Homilia do XXIII Domingo do Tempo Comun 1 Se devêssemos escolher um lugar no interior desta narração que acabamos de ouvir, que lugar escolheremos? Talvez nos identificaremos com um destes judeus presentes na multidão, fascinado por um milagre? Existe para nós um outro lugar disponível, talvez um pouco mais difícil de se escolher: o lugar do surdo-mudo que necessita ser curado, porque não consegue escutar as coisas de Deus e, não sabendo escutá-las, delas também não sabe falar; o lugar daqueles a propósito dos quais Jesus disse que têm ouvidos, mas não ouvem. Somente aqueles que têm “ouvidos para compreender”, disse Jesus, podem compreender aquilo que o Espírito diz a todo instante. Mas nós, talvez, nos sentimos como este surdo mudo do Evangelho. Se assim é, caros irmãos e irmãs, deixemos que Jesus nos conduza, que faça de nós aquilo que ele quer. Somente ele pode abrir nossos ouvidos, somente ele pode desamarrar a nossa língua. Ninguém pode fazer isso para si mesmo, e ninguém de nós pode pretender fazê-lo para seu irmão; nem o mestre para o discípulo, nem o pai para o filho, nem o marido para a esposa, nem o amigo para o amigo. Ninguém. Só Jesus pode fazer os surdos ouvirem e os mudos falarem. Que só Jesus possa fazê-lo, pressupõe uma ligação particular, intima, entre ele e aquele que acaba aceitando deixarse curar. O evangelho sugere isso, ao dizer que: Jesus levando-o a sós para longe da multidão... Tudo ocorrerá entre Jesus e o Pai, e entre Jesus e o surdo mudo. Por ocasião de tantos outros milagres, notamos um diálogo verbal entre Jesus e o necessitado, que não existe aqui, porque o doente é mudo. Será suficiente o diálogo feito de olhares. Um olhar de desconforto e de grande confiança da parte do surdo mudo, um olhar de compaixão e de Homilia do XXIII Domingo do Tempo Comun 2 ternura da parte de Jesus. E o milagre está para acontecer. Sim, verdadeiramente tudo aquilo que Jesus realiza é maravilhoso. Mas, podemos questionar, somos realmente assim tão surdos e incapazes de falar das maravilhas de Deus? E se assim é, de qual surdez se trata? E por que nós, mesmo que sejamos faladores, sofremos de um tal mutismo? O fato é que, ainda que os nossos ouvidos de carne, externos, funcionem perfeitamente, ainda que a nossa inteligência interprete brilhantemente aquilo que nossos ouvidos escutam, outros ouvidos que temos dentro de nós, que podemos chamar de “ouvidos do coração”, podem ainda estar fechados”. Eles esperam serem tocados por Jesus. Assim como existem propostas e palavras que chegam a nós de pessoas fora de nós, assim existem também vozes e palavras que nascem do nosso interior, do Espírito Santo que habita o nosso coração, cujo sussurro não se interrompe nunca. Deste duplo órgão do ouvido, um e outro são para nós muito importantes e necessários, mesmo que ainda seja verdade, que em certo sentido, o papel do nosso ouvido interno prevalece em grande escala sobre o nosso ouvido externo. A tal ponto que, na falta de um ouvido interior corretamente ativado, não estaremos na realidade capacitado para decifrar as palavras que nos chegam do externo, que, portanto, perceberíamos somente como um eco distante, levemente deformado, da única e verdadeira Palavra. E também a rigor, na falta ouvidos externos, os nossos ouvidos interiores nos seriam perfeitamente suficientes para escutar e compreender a Palavra de Deus. Por todos estes motivos, é necessário que encontremos Jesus para que nos conduza a um lugar à parte e, uma vez a sós, toque-nos o coração. A qualquer momento este evento pode verificar-se para nós, na maneira mais simples do mundo. Mas Homilia do XXIII Domingo do Tempo Comun 3 isto com a condição que nós aceitemos antes de tudo reconhecer a nossa surdez e que desejemos sinceramente este encontro e esta cura de todo o coração. Somente Jesus pode aquecer o nosso coração e, com o seu toque, tornar mais profundos estes ouvidos. Como testemunham os discípulos de Emaús: “Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho?”