o sujeito agente/causativo nas estruturas do português

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O sujeito agente/causativo nas estruturas
do português: uma abordagem lingüística
Maria Socorro Alencar Correia
Universidade Regional do Cariri – Urca
ABSTRACT: In this work we analyse the agent/causative subject in structures of the Portuguese language as well as the treatment
given to this category in the traditional grammar. The analysis occurs in two moments: in the first, the informers – students of the
course of LETTERS (Letras) of the Universidade Regional do Cariri (URCA) are invited to form an opinion about the subjects of
structures elaborated by them. In the second moment, after seeing works in the classrom, some basic aspects of the grammar of
cases and the Theory of Valences, those students elaborated research taken from newspapers, magazines and outdoors with the
objective of identifying the agent/causative subjects. In the analysis of data, we cheked that when we took into account syntactic,
semantic and pragmatic aspects, the informers could understand better the relation between name and verb, more especially between
subject and verb.
PALAVRAS-CHAVE: sujeito; agente; causativo; valências.
Introdução
Apesar de privilegiar o ensino da descrição gramatical, a
escola tem se mostrado pouco eficaz quanto ao tratamento dado
à sintaxe, mais precisamente à análise sintática, uma vez que os
alunos, após terem cursado o ensino fundamental e ensino médio,
chegam à universidade e não conseguem entender uma análise
sintática e, às vezes, não conseguem identificar com segurança o
sujeito de uma oração.
Observamos que no modelo tradicional de análise sintática
há uma incoerência entre o sujeito e o uso desse constituinte
numa situação efetiva de comunicação. Por exemplo a própria
definição do sujeito e predicado como termos essenciais da oração
quando não se aplica esse caso na oração sem sujeito. Problemas
dessa natureza levaram-nos a desenvolver uma pesquisa,
considerando o desempenho dos alunos advindo do ensino
fundamental e médio no que diz respeito ao sujeito e sua
classificação.
Assim, partindo do pressuposto de que há falhas nos
modelos tradicionais em relação aos conceitos de sujeito e sua
classificação, nas estruturas do português, optamos pela busca
de teorias que pudessem apresentar respostas mais consistentes,
já que a gramática tradicional (GT) não dispõe de bases teóricodescritivas para distinguir, de modo adequado, os múltiplos fatos
da língua, principalmente nas estruturas sintático-semânticas.
Para tanto, fizemos a opção por duas teorias: a gramática
de valência, por apresentar dois pólos de análise (o sintático e o
semântico) e a sintaxe que trata da correspondência entre os
lugares vazios e sua realização por meio de actantes. Para dar
conta das funções semânticas dos membros da frase optamos,
ainda, pela teoria dos casos, também conhecida como Gramática
dos Casos. Para conceccção desse trabalho tomamos como
referência, basicamente, as idéias teóricas de Lucien Tesnière,
Charles Fillmore e Wallace Chafe. Ainda Borba e Vilela.
1. Definição de sujeito na perspectiva do aluno
Neste trabalho, procedemos a análise de 22 definições e
110 exemplos de sujeito fornecidos por 22 alunos do V e VIII
semestres do Curso de Letras da Universidade Regional do Cariri
– URCA, realizados em sala de aula. Do corpus analisado,
objetivamos verificar e demonstrar as incoerências existentes no
ensino relativo à conceituação de sujeito nas aulas de Língua
Portuguesa.
Vejamos, então, algumas das definições e exemplos
fornecidos pelos informantes:
(01) Sujeito é um dos termos essenciais da oração,
termos este que sofrem a ação do verbo. (Informantes do V
Semestre)
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Exemplos:
(01)Quebraram o vidro do carro. (Sujeito
indeterminado)
(02) Precisa-se de ajuda. (Sujeito indeterminado)
(03)Choveu bastante ontem à noite. (Oração sem sujeito).
(04)Maria ama a natureza. (Sujeito simples)
(05)Fala-se bem de você (Sujeito indeterminado).
Estabelecendo uma relação entre o conceito e exemplos
fornecidos pelos alunos, observamos que não há um sujeito que
sofra a ação. Em (01), (02) e (05), além dos exemplos fornecidos,
alguns alunos ainda apresentaram o tipo de sujeito
(indeterminado) que não está em consonância com o conceito
dado.
No exemplo (03) vem a questão da oração sem sujeito
que torna totalmente ausente o famoso termo.
(02) Sujeito – ser que pratica alguma ação. Sujeito
que pratica a ação. (Informantes do VIII semestre)
Exemplos:
(06)Precisa-se de funcionários na empresa (Sujeito
indeterminado)
(07)Faz dez dias que não chove. (Oração sem sujeito)
(08)Ninguém viu o ladrão. (Sujeito simples)
(09)Choveu. (Oração sem sujeito)
(10)Trovejou bastante. (Oração sem sujeito)
Os exemplos apresentados aqui não correspondem ao
conceito dado. Observamos ainda que os alunos estão muito
mais preocupados em classificar o tipo de sujeito do que em
entender o significado de praticar uma ação.
Outro fato interessante é que nesse bloco escolhido,
para análise, encontramos um grande número de orações sem
sujeito, o que nos encaminha para a idéia de que não há nenhuma
reflexão e nenhuma relação entre conceitos e exemplos.
(03) Sujeito – aquele que sofre ou pratica a ação
verbal. (Informantes do VII Semestre)
Exemplos:
(11)O garoto precipitou-se cedo. (Sujeito Simples)
(12)Carlos há de voltar. (Sujeito Simples)
(13)Hoje sabemos que Marcela vive infeliz.(Sujeito Simples)
(14)Choveu muito ontem. (Oração sem Sujeito)
(15)Estava presente no julgamento do assassino. (Sujeito
Oculto)
Esse tipo de conceito genérico (sofrer e praticar a ação)
é bastante difundido nos livros didáticos de língua portuguesa
servindo para cobrir todo e qualquer tipo de sujeito. No entanto
nos exemplos dadoshá uma mistura entre o sofrer e o praticar a
ação verbal.
Pesquisas em Lingüística e Literatura: Descrição, Aplicação, Ensino - ISBN: 85-906478-0-3
(04) Sujeito é o ser do qual se fala, sobre o qual se
diz alguma coisa. (Informantes do VIII Semestre)
Exemplos:
(16)João comprou uma bicicleta. (Sujeito Simples)
(17)João e Maria estudam muito. (Sujeito Composto)
(18)Luiza trabalha no Banco. (Sujeito Simples)
Nesse conceito, o que nos chama mais atenção, é o uso
do vocábulo ser que provoca confusão entre entidade de mundo
real e entidade do mundo lingüístico. As pessoas aqui é que
desempenham as funções de sujeito e não as palavras do nível
lingüístico.
A forte tendência de o sujeito apresentar o traço [+
animado] está relacionada com a progressiva abstração das formas
da língua. Para refletir o mundo concreto do aluno, alguns livros
didáticos apresentam exemplos de sujeito relacionados a seres
orientados que realizam determinadas ações.
Análise descritiva dos dados: uma abordagem lingüística
Confirmada nossa hipótese de que o aluno de Letras
realmente tem sérias dificuldades para definir o sujeito nas
estruturas da língua portuguesa, o passo seguinte foi trabalhar
em sala de aula alguns conceitos da GC e da TV com o objetivo
de mostrar a importância do componente semântico e da
centralidade do verbo na descrição gramatical.
Interessa-nos, neste capítulo, investigar o grau de
aprendizagem dos alunos no que se refere à categoria ‘sujeito’,
especificamente aqueles sujeitos que possuem o caso agente/
causativo.
Para a realização deste trabalho, organizamos um corpus
com frases pesquisadas por 30 alunos do Curso de Letras da
URCA, assim distribuídos: 20 alunos do V Semestre e 10 do
VIII Semestre.
A partir dos conceitos de sujeito agente/causativo,
pedimos aos alunos que fizessem um levantamento de frases
extraídas de textos de propaganda, de jornais, de revistas e de
outdoors, devendo essas frases apresentar características desses
tipos de sujeito e ter, como centro, verbos com propriedades
identificadoras desses constituintes.
Tomamos como base para nossa análise, os conceitos de
Borba (1991: xx) quando ele diz ser o sujeito agente “aquele que
por si mesmo desencadeia uma atividade (física ou não) sendo
origem dela e seu controlador” e de sujeito causativo “aquele
que provoca um efeito ou então é responsável pela realização
do estado de coisas indicados pelo verbo”. Obedecemos os
seguintes critérios.
Sujeito agente – traços /+ controlador/, /+ volição/ e /
±humano/;
Sujeito causativo – traços /- controlador/, /- volição/ e /±
humano/.
De posse desses conceitos básicos, vejamos, agora, as
amostras coletadas pelos alunos:
Os exemplos de 1 a 4 apresentam estruturas com sujeito
agente.
(1) No Natal, as pessoas costumam se abraçar muito.
(2) Senhores passageiros, dentro de alguns minutos
estaremos pousando no aeroporto Charles de Gualle.
(Air France)
(3) Bradesco Seguros –a gente cuida bem de tudo que
você quer bem.
(Propaganda televisiva)
(4) A prefeitura municipal está organizando um mutirão
para a manutenção de casas populares.
(Mundo Jovem, 1996)
Analisando estas frases de propaganda, podemos
observar que os sujeitos das estruturas coletadas contêm traços
que os identificam como agente. Os exemplos (1) e (2), obedecem
aos critérios /+ humano/, /+ volição/ e /+ controlador/, sendo o
sujeito agente o fazedor de algo, que tem o poder e força própria.
Encontra-se numa oração cujo verbo é de ação. No exemplo (3),
apesar de o vocábulo ‘a gente’, na posição de sujeito, apresenta
uma marca de oralidade muito comum em propagandas,
demonstra a presença das mesmas características constantes em
(1) e (2). Já no exemplo (4), há uma pequena diferença que é a
presença do traço /- humano/ em oposição ao traço /+ humano/
das estruturas anteriores. No entanto, essa característica não o
exclui da categoria de sujeito agente, uma vez que o SN ‘a
prefeitura’ apresenta um traço de ‘humanização’, pois está
implícito a figura do prefeito ou daqueles que fazem a prefeitura.
Com relação à noção de causatividade, mostramos aos
alunos que existem duas condições básicas para que se estabeleça
uma relação causativa: a) que a fase causada realmente aconteça
e b) que a ocorrência da segunda fase seja decorrente da primeira.
Vejamos, agora, algumas amostras de frases coletadas
pelos alunos:
(5) “Uma bomba nuclear derrete tudo ao seu redor e
depois espalha a morte por radiação...”
(Super Interessante, nov. 2000)
(6) “A atrofia de uma parte do cérebro provoca um
estranho distúrbio.”
(Super Interessante, junho 2000)
(7) “A chuva da noite passada inundou a cidade.”
(Jornal Diário do Nordeste, agosto de 2000)
(8) “O fogo queimava as roupas que restaram...”
(Super Interessante, nov. 1999)
(9) “A água transbordada molhou tudo em volta.”
(Veja, 1999)
(10) “Conflitos abalam o turismo em Israel.”
(Jornal do Comércio, Recife, outubro de 2000)
Nos exemplos de (01) a (6), os informantes apontam os
constituintes sujeitos como causativo pelas características que
as estruturas apresentam: ser causador do processo e pela
ocorrência da fase causada.
Não houve muita dificuldade para se identificar a
presença dos traços/- humano/, /- volição/ e /- controlador/.
Após essas apreciações, apresentamos um quadro
demonstrativo dos resultados da análise feita nas 150 estruturas
pesquisadas:
Sujeito
Agente
Causativo
Outros
Estruturas
46
41
63
%
30,50%
27,50%
43,00%
Apesar de termos conseguido algum sucesso no resultado
obtido pelos informantes, podemos verificar, no quadro
demonstrativo, que as dificuldades para diferenciar o sujeito
agente do sujeito causativo ainda persistem. (43% dos exemplos
selecionados não se encaixaram no perfil da definição trabalhada
em sala de aula).
Acreditamos que a noção de agentividade e causatividade
será melhor assimilada quando associada a outros tipos de relações
casuais, tais como: o instrumental, o experienciador, o
beneficiário, etc. Mas este é um assunto para que pretendemos
desenvolver em pesquisas posteriores.
Considerações finais
Ao final deste trabalho, já superadas as etapas necessárias
a uma investigação cientifica, exige-se, nesse momento, como
tarefa final, encerrar o trabalho, mesmo consciente de que este
encerrar significa, também, um abrir-se para críticas e sugestões
para outras buscas ou, talvez, para outros problemas e quiçá
para os mesmos problemas abordados neste estudo. E é com
essas perspectivas que fazemos as seguintes considerações finais.
O ensino da língua portuguesa fundamentado somente
na Gramática Tradicional foi motivo da realização deste trabalho.
É notório o descaso da parte dos alunos pelo estudo de sua
própria língua, ao ponto de terem aversão às aulas de português.
A inconsistência teórica ainda é uma realidade no trato que a
gramática oferece a inúmeras questões. É evidente, também, o
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preconceito com a modalidade oral da língua, apesar de um número
representativo de estudos atualmente desenvolvidos pela
lingüística nessa área. Contudo a prática de ensino do português,
mais especificamente dos estudos gramaticais precisam ser
aprimorados.
Trabalhar com dados da língua escrita e da língua oral é
muito importante e, melhor ainda, enriquecedor, pois não só
possibilita a comparação constante entre essas duas formas de
língua, como também oferece a vantagem de se contar com dados
atuais e de uso efetivo da língua. Daí, o motivo de nossa pesquisa
ter sido com textos escritos pelos alunos e textos de propaganda
coletados por eles. Acreditamos, pois, que o ensino de língua
pode e deve fazer uso dos dois códigos (oral e escrito) para,
assim, mostrar que os conteúdos gramaticais também se aplicam
à língua oral.
Nessa perspectiva, é que devemos pensar num estudo
mais amplo da estrutura e do funcionamento da língua. E ver que
a língua não se resume a sua forma, já que essa forma está
relacionada a um significado e a serviço de um uso que se faz
dela. Quando, por exemplo, o professor afirma que o sujeito é
aquele que promove a concordância verbal é imprescindível que
se tenha bem claro que essa é uma definição parcial do sujeito
que, apenas, cobre um nível de análise: o sintático. No entanto,
quando ele define o sujeito como aquele que pratica a ação
expressa pelo verbo, evidencia-se um valor semântico e não
mais só a forma.
Assim, é que se considerarmos os traços semânticos
implicados na significação verbal e extensiva ao sujeito, como as
do objetivo, instrumental, origem, agente, causativos, etc.,
configurariam novas concepções de sujeito e até de outros
aspectos. Dessa forma, seria consolidada de vez a presença da
semântica junto à sintaxe na análise descritiva das estruturas do
português, com vistas a formas mais aperfeiçoadas de fatos da
língua baseadas na integração de teorias distintas como a GC e
TV.
Fazer uso dessas teorias em busca de uma acepção mais
ampla do fenômeno lingüístico, significa, também, um
embasamento em diferentes domínios no estudo da linguagem,
trabalhando com variáveis da psicologia cognitiva, da
psicolingüística, da sociolingüística, da semântica e da sintaxe.
Enfim, o ideal seria uma gramática pluriforme, contendo elementos
de ordem formal, sintática, semântica e discursiva que possa
fornecer todos os requisitos essenciais à compreensão inequívoca
dos fatos da linguagem em sua totalidade. Um dia, quem sabe,
chegaremos lá!
Neste trabalho, abordamos só dois tipos de sujeito
(agente/causativo). No entanto, essa amostra serviu-nos para
acreditar que se faz necessária a articulação entre os diversos
níveis de análise com o objetivo de compreender, de fato, o que
é o sujeito, enfatizando a importância de se estabelecer-lhe uma
nova concepção, mostrando assim as implicações que um traço
semântico traz para a descrição das estruturas do português.
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