terminou em 1871, quando os grandes Estados do sul da Alemanha decidiram republicano Cavaignac, que aba- juntar-se ao Império Alemão. – 133 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 134 No reino da Lombardia foi iniciada uma séria oposição aos austríacos. O rei de Piemonte, Carlos Alberto, tomou a liderança da revolta, declarando guerra aos austríacos. Os exércitos austríacos obtiveram duas vitórias (Custozza e Novara), forçando Carlos Alberto a abdicar em favor de seu filho Vítor Emanuel II. A repressão implantada pelos austríacos foi violenta em toda a península. A tentativa liberal e nacionalista dos italianos tinha sido frustrada. germânico, o desejo de independência e de união política. O mesmo aspecto liberal e nacionalista que vimos aparecer na Itália também se manifestava lá. Na Prússia, em 18 de março de 1848, verificou-se extraordinária manifestação popular diante do palácio real, provocando a reação das tropas. O movimento alastrou-se, e Frederico Guilherme, rei da Prússia, teve de se humilhar prometendo uma Constituição ao povo insurgido. Vários Estados juntaram-se ao movimento, aproveitando a oportunidade para tentar a unificação política. Em março, reuniu-se em Frankfurt uma assembleia preparatória para um Parlamento representativo, que deveria iniciar seus trabalhos legislativos em maio. Os príncipes alemães aproveitaram-se da divisão entre os revolucionários para retomar o poder abalado. Em novembro de 1848, Berlim foi tomada e a Constituinte dissolvida pelo exército. O movimento liberal foi abafado. A Assembleia de Frankfurt decidiu eleger como imperador o rei da Prússia, que recusou por se considerar rei por vontade de Deus. Propôs, entretanto, aos príncipes alemães, a q Alemanha A Alemanha, depois do Congresso de Viena, passara a constituir uma Confederação composta por numerosos Estados, cuja política exterior era coordenada por uma Assembleia que se reunia em Frankfurt. A Prússia e a Áustria lideravam esta Confederação. Visando à maior integração entre os Estados germânicos, foi criada em 1834 a Zollverein, espécie de liga aduaneira que liberava a circulação de mercadorias nos territórios dos membros componentes, sem a participação da Áustria. Esta política econômica estimulou o desenvolvimento industrial, que, por sua vez, acentuou o nacionalismo 3. CRONOLOGIA 1848 – Tentativas frustradas da burguesia de realizar as unificações da Itália e da Alemanha. 1850 – Tentativa de unificação por iniciativa da Prússia. 1852 – Cavour torna-se primeiroministro de Vítor Emanuel II, rei de MÓDULO 18 1. O DESPERTAR DAS NACIONALIDADES O século XIX representou a fase final dos conflitos entre a burguesia e a aristocracia defensora do Antigo Regime. A partir de 1830 e, principalmente, com uma sucessão de ondas revolucionárias de 1848, a burguesia assumiu definitivamente o controle do Estado. Apesar de o liberalismo ter si- 134 – Piemonte-Sardenha. 1859 – Cavour, aliado a Napoleão III, combate a Áustria. 1860 – Garibaldi conquista o Reino das Duas Sicílias. 1864 – Guerra dos Ducados da Prússia contra a Dinamarca. 1866 – Guerra da Prússia contra a Áustria. criação de um império. A Áustria, em 1850, impôs à Prússia o recuo nesses projetos e em qualquer mudança da ordem existente. q Áustria O Império Austríaco dos Habsburgos era muito heterogêneo. Estava composto por alemães, húngaros, tchecoslovacos, poloneses, rutenos, romenos, sérvios, croatas, eslovenos e italianos. Destes povos, somente os húngaros tinham certa autonomia. Os mais numerosos, húngaros e tchecos, conscientes de sua individualidade, buscavam reconhecimento imperial. Os alemães da Áustria reclamavam contra o governo de Metternich. Insurgiram-se estudantes, burgueses e trabalhadores, forçando a queda do chanceler e a convocação de uma Assembleia Constituinte. Os eslavos seguiram o exemplo. Orientados por Palacky, convocaram uma reunião dos povos eslavos em Praga para 2 de junho. O congresso pan-eslavista foi dissolvido militarmente. Viena foi tomada, formando-se um governo absoluto após ter sido bombardeada, e implantando-se um regime de perseguição policial. 1867 – Formação da Confederação da Alemanha do Norte. 1870 – Guerra Franco-Prussiana. – Os italianos tomam Roma. – Início da Questão Romana. 1871 – Proclamação do Império Alemão A Unificação Alemã e Italiana do o fenômeno que conduziu os ideais burgueses, firmou-se como uma filosofia individualista que colocava o indivíduo à frente da razão do Estado e dos interesses da coletividade. É nesse espírito que a burguesia consolidou a liderança política e econômica do século, que se iniciou em 1815 com o Congresso de Viena e se prolongou até o verão de 1914, quando se deflagrou a Primeira Guerra Mundial. O liberalismo tornou-se uma ideologia paradoxal. O disfarce nitidamente subversivo, utilizado pela burguesia capitalista para se opor ao Antigo Regime e assenhorar-se do poder, entrou em choque com sua tendência conservadora de impedir o avanço da ideologia socialista e das camadas populares. Dessa forma, o poder foi reservado para a elite econômica em nome da soberania nacional e não da TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 135 soberania popular, pois o liberalismo, em sua origem, não era democrático, deixando clara a ideia da separação entre capital e trabalho. As inovações no campo das técnicas e das ideologias políticas e econômicas criavam um contraste na vida social do século XIX: nos campos, milhares de pessoas viviam em um quase completo regime de servidão, e, nos centros urbanos, as camadas miseráveis eram marginalizadas com o advento e propagação da industrialização na Europa. Na origem dos movimentos liberais que assolaram a Europa no século XIX, despertou os sentimentos a questão das nacionalidades, que se transformou numa força irresistível, buscando reencontrar o passado esquecido do ideal de Nação. Esse movimento surgiu em vários povos que comungavam a mesma origem, língua e cultura, cujas fronteiras ainda estavam fragilmente demarcadas e a geografia política ainda não havia assumido uma forma definitiva. O nacionalismo surgiu então como uma busca autêntica de expressão política, principalmente entre os povos italianos e alemães, que viam na ideologia uma forma de conciliar os interesses econômicos e políticos. A ideia de nacionalidade promoveu a completa integração do homem no século XIX, em que suas energias se associaram às forças dos espíritos revolucionários, advindos dos movimentos de 1848 que sacudiram toda Europa. 2. A UNIDADE ALEMÃ Ao contrário da unificação italiana, a unidade política da Alemanha teve como pré-requisito a unificação econômica. A origem desta última remonta a 1834, quando 38 dos 39 Estados alemães criados pelo Congresso de Viena decidiram eliminar as barreiras alfandegárias da Confederação Germânica, por meio da Zollverein (liga aduaneira). De 1860 a 1870, os reflexos dessa política econômica fizeram-se sentir: distritos industriais e numerosos centros urbanos surgiram em várias regiões, as estradas de ferro passaram de 2.000 para 11.000 km, e as minas de carvão e de ferro criaram condições para o crescimento das indústrias siderúrgica, metalúrgica e mecânica. O complexo industrial alemão começou a formar-se. A Áustria, que não fora admitida na Zollverein, permaneceu à margem desse processo. A unificação política viria como consequência da unificação econômica. Para consegui-la, a burguesia da Alemanha, até então liberal e contrária ao intervencionismo estatal, foi obrigada a confiar em Otto von Bismarck, um nobre prussiano que se tornara chanceler do rei Guilherme I. Para Bismarck, o “chanceler de ferro”, a unidade alemã seria obtida pela força militar. – 135 TEO_C2_3A_HISTORIA_Keli_2014 03/01/14 08:43 Página 136 Bismarck concretizou a unificação por meio de três conflitos militares. O primeiro foi a Guerra dos Ducados, travada contra a Dinamarca em 1864, quando a Prússia anexou os ducados de Schleswig e Holstein, de população predominantemente alemã. Em 1866, foi desencadeada a Guerra das Sete Semanas contra a Áustria, principal opositora da unificação conduzida pela Prússia. Derrotada a Áustria e dissolvida a Confederação Germânica, foi formada a Confederação da Alemanha do Norte, presidida pelo rei da Prússia. Finalmente, em 1870, Bismarck provocou a Guerra Franco-Prussiana, que resultou na derrota da França e na proclamação do Império Alemão (Segundo Reich) em 1871. 3. A UNIDADE ITALIANA O processo de centralização política que caracterizou a Europa na passagem do feudalismo para o capitalismo, na Itália e na Alemanha, teve caráter local e não nacional. As disputas políticas entre as forças universalistas do Papado e do Império fizeram emergir nessas regiões da Europa pequenas unidades políticas, seja sob a forma de cidades-estados, como Veneza, Gênova, Florença ou Hamburgo, seja de reinos, como a Prússia, a Áustria ou o Piemonte-Sardenha, seja ainda como minúsculos principados alemães. Entretanto, a consolidação do modo de produção capitalista exigia a unidade nacional, tendo em vista a dura competição pela conquista de mercados. Por isso, tanto a burguesia italiana como a alemã tinham interesse na unificação política de seus respectivos países. Porém, enquanto a pequena burguesia da Itália propunha a unificação por meio de uma aliança com o proletariado urbano – o que resultaria na criação de um Estado Nacional democrático –, a alta burguesia pretendia consolidar-se como classe hegemônica, defendendo a unificação em torno do Reino de Piemonte-Sardenha – único Estado efetivamente italiano, proveniente da divisão da Itália efetuada pelo Congresso de Viena. 136 – Além das facções monarquista e republicana, havia um terceiro grupo, que pretendia unificar a Itália em torno do Papado. Os monarquistas, com o apoio da alta burguesia e do primeiro-ministro sardo-piemontês, conde Cavour, aliaram-se ao imperador da França, Napoleão III, contra a Áustria. Antes que a França deixasse de apoiá-lo, o reino sardo-piemontês conseguiu anexar parte dos domínios austríacos no norte da Itália. Simultaneamente, Giuseppe Garibaldi (“o Herói dos Dois Mundos”) conquistou o Reino das Duas Sicílias e a maior parte dos Estados Pontifícios. Tentou também tomar Roma, mas foi impedido por tropas francesas enviadas por Napoleão III. Em 1870, quando a invasão da França pelos prussianos obrigou o imperador francês a chamar suas forças de volta, Roma foi ocupada pelos monarquistas e transformada em nova capital da Itália. O papa Pio IX não aceitou a perda de seus Estados e passou a considerar-se “prisioneiro do rei da Itália”, o que deu origem à Questão Romana. Esta só seria resolvida pelo Tratado de Latrão, firmado em 1929 entre o papa Pio XI e o ditador Benito Mussolini, quando foi cria Giuseppe Garibaldi (1807-1882), herói da unificação italiana, que participou, no Brasil, da Revolução Farroupilha. 4. UM DISCURSO DA CAMPANHA PELA UNIFICAÇÃO ITALIANA “Somos um povo de 21 a 22 milhões de homens, designado há muito tempo pelo nome italiano, encerrado entre os limites naturais mais precisos que Deus já traçou — o mar e as montanhas mais altas da Europa; e um povo que fala a mesma língua (...); que se orgulha do mais glorioso passado político, científico e artístico da história europeia (...). Não temos mais bandeira, nem nome político, nem posição entre as nações europeias (...). Estamos desmembrados em oito Estados (...) independentes, sem aliança, sem unidade, sem ligação organizada (...). Não existe liberdade de imprensa, nem de associação, nem de expressão, nem de petição coletiva, nem de importação de livros estrangeiros, nem de educação — nem de nada. Um desses Estados, cujo território compreende uma quarta parte da península, pertence à Áustria; os outros submetem-se cegamente à sua influência.” Mazzini, L’Italie, L’Autriche et le Pape, 1845, pág.404, citado por J. Monnier. 5. CRONOLOGIA 1834 – Criação da Zollverein. 1850 – Tentativa de unificação por parte da Prússia. 1852 – Cavour torna-se primeiroministro de Vítor Emanuel II, rei de Piemonte-Sardenha. 1859 – Cavour, aliado a Napoleão III, combate a Áustria. 1860 – Garibaldi conquista o Reino das Duas Sicílias. 1863 – Guerra dos Ducados contra a Dinamarca. 1866 – Guerra contra a Áustria. 1867 – Confederação Germânica do Norte. 1870 – Guerra Franco-Prussiana. – Os italianos tomam Roma. – Início da Questão Romana. 1871 – Proclamação do Império Alemão. 1929 – Tratado de Latrão.