ESPAÇO, MEMÓRIA E IDENTIDADE: IMIGRAÇÃO POLONESA EM GOIÁS A PARTIR DE 1949 AOS DIAS ATUAIS. Poliene Soares dos Santos 1,2 1 2 Pesquisadora-Orientadora. Curso de Ciências Humanas, Unidade Universitária de Itapuranga, UEG. RESUMO O cenário político, econômico e social do mundo do pós Segunda Guerra Mundial apresentava um quadro crítico de reconstrução dos países derrotados e de hegemonia de poder dos países vitoriosos. Neste contexto, aparecem também, principalmente na Alemanha de Hitler, Deslocados de Guerra prontos para serem recebidos nos países que se dispusessem a aceitálos. O Brasil foi um desses, que procurava povoar regiões, como a do Estado de Goiás, com trabalhadores qualificados para o trabalho no campo e na cidade. O Governo de Goiás da época investiu consideravelmente neste propósito e acabou trazendo para a região de Itaberaí um grupo de deslocados de guerra formado por vários grupos étnicos, sendo os poloneses preponderantes. Assim, procuramos compreender a chegada deste povo ao interior de Goiás, analisando a questão da identidade, da memória e da cultura trazidos por eles, assim como a alteração dos mesmos ao se relacionarem com outros valores, ou seja, os do povo goiano do então espaço habitado. Para tando, executamos visitas à região da Colônia de Poloneses em Itaberaí e Goiânia, procurando rastrear documentos e fazer entrevistas, adquiridas através de alguns sobreviventes encontrados. PALAVRAS-CHAVE: Poloneses, Memória, Identidade. Introdução O presente projeto partiu de um interesse da equipe de coordenadora e colaboradoras em conhecer e analisar o processo de hibridização ocorrido com a chegada dos deslocados de guerra à região de Itaberaí, no Vale do São Patrício, estado de Goiás, após a Segunda Guerra Mundial. Por uma necessidade teórico- metodológica, priorizamos o grupo dos poloneses, procurando investigar os resquícios deste povo na região e, principalmente, de sua cultura. Importante se faz ressaltar que, para tal estudo, faremos uso da História Cultural, da História Social e da Fonte Oral. Entrevistamos quatro poloneses que vieram como deslocados de guerra: Maria Kaluzny, Rosa Warzocha, João Lenard Filho e Jan Deazkowfki. Seguindo as sugestões dadas por Ecléa Bosi (2003) no capítulo do livro O Tempo Vivo da Memória em que ela orienta o jovem pesquisador, fizemos apenas a pré-entrevista, chamado de estudo exploratório e, como declara a própria autora, estamos na fase ainda de abertura dos caminhos da investigação. Estas 2 entrevistas estão sendo transcritas e, a partir deste trabalho, estamos preparando o futuro roteiro da entrevista ideal. Para tanto, partimos inicialmente da leitura da obra de Jan Magalinski, Deslocados de Guerra em Goiás: imigrantes poloneses em Itaberaí (1980). Nesta obra, o autor nos informa sobre as questões principais quando da saída dos mesmos da Europa, sua chegada no Brasil e em Goiás, a maneira como foram recebidos pelo governo do Estado, onde e como foram instalados e os resultados imediatos da empresa colonial – personificada na idéia de cooperativa pelo governo – então implantada. Nos fala ainda do fracasso da cooperativa, apresentando os principais motivos do mesmo. Dentre os motivos, estão o fato do grupo ser formado por várias etnias e também devido às condições da terra. Estamos propondo um estudo da identidade e da memória efetivado durante o processo de adaptação ao espaço, a um outro conjunto de valores culturais, religiosos, sociais e econômicos; ou seja, a cultura brasileira e, mais especificamente, a cultura do povo goiano da então citada região; verificar, através de depoimentos e entrevistas orais dos sobreviventes ou dos descendentes dos poloneses, a questão da memória referente à guerra, ao momento da imigração, às espectativas dos emigrados quanto à nova terra, o processo de adaptação ao espaço e ao conjunto de valores culturais dos goianos e os momentos mais críticos da formação da cooperativa. Deste modo, compreendemos que este trabalho torna-se viável uma vez que contribui para uma releitura do processo de imigração polonesa em Goiás, priorizando uma linha de pensamento que valoriza a cultura e a identidade trazidas da Europa, herdada e hibridizada ao se efetivar o contato com um espaço e uma cultura diferente, e o resultado deste encontro/confronto cultural para os que chegaram e para os que aqui estavam. Em síntese, a chegada dos novos grupos étnicos – ainda que pequenos se comparado a outras regiões do Brasil, como o Sul – produzira a necessidade de se pensar a imprescindível fusão/confronto de valores sociais, culturais e econômicos, a serem estudos e investigados a partir de uma discussão sobre a memória, a identidade e o imaginário social após o estabelecimento dos novos grupos (imigrantes) junto aos velhos grupos (goianos) sociais, e a conseqüente transformação sócio-cultural; tendo claro que a chegada dos novos valores sócio-culturais não foram predominantes, no sentido de se desestruturar a sociedade e a cultura dominante, ou seja, do sertanejo goiano. 3 Material e Métodos Nossa pesquisa se pauta basicamente em fontes orais (entrevistas e depoimentos produzidos junto aos sobreviventes e descendestes dos mesmos), além da leitura bibliográfica. Já localizamos um bom acervo fotográfico e, como ressaltamos, efetuamos algumas (pré)entrevistas com sobreviventes. Tivemos contato com algumas cartas, mas estas se encontram em polonês, o que, até o presente momento, nos impossiblita a leitura. Em relação à me todologia a ser aplicada, fizemos uso de estudos que são importantes para o pesquisador que se dedica às questões referentes à memória e a identidade. Para tanto, partimos das idéias de Maurice Halbawachs, Ecléa Bosi, Jacques Le Goff, Pirre Nora, dentre outros. De Halbawachs, utilizamos os conceitos de Memória Coletiva e Memória Individual para compreendermos a construção da memória na elaboração da identidade dos imigrantes poloneses e dos goianieses. Aqui também retomamos de Nora a discussão sobre os lugares de memória, de que falamos na introdução. De Halbwachs trabalhamos ainda o conceito de memória individual, com a qual atualmente estamos lidando, ao escolhermos uma pessoa definida (por enquanto os quatro entrevistados já mencionados) e desenvolver individualmente a entrevista. Todavia, a temática que norteia as questões, a lembrança, enfim, o objetivo que se espera alcançar é o mesmo com todos. A escolha dos entrevistados não é aleatória, ressalta a necessidade de todos estarem envolvidos direta ou indiretamente no processo de imigração para o Brasil- Goiás como deslocados de guerra, serem principalmente poloneses e terem estado ou morado na Cooperativa de Itaberaí. É a memória desse grupo que pretendemos colher. Assim, para Halbwachs, o indivíduo compartilha de dois tipos de memórias, a individual e a coletiva, e estas se interpenetram, logo: (...) se a memória individual pode, para confirmar algumas de suas lembranças, para precisá-las, e mesmo para cobrir algumas de suas lacunas, apoiar-se sobre a memória coletiva, deslocar-se nela, confundir-se momentaneamente com ela; nem por isso deixa de seguir seu próprio caminho, e todo esse aporte exterior é assimilado e incorporado progressivamente a sua substância. A memória coletiva, por outro, envolve as memórias individuais, mas não se confunde com elas.(p. 55) 4 De Ecléa Bosi refletimos sobre seus relevantes estudos referentes à lembrança/esquecimento partindo da memória de idosos. Os relatos dos velhos trabalhadores da São Paulo dos anos 20 e 30 foram- nos de grande valia, uma vez que fica claro o grupo com qual a autora quer trabalhar e há uma comunidade de destino bem especificada. Percebemos também a necessidade de se definir bem o grupo com o qual trabalharíamos, o que tem facilitado a pesquisa ao recortar melhor o objeto de estudo. Por isso os poloneses que vieram para a Cooperativa de Itaberaí ou os seus descendentes diretos. Jacques Le Goff também contribuiu na perspectiva da história e da memória ao propor uma reflexão sobre passado, presente e (futuro) sob a ótica do tempo. É nesse travar de relações que se executa a escalada da memória, instituindo tanto a memória coletiva quanto a individual, estando aquela a par desta. É no passado vivido pelo s deslocados de guerra que encontraremos – através do esforço e da condição de lembrar no presente – os dados da tradição, do passado coletivo. E é da percepção, mediante o trabalho exaustivo e prazeroso para depoente e pesquisador, de que o depoente apresenta um comportamento normal, de modo a demonstrar um equlíbrio entre passado, presente e futuro, que pode se chegar mais perto daquilo que Ricouer chama de fidelidade da memória. Resultados e Discussões Quanto aos resultados, conseguimos fotos, mapas e depoimentos gravados e filmados dos sobreviventes já citados. Novas entrevistas serão necessárias. A Dona Rosa Warzocha não ficou mais que dois anos na cooperativa, mas traz uma memória bastante lúcida sobre a guerra e a experiência de ter reconstruído a vida no Brasil. O depoimento do Senhor João Lenard nos trouxe uma complexidade maior quanto à interpretação, pois não sabemos, ao certo, onde muito da sua fala não se confunde com uma memória manipulada. Precisaremos analisar mais e melhor esses depoimentos. Com sua sogra, a Dona Maria Kaluzny, tivemos uma conversa informal, que talvez seja o que Ecléa Bosi chama de estudo exploratório. Quanto ao Senhor Jan Deazkowfki e a sua esposa, coletamos algumas informações, mas uma nova entrevista se faz necessária devido aos problemas que tivemos com a gravação. Conclusões 5 As evidências retiradas da exposição que fizemos até aqui demonstram que ainda estamos longe de querer e poder fazer qualquer tipo de conclusão. Nosso trabalho ainda está em fase de análise de dados coletados para recorrer a novas coletas e a novas análises. O trabalho em campo ainda não encontra-se concluido, conseqüentemente, a análise dos dados também. Concluimos, por hora, que tencionamos produzir um trabalho inovador e bastante relevante numa perspetiva de se (re)pensar a própria identidade regional, a intenção e ação da vinda desses imigrantes para Goiás e a riqueza do trabalho de preservação da memória – principalmente de uma memória de guerra que alcança os terrenos do cerrado goiano – que, talvez ou provavelmente, cairia no esquecimento, excepcionalmente por se tratar de idosos, e poucos ainda vivos. Este trabalho não será produtivo e válido apenas para a ciência ou para a academia, mas também para esses velhos poloneses cansados de guerra e, que de alguma forma, encontraram a paz aqui, num pedaço grande do Brasil. E para nós também, pesquisadoras, que estamos sendo obrigadas a aprender na prática o que na sala de aula e nos livros não se aprende: lidar com as contingências, com os acidentes, com as dificuldades, com o prazer de sentir o passado fazendo sentido no presente para os que falam/narram e para os que ouvem/aprendem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Fonte Oral: Jan Deazkowfki, João Lenard Filho, Rosa Warzocha e Maria Kaluzny Revistas e Jornais: D’ALESSIO. Márcia Mansor. “Memória: Leituras de M. Halbwachs e P. Nora”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 13, Número 25/26. Set. de 1992/Ago. de 1993. MAGALINSKI, Jam. Contribuição do elemento alienígena nos diversos campos de atividade humana no Estado de Goiás. In Boletim Goiano de Geografia. UFG. Vol. 4/5/6 n 1/2. 1984. NORA, Pierre. Entre Memória e História. A problemática dos lugares. In: Projeto História. Revista de Estudos de Pós Graduados em História do Departamento de Historiam da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. V. 10, pp. 07-28, 1993. RICOUER, Paul. L’escriture de L’historire et la représentation di passe. Annales HSS, juiletaout 2000, n. 4, pp. 731-747 Jornal: Chronica Brasil. O8 de Agosto de 2004. Goiânia. Entrevista: Maria Cansada da Guerra. Por Luiz Carlos Bordoni. p. 16-18. 6 Jornal: O Popular. 29 de Agosto de 2004. Goiânia. Mosaico Cultural (Magazine). Por Margareth Gomes. p. 01. Livros. BOSI. Ecléa, Memória e Sociedade - Lembranças de Velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. _________,O Tempo Vivo da Memória – Ensaios de Psicologia Social.São Paulo: Atliê Editorial, 2003. HALBAWACHS. M. A Memória Coletiva. Vértice. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo. 1990. HOBSBAWM. Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das letras. 1998. LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1995. _______________.História e Memória. São Paulo: Unicamp, 1992. MAGALINSKI, Jam. Deslocados de Guerra em Goiás: imigrantes poloneses em Itaberaí. Goiânia: Ed. Universidade Federal de Goiás, 1980. SEIXAS, Jacy. Percursos de memórias em terras de História. Problemáticas atuais. In: BRESCIANI, S. e NAXARA, M (Orgs.) Memória (Res)sentimento. São Paulo: Unicamp, s/d.