ocheiro da espécie - Revista Pesquisa Fapesp

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• CIÊNCIA
BOTÂNICA
o cheiro
da espécie
Única forma de diferenciar
orquídeas minúsculas
de regiões montanhosas
é o inseto polinizador, específico
para cada odor das flores
46 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP
OrqUídeaS com que trabalha o biólogo Eduardo Borba pouco têm a ver com as
grandes e perfumadas flores comuns no Brasil e
universalmente admiradas: as flores das
espécies que estudou raramente ultrapassam 2 centímetros de comprimento
e cheiram a queijo estragado, peixe podre e até mesmo a fezes de cachorro.
Mas foi com elas, no doutoramento
pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), que, orientado por João Semir, Borba descobriu algo importante
para a classificação de plantas, em especial as de regiões montanhosas: espécies
distintas mas morfologicamente
idênticas só foram diferenciadas pelo inseto polinizador, atraído justamente pelo
cheiro das flores - e há insetos específicos para cada cheiro.
Borba anunciou
em março de
2000, na revista Lindleyana, a constatação de que os polinizadores se guiam
pelos odores, não pela forma das plantas. O achado também lhe serviu para
A
terra, alagados (plantas paludícoIas), rochas (rupícolas) e troncos de
árvores (epífitas). O campo rupestre é um ecossistema que fica acima
de 800 metros, típico da cadeia do
Espinhaço. Caracteriza-se por vegetações subarbustiva e herbácea em
solos arenoso-pedregosos ou arbustiva e herbácea em afloramentos roofBotany.
"Isso é mesmo orquídea?" É a
chosos. Devido à descontinuidade
das formações montarrhosas, muitas
pergunta que Borba mais ouve quanespécies rupestres se distribuem em
do mostra seu objeto de estudo. No
populações isoladas. Acredita-se que
entanto, com tímidas flores amareisso explique a acentuada diversidade
las e púrpuras, e folhas compridas e
vegetal e o elevado grau de endemiscilíndricas, as orquídeas polinizadas
mo desse hábitat. Dado que o ambipor moscas correspondem a cerca
ente onde vivem, sobre as rochas,
de 15% do total de 20 mil espécies
não retém umidade, as Pleurothallis
catalogadas e a quase todas as mil
conseguiram adaptar-se acumulando
espécies de um gênero sempre deireservas de água nos espessos caules
xado de lado pelos pesquisadores, o
Pleurothallis.
e folhas.
A elevada diferenciação genética
"O desinteresse se deve ao tipo
das populações rupestres - em conde polinização, que muitos consideram primitivo, ou ao puro pretraponto à sua menor diferenciação
Pleurothallis teres: adaptada à escassez de água
morfológica - foi encontrada princiconceito, uma vez que essas plantas
palmente nas serras do Grão-Mogol e
lidades de campo rupestre que ele pernão têm odor ou aparência agradáveis", comenta Borba, contratado em
do Cabral, regiões de grande endemiscorreu: "Como a morfologia dessas
mo no norte de Minas, além de outras
plantas é muito similar, quando o mamaio do ano passado pela Universidaserras da cadeia do Espinhaço. Essas
terial é analisado vivo, in situ, é mais fáde Estadual de Feira de Santana (Uefs),
constatações já prenunciavam a descono Estado da Bahia. De fato, os odores
cil perceber as pequenas diferenças
berta de espécies.
entre as espécies, ao contrário do maincomuns exalados pelas Pleurothallis
terial seco disponível nos herbários"
A Pleurothallis fabiobarrosii foi enatraem insetos de famílias distintas:
contrada primeiro na Grão-Mogol,
moscas da família Phoridae, por exemjuntamente com populações de P. ochDiversidade - A família das orquidáceas
plo, só polinizam flores com cheiro de
reata. A princípio, pela semelhança das
é uma das mais numerosas do grupo
queijo estragado, enquanto as da famíflores, parecia tratar-se de um híbrido
das angiospermas, as plantas com flolia Chloropidae apreciam espécies com
de P. ochreata com P. johannensis. A
res e sementes: foram catalogados cercheiro de peixe podre.
análise genética dissipou a dúvida e deca de 850 gêneros e 35 mil espécies. No
finiu a nova espécie. Já a subespécie P.
Brasil estão 10% dessas espécies, em
Sentado e imóvel - A pesquisa concentrou-se em cinco espécies de Pleuochreata subsp. cylindrifolia - encongrande parte endêmicas - nativas e exclusivas daqui. O tamanho varia desde
rothallis miiófilas (polinizadas
por
trada também em Grão- Mogol - foi
moscas) encontradas em campos ruidentifica da por meio de pequenas dias minúsculas Pleurothallis até varieferenças nas folhas, já que as flores são
dades com flores de 30 centímetros.
pestres (de pedras) de Minas Gerais,
idênticas. A nova subespécie tem foDesenvolvem-se em hábitats distintos:
Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.
Borba fez um plano ambicioso - estulhas mais finas e mais cilíndricas que a
P. ochreata comum, que só ocorre no
dar reprodução, biologia floral, variaPROJETO
Nordeste, e também se diferencia na
bilidades genética, química e morfolóEstudos Biossistemáticos
composição química de alcalóides.
gica e constância dos polinizadores - e
em Espécies de Orchidaceae
Borba somou ao trabalho de campassou em campo o equivalente a 660
Miiófilas Brasileiras
po três anos de análises de laboratório,
horas de conforto escasso: ficava o dia
inteiro sentado, praticamente imóvel,
em colaboração com pesquisadores da
MOOALIDADE
a observar o ir e vir das moscas nas
Unicamp e do Royal Botanic Gardens
Auxílio a projeto de pesquisa
inglês. Os resultados vieram inusitadaorquideazinhas.
COORDENADOR
"Os insetos são inofensivos e permente: à medida que ganhavam o ponJOÃO SEMIR - Instituto
to final, os capítulos da tese eram pumitem a observação a olho nu, a apede Biologia da Unicamp
blicados em periódicos internacionais,
nas 1 metro de distância", conta. A obcomo American [ournal of Botany, Anservação no próprio hábitat lhe deu
INVESTIMENTO
nals of Botany, Lindleyana e BiochemiR$ 18.832,80 e US$ 12.000
uma amostragem razoável da variação
cal, Systematics and Ecology.
•
dentro das 24 populações das 16 locadescobrir uma espécie de orquídea,
a Pleurothallis fabiobarrosii - nome
em homenagem
ao pesquisador
Fábio de Barros - e uma subespécie, Pleurothallis ochreata subsp.
cylindrifolia. Mais tarde, em julho
de 2001, seu estudo sobre processos
de polinização foi a capa do Annals
o
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 47
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