UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA DOUTORADO EM MÚSICA DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO INTERPRETATIVO DO FLAUTISTA LÍDER DO REGIONAL DA RÁDIO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO LARENA FRANCO DE ARAÚJO RIO DE JANEIRO, 2014 DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO INTERPRETATIVO DO FLAUTISTA LÍDER DO REGIONAL DA RÁDIO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO por LARENA FRANCO DE ARAÚJO Tese submetida ao Programa de Pós- Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor, sob a orientação do Professor Dr. Sérgio Barrenechea. Rio de Janeiro, 2014 A663 Araújo, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): trajetória e estilo interpretativo do flautista líder do regional da rádio nacional do Rio de Janeiro / Larena Franco de Araújo, 2014. 234 f. ; 30 cm + DVD Orientador: Sérgio Barrenechea. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. 1. Santoro, Dante, 1904-1969. 2. Flauta. 3. Choro (Música). 4. Compositores. 5. Música - Análise, apreciação. I. Barrenechea, Sérgio. II. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Centro de Letras e Artes. Curso de Doutorado em Música. III. Título. CDD – 788.3 AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Sérgio Barrenechea, pela generosa orientação de muitos anos; Ao Prof. Dr. Pedro de Moura Aragão, que acompanhou este trabalho desde o seu começo, agregando valiosas contribuições; Aos Profs. Drs. Martha Ulhôa, Pauxy Gentil-Nunes, Raul Costa D´Avila, Luiz Otávio Braga e Carole Gubernikoff, pela participação nas bancas examinadoras e contribuições à pesquisa; A Homero Santoro, por dar-me acesso a seu acervo particular e incentivar esta pesquisa; Aos entrevistados Jorge José da Silva, o Jorginho do Pandeiro; Carlos Silva e Souza, o Caçula; Leonardo Miranda; Milton D´Avila; Odette Ernest Dias e Plauto Cruz; A Arthur de Faria, pelo intercâmbio de informações; a Luís Carlos Vasconcelos Furtado, Altamiro Carrilho (em memória), Laura Rónai, Luiz Costa Lima Neto e Erick Soares; A Maria Luiza Nery de Carvalho e equipe do Setor de Manuscritos da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ, pelo trabalho de catalogação dos manuscritos de Dante Santoro; A Luiz Antônio de Almeida e equipe do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro; A Meridiana Pereira Goulart e equipe do Arquivo Histórico do Instituto de Artes da UFRGS; Às equipes do Instituto Moreira Salles, Museu da Comunicação Hipólito José da Costa de Porto Alegre, Seção de Música da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e Arquivo Histórico Nacional; Aos músicos Bartholomeu Wiese, Danilo Jatobá, Kátia Baloussier, Leandro Montovani, Lucas Porto e Paulo Dantas, pelas parcerias musicais, ao longo do curso; A Lucia Leiria, pela revisão do texto e pelo apoio em Porto Alegre; A meus amigos e familiares, especialmente a meus pais, Reny Franco de Araújo e Wilson Ignácio de Araújo (em memória); À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de estudos concedida durante o penúltimo semestre do curso. RESUMO ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): trajetória e estilo interpretativo do flautista líder do Regional da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. 2014. Tese (Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Esta tese propõe um estudo sobre a trajetória e o estilo interpretativo do flautista Dante Santoro (1904-1969), líder do Regional da Rádio Nacional do Rio de Janeiro entre 1938 e 1969, personagem pouco recordado nos dias de hoje, apesar de sua notória participação no meio musical da época. O objetivo da pesquisa é revisar a biografia do flautista, listar a sua produção como intérprete/compositor e analisar algumas de suas obras, a fim de descobrir suas referências, contribuições e estimar sua relação com a obra de seus contemporâneos. O trabalho se inicia com um estudo sobre a circularidade cultural no contexto do choro, a improvisação e a bossa no choro e a inserção do gênero no mercado radiofônico e discográfico, a partir das discussões levantadas por Aragão (2012), Braga (2002), Cortes (2012), Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes (2000), Sandroni (2001), Valente (2009) e Wisnik (2004). A biografia de Dante Santoro foi reconstituída a partir do texto de Faria (2011), complementado por dados colhidos em artigos de jornais e revistas publicados entre 1928 e 1969; nos trabalhos de Simões (2008), Souza (2010) e Vedana (2000) e em depoimentos do sobrinho do flautista e de músicos que testemunharam sua atuação. A listagem de sua produção, estimada em cerca de 100 obras, fez-se a partir da consulta a oito acervos, contendo partituras editadas, manuscritos, gravações comerciais e gravações de programas da Rádio Nacional, material organizado segundo orientação de Cotta (2000). A análise da obra, que se baseou na audição, transcrição e consulta a partituras/manuscritos, partiu de um levantamento sobre a morfologia do choro baseado em Sève (1999), com a posterior análise de gravações digitalizadas, originalmente lançadas em discos 78 rpm, pelas gravadoras Victor, Odeon e Sinter, além de gravações de programas da Rádio Nacional. O estudo revelou, como importantes referências na obra de Dante Santoro, o repertório de concerto em estilo romântico para flauta e a obra de Pattápio Silva (1880-1907), referências permeadas pelo contato com o meio radiofônico-discográfico e a obra de seus contemporâneos, especialmente Pixinguinha (1897-1973) e Benedito Lacerda (1903-1958). Dentre as contribuições, destacam-se inovações relacionadas a recursos expressivos e efeitos sonoros idiomáticos da flauta, que tornam sua produção uma obra autoral de destaque no contexto do choro. Palavras-chave: Interpretação da flauta. O choro na indústria radiofônica e discográfica. Compositores flautistas. Dante Santoro. ABSTRACT ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): the biography and the performance style of the principal flutist for the choro ensemble at the National Radio Station in Rio de Janeiro. 2014. Thesis (Doctorate in Music) – Graduate Program in Music, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. This thesis proposes a study over the biography and the performance style of the brazilian flautist Dante Santoro (1904-1969), head of the ensemble “Conjunto Regional de Dante Santoro”, at National Radio Station in Rio de Janeiro from 1938 to 1969. He is nowadays a slightly remembered musician, despite of his remarkable role in brazilian musical scene those days. This research aims to review his biography, list his works as a performer/composer and analyze some of his music, in order to find out its references, contributions and relations to the work of his contemporaries. The thesis starts with a study over the dialogue “classical and popular” in choro music, broadening a discussion about improvisation and “bossa”, as well as choro´s insertion in radio broadcasting and recording industry in the 1930s. The works of Aragão (2012), Braga (2002), Cortes (2012), Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes (2000), Sandroni (2001), Valente (2009) and Wisnik (2004) are the basis for this discussion. Santoro´s biography was built over Faria (2011), complemented by data recovered at press articles published between 1928 and 1969, at the works of Simões (2008), Souza (2010) and Vedana (2000), and by interviews with the flautist´s nephew and musicians who heard his playing. After the search into eight different archives, his work was listed on around one hundred pieces, including edited scores, manuscripts, released recordings and radio broadcasting studio recordings. The collected material was organized according to the advices of Cotta (2000). The analysis session starts with a survey over choro´s morphology, based on Sève (1999), reaching then the study of a set of digitalized recordings, originally released by Victor, Odeon and Sinter in 78rpm discs, as well as some of National Radio´s broadcasting recordings. Analysis was based on listening, transcription and score consult. It demonstrated, as important references to Santoro´s music, the flute works in romantic style (XIX century) and the work of the brazilian flautist Pattápio Silva (1880-1907), pervaded by the contact with radio broadcasting and recording media, as well as the works of his contemporaries, especially Pixinguinha (1897-1973) and Benedito Lacerda (1903-1958). Among his most significant contributions are the innovations to choro repertoire, related to expressive features and idiomatic unusual sound effects, creating an outstanding work in the context of choro music. Keywords: Flute performance. Brazilian choro in radio broadcasting and recording industry. Flutist composers. Dante Santoro. RESUME ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): la biographie et le style d´intereprétation du flûtist chef du groupe de choro de la Radio Nacional de Rio de Janeiro. 2014. Thèse (Doctorat en Musique) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Cette thèse propose une étude sur le travail du flûtiste Dante Santoro (1904-1969), chef du groupe de choro de la Radio Nacional de Rio de Janeiro entre 1938 et 1969. En dépit de son implication notoire dans la musique de son temps, Santoro est un caractère peu reconnu actuellement. L'objectif de la recherche est de reconstruire la biographie du musicien, sa production comme interprète/compositeur et d'analyser certaines de ses œuvres, afin de découvrir ses références, ses contributions et d'estimer sa relation avec les travaux de ses contemporains. Le travail commence par une étude sur le dialogue «classique et populaire» dans le musique du choro, qui jette un régard sur l'improvisation et la «bossa» dans le contexte du choro et s’occupe encore de l'inclusion de ce genre dans la radio et l'industrie du disque, à partir des discussions proposées par Aragão (2012), Braga (2002), Cortes (2012), Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes (2000), Sandroni (2001), Valente (2009) et Wisnik (2004). La biographie de Dante Santoro a été reconstituée à partir du texte de Faria (2011), complété par des données recueillies d'articles de journaux et périodiques publiés entre 1928 et 1969, et par les travaux de Simões (2008), Souza (2010) et Vedana (2000) et aussi auprès le témoignage d’un neveu du flûtiste et des musiciens qui ont vu sa performance. La liste de sa production, estimée à environ cent œuvres, composée de la requête de huit collections, contenant les partitions éditées, des manuscrits, des enregistrements et des enregistrements commerciaux des programmes de la Rádio Nacional, matériel organisé selon l’enseignement de Cotta (2000). L'analyse de l'œuvre, qui a été basée sur la transcription de l'audience et de la requête de partitions musicales/manuscrits, a emergé d'une enquête sur la morphologie du choro presentée par Sève (1999), avec une analyse ultérieure des enregistrements numérisés, mis en place à l'origine sur des disques 78 tours, par les maisons de disques Victor, Odeon et Sinter, plus les enregistrements de programmes de la Rádio Nacional. L'étude a révélé, comme références importantes dans les œuvres de Dante Santoro, le répertoire de concert dans un style romantique pour la flûte et l’oeuvre de Pattápio Silva (1880-1907), les références imprégnées par le contact avec le milieu radio-discographique et le travail de sés contemporains, en particulier Pixinguinha (1897-1973) et Benedito Lacerda (1903-1958). Parmi les contributions se démarquent des inovations des ressources expressifs et lês effets sonores idiomatiques de la flûte, qui font de son œuvre un travail mis en évidence dans le contexte du choro. Motsclés: Interpretation de la flûte. Le choro dans la radio et l'industrie du disque. Compositeurs flûtistes. Dante Santoro. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Dante Santoro, c. 1920-1930, Porto Alegre...........................................................63 Figura 2: Sócios fundadores do Centro Musical Porto-Alegrense, c. 1920, Porto Alegre..... 63 Figura 3: Artigo sobre concerto de D. Santoro em Caxias do Sul ......................................... 66 Figura 4: Crítica sobre concerto de D. Santoro em Caxias do Sul......................................... 67 Figura 5. Depoimento de Dante Santoro para o jornal Diário da Noite.................................. 68 Figura 6. Foto de Dante Santoro, Octávio Dutra e músico não identificado.......................... 75 Figura 7. Primeiro registro de Dante Santoro no Rádio carioca............................................. 79 Figura 8. Detalhe do artigo sobre os Bohemios Brasileiros publicado no jornal A Noite...... 80 Figura 9. Anúncio. Programa Dante Santoro, Rádio Club. Jornal A Batalha.......................... 81 Figura 10. Artigo publicado no suplemento A Noite Ilustrada............................................... 82 Figura 11. O Desastre de Cruzeiro. Matéria de capa do Diário Carioca.................................. 83 Figura 12: Artigo “A flauta de Dante Santoro”, jornal A Noite...............................................84 Figura 13: Charge publicada no jornal A Noite...................................................................... 87 Figura 14. Artigo sobre Programa Papel Carbono, Revista do Rádio..................................... 89 Figura 15: Artigo sobre Programa A Felicidade bate a sua Porta jornal A Manhã ................ 91 Figura 16. Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional (c. 1936), com Dante Santoro................. 93 Figura 17. Primeiros anos de Dante Santoro na Rádio Nacional............................................. 93 Figura 18: O Regional da Rádio Nacional em 1937................................................................ 94 Figura 19. Estreia de Dante Santoro na liderança do Regional da Rádio Nacional, Gazeta de Notícias.................................................................................................................................... 94 Figura 20. O Regional de Dante Santoro em atividade na Rádio Nacional............................. 96 Figura 21. Dante Santoro e Joca do Pandeiro, interpretando o Desafio para flauta e pandeiro. Suplemento A Noite Ilustrada.................................................................................................. 97 Figura 22. Regional de Dante Santoro. Década de 1940......................................................... 98 Figura 23. Regional de Dante Santoro com o violonista Garoto............................................. 98 Figura 24. Dante Santoro na Orquestra da Nacional. Década de 1940.................................... 99 Figura 25. Contratação do Regional de Dante Santoro pela gravadora Sinter, Correio da Manhã .................................................................................................................................... 106 Figura 26. Show em homenagem a Benedito Lacerda. Correio da Manhã.......................... 107 Figura 27: Teatro de revista - Música Maestro (1940) e Ouro de Lei (1943),...................... 108 Figura 28. Último registro sobre a atuação de Dante Santoro: show Noite do Choro. Diário de notícias.................................................................................................................................. 110 Figura 29. Reportagem sobre os Flautistas do Rádio. Revista do Rádio.............................. 113 Figura 30. Dante Santoro e sua flauta, c. 1950...................................................................... 118 Figura 31. Artigo relata episódio violento envolvendo a morte de Dante Santoro, Correio da Manhã.................................................................................................................................... 122 Figura 32. Carta do irmão de Dante, Godofredo Santoro, desmente o vínculo ente a morte do flautista e o episódio violento............................................................................................... 123 Figura 33. Anúncio da missa de sétimo dia em homenagem a Dante Santoro. Correio da Manhã.................................................................................................................................... 124 Figura 34. Manuscrito do choro Chega de Amor. S.d............................................................ 135 Figura 35. Silencioso. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, 1949.................................. 136 Figura 36. Manuscrito do choro Esquecimento, para flauta e piano. Caxambu, 1923.......... 137 Figura 37. Horas Tristes, valsa. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, s.d....................... 144 Figura 38. Manuscrito do Chorinho Gostoso, parte da flauta................................................ 146 Figura 39. Alguns discos 78 rpm de Dante Santoro, lançados em diferentes gravadoras.............................................................................................................................. 154 Figura 40. Chave elevada para o dó natural. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante Santoro.................................................................................................................................. 199 Figura 41. Rolotês para as chaves de dó-dó#-ré. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante Santoro....................................................................................................................... 199 Figura 42. Chave especial da flauta de Dante Santoro. Sua função pode estar relacionada à afinação de determinadas notas. ......................................................................................... 200 Figura 43. Flauta de Madeira n° 1909, fabricada por August Richard Hammig............... 201 Figura 44. Flauta de prata n° 2740, fabricada por August Richard Hammig..................... 201 Figura 45. Bocal da flauta n° 2740, fabricada por August Richard Hammig..................... 202 Figura 46. Porta-lábio da flauta Hammig que pertenceu a Dante Santoro. .......................... 204 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Levantamento das atividades da Sala Beethoven (Porto Alegre) em 1931............ 64 Quadro 2: Partituras editadas compostas por Dante Santoro................................................. 131 Quadro 3: Manuscritos encontrados na Biblioteca Alberto Nepomuceno............................. 138 Quadro 4: Discografia (gravadora, nº de série, ano de lançamento e acervo)....................... 147 Quadro 5: Discografia (repertório, compositores e intérpretes)............................................ 149 Quadro 6: Gravações da Rádio Nacional com a participação de Dante Santoro................... 155 LISTA DE ANEXOS - DVD Pasta 1: Análise - Gravações citadas no Capítulo 4 Pasta 2: Artigos da Imprensa Pasta 3: Documentos da Rádio Nacional Pasta 4: Entrevistas Pasta 5: Gravações comerciais Pasta 6: Gravações da Rádio Nacional Pasta 7: Manuscritos Pasta 8: Partituras editadas Vídeo: Recital de Defesa de Doutorado – Requisito Práticas Interpretativas LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS Exemplo musical 1: Variações rítmicas na execução de fraseados do choro....................... 160 Exemplo musical 2: Variações na acentuação rítmica, que caracterizam distintos gêneros.................................................................................................................................. 160 Exemplo musical 3: Variações de articulação sugeridas para o repertório de choros......... 161 Exemplo musical 4: Sílabas utilizadas para a articulação nos instrumentos de sopro no contexto do choro................................................................................................................... 161 Exemplo musical 5: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do trecho virtuosístico, conforme primeira execução, gravação de 1938.............................................. 164 Exemplo musical 6: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do mesmo trecho, conforme segunda execução, gravação de 1938.................................................................... 164 Exemplo musical 7: Urubatã, choro de Pixinguinha e Benedito Lacerda, parte A............... 165 Exemplo musical 8: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Bordões do violão de sete cordas conduzem a harmonia de um compasso ao outro. ................................................................ 165 Exemplo musical 9. Noites cariocas, de Jacob do Bandolim (1957).................................... 166 Exemplo musical 10: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos em tercinas formam melodia acompanhada............................................................................................................ 166 Exemplo musical 11: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Escalas descendentes de extensão de uma oitava e meia intercalam trechos de melodia acompanhada...................................... 166 Exemplo musical 12: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos ornamentados formam melodia acompanhada............................................................................................................ 166 Exemplo musical 13. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne........................... 167 Exemplo musical 14. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne........................... 167 Exemplo musical 15. Uso de melodia acompanha na obra Concertstücke, de Wilhelm Popp....................................................................................................................................... 167 Exemplo musical 16: Sonho, op. 6, de Pattápio Silva. Melodia acompanhada muito similar à de W. Popp............................................................................................................................. 168 Exemplo musical 17: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Primeira parte. Melodia acompanhada.......................................................................................................................... 168 Exemplo musical 18: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Terceira parte. Melodia acompanhada.......................................................................................................................... 168 Exemplo musical 19. Gargalhada (1953), schottisch de Pixinguinha, parte C..................... 169 Exemplo musical 20: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Efeito sonoro – oscilação de altura/polifonia, segundo a gravação de 1938........................................................................ 169 Exemplo musical 21: Harmonia selvagem (choro). Células básicas das levadas do cavaquinho............................................................................................................................. 170 Exemplo musical 22: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Bordões do violão de sete cordas anunciam o maxixe................................................................................................................ 170 Exemplo musical 23. Flauta selvagem (choro). Parte A. Contracantos entre clarone (linha inferior) e violão (linha superior)........................................................................................... 171 Exemplo musical 24. Flauta selvagem (choro). Parte C. Crescendos e decrescendos potencializam o efeito polifônico dos trêmulos..................................................................... 172 Exemplo musical 25. Minuano triste, choro. Efeito sonoro criado a partir de glissandos contínuos promove a imitação do vento................................................................................ 173 Exemplo musical 26. A. Terschak. Fioritta, para flauta e piano. Introdução........................ 174 Exemplo musical 27. Gilka, valsa de concerto. Introdução. Elementos da música de concerto: cadência virtuosística inicial, para flauta solo....................................................................... 175 Exemplo musical 28. Serenata oriental, op. 70, de Ernesto Köhler. Introdução.................. 175 Exemplo musical 29. Gilka, valsa de concerto. Parte A. Manipulações de tempo na melodia da flauta.................................................................................................................................. 176 Exemplo musical 30. Gilka, valsa de concerto. Parte B. Ornamentação em oitavas e indicações expressivas............................................................................................................176 Exemplo musical 31. É logo ali, polca. Células do acompanhamento.................................. 177 Exemplo musical 32. É logo ali. Parte A. Melodia principal do acordeom e contracantos da flauta....................................................................................................................................... 178 Exemplo musical 33: Maria Rosa, valsa. Parte A. Motivo com intervalos ascendentes e descendentes, similar à mazurca Margarida, de Pattápio Silva............................................ 179 Exemplo musical 34: Margarita (mazurca), de Pattápio Silva. Motivo com intervalos ascendentes e descendentes.................................................................................................... 179 Exemplo musical 35. Maria Rosa, valsa. Cromatismo na parte A. Arpejos do cavaquinho e conduções do baixo................................................................................................................ 179 Exemplo musical 36. Maria Rosa, valsa. Hemiolas na célula rítmica do acompanhamento e nas linhas melódicas da flauta e do violão de sete cordas..................................................... 180 Exemplo musical 37. Maria Rosa, valsa. Linha melódica da flauta e esquema rítmico do acompanhamento.................................................................................................................. 180 Exemplo musical 38. Murmúrios d´alma, valsa. Introdução. Melodia polifônica da flauta...................................................................................................................................... 181 Exemplo musical 39. Murmúrios d´alma, valsa. Contracanto da flauta na parte B.............. 182 Exemplo musical 40. Murmúrios, choro. Melodia da flauta como choro (pauta superior) e valsa (pauta inferior). ............................................................................................................ 184 Exemplo musical 41. Dança da moda. Parte A. Contracantos da flauta............................... 185 Exemplo musical 42. Dança da moda. Refrão. Contracantos da flauta................................ 185 Exemplo musical 43. Abana baiana, Introdução (linha inferior) e variação final (linha superior)................................................................................................................................. 187 Exemplo musical 44. Abana baiana, Parte A. Contracantos da flauta.................................. 187 Exemplo musical 45. Isso não se atura, samba. Introdução e Parte A. Contracanto de Benedito Lacerda................................................................................................................... 189 Exemplo musical 46. O Urubu e o gavião, início. Versão de Pixinguinha........................... 192 Exemplo musical 47. Variações sobre o urubu e o gavião, início. Versão de Benedito Lacerda, com Pixinguinha ao sax tenor................................................................................. 192 Exemplo musical 48. Urubu malandro, tema. Versão de Dante Santoro, com Vivi na clarineta.................................................................................................................................. 194 Exemplo musical 49. Não tenho queixa. Parte A. Contracanto da flauta.............................. 195 Exemplo musical 50. Não tenho queixa. Introdução. Saltos em oitava e frulato.................. 195 Exemplo musical 51. Desafio para flauta e pandeiro. Demonstração de virtuosidade utiliza recursos inspirados na obra O urubu e o gavião, gravada por Pixinguinha em 1930............ 196 Exemplo musical 52. Fantaisie Variée Carnaval de Venise op. 14, de Paul-Agricole Génin...................................................................................................................................... 196 Exemplo musical 53. Terceira parte do choro Só na minha flauta, de Dante Santoro.......... 203 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 CAPÍTULO 1 – A OBRA DE DANTE SANTORO E SEU CONTEXTO..............................19 1.1 Taxonomias e diálogos: a música popular urbana no Brasil...................................... 20 1.2 O choro: interação entre o “popular” e o “erudito”................................................... 26 1.3 O choro: improviso e “bossa”.................................................................................... 36 1.4 O choro entre 1930 e 1960: inserção no mercado radiofônico e discográfico .................................................................................................................................... 46 CAPÍTULO 2 – A TRAJETÓRIA DE DANTE SANTORO NO CHORO............................ 54 2.1 Os primeiros anos de Dante Santoro em Porto Alegre (1904-c.1933)....................... 55 2.2 A cena musical de Porto Alegre no início do século XX e a participação de Dante Santoro....................................................................................................................... 58 2.3 Octávio Dutra na cena musical porto-alegrense: a parceria com Dante Santoro........ 69 2.4 Dante Santoro no Rio de Janeiro (c.1933-1969): o meio radiofônico........................ 78 2.4.1 A Rádio Nacional........................................................................................... 85 2.4.2 O Regional de Dante Santoro no contexto do Rádio..................................... 92 2.5 O flautista e seu legado............................................................................................. 111 2.6 Memórias.................................................................................................................. 120 2.7 Reconstrução biográfica e interpretação .................................................................. 125 CAPÍTULO 3 – GUIA PARA A OBRA DE DANTE SANTORO...................................... 129 3.1 Partituras editadas e Manuscritos.............................................................................. 131 3.2 Discografia................................................................................................................ 147 3.3 Gravações da Rádio Nacional................................................................................... 154 CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DA OBRA DE DANTE SANTORO........................................ 158 4.1 O choro, a flauta e o idiomatismo na obra de Dante Santoro................................... 158 4.2 As gravações de Dante Santoro................................................................................ 163 4.2.1 Composições próprias.................................................................................. 163 Harmonia Selvagem (Victor, 1938)............................................................. 164 Flauta Selvagem (Odeon, 1950)................................................................... 171 Gilka (Victor, 1935)..................................................................................... 173 É logo ali (Victor, s.d.)................................................................................. 176 Maria Rosa (Odeon, 1946)........................................................................... 178 Murmúrios d´Alma (Victor, 1937) e Murmúrios (Sinter, 1955).................. 181 4.2.2 Gravações de programas da Rádio Nacional................................................ 184 A Dança da Moda (Acervo MIS, c.1950).................................................... 185 Abana Baiana (Acervo MIS, c.1941)........................................................... 186 Não tenho queixa (Acervo MIS, c.1939)..................................................... 194 Desafio para flauta e pandeiro (Acervo MIS, 1939).................................... 195 4.3 A flauta de Dante Santoro......................................................................................... 197 4.4 Resultados da análise................................................................................................ 205 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 210 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 217 12 INTRODUÇÃO O mercado fonográfico e radiofônico, gradualmente desenvolvido no Brasil nas três primeiras décadas do século XX, alcança grande êxito ao longo das décadas de 1930, 1940 e 1950. A principal aposta desse setor de entretenimento no campo musical foi a música popular urbana: gêneros brasileiros (o choro, o samba, a canção, a valsa, o baião) e estrangeiros (o bolero, o tango, o foxtrot, o jazz) eram interpretados por cantores do rádio e grupos de variadas formações instrumentais, como os “conjuntos regionais”, as orquestras e as jazz-bands. As emissoras de rádio foram grandes promotores de música instrumental e vocal na primeira metade do século XX e representaram um mercado de trabalho estável para os músicos. Estes eram contratados para atuar como músicos de orquestra, como maestros arranjadores, ou ainda como participantes de um grupo mais reduzido, o chamado “conjunto regional”. Tradicionalmente, o regional das rádios era formado por dois violões, cavaquinho, flauta e pandeiro, sendo a flauta o instrumento solista e o flautista, o líder do grupo. Outros instrumentos também podiam ocupar a posição de solistas, por exemplo, o bandolim e a clarineta. Os regionais eram o grupo musical de atuação mais eclética: preenchiam a programação, acompanhavam cantores, calouros e ainda se apresentavam em solo, tocando um variado repertório de choros, sambas, valsas e canções. Esses conjuntos foram muito populares especialmente nas décadas de 1930 e 1940, época em que seus músicos alcançaram projeção, graças à popularidade das transmissões radiofônicas. O sucesso desses grupos naturalmente alcançava a indústria fonográfica, que promovia o contínuo lançamento de discos desses artistas, estendendo-se ainda para o mercado editorial, por meio da publicação de partituras com os grandes sucessos radiofônicos. Entre os flautistas, destacaram-se nas rádios do Rio de Janeiro especialmente nas décadas de 1930 e 1940, Benedito Lacerda (19031958) e Dante Santoro (1904-1969) e, posteriormente, Altamiro Carrilho (1924-2012), na década de 1950. Dante Santoro (1904-1969) liderou o Regional de Dante Santoro na Rádio Nacional de 1936 a 1969, atuando também na orquestra da emissora. O “canário rio-grandense”, como 13 era conhecido em sua terra natal, Porto Alegre, migrou para o Rio de Janeiro no início da década de 1930, adquirindo nova alcunha entre seus pares: o “bico de ouro”. Como intérprete, é reconhecido por seu estilo pessoal, marcado por uma sonoridade potente e uma técnica refinada; entretanto, atualmente é um personagem pouco recordado no cenário musical ou acadêmico, apesar de sua expressiva obra. Benedito Lacerda (1903-1958) foi o líder do Regional de Benedito Lacerda na Rádio Tupi, considerado por muitos o melhor grupo da época, por seu pioneirismo, criatividade e pela qualidade dos arranjos e dos músicos. Ao lado de Pixinguinha1 (sax tenor), Canhoto2 (cavaquinho), Dino3 e Meira4 (violões), Lacerda participou da incorporação do samba ao repertório do conjunto regional nos anos 40. A ousadia dos improvisos e a criatividade dos músicos fizeram do grupo uma referência e do duo Pixinguinha-Benedito Lacerda, a maior dupla de solistas da história do choro. Altamiro Carrilho (1924-2012) foi um dos últimos flautistas lançados pelo rádio, já na década de 1950, atuando no famoso Regional do Canhoto, na Rádio Mayrink Veiga, no lugar antes ocupado por Benedito Lacerda. Natural de Santo Antônio de Pádua, estado do Rio de Janeiro, Altamiro iniciou sua carreira como calouro em programas de rádio na década de 1940, ocasião em que teve contato com Benedito Lacerda e Dante Santoro, influências que Carrilho sempre destacava. Reconhecido por seu estilo habilidoso, fez escola na interpretação do choro, tornando-se uma referência para os flautistas da geração atual. Entre esses flautistas, a figura obscurecida de Dante Santoro causa interesse. Apesar de ter ocupado posição de destaque no rádio e no mercado fonográfico nas décadas de 1930, 1940 e 1950, sua obra não perdurou como a de seus contemporâneos. A obra de Pixinguinha, por exemplo, consagrou-se de forma definitiva desde os lançamentos fonográficos e editoriais 1 Como se sabe, Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha (1897-1973), foi exímio flautista. Porém, no contexto do rádio, atuou basicamente como saxofonista e arranjador, pois já havia deixado de tocar flauta, razão pela qual não é mencionado entre os flautistas do rádio. Entretanto, sua importância para a prática interpretativa da flauta no choro é fundamental e será abordada neste trabalho. 2 Waldiro Frederico Tramontano (1908-1987), o Canhoto, tocava cavaquinho no Regional de Benedito Lacerda e assumiu a liderança do grupo no início da década de 1950, com a saída do flautista. O grupo, que passou a se chamar Regional do Canhoto, atuou na Rádio Mayrink Veiga até o início da década de 1960 e foi reconhecido como o melhor regional da era do rádio. 3 Horondino José da Silva (1918-2006), o Dino Sete Cordas, foi violonista convidado a integrar o regional de Benedito Lacerda em 1937 e, posteriormente, o Regional do Canhoto, na década de 1950. Desenvolveu e dinamizou o uso do violão de sete cordas no choro, por meio dos “bordões” nas linhas do baixo. Atuou, ainda, no Conjunto Época de Ouro, na década de 1960, e em diversas produções da indústria fonográfica, até a década de 1990. 4 Jaime Tomás Florence (1909-1982), o Meira, violonista e compositor pernambucano, chegou ao Rio de Janeiro em 1928, acompanhando o bandolinista Luperce Miranda. No Regional de Benedito Lacerda, iniciou, a partir de 1937, a dupla com Dino Sete Cordas, que perdurou por mais de vinte anos no Regional do Canhoto, tornando-se conhecida como a melhor dupla de violões do rádio carioca. 14 comemorativos de seu centenário na década de 1990, especialmente as gravações originais digitalizadas, lançadas em 2002. Benedito Lacerda, que já havia assegurado seu lugar de destaque com as conhecidas gravações da dupla Pixinguinha-Lacerda da década de 1940, teve novas facetas de sua obra descobertas na atualidade pela trilogia de CDs lançada em 2006.5 A obra de Dante Santoro, por sua vez, permanece pouco conhecida até mesmo entre os insiders do choro. Suas músicas não são muito tocadas no repertório corrente das rodas de choro, embora sejam muito apreciadas uma vez conhecidas, o que se dá geralmente por meio de gravações, pois são raras as partituras editadas e os fonogramas de sua autoria disponíveis no mercado. Sua produção é estimada em cerca de cem obras (entre choros, valsas, sambas, polcas, boleros etc.), gravadas por ele mesmo como flautista, acompanhado de seu conjunto, em 57 discos (56 em formato 78 rpm e 01 LP), pelos selos Victor, Continental, Odeon, Sinter e Star, nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Destacados intérpretes da época também gravaram suas composições, entre eles K-Ximbinho, a Orquestra Victor Brasileira, Dircinha e Linda Batista, Albertinho Fortuna, Nuno Roland, Gilberto Alves, Francisco Alves, Orlando Silva e Manoel Reis. Segundo Marcondes (2000), seus maiores sucessos de público - as valsas Lágrimas de Rosa (1937), Olhos magos (1943) e Vidas mal traçadas (sucesso de radionovela da época) foram gravados na voz de estrelas do rádio, como Orlando Silva e Francisco Alves. Apesar desse aparente esquecimento, parte de sua obra de fato desperta o interesse dos flautistas atuais, o que se observa pelo número de regravações de alguns de seus choros. De acordo com o acervo da pesquisadora Maria Luiza Kfouri, publicado no site “Discos do Brasil: uma discografia brasileira”, o choro Harmonia selvagem (1938) foi gravado posteriormente por Altamiro Carrilho em LP e CD (p. 1999 e 2008, respectivamente) e por Dirceu Leite (1994), assim como as obras Teu feitiço, por Marta Ozzetti (1996); Jockey de elefante, por Carlos Poyares (1997); É logo ali, por Flávia Tnardowski (2000)6. Em LP, foram encontrados, ainda, relançamentos de gravações do próprio Dante Santoro do choro Posso Sofrer e da valsa Vidas mal traçadas, na coletânea No tempo dos bons tempos, vol. 9 (1972); Quando a minha flauta chora, no disco Nova História da Música 5 HIME, Joana (Prod.). Memórias musicais-Pixinguinha. CDS 4, 9 e 14. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, p. 2002. 9 CDs. FLORES, Paulo (Coord.) Benê, o flautista – Trilogia musical da obra do polêmico (e genial) Benedito Lacerda. São Paulo: Maritaca Produções Artísticas, p. 2006. 3 CDs. 6 As gravações de Altamiro Carrilho e Dirceu Leite são as mais conhecidas entre os músicos de choro. Poucos tiveram a oportunidade de ouvir as gravações do próprio Dante Santoro. Foram feitas referências aos lançamentos discográficos, porém diversas interpretações de obras de Dante Santoro estão disponíveis, na internet, pelo serviço youtube. Entre os intérpretes, Sérgio Morais, Choro das Três, Antônio Rocha, Alessandro Penezzi, além de gravações digitalizadas do próprio Dante Santoro. 15 Popular Brasileira – Abel Ferreira e o choro (1977) e a série de gravações contidas no Tributo a Dante Santoro, interpretadas por Altamiro Carrilho, contendo as seguintes músicas: Vidas mal traçadas, Harmonia Selvagem, Quando a minha flauta chora, Inferno de Dante, Gilka e Jóquei de elefante (1977). Em formato digital, foi lançado, em 1998, um CD triplo intitulado A flauta mágica de Dante Santoro, pelo Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre (Fumproarte). O lançamento - iniciativa do sobrinho Homero Santoro, produtor do álbum - contém as gravações originais de Dante Santoro e seu conjunto, além de interpretações de cantores do rádio e uma gravação inédita do Chorinho gostoso, para flauta, violino, violoncelo e contrabaixo (segundo o manuscrito atribuído ao compositor). Trata-se de uma iniciativa similar à trilogia de Benedito Lacerda, porém lançada no Rio Grande do Sul e pouco divulgada em outras regiões do Brasil. O que faz de Dante Santoro uma figura de certa forma obscurecida no cenário musical nos dias de hoje? Quem foi esse artista? Que relações teve com seus contemporâneos? E o que sua obra agrega ao repertório da música popular urbana brasileira? São essas questões que motivam o presente trabalho e, para promover a discussão, serão utilizados dados biográficos do quantitativo da obra e de análise musical, contextualizados a partir de referencial teórico sobre a música popular urbana e, mais especificamente, o choro. Do ponto de vista biográfico, a trajetória de Dante Santoro é surpreendente. Vindo de Porto Alegre em fins da década de 1920, em um tempo em que o mercado fonográfico e radiofônico começava a estabilizar-se, conquistou espaço entre os chorões cariocas e alcançou o posto de líder do regional da emissora de maior audiência nas décadas de 1930 e 1940, a Rádio Nacional. Além desse feito, almejado por muitos chorões alheios ao meio carioca, lançou-se no mercado fonográfico e editorial do Rio de Janeiro como intérprete e compositor, gravando e publicando suas próprias músicas. Esse fato, longe de ser lugar comum entre os chorões da época, demonstra seu destaque como solista e o apreço de seus contemporâneos por sua obra. A condição de migrante no ambiente do choro carioca é mais do que um dado biográfico. Dante Santoro tocava diferente dos flautistas de choro cariocas, pois tinha outras referências musicais. Alguns aspectos interpretativos chamam a atenção em sua maneira de tocar: por exemplo, a sonoridade incisiva, de timbre escuro, com especial potência no registro grave. Também no que se refere aos improvisos, há diferenças no modo de elaborar as melodias dos contracantos, o que gerou, inclusive, certa controvérsia com a crítica radiofônica 16 da época. Busca-se contextualizar essas críticas e investigar que características interpretativas se destacam em sua maneira de interpretar o choro e de elaborar os contracantos. Como compositor, sua obra apresenta aspectos interessantes. Observa-se o uso de efeitos sonoros (por exemplo, oscilação de altura por meio de trilos de terça no choro Harmonia selvagem e glissandos contínuos no choro Minuano triste); passagens virtuosísticas ao modo de cadências de concerto ou introduções cadenciais (como no choro Harmonia selvagem e na maior parte de suas valsas); escrita polifônica e melodia acompanhada na parte da flauta (também identificadas no choro Harmonia selvagem). A análise da obra de Dante Santoro remete, inevitavelmente, a uma reflexão sobre as categorias erudito e popular na música brasileira. Partindo da necessidade de relativizar esses conceitos, far-se-á um breve estudo sobre a circularidade cultural no âmbito do choro, identificando esse fenômeno nas origens do gênero, em suas formas de aprendizagem, suas exigências interpretativas e sua transmissão. O Capítulo 1 apresentará, ainda, reflexões sobre outros conceitos que permeiam a obra de Dante Santoro: a música popular urbana e sua inserção nos mercados radiofônico e fonográfico; a improvisação e sua relação com a linguagem do choro. Essa discussão destina-se a compreender o contexto da obra de Dante Santoro. As origens e a formação musical de Dante Santoro – aspectos que serão abordados no Capítulo 2 - dizem muito sobre sua música. Filho de imigrantes italianos, cresceu em uma família que apreciava música, familiarizado com a tradição musical europeia. Gostava de música erudita, especialmente aquela do período romântico, e tocava obras do repertório de concerto para flauta. Começou sua carreira tocando em orquestra e, paralelamente, inseriu-se no “universo do choro”, aparentemente, por meio da amizade e parceria com Octávio Dutra (1884-1937). Octávio Dutra foi um conhecido chorão de Porto Alegre, figura muito importante no meio musical porto-alegrense no início do século XX. Com ele, Dante Santoro se profissionalizou, aprendendo a ser um músico eclético, capaz de atuar em diferentes meios: em serenatas de rua, nos saraus familiares, no carnaval, nas orquestras de baile, nas orquestras sinfônicas, no teatro de revista, no Rádio e nos discos. Dante Santoro vivenciou, na parceria com Dutra, o processo de profissionalização do músico popular e sua inserção no mercado fonográfico e radiofônico. Esse fato marca sua produção de forma decisiva, pois toda a sua obra se insere e se destina a esse mercado. 17 Busca-se narrar a trajetória de Dante Santoro a partir dos fatos conhecidos, conforme artigo de Arthur de Faria (2011), lançando mão da contextualização histórica para enriquecer essa narrativa. Suas referências musicais e as atividades nas quais se desenvolveu como músico serão objeto de estudo, além dos depoimentos de músicos que testemunharam sua atuação. Uma parcela da biografia também contemplará traços pessoais, esboçados na entrevista do sobrinho Homero Santoro, cujas lembranças ajudaram a compor uma perspectiva humana do artista. Tendo em vista a precária divulgação da obra de Dante Santoro, é necessário buscar fontes por meio das quais sua produção possa ser conhecida. No Capítulo 3, procura-se listar a sua obra, quantificando suas gravações, partituras editadas e manuscritos, com indicação dos acervos que poderão ser consultados pelos interessados. Várias gravações de Dante Santoro e seu conjunto estão disponíveis para audição na página eletrônica do Instituto Moreira Salles o canal mais acessível para o público. Outras tantas podem ser consultadas nos acervos do Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro; na Divisão de Música da Biblioteca Nacional e no Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, em Porto Alegre. O Arquivo Nacional também dispõe de alguns discos que, entretanto, estão inacessíveis, em fase de tratamento. Foram coletadas, ainda, por esta pesquisadora, gravações de programas de auditório e de estúdio da Rádio Nacional, encontradas no Acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Essas gravações, sem distribuição comercial, mostram a atuação de Dante Santoro como improvisador e permitem um olhar sobre a natureza de sua atuação musical na Rádio Nacional, constituindo um importante registro histórico. Todas as gravações analisadas neste trabalho serão anexadas à tese e estarão disponíveis para consulta dos interessados. A listagem da obra envolveu a coleta de dados em oito acervos, no período entre janeiro de 2011 e outubro de 2012. Buscou-se abarcar o maior número possível de gravações, para que os dados ora apresentados sejam objetivos e próximos à totalidade de sua obra. A busca incluiu, além das gravações lançadas comercialmente pelas gravadoras Victor, Odeon, Continental, Sinter e Star, as partituras editadas e os manuscritos encontrados no acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ. Para organizar o material coletado, buscou-se orientação no trabalho de André Henrique Guerra Cotta (2000), visando atender aos princípios básicos de tratamento da informação. O Capítulo 4 é dedicado à análise de algumas gravações de Dante Santoro. Ao comentar aspectos de sua interpretação, pretende-se definir que características sobressaem em sua maneira de tocar e de improvisar, o seu possível diferencial em relação a outros flautistas 18 da época. Para tanto, a análise será enriquecida por meio do estudo comparado com exemplos musicais retirados da obra de flautistas que lhe foram contemporâneos, especialmente Pixinguinha e Benedito Lacerda. As conclusões da pesquisa encontram-se nas Considerações finais, seguidas das referências bibliográficas que embasaram este trabalho. No DVD anexo, podem ser consultadas as gravações utilizadas para a análise do Capítulo 4, bem como as partituras, gravações, artigos da imprensa, documentos e entrevistas que ilustram esta tese. 19 CAPÍTULO 1 A OBRA DE DANTE SANTORO E SEU CONTEXTO A obra de Dante Santoro pertence ao campo da música popular urbana criada, produzida e divulgada, entre as décadas de 1930 e 1950, através do principal meio de comunicação de massa do Brasil: o Rádio. Inserida no mercado radiofônico, discográfico e de entretenimento, sua música participa, portanto, de um circuito comercial e profissional. É composta dentro do repertório de gêneros musicais divulgados pelo rádio (choros, valsas, canções, danças típicas, boleros, sambas, marchas, maxixes, etc.), com instrumentação de flauta, cavaquinho, dois violões e pandeiro, ou seja, a formação típica do grupo regional. A linguagem musical de Dante Santoro, portanto, é referenciada pelo Rádio em termos de gêneros e instrumentação, o que levanta, neste capítulo, um necessário estudo sobre o choro e sua inserção no mercado radiofônico e discográfico. Fundamental, ainda, para a música de Dante Santoro é a interação de elementos eruditos e populares, que caracteriza fortemente suas composições e interpretações. Serão abordadas, neste capítulo, as classificações música erudita, música popular e música folclórica, categorias questionáveis especialmente no contexto da música popular urbana brasileira, que se caracteriza pela constante interação dessas práticas musicais. Verificar-se-á que a obra de Dante Santoro, fortemente caracterizada por essa interação, encontra correspondência na produção de outros compositores de choro. Igualmente importante é a questão da improvisação. A prática da improvisação no contexto do choro, usualmente relacionada à elaboração de contracantos e conduções melódico-harmônicas do baixo, passou por transformações ao longo do século XX, sendo cada vez mais valorizada a partir da década de 1950. Certos clichês dominam os discursos dos chorões sobre esse tema, como a suposta oposição entre o “chorão de estante” (aquele que tem boa leitura musical) e o “chorão autêntico” (aquele que é bom improvisador). Propõe-se estudar, neste capítulo, o papel da improvisação no choro, especialmente na prática do conjunto regional do Rádio. Assim, como ocorre a improvisação no choro, o que vem a ser bossa e de que modo esses dois elementos se complementam são os pontos a serem aprofundados nesta parte do trabalho. 20 1.1. Taxonomias e diálogos: a música popular urbana no Brasil Cada cultura tem a sua maneira de classificar a música, uma taxonomia que pode ter inúmeros grupos. De acordo com o etnomusicólogo Bruno Nettl (1983), no mundo ocidental, costuma-se utilizar as classificações música folclórica, música popular e música erudita. O termo música erudita (também chamada música de concerto) refere-se à música associada a compositores específicos, identificada com a tradição europeia e o período de sua criação (música barroca, clássica, romântica, contemporânea, etc.). Já as categorias música folclórica e música popular por vezes se confundem. Costuma-se relacionar o termo música folclórica com a música autóctone, muitas vezes de origem rural, e de autoria anônima. A música popular, por sua vez, seria aquela representativa das classes populares, geralmente de origem urbana, de autoria identificada. Essas categorias têm sido questionadas pela musicologia desde a segunda metade do século XX, já que se permeiam mutuamente na dinâmica das relações sociais. Ocorre um fenômeno de interpenetração e ressignificação entre formas de expressão populares e de elite. De forma mais ampla, pode-se dizer que no contexto social, existe uma pluralidade de vozes, de diferentes gerações, classes, gêneros e locais, dialogando dinamicamente. O historiador Carlo Ginzburg (1976), ao estudar os fundamentos da cultura popular na Idade Média em O Queijo e os Vermes, criou uma categoria de análise aplicável a determinados processos de reapropriação e trocas entre diferentes classes sociais, a que denominou circularidade cultural: “entre a cultura das classes dominantes e a das classes subalternas existiu, na Europa pré-industrial, um relacionamento circular feito de influências recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo” (GINZBURG, 1976, p. 10) O autor observa que a questão da dualidade entre a cultura das classes subalternas e das classes dominantes surge de uma concepção aristocrática de cultura, vigente até meados do século XX, de que as “ideias, crenças, visões de mundo das classes subalternas” nada mais seriam que um “acúmulo inorgânico de fragmentos de ideias, crenças e visões de mundo elaboradas pelas classes dominantes”, deformadas ou deterioradas no processo de transmissão às classes subalternas (GINZBURG, op. cit, p. 12). Entretanto, o estudo mais recente desses textos revela que, se por um lado havia dicotomia entre as culturas das classes dominantes e subalternas na Idade Média, por outro haveria também intertextualidade, ou seja, influxo recíproco entre tais classes. 21 Baseados nesses preceitos, estudiosos questionam a existência de categorias como cultura popular e cultura erudita, afirmando que o que existe de fato é a dinâmica interativa entre as duas, um constante processo de elaboração e recriação (Veloso apud Braga, 2002, p. 399). Haveria, portanto, um processo contínuo de circularidade cultural. Na música brasileira, as classificações erudito, folclórico e popular começam a ser discutidas, por músicos e intelectuais, por volta de 1920. Os intelectuais vinculados ao movimento nacionalista modernista propunham o fortalecimento da “música erudita brasileira”, a partir do aproveitamento dos elementos “folclóricos”. Luiz Otávio Braga (2002) comenta a postura dos intelectuais modernistas: Avidamente determinados a discutir e determinar pela via de um projeto ideológico, a música “artística” (erudita) brasileira, são obrigados a elaborar um ideário do que consideram nacional e/ou popular e suas possibilidades de oferecer o material fundamental a partir do qual seria erigida, enfim, a grande música do Brasil, de modo a ombrear-se com a grande tradição musical europeia. (BRAGA, 2002, p. 141-142). O popular, para os modernistas, era o folclórico, entendido como manifestação autóctone de origem rural. A música popular urbana era considerada manifestação de reduzido valor cultural para a intelectualidade da época, como afirma Vinci de Moraes (2000), citando um dos principais representantes da corrente nacionalista, Mário de Andrade: Apesar de Mário de Andrade considerar que os estudos de certas manifestações da música urbana, como o choro e a modinha, não deviam ser desprezados, ao mesmo tempo ele afirmava que o investigador deveria “discernir no folclore urbano o que é virtualmente urbano, o que é tradicionalmente nacional, o que essencialmente autóctone”. Nitidamente ele procurava diferenciar a “boa” música, ou seja, aquela que tem “história, elevada e disciplinada, tonificada pelo bom uso do folclore (...) e as manifestações indisciplinadas, inclassificáveis, insubmissas à ordem e à história, que se revelam ser as canções urbanas. Arnaldo Contier também identifica essa mesma postura ao afirmar que “ os modernistas brasileiros temiam os ruídos e os sons oriundos da cidade que sobe (São Paulo, por exemplo). (MORAES, 2000, p. 207). Com a crescente divulgação da música popular urbana pelas rádios a partir da década de 1930, o discurso modernista entra em um diálogo com vozes defensoras dessa música popular cada vez mais vinculada aos gêneros populares urbanos surgidos desde fins do século XIX7. José Miguel Wisnik (2004) narra o conflito nacionalista da seguinte forma: 7 Para uma discussão aprofundada dos embates surgidos no início da década de 1930 em relação à invenção do nacional a partir de elementos eruditos/populares, conferir Braga, 2002, p. 142-147. 22 Sintomática e sistematicamente, o discurso nacionalista do Modernismo musical bateu nessa tecla: re/negar a cultura popular emergente, a dos negros da cidade, por exemplo, e todo um gestuário que projetava as contradições sociais no espaço urbano, em nome da estilização das fontes da cultura popular rural, idealizada como a detentora pura da fisionomia oculta da nação. (...) O problema é que o nacionalismo musical modernista toma a autenticidade dessas manifestações como base de sua representação em detrimento das movimentações da vida popular urbana porque não pode suportar a incorporação desta última, que desorganizaria a visão centralizada homogênea e paternalista da cultura nacional. (...) O popular pode ser admitido na esfera da arte quando, olhado à distancia pela lente da estetização, passa a caber dentro do estojo museológico das suítes nacionalistas, mas não quando, rebelde à classificação imediata pelo seu próprio movimento ascendente e pela sua vizinhança invasiva, ameaça entrar por todas as brechas da vida cultural, pondo em xeque a própria concepção de arte do intelectual erudito. (WISNIK, 2004, p. 133, grifo do original) Os debates acentuam-se quando surgem as publicações dos primeiros “historiadores” da música popular urbana, na década de 1930: escritores ligados a atividades jornalísticas (como Francisco Guimarães, apelidado Vagalume, e Orestes Barbosa) e músicos populares (como Alexandre Gonçalves Pinto)8, que fizeram um trabalho de “construção de memória e institucionalização dessas práticas musicais” (ARAGÃO, 2012, p. 14). Entretanto, a dissolução das fronteiras entre popular, folclórico e erudito na música brasileira é notória. Os gêneros da música popular urbana brasileira nascem como sínteses de elementos “folclóricos” e/ou “populares”, relacionados aos grupos sociais envolvidos. De acordo com Carlos Sandroni (2001), as danças de “par separado” ou “danças de umbigada” são consideradas no Brasil como pertencentes ao domínio do folclore. Já as danças de “par enlaçado” ou “baile”, por sua vez, são frequentemente reconhecidas como populares. As danças de par enlaçado apareceram no Brasil nos anos de 1840, com a valsa e a polca. Como novidades modernas, foram adotadas entusiasticamente pelas famílias mais ricas das principais cidades do litoral, mas custaram muito a ser aceitas no interior, nas cidades pequenas e pelo povo em geral. (...) Por outro lado, as danças de par separado, designadas ora como batuque, lundu, ou samba, eram caracterizadas pela umbigada - “gesto pelo qual um dançarino designa aquele que irá substituí-lo” (SANDRONI, 2001, p. 64, 65 e 85). As sínteses desses elementos deram origem a gêneros musicais como o maxixe e o samba. O maxixe era uma dança de par enlaçado, moderna, urbana e internacional que chegou à Europa junto com o tango argentino. No Brasil, surgiu nos bailes da Cidade Nova em fins do século XIX, como uma adaptação da maneira de se dançar a polca (dança de par enlaçado), 8 Francisco Guimarães escreveu Na roda de samba e Orestes Barbosa, Samba, ambos lançados em 1933. Alexandre Gonçalves Pinto é autor de O Choro – reminiscências dos chorões antigos, publicado em 1936. 23 que ganhou traços de lundu (dança de par separado). O maxixe, ao longo daquele século, cai no gosto de compositores e instrumentistas e começa a ser publicado pelas primeiras editoras de música, às vezes com o nome de tango brasileiro ou polca-lundu. Há nos folhetins de Franca Junior, que começaram a ser publicados na imprensa em 1876, um excelente testemunho da maneira como a polca foi adotada pelas camadas populares do Rio de Janeiro. Lá se vê que tal adoção tinha a virtude de ser, ao mesmo tempo, uma transformação (...). Tal “Transubstanciação” é um exemplo do que Oswald de Andrade, por sua vez, chamou de “antropofagia” – os cariocas “digeriram” a polca, incorporando o que nela lhes agradava e ao mesmo tempo fazendo dela algo intrinsecamente seu. (p. 68-69). Assim, a polca dançada pelo povo do Rio de Janeiro se transformaria em algo de original (e finalmente numa nova dança, o maxixe) através da incorporação de um movimento típico do lundu. A melhor expressão disso é o surgimento da designação de gênero “polca-lundu” em partituras para piano editadas a partir de 1865 (SANDRONI, 2001, p. 69, grifo do original). O samba, por sua vez, surge primeiramente como dança de par separado, de origem rural, um correlato do batuque – termo usado genericamente até o século XIX como sinônimo de dança de negros. Já no início do século XX, o samba da Cidade Nova ganha características de maxixe, portanto de dança urbana de par enlaçado, passando, então, por novas modificações que o levariam a seus contornos atuais, o chamado samba de Estácio9. Conforme refere Sandroni (2001), há nessa trajetória uma circulação entre o folclórico e o popular. As danças de umbigada são consideradas no Brasil como pertencentes ao domínio do folclore, enquanto o maxixe (urbano, dançado ao som de música impressa, de autor conhecido) se classifica como popular. Ramos e Alvarenga expressam aqui o deslizar quase imperceptível de uma área para outra: o samba que substitui batuque como termo genérico é inequivocamente o samba folclórico: o samba-de-umbigada, como dirá Carneiro para diferenciá-lo. Mas o samba que substitui o maxixe é o samba popular, caracteristicamente urbano e de “par enlaçado”. Finalmente, “samba” substitui também “tango” como denominação de canção popular. (...) Vemos assim que a crescente importância do termo “samba” se faz em duas vertentes concomitantes, folclórica e popular: na primeira substitui batuque, na segunda, maxixe e tango. (SANDRONI, 2001, p. 96-97). O cronista Francisco Guimarães, o Vagalume, em seu livro Na Roda do Samba (1933) também menciona essa circulação do folclórico ao popular em três etapas, ao afirmar que 9 Sandroni (2001) utiliza os termos “Samba da Cidade Nova” e “Samba de Estácio” para relacionar, respectivamente, o samba antigo (aproximado do maxixe) e o samba novo (no padrão sincopado do tamborim, semelhante ao atual). Alguns autores preferem atribuir essas modificações rítmicas à participação de um número crescente de instrumentos de percussão nas gravações de samba a partir do final da década de 30, o que foi possível graças aos avanços tecnológicos nas gravações elétricas (cf. BRAGA, 2002, p. 118). Adotar-se-á, neste trabalho, a terminologia de Sandroni (2001), que bem define a questão da contrametricidade: os ritmos contramétricos correspondem à acentuação em pontos não tônicos da métrica do compasso (síncope), como descrito no próximo tópico deste capítulo, página 42. 24 existiram três sambas: o samba raiado, de som e sotaque sertanejos; o samba corrido, já melhorado e mais harmonioso e “com a pronúncia da gente da capital baiana” e o samba chulado, que é o samba rimado, civilizado, desenvolvido (o samba urbano). Braga (2002) assinala, ademais, o componente “ritual” vinculado ao samba em suas origens. Na visão do autor, no processo de transformação, o samba afasta-se de suas características rituais ao se transformar no samba urbano e entrar no “discurso geral sobre a simbologia nacional”: (...) samba e macumba, pelo menos até a última metade dos [anos] 30, são quase que indistinguíveis com tendência, no entanto, à separação de seus rituais na medida em que se caminha para os anos 40. A promessa se não de ascensão, mas de visibilidade social, impele o compositor popular, de modo geral, na direção de um campo artístico concomitantemente inventado/construído, que coincide com a implementação de uma indústria cultural com características frankfurtianas ainda incipientes (BRAGA, 2002, p. 182). Também o choro, embora ocasionalmente, participa do componente ritual ao acompanhar os festejos religiosos, para os quais servia de música profana de acompanhamento. Essa aproximação também poderia revelar-se na formação instrumental, que tem como base os instrumentos de cordas dedilhadas, tanto nos grupos de folias de reis, como nos grupos regionais (também a percussão e o sopro podem, eventualmente, compor essa aproximação). A atividade dos choros corria num ano demarcado por festas religiosas. Em outras palavras, a agenda do choro era regida pela agenda das festas. (...) A festa do Divino Espírito Santo [por exemplo, era] um espaço onde circulavam algo “democraticamente” os formantes, a estrutura organizacional fulcral da música urbana brasileira em suas dimensões plurais: de ritos, danças, cantos, estruturas rítmicas e melódicas, os aportes estrangeiros. (BRAGA, 2002, p. 211, grifo do original). Aragão (2012), ao comentar a fala de Almirante no programa radiofônico O Pessoal da Velha Guarda, de fins da década de 1940, também assinala o componente de mediação 10 na origem do samba urbano, surgido a partir do encontro entre as práticas musicais da comunidade afro-baiana da Cidade Nova e os primeiros compositores populares urbanos. (...) Por um lado haveria uma “instância original” representada pelas práticas musicais ligadas aos candomblés das casas das tias bahianas; por outro, a mediação 10 De acordo com Santuza Cambraia Naves (1998), a mediação refere-se à ação dos sujeitos que transitam e atuam entre os múltiplos espaços culturais, como os universos “popular” e “erudito”. (NAVES apud Souza, 2010, p. 16). Para Marcos Napolitano (2005), num sentido amplo a música é o lugar das mediações e o músico, o mediador cultural, que participa em diferentes espaços sociais em que a música se faz presente, atuando e interagindo. (NAPOLITANO apud SOUZA, 2010, p. 15). 25 de compositores urbanos que teriam propagado o gênero musical para além das quatro paredes das casas das bahianas, alterando, entretanto, sua forma original. (ARAGÃO, 2012, p. 30). Percebe-se, portanto, que rural, urbano, folclórico, popular, ritual e profano são categorias que se confundem e dialogam continuamente na formação dos gêneros da música popular urbana, o que também se aplica às categorias erudito e popular. Observa-se que os gêneros populares urbanos sofrem adaptações logo que o piano chega ao Brasil, em fins do Império, e as músicas começam a ser editadas para o instrumento. O repertório brasileiro editado para piano no século XIX era basicamente composto por danças de salão (polcas, maxixes e tangos brasileiros). O mercado editorial parece estimular uma adaptação na produção musical em três esferas, como sugere Sandroni (2001): do ponto de vista da instrumentação, passa do violão ao piano; do ponto de vista da autoria, passa do refrão tradicional ou anônimo à música de autor e do ponto de vista da distribuição, passa do registro oral ao registro escrito. O meio mais direto de perceber essa adaptação é a nova instrumentação (piano). Embora existisse vida musical de concerto no Brasil, com a atuação de músicos ligados à Igreja, a apresentação de óperas e a vinda de concertistas estrangeiros ao país, o ambiente musical não discriminava o repertório de salão (baseado na música popular urbana executada ao piano ou em pequenos grupos orquestrais) do repertório de concerto (baseado na música erudita internacional), até mesmo porque os músicos executantes eram os mesmos. Exemplo da junção desses elementos é a música de Joaquim Antônio Callado (18481880) e de Ernesto Nazareth (1863-1934). Nazareth combina os distintos gêneros da música popular urbana com um “pianismo” que é, ao mesmo tempo, refinado e inovador, pois evoca “traços instrumentais do violão, da flauta, do cavaquinho e do oficleide” (Wisnik, 2007). Como assinala Wisnik, no caso particular de Nazareth, elementos recém-vindos das camadas populares se fundem a influências cultas, já que seu “pianismo” tem muita semelhança com o do compositor polaco Frédéric Chopin (1810-1849). Talvez a obra de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), embora parcialmente identificada com o nacionalismo modernista, seja o exemplo pioneiro da fusão do elemento erudito com o popular urbano (e não unicamente o folclórico, como queriam os modernistas), aspecto no qual foi seguido por vários compositores no século XX. Wisnik (2004) faz uma análise interessante desse aspecto ao afirmar o seguinte: 26 Fora da média, as questões do nacionalismo musical em Villa-Lobos são sempre mais complicadas, porque se formou musicalmente no meio dos choros seresteiros e sambistas do Rio de Janeiro no início do século, e a sua música, trabalhada pela sua formação erudita em processo de atualização modernista, nasce tangenciando a mesma fonte sócio-cultural de onde saiu a música popular urbana de mercado. (...) Embora sempre propagasse a superioridade do folclore sobre a música popular, Villa-Lobos deslanchou a sua fulminante trajetória a partir da convivência intima do dado erudito da sua formação com o dado popular urbano, com o que projetou, pela bricolage de diferentes técnicas e fontes, e noves-fora o seu talento genial, um alcance violentamente mais amplo que o do nacionalismo ortodoxo. (WISNIK, 2004, p. 136, grifo do original). Veremos na sequência deste trabalho que a música popular urbana brasileira é um terreno de circularidade cultural e sua trajetória, desde as origens até sua ampla divulgação pela indústria radiofônica e fonográfica, atesta esse constante diálogo. A seguir, o enfoque será a circularidade no choro, gênero que desperta especial interesse nessa discussão. 1.2. O choro: interação entre o “popular” e o “erudito” Como já se assinalou no tópico anterior, na constituição do choro, ocorreram apropriações de elementos da tradição clássico-romântica da música europeia, uma confluência de práticas musicais vindas da Europa com práticas musicais aqui realizadas. A esse respeito Braga (2002) assim se manifesta: A música de Choro é exemplar de históricas apropriações operadas, seja na manipulação emprestada da prática tonal do repertório clássico/romântico, seja no uso que fazem das danças europeias que por aqui abundam a partir do segundo quartel dos oitocentos. (BRAGA, 2002, p. 321) (...) Apropriação que é feita pelas lides populares, de alguns modelos que são impostos a partir do gosto das elites dominantes. Assim se deu no processo de assimilação da tradição clássicoromântica; das músicas de salão das quais a polca foi tão marcadamente adotada numa simbiose inventiva que irá remeter diretamente ao Choro instrumental; tudo inserido numa tradição de “gosto” da classe dominante, caracterizada por entender a modernidade pela apreciação e imitação de tudo o que ocorria na Europa (BRAGA, 2002, p. 325) Wisnik (2004) afirma que, na sua constituição, o choro é um gênero de síntese instrumental, baseado na improvisação inteligente – termo criado por Villa-Lobos em referência à prática de criar contracantos ao momento da execução, comum entre os solistas do gênero. Espaço de convergência da técnica musical da cidade, assentado na classe média (seus músicos: funcionários de repartição, carteiros, oficiais, músicos formados em escola e mais alguns trabalhadores manuais, malandros profissionais e um que outro doutor desgarrado), produzindo um gestuário sonoro original rabiscado de traços eruditos e populares, o choro funcionou para Villa-Lobos (o “Violão Clássico” era seu apelido entre os músicos) como uma espécie de olho mágico através do qual ele enxergou a música brasileira.(WISNIK, 2004, p. 162). 27 Moraes (2000) entende que a complexidade rítmica, os improvisos e sua original formação instrumental tornam o choro uma espécie de “música popular de câmara, tocada em boa parte por instrumentistas habilidosos”. O músico de choro das primeiras décadas do século XX devia ter necessariamente um “profundo conhecimento das sonoridades, capacidade e técnica de seu respectivo instrumento, fosse adquirido como autodidata, fosse pela prática diária ou pelo estudo formal sistemático”. (MORAES, 2000, p. 250). Como se sabe, a palavra choro designou, em princípio, um agrupamento instrumental que surgiu por volta de 1870, com formação clássica de flauta, cavaquinho e violão, e seu repertório inicial eram danças de proveniência europeia, sobretudo a polca, mas também a schottisch, a valsa, entre outras. Sandroni (2001) assinala que a criação do choro acompanhou, do ponto de vista musical, o processo de adoção pelas camadas populares de novas maneiras de dançar, como descrito anteriormente. “Os conjuntos denominados choros estiveram entre os principais artífices das mudanças rítmicas sofridas pela polca. (...) Mais tarde, a palavra choro passará a designar as composições que eram tocadas por esses grupos”. (SANDRONI, 2001, p. 103). Nas palavras de Braga (2002), “o choro, em sua origem, é uma forma de execução, que congrega uma variedade significativa de danças e suas correspondentes musicais, corroborando o parecer de outros estudiosos como Mozart de Araújo, José Maria Neves e J.R. Tinhorão”. (BRAGA, 2002, p. 199) Os instrumentistas de choro tiveram importância destacada no desenvolvimento da música popular urbana. Tocando nas ruas ou em ambientes fechados, os chorões animavam serestas e festas. Por terem boa capacidade técnica, habilidade para improvisar, solar e acompanhar com igual competência, os músicos de choro sempre tiveram atividades musicais variadas, transitando entre diversos espaços e gêneros musicais. Como se verá adiante, esse traço de mobilidade confirmou-se no contexto da indústria fonográfica e do Rádio a partir da década de 1930. É importante compreender também o lugar social ocupado pelo choro no ambiente musical do Rio de Janeiro na virada do século XX e sua função de mediador entre culturas. Segundo Wisnik (2004), uma das fronteiras impostas pelo mapeamento cultural da Primeira República, baseado no “estreito conceito de cidadania moral e estética”, era a repressão ao violão, ao choro e às serestas (sem falar nas batucadas). Os chorões (“em geral doublés de funcionários públicos e boêmios, biscateiros musicais das orquestras de cinema e restaurante, às vezes músicos de banda”) se reuniam, assim, em lugares estratégicos (como a casa da tia 28 Ciata), que funcionavam como espaços de resistência “às marginalizações sofridas pelos grupos populares em suas práticas culturais” (WISNIK, 2004, p. 153-155). Uma conhecida citação de Pixinguinha descreve como se davam esses encontros na casa da tia Ciata: “Em casa de preto, a festa era na base do choro e do samba. Numa festa de pretos havia o baile mais civilizado na sala de visitas, o samba na sala do fundo e a batucada do terreiro” 11 . Percebe-se a existência de invisíveis “biombos culturais”12 entre esses ambientes, estando o choro relacionado ao ambiente socialmente aceito, com dança de par enlaçado e música baseada em gêneros de proveniência europeia, como a polca, a valsa, etc. (SANDRONI, 2001, p. 103). Wisnik (2004) amplia o ambiente de circulação social “sala – fundos – terreiro” para o que chama de “topologia musical urbana”. A sala de visitas se desdobra em sarau (sala em que a música passa de ser motivação de dança para objeto de contemplação amena) e sala de concerto (onde a contemplação auditiva é mais ritualizada e o repertório investido de uma aura museológica mais destacada), conforme o Diagrama 1. (WISNIK, 2004, p. 159) Diagrama 1. Topologia musical urbana. Circulação entre biombos culturais da sala de concerto ao terreiro de candomblé e vice-versa. (Wisnik, 2004, p. 159). O autor explica que o diagrama ilustra a circulação de elementos eruditos e populares, socialmente contextualizados e permeados pelo mercado radiofônico e discográfico, tal e qual ocorria no meio musical carioca da primeira metade do século XX: 11 Pixinguinha, citado por Roberto Moura em “Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro”, p. 83. (apud Sandroni, 2001, p. 103). 12 Biombos culturais podem ser entendidos como “territórios culturais de passagem que permitiam articulações entre diferentes camadas sociais” (ARAGÃO, 2012, p. 26-27) 29 Na linha horizontal perfazem-se passagens do popular ao erudito através de sinapses que marcam as fronteiras culturais do nervosismo social, ao mesmo tempo que deixam vazar alguns sinais que, vindos das duas direções, querem percorrer todo o sistema. (...). A linha oblíqua marca, por sua vez, a ramificação mercadológica de massa que deu inesperada margem de penetração alternativa à música popular, correndo por fora do sistema de difusão da arte. (...) A polaridade social fica marcada nos pontos terminais dessa cadeia, onde a ideologia tem seu ponto de forca: de um lado o ritual religioso popular, de outro, o ritual estético burguês. (WISNIK, 2004, p. 160, grifo do original) Ocorre um processo de interpenetração de culturas (salão e terreiro), o qual foi amplificado nos meios de comunicação de massa a partir da década de 1930, tornando-se uma importante ferramenta de divulgação do ideário nacional projetado pelo populismo. Enquanto o negro avança para o lugar público, onde se faz reconhecível e reconhecido, apropriando-se, mimetizando ou distorcendo a seu modo formas da cultura branca de base europeia, os políticos e intelectuais brancos vão ao candomblé e apadrinham o samba, reconhecendo nele uma fonte de autenticidade “nacional” que os legitima. São muitos os casos curiosos, dessa época, exemplos do entreabrir-se paternalista do futuroso filão populista. (WISNIK, op. cit., p. 153-155) Para Wisnik (2004), o choro e a seresta “ocupam um lugar paralelo e elástico entre o samba, o salão e o sarau, tangenciando a batucada e aspirando eventualmente ao status erudito” (WISNIK, 2004, p. 161). Segundo o autor, o choro seria um “coringa musical”, como comenta Aragão (2012, p. 27), “podendo se configurar como uma música apta a ser tocada tanto nos “grandes salões” quanto na mítica casa de tia Ciata”. Exemplo seria o violonista Sátiro Bilhar, que segundo depoimento de Donga, citado por Wisnik, “estilizava a mesma composição (...) conforme as conveniências do público a quem tocava, em gradações nuançadas entre o erudito e o popular.” (Wisnik, 2004, p. 158) Aragão (2012) assinala que as práticas musicais de choro apresentavam grande mobilidade no princípio do século XX no Rio de Janeiro, conforme dados colhidos no livro de Alexandre Gonçalves Pinto. São citados 28 bairros por abrigar reuniões de choro, espalhados pelas zonas norte, sul, centro e Paquetá. A mobilidade dos chorões em diferentes regiões da cidade era também uma forma de mobilidade social: O livro também nos mostra que os lugares de sociabilidade do choro, as festas “regadas a comida e bebida” podiam se dar tanto em ambientes aristocráticos como as casas do Visconde de Ouro Preto e o Barão da Taquara, em ambientes ligados aos intelectuais da época, como a casa de Mello Moraes Filho e finalmente em ambientes típicos da baixa classe média da época, como as casas das mulatas Durvalina e “Mariquinhas Duas Covas”, figuras muito populares pela hospitalidade e fartura com que recebiam os chorões (ARAGÃO, 2012, p. 142). 30 Para Wisnik (2004), o choro dialoga com o samba e com a música erudita nas duas extremidades da cadeia por ele proposta: ora se aproxima do gênero mais popular que é o samba, ora agrega elementos da música de concerto. A relação entre o choro e o samba é de fato curiosa. O choro é considerado, por muitos intérpretes, um gênero musicalmente mais elaborado. Sandroni (2001) afirma que no início os “bons tocadores de flauta, clarineta, etc.”, ou seja, os solistas de choro, limitavam suas participações à sala de visitas, onde havia o baile animado pelo choro. São raríssimos os testemunhos indicando a presença de instrumentos europeus outros que violão e cavaquinho nas rodas de samba das tias baianas. Conheço uma menção ao clarinete num depoimento de um neto de tia Ciata (entrevistado por Lopes em O Negro no Rio de Janeiro, p. 105) e menções à flauta, que em pelo menos um testemunho, figura como excepcional. (SANDRONI, op. cit., p. 143-144) Braga (2002), ao contrário, afirma que nessas festas o choro confundia-se com o samba, por compartilhar do mesmo instrumental musical, havendo um contínuo intercâmbio de músicos e ouvintes: A casa da tia Ciata tinha os dois [o choro e o samba], separados como gêneros musicais em suas formas características de execução, mas principalmente por disposições receptivas, afinal consagradas na mesma festa: um na sala; instrumental, variado com base no terno [ou seja, o trio flauta, cavaquinho e violão] (...) o outro no quintal, cantado a base de palmas, prato, faca e pandeiro. Não é absurdo imaginar a intensa dinâmica interativa da recepção, os personagens trocando espaços e disposições, a sala pelo quintal e vice-versa. Pixinguinha (1897-1973) é um exemplo de chorão que se aventurava no terreiro para tocar samba. Mas, segundo seu próprio depoimento, ele era muito mais um homem de choro que de samba: “Samba é com o João da Baiana. Eu não era do samba. Eles faziam seus sambas lá no quintal e eu os meus choros na sala de visitas. Às vezes eu ia no terreiro fazer um contracanto com a flauta, mas não entendia nada de samba”13 (SANDRONI, 2001, p. 140). A partir da década de 1920, a aproximação entre o choro e o samba cresceu muito por conta do mercado fonográfico. Sandroni (2001) refere que, na maioria das gravações comerciais de samba, foram os músicos de choro que se responsabilizaram pelo “suporte harmônico e pela ornamentação melódica de flauta, trombone, etc.”. (SANDRONI, 2001, p. 104-105). Não só os músicos vinham do choro, mas também os arranjadores. Como se sabe, os primeiros arranjos do samba na indústria fonográfica foram feitos por Pixinguinha. Braga 13 Pixinguinha citado por Vagalume em Na Roda do Samba, p. 77. (apud Sandroni, 2001, p. 140) 31 (2002) também comenta essa aproximação entre chorões e sambistas, ao citar os livros dos primeiros memorialistas do choro - Alexandre Gonçalves Pinto, Vagalume e Orestes Barbosa - publicados na década de 1930: Alexandre Gonçalves Pinto nos deixa bem clara a relação dos chorões com o carnaval e, portanto,com o samba, ampliando a geografia dos “encontros”. Para além das casas das “tias” baianas, tão bem descritas pelos memorialistas Vagalume e Orestes Barbosa, essa interação se estreitava também: nos Ranchos e suas orquestras constituídas; no acompanhamento dos ensaios de canto e nas lidas das gravações; no acompanhamento dos cantores pelos espaços de trabalho profissional possíveis; circos, cinemas, rádio e teatro de revista e nas festas oficiais. (BRAGA, 2002, p. 208). A atuação do flautista Benedito Lacerda, primeiramente no grupo Gente do Morro e, logo, no Regional de Benedito Lacerda (com Pixinguinha no sax tenor) teve fundamental importância nesse processo de aproximação entre o choro e o samba, especialmente na década de 1930. O regional de Benedito Lacerda inovou as levadas14 comumente utilizadas no contexto do choro, a partir da adoção de esquemas rítmicos e sonoridades percussivas retiradas do samba de Estácio. Para Aragão (2012), Benedito Lacerda foi uma importante figura mediadora no diálogo entre o choro e o samba, o qual produziu modificações em ambos os gêneros: O conjunto regional com maior atuação nas gravações do novo samba desde o final da década de 1920 até praticamente a década de 1970 será o conjunto formado pela trinca Canhoto (Waldomiro Tramontano), Dino (Horondino José da Silva) e Meira (Jayme Florence), a princípio reunidos como “regional de Benedito Lacerda” e depois como “Regional do Canhoto”, a partir da década de 1950. (ARAGÃO, 2012, p. 35). A forma como Wisnik (2004) dispõe a relação entre o choro e o samba resulta interessante quando aplicada na comparação do estilo interpretativo dos flautistas Benedito Lacerda e Dante Santoro. Poder-se-ia dizer que Benedito Lacerda atuou na extremidade popular da cadeia proposta por Wisnik, o samba, enquanto Dante Santoro voltou-se para a extremidade erudita da cadeia, o choro. Essa observação ganha mais interesse quando se considera que Benedito Lacerda formou-se em flauta e composição no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, enquanto Dante Santoro não teve formação oficial de 14 Na terminologia dos músicos populares, a “levada” “é uma célula rítmica, ou rítmico-harmônica, que caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de identificação dos gêneros musicais” (TRAVASSOS, 2005, p. 18). Nesse padrão rítmico baseia-se o acompanhamento dos violões, do cavaquinho e da percussão. No caso do samba de Estácio, trata-se de um padrão rítmico contramétrico, inspirado no padrão executado pelos tamborins. 32 conservatório, como se verá nos próximos capítulos. Esse fato demonstra quão relativas são as classificações erudito e popular e que a dicotomia entre essas categorias não tem sentido15. Alguns intérpretes apresentam a virtude de adaptarem-se a novas linguagens, transformando suas tendências estilísticas ao longo do tempo. A obra do flautista Nicolino Copia, o Copinha (1910-1984), tem essa característica: ao passo que algumas de suas composições têm forte conexão com a linguagem das serenatas e choros, sua atuação como intérprete a partir da década de 1960 é muito marcada pela linguagem da bossa nova. Pode-se dizer que Copinha constrói a ponte entre o universo do choro e o da bossa nova, o que não deixa de ser um reflexo da íntima relação entre a indústria cultural e a estética artística: nesse caso, a maneira de tocar modifica-se segundo as referências estéticas do gênero musical em voga a cada época. O diálogo do choro com a música de concerto é uma tendência já existente entre os músicos de choro desde Joaquim Antônio Callado (1848-1880). Na virada do século XX, artistas tornaram-se mediadores da música popular e a levaram para as salas de concerto. Essas primeiras incursões foram, certamente, tensas: em 1908, por exemplo, Catulo da Paixão Cearense (1863-1946)16 apresentou-se no auditório da Escola Nacional de Música, assim como Ernesto Nazareth (1863-1934), em 1922. Nessa primeira apresentação de Nazareth, idealizada por Luciano Gallet, houve confusão e até a polícia foi chamada, segundo o relato de Mário de Andrade17. Uma das instâncias da circularidade cultural no choro é a formação musical dos músicos de choro. Assim como o já mencionado Benedito Lacerda, grande parte dos chorões teve algum tipo de educação formal. Nas palavras de Braga (2002), embora essa música prescindisse do escol próprio da tradição da cultura musical oficial, isso não significou um afastamento do ensino musical: 15 Esse fato demonstra, ainda, que, do ponto de vista interpretativo, a tendência estilística de cada intérprete parece definir-se por uma escolha interpretativa, baseada na experiência musical, na afinidade e no gosto pessoal de cada músico, mais do que pela eventual educação formal. 16 Catulo da Paixão Cearense, nascido em 1823 no Ceará, foi reconhecido pelos intelectuais da época como autêntico “poeta popular”, tendo publicado diversos livros com coletâneas de modinhas e canções da época, sempre com a preocupação de “corrigir” e adaptar as letras das poesias de modo a inseri-las na norma culta e no “padrão” exigido pela incipiente indústria cultural da época (Carvalho, 2006, p. 6 apud Aragão, 2002, p. 98). 17 Em artigo de 1940 para o jornal “O Estado”, Andrade cita o Festival Nazareth, de 1940, promovido pela Associação dos Artistas Brasileiros no mesmo Conservatório de Música, mas, dessa vez, sem polícia (Braga, 2002, p. 292). O programa desse concerto, encontrado por esta pesquisadora na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ, mostra a participação do Regional de Dante Santoro, além dos pianistas Mário Azevedo, Arnaldo Rebello, Henrique Vogeler e Carolina Cardoso de Menezes. 33 O que chamamos aqui de música popular urbana no período [1930 a 1945] é aquela música produzida num contexto de improvisação, mobilidade e criatividade. Ela prescinde do escol tão necessário à tradição da cultura musical oficial, o que não significa que muitos músicos que operam no registro erudito dela não participem e que muitos dos autores populares não tenham seguido em algum momento de suas carreiras os princípios da aprendizagem oficial. Muito pelo contrário; e isso é uma característica significativa da tensão entre o popular e o erudito. Tensões que se manifestam em conflitos, em manifestos, em enquetes, ações pela imprensa, nos encontros de trabalho nos bastidores das rádios e estúdios de gravação. Trocas de experiências e colaborações. (BRAGA, 2002, p. 346). Aragão (2012) comenta de que formas se dava o processo de aprendizagem do choro no período de 1870 a 1936, a partir dos dados constantes do livro de Alexandre Gonçalves Pinto (1936). Muitas vezes o aprendizado ocorria por meio de uma relação mestre-discípulo: na prática da roda de choro, o músico menos experiente aprendia com outro mais experiente. Foi o que ocorreu entre Alexandre Gonçalves Pinto e o flautista Videira: Ainda que Videira não soubesse ler partituras, conhecia “regularmente” o violão e o cavaquinho, o que provavelmente quer dizer que o flautista-charuteiro dominava um repertório de formação de acordes, como os caminhos harmônicos e o repertório rítmico-harmônico (“levadas”) dos dois instrumentos. Dessa forma, andando sempre com Videira, Alexandre conseguiu repertoriar um vocabulário de estruturas de acompanhamento que o permitiu se tornar um instrumentista “respeitado na roda dos tocadores batutas”. Da mesma forma que Videira, outros instrumentistas também se tornaram verdadeiros “professores” informais de seus instrumentos, sendo o aprendizado quase sempre feito na prática da roda. (ARAGÃO, 2012, p. 214). Esses professores informais eram geralmente instrumentistas ligados ao acompanhamento, que, por sua extrema desenvoltura no instrumento, passaram a ser citados como pontos de referência para o aprendizado. Este foi o caso dos cavaquinistas Galdino Barreto e Mário Álvares da Conceição e dos violonistas Sátiro Bilhar e Quincas Laranjeira. O aprendizado, no entanto, também se dava por intermédio de professores formais ligados a instituições de ensino18. Geralmente eram instrumentistas solistas que tocavam instrumentos de sopro. Por exemplo, há o caso do flautista Duque Estrada Meyer (18481905), professor do Conservatório Imperial de Música (posteriormente denominado Instituto Nacional de Música). Citado por Alexandre Gonçalves Pinto como “O grande professor Duque Estrada Meyer” que “não só conhecia os grandes choros dos imensos flautas (...), como também o clássico”, Meyer foi um mediador, que agregava em si a figura do erudito professor e do instrumentista de choro. A esse respeito, comenta Aragão (2012): 18 Acredita-se que a formação musical era uma formação profissional, pela qual o aluno aprendia as ferramentas para ser músico – teoria, solfejo, contraponto, harmonia e treinamento prático específico. Como o mercado era variado, a atuação desses músicos oriundos da “academia” era voltada para atividades que oferecessem oportunidade de ganho financeiro. Ainda que sua formação tivesse eventualmente orientação “erudita”, a atuação na esfera “popular” era bastante comum. 34 É muito difícil sabermos hoje em dia até que ponto as práticas populares e as músicas contidas nos cadernos dos “antigos flautas” – isto é, as músicas de Callado e Viriato, por exemplo, - faziam parte do currículo dos alunos do Conservatório. Um fato interessante pode talvez ilustrar o caso: em um caderno manuscrito de partituras da coleção Jupyacara Xavier, datado de 1909, encontramos na contracapa um programa de um concerto de música com os dizeres: “Grande concerto do flautista brasileiro Gabriel de Almeida – aluno laureado do Instituto Nacional de Música e ex-discípulo do inesquecido professor Duque Estrada Meyer – Ginásio de Música”. Acima, manuscrito: “em 29 de janeiro de 1910”. Quando cotejamos os compositores que constavam no recital com aqueles que constam no caderno temos, de um lado, Leoncavallo, Marchetti, Dubois, entre outros – e do outro Silveira, Callado, Viriato, etc. Ou seja, o mais provável é que houvesse realmente uma divisão entre os compositores “permitidos” de conservatório e os compositores “de rua”, ainda que Meyer fosse ele mesmo um discípulo de Callado e um grande conhecedor das músicas de choro. (ARAGÃO, 2012. p. 217). Outros flautistas professores ligados ao ambiente do choro são citados no livro de Gonçalves Pinto: Pedro de Assis (que substituiu Meyer como professor no Conservatório Imperial), Pattápio Silva (intérprete das primeiras gravações de flauta pela Casa Edison, portanto referência para os flautistas da vindoura indústria fonográfica), João Salgado, Felisberto Marques ou Maçarico, General Gasparino e Professor Nicanor (dos quais não se sabe se passaram pelo Conservatório, se davam aulas particulares ou em Sociedades Musicais da época). Ao concluir, Aragão (2012) aponta os indícios de intercâmbio de práticas musicais eruditas e populares nessa esfera de ensino: O que tiramos disso tudo é o fato de que, dada a grande popularidade da flauta naquela época – 109 flautistas são citados ao longo do livro de acordo com o fichamento de Jacob do Bandolim -, os processos de aprendizagem se davam necessariamente através de diversas fontes, entre as quais estava a entidade “oficial” de ensino, o Conservatório Imperial (e depois Instituto Nacional de Música). Ainda que não saibamos até que ponto esta música era efetivamente ensinada no Conservatório, o fato é que temos pelo menos três gerações de professores dessa instituição – Callado, Duque Estrada Meyer e Pedro de Assis – ligados à prática do choro e citados no livro de Pinto. (ARAGÃO, 2012. p. 218). Outro ambiente de ensino do choro eram as bandas militares e sociedades musicais. Estas ofereciam cursos livres de música, com instrução musical primária para leigos. No livro de Pinto são citadas a Sociedade Musical da Tijuca e a Sociedade Musical Santa Cecília. (ARAGÃO, 2012, p. 221). As bandas militares também abrigavam muitos músicos de choro, sendo a mais importante delas a Banda do Corpo de Bombeiros, regida por Anacleto de Medeiros. Observa-se que esses processos de ensino, abarcando referências eruditas e populares, levaram à formação de gerações de músicos mediadores, que circulavam nessas distintas esferas e ambientes culturais. Pode-se citar, entre os violonistas, Quincas Laranjeira (18731935), Américo Jacomino - o Canhoto (1889-1928), Levino da Conceição (1895-1955), João 35 Pernambuco (1883-1947), Dilermando Reis (1916-1977) e Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (1915-1955). Entre os clarinetistas, Abel Ferreira (1915-1980) e Paulo Moura (19332010) foram destaques. Desde Joaquim Callado até os dias de hoje, é possível encontrar exemplos de mediação na atuação de vários flautistas, inclusive Dante Santoro. O registro em partituras pode ser apontado como outra instância da circularidade cultural no choro19. Em sua tese, Aragão (2012) afirma que, nas três primeiras décadas do século XX, os choros eram transcritos em partituras, organizadas em cadernos manuscritos, que eram compartilhados pelos chorões, em uma espécie de rede paralela ao mercado editorial. Esses cadernos manuscritos continham basicamente a melodia da música, a ser executada pelo solista. A partir de dados encontrados no livro O Choro, de Alexandre Gonçalves Pinto, o autor conclui que, até a segunda metade do século XX, a leitura de partituras nas festas onde havia rodas de choro era algo relativamente comum, fato que seria impensável, ou pelo menos condenável, em uma roda de choro a partir da segunda metade do século XX20. (ARAGÃO, 2012, p. 204). Porém, a transmissão oral também tem papel fundamental, tendo em vista que alguns aspectos interpretativos não eram notados em partitura. De fato a transmissão oral parece ocupar um espaço cada vez maior na prática do choro a partir da segunda metade do século XX. Alguns indícios observados por Aragão (2012) podem corroborar essa ideia: (1) partituras em clave de fá, encontradas em vários cadernos manuscritos, indicam que os contracantos eram inicialmente lidos pelos executantes de oficleide e bombardino, por exemplo; quando esses instrumentos caíram em desuso, foram substituídos pelos contracantos improvisados no violão de sete cordas; (2) o acompanhamento rítmico-harmônico raramente era escrito, portanto as conduções rítmico-harmônicas eram necessariamente transmitidas por 19 É necessário relativizar, entretanto, a questão da transmissão “escrita” e “oral” em música. Como afirma Aragão (2012) citando Treitler (1992), “a dicotomia entre transmissão “escrita” e “não escrita” não pode ser sustentada na prática: mais ainda, para o musicólogo, desde o começo da tradição musical escrita europeia conceitos como leitura, memória e improvisação foram aspectos contínuos, mutuamente relacionados e interdependentes” (Treitler, 1992 apud ARAGÃO, 2012, p. 202). Há, inclusive, autores que enriquecem esse debate ao incluir mais categorias: para Curt Sachs, existiriam quatro formas de transmissão: oral, escrita (ou manuscrita, mais precisamente), impressa e gravada – categorias que estariam presentes em todas as culturas, em maior ou menor grau, a partir da segunda metade do século XX, nunca com um caráter mutuamente excludente, mas numa relação de interdependência contínua (ARAGÃO, 2012, p. 202) 20 A partir da segunda metade do século XX, a capacidade de improvisação é mais valorizada do que a leitura de partituras no ambiente do choro, fato relacionado especialmente à figura de Jacob do Bandolim. Em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som, em 1967, Jacob afirma a existência de duas categorias de músicos de choro: “(...) há dois tipos de chorão: há o chorão de estante, que eu repudio que é aquele que bota o papel pra tocar choro e deixa de ter a sua ... perde a sua característica principal que é a da improvisação; e há o chorão autêntico, o verdadeiro, aquele que pode decorar a música pelo papel e depois dar-lhe o colorido que bem entender, este que me parece o verdadeiro, autêntico, honesto chorão” (Jacob do Bandolim, 1967 apud ARAGÃO, 2012, p. 203). 36 via oral, realizadas na prática a partir de um vocabulário estabelecido: “o bom instrumentista acompanhador era aquele que ao mesmo tempo dominava ao máximo esse vocabulário e que sabia fazer as melhores escolhas no menor tempo no momento da execução” (Aragão, 2012, p. 206). O que se pode concluir a partir disto é o fato de que os modos de transmissão oral e escrito parecem estar presentes desde o nascimento do gênero [choro], e não é por acaso que o tema aparece na obra de Pinto e no depoimento de um de seus mais importantes intérpretes das décadas de 1940 a 1960, Jacob do Bandolim. Na comparação entre estes dois podemos perceber que para os chorões descritos por Pinto a leitura da partitura era algo tão valorizado como o fato de se tocar de “ouvido”. (ARAGÃO, 2012, p. 204). O próximo tópico abordará a questão da improvisação no choro, assunto que nos interessa de forma particular na obra de Dante Santoro. A partir da segunda metade do século XX, a improvisação passou a ser muito valorizada nas rodas de choro, como verdadeiro indicativo de qualidade do músico. Do chorão que não improvisava bem, dizia-se que não tinha bossa, ainda que tivesse boa leitura musical. É possível que o inverso também seja verdadeiro, e que o chorão de boa leitura fosse de antemão considerado mau improvisador. A discussão acontecerá em torno do conceito de improvisação e sua relação com a bossa no contexto do choro, a partir de depoimentos de intérpretes e de textos relacionados ao tema. 1.3 O choro: improviso e bossa A improvisação é um processo comum a várias culturas musicais e um conceito bastante estudado na etnomusicologia. Algumas definições recopiladas por Nettl (1998) servem como parâmetro: para John Baily, “improvisação é a intenção de criar enunciados musicais únicos no ato da performance”. Segundo Veit Earlmann: “é a criação de um enunciado musical, ou forma final de um anunciado musical já composto, no momento de sua realização em performance”. Para Micheál O´Suilleabhain, é “o processo de interação criativa (em privado ou em público; consciente ou inconscientemente) entre o músico (performer) e um modelo musical que pode ser mais ou menos fixo”. Simha Aron considera que “no sentido estrito, é a performance da música no mesmo momento de sua concepção”. (Lortat-Jacob apud Nettl, 1998, p. 10-11). Percebe-se que no cerne de todas as definições encontra-se o ato de criação em tempo real. Os estudos sobre a improvisação revelam que toda prática de improvisação tem um “ponto de partida”. Segundo Nettl (1998), o ponto de partida pode ser de vários tipos: temas, tonalidades, sequências de acordes, formas, um vocabulário de técnicas, um vocabulário de 37 motivos e/ou materiais mais longos, etc. O “ponto de partida” abarca desde o que é fácil e “natural”, ao que é intelectualmente complexo. (NETTL, 1998, p. 15-16). Em alguns tipos de música clássica ocidental, o material temático e a forma podem ser pontos de partida típicos. O organista improvisador, por exemplo, cria sobre um tema e as características e requerimentos da Fuga. Para uma cadência de concerto, o modelo advém de motivos e temas do movimento ou da obra, além de gestos musicais (escalas, double-stops, arpejos) que se prestam à exibição da virtuosidade. Os músicos de jazz usam sequências harmônicas (“changes”) e tonalidades que se tornam a base para variações ou levam a improvisações solo 21. (NETTL, 1998, p. 13) O jazz é um dos gêneros musicais ocidentais que mais recorrem à improvisação como meio expressivo. Na definição de Hobsbawn (1996, p. 45), o jazz é uma música de executantes, tudo nele está subordinado à individualidade dos músicos, ou deriva de uma situação em que o executante é o senhor. Assim, é natural que a improvisação individual ou coletiva tenha uma importância muito grande para o jazz. Surgem nas interpretações desse gênero as controvérsias sobre a prática improvisatória. Por exemplo, um dos clichês mais conhecidos sobre a improvisação afirma que não pode haver padronização, ou seja, que o improviso deve ser inédito. Sabe-se, entretanto, que na realidade o músico cria, elabora e revisa o seu improviso ao longo de várias interpretações, trabalhando seus solos em busca da forma ideal. Hobsbawn (1996) contesta esse clichê, argumentando que o importante é que a criatividade seja preservada como elemento primordial da improvisação, destacando a importância da improvisação como composição em tempo real. (...) Falar que o único jazz legítimo é o que nunca foi ouvido antes é romantismo bobo. Afinal, o que há de errado com o músico que, tendo encontrado uma boa ideia e a tendo elaborado durante uma série de apresentações, decida ater-se àquilo que ele considera um solo adequado? Por outro lado, a improvisação (...) é e merece ser festejada, pois representa a constante e viva recriação da música, o arrebatamento e a inspiração dos músicos comunicados a nós. (HOBSBAWN, 1996, p.47 e 151) No choro, há distintas maneiras de se entender a improvisação. De fato, o improviso não é uma categoria unívoca, havendo diversas abordagens possíveis, pois a contribuição criativa dos intérpretes, no momento da execução, é variada. Alguns processos podem ser apontados, nessa prática, no contexto do choro: (1) criação de contracantos do violão de sete 21 In some kinds of Western art music, thematic material and standardized form may be typical points of departure. The improvising organist has a given theme and the characteristics or requirements of fugal structure upon which he builds his creation. For a concerto cadenza, motifs and themes of the movement or work, along with musical gestures (scales, double-stops, arpeggios) that are characteristic for exhibiting virtuosity are taken, together, the model. Jazz musicians, obviously, use sequences of harmonies (“changes”) and tunes which may be the basis of variation or which may lead to unrelated solo improvisations. (NETTL, 1998, p. 13) 38 cordas; (2) variação de padrões rítmicos no acompanhamento (violão, cavaquinho e pandeiro); (3) contracantos na linha melódica por um segundo solista (sax tenor, clarineta, etc.); (4) variações na linha melódica principal (também pelo uso de ornamentação e articulações diversas); (5) criação de uma nova linha melódica, sem relação de variação com a melodia original, baseada nas progressões harmônicas de determinado trecho. A prática da improvisação no choro se modificou com o passar dos anos. A criação de contracantos e variações da melodia principal foram processos adotados originalmente pelos chorões. Essa prática foi levada ao um alto nível de elaboração e criatividade nas gravações de Pixinguinha e Benedito Lacerda, na década de 1940, tidas como referências para os músicos de choro na atualidade. Já o processo de criação de uma linha melódica nova, não vinculada à original é, segundo Almir Cortes (2012), uma tendência surgida nos últimos trinta ou quarenta anos, como resultado da influência do jazz (e seu correspondente processo de improvisação, baseado no formato chorus). Esse processo de improvisação no choro, segundo o autor, poderia ser apreciado em gravações mais recentes de músicos como Paulo Moura (1933-2010), José Alberto Rodrigues Matos, o “Zé da Velha” (n. 1942), Nailor Azevedo, o “Proveta”, entre outros. Estudiosos e músicos de choro apresentam diferentes definições para a improvisação no choro, vinculando-a tanto às variações melódicas, quanto ao componente harmônico. A seguir, far-se-á uma breve revisão das discussões apresentadas na literatura sobre a improvisação no choro, agregando argumentos recolhidos nos depoimentos de músicos para esta pesquisa. Carlos Almada (2006) considera que a “improvisação chorística” se origina diretamente das características formais do gênero. Segundo o autor, as variadas repetições, próprias da execução convencional do choro, impelem, naturalmente, os instrumentistas em direção à variação melódica. “É inegavelmente mais artístico e mais desafiador tratar sob diferentes aspectos uma melodia recorrente (a competição entre virtuoses – marca registrada do choro desde suas origens – deve ter, sem dúvida, contribuído ainda mais para o desenvolvimento das improvisações no gênero.” (ALMADA, 2006, p. 55). Na visão da flautista Eliane Salek (1998), a flexibilidade rítmico-melódica e a improvisação são características essenciais da interpretação do choro. Segundo a autora, a relação entre ornamentação e improvisação é bastante clara no contexto do choro tradicional, 39 em que a improvisação acontece estruturalmente na dimensão horizontal, em torno da melodia, sem descaracterizá-la. Essa ideia é corroborada por Robson Barreto Matos (2009). Segundo Bernardo Fabris (2006), no choro os temas apresentam grande invenção melódica e harmônica e, por essa razão, a improvisação geralmente acontece mais ao nível da variação melódica e da alteração da métrica, por meio de sutilezas rítmicas que, muitas vezes, escapam às possibilidades de notação (FABRIS, 2006, p. 13). De forma similar, César Albino (2011) avalia que o foco do chorão está na melodia, e não na harmonia, por meio de um pensamento melódico-improvisatório baseado na melodia original do choro, que é constantemente lembrada ou citada durante a improvisação (ALBINO, 2011, p.78). De acordo com Paula Valente (2008), há duas abordagens de improvisação no choro: a abordagem vertical, que se revela mais preocupada com a harmonia, e a abordagem horizontal, mais vinculada à melodia. Essas duas linhas coexistem no mesmo discurso, mas nota-se a predominância de uma em relação à outra, dependendo de cada intérprete. Na abordagem vertical, o músico projeta a identidade harmônica de cada acorde com a melodia, ou seja, cria uma melodia que se encaixa em cada acorde dentro da respectiva progressão. As melodias são, assim, construídas principalmente por meio das terças, fundamentais e sétimas dos acordes, ou seja, têm por base arpejos, guardando como principal enfoque a definição das sequências harmônicas da música. Já na abordagem horizontal, a melodia se baseia em uma escala relacionada ao centro tonal da progressão, e não em cada acorde individualmente. As melodias são, assim, construídas por meio de recursos como notas sustentadas em mais de um acorde, ou uma única escala utilizada através de vários compassos, o que permite fraseados mais amplos, enfocadas nas variações de motivos melódicos e rítmicos (VALENTE, 2008, p. 26-27). Na dissertação de David Rangel Martins (2012), encontram-se vários depoimentos de músicos de choro sobre a improvisação. Alguns interessantes aspectos apontados pelo autor, a partir desses depoimentos, são os seguintes: (1) a improvisação no choro é coletiva e dinâmica, vários parâmetros são variados ao mesmo tempo (a harmonia, o ritmo, a melodia) e, assim, há várias dimensões de improvisos simultâneos; (2) as características idiomáticas de cada instrumento influenciam na escolha dos procedimentos e na utilização de efeitos tímbricos para a elaboração do improviso; (3) o improviso no choro nem sempre está relacionado a uma criação súbita e imprevista, muitas vezes o chorão retém em sua memória as variações que ele próprio fez e as aplica em certos trechos do tema; (4) para improvisar é 40 importante conhecer o repertório de choros e os fraseados típicos do gênero; (5) o improviso do choro é próximo à melodia, ou seja, improvisa-se sobre determinados parâmetros musicais da melodia do tema, de modo que este continue audível através de diversos outros parâmetros. (MARTINS, 2012, p. 40-59). O clarinetista Paulo Moura (1933-2010), no prefácio do método de Carlos Almada (2006), assim define a improvisação no choro: “o improviso, tradicionalmente, é uma paráfrase da melodia e não uma derivação que se torne, em si, outra composição”. (MOURA apud ALMADA, 2006, p. 1). Já segundo o flautista Leonardo Miranda22 (em depoimento oral concedido à autora desta tese, em 13/10/2012), a variação melódica não corresponde à improvisação. Segundo ele, há quatro parâmetros que conformam a linguagem do choro: as divisões rítmicas, os ornamentos, a articulação e a improvisação. É possível lidar com o três primeiros parâmetros e variar bastante a melodia, mas a improvisação engloba o elemento da criatividade e se relaciona à harmonia. Portanto, haveria diferença entre variação (baseada na melodia) e improvisação (baseada na harmonia). A utilização de variações melódicas memorizadas, na parte solista, também é uma prática comum no choro. O flautista Daniel Dalarossa afirma que muitas vezes, ao interpretar, o chorão utiliza ornamentos previamente inseridos na frase musical, ou cria frases de acordo com sua personalidade, ensaiando tudo isso previamente. “Com muita frequência o chorão aperfeiçoa uma dada improvisação ou criação já ensaiada e tocada muitas vezes em sua vida musical, até incorporar a frase em seu repertório e consagrá-la como sua marca-registrada.” (DALAROSSA apud ALBINO, 2011, p. 78). Para alguns chorões, o uso de melodias préconcebidas está mais vinculado a situações especiais, como as gravações, e não ao cotidiano das rodas de choro, nas quais se improvisa por meio de variações melódicas espontâneas. A flautista Odette Ernest Dias23 define muito bem a questão da improvisação com a seguinte afirmação: Cada um improvisa sobre o seu conhecimento. Você tem uma bagagem, uma experiência musical e, na hora de improvisar, você usa isso. As escolas de jazz (...) têm uns clichês de improvisação [ela cantarola algumas células melódicas], todo 22 Flautista, pesquisador da obra de Joaquim Antônio Callado, lançou o CD Leonardo Miranda toca Joaquim Callado (Acari Records, 2000), em que interpreta obras de Callado, com arranjos e formação instrumental similares à utilizada em fins do século XIX. É professor da Escola Portátil de Música, no Rio de Janeiro. 23 Odette Ernest Dias (n. 1929), flautista francesa radicada no Brasil, formada pelo Conservatório Nacional Superior de Música de Paris, foi professora titular da Universidade de Brasília. Reconhecida por atuar na formação de vários flautistas brasileiros, sempre foi uma apreciadora do choro, tendo gravado participações em vários CDs, especialmente as obras de Pixinguinha e Joaquim Antônio Callado. Destaca-se, em sua produção, o álbum Pixinguinha 100 Anos (Kuarup, 1998). 41 mundo faz a mesma coisa... isso que é improvisação? Não é! Se eu vou improvisar sobre uma valsa, [e aponta para a partitura de Dante Santoro que tem em mãos] eu não vou fazer isso. A estória é outra, o estilo é outro, o ritmo é outro... Mozart também não escrevia as cadencias dos seus concertos de piano! (...) Cada um faz o seu estilo. (Odette Ernest dias em entrevista concedida à autora em 08/09/2012). Martins (2012) comenta esse aspecto da experiência musical refletida na improvisação ao referir Ingrid Monson (1996), quando afirma que cada músico individualmente tem suas próprias idiossincrasias, peculiaridades e estilo. Em uma situação de improviso, há sempre personalidades musicais interagindo e, nesse sentido, o instrumento assume mais de seu significado etimológico, constituindo um “meio”, uma “ferramenta” para interagir musicalmente. (MARTINS, 2012, p. 41). Braga (2002) oferece, por sua vez, um interessante olhar sobre a improvisação no Rádio. Para esse autor, a questão da improvisação na música popular urbana nos anos de 1930 a 1945 advém do próprio contexto de sua produção, caracterizado pela improvisação, mobilidade e criatividade. Improvisavam todos os que participavam da criação daquela música “no calor da hora”: O improviso (...) é mesmo uma categoria analítica, constituindo-se no cerne daquele “profissionalismo” possível e do qual (...) a criatividade abundará como consequência inelutável e inequívoca. A extrema mobilidade observada na topografia artística do Rio de Janeiro do período é também um princípio construtivo onde a multifunção é derivada da operação de “invenção” profissional. (...) Essa mobilidade se caracteriza na flexibilidade das passagens de um campo profissional para o outro. Por exemplo, do teatro para o rádio e cinema, o que concorre para que um mesmo indivíduo se veja diante da possibilidade de assumir várias “funções” no mesmo contexto. (BRAGA, 2002, p. 347). É fato que a criação espontânea, como símbolo de criatividade, é o elemento principal nos gêneros musicais baseados na improvisação. Em alguns gêneros, entretanto, a esse aspecto, soma-se a bossa - um elemento muito valorizado no contexto das músicas latino-americanas. Segundo o dicionário Aurélio, uma das acepções da palavra bossa é uma gíria que significa “atributo ou qualidade peculiar a pessoa ou coisa, que faz que elas agradem, chamem a atenção, se distingam de uma ou de outra”24. Uma associação imediata da palavra ocorre com o gênero da bossa-nova, caracterizado pela renovação rítmica, melódica e harmônica do samba, vinculação que reforça o sentido de bossa como característica peculiar, diferente. 24 BOSSA. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed, rev. aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 278. 42 Entre os músicos de jazz, fala-se em swing, o “balanço rítmico específico do jazz” (HOBSBAWN, 1996, p. 309). No Brasil, fala-se muito de bossa no universo do choro e, sobretudo, do samba. Numa primeira tentativa de definir o termo, diríamos que a bossa é uma característica especial da execução, um sotaque ou molho característico, reconhecido como um traço próprio da expressão musical de um grupo (ou do gênero musical que o representa). Para tocar samba é necessário ter bossa, diz um dito popular. Como o universo do samba é compartilhado pelo choro, ele termina por se aplicar ao choro. Seria esse um clichê vinculado a esses gêneros populares? Como definir bossa musicalmente? Sandroni (2001) conta a anedota sobre Francisco Alves - o principal introdutor do estilo do samba de Estácio nas gravações de samba. Em uma ocasião, ele teria passado horas com Nono e Rubens Soares, autores de samba, para aprender a bossa que o estribilho tinha, ou seja, a maneira como estes o cantavam. Sobre essa passagem, descrita no livro de Máximo e Didier, p. 410, Sandroni tece o seguinte comentário: “Não podemos saber o que era exatamente esta “bossa”, que exige que o cantor profissional fique horas aprendendo com “os rapazes”; mas podemos supor que a articulação rítmica fizesse parte dela”. (SANDRONI, 2001, p. 213) De fato a articulação rítmica parece ser o diferencial entre os que têm ou não têm bossa: a fluidez na execução de ritmos contramétricos é o divisor de águas. Na terminologia de Sandroni (2001), os ritmos contramétricos correspondem à acentuação em pontos não tônicos da métrica do compasso (síncope), os quais para o autor têm uma correlação natural com a rítmica africana: em vez de subdividir o tempo em células regulares (como na música europeia), o tempo se produz pela adição de células desiguais (pares e ímpares, por exemplo 3+3+2 ou 4+3+6+3), o que gera múltiplas referências de tempo e contratempo. (cf. SANDRONI, 2001, p. 19-37). Não há dúvida de que a bossa está relacionada ao ritmo. Mário de Andrade já afirmava, em seu Ensaio sobre a Música Brasileira (1962), que a rítmica brasileira resulta da conjugação original da quadratura métrica regular, característica da música europeia, que procede pela subdivisão do compasso, com uma rítmica fraseológica baseada em irregularidades internas e que procede pela adição indeterminada de tempos, como a das músicas africanas e indígenas. (apud WISNIK, 2004, p. 36). Sandroni (2001) conta outra anedota interessante, ainda relacionada às primeiras gravações de samba do Estácio, por volta da década de 1930: 43 Já se fez menção ao fato de que as gravações de samba a partir dos anos 1920 passaram a adotar, além das introduções instrumentais, uma versão instrumental da melodia, situada geralmente, nas gravações, antes da última repetição do samba pelo cantor. Assim, a melodia, numa dada gravação, é exposta por diferentes enunciadores: ora o cantor principal, ora os diferentes instrumentos da orquestra, ora, em alguns casos, ainda o coro. Isso possibilitou ver que Francisco Alves empregava, em suas versões das melodias, ritmos mais próximos do paradigma do Estácio, ou para dizê-lo de maneira mais geral, ritmos mais contramétricos, que os instrumentistas. Talvez isso se devesse a que Francisco Alves, e talvez também outros cantores da época, possuía uma proximidade em relação às fontes – por assim dizer – que fazia a diferença em relação a outros profissionais envolvidos com a produção de gravações de sambas, como arranjadores e músicos de orquestra. (...) As várias versões rítmicas da melodia (...) mostram no detalhe o duro trabalho de aprendizado – em suas várias etapas – necessário para forjar o que nos anos seguintes se tornaria o ritmo “natural” do samba. (SANDRONI, 2001, p. 213) Uma importante contribuição junto às orquestras, nesse “duro trabalho para forjar o ritmo natural do samba”, foi dada pelo maestro Radamés Gnatalli. Segundo Paulo Tapajós, as orquestrações de samba de Gnatalli foram baseadas na “divisão rítmica dos tamborins”, graças à sugestão do percussionista Luciano Perrone. Como comenta Sandroni (2001, p. 214215), o termo “divisão” é uma categoria utilizada na música popular brasileira para designar as variações de articulação rítmico-melódicas empregadas nas canções. Assim, Tapajós sugere a existência de uma “articulação rítmica típica dos tamborins”, que de início era adotada pelos cantores, mas não pela orquestra. A essência da “bossa” estaria, portanto, na execução do ritmo contramétrico, muito utilizado na percussão afro-brasileira, repercutido em diferentes camadas de instrumentação, desde a melodia solista ao acompanhamento. Adquire-se a bossa pela experiência na tradição musical oral - própria da atividade do músico popular. Sandroni (2001) assim se refere sobre essa habilidade: (...) não é que a contrametricidade possua alguma essência popular, ou que uma pele mais escura torne automaticamente mais fácil a assimilação dela. Para voltar à imagem de Mário de Andrade, não é o “sangue”, mas o “convívio” que torna o paradigma do Estácio muito mais facilmente assimilável por músicos formados na tradição popular afro-brasileira que por músicos formados na tradição clássica europeia. Aqueles apresentam maior desembaraço naquele tipo de ritmo, por ser de ritmos assim que se faz o seu pão musical cotidiano. Para estes, ao contrario, a contrametricidade é a exceção (a “síncope”), que exige a duplicação gráfica da ligadura, e o recurso analítico da contagem. (SANDRONI, 2001, p. 216-217) Por outro lado, há que se considerar que a bossa, embora muito vinculada ao samba de Estácio na década de 1930, é um elemento latente, desde sua formação, da música popular urbana brasileira, que tem a contrametricidade como característica essencial. Assim, nas 44 gravações anteriores a essa época - seja dos sambas da Cidade Nova, das bandas militares ou dos primeiros grupos de choro – já se forjava a “bossa” hoje vinculada ao samba e ao choro. As gravações de Pixinguinha tocando flauta, realizadas entre 1915 e 1935, são o melhor exemplo do que precede. O flautista Leonardo Miranda (em depoimento oral à autora, em 13/10/2012) afirma que Pixinguinha foi um marco na divisão rítmica do choro, pois antes dele (nas gravações de flautistas do início do século XX, como Agenor Bens e Antonio Maria Passos), os fraseados e as articulações eram diferentes. Seguindo a linha de pensamento de Sandroni (2001), pode-se pensar que a diferença reside no sublinhar da contrametricidade, trazida ao primeiro plano, tanto na melodia quanto no acompanhamento. Segundo Leonardo Miranda, é difícil saber se as divisões rítmicas do choro mudaram no início do século XX, sendo Pixinguinha um representante dessa nova prática, ou se foi Pixinguinha que mudou a maneira de se tocar o choro. O fato é que essa nova divisão rítmica se refletia em sua maneira de tocar flauta: não há imprecisões de tempo nas articulações de Pixinguinha, tudo é absolutamente preciso. Comentário semelhante teceu a flautista Odette Ernest Dias25 em entrevista concedida à autora, em 08/09/2012. Para ela, a principal característica de Pixinguinha como flautista era sua articulação rítmica. Ademais, há que se falar da bossa acompanhante. Segundo o Professor Luiz Otávio Braga, é necessário sair da esfera dos solistas para buscar nos instrumentistas acompanhadores (violonistas, cavaquinistas e pandeiristas) as figuras de maior “bossa” no grupo regional. O acompanhamento define a qualidade do grupo regional, especialmente o entrosamento da dupla de violões, portanto a bossa dos músicos acompanhadores “é crucial para que o choro soe como choro.”26 Entretanto, a bossa relaciona-se também à ideia de pertencimento à comunidade. É fundamental, para ter bossa, participar da roda de samba ou da roda de choro, integrar-se a essa coletividade - ideia enraizada no discurso de que a bossa é espontânea, “sai de dentro”, “acontece”. Um exemplo desse discurso é a fala do sambista Ataulpho Alves, que opõe teoria musical e bossa, numa amostra dos clichês que dominavam os debates da época27: (...) não entendo um nadinha de teoria musical. Tiro o meu ritmo de uma caixa de fósforos ou de um pedaço de lápis. Assim (...) Sei que isso não é vantagem nenhuma. Muita gente fez assim. Muita gente boa continua fazendo assim. Questão de bossa. Samba não se faz com a cabeça. Não é questão de inteligência. É uma 26 Comentário ao texto da tese por ocasião da banca de qualificação, em 14/03/2013. Ataulpho Alves responde ao plebiscito. Revista Diretrizes, nº 54, p. 11, 3/7/1941. Entrevista com Ataulpho Alves. In: BRAGA, 2002, p. 17. 27 45 coisa que acontece. Que sai de dentro, está compreendendo? (BRAGA, 2002, p. 173). Braga (2002) comenta o discurso de Ataulpho Alves, relacionando-o com o do memorialista Francisco Guimarães, o Vagalume, conhecido por condenar as modificações introduzidas no samba pela indústria radiofônica e fonográfica: A bossa é categoria fundamental para o sentido de pertencimento na comunidade do samba; ela, de pronto, determina o ritmo. Se recuperarmos a análise que Francisco Guimarães, o Vagalume, faz do samba, veremos que o “pertencer à roda de samba” é fundamental. Seria essa a grande diferença; a inteligência por si só estaria incompleta sem o “sair de dentro” que é comunitário, que é fruto de uma consciência coletiva e é inseparável da “bossa”. O “sair de dentro” é o ser individual dentro do ser coletivo. Esse sentido de comunidade do samba, que persiste até hoje, resulta numa produção que supera a condição mesma do autor individual; daí que Vagalume exige o “compositor industrial” integrado na Roda do Samba já que evitar a industrialização parecerá impossível. (BRAGA, 2002, p. 176) Jacob do Bandolim, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, em 1967, reforçou a polarização leitura musical versus improvisação ao criar duas categorias: chamou de chorão de estante o mau improvisador, músico que estaria confinado à leitura da partitura, desprovida de improvisação; e de chorão autêntico o músico que tocava sem partitura, supostamente um bom improvisador. Essa polarização é um clichê ainda tomado como referência nos dias de hoje, porém cada vez mais questionado. Quando os regionais acompanhavam cantores, o flautista era responsável pela elaboração de contracantos à linha melódica vocal. Alguns registros fonográficos das décadas de 1930 e 1940 permitem apreciar essa prática na flauta: Benedito Lacerda faz inúmeros improvisos nas gravações com Carmen Miranda, e outros cantores, na década de 1930; também foram encontrados no acervo do Museu da Imagem e do Som registros de improvisos de Dante Santoro acompanhando cantores, possivelmente das décadas de 1940 e 1950. A audição dessas gravações, assunto do Capítulo 4, revela que há semelhanças nos recursos utilizados por Dante e Benedito em suas improvisações. Talvez esses recursos fossem os padrões utilizados na época na arte do contracanto, sendo elaborados e imitados pelos solistas entre si. O que diferencia esses improvisos é a experiência musical de cada artista, pois sua criatividade se lança na direção do gênero musical com o qual tem mais afinidade. Observa-se, portanto, nos discursos sobre a improvisação e a bossa que esses elementos se irmanam no choro, tornando-se muitas vezes indissociáveis, e que são conceitos plurais, com mais de um viés de interpretação. A arte do improviso no choro seria uma 46 demonstração de criatividade, arrebatamento, inspiração, técnica e afinidade com o gênero, havendo diferentes possibilidades para sua manifestação, de acordo com a experiência musical de cada intérprete. No próximo tópico comentar-se á como ocorreu a inserção do choro no mercado radiofônico e discográfico e de que modo essa indústria influenciou o gênero. Busca-se, com essa discussão, conhecer mais profundamente o contexto de produção musical de Dante Santoro. 1.4 O choro entre 1930 e 1960: inserção no mercado radiofônico e discográfico A inserção da música popular urbana no mercado radiofônico e discográfico provocou mudanças na produção musical. Os gêneros musicais, entre eles o choro, foram influenciados, em maior ou menor grau, pelas tendências desse mercado, que tinha por objetivo o entretenimento. Essas influências fizeram-se notórias tanto pela profissionalização dos músicos populares, quanto por mudanças gradativas de estilo, já que o choro, assim como a canção popular, é levado a dialogar de diversas maneiras com os meios de comunicação eletroeletrônicos. Como informa Moraes (2000), o quadro de permanente extensão das formas de entretenimento popular e urbano vinculados à música popular, iniciado no Brasil na passagem do século XX, consolidou-se nos anos 30, principalmente com a expansão da indústria radiofônica e fonográfica. Os músicos populares tiveram condições de ampliar e conquistar novos espaços de sobrevivência e de divulgação de sua produção. As empresas radiofônicas tornaram-se, na década de 1930, os principais locais de concentração do músico popular profissional e núcleos de divulgação de diversos gêneros nacionais e estrangeiros. As emissoras constituíram-se logo no eixo fundamental de propagação da música popular, alterando consequentemente a produção artística musical de acordo com seus interesses comerciais e culturais. A partir desse momento, a produção musical popular orientou-se e adaptou-se cada vez mais aos meios de comunicação e ao gosto médio do ouvinte. O mercado do rádio começava, então, a alterar o gosto geral, inventando e impondo novos gostos, e também modificava o conceito de “popular”, que gradativamente se tornava mais relacionado com o mercado e a capacidade de atingir um número maior de pessoas. (MORAES, 2000, p. 23) No que se refere à profissionalização dos músicos, a realidade da cultura musical popular urbana de mercado gerava tensões e conflitos. O ritmo frenético e a fragmentação do trabalho diário nas empresas radiofônicas/fonográficas, além dos variados espetáculos em 47 locais de entretenimento, implicavam um desgaste físico e emocional. As atividades informais, como as rodas de choro, tampouco cessaram. Sabe-se que as relações trabalhistas entre os músicos e as emissoras de rádio eram incipientes na década de 1930, como relata Moraes (2000): Geralmente as emissoras definiam suas próprias regras e padrões. Uma rádio em ascensão, por exemplo, pagava a um cantor melhor que um salão de baile importante. Intérpretes de qualidade mediana recebiam mais que um bom instrumentista. Os grandes intérpretes, as chamadas “estrelas”, recebiam bons salários e altos cachês. Mas em geral todos recebiam pagamentos relativamente baixos, sobretudo aqueles em início de carreira (...). Como a legislação do trabalho grosso modo dava seus passos iniciais no Brasil dos anos 30, tornava-se impossível estabelecer regras trabalhistas claras e oficiais em setores de atividades emergentes e desconhecidas, como as da radiofonia e das novas formas de arte popular urbana. Os radialistas, por exemplo, só seriam incluídos na Lei da Previdência Social em outubro de 1960. (MORAES, 2000, p. 97) Entre os músicos paulistanos, por exemplo, a regra era diversificar ao máximo as atividades no meio artístico. Os músicos participavam nas orquestras e regionais das rádios, nas orquestras de salões de baile, tocavam em salas de espera de cinemas, acompanhavam cantores, e alguns ainda desenvolviam carreira individual. O repertório transitava por inúmeros gêneros, do bolero ao samba, da moda de viola às cançonetas italianas. Segundo Moraes (2000), boa parte deles migrou para a capital federal em busca de espaço, reconhecimento e sobrevivência pela música (por exemplo, entre centenas, Garoto, Vadico, Zé Carioca, Laurindo de Almeida, Alvarenga e Ranchinho, Gaó e o radialista-locutor César Ladeira). (Moraes, 2000, p. 115). Em São Paulo, a mobilidade dos músicos era bastante comum, fato que também se dava no Rio de Janeiro no início da década de 1930. O próprio Dante Santoro, vindo de Porto Alegre para o Rio, apresentou-se como free lancer em diversas rádios de 1928 a 1938. Tornou-se artista exclusivo da Rádio Nacional somente em 1938, quando assumiu o comando do regional da emissora. Vários foram os regionais que atuaram nas rádios paulistas naquela década, alguns dirigidos por nomes que se tornaram famosos, posteriormente, também no cenário carioca. Os diversos “regionais” existentes na cidade encontraram trabalho regular, apresentando-se e acompanhando cantores em várias rádios. Geralmente, esses conjuntos instrumentais eram contratados por diversas emissoras, transitando entre elas, destacando-se os de Pinheirinho (Record), Armandinho (Record e Difusora), Rago (Record, São Paulo e Tupi), além dos mais famosos como os de Garoto (Educadora, Kosmos e Cruzeiro do Sul) e Canhoto (Educadora). As rádios também se viam obrigadas a contratar maestros, arranjadores e instrumentistas, para formar e dirigir suas próprias orquestras. Um número expressivo de músicos com formação 48 erudita e/ou arranjadores de música popular começavam a integrar o quadro de funcionários das emissoras e a sobreviver dos salários que estas lhes pagavam. Luís Argento, Osvaldo Borba, Armando Belardi, Martinez Grau (Record), Nicolau Tuma, Franco Schmidt e Gabriel Migliori (Difusora). Gaó foi diretor artístico das rádios Kosmos e Cruzeiro do Sul, onde manteve também, com boa repercussão, a Orquestra Jazz Sinfônica (MORAES, 2000, p. 90). Quanto às mudanças estilísticas, ocorreram especialmente por conta do elemento técnico. A indústria radiofônica e discográfica exigiu inúmeras adaptações dos músicos, na emissão vocal e na captação dos instrumentos de percussão ao microfone, até mesmo na forma musical e no conteúdo das letras das canções. Segundo Aragão (2012), é interessante observar como os músicos de choro atenderam de forma exitosa a essas modificações, incorporando com certa naturalidade as novas exigências técnicas. Nesse sentido, o autor dessa forma se expressa: Este é então um ponto fundamental para entendermos a razão pela qual o choro parece ter “sofrido” menos no seu processo de incorporação à indústria fonográfica [em comparação ao samba]: por seu próprio caráter instrumental e pelo fato de que suas matrizes (representadas em grande parte pelas danças europeias, como a polca, a valsa, etc) estavam mais próximas dos novos padrões estéticos exigidos pelo rádio e pelo disco, os instrumentistas de choro foram os verdadeiros alicerces desta nova indústria muitas vezes funcionando como intermediadores ou “tradutores” de outros gêneros musicais (como o samba) para os novos padrões exigidos. (ARAGÃO, 2012, p. 183). A pluralidade de gêneros musicais veiculados pelo rádio, na tentativa de atender ao mais amplo gosto popular, também levou a mudanças estilísticas. Adaptações eram elaboradas por maestros e instrumentistas, com o intuito de executar um variado repertório, que atendesse à preferência do espectro de ouvintes. Uma extensa programação musical ao vivo e/ou gravada de diversos tipos, do erudito ao sertanejo, passando pela música estrangeira, era interpretada por cantores (as), regionais, orquestras, jazz-sinfônicas, etc. O mesmo ocorre na indústria fonográfica. Na discografia de Dante Santoro, por exemplo, encontram-se algumas expressões dessa ampla circulação estilística: os boleros Lamento árabe e No mientas, a canção italiana Non so che dire, as danças típicas Delírio chinês e Alma de beduíno, além de valsas e canções compostas para trilhas de rádio-novela. A mistura entre o rural e o urbano também ocorre de forma significativa no repertório da indústria radiofônica e discográfica, porém de forma distinta no Rio de Janeiro e em São Paulo. Diz Moraes (2000) que a ideia de sertanejo no Rio de Janeiro no início do século XX 49 estava muito marcada pelas tonalidades nacionalistas presentes no imaginário de parte da intelectualidade brasileira, fundado principalmente nas tradições rurais do Norte e Nordeste. Citando João Baptista B. Pereira, o autor afirma que a influência do sertanejo na canção popular, iniciada ainda na década de 1920, com o tempo ultrapassou a condição de moda passageira, tornando-se quase uma “imposição” aos intérpretes e criadores, na medida em que era um retorno estimulante e estimulado às fontes da brasilidade, descaracterizadas pela vida urbana. 28 Fato relevante para o choro é que os grupos nascidos no Rio de Janeiro desse cruzamento entre a canção popular e o sertanejo, como Caxangá e Tangarás, não restringiam seu repertório às músicas nordestinas: tocavam, sobretudo, choros, tangos e sambas, estabelecendo um constante trânsito e influência entre essas duas realidades musicais. Em São Paulo, o conceito de música “rural” estava mais associado à cultura caipira, vinculada às regiões do interior do Sudeste, Centro-Oeste e norte do Paraná. Idealmente, essa cultura estava ligada “às mais autênticas, instintivas e profundas tradições do homem do campo”, distante dos meios de produção e difusão de massa e, portanto, “mais próxima daquilo que se denominou como “música de raiz” ou “folclórica”.” (Moraes, 2000, p. 237). (...) Na capital paulista também surgiram, em 1929, alguns conjuntos que seguiam aquela linha, como por exemplo os Chorões Sertanejos e os Turunas Paulistas. Este último tinha como inspiração justamente os grupos pernambucanos de sucesso, como o próprio nome demonstra. Já os Chorões Sertanejos, liderados por Raul Torres (1906-1970) revelam certo ecletismo e tendências para a fusão, ao nomear-se simultaneamente por dois gêneros distintos, o choro e o sertanejo. Seus músicos tocavam emboladas, cocos, desafios, bem como toadas e choros. Em 1930, Garoto passou a fazer parte do conjunto. (MORAES, 2000, p. 239) Influência igualmente importante, especialmente em São Paulo, foi a fusão dos gêneros populares brasileiros com a cultura musical estrangeira dos imigrantes que viviam na metrópole paulista. Tinham diversas origens, mas a maioria era italiana. Esse entrecruzamento é particularmente importante neste trabalho, pois Dante Santoro era filho de imigrantes italianos, portanto originário dessa cultura musical. Moraes (2000) assinala o diálogo estabelecido entre a música italiana e a música caipira, assim como entre a música italiana e o samba, no meio musical paulistano 29. No caso 28 Pereira, João Baptista B. Cor, profissão e mobilidade. O negro e o rádio de São Paulo. São Paulo: Pioneira/Edusp, 1967, p. 197. Apud Moraes, 2000, p. 239. 29 O compositor Francisco Mignone (1897-1986), que também era ítalo-brasileiro, compôs muita música caipira sob o pseudônimo de Chico Bororó, constituindo outro exemplo desse cruzamento musical. Algumas dessas obras foram gravadas por seu pai, Alfério Mignone (flautista italiano que atuou na cena musical paulista de 1896 a 1950), pelo selo Parlophon, na década de 1930, com a Orquestra Paulistana, que ele dirigia e regia (informação 50 da música caipira, afirma o autor que esse gênero encontrou em muitos imigrantes italianos a disposição afetiva e musical para compor-se e difundir-se: Um dos primeiros cruzamentos entre a música popular italiana e a caipira foi o inicialmente estabelecido por Roque Ricciardi, o Paraguassu. Seguiram depois a mesma linha inúmeros italianos e descendentes, como, por exemplo, Astenori Marigliani e Giuseppe Rielli. Marigliani nasceu em São Paulo em 1904, filho de imigrantes italianos. Ficaria conhecido no meio artístico como radialista, compositor e intérprete de música sertaneja, utilizando, como Paraguassu, um pseudônimo bastante regional: capitão Barduíno. Já Giuseppe Rielli nasceu na Itália em 1885 e chegou ao Brasil em 1891. Acordeonista, até a década de 1920 se restringia a gravar e a tocar música italiana. A partir dos anos 30, seguindo a forte tendência da cidade, direcionou suas atividades para a música caipira paulista. Tornou-se então José Rielli, gravando canções sertanejas que se tornariam sucesso no gênero. (MORAES, 2000, p. 246-247). A participação italiana não se limitava, entretanto, à canção popular de matizes sertanejos, mas abarcava também uma aproximação com o samba. É o que se depreende dos registros de participação dos imigrantes italianos na organização do carnaval paulistano: (...) Ao que aprece, dentre os imigrantes, eram os italianos os que a comunidade negra via com mais simpatia. E de acordo com Geraldo Filme, a maior “afinidade” com o lado lúdico e musical dos negros aproximava-os, e tal relação já se manifestava no interior de São Paulo, nas festas, bandas e outras atividades musicais. Na Barra Funda, e sobretudo no Bexiga, os italianos quase nunca se recusavam a colaborar financeiramente com os cordões, pelos “livros de ouro”, e às vezes até ajudando na arrecadação. (...) Apesar de participarem pouco do samba/Carnaval de rua dos negros paulistanos, é o bastante para revelar as intersecções entre as diversas culturas e músicas populares urbanas presentes em São Paulo. (MORAES, 2000, p. 260-261). O diálogo entre a música italiana e o samba, e consequentemente entre esta e o choro (pois eram os mesmos músicos intérpretes de samba e de choro) ocorria desde o início do século XX, na capital paulista, nas reuniões informais, realizadas em bairros como a Mooca, o Bom Retiro e a Lapa - bairro de forte tradição italiana, onde havia muitos conjuntos e rodas de choro30. Entre os bons músicos de origem italiana que circulavam por esse meio, surgiram nomes que alcançaram projeção no contexto do rádio paulistano a partir do final da década de 1930: os violonistas Americo Jacomino (1889-1928), Antonio Rago (1916-2008) e Antonio D´Áurea (1912-1988); o flautista Nicolino Copia (1910-1984) e o sambista Adoniran Barbosa (1910-1982). presente no encarte do CD A Música para flauta de Francisco Mignone, do flautista Sérgio Barrenechea, lançado pela FAPERJ, em 2010). 30 Sabe-se pouco sobre a participação de imigrantes italianos no mundo do samba no Rio de Janeiro. A referência encontrada fala de sua presença na Praça Onze, local de encontro de culturas, muito vinculado ao samba. Como afirma Braga (2002), “A praça Onze existiu por mais de 150 anos. (...) Ali viveram misturados imigrantes judeus, italianos, espanhóis e negros que em grande maioria eram oriundos da Bahia. Ali, até 1941, existira um importante reduto de sambistas que também organizaram os primeiros desfiles das escolas de samba”. (BRAGA, 2002, p. 187). 51 O violonista Américo Jacomino- Canhoto (1889-1928), filho de imigrantes italianos, foi um dos primeiros músicos de choro e serestas a atuar no rádio paulistano. Em 1925 já participava da Rádio Educadora Paulista e desde 1914 gravava regularmente para o selo Odeon. Seus solos de violão, em especial a valsa Abismo de rosas, tornaram-se clássicos do repertório violonístico brasileiro. O violonista Antonio Rago (1916-2008), filho de imigrantes italianos, nascido no Bexiga, integrou diversos regionais nas rádios paulistanas (Rádio Record, São Paulo, Cruzeiro do Sul e Tupi). Na década de 1940, formou seu próprio conjunto, bastante popular até a década de 1950, reconhecido pelas novidades de instrumentação, pelo uso do acordeom, do contrabaixo elétrico e, sobretudo, do violão elétrico. Antonio D´Áurea (1912-1998), filho de pai italiano, nascido no Bom Retiro, tornouse cantor de orquestras, músico de baile, instrumentista de regionais de rádios (Rádio Educadora e Cultura) e referência musical dos “chorões paulistanos”. Foi o fundador do Conjunto Atlântico, na década de 1950, que formou grandes intérpretes de choro, como o bandolinista Isaías. O já citado flautista Nicolino Copia – Copinha (1910-1984) era filho de imigrantes italianos, nascido na capital paulista. Atuou na Rádio Paulista, na Rádio Record, na Radio Cruzeiro do Sul e fundou, posteriormente, sua própria orquestra, com a qual fez turnês nacionais e internacionais. Na década de 1970 passou a atuar na Orquestra da TV Globo e participou de inúmeras gravações com artistas da MPB. No samba-canção, destaca-se o mais conhecido sambista paulistano, João Rubinato Adoniran Barbosa (1910-1982). Filho de imigrantes italianos, nasceu em Valinhos/SP. Atuou no radioteatro, no cinema e na televisão. Várias de suas composições alcançaram sucesso na interpretação do grupo Demônios da Garoa, nas décadas de 1950 e 1960, assim como em sua própria interpretação, registrada em vários LPs e CDs. A ascendência cultural italiana e a aproximação com o universo do choro e do samba é um traço comum que une esses músicos de choro paulistanos a Dante Santoro. As informações que precedem indicam que havia um significativo núcleo de instrumentistas de choro entre os descendentes de italianos em São Paulo, o que não ocorria de forma tão significativa no Rio de Janeiro. Os músicos italianos no Rio eram quase sempre 52 maestros/arranjadores ou instrumentistas identificados com a música erudita31. Se Dante Santoro tivesse migrado para São Paulo, possivelmente seria membro desse seleto grupo de chorões ítalo-brasileiros e teria encontrado muitos pares com afinidades interpretativas. É interessante observar como as mudanças ocorridas no choro, por sua inserção no mercado radiofônico e discográfico, foram recebidas pelos chorões da época. No livro do memorialista Alexandre Gonçalves Pinto (1936), há críticas às músicas estrangeiras, descritas como “músicas estrangeiras barulhentas e irritantes” ou “músicas americanas de arribação”. Também há referências aos instrumentistas que tiveram que se adaptar à nova linguagem, como o flautista Antônio Maria, “que passou a tocar saxofone muito a contragosto dos seus inúmeros admiradores, porque o saxofone é hoje em dia o instrumento da moda, figura obrigada [sic] nos fox-americanos” (PINTO apud ARAGÃO, 2012, p. 180). Entretanto, no discurso de Pinto também se percebe que o autor exalta o Rádio e os músicos atuantes nesse mercado, tecendo inúmeros elogios a alguns deles (como o bandolinista Luperce Miranda, o saxofonista Luiz Americano e até mesmo cantores, como Francisco Alves). Assim, na visão de Aragão (2012), apesar das críticas às músicas estrangeiras propagadas pelo rádio, há uma clara intenção de valorizar os artistas do rádio que se dedicavam à música brasileira. (...) é como se o autor não visse no rádio uma verdadeira ameaça à existência do choro, e tivesse [sic] muito consciente de que havia uma linha histórica que passava dos chorões antigos aos chorões “modernos”, estes últimos já imersos na indústria cultural da época. (...) Ao enumerar instrumentistas “antigos” e “modernos” – Viriato e Callado x Pixinguinha e Benedito Lacerda; Bilhar e Quincas Laranjeira x Donga e José Rabello; Mário Alvarez x Nelson Alves – Gonçalves Pinto traça uma linha histórica dos grandes instrumentistas de choro, onde procura defender a ideia de que a essência da prática musical (no caso a polca) não se modificava, ainda que os modernos estivessem em sua maioria atuando em um contexto diferente – o rádio e o disco – daqueles em que atuavam os antigos – os bailes, as serenatas e as rodas de choro. (ARAGÃO, 2012, p. 181-182) Diante do exposto neste tópico, é interessante observar, por fim, como a inserção do choro no mercado radiofônico e discográfico ampliou a circularidade cultural no gênero, por meio de novas interações com as músicas estrangeiras, as músicas de origem rural e as músicas nordestinas. 31 Uma possível “exceção à regra” é o cavaquinista Waldiro Frederico Tramontano, o Canhoto (Rio de Janeiro, 1908-1987), um dos grandes nomes do choro carioca. Embora não tenham sido encontrados dados biográficos consistentes a seu respeito, seu sobrenome permite supor que seja descendente de italianos. 53 As ideias desenvolvidas neste capítulo permitiram lançar um primeiro olhar sobre o contexto no qual se insere a obra de Dante Santoro, com o objetivo de discutir aspectos a ela relacionados, que serão retomados ao longo desta tese. Como pontos principais, destacam-se: (1) a circularidade cultural é característica do choro desde suas origens. Obras como a do flautista Dante Santoro expressam essa interação de elementos, constituindo exemplos de mediação no campo musical. A análise de gravações do flautista interpretando composições próprias pretende observar essa característica, com enfoque em seu estilo interpretativo. (2) a improvisação no contexto do choro apresenta distintas abordagens. Por meio da análise de gravações de programas da Rádio Nacional, em que Dante Santoro acompanha cantores ao lado de seu regional, pretende-se observar de que modo ele improvisava, traçando um paralelo com improvisos de Benedito Lacerda. (3) produzida no contexto da indústria radiofônica e discográfica, a obra de Dante Santoro tem como referência os padrões dessa indústria: assim, inclui gêneros variados, nacionais e estrangeiros – como o choro, o bolero, o fox, a valsa, a canção etc. A listagem de sua obra permitirá uma visão global de sua produção artística, buscando abarcar suas gravações, partituras editadas e partituras manuscritas, a partir da coleta de dados em diferentes acervos. No próximo capítulo, será narrada a trajetória de Dante Santoro, desde suas primeiras referências musicais em Porto Alegre até sua carreira profissional na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Essa narrativa foi construída a partir de dados recolhidos na bibliografia relacionada, em artigos de revistas e jornais e em depoimentos de músicos que conheceram Dante Santoro e/ou sua obra. 54 CAPÍTULO 2 A TRAJETÓRIA DE DANTE SANTORO NO CHORO Quando esta pesquisa foi iniciada, poucas eram as referências biográficas conhecidas sobre Dante Santoro. Dois verbetes ofereciam um resumo de sua vida e obra: no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira32 e na Enciclopédia da Música Brasileira – Samba e Choro (MARCONDES, 2000, p. 218-219). Carecia-se de dados biográficos mais detalhados, ao tempo em que se especulavam histórias, entre os músicos, sobre curiosos episódios de sua vida. Por exemplo, que Dante Santoro teria sido o único sobrevivente de um acidente automobilístico na ocasião em que veio de Porto Alegre para o Rio de Janeiro e que teria morrido, anos depois, tragicamente, em um episódio de agressão ocorrido em uma casa noturna de sua propriedade, chamada O Inferno de Dante. Era necessário, portanto, reconstituir a biografia de Dante Santoro, a partir de novas fontes e de dados comprovados. Esse trabalho desenvolveu-se, paulatinamente, por meio do contato com um de seus familiares - o sobrinho Homero Santoro - e com o músico e jornalista gaúcho Arthur de Faria, que publicou em 2011 um artigo sobre o flautista na revista eletrônica SUL 21. Esse artigo é parte de uma série que compõe o livro não editado Uma História da Música de Porto Alegre, disponibilizado eletronicamente no portal SUL 21 no formato de artigos periódicos. As informações colhidas no artigo de Arthur de Faria foram complementadas por depoimentos do sobrinho de Dante Santoro e de músicos que o conheceram. Também foram coletados dados de jornais e revistas das décadas de 1930 a 1960, pertencentes ao acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Outra fonte essencial foram os textos acadêmicos e literários sobre a música no Rio Grande do Sul, que auxiliaram a compreensão e reconstituição de aspectos biográficos relacionados ao ambiente musical de Porto Alegre no início do século XX. A trajetória de Dante Santoro será narrada, neste trabalho, a partir de uma leitura crítica desta pesquisadora. Buscou-se reconstituir sua história, com fidelidade aos registros encontrados, desde suas primeiras referências musicais em Porto Alegre, até sua carreira profissional na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Porém, este texto é certamente uma 32 Disponível em http://www.dicionariompb.com.br/dante-santoro. 55 interpretação de sua biografia, pois grande parte da memória se perdeu no lapso de quarenta e quatro anos desde seu falecimento: poucos são os músicos contemporâneos a Dante Santoro ainda vivos; além disso, restam não mais que vestígios documentais nos arquivos da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Assim, serão apresentados os fatos e, no momento oportuno, os comentários desta pesquisadora. Espera-se que futuros trabalhos possam enriquecer essa narrativa. 2.1 Os primeiros anos de Dante Santoro em Porto Alegre (1904 - c. 1933) Dante Italino Santoro nasceu em Porto Alegre, em 18 de junho de 1904. Era filho de um casal de imigrantes italianos, Pasquale Santoro e Rosa Marsiglia Santoro, que tiveram outros quatro filhos: Domingos, Homero, Godofredo e Algesira Santoro. O interesse pela música pode ter sido herdado dos pais. Segundo o comentário da pesquisadora Núncia Santoro de Constantino, prima de Dante, no texto que abre o encarte do CD triplo A flauta Mágica de Dante Santoro (1998), Dante “interessou-se muito cedo pela música, herdeiro da tradição que também fora transplantada na bagagem de seus pais, ele o calabrês Pasquale, que aqui chegara com “um patacão e uma viola”, ela a napolitana Rosa, com grande repertório de belíssimas canções”. Não se sabe ao certo como se deu a iniciação musical de Dante. Estima-se que ele tenha começado a tocar flauta por volta dos dez anos, mas não é possível determiná-lo. Sabese que no início do século XX, o ensino da música em Porto Alegre acontecia mais de forma particular e informal, do que por meio de escolas oficiais. A institucionalização do ensino da música e o reconhecimento da profissão de músico foram processos que se consolidaram na capital gaúcha nas primeiras décadas do século XX (RODRIGUES apud SIMÕES, 2000, p. 91), ou seja, justamente no período que compreende a infância de Dante Santoro. Quem seriam os professores de música daquela época em Porto Alegre? Segundo Souza (2010, p. 87), Porto Alegre em meados do século XIX ainda não tinha uma instituição de ensino exclusivamente musical. As aulas de música eram ministradas por professores particulares, como os conhecidos professores Carlos Bernardino de Barros que desde 1891 lecionava flauta, clarineta, piano, violão e “cantoria” em sua residência; o pianista Domingos Moreira Porto, o Mingotão – animador de festas particulares, também lecionava música e ministrava concorridas aulas de dança (PORTO ALEGRE apud SOUZA, 2010, p. 64). 56 Havia também professores e maestros italianos, como o músico José Corsi (18801938), bandolinista “chegado ao Rio Grande do Sul como elemento de um pequeno conjunto orquestral húngaro que excursionava pelo interior do Estado, dele se afastando ao estabelecer relações com sua futura mulher, Luísa Torres, que residia em Alegrete” (CORTE REAL apud SIMÕES, 2011, p. 126). Em 1910, residindo em Porto Alegre, Corsi anuncia no jornal Correio do Povo lições de bandolim e um curso completo de aperfeiçoamento, ao lado da mulher, Luísa Torres Corsi, que lecionava piano (SIMÕES, 2011, p. 126). A prática da música passou a ser uma matéria complementar em alguns colégios particulares desde fins do século XIX. Souza (2010, p. 87) refere que, como prática de grupo e como demonstração de sociabilidade, muitos desses alunos acabavam fazendo parte das orquestras amadoras e das estudantinas organizadas pelos professores. As estudantinas eram conjuntos orquestrais mistos, compostos, principalmente, por violões e bandolins, que se tornaram populares entre músicos amadores. Entidades associativas, surgidas na virada do século XX, promoviam concertos e audições para os associados. Algumas delas ofereciam aulas de música. Existiram a Sociedade Filarmônica Porto-Alegrense (1877), a Associação Musical Carlos Gomes (1882), a Estudantina Porto-Alegrense (1888), a Aplicação Musical (1888), a Sociedade Republicana Musical (1889), o Grupo Lírico (1894), o Instituto Musical Porto-Alegrense (1896), o Club Haydn (1897) e a Sociedade Musical Porto Alegrense (1900) (RODRIGUES apud SOUZA, 2010, p. 78). Como se verá mais adiante, Dante Santoro participou do movimento das entidades associativas na década de 1920. A fundação do primeiro Conservatório de Música no estado ocorre em 1908, integrando o Instituto Livre de Belas Artes, atual Instituto de Artes da UFRGS. O conservatório ofereceu um curso de instrumentos de sopro, a cargo do Professor Biagio Messina, de 1908 a 1910, quando encerrado em função da irregularidade de frequência dos alunos. Desse curso seguramente não participou Dante Santoro, pois contava somente seis anos. Em 1919 foi finalmente criado um curso de flauta, a cargo do Professor José Joaquim Andrade Neves, graduado do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro na classe de Pedro de Assis (WINTER e JUNIOR, 2009). Dante poderia ter tomado parte desse curso de flauta, mas não há registros de que tenha estudado no Conservatório de Música de Porto Alegre. A consulta ao arquivo histórico foi feita nos livros de matrícula no período de 1908 a 1935. A pesquisa incluiu, ainda, os cadernos de chamada das disciplinas da época, conforme informação prestada pela arquivista 57 Medianeira Pereira Goulart em 26 de junho de 2011, confirmada mediante visita ao Arquivo Histórico do IA/UFRGS, em novembro de 2011. Outra possibilidade é que Dante tenha estudado no Instituto Musical de Porto Alegre, fundado em 1913, pelo já citado professor José Corsi. O Instituto também ofereceu um curso de flauta a partir de 1918, sob a orientação do Professor Rocco Postiglione. Outras disciplinas oferecidas foram canto, teoria, solfejo e harmonia, com o Professor Calderón de la Barca, além de teoria e solfejo, com Gaetano Roberti (SIMÕES, 2011, p. 126). Em 1920 os professores Guilherme Fontainha, do Conservatório de Música, e José Corsi, do Instituto Musical de Porto Alegre, fundam o Centro de Cultura Artística, cujo objetivo era difundir o ensino de música no estado do Rio Grande do Sul como um todo, instalando escolas de música no interior. O enfoque dessa entidade parecia ser a formação de músicos e de um público de concertos, que pudesse apreciar o crescente número de eventos musicais ali promovidos (SIMÕES, 2011, p. 166). Em 1931 inaugura-se o Instituto Musical Henrique Oswald, que oferecia aulas de piano, canto, violino e flauta, com programas baseados nos do Conservatório de Paris e do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro. Além dessa escola, encontram-se referências ao Instituto Carlos Gomes, fundado em 1924 pela professora de canto Sybilla Fontoura, e o Conservatório Chopin, da professora de piano Santina Plumato Fornari (SIMÕES, 2008, p. 68-69). É pouco provável que Dante tenha estudado no Instituto Henrique Oswald, pois por volta de 1931 já se mudava definitivamente para o Rio de Janeiro. Não é possível determinar, pois, se Dante estudou formalmente em qualquer instituição oficial de música em Porto Alegre. Na verdade, não se tem notícia de quem poderia ter sido seu professor de flauta por essa época. No encarte do CD A Flauta Mágica de Dante Santoro, a família afirma que ele estudou com um flautista chamado Agenor Benf. Não foram encontradas referências a esse flautista em nenhuma das obras consultadas sobre os músicos em Porto Alegre no início do século XX (SOUZA, 2010; VEDANA, 2000; SIMÕES, 2008 e SIMÕES, 2011). Entretanto, não se pode descartar totalmente essa hipótese. Outra possibilidade a ser considerada é de que a menção em realidade queira referirse ao flautista Agenor Bens (c. 1850- c.1950), natural de Cordeiro- RJ e radicado no Rio de Janeiro desde fins do século XIX. Essa hipótese é adotada pelo músico Arthur de Faria (2011) em seu artigo sobre Dante Santoro. Porém, a distância física entre ambos leva a crer que esses estudos ou ocorreram de forma ocasional, ou num período posterior, quando Dante já 58 vivia no Rio de Janeiro (a partir do início da década de 30). Atendendo a essa suposição, falar-se-á de Agenor Bens posteriormente, quando da narração da ida de Dante para o Rio. O único professor de Dante Santoro de que se tem registro por essa época é o violonista e compositor Octávio Dutra, com quem atuaria posteriormente como músico profissional na capital gaúcha. Sabe-se que o vínculo entre ambos se manteve mesmo depois da mudança de Dante Santoro para o Rio de Janeiro, no início da década de 30. A primeira gravação de Dante na capital federal foi justamente um disco 78 rpm com obras de Dutra: Saudades do Jango e Beatriz (RCA Victor, nº 33770, ano 1934). Como se deram os estudos de Dante Santoro com Octávio Dutra? Quais foram as experiências iniciais de Dante como músico nas primeiras décadas do século XX em Porto Alegre? A fim de conhecer o universo musical de Dante Santoro em suas origens, far-se-á um breve estudo sobre a cena musical porto-alegrense nas três primeiras décadas do século XX, tomando por referência os trabalhos desenvolvidos pela pesquisadora Júlia Simões no Programa de Pós-Graduação em História da PUC/RS. Comentar-se-á, ainda, a atuação de Octávio Dutra nesse contexto, tendo por referência sua biografia, publicada pelo musicólogo gaúcho Hardy Vedana (2000), e a tese do violonista Márcio Souza (2010), desenvolvida naquela mesma universidade. 2.2 A cena musical de Porto Alegre no início do século XX e a participação de Dante Santoro Nascido em 1904, Dante Santoro viveu em Porto Alegre até o início da década de 1930, quando se mudou definitivamente para o Rio de Janeiro, com pouco mais de vinte e cinco anos. Antes dessa mudança, atuou na cena musical da capital gaúcha em saraus, blocos de carnaval e concertos. Participou da vida musical da cidade em um período de transformações, em que a música circulava em distintos meios: no ambiente das serenatas e saraus; nos cinemas; nas casas de diversão; no teatro de revista; no carnaval e nas salas de concerto. No início do século XX, havia, em Porto Alegre, basicamente músicos amadores e semiprofissionais, cujo repertório abarcava (1) gêneros herdados da tradição das serenatas do século XIX (modinhas, lundus, polcas, tangos, schottisches, valsas e choros); (2) músicas italianas e alemãs cultivadas pelos imigrantes; (3) música clássica europeia e brasileira. Esse 59 repertório ofereceu a base sobre a qual a atividade musical foi se diversificando ao longo do século, com o incremento das atividades de entretenimento e de cultivo da música. No que se refere às serenatas, tiveram o seu período de apogeu em Porto Alegre durante a segunda metade do século XIX, como descrevem os antigos cronistas da cidade. Os seresteiros eram pequenos grupos de músicos, geralmente com instrumentos de corda, sopro e um cantor. Em geral, surgiam a partir da reunião de instrumentistas, amadores e profissionais, que se deslocavam para tocar nas ruas e nas reuniões festivas em casas particulares (MORAES apud SOUZA, 2010, p. 61). Segundo o cronista Aquiles Porto Alegre, no século XX as serenatas começaram a ser mal vistas pelo poder público, pois eram identificadas como episódios de desordem. Gradualmente foram substituídas pelos saraus, que foram a grande fonte de entretenimento da sociedade gaúcha até a década de 1930 (PORTO ALEGRE apud SOUZA, 2010, p. 62). O sarau se caracterizava primeiramente como uma reunião social informal com o objetivo de ouvir música, dançar, ler poemas e conversar. No entanto, a importância cultural desse tipo de atividade abarcava outras questões relativas à formação social e moral do indivíduo. Como aponta Rodrigues (2000), fazer música no final do século XIX e início do século XX constituía-se em atividade social de importância reconhecida. Enfatiza que a música não servia somente para alegrar as festas familiares e cívicas, mas também como um componente importante da educação e da formação moral e da cidadania republicana. Neste aspecto, era especialmente valorizado o aprendizado de um instrumento musical no ambiente familiar. Quando não se tinha o privilégio de ter alguém na família que soubesse música, o que era raro, contratavam-se professores particulares. (SOUZA, 2010, p. 64). Também a música vocal, tanto lírica quanto popular, foi cultivada na cidade no início do século XX, especialmente nos chamados saraus lítero-musicais. Segundo Souza (2010, p. 66), nesse tipo de reunião eram convidados cantores e instrumentistas que mantinham um repertório de música clássica. Esses saraus ocorriam tanto em residências como em locais públicos, por exemplo, no aclamado Clube Jocotó, entre 1920 e 1930. Diferente do sarau familiar, de caráter informal e no qual praticava-se principalmente a música de salão, o sarau lítero-musical geralmente primava por uma “hora de arte” considerada mais “elevada”. Era a oportunidade de se ouvir, em ambiente reservado, os artistas de destaque e também o repertório executado em recitais e concertos no palco dos teatros. (SOUZA, 2010, p. 66) Segundo Simões (2008), na seção musical dos saraus lítero-musicais sempre havia um recital de música erudita, com obras de épocas variadas (Liszt, Puccini, Gluck, Beethoven Bach) e homenagens a compositores nacionais (Villa-Lobos, Leopoldo Miguez, Carlos 60 Gomes e Alberto Nepomuceno). A única exceção a esse tipo de repertório parece ser a participação do conhecido grupo carioca “Ases do Samba”, com Francisco Alves, Mário Reis e Noel Rosa, ocorrido em maio de 1932, no Theatro São Pedro (SIMÕES, 2008, p. 62). Um interessante registro da participação de Dante Santoro em uma serenata encontra-se em um livro de memórias do escritor gaúcho Dante de Laytano (1908-2000). Depreende-se, da escrita rebuscada e metafórica, que o repertório da serenata foi todo erudito. Transcrevem-se, a seguir, trechos do texto retirado do livro Mar Absoluto das Memórias (1986): Estava eu promotor público no Rio Pardo. (...) achei que devia trazer, a Rio Pardo, Dante Santoro. E veio. Era uma serenata. Ia dar eu uma serenata. A noite de música é uma inundação poética na berceuse de cada um. (...) Dante Santoro veio para minha casa. A serenata estava preparada. Silêncio de outono de estrelas contentes. Ilha, que ia ser minha esposa, seria a vítima lírica do cancioneiro da madrugada bela, belíssima.(...) Lá fomos, eu e amigos e Dante Santoro. Conhecia todos os grupos de artistas de Porto Alegre, com eles convivia, fazia programa...(...) A serenata compensou os árduos problemas da matéria. Mozart era ouvido sem Viena perto mas na quietude divinatória da admiração incondicional. Nisso, Vivaldi se esgueira feliz por surgir lépido. O terceiro número então foram as lágrimas de Chopin no solo do campo santo de Paris independente de George Sand malvada, violenta e de amor volúvel. O polonês francês é sempre um gênio do romantismo musical. Dante Santoro regressou logo para Porto Alegre, no trem da manhã seguinte. Ninguém dormiu. Nós, pelo menos. Embarquei o artista. (...). (LAYTANO, 1986, p. 187-188). A partir da segunda década do século XX, surgiram várias instituições destinadas a estimular a atividade musical na cidade e congregar os músicos, que já começavam a organizar-se como classe. O Centro Musical Porto-Alegrense, inaugurado em 1920, foi uma das instituições mais destacadas no meio musical de Porto Alegre à época. Desempenhou, por quatorze anos, um importante papel como promotora de concertos, arrecadadora de fundos, além de estabelecer uma identidade entre os músicos, no sentido de despertá-los para a importância de se unirem como categoria (SIMÕES, 2011, p. 124). O Centro Musical manteve uma orquestra, que era a maior de Porto Alegre naquela época, e congregou vários sócios, dentre eles Dante Santoro. Segundo Simões (2011), a maioria dos sócios trabalhava nas orquestras das chamadas “casas de diversões” da capital, ou seja, cinemas, teatros, cafés e restaurantes. Entre esses grupos orquestrais estavam, por exemplo, a Orquestra do Centro de Caçadores, sob a regência do maestro Milton de Calasans; a Orquestra o Teatro Coliseu, sob a regência de César Fossati; o Club Monte Carlo, o High Life Club, o cinema Colombo e o chalé da Praça XV, com sua Orquestra Bemann (SIMÕES, 2011, p. 143). 61 Em 1921, houve um episódio importante envolvendo os músicos de Porto Alegre. A exemplo do que ocorria no Rio de Janeiro, o Centro Musical Porto-Alegrense elaborou na época tabelas de ordenado para o pagamento dos músicos nas variadas funções artísticas. Diante da demanda por correção salarial, o conflito com os empregadores não pôde ser evitado. Em 23 de janeiro de 1921, todos os músicos de cinemas e casas de diversão de Porto Alegre foram sumariamente dispensados. A questão mobilizou os esforços do Centro Musical, cujos membros, reunidos em sessão extraordinária, decidiram elaborar um manifesto explicando “o incorreto procedimento dos proprietários de cinema”. Esse manifesto, cujo texto se transcreve parcialmente a seguir, foi também publicado no jornal O Correio do Povo, em 03/02/1921: Está no domínio público o incidente surgido entre os proprietários de cinemas desta capital e as respectivas orquestras. Nenhum fato positivo foi articulado contra estas. Em aviso que publicaram, os proprietários de cinemas declararam, apenas, que dispensavam as orquestras para evitar o aumento dos preços das entradas. Mas ao mesmo dia em que esse aviso era distribuído, em um cinema desta capital, como, por irrisão para com o público, era cobrado o dobro do preço comum das entradas. E frequentemente esse fato se reproduz nesse e em outros cinemas. Ao passo, porém, que, de público, nenhum fato positivo se aduz contra as orquestras, particularmente se veiculam inverdades dirigidas principalmente contra o Centro Musical, ao qual estão filiados os professores das referidas orquestras. E são falsidades que o Centro quer desfazer. Há quem suponha e tem-se dito que o Centro Musical faz imposições aos proprietários de cinemas. É absolutamente inexato. E não se provará com um único fato essa acusação. Se alguma exigência pudesse haver, seria de caráter técnico, artístico, e essa caberia sobretudo aos diretores de orquestra, ou então seria em defesa de interesses lesados e neste caso não seria imposição. Ao contrário, o regulamento do Centro diz, no seu artigo 9º: “Os proprietários ou empresários de casas de diversões serão visitados semanalmente pelo diretor de mês, ao qual serão apresentadas suas reclamações que, sendo consideradas justas, serão prontamente atendidas. Em caso de urgência tomará providências o encarregado que o Centro nomeou adjunto à orquestra”. Dias antes de se verificar o atual conflito, o abaixo assinado, como presidente do Centro, procurou proprietários de algumas casas de diversões. Todos se declararam satisfeitos e disseram não ter nenhuma queixa a formular. Não obstante, dias após, sem nenhum aviso anterior, eram dispensadas todas as orquestras. Afirma-se, também, que os professores sócios do Centro reclamaram preços exorbitantes. É igualmente inexato. É certo que o Centro elaborou uma tabela de preços, assim como as têm os Centros Musicais do Rio de Janeiro e S. Paulo e as sociedades orquestrais de Buenos Aires e Montevidéu. Mas essa tabela de preços é perfeitamente razoável. Basta dizer que para as casas de primeira categoria, as que ganham, diariamente, muitas centenas de mil réis, onde as orquestras são compostas dos melhores profissionais da capital e onde estes precisam apresentar-se, trajados com certa correção, o preço geral é de 12$000 por dia, aos diversos professores, ganhando 13$000 o 1º violino e 18$000 o maestro, a quem cabe a responsabilidade da orquestra. Para as casas de 2ª categoria, os preços são inferiores. Por certo aquele preço de 12$000 para casas de 1ª categoria não é exagerado. Mas nem mesmo isso, até agora, haviam pedido os professores do Centro, porque a tabela, que entrou em vigor a 1º de janeiro, dispõe textualmente: “O Centro Musical ao estabelecer a presente tabela não visa de maneira alguma fazer imposições odiosas aos proprietários de casas de diversões atualmente existentes nesta capital, 62 como também não deseja alterar o bom andamento dos espetáculos que essas casas atualmente exploram e para bem ser cumprido o que acima está, o Centro resolve que: os srs. professores que se acham presentemente prestando seus serviços profissionais em Cinemas, Teatros, Cafés, Restaurantes ou qualquer outra casa de diversão, conservarão os mesmo preços atuais, só entrando em vigor esta tabela para os professores que venham a ser chamados a prestar seus serviços após a aprovação da mesma”. (...) São, pois, inteiramente descabidas as acusações que por aí se lançam contra o Centro e que poderiam iludir a quem ignora a verdade dos fatos. Na defesa de seus associados, como na execução do seu programa artístico, o Centro Musical guarda a mesma elevação de intuitos e visa os mesmos alevantados fins que o tornaram digno dos aplausos e do apoio da população porto-alegrense. É desse apoio que o Centro se preza de não haver desmerecido, que quer continuar a ser digno. José Corsi. (SIMÕES, 2011, p. 151-152) De acordo com a ata da assembleia de 24/01/1921, diversos sócios foram escalados, por regiões, para distribuir o mencionado manifesto, entre eles Dante Santoro. Era a seguinte a escala de distribuição: São João: João Maciel; Andradas: Piedrahita, Truda, José dos Santos, Rocco Postiglione, Amadeo Lucchesi; Cidade Baixa: Achylles, Júlio Oliva, Dante Santoro; Garibaldi: Poggetti, Bersani; Floresta: Petry, Brojevsko [Brozensky]; Caminho Novo: Bruno Mascarenhas, Laitano Fedels, Pasqual Pesce. (Ata da Assembleia de 24/01/1921 do Centro Musical Porto-Alegrense apud SIMÕES, 2011, p. 151, grifo nosso). Não se sabe ao certo como terminou a negociação com os proprietários de cinemas, se a favor ou contra as deliberações do Centro Musical Porto-Alegrense, mas o fato é que a questão foi contornada e os músicos do Centro continuaram tocando nas orquestras. A polêmica parece antecipar a crise de fato ocorrida em 1929, quando o cinema sonoro chega a Porto Alegre. Os filmes sonoros não mais admitiram a presença concomitante de música ambiente, tornando a atuação dos músicos restrita aos intervalos e às salas de espera. Mesmo nesse contexto, as orquestras, com o tempo, foram substituídas pelo piano. A foto a seguir (figura 1), do acervo da família Santoro, é um dos primeiros registros de Dante Santoro, então com cerca de vinte anos. Na figura 2, vê-se Dante Santoro (o jovem de baixa estatura de pé ao centro), entre os sócios fundadores do Centro Musical PortoAlegrense. 63 Figura 1. Dante Santoro, c. 1920-1930, Porto Alegre. Fonte: acervo da família Santoro Figura 2. Sócios fundadores do Centro Musical Porto-Alegrense, c. 1920, Porto Alegre. Fonte: SIMÕES, 2011, p. 128). A independência da música, ainda muito vinculada ao cinema, começa a manifestarse mais fortemente na década de 1930, quando os concertos de música clássica de fato se consolidam como uma opção de entretenimento. No início, grupos orquestrais são convidados a preceder as sessões de cinema, interpretando repertório clássico antes da exibição do filme. Foi o que ocorreu, por exemplo, em 1931, na inauguração do palco do Cine-Teatro Imperial, situado na Rua da Praia, com a apresentação da Grande Orquestra de Concertos Sinfônicos do Maestro Roberto Eggers. No programa – que precedia a exibição do filme Noites no Deserto, 64 de John Gilbert – o prelúdio da ópera Maria Tudor, de Carlos Gomes, a Suíte n. 1 do Peer Gynt, de E. Grieg e o prólogo do Mefistófeles, de A. Boito. (SIMÕES, 2008, p. 51). Nesse mesmo ano foi inaugurada uma loja de instrumentos musicais e partituras, que abrigava também uma sala de concertos: a Casa Beethoven. Localizada na rua da Praia, a Sala Beethoven de fato se impõe como sala de concertos, isto é, um espaço para recitais de música erudita. Até então, os concertos ocorriam no Theatro São Pedro (que nessa época já contava setenta anos) ou no auditório do Conservatório de Música (SIMÕES, 2008, p. 78). A inauguração dessa sala parece ter um significado importante no processo de consolidação da música como arte autônoma, desvinculada do cinema ou do teatro. Um levantamento das atividades da Sala Beethoven no ano de 1931, realizado pela pesquisadora Julia Simões, tendo por referência a pesquisa em jornais, revela duas apresentações do flautista Dante Santoro naquele ano: 05/09/1931 – Audição de Dante Santoro, flautista e compositor, à imprensa; 24/09/1931 – Recital de Dante Santoro, flautista e compositor. O Quadro1 apresenta o levantamento da pesquisadora (SIMÕES, 2008, p. 84-85): Quadro 1: Levantamento das atividades da Sala Beethoven (Porto Alegre) em 1931 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 DATA PROGRAMA 14/07/31 Concerto de inauguração 19/07/31 Recital de Raul Laranjeira, violinista 23/07/31 Recital de Willy Hoog, soprano 25/07/31 Audição de novidades 26/07/31 Recital de Raul Laranjeira, violinista 28/07/31 Recital das alunas de piano do professor Tasso Corrêa 07/08/31 1º Concerto Beethoveniano 14/08/31 2º Concerto Beethoveniano 18/08/31 Recital de Maria Alves cantora 21/08/31 3º Concerto Beethoveniano 27/08/31 Reunião-concerto 28/08/31 4º Concerto Beethoveniano 02/09/31 Palestra humorístico-ilustrada, com o caricaturista Márcio Nery 05/09/31 Audição de Dante Santoro, flautista e compositor, à imprensa 09/09/31 Noite Romântica 11/09/91 Recital de Isaías Sávio, violonista 14/09/31 1º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais 18/09/31 2º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais 23/09/31 3º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais 24/09/31 Recital de Dante Santoro, flautista e compositor 30/09/31 4º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais 06/10/31 Recital de alunas do Instituto Carlos Gomes 09/10/31 Recital de composições de Américo Baldino 15/10/31 1º Concerto da Terceira Série de Concertos Culturais 16/10/31 Recital de composições de Américo Baldino 17/10/31 Recital de Jacy Moss dos Reis violonista 21/10/31 Noite Brasileira 65 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 22/10/31 23/10/31 29/10/31 04/11/31 07/11/31 16/11/31 17/11/31 19/11/31 21/11/31 25/11/31 26/11/31 27/11/31 28/11/31 01/12/31 04/12/31 11/12/31 15/12/31 16/12/31 28/12/31 29/12/31 2º Concerto da Terceira Série de Concertos Culturais Recital de Nilda Guedes, pianista 3º Concerto da Terceira Série de Concertos Culturais Recital de Carmem Braga, cantora Recital de declamação de Luíza Barreto Leite Recital de Nato Henn, pianista Recital das alunas de canto da professora Olinta Braga Recital das alunas de piano do professor Tasso Corrêa Exposição Mário Neves paisagista pernambucano Recital do teremim, instrumento russo Apresentação de Kícia Peskin, bailarina Recital de Nato Henn, pianista e Fernando Hermann, violinista Recital do teremim, instrumento russo Recital do teremim, instrumento russo Recital de Alayde Signoretti, cantora Recital de Ubaldina Bicca, mezzo-soprano Recital de alunos do Instituto Brasileiro de Piano – 1ª parte Recital de alunos do Instituto Brasileiro de Piano – 2ª parte Ensaio do Orfeão Rio-Grandense Último concerto da temporada com o Orfeão Rio-Grandense Fonte: (SIMÕES, 2008, p. 85, grifo nosso). As apresentações de Dante Santoro chamam a atenção em dois aspectos: (1) o artista se apresenta como flautista e compositor, o que leva a supor que o programa era constituído, ao menos em parte, de obras de sua autoria; (2) Dante se apresenta em uma sala de concertos de programação erudita, ou seja, sua obra agradava o público de concerto e provavelmente não destoava da programação da casa. É possível, ainda, que Dante interpretasse não só as suas composições, como também obras diversas do repertório erudito para flauta. Um registro mais preciso foi encontrado sobre concerto ocorrido em Caxias do Sul, no ano de 1934. Dois artigos publicados no jornal O Momento, de 12 e 19 de julho de 1934, falam sobre o programa executado e apresentam uma crítica positiva ao evento (figuras 3 e 4). Na ocasião, Dante Santoro interpretou: Peça característica, de sua autoria; Fantasia húngara, de Guil. Popp; Rosa (valsa-serenata), de Octávio Dutra; Scherzo Capriccio, de Guil. Popp; Serenata oriental, de Pattápio Silva; Beatriz, de Octávio Dutra; Il pastore svizzero, de P. Morlacchi. Participaram, ainda, a cantora Hilda de Oliveira - que cantou várias obras, entre elas Chorando o passado, de Dante Santoro – e o irmão de Dante, Godofredo Santoro, que declamou duas poesias de sua própria autoria. Observa-se que o programa mesclava música popular e erudita, com ênfase em dois aspectos: (1) dentro do repertório popular, Dante Santoro buscava interpretar obras próprias ou de Octávio Dutra, preferência que veio a se confirmar nas diversas gravações que realizou 66 a partir de 1936; (2) do repertório erudito, selecionava obras virtuosísticas do repertório romântico de compositores europeus e do brasileiro Pattápio Silva33. Figura 3: Artigo sobre concerto de D. Santoro. O Momento, edição de 12/07/1934. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 33 Pattápio Silva foi uma grande referência para Dante Santoro e para os demais flautistas da época, pois foi o primeiro flautista brasileiro a gravar para a indústria fonográfica, ainda na fase mecânica (1905). Embora a qualidade dessas primeiras gravações não permita um estudo comparativo detalhado, é possível supor que a sonoridade incisiva e a ênfase no virtuosismo técnico (fundamental nas composições e interpretações de Dante Santoro) sejam, em grande, parte referências de Pattápio Silva, herdadas e transformadas na interpretação de Dante Santoro. Essa observação será retomada na seção de análises do Capítulo 4. 67 Figura 4: Crítica sobre concerto de D. Santoro em Caxias do Sul. O Momento, edição de 19/07/1934. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Retomando as considerações históricas, observa-se que, se por um lado, a chegada do cinema sonoro foi motivo de crise para os grupos orquestrais, os avanços tecnológicos ofereceram como contrapartida um cenário promissor no campo das transmissões radiofônicas. As primeiras emissoras de rádio foram inauguradas no Rio Grande do Sul no final da década de 1920: a Rádio Sociedade Rio-Grandense (1924) e a Rádio Sociedade Gaúcha (1927). Ambas priorizavam a irradiação da música e a transmissão de programas musicais. O rádio foi o meio no qual Dante Santoro construiu sua carreira, à frente do Regional da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a partir de 1936. Suas primeiras atuações no rádio ocorreram ainda em Porto Alegre, na Rádio Sociedade Gaúcha, conforme depoimento do próprio músico ao Diário da Noite, em 8 de agosto de 1956 (Figura 5). Embora afirme, nessa 68 mesma reportagem, que começou no rádio no ano de 1934, foram encontrados registros de participações suas em programas de rádio no Rio de Janeiro desde o ano de 1928, o que indica que ele atuava como free lancer em rádios cariocas desde esse ano, antes mesmo de fixar residência no Rio de Janeiro. Figura 5. Depoimento de Dante Santoro. Diário da Noite, edição 6164 de 8/8/1956. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 69 Nessa mesma reportagem de 1956 (figura 5), ao perguntarem se sempre foi flautista, Dante Santoro afirma: “Fui músico de orquestra, de regional e até hoje sou. Sempre como flautista.” Essa afirmação dá a entender que Dante Santoro atuou desde a juventude em orquestras e conjuntos regionais. Portanto, sua trajetória, como músico, seria marcada pela constante circulação entre os ambientes erudito e popular. 2.3. Octávio Dutra na cena musical porto-alegrense: a parceria com Dante Santoro Várias fontes ligam Dante Santoro à figura de Octávio Dutra. Como se estudará adiante, cronistas contam que Dante foi conduzido por Dutra em suas primeiras incursões no meio musical, nos saraus e nos carnavais do início do século. Dedicatórias de partituras e cartas atestam que Dante, depois de aluno, tornou-se colega. É necessário conhecer a figura de Octávio Dutra para avaliar sua influência na formação e na obra de Dante Santoro. Octávio Dutra (1884-1937) foi um músico eclético. Violonista, bandolinista e compositor, atuou em serenatas, saraus, no teatro de revista, em grupos carnavalescos, como professor de música e como diretor musical em transmissões radiofônicas. Inicialmente foi autodidata, porém ingressou no Conservatório de Música de Porto Alegre em 1910, onde permaneceu pelo período aproximado de um ano, conforme registros do Arquivo Histórico do IA/UFRGS. Ali aprendeu a escrever música e teve contato com alguns princípios composicionais, técnicas que potencializaram suas criações. Dirigiu e atuou como músico em quatro grupos, tanto na formação regional (duas flautas, cavaquinho, bandolim e violão), como na de orquestra popular (piano, voz, madeiras, metais e cordas dedilhadas): o Bando do Octávio (década de 1900), o Terror dos Facões (década de 1910), Os Batutas (década de 1920) e a Orquestra da Guarda Velha (década de 1930). O Bando do Octávio atuava nas serenatas e saraus do início do século XX, com um repertório composto principalmente de valsas e modinhas de sua autoria, cujos títulos sugestivos quase sempre se referiam a mulheres - Nilva, Ada, Catita, Santa, Sonâmbula, Fantasmagórica e Vagabunda. O rádio-ator Pery Borges, que participou do grupo, recorda, em crônica de 1937 ao jornal Folha da Tarde, o costume das serenatas: 1910, altas horas, junho friorento, rua da Margem, iluminada ainda por lampeõezinhos de querosene. Silêncio de repouso e de morte. De repente, junto a um umbral de uma janela modesta, os dedos mágicos do artista acordavam os sons apaixonados de uma canção de amor e a voz do Lauro ou do Zeca, dois trovadores 70 do bando do Octávio, acordam o silêncio sonolento da rua (...) As donzelas do 2º Distrito embalavam sonhos com as melodias chorosas dos pinhos enamorados, que os velhos amaldiçoavam... Dutra era o primeiro violão da cidade, desde o tempo que esse pobre e grande instrumento era tido como elemento de vagabundagem. (BORGES apud SOUZA, 2010, p. 114-115) Embora as serenatas tenham escasseado a partir de 1910, o sarau parece tê-las substituído nas décadas seguintes, como uma prática social na qual se cultivava aquele repertório, porém não mais num contexto de boemia, e sim num ambiente doméstico. Atribuise a Octávio Dutra a introdução do violão como instrumento socialmente aceito na sociedade porto-alegrense do início do século XX, de forma semelhante à aceitação que o piano sempre desfrutou. Dutra de fato inovou, ao ensinar o repertório das serenatas, ao violão ou bandolim, o que é atestado pelo cronista Dante Pianta ao jornal Diário de Notícias, em 24 de agosto de 1975: Pouco a pouco, senhoritas da sociedade, rapazes, senhoras e cavalheiros aderiram ao violão, tendo Octávio Dutra ensinado o segredo desse sonoro instrumento a elementos da sociedade local (...) Ao lado de pianistas, violinistas e cantores, surgiram damas violonistas, entre as quais a brilhante escritora Carmen Annes Dias, que cantava acompanhando-se ao violão. (Pianta, jornal Diário de Notícias, 24/08/1975). Os saraus prosseguiram até a década de 30 em Porto Alegre, tornando-se uma verdadeira tradição musical. Segundo familiares, a residência de Octávio Dutra tornou-se um dos pontos de atração do setor artístico da cidade, pois as pessoas vinham para ouvir música, os que aprendiam com Dutra vinham tocar e todos se reuniam de forma espontânea. Sonia Paes Porto, sobrinha-neta do compositor, em depoimento ao pesquisador Marcio Santos, informa que nessas ocasiões “chegou a conhecer o famoso flautista Dante Santoro, um dos alunos de Octavio Dutra e companheiro de saraus”. (SOUZA, 2010, p. 119). Com o grupo Terror dos Facões34, Octávio Dutra alcançou projeção nacional. As gravações do selo gaúcho Casa A Eléctrica, também foram lançadas pela gravadora Odeon, distribuída pela Casa Edison de São Paulo e do Rio de Janeiro. De acordo com o inventário efetuado por Vedana (2000), o Terror dos Facões gravou cerca de 24 faixas entre 1913 e 1914, para as casas Hartlieb e A Eléctrica. O repertório continha polcas, schottisches, mazurcas e valsas. O grupo foi formado por Octávio Dutra no violão e bandolim, seu irmão Arnaldo Dutra no cavaquinho, Honório da Silva no violão e os flautistas Creso de Barros e José Xavier Bastos, o Cazuza. 34 O termo “facão” era, na época, uma gíria usada entre os músicos para designar o músico ruim. 71 Essas gravações do grupo Terror dos Facões foram digitalizadas e compiladas na coleção Memórias Musicais (Biscoito Fino/Instituto Moreira Salles, 2002), em 16 faixas, sobre as quais comenta o saxofonista Pedro Paes: Das 16 faixas desta coletânea, 12 são assinadas por Dutra. As suas polcas intituladas Como Há de Ser, Esmagadora e Olha o Poste! ilustram a sofisticação do seu estilo de composição: melodias cheias de cromatismo e saltos de difícil execução para o solista, modulações para tons distantes e um alto de grau de elaboração no contraponto do violão com a melodia da flauta. No schottisch Dialogo das Flores, assim como na maioria das outras composições, a linha melódica dos baixos do violão (conhecida como baixaria no jargão do choro) incorpora-se à música, estabelecendo um verdadeiro diálogo com as flautas. As características da música de Octavio Dutra assemelham-se às da música de seus contemporâneos cariocas como Irineu de Almeida, Candinho Silva e Pixinguinha. O dueto de flautas é explorado também no schottisch Coração de Ouro e na valsa Celina, composição de Octavio Dutra que alcançou grande popularidade em seu tempo. Essa valsa foi gravada em disco Odeon pelo Terror dos Facões em 1913, atingindo a incrível vendagem de 40 mil discos por todo o Brasil. Aliás, a valsa é o gênero em que Octavio Dutra foi considerado insuperável. O seu dom de melodista é também registrado nas valsas Orvalho de Lágrimas, Separação e Republicana (esta dedicada ao presidente da província Borges de Medeiros). Na mazurca Coração que fala, Dutra ainda aparece como solista de Bandolim, em uma mostra de seu virtuosismo. O tango O Maxixe e as polcas Olha o Poste! e Vagabundo (esta gravada com ditos chistosos) têm efeito cômico, ressaltando o lado brincalhão e malandro deste grande compositor. (Comentário de Pedro Paes no encarte do CD 05 da coleção Memórias Musicais, 2002, grifo do original). A formação instrumental e o repertório do Terror dos Facões o conecta de forma muito direta com os grupos de choro do início do século XX. Souza (2010, p. 122) aponta que essa identificação com os grupos de choro pode ter a sua origem nas serenatas, visto que utilizavam formação instrumental semelhante. Também adicionamos o fato de que o ambiente musical ali cultivado, segundo assinalam os depoimentos, assemelhava-se ao das rodas de choro. Porém, não se tem informação documental sobre seu primeiro contato com a música dos chorões. O fato é que essa afinidade, uma vez estabelecida, se perpetuou na música e no intercâmbio com chorões do mais alto nível, como Pixinguinha (em visita a Porto Alegre em 1923, conforme SOUZA, op. cit, p. 179), Garoto e Aimoré (em 1935, conforme SOUZA, op. cit, p. 121). No final da década de 1910 e início de 1920, a participação de Octávio Dutra foi mais efetiva no contexto dos cordões e blocos carnavalescos. Foi compositor, ensaiador, regente e figurante de blocos carnavalescos, o que se pode atestar pelos registros de músicas carnavalescas e pela memória de cronistas. À época existiam em Porto Alegre blocos rivais, como Os Tigres, Os Batutas, Os Janaús, Os Tesouras, Passa fome e anda gordo, dentre outros (BARROS apud SOUZA, op. cit, p. 75). Os blocos carnavalescos eram compostos de estudantinas de aproximadamente 72 vinte instrumentistas e coros, que saíam às ruas executando um repertório de hinos, marchas, tangos, valsas, polcas, schottischs (VEDANA, 2000, p. 25). A apoteose dos desfiles se dava nas praças, onde havia um duelo de blocos rivais. Octávio Dutra atuou como ensaiador de alguns cordões, sendo o mais famoso deles, Os Batutas. Segundo Hardy Vedana (2000), para o carnaval de 1921, Dutra compôs para o grupo o one step O batuta e os tangos Beijos e Bota fora esse negócio. Ainda segundo o biógrafo, Os Batutas foram aclamados campeões do carnaval daquele ano, após o confronto com o bloco Os Tigres na Praça Garibaldi. De acordo com sua narração, Dante Santoro foi uma das estrelas do grupo naquela ocasião, sendo ovacionado pelos presentes: Logo após Os Batutas haverem executado, com maestria, a valsa Palmyra, de Octávio Dutra, então ensaiador e compositor d´os Batutas – onde teve um solo de flauta o aplaudido “canário” Dante Santoro – o povo que assistia com avidez o encontro Batutas-Tigre ovacionou a estudantina Batuta e levantou em seus braços o glorioso flautista Dante. Então Os Tigres, fortemente despeitados, responderam aos batutas com o bonito tango Vae botá isto lá, autoria de J. Penna. O fato obteve imediata resposta dos Batutas, que executaram Bota fora esse negócio, fazendo com que o público, de cerca de 3 mil pessoas, vaiassem os Tigres. Estes, abatidos, se retiraram da arena. Os Batutas foram aclamados como campeões. (VEDANA, 2000, p. 25). Entretanto, há outras referências ao grupo Os Batutas, fora do contexto do carnaval. Era também um grupo orquestral, formado por quatro flautas, quatro violinos, quatro violões, dois cavaquinhos, dois clarinetes, um trompete, dois baixos e um trombone, segundo o álbum de partituras pertencente ao compositor. Segundo Souza, (2010, op. cit, p. 165), no manuscrito da canção Suplicando (1921), Octávio Dutra anotou que “nesse espetáculo ouviuse pela primeira vez no Theatro São Pedro orquestra composta de violões e cavaquinhos, o que muito agradou a plateia” (SOUZA, op.cit, p. 166). Experiência similar ocorreu em 1926, quando Os Batutas - atuando como uma orquestra de cordas dedilhadas – apresentaram, no Cine-Theatro Apolo, uma versão da abertura da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, com cavaquinhos e violões. Assim se manifestou a crítica jornalística da época, segundo álbum de notícias compilado por Octávio Dutra: O número principal, a execução da fantasia de “O Guarani” pela estudantina do popular cordão Os Batutas, obteve o natural sucesso, sendo obrigada a bisar. Destacaram-se muito os violões, sob a regência de Octávio Dutra, e que, no arpejo do Allegro mosso, pareciam harpas dedilhadas por mãos de mestres. (O GUARANI pela estudantina batutense [1926] apud SOUZA, 2010, p. 177). 73 É possível que Dante Santoro tenha participado desses eventos, considerando que era membro do cordão Os Batutas e que desde 1921 já era ovacionado como grande flautista e parceiro de Octávio Dutra. Lamentavelmente, não se há encontrado referência a seu nome nesse contexto. A colaboração de Dutra nas Revistas Musicais, como compositor, ocorreu paralelamente às atividades nos saraus e carnavais, desde o ano de 1907. A temática das serenatas também esteve presente nas Revistas e algumas canções, que alcançaram popularidade nesse métier, foram objeto de gravações. Uma referência da atuação de Dutra nas Revistas é a crítica jornalística publicada em 1912, sobre a peça Não pode, do teatrólogo gaúcho Dolival Moura, apresentada pelo grupo Terror dos Facões no Theatro São Pedro: A música, quase toda original do maestrino Octávio Dutra, é boa e agradável. Para que a revista faça sucesso, nada lhe falta: boa música, piadas engraçadas e maxixe de vez em quando, com o excelente grupo musical ‘Terror dos facões’, tendo a sua frente como diretor o inteligente compositor Octávio Dutra (VEDANA, 2000, p. 18). O último grupo de que se tem notícia, sob a direção de Octávio Dutra, é a Orquestra da Guarda Velha da Rádio Sociedade Gaúcha, no início da década de 1930. As informações sobre esse grupo não são precisas. Sabe-se que a Rádio Gaúcha tinha um regional e uma orquestra. Octávio Dutra foi o diretor artístico do Regional da Rádio Gaúcha. Entretanto, ao regional somavam-se, eventualmente, outros membros, quando a instrumentação dos arranjos assim requeria. Informa Souza (2010, op. cit) que, nessa orquestra mista, Dutra reuniu instrumentos de sopro, madeira e metal, instrumentos de arco e de cordas dedilhadas, além de vozes. Pode-se entender que, pelos arranjos dessa época, suas obras atestavam os primórdios da orquestra do rádio, visto que combinou violino, violoncelo, baixo, saxofone, trompete e clarinete aos sons da flauta, violão e cavaquinho.(...) Coube a Dutra fazer arranjos dos sucessos nacionais da época, acompanhar cantores (as) e rearmonizar antigas produções, principalmente valsas e choros. Nesse contexto, criou a “Guarda Velha”.(SOUZA, 2010, p. 204). A edição de partituras e as gravações de discos também foram campos de trabalho de Octávio Dutra e meios de divulgação de sua obra. Algumas de suas composições foram editadas em Porto Alegre entre as décadas de 1910 e 1920. Segundo Souza (2010, p. 94), foram impressas nessa época as valsas Celina, Catita, Pax, o álbum intitulado Pétalas, contendo polcas, choros e tangos e algumas das suas marchas carnavalescas. 74 Dutra também participou da chamada geração gramofone de Porto Alegre, no período de 1913 a 1924. Gravou discos para as casas Hartlieb, A Elétrica e Odeon, embora tenha se afastado desse meio com o fechamento das gravadoras em Porto Alegre na década de 20. Depois desse afastamento involuntário, sua obra só foi gravada nos grandes centros do país posteriormente por colaboradores, como o flautista Dante Santoro e o bandolinista Pery Cunha. Compositor dos mais credenciados, principalmente criador de valsas, granjeou fama no Rio de Janeiro, ainda em vida, (...) impondo suas composições através de seus alunos, como por exemplo Dante Santoro, o “canário rio grandense”, que gravou inúmeros sucessos do mestre. Apaixonado por Porto Alegre, Otavio Dutra rejeitou todas as propostas que lhe fizeram para daqui sair, por não querer viver longe de sua terra natal. (Pianta, Diário de Notícias, 24/08/1975) Entretanto, a oportunidade de gravar foi pleiteada por Dutra no ano de 1931, em carta a José Gagliardi, representante da fábrica Columbia Records em São Paulo. Na correspondência, Dutra oferece os préstimos de seu conjunto regional, do qual participava Dante Santoro, fixando as condições contratuais, conforme o trecho que se transcreve a seguir: Devo-lhe dizer que disponho de um conjunto musical typico de primeira ordem, como bem pode calcular o seu contratado, o exímio banjista Amador Pinho, competente no assumpto e que muito me conhece. O meu flautista, professor Dante Santoro, cognominado o “Canário Rio-Grandense” é, sem favor, o maior desse estado e quiçá do Brazil. Convinha, pois, que a sua fábrica de discos não perdesse tão valoroso elemento. Porém a ida do conjunto a essa capital seria um tanto dispendiosa para o senhor, por isso lembro-lhe o seguinte: um contrato só para mim e Dante, reduzindo muito, deste modo, a quantia que deveria o senhor dispender com a presença ahi do conjunto completo. Em todo caso devo informar-lhe o preço do mesmo, por mez, cuja base é um conto de réis por figura, e mais as respectivas passagens de ida e volta conforme deverá saber. É composto tal conjunto de cinco figuras: uma flauta, um saxofone, um cavaquinho e dois violões, sendo eu um deles. Mas, se não lhe convier o negócio com o conjunto, eu e Dante iremos para ahi com o ordenado mensal de dois contos e quatrocentos mil réis (os dois) com as respectivas passagens de ida e volta e com contracto mínimo de seis mezes, com prorrogação dependendo a mesma de ajuste entre nós. Com respeito a nossas obrigações, cumpre-me dizer-lhe que serão as seguintes: gravar as minhas músicas uma vez adquiridas, por compra, pelo senhor, como também gravar as de outros autores, do mesmo gênero, quando isto for determinado e mais alguma cousa que será combinada ahi. (Carta de Octávio Dutra a José Gagliardi in VEDANA, 2000, p. 88-89). As referências a Dante Santoro indicam que ele e Octávio Dutra eram parceiros musicais nessa época e se apresentavam juntos, tanto em grupos regionais como em dueto. O testemunho de Dutra deixa transparecer sua admiração pela qualidade de Dante como flautista, aspecto inclusive enfatizado na propaganda do grupo perante a gravadora. A figura 6 75 mostra Dante Santoro, Octávio Dutra e um terceiro músico não identificado, possivelmente na década de 1920. Figura 6. Dante Santoro, Octávio Dutra e músico não identificado. c. 1920-1930. Porto Alegre. Fonte: acervo da família Santoro. No que se refere à experiência de ensino de diferentes instrumentos, tudo indica que se dava dentro de um estilo de música popular, ou seja, por meio do repertório que Dutra tocava e compunha. Seu Curso Particular de Canto e Música foi fundado por volta de 1910 e, conforme Dante Pianta, estendeu-se até 1937 (PIANTA apud SOUZA, op. cit., p. 128). Ministrava aulas de canto, violão, bandolim, cavaquinho e harmonia. Segundo Souza (op. Cit., 2010, p. 128), o carimbo com os dizeres “Octávio Dutra leciona música” ainda pode ser encontrado em diversas capas de suas partituras impressas e manuscritas. Através da atividade docente, Dutra criou uma escola de violonistas populares, que formou importantes nomes do cenário gaúcho. Dentre eles, Gorgulho e Ney Orestes 76 (participantes da primeira formação do Regional de Benedito Lacerda), Mosquito, Manoel Lima e Jessé Silva (SOUZA, op. Cit. p. 129-130); Honório, Pedro Neves, Conetet, Waltrudes Paes, Brasil Brandão, Gumercindo do Amaral, Vitor Abrano, Gustavo Ribeiro e Levino da Conceição (VEDANA, 2000, p. 85). Entre os músicos de outras especialidades, podem-se mencionar os cavaquinhistas Arnaldo Dutra, Eurico Leão, Edmundo Vaz e Coimbra; os bandolinistas Ostelino Pantoja, Amador Pinho, Andonio del Bagno e Pery Cunha; os flautistas Dante Santoro, Creso de Barros, Fernando Antunes Feijó, João Batista Lobato, Cazuza, Leopoldo Nery e Luiz Amábile (Piratini); os pianistas Raul Moraes e Augusto Vasseur; o pistonista Acioli; os violinistas Cravinho e José Specialiski e os cantores Omar Fonseca, Pezzi, Benjamim Borges, Otávio de Jesus e Januário de Souza (VEDANA, op. Cit, p. 85). Destes, além de Dante Santoro, Pery Cunha e Augusto Vasseur estabeleceram-se no Rio de Janeiro. Não há registros sobre a metodologia de ensino de Dutra, exceto os cadernos musicais da época. Ele compilava o repertório utilizado nos saraus, serenatas, grupos de choro e carnaval em cadernos manuscritos. Compilou música específica para carnaval, além do repertório de seus grupos. Souza menciona que “esses cadernos possivelmente também fizeram parte do repertório das aulas particulares de música que ministrava desde 1905 e das reuniões musicais que organizava em sua casa ou que participava na casa de amigos”. (SOUZA, 2010, p. 114). No acervo pertencente à família de Octávio Dutra encontram-se doze desses cadernos, alguns dos quais incluem repertório de outros autores. Pode-se inferir que Dutra ensinava leitura musical, além dos primeiros passos em cada instrumento (postura, emissão sonora, técnica básica). A evolução do aprendizado ocorria então na prática, com a execução de repertório. O intercâmbio informal, nos saraus e reuniões musicais, permitia que o aluno conhecesse o repertório e se integrasse cada vez mais aos grupos de Octávio, na medida em que avançava tecnicamente no instrumento. Acredita-se que esse foi o processo no qual se inseriu Dante Santoro como estudante35. Anotações nos cadernos musicais de seus colegas e alunos deixam transparecer a camaradagem que caracterizava essa relação, além de traços da personalidade de Dutra, como sua forte liderança e seu bom humor. Do livro de músicas do flautista Vicente Lua Cheia, 35 O uso de cadernos manuscritos parece similar ao que ocorria no Rio de Janeiro na mesma época. Também a descrição do ambiente de ensino (saraus e reuniões musicais) leva a crer que havia entre Octávio Dutra e seus alunos uma relação mestre-discípulo, como descrito no Capítulo 1. 77 extrai-se a seguinte mensagem: “Lua Cheia, vê se tocas direito a música”. Ao lado, no mesmo caderno: “Tu sabes que eu gosto de um bom vinho... (branco não!)”. No caderno de música do flautista Lombriga, na música Pierrot e Colombina, havia o seguinte recado: “Animal, si não entenderes as fermatas, suicida-te!”. (VEDANA, op. cit, p. 86). Sonia Paes Porto, sobrinhaneta de Octávio Dutra, recorda que Dutra era chamado de “burro querido”, pois era muito bravo e ao mesmo tempo amável. Se o aluno errava, dizia “mas tu és burro, meu querido!”, numa mescla de irritação e amabilidade (PORTO apud SOUZA, op. cit. , p. 129). A experiência musical de Octávio Dutra caracteriza-se, essencialmente, pela multiplicidade de suas atuações, seja como professor, arranjador, compositor, maestro ou intérprete. Isso se deve ao fato de que ele acompanhou a expansão da atividade e da categoria profissional do músico naquela época. Porém, para além da exigência do mercado musical da época, seu ecletismo parece se relacionar a uma tendência pessoal ao protagonismo e à inovação: Dutra não dispensou a formação erudita do conservatório, apesar de se manter fiel a um repertório que privilegiava a música popular urbana nacional. Levou esse repertório a distintos espaços sociais e com ele ensinou música, fato até então inédito na capital gaúcha. Nota-se que os conceitos erudito e popular já se diluíam no ambiente musical de Porto Alegre no início do século XX: diferentes repertórios eram misturados em espaços como cinemas, teatros, blocos de carnaval, salas de concerto etc. A atuação de Octávio Dutra, entretanto, impulsionou essa circulação, o que foi incorporado por Dante Santoro em sua atuação como músico. No caso de Dante Santoro, pode-se identificar esse traço de ecletismo desde cedo em sua atuação como flautista de orquestras, grupos de serenata, grupos de choro, nos saraus e salas de concerto. Essa tendência acentuou-se com o passar dos anos, quando se dedicou também à composição e à direção musical. Dutra e Santoro foram intérpretes essencialmente autorais, que compuseram, gravaram e editaram suas próprias obras. Dedicaram-se também ao mesmo tipo de repertório: choros, valsas, marchas, polcas-choro, maxixes, schottisches, boleros e danças típicas. Como se observou no Capítulo 1, a mediação, ou seja, essa habilidade de circular por distintos “ambientes musicais” e atuar em variadas “frentes”, de forma eclética, era característica essencial dos músicos populares no início do século XX. Essa habilidade se manteve no contexto da indústria fonográfica e radiofônica, após a década de 1930, quando os músicos profissionais foram chamados a atender um variado repertório, nas transmissões radiofônicas e nos estúdios de gravação. 78 2.4. Dante Santoro no Rio de Janeiro (c. 1933-1969): o meio radiofônico Apesar do crescimento das atividades musicais em Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX, as perspectivas profissionais dos músicos gaúchos ainda eram restritas, se comparadas às do Rio de Janeiro, então capital federal. Como mencionado, na capital gaúcha as gravadoras foram desativadas em 1924, o que dificultava o registro e a difusão das obras musicais. Dante Santoro já buscava uma oportunidade fora da capital gaúcha antes de 1933 ano em que provavelmente se instalou no Rio de Janeiro. O primeiro registro de participação de Dante Santoro em programa radiofônico no Rio de Janeiro data de 18 de abril de 1928, na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, ao lado de Jessy Barbosa e Gastão Formenti (canto), Rogério Guimarães (violão), Pery Cunha (bandolim) e Alberico de Souza (piano). No programa, interpreta a valsa Sonhando, de autor desconhecido (figura 7). A esse programa segue-se outro, em 31 de maio de 1928, também na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, no qual Dante Santoro interpreta três músicas: Celina (valsa), de Octávio Dutra; Betinho no choro (choro), de Dante Santoro e Zinah (choro), de autor desconhecido. Ambos os registros foram retirados da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Nessa mesma época, Dante tocava também em um grupo de música regional, Os Bohemios Brasileiros. O repertório do grupo era bem variado, incluindo choros, canções, valsas e sambas, o que se depreende de artigo publicado pelo jornal A Noite, em 3 de julho de 1929 (figura 8). Entre as obras mencionadas, constam: Sempre nós (polca) e Beatriz (valsa), de Octávio Dutra, além da polca Só na flauta, de Dante Santoro. O grupo preparava-se, em 1929, para uma apresentação na Espanha, como afirma a nota publicada no jornal Crítica, de setembro de 192936: No grande Réveillon da Independência, que na próxima sexta-feira 6 se realiza no Beira Mar Cassino, figura como principal atração a exibição dos artistas nacionais conhecidos por “Os Bohemios Brasileiros” e que estão prestes a despedir-se do Brasil, pois embarcam em breve para a Europa, onde se exibirão na exposição de Sevilha. São eles os artistas que conservam seu amor pela flauta, cavaquinho e 36 A Exposição Iberoamericana de Sevilha, ocorrida de 09 de maio de 1929 a 21 de junho de 1930, foi a primeira exposição internacional destinada a fortalecer os laços de integração entre os países ibéricos e americanos. Não foram encontrados registros que confirmassem a participação do grupo Bohemios Brasileiros no evento. Porém, sabe-se, pela narração do cronista Dante de Laytano, que Dante Santoro esteve, em algum momento, em visita à península ibérica, mais especificamente a Portugal: “Encontrei com ele, depois, umas vezes. Inclusive, no Rio de Janeiro, onde se afeiçoara, vivia na Rádio Nacional e desfrutava o prestígio de músico em forma. Flauta Mágica. E o era. Também o achei, e num acaso alegre, em Lisboa à tardinha, no Chiado animado de gente”. (LAYTANO, 1986, p. 188) 79 violão e pelas seresteiradas cantadas de noite, tradições musicais que vão desaparecendo, e que bem dizem com o carácter da festa da Independência que o Brasil vai, mais uma vez, celebrar. E bem andou a direção do Beira Mar Cassino contratando esse conjunto, que é composto pelos bem conhecidos artistas: Dante Santoro, flauta; Pery Cunha, bandola; César Luciano, cavaquinho; Jacy Pereira, violão; Rubem Bergman, violão; Macrino Madeiros, violão; Lourival Montenegro, violão; Salvador Correia, pandeiro e Adalardo Mattos, cantor, os quais interpretarão os trechos mais populares da música nacional. (Jornal Crítica, 3/9/1929, ed. 249, página VI). Figura 7. Primeiro registro de Dante Santoro no rádio carioca. Jornal A Esquerda, 18/4/1928. Fonte: acervo da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 80 Figura 8. Detalhe do artigo sobre os Bohemios Brasileiros publicado no jornal A Noite, de 03/07/1929. Fonte: acervo da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Afirma o músico Arthur de Faria (2011) que a mudança definitiva de Dante para o Rio de Janeiro deu-se em 1933, quando começou a trabalhar na Rádio Cajuti PRE 2, inaugurada nesse mesmo ano. A emissora, que funcionava no bairro da Tijuca, dava destaque à programação musical, tendo entre seus artistas exclusivos os cantores Francisco Alves e Edgard Velloso. Em 1934, Dante teria se transferido para a Rádio Educadora do Brasil, emissora que já contava oito anos de transmissões. Voltada para a difusão da cultura, sua programação era constituída basicamente de palestras, conferências e números de música clássica e ópera. Não foram encontrados registros das apresentações de Dante Santoro na rádio Cajuti, mas nesse período, de 1933 a 1935, Dante Santoro participa de programas radiofônicos nas rádios Philips (1933), Club (1933 e 1934) e Sociedade Guanabara (1935). Em 16 de dezembro de 1933, o jornal A Batalha (ed. 1166) traz, na página 4, a programação da Rádio Club, na qual se apresenta o Trio Typico Dante Santoro (formado por Dante Santoro, Mário Cabral e Antenógenes Silva). No programa, constam obras de Octávio Dutra, Levino da Conceição, Dante Santoro e Manoel Lima (figura 9). Em 1934, Dante ganha seu próprio programa na 81 Rádio Club, como indica a programação publicada no mesmo periódico, na edição 1186 de 12 de janeiro de 1934. O Programa Dante Santoro também aparece na programação publicada pelo Diário Carioca (edição 1674), em 16 de janeiro de 1934. Figura 9. Programa Dante Santoro, Rádio Club. Jornal A Batalha, 16/12/1933, ed. 1166, p. 4. Fonte: acervo da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Uma crítica publicada por F. Tupynamba na Gazeta de Notícias, em 5 de dezembro de 1935, a respeito do Programa Único, da Rádio Guanabara, fala da participação de Dante em outro grupo de instrumentistas – o Grupinho Guanabara - porém tocando um repertório distinto: ópera. Diz a publicação: Ouvimos segunda-feira última uma irradiação desse programa e confessamos que nos agradou em cheio, principalmente o “Grupinho Guanabara”,(...) que se compõe de dois violões, uma flauta e uma bandola; aqueles manejados magistralmente por Pereira Filho e Luiz Bittencourt, e estas por Dante Santoro e João Pereira, respectivamente. É uma delícia ouvir-se esses artistas executarem trechos de ópera, o que fazem com absoluta correção, emprestando a tal gênero de música uma nova melodia que agrada sobremaneira a sensibilidade mais apurada. (Gazeta de Notícias, ed. 288, 5/12/1935, p. 10). 82 Outro registro interessante é o da participação de Dante Santoro no programa Hora do Brasil, de 17 de setembro de 1935. O anúncio da programação, publicado nessa data no Diário Carioca (ed. 2197, p. 12) menciona a participação de Dante no encerramento do programa, tocando a obra Oriental, de Pattápio Silva, acompanhado pelo professor F. Araujo. Em março de 1935, Dante Santoro envolveu-se em um acidente automobilístico, que ficou conhecido na imprensa carioca como O Desastre de Cruzeiro (figuras 10 e 11). O grupo de músicos - formado por Dante Santoro (flauta), Manoel Lima (violão), Ary Valdez (cavaquinho), Didi Carioca (pandeiro), além do locutor Bento Gonçalves - voltava de uma viagem de trabalho, quando o carro em que estavam despencou de uma ribanceira. O fato, objeto de especulação entre os músicos de hoje, foi narrado pelo músico Arthur de Faria (2011) em seu artigo e está documentado nos jornais da época. Depois da queda do carro no rio Paraíba, sobreviveram ao desastre além de Dante Santoro, Ary Valdez e o condutor do veículo, o tenente Hermano Joppert. Figura 10. Detalhe do artigo publicado no suplemento A Noite Ilustrada, em 20/3/1935, ed. 276, p. 32. Nas fotos, o locutor Bento Gonçalves (esquerda) e o violonista Manoel Lima (direita). Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Curiosamente, dois anos depois do desastre, em 1937, encontra-se o seguinte anúncio no jornal A Noite, ed. 9196, de 17 de julho de 1937 (figura 12): Dante Santoro – que é indubitavelmente um cartaz da nossa música regional, há tempos, em virtude de um desastre no automóvel em que viajava para São Paulo, teve a infelicidade de perder uma flauta de prata, instrumento esse de grande valor estimativo. O desastre deu-se na estrada Rio-São Paulo, nas proximidades do rio Parahyba, em cujo leito o carro foi cair. Dois anos são passados e agora Dante Santoro foi informado de que a sua flauta de prata foi achada por um guarda-freios da Central do Brasil, funcionário da estação de Cruzeiro. Naturalmente interessado em reaver o seu precioso instrumento faz, por intermédio d´A Noite este apelo, no sentido de saber se essa notícia tem ou não fundamento. No caso afirmativo, espera ser avisado para buscar o valioso objeto, gratificando otimamente quem o achou. (A Noite, ed. 9196, 17/7/1937, p. 6). 83 Figura 11. O Desastre de Cruzeiro. Matéria de capa do Diário Carioca, ed. 2038, em 16/3/1935. Fonte: Acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 84 Figura 12: Artigo “A flauta de Dante Santoro”. A Noite, ed. 9196, de 17 de julho de 1937. Acredita-se que a flauta em menção é a que Dante Santoro usava quando ainda morava em Porto Alegre, um instrumento com pé em si 37, que aparece em suas fotos mais antigas, das décadas de 1920 e 1930. Talvez depois do desastre, em 1935, tenha comprado a flauta alemã da marca Hammig, que usou durante largo tempo à frente do Regional da Rádio Nacional, hoje pertencente à professora Laura Rónai. Essa flauta, igualmente referenciada pelos flautistas Milton D´Avila e Altamiro Carrilho em seus depoimentos, será objeto de comentário mais detalhado no Capítulo 4. Retomando a retrospectiva sobre os primeiros anos de trabalho de Dante Santoro no rádio carioca, foram encontradas referências de sua atuação nas rádios Educadora (1937 e 1938) e Cruzeiro (1937). Nesta última, conforme publicação do jornal a Batalha, ed. 3317 de 2/6/1937, Dante apresenta-se ao lado de Dylu Melo, Augusto Henriques, Rogério Guimarães, Helio Rosa, Ary Barroso, entre outros. Já sobre sua atuação na Rádio Educadora, a Gazeta de Notícias publica o seguinte comentário, na edição 260 de 2/11/1937: 37 A flauta transversal moderna, baseada no sistema Boehm (1832) é constituída de três partes desmontáveis: o bocal, o corpo e o pé. Os primeiros modelos da flauta Boehm foram construídos com uma extensão que vai até o dó médio do piano (“pé em dó”). Aperfeiçoamentos posteriores permitiram uma segunda opção, que aumentava a extensão do instrumento até o si médio (“pé em si”). 85 O programa de Luiz Vassallo, na “Rádio Educadora”, que tantas simpatias tem conquistado, popularmente, deleitou no domingo último, os radio-ouvintes com excelentes números de seus elementos de valor. (...) O acompanhamento foi o melhor possível, pelo ótimo conjunto que tem como figura principal Dante Santoro, o flautista que mantém a tradição do famoso Pattápio. (Gazeta de Notícias, ed. 260, 2/11/1937). Dante Santoro assina contrato com a Rádio Nacional em 1936, ano em que a emissora começa a funcionar. Como se depreende dos dados antes mencionados, Dante já tinha conquistado algum espaço no rádio carioca por essa época. Portanto, chega à Nacional com experiência de solista e líder de grupo regional. A Rádio Nacional foi a emissora que maior projeção deu ao nome do flautista, por ser, durante anos, a emissora de maior audiência no Brasil. É importante conhecer um pouco da história dessa emissora para, logo, entender o papel do Regional de Dante Santoro nesse contexto. 2.4.1 A Rádio Nacional As primeiras rádios cariocas, como a Rádio Cajuti PRE 2 e a Rádio Educadora do Brasil, seguiam o impulso das primeiras iniciativas de radiodifusão no Rio de Janeiro, iniciadas em 1923 com o surgimento da Rádio Sociedade PRA 2. Em 1924, foi ao ar a Rádio Club do Brasil PRA 3. Seguiram-na a Rádio Educadora e a Rádio Mayrink Veiga PRA 9 (1926). Na década de 1930, as empresas estrangeiras fabricantes de discos, transmissores e receptores radiofônicos, interessadas no mercado sul-americano, começaram a instalar-se no Brasil. Representando essas empresas surgiram as rádios Philips PRA X (1930) e Transmissora Brasileira (1936), da holandesa Philips e da norte-americana RCA Victor, respectivamente. Essa incursão visava conquistar o mercado brasileiro para os aparelhos de válvula, que surgiam como alternativa aos receptores de fabricação artesanal, embora nem sempre acessíveis aos recursos da classe média. (Saroldi, 2005, p. 34). No ciclo pioneiro do rádio brasileiro (1922-1932), as emissoras, fundadas inicialmente como clubes ou educadoras, eram mantidas pela contribuição mensal de seus sócios/ouvintes. Com a popularização do rádio e a avassaladora expansão da radiomania no país, cresce o interesse dos empresários da mídia impressa e do Governo sobre esse veículo. Decretos publicados em 1931 e 1932 regulamentaram o funcionamento técnico das emissoras concedidas e a veiculação de publicidade, o que instituiu o rádio comercial (Saroldi, 2005). Nesse contexto, surgem em 1935 a Rádio Jornal do Brasil PRF-4 e a Rádio Tupi PRG 3 (1935), esta última da cadeia jornalística Diários Associados, de Assis Chateaubriand. A Sociedade Civil Brasileira Rádio Nacional surgiu em 1933, a partir do grupo A Noite, 86 responsável pela publicação do jornal de maior tiragem do Rio de Janeiro, conhecido como “o vespertino da cidade”. Fundado em 1911, incluiu também, na década de 1920, as revistas A Noite Ilustrada, Carioca e Vamos Ler. Os estatutos da Rádio Nacional PRE 8 terminaram de ser elaborados em 1936. A rádio contava então com oito sócios contribuintes e começou a operar com um transmissor de 25KW, cedido pela Rádio Philips, que devolveu sua concessão e encerrou suas atividades radiofônicas naquele ano. O elenco da Nacional foi sendo recrutado das outras rádios, especialmente da Mayrink Veiga. Sob a direção de José Mauro, destacam-se nessa fase inicial os locutores Oduvaldo Cozzi e Celso Guimarães; o humorista Silvino Neto; a radiatriz Ismênia dos Santos, além de Almirante e Lamartine Babo. Nessa época a Nacional tinha uma orquestra de jazz, dirigida pelo Maestro Gaó; uma orquestra de tangos, dirigida por Eduardo Patané e uma orquestra de concertos, dirigida por Romeu Ghipsman. O regional, dirigido por Dante Santoro, acompanhava regularmente os cantores e preenchia as lacunas da programação sempre que necessário. Radamés Gnattali atuava como pianista e arranjador, oferecendo um formato inovador de acompanhamento para o repertório brasileiro fartamente executado na rádio. Em seu depoimento de 11 de outubro de 1977 ao Jornal do Brasil refere que “Naquele tempo não se tocava música brasileira com orquestra, só com regional. As orquestras de salão tocavam música ligeira, operetas, valsas, por aí” (Gnattali apud Saroldi, 2005, p. 41). Caberia ao maestro Radamés oferecer outra moldura aos cantores brasileiros além daquela do regional de Dante Santoro. Começou com arranjos para pequenos conjuntos, trios, quartetos. Depois foi enriquecendo as formações (...). Também viria dos primeiros tempos da Nacional um dos mais chegados colaboradores de Radamés, o baterista Luciano Perrone. Por sugestão deste, o maestro revolucionaria o acompanhamento do samba orquestrado, numa época em que os estúdios de rádio e de gravação contavam com apenas um microfone. Até então cabia aos instrumentos de sopro desenhar a melodia, enquanto o ritmo repousava exclusivamente na percussão. Luciano sugeriu a Radamés dar aos metais uma função rítmica a fim de reforçar o clima necessário às gravações de samba, principalmente.(Saroldi, 2005, p. 43) A renovação musical promovida por Radamés Gnattali nasceu e difundiu-se nos estúdios da Nacional, convivendo com a tradição dos conjuntos típicos regionais. Parecia haver espaço para todos na eclética programação musical da Nacional, que mesclava música com notícias, humor e crônicas. Era o caso do programa de Lamartine Babo que, baseando-se em uma notícia de jornal, improvisava sobre ela uma “canção do dia”, “aproveitando a introdução do regional de Dante Santoro para imitar vários instrumentos, numa espécie de 87 orquestração vocal” (Saroldi, 2005, p. 14). Também o programa Curiosidades Musicais, que marcou a passagem de Almirante pela Rádio Nacional, em 1938, permitia a apreciação de músicas de diferentes gêneros, sempre contextualizadas pelo locutor: Era um programa diferente, ninguém fazia aquilo, eu fui o primeiro. Curiosidades Musicais focalizava os temas mais diversos... Contava a história de uma sinfonia, ou de um choro, ou da marchinha carnavalesca... (...) Na verdade eu tinha recebido uma proposta só para cantar. Mas eu fiz uma contraproposta que era simples e inovadora: em vez de cantar três vezes por semana, eu propus cantar duas e no terceiro dia fazer um programa, contando histórias, curiosidades musicais, coisas que eles nunca tinham visto. Como não dispunha de artistas para cantar, falar, eu fazia tudo sozinho um programa inteiro. Narrava, cantava, imitava voz de mulher, de criança, de alemão, de francês. Começava com uma anedota dentro do tema. Depois entrava no assunto propriamente dito, enfocado de maneira séria, informando, ensinando. (Almirante, depoimento colhido por Jaime Severiano, 1977 apud Saroldi, 2005, p. 46-47). A charge a seguir (figura 13) mostra algumas personalidades do Rádio carioca no ano de 1939, entre músicos, maestros e locutores, que atuavam no recém-lançado programa Divertimentos Lever, transmitido conjuntamente pelas rádios Nacional e Mayrink Veiga . Dentre os personagens, Almirante, Lamartine Babo, Radamés Gnattali e Dante Santoro: Figura 13: Charge publicada no jornal A Noite, Edição 9790, de 13/5/1939, p. 13. Entre os personagens, Almirante, Lamartine Babo, Radamés Gnattali e Dante Santoro. Quando a emissora passa a ser estatal, em 1940, assume a direção Gilberto de Andrade, jornalista que por muito tempo esteve à frente da sessão de mídia impressa do grupo A Noite. Era prioridade do governo de Getúlio Vargas constituir uma emissora popular, que chegasse a todos os pontos do país e às mais diversas camadas da população, promovendo a integração nacional e ideológica. Para tanto, buscou-se alcançar o primeiro lugar de audiência, que naquela época era da Rádio Mayrink Veiga, através de estudos de estatística, mecanismos 88 de seleção de novos valores, captação de novos anunciantes e apoio governamental. De fato a Nacional chegaria à liderança, alcançando o “himalaia dos índices de audiência”, nas palavras de seu diretor musical, Paulo Tapajós. Entre os programas musicais dessa fase, destaca-se “Um milhão de melodias”, estreado em 1943, sob a direção de Radamés Gnattali, José Mauro e Haroldo Barbosa. O repertório geralmente incluía duas músicas brasileiras antigas, duas atuais e três músicas estrangeiras de grande sucesso, que eram tocadas pela Orquestra Brasileira de Radamés (Saroldi, 2005, p. 61). A missão do grupo era tocar os arranjos elaborados por Radamés semanalmente sobre a seleção de músicas populares. Além do naipe de violinos e violoncelos, a Orquestra Brasileira contava com cinco saxofones, três trompetes, dois trombones, três flautas, oboé, clarineta e harpa. Porém, a sessão de acompanhamento era fundamental para uma boa orquestra de música brasileira, segundo o próprio Radamés (apud Saroldi, op. cit, p. 61). Assim, a “base” abrigava alguns dos melhores músicos de nossa história, na seguinte formação: dois violões: Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (1915-1955) e Djalma de Andrade, o Bola Sete (1923-1987); um cavaquinho: José Menezes de França, o Zé Menezes (n. 1921); um acordeom: Romeu Seibel, o Chiquinho do Acordeom (1928-1993); contrabaixo acústico: Pedro Vidal Ramos; bateria/vibrafone/bells/tímpanos: Luciano Perrone (1908-2001); pandeiro: João Machado Guedes, o João da Bahiana (1887-1974); caixeta/prato: Heitor dos Prazeres (1898-1966); e ganzá: Alcebíades Maia Barcelos, o Bide (1902-1975). Um Milhão de Melodias também apostava em novos intérpretes, como os grupos de cantores As Três Marias (Marília Batista, Bidu Reis e Salomé Cotelli) e o Trio Melodia (Paulo Tapajós, Albertinho Fortuna e Nuno Roland). A execução de música brasileira orquestrada e em trios vocais agradava o público. A popularidade do programa se comprova em sua expressiva produção: mais de 400 músicas arranjadas e executadas apenas no primeiro ano de veiculação (Saroldi, 2005, p.67). Os programas de auditório foram outro formato iniciado no rádio na década de 1940 que, graças a sua popularidade, se mantiveram no ar por toda a década de 1950, migrando, posteriormente, para a TV. Com a inauguração do palco-auditório da emissora em 1942, o público começou a frequentar a Rádio Nacional, o que permitia um contato direto com os artistas. Os programas de auditório mesclavam atrações musicais, humorismo e entretenimento. Datam da década de 1940 os programas de variedades César Alencar e Manoel Barcelos; os humorísticos Jararaca e Ratinho, Caretas Sonoras (com o ator 89 Mesquitinha), Coisas do Arco da Velha e Tabuleiro da Baiana (que continha o quadro Tancredo e Trancado, escrito por Giuseppe Ghiaroni). Nada além de Dois Minutos, conduzido por Paulo Roberto e Papel Carbono (figura 14), apresentado por Renato Murce, foram programas igualmente populares, este último revelando cantores, cantoras, conjuntos vocais e músicos, como o violonista Baden Powell (Saroldi, op. cit, p. 82). A presença da plateia transformava os programas de rádio em espetáculos, de modo que o locutor convertia-se em animador de auditório, enquanto que os cantores e, até mesmo os músicos acompanhadores, ganhavam notoriedade. O culto à imagem desses artistas torna-se bastante evidente com o sucesso dos (as) cantores (as) do rádio. Entre os músicos, a popularidade de alguns personagens - como os sanfoneiros Luiz Gonzaga e Pedro Raimundo, que se apresentavam com seus trajes típicos regionais - demonstrava a efetividade de se trabalhar a imagem do artista, aliada à música, no contexto dos programas de auditório. Figura 14. Artigo publicado na Revista do Rádio, Ano IV, ed. 95, de 3/7/1951, p. 37, fala sobre o Programa Papel Carbono, dirigido por Renato Murce, e menciona a atuação do Regional de Dante Santoro no acompanhamento de calouros. Em 1946 Gilberto de Andrade pede exoneração do cargo de Diretor da Rádio Nacional, transferindo-se para a direção da rede Associada de Assis Chateaubriand, ficando à frente das rádios Tupi e Tamoio. Tal fato abalou as estruturas do mercado radiofônico, roubando à Nacional alguns dos nomes mais identificados da emissora: Almirante, José Mauro, Mário Faccini, Paulo Tapajós, Jararaca e Ratinho e Paulo Gracindo, entre outros. A disputa da Nacional com as emissoras Associadas tornou o mercado mais competitivo. No início da década de 1950, quando Victor Costa assume a direção da emissora estatal, o 90 radioteatro ganha uma importância especial, tornando-se o segmento de maior projeção dentro da emissora. A indústria da radionovela, que se consolidara entre 1943 e 1945, resultava atrativa aos anunciantes e atingia bons índices de faturamento. Com o tempo, os patrocinadores foram agraciados com jingles exclusivos que, na visão de Saroldi, refletiam o pleno domínio adquirido na linguagem do rádio pelos profissionais formados à sombra da Nacional (Saroldi, 2005, p. 113). Também as vinhetas e trilhas sonoras ganharam destaque como produto, com a introdução de músicas especialmente compostas para as novelas. É o caso da valsa Vidas mal traçadas e do bolero Lamento árabe, compostos por Dante Santoro para dois seriados do novelista Giuseppe Ghiaroni (Saroldi, op. cit, p. 116). Dois grandes sucessos entre os programas de auditório da nacional na década de 50 foram A Felicidade bate à Sua Porta (figura 15) e A Hora do Pato, ambos com a participação do regional de Dante Santoro. O primeiro ultrapassava o espaço do palco, levando a cantora Emilinha Borba e o regional de Dante Santoro a distintos bairros da cidade do Rio de Janeiro, num furgão especialmente equipado para a transmissão. Enquanto o apresentador buscava o ouvinte sorteado para receber prêmios, a programação seguia no auditório da Rádio Nacional, com números musicais e uma série de brincadeiras com a plateia. A Hora do Pato era um programa de calouros que desde 1942 movimentava o palco da Nacional com seu desfile de aspirantes à carreira artística. A Rádio Nacional foi um celeiro de grandes músicos nas décadas de 1940 e 1950. O regional de Dante Santoro teve várias formações, mas como membros fixos participaram Norival Carlos Teixeira (Valzinho), Carlos Lentine, Rubem Bergman, Norival Guimarães, Arthur Duarte e César Moreno (violões); Joca e Jorginho (pandeiro); Valdemar Melo, Lino José da Silva e Índio do Cavaquinho (cavaquinho)38. Segundo Jorginho do Pandeiro39, em entrevista à pesquisadora em 19/05/2011, o trabalho do regional era eclético e farto. Além dos já citados programas, participavam do musical Festival de Gaitas, do programa de auditório Papel Carbono e do programa de variedades Nada além de Dois Minutos. Em finais da década de 1940, por conta da grande demanda, o regional contava com dois grupos de músicos, que 38 Informação contida no quadro de músicos publicado na Revista da Rádio Nacional, 1936-1956. Edição comemorativa dos 20 anos da emissora. Rio de Janeiro: Editora da Rádio Nacional, 1956. 39 Jorge José da Silva (n. 1930), o Jorginho do Pandeiro, pandeirista, grande representante do choro carioca, iniciou sua carreira no Rádio, onde trabalhou ao lado de Dante Santoro, na Rádio Nacional, nas décadas de 1940 a 1960. Membro do Conjunto Época de Ouro, com quem atua ainda hoje, desenvolve atividades como músico, produtor e professor. 91 se revezavam, ao lado de Dante, entre os turnos do dia e o da noite. Interessante notar que Dante Santoro nunca era substituído. Figura 15: Artigo publicado no jornal A Manhã, de 13/06/50, p. 6, fala sobre a movimentação provocada no bairro da Tijuca por ocasião da visita dos artistas da Rádio Nacional (entre eles o Regional de Dante Santoro), durante transmissão do programa “A felicidade bate à sua porta”. Na década de 1950, surgiram grupos instrumentais paralelos, como o que atuava no programa A Turma do Sereno, dirigido por Paulo Tapajós. Participavam da Turma do Sereno Abel Ferreira (clarineta), Irany Pinto (violino), João de Deus (flauta) e Sandoval Dias (clarone), além dos já citados Carlos Lentine, Ruben Bergman (violão) e Waldemar Pereira de Melo (cavaquinho)40. Já o programa Música em Surdina, deu origem ao famoso Trio Surdina, 40 Segundo depoimento de Paulo Tapajós, constante do Dicionário Cravo Albin, a Turma do Sereno se dedicava a um repertório seresteiro, já pouco tocado (valsas, modinhas, choros, polcas e maxixes). O programa deu vitalidade a esse repertório e aos “músicos solistas da Rádio Nacional, que só ficavam na fila da orquestra”. O grupo gravou dois discos pela gravadora Continental e se dissolveu quando o programa deixou de ser transmitido pela Rádio Nacional. Como mencionado, os músicos componentes atuavam nas orquestras da emissora: o flautista João de Deus, o violinista Irany Pinto, o saxofonista Sandoval Dias (1906-) e o clarinetista Abel Ferreira 92 formado por Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (violão), Romeu Seibel, o Chiquinho do Acordeom e Rafael Lemos Júnior, o Fafá Lemos (violino), e a participação esporádica da pianista Carolina Cardoso de Meneses41. Na década de 1960, a instabilidade política tem reflexos na emissora, ocasionando sucessivas nomeações de diretores alheios ao métier do rádio. Tal fato ocasionou uma progressiva degradação da Nacional: perda da qualidade e interferências na programação, aliada à perseguição política de funcionários. Entre os artistas, alguns migraram para a TV (veículo nascente sobre o qual recaíam todas as expectativas e investimentos), mas os que seguiram na Rádio Nacional foram submetidos a um terrível ostracismo. 2.4.2 O regional de Dante Santoro no contexto do Rádio Quando ingressou na Rádio Nacional, em 1936, Dante Santoro foi músico da Orquestra Sinfônica da emissora. Uma foto do acervo da família Santoro mostra Dante entre os integrantes do naipe de flautas (figura 16). Porém, também se apresentava como solista em programas da Nacional, tocando suas próprias composições. É o que mostra a nota publicada no jornal A Noite, de 21 de fevereiro de 1937: “Ouça hoje o Professor Dante Santoro, apresentando as primeiras audições de composições de sua autoria”. O anúncio destacava o seguinte programa autoral: Só na minha flauta (choro), Castigando (choro), Suzana (valsa) e Horas tristes (valsa) (figura 17). Dante assume a liderança do Regional da Nacional em 1938, conforme nota publicada na Gazeta de Notícias, edição 161 de 10/7/1938 (figura 19). Entretanto, mesmo depois de ser escalado como diretor do Regional da Rádio Nacional, ainda atuava na orquestra (conforme depoimento de Jorginho do Pandeiro, em 19/05/2011). Embora oficialmente o quadro da emissora fosse dividido entre músicos de regional, músicos de orquestra e solistas, na prática deve ter havido um intercâmbio dessas funções. (1915-1980) – esse último, nome de grande destaque no cenário musical, admirado por seu estilo pessoal de execução. 41 O “Trio Surdina”, surgido em 1952, gravou dois LPs pela Musidisc, com a participação do contrabaixista Vidal e do ritmista Bicalho. O violonista Garoto (1915-1955), dentre as várias atividades desenvolvidas em sua carreira, atuou, na década de 1950, na Orquestra da Rádio Nacional, época em que formou, ainda, parcerias com a pianista Carolina Cardoso de Meneses (1916-1999) e o cavaquinhista José Meneses (n.1921). O violinista Fafá Lemos (1921-2004) atuou como solista na Rádio Nacional na década de 1950, tendo desenvolvido carreira no exterior, posteriormente, de onde retornou na década de 1980. Era reconhecido por sua habilidade como improvisador e sua impecável afinação, sendo considerado um dos precursores da bossanova. Chiquinho do Acordeom (1928-1993) participou do Sexteto Radamés Gnatalli, tornando-se um requisitado instrumentista, que atuou em gravações de artistas como Elizeth Cardoso, Carmélia Alves e Carlos Lyra. 93 Figura 16. Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional (c. 1936), com Dante Santoro, na segunda fila à direita. Fonte: acervo da família Santoro. Figura 17. Primeiros anos de Dante Santoro na Rádio Nacional. Apresentações como solista. Jornal A Noite, ed. 8990, 22/02/1937. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 94 Figura 18: O Regional da Rádio Nacional em 1937, sob a liderança do violonista Pereira Filho, com Dante Santoro (flauta), Nelson Miranda (bandolim), Carlos Lentine (violão de 7 cordas) e Joca do Pandeiro. Figura 19. Nota publicada na Gazeta de Notícias, edição 161 de 10/7/1938, fala sobre a estreia de Dante Santoro na liderança do Regional da Rádio Nacional, que a partir daquela data assumia seu nome: “Regional de Dante Santoro”. O regional tinha muito trabalho. Era o grupo coringa, que acompanhava os cantores, os calouros e, sempre que necessário, tocava de improviso para preencher a programação. O regional era portátil se comparado às orquestras, exigia menos ensaio e cumpria muito bem a função de grupo acompanhador. Por isso participava dos mais variados programas, entre musicais, humorísticos, programas de variedades e de auditório. 95 Jorge José da Silva, o Jorginho do Pandeiro (n. 1930), que atuava como o braço direito de Dante no regional, cobrindo suas férias na direção do grupo e elaborando as escalas de horário dos músicos, comenta a rotina da rádio: Eu quando vim pra cá (para a Nacional), em 1948, vim convidado por Dante, eu e meu irmão Lino, que tocava cavaquinho. Eu trabalhava na Rádio Tupi, no Regional do Rogério Guimarães. Dante quis trazer mais músicos para o regional, porque a rádio tinha muito trabalho, de dia e de noite, então um conjunto só não conseguia fazer toda a programação. O grupo naquela ocasião tinha quatro violões e só um cavaquinho, então eles convidaram o Lino e eu para revezar com o Valdemar Melo e o Favier. Então eu trabalhava de manhã e o Favier de noite. O Dante trabalhava de manhã e de noite, fazia desde as 09:00h ou 10:00h da manhã até as 15:00h, que acabava com a Hora do Pato, e depois voltava às 18:00h para fazer a programação da noite. Aí ele já vinha com o outro conjunto. Eram Lino, Nourival e Valzinho de manhã; eu de pandeiro, acabei fazendo toda a programação com o Dante quando o Favier adoeceu e à noite Lentine, Rubens e Waldemar. Dia de domingo eu chegava aqui às 09:00h da manhã e fazia um programa de gaitas. Rildo Hora era um dos que participava e começou praticamente aqui (na Nacional) eu acho. Depois, às 11:00h começava a programação. Aí a gente ficava, porque nós não fazíamos só A Hora do Pato, fazíamos os artistas que estivessem. A orquestra trabalhava até mais do que nós, mas o regional tinha que estar presente. Nós saíamos às 15:00h e aquele pessoal da parte do dia ia pra casa. Eu ficava por aqui, almoçava por aqui, e às 18:00h tinha que estar aqui para fazer A Felicidade bate a sua porta, com a Emilinha Borba, e depois o Papel Carbono, Nada além de dois minutos... às vezes a gente estava ensaiando o Nada além de dois minutos, tinha que sair para fazer o Papel Carbono, para acompanhar algum artista. (Jorginho do Pandeiro, depoimento à autora em 19/05/2011) Há registros nos jornais da época (figura 20) das atividades do regional. Na maioria das fotos o regional aparece acompanhando artistas da emissora, como Lamartine Babo, no programa Vida Musical e Pitoresca dos Compositores (1938); Almirante, nos programas Curiosidades Musicais e Ritmos Populares (1938), além de cantores como Nena Robledo (1939) e Nuno Roland (1937). A partir da década de 1940, há, na Rádio Nacional, um forte movimento em prol das versões orquestrais da música brasileira, especialmente os excepcionais arranjos do maestro Radamés Gnattali. As versões orquestrais davam um toque de sofisticação e modernidade ao repertório nacional, que o tradicional grupo regional não podia oferecer. Buscava-se também, segundo Haroldo Barbosa, um padrão internacional, “um estilo americano, a exemplo de Benny Goodman e sua Orquestra” (Barbosa apud Saroldi, 2005, p. 61). 96 Figura 20. O Regional de Dante Santoro em atividade na Rádio Nacional, ao lado do apresentador Almirante, em 1938. Suplemento a Noite Ilustrada. Ed. 477, de 23/8/1938, p. 34 (foto da esquerda) e Ed. 482, de 13/9/1938, p. 26 (foto da direita). Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Entretanto, as novidades do meio musical não atingiam de fato a Nacional. Como afirma o clarinetista Paulo Moura (1933-2010), a emissora tinha um perfil mais tradicional do que, por exemplo, a Rádio Tupi. O jazz tinha que ser palatável para entrar na programação da Nacional. Paulo Moura relaciona esse tradicionalismo com a ascendência italiana da maior parte dos arranjadores e maestros da emissora: Radamés Gnattali, Leo Peracchi, Lyrio Panicalli, Alceu Boccino, Lazolli, Taranto, etc. (GRYNBERG, 2011, p. 89). Essa identificação - ascendência italiana com tradicionalismo – foi compartilhada por muitos músicos da geração de Paulo Moura. A maior parte dos músicos italianos no Rio de Janeiro eram maestros ou músicos eruditos, muito poucos se dedicavam à música popular (cf. Capítulo 1, p. 53). Vasco Mariz utiliza o termo “máfia musical italiana”, referindo-se ao predomínio da orientação estética italiana no mundo musical de São Paulo e do Rio de Janeiro no início do século XX (MARIZ, 2005, p. 230). Retomando a programação da Nacional, nessa aparente dicotomia entre o tradicional e o moderno figuravam, de um lado, o regional e, do outro, a orquestra. Se o regional era considerado tradicional e a orquestra moderna, trata-se de uma questão estética vinculada à época, que pouco repercute nos dias de hoje. De fato, os dois formatos conviviam, atendendo às necessidades da programação e o grupo regional, mesmo sendo considerado antigo, seguia 97 atuando a todo vapor. Data de 1943, por exemplo, foto da apresentação do Desafio para flauta e pandeiro, protagonizado por Dante Santoro e Joca do Pandeiro (figura 21). A gravação dessa música, encontrada no acervo do Museu da Imagem e do Som, deve ter sido feita em 1939, quando tomou parte do Programa Lopes S.A., conforme anúncio publicado no jornal A Noite, ed. 9972, de 14/11/1939. Figura 21. Dante Santoro e Joca do Pandeiro, interpretando o Desafio para flauta e pandeiro. Suplemento A Noite Ilustrada, ed. 746, de 22/6/ 1943. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Também da década de 1940, são as fotos do Regional de Dante Santoro publicadas no livro de Cláudia Pinheiro (PINHEIRO, 2005). A figura 22 mostra o Regional em formação não usual, acompanhado de percussão e contrabaixo. Já na figura 23, tem-se o regional com a participação especial de Aníbal Augusto Sardinha (o Garoto). Outro registro da mesma época (figura 24) mostra a participação de Dante Santoro em uma das orquestras de música popular da Nacional. Interessante observar, portanto, que ele tocou, na mesma época, tanto no tradicional grupo regional, quanto na moderna orquestra, além de participar da Orquestra Sinfônica, como já observado. 98 Figura 22. Regional de Dante Santoro. Década de 1940. (PINHEIRO,2005, p. 66) Figura 23. Regional de Dante Santoro, com a participação especial de Garoto (ao centro). Dante Santoro, Carlos Lentini, Garoto, Luís Bittencourt e Joca do Pandeiro. (PINHEIRO, 2005, p. 66) 99 Figura 24. Orquestra da Nacional. Década de 1940. Na segunda fila, sentado, ao centro, está Dante Santoro. Segundo PINHEIRO, 2005, p. 68-69, a sua esquerda, Iberê Gomes Grosso (violoncelo), e à direita, o flautista Roberto [sic]. A formação instrumental indica que se tratava de uma orquestra de música popular. Na década de 1950, a pedido do então diretor Victor Costa, foram contratados novos músicos para o regional, como conta Jorginho. Havia muito trabalho e era necessário conciliar a programação da rádio em estúdio com os shows promovidos como atividades externas. Assim, o pandeirista foi encarregado de recrutar mais gente. Entraram, então, César Moreno (violão), Arthur Duarte (violão de sete cordas), Edinaldo Vieira Lima - o Índio do Cavaquinho (1924-2003), e Luna do pandeiro. O violonista Carlos Silva e Souza42, o Caçula (n. 1943), personagem muito conhecida entre os chorões cariocas, conta que, nessa época, com doze ou treze anos, ia assistir aos ensaios do regional. Às vezes algum contra regra queria barrar sua entrada, então Dante dizia “deixa o menino ai assistindo, que ele está aprendendo violão, deixa ele ver a 42 Carlos Silva e Souza (n. 1943), o Caçula Hilário, violonista de seis e sete cordas, também cavaquinista e contrabaixista, iniciou sua carreira profissional aos 12 anos, no Regional do Cacizo. Segundo Luiz Otávio Braga (em texto ainda não publicado, gentilmente cedido a esta autora), Caçula representa um importante elo entre os jovens músicos de choro e a geração “clássica”, trazendo consigo a tradição viva de Arlindo Ferreira, Horondino José da Silva, o Dino 7 Cordas, e Canhoto do Cavaquinho. Destacam-se suas participações no Regional do Arlindo, de Rogério Guimarães, de Dante Santoro, Waldir Azevedo, e na TV, como músico acompanhador, ao lado de Altemar Dutra. 100 gente!”. Posteriormente, na década de 60, Caçula terminou sendo contratado como violonista substituto. Ele comenta: O Dante era um flautista de orquestra, mas com as programações que tinham lá na rádio, de regional, ele acabou ficando só no regional. Ele que era o chefe lá. Quem o ajudava na tabela era o Jorge, o Jorginho do Pandeiro. É por isso que nunca lá na rádio teve assim um entrosamento melhor, todos eram bons, mas não tinham um entrosamento melhor, porque havia sempre um rodízio de instrumentistas. (Caçula, em entrevista concedida à autora, em 19/10/2011). A questão do entrosamento entre os músicos, mencionada por Caçula, é de fato importante entre os chorões. Para o ouvinte atual, é inevitável a comparação entre o Regional de Dante Santoro e o Regional de Benedito Lacerda, por exemplo, e o que se percebe é que o entrosamento dos músicos acompanhadores, a qualidade dos arranjos e a criatividade dos músicos do regional de Benedito Lacerda sobressaíam. Entretanto, essa percepção pode não ter sido compartilhada pelo público daquela época. Um indício são as críticas publicadas na imprensa na década de 1940, que não indicavam predileção por um ou outro grupo. Alguns textos defendiam, na verdade, a própria figura do grupo regional, que se encontrava, aparentemente, já marginalizado no cenário musical, talvez por ser considerado um formato ultrapassado. Esse artigo de Anselmo Domingos43, publicado no Diário da Noite, edição 3534 de 28 de julho de 1944, dizia o seguinte: Há críticos extremamente céticos em relação aos nossos “conjuntos regionais”. Não toleram que se reúnam em família o nosso violão com o pandeiro, a flauta e o cavaquinho. Chegam a convencionar que todos os conjuntos são constituídos de gente inculta no sentido musical, e nos outros sentidos também. (...) Não se vai ver que há valores mais que positivos dentro de nossos combatidos conjuntos. Esquece-se que há um Pixinguinha orquestrador, um Benedito Lacerda compositor, um Dante Santoro exímio, um Nelson Miranda, um Pereira Filho, e outros, mais outros. (...) Lógico que os conjuntos regionais nem só de autênticos músicos são compostos. Claro que se percebe um ou outro semi-valor escondido nas águas dos azes. Mas convenhamos que o que temos não é coisa de se tratar com o desdém que muitos querem, não é nada de envergonhar ou ofender as senhoras notas da música. Está certo que se dê em cima de tudo o que é feito atabalhoadamente, sem critério artístico, como várias vezes sucede, com relação aos “regionais”. Mas ponha-se os pontos nos ii, quando há margem para isso. E se quisermos ser justos e cordatos, havemos de convir que pode-se notar acentuado equilíbrio na maioria dos nossos conjuntos. E se quisermos fazer juízo melhor, é atentar para os “regionais” de antigamente e compará-los com os de hoje. Veremos que houve progresso. (Domingos, Anselmo. Flautas e Violões. Diário da Noite, ed. 3534, 28/7/1944, p. 16) 43 Anselmo Domingos foi jornalista e editor da Revista do Rádio (1948-1970). 101 Já o texto de Cruz Cordeiro44 para o suplemento literário do Diário de Notícias, de 30/08/1953, critica o que considera um esvaziamento do conceito de “música regional” e, consequentemente, do “conjunto regional”, em face das inúmeras modificações de repertório e de formação instrumental, ocorridas no contexto da indústria radiofônica e fonográfica: (...) Vimos assim a confusão instrumental que se vem verificando desde o velho chôro (violões, cavaquinho e flauta), passando pelo maxixe com ganzá e chocalho e pelos bandos ou grupos já acrescidos de bateria sambista (pandeiro, tamborim, cuíca, surdo, reco-reco) ou instrumental jazzbândico orquestral (pistom, saxofone, trombone, contrabaixo de corda ou apenas tuba). Tudo para se tentar satisfazer, inutilmente, a execução de uma variedade típica de gêneros: choro, música regional (emboladas, cocos, frevos, toadas, cateretês, valsinhas brasílicas, marchinhas e sambas cariocas, baião, etc.), música centro-americana (rumbas, boleros, etc) e norte-americana (jazz em geral). (...) E se confundindo, finalmente, o instrumental do choro com o do maxixe, do choro com o dos bandos e grupos, e como se pensasse, talvez, que de regiões várias do Brasil é que vinha a música popular brasileira em geral (...) acabou se chamando tudo apenas de regional, quer dizer, sem mais significado de coisa alguma. (...) Dificilmente o musicólogo pode historiar uma bagunça de técnica música popular classificatória como esta brasileira [sic]. Mesmo porque tal confusão de pode documentar com facilidade. Assim, por exemplo, no suplemento de discos brasileiros da RCA Victor de abril de 1936, vemos o falecido Francisco Alves, num mesmo disco (34.043), cantar uma valsa com a Orquestra Victor Brasileira, e do outro lado outra valsa com o Conjunto Regional RCA Victor. No mesmo suplemento se tem, ainda, o disco 34.045, com o nosso já velho conhecido Almirante dos Bandos e das batucadas, numa embolada, acompanhado pelo “Conjunto Regional Benedito Lacerda”, aquele mesmo que foi antes do “Grupo da Gente do Morro”. Sabem lá o que é isso? Sabemos sim. Pois não é que hoje em dia o flautista Dante Santoro, com seu Regional, acompanhou o cantor Jorge Goulart num samba, no filme “Tudo Azul” (se nos lembramos bem do título), com a seguinte composição: flautas, violões, cavaquinhos e pistões? Executando o samba “Mundo de Zinco” (o do morro)!!! 45 Evidentemente cansado de tanto nome impróprio, ou sem entenderem do que se tratava, o nosso curioso e decadente mundo rádio-discográfico acabou batizando tudo por “REGIONAL”. Qualquer coisa que não seja orquestra jazzbandizada, ou conjuntos com nomes ianquezados (Quatro Azes, Vocalistas, etc) é “REGIONAL”. A coisa se tornou até bem rasa e simples: conjunto insignificante, que acompanha qualquer um em rádio é... “REGIONAL”, acabou-se, está resolvido o problema da execução da nossa decadente música popular, em sua execução não menos tipicamente decadente. (CORDEIRO, Cruz. Orquestra para nossa música popular. Diário de Notícias, 30/08/1953, Suplemento Literário, p. 5, grifo do original). A crítica de Cruz Cordeiro tem um tom tradicionalista, na medida em que manifesta resistência aos diálogos entre gêneros musicais no contexto da indústria radiofônica e fonográfica, os quais resultaram em mudanças na instrumentação e no repertório. Sabe-se, por 44 José da Cruz Cordeiro Filho (1905-1984) foi jornalista, crítico musical, romancista, poeta e tradutor. Em 1928 criou a revista Phono Arte, primeira revista brasileira dedicada a noticiar e criticar os lançamentos fonográficos e cinematográficos. De tiragem bi-mensal, a Phono Arte foi editada até 1931. Nesse ano, Cordeiro ingressou na RCA Victor como publicitário e diretor artístico. Na década de 50, foi colaborador da Revista da Música Popular Brasileira, a convite de Lúcio Rangel. Foi um dos fundadores do Conselho Superior de Música Popular Brasileira do Museu da Imagem e do Som. Uma de suas críticas mais recordadas foi a da “americanização” de Pixinguinha nas obras Carinhoso e Lamentos. 45 A participação do Regional de Dante Santoro no filme “Tudo Azul”, a que se refere o cronista, está disponível na internet no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=AEQLNvIBsJg 102 suas crônicas, que Cordeiro era “um nacionalista de quatro costados” e que desde o início da década de 1930 havia inaugurado um discurso em que reivindicava uma melhor “apresentação” para a música popular, pois considerava o conjunto regional uma forma exaurida (BRAGA, 2002, p. 108 e 300). De fato chama atenção, na crônica, a severa crítica aos grupos regionais, notadamente os de Benedito Lacerda e Dante Santoro, aqui incluídos em um mesmo patamar de desqualificação. Seu discurso evidencia o desprestígio dessa formação instrumental junto a alguns setores do meio musical no início da década de 1950. Segundo a flautista Odette Ernest Dias (n. 1929), em entrevista concedida a esta autora em 08/09/2012, cada regional naquela época tinha o seu som, o que ocorre ainda hoje. Segundo ela, que já viajou bastante pelo Brasil, em cada região os regionais têm diferentes sotaques, diferentes maneiras de atacar as notas, o que muda a sonoridade. Quando perguntada sobre a diferença entre o regional de Dante Santoro e o de Canhoto, ela diz que Dante Santoro sempre estava em evidência, era um solista, ao passo que o Regional de Canhoto – que ela ouviu com Altamiro Carrilho e Carlos Poyares – baseava-se nas cordas, enfocava o acompanhamento. Essa diferença de enfoque, portanto, transmitia-se no som. O flautista Leonardo Miranda (em depoimento oral concedido a esta autora em 13/10/2012) também afirma que os músicos acompanhadores tinham papel fundamental no Regional de Canhoto, que só alcançou tanto resultado porque era composto por Dino, Meira, Canhoto e sempre um bom pandeirista - músicos de qualidade inigualável46. Porém, outro ponto fundamental é o fato de que eles se conheciam muito bem, porque trabalhavam muito, tocavam todos os dias e ensaiavam muito. Ainda segundo Miranda, o Época de Ouro, em seu melhor momento, também foi excepcional, especialmente pelo pulso firme de Jacob do Bandolim, sua liderança e sua capacidade como solista. Portanto, os solistas também desempenhavam seu papel de importância. Crítica muito incisiva contra Dante Santoro foi publicada por Haroldo Barbosa47 no Diário da Noite, edição 4648 de 20 de dezembro de 1949. No artigo intitulado “Coisas que incomodam”, em que faz uma revisão dos piores momentos do rádio no ano de 1949, afirma: “Dante Santoro comemorou o jubileu radiofônico de sua introdução de sambas – há 25 anos a mesma.” Esse comentário até hoje ressoa no meio musical, entre músicos que acreditam que 46 O mesmo afirma o violonista Luiz Otávio Braga, para quem a qualidade e entrosamento da dupla de violões é o diferencial do bom regional, conforme mencionado no Capítulo 1. 47 Haroldo Barbosa iniciou carreira como discotecário na Rádio Nacional, onde realizava trabalho de pesquisa das “novidades musicais” lançadas em disco e no cinema. Logo, começou a fazer versões, tornando-se produtor e compositor. Atuou como assessor musical de vários cantores, como Francisco Alves, e na década de 1940, integrou o mercado de jingles como compositor. (Saroldi, 2005, p. 63, 64, 91e 115). 103 Dante Santoro não sabia improvisar. Seria razoável que Haroldo Barbosa considerasse Dante Santoro um improvisador pouco criativo. Porém, essa frase - retirada de uma crônica que difamava meio mundo no meio radiofônico – agradou, tanto quanto pecou, pelo exagero48. Registros das participações de Dante Santoro nos programas da Nacional, encontrados no acervo do Museu da Imagem e do Som, revelam o contrário: Dante elaborava contracantos e introduções, como era de praxe no trabalho do conjunto regional – assunto que será retomado no Capítulo 4, quando da análise de suas gravações. No mencionado acervo, foram encontrados registros do programa “A Felicidade bate à sua Porta”, de 11 de junho de 1950, no qual o regional acompanha a cantora Emilinha Borba, sob a apresentação de Héber de Boscoli. Dentre as gravações, há ainda canções interpretadas por Renato Braga e Barbosa Júnior com o Regional de Dante Santoro, além do já mencionado Desafio para flauta e pandeiro. Várias são as gravações em 33 rpm de músicas avulsas, extraídas de programas não datados da Nacional, ou gravações em estúdio, nas quais figuram cantores acompanhados por regional. Infelizmente, não há indicação contendo o nome do grupo acompanhador ou de seus integrantes, conforme informação contida no Capítulo 2. O violonista Caçula conta como era o programa A Felicidade bate à Sua Porta, transmitido na década de 1950, no qual os músicos eram levados aos diferentes bairros da capital fluminense para acompanhar a cantora Emilinha Borba. A apresentação era em cima de um furgão, adaptado para as transmissões, e segundo Caçula “os cantores subiam por dentro do furgão, numa escadinha, era no telhado do carro que eles cantavam”. Subiam também os músicos e era o cavaquinista Waldemar Melo quem vivia tomando choques nas instalações elétricas do carro, para a diversão dos companheiros. Os registros sonoros do programa, no acervo do Museu da Imagem e do Som, dão ideia da popularidade desses artistas à época. De fato, a chegada do furgão da Nacional era um acontecimento. Segundo Caçula, a projeção dos músicos era bastante grande: “Se você passasse e visse o Jorginho ou o Luna, todo mundo sabia que aquele camarada era do regional do Dante 48 Essa afirmação ganhou adaptações ao longo do tempo. Segundo o flautista Leonardo Miranda, a versão que chegou a ele dizia que Dante só tinha duas introduções, uma maior e outra menor. Como explicou o flautista, entre os chorões, há um esquema harmônico que define as introduções, porém a melodia que se sobrepõe a esse esquema é livre. Afirma-se que Dante só usava duas melodias de introdução e que as adaptava a todas as músicas. Já Henrique Cazes (n. 1959) publicou em seu livro que “A Rádio Nacional (...) tinha como ponto fraco o seu grupo regional. Dante Santoro comandava o conjunto e não era de fato um músico dos mais caprichosos. Para se ter uma ideia, Dante tinha apenas uma introdução que adaptava a qualquer ritmo e andamento, mesmo que fosse no compasso ternário de uma valsa”. (CAZES, 2010, p. 86). 104 Santoro. Se passasse o Dino, todo mundo sabia que era da Mayrink Veiga, do Regional do Canhoto. Todos sabiam quem era quem”. O violonista afirma que o Regional do Benedito Lacerda era o que mais gravava, porque era tido como o melhor entre os regionais e também era o mais antigo. Desde 1930 o grupo se apresentava, naquela época com o nome de Gente do Morro, e seu êxito foi contínuo, até que se transformou no Regional do Canhoto, na década de 1950. Sem dúvida foi o regional de maior sucesso daquela época. Entretanto, já foi mencionado que os conjuntos regionais sofreram certa depreciação com o passar dos anos. A Rádio Nacional tinha um quadro de músicos variado e contava com várias orquestras. Há indícios de que, na década de 1950, o conjunto regional já não contava com tanto prestígio dentro da emissora. Uma carta do próprio Dante Santoro à direção da Rádio Nacional, em 16/06/1955, encontrada em seu dossiê no Setor de Pesquisa da Rádio Nacional, aponta o problema: (...) as direções anteriores sempre timbraram em diminuir ou depreciar os executores de instrumentos que formam o “naipe das madeiras”, como sejam a flauta, o oboé, clarinete, etc. incidindo essa má vontade de preferência nos componentes do Conjunto Regional, quase sempre relegado à margem da corrente, sem que se atentasse, sequer, aos seus problemas sociais e humanos (melhor do que eu poderá dizê-lo o maestro Alberto Lazzoli, representante da classe junto à comissão encarregada de estudar estes casos no momento 49 . (SANTORO, carta à direção da Rádio Nacional, 16 de junho de 1955). Porém, o descontentamento de Dante não se referia só ao tratamento pouco atencioso dispensado ao regional. Dante demonstra insatisfação com seus honorários, face ao tempo de serviço. Aparentemente, seu salário estava defasado em relação ao custo de vida e em comparação com o de colegas contratados à mesma época, que chegavam a ganhar o dobro. Em tom de desabafo e indignação, Dante declara: Passei a integrar o quadro desta estação no dia exato de sua inauguração, ou seja, há cerca de dezenove anos, como flautista, participando de todos os trabalhos atribuídos, em geral, aos músicos profissionais; Desde então, em simultaneidade com essas tarefas, foi-me entregue a direção do Conjunto Regional, sem todavia receber até a presente data um só ceitil pela incumbência marginal; Todos os colegas que inauguraram comigo a RADIO NACIONAL, exceção possivelmente do flautista Pedro Vieira, percebem hoje vencimentos mais ou menos ajustados aos elevados padrões do custo de vida atual, convindo salientar que suas tarefas têm sido sempre, em volume, bem menores do que as minhas; Os vencimentos desses prezados colegas (bem merecidos, aliás) ultrapassam a casa dos 14 mil cruzeiros mensais (...), enquanto eu continuo percebendo Cr$ 8.160,00(...). Esta situação leva-me a solicitar seja feita uma análise comparativa dos 49 Carta de Dante Santoro ao Diretor da Rádio Nacional, em 16/06/1955, presente no dossiê do flautista, arquivado na Rádio Nacional. 105 salários pagos àqueles colegas e os que percebo eu, atualmente, facilitando assim a V.S inteirar-se da tremenda, injusta e inexplicável disparidade existente; Para que esse desnível de salários, em se tratando de funcionários de idêntica categoria, não venha a ser indevidamente atribuído a uma questão de competência profissional, rogo seja reclamado o depoimento dos ilustres maestros da estação, os quais, com pleno conhecimento de causa, poderão esclarecer esse detalhe técnico; Por último solicito à V. S. um estudo das fichas de cada elemento citado, no Departamento de Contabilidade, a fim de que se comprove o acerto das minhas alegações, cessando, assim, a injustiça que ora atinge àqueles que, como eu, há quase 19 anos, mourejam, lutam e se esfalfam para manter o prestígio artísticomusical desta pujante e renomada emissora. (SANTORO, carta à direção da Rádio Nacional, 16 de junho de 1955). A carta de Dante deixa claro que suas funções como músico de orquestra e diretor do grupo regional eram cumulativas, o que é reforçado pelo depoimento de Jorginho do Pandeiro. Também revela a intensa dedicação à rádio e o reconhecimento de seu trabalho por parte dos maestros da casa, apontados como testemunhas de suas qualidades como músico. O tom de desabafo explica-se pelo fato de que essa carta foi escrita em um momento particular de crise, no qual houve uma reestruturação dentro da emissora, da qual Dante não se beneficiou, mesmo contando com dezenove anos de casa. Aparentemente, o tempo de serviço lhe foi desfavorável, porque os pequenos reajustes salariais efetuados com base no seu salário inicial defasado (cujo valor foi recalculado, em função de mudanças na moeda) fizeram-no perder o direito à reestruturação. Apesar da insatisfação pessoal e dos problemas com a direção, o rádio ainda era o melhor emprego para o músico popular na década de 1950, pela segurança financeira que proporcionava. É interessante contrastar aqui a visão de um músico mais jovem, o clarinetista e saxofonista Paulo Moura (1932-2010), que nessa década chegou a trabalhar na Nacional. Ele diz o seguinte sobre o trabalho na emissora: (...) não queria ir para a Rádio Nacional, embora naquele tempo, fosse o melhor emprego para um músico popular, porque nas horas vagas, ele poderia fazer todas as outras coisas de que gostava de verdade. Era o que faziam K-Ximbinho, Garoto e outros tantos músicos daquela época. Todos eles tinham um trabalho paralelo à Rádio Nacional, algo de que realmente gostavam e que não era um emprego fixo. No final das contas, resolvi enfrentar a Rádio Nacional, apesar de ter resistido por tanto tempo. (...) Mas nessa época de dificuldades, no final dos anos 1950, tudo já era complicado para a música instrumental, porque começou a surgir aquele tipo de música que ameaçava as formações orquestrais grandes: o rock. Os conjuntos tornaram-se pequenos e as formações eram geralmente em quarteto ou trio, como nos grupos de rock, e acabei aceitando ir para a rádio. Acho que entrei, se não me engano, em 1958. E depois fiquei louco pra sair! (GRYNBERG, 2011, p. 81) As dificuldades de ordem financeira e as pressões relacionadas aos novos gêneros existiam, mas pareciam não atingir diretamente o ânimo do regional. Na visão de Jorginho do 106 Pandeiro, o clima amistoso dos colegas de emissora em sua convivência diária e o ambiente da rádio deixaram saudades: Essa rádio aqui era uma família, todos eram amigos, tinha um bar aqui em cima, quando a gente tinha um tempo de ir ao bar ficava aquela conversa boa! Todos se conheciam, todos se davam bem. Era uma família, eu senti muita falta quando parou. Hoje em dia está vazio, mas naquela época tinha movimento o dia inteiro. Era uma TV Globo de hoje a Rádio Nacional, em “cartaz” também. (Jorginho do Pandeiro, em entrevista concedida à autora, em 19/05/2011) A figura 25 mostra nota publicada no jornal Correio da Manhã, edição 18805, de 22/07/54, que anuncia a contratação do Regional de Dante Santoro pela gravadora Sinter. Nessa gravadora, o conjunto lançou seu único LP (as demais gravações do Regional de Dante Santoro foram lançadas em formato 78 rpm): Figura 25. Nota publicada no Correio da Manhã, edição 18805, de 22/07/54, anuncia a contratação do Regional de Dante Santoro pela gravadora Sinter. Em fevereiro de 1958, o Correio da Manhã noticia a morte do flautista Benedito Lacerda, na edição 19908, de 20/02/1958. A Revista do Rádio (Ano XI, ed. 446, Rio, 29/3/1958, p. 8 e 9) publica foto na qual Dante Santoro e Carlos Lentine aparecem em visita à viúva, D. Ondina. Alguns meses mais tarde, a imprensa anuncia a realização de um show em homenagem a Lacerda. A figura 26 registra a participação de Dante Santoro e Luiz Americano nessa ocasião: 107 Figura 26. Artigo sobre show em homenagem ao flautista Benedito Lacerda. Correio da Manhã, 13/06/1958, p. 2. Na década de 1960, a Rádio Nacional viveu seus tempos de crise e a programação musical declinou a passos largos. Aparentemente, devido às circunstâncias, Dante passou a atuar mais como músico de orquestra. Um forte indício desse fato é a seguinte anotação em seu registro pessoal: “reclassificado, a partir de 01 de dezembro de 1960, como Músico de Orquestra nível 20”. O violonista Caçula diz, entretanto, que o regional continuou ativo durante a década de 60. “Mesmo depois de 64 o regional continuou. Só acabou quando acabou tudo mesmo. Até 70 a rádio ainda estava de pé” (Caçula, em entrevista concedida à autora em 19/10/2011). Além do trabalho na Rádio, Dante também se apresentava em cassinos. Segundo Jorginho do Pandeiro, o trabalho no cassino rendia bastante e, aparentemente, funcionava 108 como um extra. “Ele me contava que trabalhava nos cassinos. Ele dizia que naquela época ele só andava de terno branco e sapato novinho, porque ganhava muito bem nos cassinos! (risos)” (Jorginho do Pandeiro, em entrevista concedida a esta autora, em 19/05/2011). Dante também participou de espetáculos de teatro de revista. Anúncios publicados na imprensa nas décadas de 1930 e 1940 demonstram sua participação nos seguintes espetáculos: O.K. (1935), Nossa Bandeira (1936), Frasquita (1938), Música Maestro (1940), Ouro de Lei (1943) e Ano em Revista (1945). A figura 27 traz dois desses anúncios. Figura 27: anúncios dos espetáculos de teatro de revista Música Maestro (1940) e Ouro de Lei (1943), dos quais participou Dante Santoro. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Em meados da década de 1950, Dante também se aventurou em abrir uma casa noturna na Barra da Tijuca, chamada “O Inferno de Dante” (título também de um de seus choros). Segundo Jorginho, por essa época, com a vida boêmia, Dante às vezes cochilava nos ensaios da orquestra, mas não errava uma entrada sequer e tocava tudo correto, devido a sua prodigiosa leitura: Nove horas da manhã ele já estava aqui (na Rádio) e ele chegava com sono, porque ele tinha “O Inferno de Dante lá na Barra”, era um bar-restaurante dele, as mesas eram todas de toalha vermelha, pra ficar bem ao inferno mesmo! (risos). Sempre tinha alguém conhecido dele, então ele ficava até cinco, seis horas da manhã acordado... aí quando chegava aqui ela tinha sono. Mas ele era um grande músico, ele lia muito! Então o Ercole Vareto, que era o maestro da manhã - encarregado do programa Paulo Gracindo, entre outros, até as 15 horas – separava as músicas que 109 ele ia tocar e às vezes eu vinha aqui olhar e ele estava cochilando! Aí quando era a entrada da flauta, o Vareto batia e dizia “Dante, olha a entrada!” Ele empunhava a flauta e entrava, tocando muito bem, porque ele lia muito! (Jorginho do Pandeiro, em entrevista concedida à autora, em 19/05/2011). O sobrinho Homero Santoro conta suas memórias sobre o restaurante: Com sete anos minha tia me levou para conhecer o Rio de Janeiro e nós fizemos uma visita pro Dante. Naquela época (c. 1959) ele estava começando um restaurante chamado “O Inferno de Dante”, que foi um inferno mesmo pra ele. Ele era uma pessoa de um coração do tamanho de um trem, então ele ajudava todo mundo, os amigos, dava dinheiro, emprestava... Então o pessoal ficava devendo e, assim, o restaurante acabou sendo pra ele um grande problema. (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em 25/11/2011) Em 1961 foram promovidas vesperais carnavalescas no Inferno de Dante, conforme a bem-humorada nota publicada no Diário Carioca, edição 992 de 29 de janeiro de 1961: Amanhã, das 14 às 19 horas, acontecerá a primeira vesperal carnavalesca do Inferno de Dante, restaurante situado na Estrada do Joá, cem metros antes da Barra da Tijuca, cujo convite diz que “você pode levar quantas garotas quiser e só pagará a sua despesa”. As vesperais carnavalescas do Inferno de Dante, que se repetirão todas as sextas-feiras até o tríduo momesco, são reservadas até um máximo de trinta cavalheiros, que poderão adquirir os seus tíquetes na Rádio Nacional ou no local do crime, perdão, da festa. Segundo informa o cômico Germano em atenciosa cartinha, o Inferno de Dante (Santoro) é um paraíso perdido. (Diário Carioca, 19 de janeiro de 1961, p. 7). O último registro encontrado de Dante Santoro data de 22/12/1968 (figura 28). O jornal Diário de Notícias anuncia sua participação, ao lado de Pixinguinha, em evento promovido por Índio do Cavaquinho: a Segunda Noite de Chorinho, cujo objetivo era promover o congraçamento da “jovem e da velha-guardas”, aproximando os nomes do choro a novos artistas “ligados à música popular brasileira”, como Nara Leão e Jerry Adriani. O encontro parece ter funcionado, na verdade, como uma rara oportunidade de se ouvir os chorões da velha-guarda, como afirma a nota publicada no segundo caderno do Correio da Manhã, em 27/12/68: “Os saudosistas estão aproveitando o show das segundas-feiras na Casa Grande, Noite do Chôro, para rever Pixinguinha, Dante Santoro, Tico-Tico e outros músicos da velha guarda, que lá se reúnem informalmente para tocar chorinho”. (Quicks, Segundo Caderno, Correio da Manhã, 27/12/68, p. 3). 110 Figura 28. Último registro encontrado sobre a atuação de Dante Santoro: show Noite do Choro, onde se apresentou ao lado de Pixinguinha, representando a velha-guarda. Diário de Notícias, edição 14137 de 22/12/1968. 111 2.5 O flautista e seu legado Dante Santoro foi uma referência para os músicos de sua época, um tempo marcado pela obra de grandes flautistas, como Pixinguinha e Benedito Lacerda. Altamiro Carrilho é um dos testemunhos dessa geração, pois iniciou sua carreira nos programas de rádio, fazendo imitações desses grandes nomes. Altamiro também começou a gravar muito cedo (aos 14 anos) e aprendeu muito dos flautistas envolvidos com o rádio, que naquela época estavam em plena atividade. A figura 29 mostra uma reportagem especial da Revista do Rádio (Ano IV, ed. 94, Rio, 26/06/51), sobre os Flautistas do Rádio. Na reportagem, os já citados Pixinguinha, Benedito Lacerda, Dante Santoro e Altamiro Carrilho, além dos menos afamados João de Deus e João Batista de Menezes. Segundo Altamiro Carrilho, um momento importante no início de sua carreira foi quando participou do programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso, tocando a obra Harmonia Selvagem, de Dante Santoro. Apesar das dificuldades da música e, especialmente, do instrumento de segunda mão que ele usava na época (uma flauta toda estragada e com molas de elástico), Altamiro consegue o primeiro prêmio e termina aclamado pela plateia e pelos músicos do regional acompanhante, dirigido por Rogério Guimarães. Altamiro declara, ainda, que Dante Santoro foi o primeiro flautista do rádio que ele conheceu. Sua sonoridade causou-lhe impacto, como comenta em entrevista concedida ao pesquisador Luís Carlos Furtado, em 02/03/2012: Eu comecei a ouvir na hora do almoço um programa chamado Picolino, na Rádio Nacional, que era feito só com um conjunto regional e um pianista (...). O flautista era Dante Santoro. Aí caiu a sopa no mel. Todos os dias na abertura do programa o Dante Santoro fazia um solo com o conjunto dele. Aquele som maravilhoso, aqueles graves que ele tirava muito bonitos, né? Porque tinha naturalmente conhecimento de causa, ele estudou e tinha um instrumento muito bom, de prata, que eu nunca mais vi igual. Era uma flauta alemã, de prata mil, muito bem trabalhada, muito bem feita. E o Dante tirava uns graves muito bonitos. Eu até achava um pouco exagerado, mas quem era eu nessa época pra achar um som demasiado forte, ou demasiado fraco? Eu não tinha competência nem gabarito pra isso! (...) Na hora de tocar as composições dele, eu peguei todas elas de ouvido, outras eu pegava papel de música e cada dia tirava um trechinho, passava um trecho para o papel (...). (Altamiro Carrilho, em entrevista concedida ao pesquisador Luís Carlos Furtado, em 02/03/2012). 112 113 Figura 29. Reportagem sobre os Flautistas do Rádio. Revista do Rádio, Ano IV, ed. 94, 26/06/51, p. 14-17. 114 A fala de Carrilho assinala que, de fato, Dante Santoro tinha uma maneira própria de tocar: a sonoridade potente (até mesmo exagerada no contexto do choro); a precisão técnica adquirida pelo estudo do instrumento (“tinha conhecimento de causa, ele estudou”); o instrumento diferenciado (“uma flauta alemã, de prata mil, muito bem trabalhada”). Alguns indícios levam a crer que esses traços interpretativos eram referências que Dante Santoro trazia da música de concerto. Sabe-se que Dante tocava música de concerto. Um álbum de partituras encontrado no acervo do sobrinho Homero Santoro, junto ao material que Dante enviava à família anualmente do Rio de Janeiro, é uma compilação de partituras comercializadas por casas de música do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. Constam do repertório obras de estilo romântico para flauta transversal, caracterizadas pela virtuosidade: Souvenir à Como op. 145 de Adolf Terschak; La Chasse Galope Brillant op. 250 e Staccato Fantasie Bravourstück op. 446, de Wilhelm Popp; Marta, op. 214, da obra Seis Divertimentos para flauta e piano de Rafaelle Gali; Studio Caratteristico op. 255 de E. Krakamp; Gran Concerto in Re op. 129 de E. Ciardi; Melodie Favorite dell´ Opera Il Guarany de A. Carlos Gomes, transcrita de Raff Gali op. 257; 3ª Sonata para flauta e piano op. 175 de A. Terschak; Serata D´amore Romanza op. 2, de Pattápio Silva; Réverie das Cenas Infantis op. 15, de R. Schumann. Esse repertório assemelha-se àquele gravado pelo flautista Pattápio Silva (1880-1907), para a Casa Edison, em 1902. Além de sua obra autoral, Pattápio gravou, entre outras obras, o Allegro de Adolf Terschak, a Valsa op. 64 de Chopin, a Serenata de Schubert, a Serenata de Gaetano Braga, a Serenata Oriental de Ernesto Köhler e as Variações de Flauta op. 382, de Whilhelm Popp. Como se verá no Capítulo 4, na obra de Dante Santoro, há várias referências a Pattápio Silva, tanto na escrita para flauta (que também se inspira em obras de compositores europeus de estilo romântico), quanto na maneira de tocar (há semelhanças na sonoridade, no vibrato e no estilo virtuoso). Apesar de não terem convivido como contemporâneos, já que Pattápio morreu em 1907, quando Dante tinha três anos, há indícios de que as pioneiras gravações de Pattápio Silva foram uma referência marcante para Dante Santoro. Esse repertório também é referido em distintas passagens do livro Manual do Flautista, de Pedro de Assis, publicado nas primeiras décadas do século XX. Era o repertório corrente nos concertos do Professor Assis e de seus alunos diplomados no 115 Instituto Nacional de Música, que concorriam ao primeiro prêmio medalha de ouro em concurso dessa instituição. O fato de tocar parte do repertório standard de conservatório da época também indica que Dante Santoro estudou o instrumento, como observado por Altamiro Carrilho. Não há registros de Dante Santoro como aluno do Instituto Nacional de Música – atual Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Porém, afirma o músico Arthur de Faria (2011) que ele estudou com Agenor Bens (c. 1870- c.1950), flautista graduado pelo Instituto Nacional de Música com o primeiro prêmio, em 1911. Pedro de Assis, que foi o professor deste último, escreveu o seguinte texto sobre ele em seu livro Manual do Flautista: Distincto flautista brasileiro e compositor para o seu instrumento, já tendo recorrido algumas cidades do Brasil, em digressão artística, realizando concertos nos quaes foi calorosamente applaudido. Agenor Bens fez brilhantemente o curso de flauta do Instituto Nacional de Música, alcançando em concurso o primeiro prêmio medalha de ouro. O apreciado flautista também estudou harmonia no Instituto, demonstrando nas suas producções o valor dos seus conhecimentos naquela sciencia. (Assis, s.d., p. 83) Agenor Bens foi músico da Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro e professor do Conservatório de Música do Distrito Federal - instituição fundada por volta de 1934, que deu origem à Escola Popular de Educação Musical (EPEMA) na década de 1950 e à Escola de Música Villa-Lobos na década de 1960. É possível que Dante Santoro tenha estudado com Agenor Bens no Conservatório de Música do Distrito Federal, mas não existem registros dessa época. Também pode ser que tenham tido contato por meio de aulas particulares informais, porém não se sabe ao certo. Assim como o primeiro professor de Dante, Octávio Dutra, Agenor era um músico que ultrapassava fronteiras. É reconhecido, nos dias de hoje, como um chorão da velha guarda, conforme menção do Dicionário Cravo Albin, muito embora tenha garantido seu lugar entre os diplomados daquela época. Foi um dos flautistas formados pelo Conservatório que também compuseram e tocaram o repertório de música brasileira popular, seguindo a tradição iniciada por Joaquim Antônio Callado (18481880) e Viriato Figueira da Silva (1851-1883)50. 50 Agenor Bens foi um dos grandes intérpretes da obra de Candinho Trombone e de Pattápio Silva. Compôs cerca de vinte obras, entre polcas, shottisches, maxixes, choros e tangos brasileiros, quase todas gravadas para os selos Grand Record Brazil, Favorite Record (Casa Faulhaber) e Odeon (cf. a Enciclopédia Instrumental Músicos do Brasil). Além de intérprete de música de concerto e de música popular, Agenor Bens era também compositor e atuava nos mais diferentes meios musicais, da orquestra sinfônica às casas de espetáculo; como flautista e como cantor de modinhas. 116 Acredita-se que essa circularidade entre a música de concerto e a música popular - que já era tradição desde Callado e Pattápio Silva e que se reflete na atuação de muitos músicos até os dias de hoje – é um traço característico também da trajetória de Dante Santoro. Está presente (1) em sua formação musical; (2) em sua atuação profissional, como músico de orquestra e de regional; (3) em sua maneira de interpretar e de compor - como se estudará no Capítulo 4, a partir de um estudo comparado, será observado que a sonoridade, assim como a forma de conduzir e elaborar as melodias, diferenciam Dante Santoro dos flautistas cariocas, seus contemporâneos. Essa maneira diferente de tocar o choro é observada pelo violonista Caçula, que afirma que o jeito de Dante Santoro conduzir o choro era diferente. Segundo ele, o mesmo acontecia com Luiz Americano. Era uma forma diferente, que ele não define. Ele canta um trecho do choro O inferno de Dante para exemplificar. A maneira antiga parece ser mais articulada e assertiva, ao passo que, hoje em dia, o choro é tocado de forma mais livre, a condução é menos marcada, pois a melodia é mais solta. Ele afirma categórico: “Eu acho que o jeito gostoso é aquele, que o pessoal devia seguir” [referindo-se ao estilo de Dante e Luiz Americano]. “Quem conseguir assimilar conseguiu. Quem não conseguir, paciência, né?!” (Caçula, em entrevista concedida à autora em 19/10/2011) A obra de Dante alcançou bastante projeção por conta de sua atuação na Rádio Nacional. Jorginho recorda o sucesso das músicas que figuraram como trilha sonora de radionovelas, como as valsas Gilka e Vidas mal traçadas. Em depoimento oral cedido à autora em 22/11/2011, em sua casa em Porto Alegre, o flautista gaúcho Plauto Cruz51 (n. 1929) diz que, apesar de não ter conhecido Dante Santoro pessoalmente, tem muita admiração por ele. Ao longo de sua carreira, tocou algumas de suas músicas, entre elas os choros O inferno de Dante, Harmonia selvagem (que era difícil, por causa dos efeitos de trêmulo) e a valsa Vidas mal traçadas. Plauto Cruz declarou, ainda, que gosta especialmente das valsas de Dante Santoro, cantarolando algumas delas, como Scylla. Quando perguntado se as músicas de Dante também fizeram sucesso no Rio Grande do Sul, disse que tem uma valsa com letra do Corinto Álvares que fez sucesso por lá. Tentou lembrar a melodia, mas não 51 Plauto Cruz (n. 1929), flautista, compositor e arranjador gaúcho, iniciou sua carreira profissional em 1952, em emissoras de rádio no Rio Grande do Sul. Gravou seis LPs e dois CDs como solista e mais de 40 discos como acompanhador, atividade na qual se apresentou ao lado de Orlando Silva, Lupicínio Rodrigues, Sílvio Caldas e Elis Regina. 117 conseguiu. Acreditamos que se trata da valsa Horas tristes. Também cantarolou um trecho da valsa Gilka, uma de suas favoritas. Segundo Plauto Cruz, Dante Santoro estava entre os grandes flautistas que surgiram em sua época, assim como Pattápio Silva e Benedito Lacerda. Comentou que o jeito de se tocar flauta naquela época era virtuoso e havia uma predileção por mostrar a técnica. Dá o exemplo da valsa Primeiro amor de Pattápio Silva, diz que já tocou essa música e o Dante também, que era muito difícil. Aquela geração de flautistas, portanto, se identificava com o virtuosismo e gostava do repertório que exigisse habilidade técnica. Já o flautista mineiro Milton d´Avila52 (n. 1923) é um dos maiores admiradores de Dante Santoro registrados nesta pesquisa e o conheceu pessoalmente, como contou em entrevista concedida em sua casa em Ubá-MG, em 18/04/2012. Em 1950-1951, eu levei minha mulher ao Rio para passear e nós resolvemos ir lá na Rádio Nacional para conhecer o Dante. Assistimos [o programa] A Hora do Pato. O Dante estava tocando numa flauta de prata alemã. Tinha uma sonoridade e um sopro de flauta! Tocava com uma naturalidade! Ele não franzia a testa, ele não fazia careta... No espaço em que o cantor estava cantando ele veio, porque eu falei que queria conhecê-lo e batemos um papo rápido ali. Ele me deu a flauta e eu toquei um pouquinho... Ele tinha duas [flautas], até me ofereceu uma, se eu quisesse comprar, mas na época eu estava começando a minha vida de casado e não me interessei pela flauta. (...) A facilidade do Dante Santoro era uma coisa impressionante! O som que ele tirava na flauta era impressionante, tanto os graves, como os agudos, os médios... era uma coisa divinal! E eu peguei o Dante para ser meu “professor”, me dediquei muito às músicas dele. No meu repertório eu tinha pelo menos umas dezessete músicas dele. (Milton D´Avila, em entrevista concedida à autora em 18/04/2012). A foto a seguir (figura 31), dedicada a Milton d´Avila, é uma lembrança desse encontro na Rádio Nacional. Ao comentar sobre a impressão que lhe causou a interpretação de Dante no programa de calouros, foi-lhe perguntado se Dante Santoro improvisava. Ao responder afirmativamente, ele descreveu o que ouviu: Na Hora do Pato, era uma coisa importante, porque o Dante, na flauta, sozinho, com dois violões de seis cordas e um de sete cordas, fazia como se fosse parte de orquestra, fazia os arranjos todos! Com o cantor cantando, ele 52 Milton D´Avila (n. 1923), flautista, foi professor de música em Ubá-MG. É um músico muito respeitado em sua cidade e nas redondezas, por ser um grande incentivador da cultura e do ensino musical. Abraçou também a profissão de caixeiro viajante, tendo exercido papel de liderança entre os representantes comerciais da região. Dedicou-se essencialmente ao repertório da música popular, especialmente choros e valsas, sendo um grande apreciador da música de Dante Santoro, que ainda hoje interpreta, na flauta doce. 118 fazia os contracantos todos e sempre dando a deixa para o cantor. Era uma coisa sublime e admirável! (op. cit.) Figura 30. Dante Santoro e sua flauta, c. 1950. Foto dedicada ao flautista Milton d´Avila em encontro na Rádio Nacional. Fonte: família Santoro. A predileção por Dante Santoro é assumida e assim justificada por Milton d´Avila, que lhe presta uma verdadeira homenagem: Eu conheci vários flautistas, todos eles pessoalmente, inclusive o Benedito (...), todos eles muito bons flautistas, mas igual o Dante Santoro eu não conheci nenhum deles! Era o sopro da flauta dele, os graves, os médios, os agudos, os agudíssimos... eram sons perfeitos e não tinha diferença de altura, eram todos equilibrados. (...) Eu o considerava um dos melhores, porque nós tivemos bons flautistas, mas eu gostava mais dele, não só do sopro, não só da execução... ele fazia um “dug dug” [efeito sonoro] na flauta, como se fossem duas ou três flautas! Era uma coisa impressionante! (...) O Dante foi sempre o meu espelho musicalmente falando. Tudo o que eu desenvolvi, tudo o que eu quase aprendi, foi dirigido à flauta do Dante Santoro. (Milton D´Avila, em entrevista concedida à autora em 18/04/2012) Uma pequena entrevista de Dante Santoro permite deduzir um pouco mais sobre sua personalidade e referências estéticas. Foi publicada no Suplemento A Noite, Edição 817, de 24/10/1944, p. 10, na coluna Dante Santoro Responde: 119 1.Fora do Rádio, que desejaria ser? Dante Santoro: Comerciante 2.Se possuísse uma estação de rádio, quais artistas contrataria? Dante Santoro: Somente os Bons, com B maiúsculo 3.Que acha do rádio brasileiro? Dante Santoro: Que evoluiu rapidamente. 4.Se fosse obrigado a ir para uma ilha deserta e lhe deixassem levar um só livro, qual levaria? Dante Santoro: Rubayá, de Omar Kayan 5.Nas mesmas condições, qual disco? Dante Santoro: Poema, de Fibich 6.Qual o homem que mais admira, sob todos os pontos de vista? Dante Santoro: Getúlio Vargas As indicações dos poemas Rubaiyat, de Omar Khayyam (1048-1131), e da obra Poema, de Zdeneck Fibich (1850-1900) revelam que Dante Santoro se interessava por obras vinculadas à estética romântica. O Rubayiat é uma seleção de poemas originalmente escritos em persa, que ficaram conhecidos, no Ocidente, com sua tradução para o inglês, pelo poeta Edward Fitzgerald, em 1859. Sabe-se que a poesia do Rubaiyat fala sobre a existência humana: a brevidade da vida, o êxtase, a embriaguez, o amor, temas revisitados no século XIX pelos autores românticos53. A obra Poema em Ré b maior op. 39a, do compositor tcheco Zdeneck Fibich, é uma peça curta, comumente utilizada como encore, retirada do Idílio para Orquestra (V Podvecer) de 1893. O Poema foi arranjado para várias formações instrumentais, entre elas: piano solo; violino e piano; violão e harpa. A admiração por Getúlio Vargas revela a identificação com o nacionalismo, corrente de pensamento igualmente vinculada ao romantismo. O depoimento de Dante Santoro, datado de 1944, em meio ao Estado Novo, ocorre em um momento em que a Rádio Nacional já havia se tornado emissora estatal e funcionava como instrumento de propagação do populismo getulista. A popularidade de Vargas certamente estava em alta, após a implantação de uma série de leis trabalhistas, que culminaram com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Além disso, Getúlio Vargas era gaúcho, assim como Dante Santoro. O fato de serem conterrâneos deve ter contribuído para ampliar esse sentimento de simpatia e admiração. 53 O Rubayiat, de Omar Khayyam, recebeu uma nova interpretação, vinculada ao misticismo, no ano de1867. Os estudos de J.B. Nicolas - autor que traduziu a obra para o francês - indicaram que Khayyam era um poeta sufi. Segundo essa interpretação, a filosofia sufi estaria representada de forma simbólica nas imagens do Rubaiyat (taberna/templo; vinho/divindade; copeira/religião; cálice/universo; embriaguez/êxtase místico). 120 2.6 Memórias O sobrinho Homero Santoro conta que Dante viajava todo fim de ano a Porto Alegre, para passar as festas com a família e, especialmente, o aniversário do pai, em 1º de janeiro. Nessas ocasiões trazia suas produções daquele ano (os vinis gravados, que eram colecionados pelo pai de Dante). Permanecia por uma semana apenas, pois sempre se resfriava, acostumado à praia. Porém, os laços com Porto Alegre sempre se mantiveram, especialmente com a irmã Algesira, a quem Dante enviava correspondências, fotos e registros, como obséquio e para fins de arquivo pessoal. As fotos e os vinis que compõem o acervo do sobrinho Homero Santoro são fruto desse arquivo. Homero Santoro recorda que Dante era extremamente diligente com a flauta, estudava muito, para manter-se em forma, e que cuidava da saúde bucal em função da carreira. Tinha um cuidado especial com os dentes, pois dizia que o flautista que os perdia passava por sérios problemas: Dante era fã do fio dental! [risos]. Naquela época nem existia fio dental, era fio de algodão mesmo, pois não existia fibra sintética. Eu era um piá de seis, sete anos e o via nos almoços, todo cuidadoso com os dentes! Ele dizia: Flautista se não tiver os dentes naturais... não sai nada! O som já não é o mesmo! (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em 25/11/2011) Quando perguntado sobre suas memórias em relação a Dante, Homero se recorda especialmente da visita que fez ao tio, em sua casa da Barra da Tijuca, por volta de 1959. Segundo ele, atravessavam de barco para ir a praia, era um lugar muito tranquilo, cercado de natureza. Homero o descreve como um artista, amante da natureza, homem pacífico e generoso: O Dante não podia ver passarinho engaiolado. Ele comprava os passarinhos só pra soltá-los. Isso foi algo que eu nunca mais esqueci. E outra cena que eu nunca esqueci foi, quando estávamos na casa dele, houve um barulho, de noite, no restaurante. Quando viram, lá estava um cara meio doido, tinha tomado uma cerveja e estava lá escondido. Um amigo do Dante já queria atirar nele, dizendo que era ladrão. Não fosse o Dante chegar pra acalmar os ânimos, tinham atirado nele. Era por volta de 1959 e minha tia começou a reclamar que aquele lugar era inseguro e que eles estavam à mercê daqueles bandidos! (risos) (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em 25/11/2011) Também recorda a dedicação de Dante ao ofício de músico e comenta: 121 Eu me lembro que desde aquela época [c. 1959] o Dante já tinha dificuldade respiratória. Eu acho que o que aconteceu com o Dante foi profissional. De tanto soprar flauta ele acabou tendo problema de enfisema, que o levou a falecer. Ele era muito esforçado, em demasia, era muito dedicado, ficava horas e horas para atingir aquela performance e a própria Rádio Nacional tinha muito trabalho. (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em 25/11/2011) Dante morreu no dia 12 de agosto de 1969, ainda funcionário da Rádio Nacional, vítima de um enfisema pulmonar. O jornal Última Hora, de São Paulo, publicou em 14/08/1969, que Dante teria morrido de enfarto, após entrar “em atrito com alguns playboys na sua boate O Inferno de Dante” (Última Hora, São Paulo, 14 agosto 1969, p. 5). Versão semelhante foi publicada no Correio da Manhã, em 14 de agosto de 1969, em artigo de viés sensacionalista, que traz um depoimento da Sra. Helena Rodrigues, companheira de Dante (figura 31). Em resposta à publicação, digna das páginas policiais daquele jornal, o irmão de Dante, Godofredo Santoro, envia carta à redação (figura 32), esclarecendo que a causa da morte do flautista tinha sido um enfisema pulmonar. Apesar de o episódio violento de fato ter ocorrido, a família não atribuiu ao fato responsabilidade sobre a morte do artista. Na imprensa carioca, foram publicados vários artigos lamentando o desaparecimento do músico. Seu falecimento foi seguido do de Jacob do Bandolim, ao dia seguinte, fato que gerou comoção entre os seguidores do choro, pela perda simultânea de dois de seus grandes nomes. Assim se manifestou o jornalista Telmo Ferrari, no jornal Folha de Tarde, em 21 de agosto de 1969: Dante e Jacó representavam muito na música brasileira. Os dois marcaram época. Uma época rigorosamente histórica da música popular. (...) Foram pioneiros, desbravadores, fabulosos construtores de uma época artística. Além de artistas, foram homens de bem, que não se aproveitaram de suas atuações. Dante era excessivamente modesto. Modesto, mas grande. (Folha da Tarde, Rio de Janeiro, 21 agosto 1969, p. 4.) 122 Figura 31. Artigo publicado no Correio da Manhã, edição 23413, em 14/08/1969, 1º caderno, p. 7, relata episódio violento envolvendo a morte de Dante Santoro. 123 Figura 32. Carta do irmão de Dante, Godofredo Santoro, que desmente o vínculo ente a morte do flautista e o episódio violento ocorrido na boate Inferno de Dante. Correio da Manhã, ed. 23415 de 16/08/1969, 1º caderno, p. 9. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Em 13 de agosto de 1969, a Tribuna da Imprensa noticiou o falecimento de Dante: Os meios artísticos e radiofônicos foram abalados, no dia de ontem, com a morte do músico, compositor, maestro e arranjador Dante Santoro (...). O sepultamento teve lugar hoje, às 10 horas, no Cemitério do Catumbi, saindo o corpo da Capela Santa Terezinha, na Praça da República, onde foi velado. Dante Santoro era um dos remanescentes da Velha Guarda, defensor ferrenho do chamado conjunto típico regional (...), dirigindo o Conjunto Típico Brasileiro da Rádio Nacional, não obstante sua formação musical clássica. (...) Pode ser apontado (...) como o popularizador da flauta, graças ao perfeito 124 domínio que tinha dos segredos daquele instrumento musical. (Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 13 agosto 1969, p. 6) O jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, publicou em 13 de agosto de 1969: RIO ,12 (CP) – Faleceu às 11 horas de hoje, o compositor e instrumentista Dante Santoro, natural de Porto Alegre. O extinto, que contava sessenta e cinco anos de idade, iniciou sua vida artística no Rio Grande do Sul. Em 1934 transferiu-se para o Rio de Janeiro e aqui era tido como um dos maiores flautistas do País, tendo realizado inúmeros programas no mais alto nível musical, tanto em emissoras de rádio e televisão, como em “shows” dos cassinos da Urca e Copacabana. Durante mais de trinta anos, Dante Santoro e Benedito Lacerda foram considerados os maiores flautistas do Brasil, sendo Dante também conhecido como o “Bico de Ouro” do rádio. O sepultamento de Dante Santoro, que foi fundador da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, será realizado amanhã às 10 horas. O músico rio-grandense deixa a prantear seu desaparecimento quatro irmãos, Domingos Antônio Santoro, residente em Porto Alegre; capitão Godofredo José Santoro, que exerce sua atividade em São Paulo; Homero Santoro e dona Alzira Santoro Guaragna, esposa do Sr. Vicente Guaragna. (Jornal Correio do Povo, 1969). No Almanaque do Correio do Povo, de 1970, foi publicada a seguinte biografia: Músicos falecidos em 1969 Dante Santoro, flautista e compositor nascido em Porto Alegre, a 18 de junho de 1904, morreu no rio de Janeiro a 12 de agosto. Começou a trabalhar na Rádio Gaúcha em 1934, transferindo-se depois para o Rio e ingressando na Nacional, onde durante muitos anos foi considerado o melhor flautista do país e um dos mais inspirados compositores do gênero. Morreu aos 65 anos e sua passagem no meio artístico fica demarcada como um dos músicos mais atuantes, tendo inclusive acompanhado a várias gerações de cantores nacionais. Suas músicas mais conhecidas: “Vidas Mal Traçadas”, “Inferno de Dante”, “Lágrimas de Rosa”, entre tantas. (Almanaque do Correio do Povo, 1970, p. 274). Figura 33. Anúncio da missa de sétimo dia em homenagem a Dante Santoro. Correio da Manhã, 17/08/69, 1° caderno, p. 6. 125 Dentre as publicações póstumas, chama atenção a crônica de Sérgio Bittencourt para o jornal O Globo, de 13/08/1969, p. 36, constante do encarte do CD A Flauta Mágica de Dante Santoro (1998). O texto contrasta com a crítica de Haroldo Barbosa (1949), justamente por valorizar “os mesmos bordados” como traço singular da interpretação de Dante Santoro, “o homem dos volteios na sua flauta mágica”: As pessoas continuam morrendo. Agora, foi meu companheiro e mestre Dante Santoro, o “mago” da flauta. Dante era o homem dos “volteios” na sua flauta mágica, sempre fazendo os mesmos “bordados” quando acompanhava. Foi sempre o mesmo e sua flauta e seu sopro podiam ser reconhecidos à distância. Morreu chefe do Regional da Rádio Nacional, posto do qual ninguém ousou tirá-lo. (...) Dante Santoro morreu solitário, mas alegre. Conhecia a sua flauta como conheço meus caminhos e minha máquina de escrever. Tocou-a até o último dia. E a última coisa que fez foi para mim: uma introdução para mais uma modinha paupérrima, a ser inserida num festival desses aí. Chegou, tocou, sorriu e morreu. Sem a menor cerimônia. E nem uma fotografia deixou, para ilustrar essa croniqueta sem muito talento. (BITTENCOURT, Sérgio. O Globo. Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1969, p. 36. In: encarte do CD A Flauta Mágica de Dante Santoro. Porto Alegre: Fumproarte, 1998). 2.7 Reconstrução biográfica e interpretação No que se refere à biografia, este trabalho contribui para agregar registros históricos, recolhidos na imprensa e em depoimentos, sobre passagens da vida de Dante Santoro, antes obscurecidas pela falta de informação. Os episódios que são objeto de especulação entre os músicos, como o acidente automobilístico de 1935 e a violência envolvida em sua morte – foram esclarecidos nesta narrativa. Cabe a este trabalho, entretanto, oferecer uma interpretação crítica em torno da figura de Dante Santoro e sua trajetória artística. Trata-se de uma tarefa ousada, porque é passível de equívocos, porém requerida e necessária. Apresenta-se, portanto, uma interpretação, a partir das discussões levantadas nestes dois primeiros capítulos. Dante Santoro foi um flautista virtuose, que desde cedo aprendeu música, tanto como autodidata (pois vinha de uma família italiana que gostava de música), quanto por intermédio de professores. Aprendeu a tocar música popular nas serenatas, saraus, blocos de carnaval e rodas de choro na casa de Octávio Dutra, que foi seu professor. Paralelamente, aprendeu a tocar música de concerto, especialmente a música do período romântico, repertório que apreciava e no qual se inspirava para compor. Aperfeiçoou-se na flauta com Agenor Bens, embora não tenha chegado a diplomar-se em conservatório, 126 e certamente teve como referência o flautista Pattápio Silva (intérprete das primeiras gravações de flauta no Brasil), cujas composições também interpretava. A poética de Dante Santoro tem como referência tanto os gêneros da música popular urbana brasileira, quanto o estilo romântico da música de concerto. Segundo Santuza Cambraia Naves (1998), os músicos populares recorrem a várias formas para incorporar a tradição, à maneira do bricoleur: a citação, a paródia, o pastiche, entre outras. Dante Santoro não lança mão da paródia ou do pastiche em sua obra, mas utiliza elementos formais similares àqueles encontrados nas peças de estilo romântico escritas para flauta, os quais serão apontados a partir da análise de sua obra no Capítulo 4. A apropriação de elementos da música de concerto no contexto da música popular urbana brasileira nem sempre é vista com bons olhos. Para Naves (1998), “esses autores aspiram um estilo poético erudito e, impossibilitados de se atualizarem sobre os rumos desse tipo de estética, acabam desenvolvendo um arremedo de classicismo fora de época”54. Esse seria o caso de Catulo da Paixão Cearense e de parte da obra de Cartola, Ari Barroso, Orestes Barbosa e Silvio Caldas. (NAVES, 1998, p. 173). Opinião semelhante tem Luiz Tatit (1996), que classifica como “semi-eruditos” os músicos populares que, buscando sofisticação, recorrem a uma “linguagem empolada e melodias que lembram árias europeias do século XIX, ainda que simplificadas e reduzidas no tamanho” (Tatit apud Naves, 1998, p. 155). O tom pejorativo dessa classificação não coincide com a abordagem deste trabalho. Porém, há que se considerar o argumento de que a música de Dante Santoro não andava com a vanguarda de seu tempo. Quando remete a obras virtuosísticas de estilo romântico do século XIX, sua música pode parecer um tanto anacrônica, por seguir uma tendência estilística ultrapassada55. Entretanto, o argumento reverso também 54 Acredita-se que Naves (1998) faz referência ao fato de que grande parte dos compositores da tradição erudita na primeira metade do século XX dedicaram-se a superar a estética romântica, cujas possibilidades expressivas eram consideradas exauridas. Surgiram, então, resumidamente, duas tendências estilísticas: o neo-classicismo, adotado pelos compositores ainda vinculados ao sistema tonal, e o dodecafonismo, que surgiu como alternativa aos compositores interessados em trabalhar com a atonalidade. 55 O anacronismo também pode se referir às transformações estéticas ocorridas na música veiculada pelo Rádio na primeira metade do século XX, provocadas por mudanças de instrumentação (do regional à orquestra) e pelo avanço nas técnicas de gravação. Um dos exemplos mais notáveis dessa mudança é o estilo vocal, que passou da execução operística da “voz de peito” (como Francisco Alves, Albertinho Fortuna e Nuno Roland), para a execução intimista dos cantores de “voz suave” (como Mário Reis). A música de Dante Santoro permaneceu identificada com a tradição antiga, já que as gravações de suas obras de maior sucesso foram interpretadas por cantores da primeira fase. 127 é possível: os recursos retirados desse repertório inovam, por serem inusitados no contexto da música produzida pelos conjuntos regionais. Acreditamos que Dante Santoro buscava o ideal do solista virtuose56. Os depoimentos de Plauto Cruz (p. 119) e Odette Ernest Dias (p.104) corroboram essa ideia: Plauto Cruz dá a entender que existia uma afinidade entre as interpretações de Dante Santoro e Pattápio Silva, quando menciona que o jeito de se tocar flauta na época era virtuoso e havia uma predileção por mostrar a técnica. Odette Ernest Dias, ao comentar sobre as diferenças entre os regionais da época, afirma que a característica do grupo liderado por Dante Santoro é que o flautista sempre estava em evidência, era um solista. Entre os músicos de choro, embora a virtuosidade seja um atributo necessário aos solistas dos grupos regionais, esse ideal de solista virtuose vinculado à música de concerto era, em certa medida, fora de contexto. O depoimento de Altamiro Carrilho (p. 113) confirma essa interpretação, quando afirma que os graves potentes de Dante Santoro lhe pareciam exagerados. A virtuosidade no choro, embora necessariamente vinculada ao domínio técnico do instrumento, parece revestir-se de espontaneidade, além de se relacionar com o improviso e a bossa. Talvez esse acercamento à música de concerto tenha levado muitos chorões a considerarem Dante Santoro um outsider, um músico vindo da tradição erudita. Como constatado, entretanto, sua biografia revela o contrário: que Dante participava do ambiente do choro desde muito jovem, na companhia de Octávio Dutra. Há que se repensar, portanto, o discurso já bastante difundido, entre os chorões, de que Dante Santoro era um músico erudito que tocava música popular57. 56 Segundo o dicionário Grove, virtuose é o “músico de habilidade técnica excepcional. A aplicação mais antiga dessa palavra à música, na Itália, podia designar um teórico ou compositor muito hábil, assim como um intérprete. A palavra foi amplamente usada por músicos italianos de todos os tipos, no norte da Europa. No final do século XVIII, significava um músico que seguia a carreira solista, mas no século XIX, passou a aplicar-se cada vez mais a intérpretes de brilhantismo notável, especialmente Liszt e Paganini” (in Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, p. 1002). Uma característica notável dos virtuoses do século XIX é a obra autoral. No Brasil, Pattápio Silva talvez seja o grande representante desse modelo entre os flautistas, já que suas obras de estilo virtuoso foram as primeiras a serem gravadas na era fonográfica, constituindo um marco. Na Europa, foram solistas virtuoses de flauta, entre outros, Louis-Francois-Philippe Drouet (1792-1873); Anton Bernhard Fürstenau (1792-1852); Jean-Louis Tulou (1786-1865); Charles Nicholson (1795-1837) e José Maria Del Carmen Ribas (1796-1861). (RÓNAI, 2008, p. 42) 57 Essa reflexão remete à discussão já empreendida no primeiro capítulo sobre a relatividade das categorias erudito e popular. O questionamento dessas classificações leva ao conceito da circularidade cultural, que foi estudado, no contexto do choro, no capítulo 1. 128 Acreditamos que a obra de Dante Santoro cativa o ouvinte por utilizar recursos expressivos diferenciados dentro do repertório do choro. Aparte do interesse que desperta nos flautistas, por se tratar de um repertório idiomático extremamente rico, ela chama a atenção pelo uso de recursos interpretativos e composicionais pouco comuns a seus contemporâneos. Nos próximos capítulos, a obra de Dante Santoro ganhará enfoque: primeiramente sua listagem (Capítulo 3), no intuito de conhecer sua variedade e abrangência; logo, sua análise (Capítulo 4), com o objetivo de estudar os elementos presentes em sua música, bem como suas semelhanças e diferenças em relação à obra de outros compositores de choro. 129 CAPÍTULO 3 GUIA PARA A OBRA DE DANTE SANTORO Este capítulo tem por objetivo oferecer um guia para a produção de Dante Santoro, destinado a listar as partituras e gravações do flautista e informar em que acervo estão localizados esses documentos. Para organizar o material coletado, buscouse orientação no trabalho de André Henrique Guerra Cotta (2000), visando atender aos princípios básicos de tratamento da informação58. Inicialmente, verificou-se que a obra de Dante Santoro não estava condensada em um único fundo arquivístico, mas se encontrava dispersa em vários acervos59. Assim, iniciou-se a busca em oito acervos, a saber: acervo particular do sobrinho Homero Santoro, em Porto Alegre; acervos públicos do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (MCHJC), em Porto Alegre; Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS); Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio de Janeiro; Biblioteca da Escola de Música da UFRJ, no Rio de Janeiro; Divisão de Música da Biblioteca Nacional (BN), no Rio de Janeiro; Arquivo Nacional; e acervo virtual do Instituto Memória Musical Brasileira. Também contribuíram com material, no decorrer da pesquisa, os Professores Milton D´Avila e Odette Ernest Dias (com partituras de seus acervos pessoais) e Pedro Aragão (com partituras do acervo do Instituto Jacob do Bandolim). Quando possível, os documentos foram coletados nesses diferentes acervos em formato digital, sendo acrescentados aos anexos deste trabalho. Nos casos em que não foi possível obter a cópia digitalizada, as listagens presentes neste capítulo permitirão obter informações prévias à consulta ao acervo original. Para a organização do 58 O guia é um instrumento de busca, ou seja, um instrumento que descreve o conteúdo de um dado conjunto documental, fornecendo dados para sua localização. (COTTA, 2000, p. 93). 59 Segundo o General International Standard Archival Description ISAD (G), fundo arquivístico é um conjunto de documentos, independente da forma e do suporte, organicamente produzido e/ou acumulado por uma pessoa física, família ou instituição no decurso de suas atividades e funções. (COTTA, 2000, p. 50). Na arquivologia, o termo arquivo faz referência a um processo orgânico de produção e acumulação, enquanto o termo coleção se refere a um conjunto de documentos reunidos sob determinado critério científico ou artístico. Utilizar-se-á, neste trabalho, o termo neutro acervo para indicar a totalidade dos documentos custodiados por uma instituição, englobando arquivos e coleções. (COTTA, 2000, p. 58). 130 material60, fez-se um levantamento de cada acervo, listando os títulos disponíveis por ordem onomástica da obra e breve descrição. Em seguida, esses dados foram agrupados e classificados em séries: Partituras editadas (Quadro 2), Manuscritos (Quadro 3), Discografia (Quadros 4 e 5) e Gravações da Rádio Nacional (Quadro 6)61. No caso das partituras editadas e da discografia, a descrição atendeu aos seguintes parâmetros, baseados nos elementos fundamentais para a informação descritiva, mencionados por COTTA (2000, p. 80): a) código de referência: gravadora, número de série e formato da mídia, no caso de discos; editora, código de localização no acervo e instrumentação, no caso de partituras b) título da obra e gênero musical c) data de produção d) nome do produtor: compositores e intérpretes e) origem: nome do acervo e da coleção No que se refere aos manuscritos, a maior parte foi encontrada na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Inicialmente, esses manuscritos não foram identificados no acervo. Porém, após a consulta desta pesquisadora e, com o empenho da equipe da Biblioteca, os documentos foram localizados e catalogados pela instituição, ficando pendente apenas sua digitalização. A lista desses manuscritos, segundo os critérios de catalogação da Biblioteca, encontra-se nos anexos do trabalho. No Quadro 3 deste capítulo, apresentase uma listagem proveniente da consulta desta pesquisadora ao acervo. Os parâmetros mencionados anteriormente foram seguidos sempre que possível, incluindo-se estes itens: a) observações desta pesquisadora que podem acrescentar dados a futuras consultas ao acervo original; b) classificação dos manuscritos em manuscritos 60 A operação de análise e ordenação de um acervo arquivístico é chamada arranjo, enquanto que a ordenação física do material é chamada encaixe. Nessas etapas, deve-se observar a proveniência do fundo como elemento primordial e adequar a disposição dos documentos na medida do estritamente necessário (COTTA, 2000, p. 65 a 74). Nesta pesquisa, lidamos com fundos diversos, que pretendemos agrupar em um conjunto único, cujo material será organizado em séries baseadas no suporte utilizado (partitura ou gravação). 61 A série Discografia se refere aos discos com lançamento comercial por gravadoras. Já a série Gravações da Rádio Nacional abriga registros de programas da Rádio Nacional sem lançamento comercial, obtidos pela consulta à coleção Rádio Nacional do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. 131 autógrafos ou manuscritos de autor desconhecido. Outros manuscritos encontrados individualmente nos demais acervos consultados serão comentados mais adiante ao longo deste capítulo. No caso das gravações da Rádio Nacional, foi necessário incluir no parâmetro código de referência estas informações: a) número do CD (ao lado da indicação do número original do disco de acetato), dado que possibilita encontrar a gravação digitalizada no acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro; b) nome do programa da Rádio Nacional a que se refere a gravação ou “gravação avulsa”, quando se trata de gravação em estúdio não vinculada a nenhum programa. A seguir serão apresentados os quadros descritivos de cada série com breves comentários sobre o processo de busca nos acervos. A observação dos dados permitirá, ainda, quantificar a produção de Dante Santoro. 3.1 Partituras Editadas e Manuscritos Dante Santoro compôs cerca de cem obras, entre choros, valsas, polcas, marchas, danças, sambas, canções, boleros, segundo o levantamento de discos, partituras editadas e manuscritos. O total de 33 obras foram editadas pelas casas ES Mangione, Irmãos Vitale, Musical Brasileira, Tupy, Euterpe, Continental e Carlos Wehrs entre 1935 e 1954 (Quadro 2). Quadro 2: Partituras editadas compostas por Dante Santoro Título Beijo ao luar (Letra: José Caó) Gênero Edição Marcha Ed. Brasileira de Música Popular Ano 1950 Instrumentação Sopro em sib Canto e piano Colombina sofre (Letra: Godofredo Santoro) (Orq: Leo) Marcha Castigando (Arranjo: Totó) Choro Irmãos Vitale Tupy 1935 1943 Acervo MIS Almirante (B6447) MIS Almirante (13710) Canto e piano/ violino; 2 pistons; 2 sax alto; sax tenor; trombone; tuba Homero Santoro Flauta e piano MIS Almirante (B-548) 132 Delírio Chinez É logo ali Esquecimento Gilka Gilka (Letra: Milton Amaral) Horas Tristes Inferno de Dante Dança Oriental Polcachoro Euterpe 1954 Flauta 1938 Flauta e cifra s.d. Flauta Irmãos Vitale 1938 Flauta e cifra Irmãos Vitale s.d. Flauta Irmãos Vitale Choro Valsa de Concerto Valsa ValsaCanção Choro Lágrimas de Rosa (Letra: Kid Pepe) (Instr: H. Vogeler) Valsa Lenda Árabe Martyrios (Letra: Corintho Álvares) E.S. Mangione E. S. Mangione E.S. Mangione E.S. Mangione MIS Almirante (B-15.191) MIS Almirante Milton D´Avila Odette Ernest Dias MIS Almirante Milton D´Avila Odette Ernest Dias s.d. Flauta MIS Almirante (B-15.190) Milton D´Avila s.d. Piano / flauta ou violino; sax alto, sax tenor; 2 pistons sib; trombone; baixo Homero Santoro Canto e piano MIS Almirante (B-15.191) Flauta Milton D´Avila Flauta MIS Almirante (B-15.191) Milton D´Avila Piano MIS Almirante (6286) Piano / Violino; piston sib; sax alto; sax tenor; trombone; baixo Homero Santoro s.d. s.d. Ed. Rádio Continental Ltda s.d. Canção Oriental Irmãos Vitale 1937 Canto e piano MIS ValsaCanção E.S.Mangione s.d. Canto e piano MIS Almirante (23470) 133 Murmúrios d´alma E.S. Mangione s.d. E.S. Mangione s.d. Canto e piano Valsa Flauta IMS Tinhorão (CX-6872) MIS Almirante (B-15.190) Milton D´Avila Não sei mentir Samba Tupy 1942 Piano Não tem pra ti Choro E.S. Mangione s.d. Flauta Canto e piano Nena (Letra: Godofredo Santoro) (Orq: Leo) ValsaCanção Irmãos Vitale 1935 Violino ou flauta e piano / piston sib; sax alto; sax tenor; tuba; trombone MIS Almirante (B-1345) MIS Almirante (B-15.190) Milton d´Avila MIS Almirante (B-15099) Homero Santoro Milton D´Avila Odette Ernest Dias MIS Almirante (B-15.191) Nena Valsa de concerto Irmãos Vitale s.d. Flauta No Bar do Oswaldo Choro Euterpe 1954 Flauta No mientas (Letra: Scylla Gusmão) (Orq. Guaraná) Bolero Musical Brasileira 1946 Canto e piano MIS Almirante (B-3920) Sopro em sib MIS Almirante (B6470) IMS Tinhorão (CX.34-10) Oh, Deus! Samba Irmãos Vitale 1952 Olha o Jacaré (Letra: Scylla Gusmão) Marcha E.S.Mangione 1941 Piano MIS Almirante (B-1552) Olhos Magos (Letra: Godofredo Santoro) ValsaCanção E.S. Mangione 1943 Canto e piano MIS Almirante (23546) 134 Páginas Mortas (Letra: Scylla Gusmão) Valsa Tupy 1943 Canto e piano Quando a minha flauta chora Choro Casa Carlos Wehrs s.d. Piano Silencioso Choro E. S. Mangione 1949 Canto e piano Scylla Valsa Irmãos Vitale 1941 Piano Soluços (Letra: Scylla Gusmão) Valsa Musical Brasileira 1941 Só na minha flauta Choro E.S. Mangione Sombras da noite (Letra: Godoferedo Santoro) ValsaCanção Casa Carlos Wehrs Vidas mal traçadas Valsa Tupy Canto e piano MIS Almirante MIS Almirante (B 6930) MIS Almirante (B3746) MIS Almirante (8222) MIS Almirante (9629) IMS Tinhorão Flauta MIS Almirante (B-15.191) Milton D´Avila s.d. Piano MIS Almirante (B 6942) 1944 Canto e piano MIS s.d. Fonte: acervos do Instituto Moreira Salles (IMS – coleção Tinhorão), Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS – coleção Almirante) e acervos particulares de Milton D´Avila e Odette Ernest Dias. Como se observa no Quadro 2, as partituras constantes do acervo do Museu da Imagem e do Som são, em sua maioria, parte da coleção do radialista Almirante, a quem está dedicado o único manuscrito encontrado nessa coleção - o choro Chega de amor (figura 34), para piano. Trata-se de um manuscrito autógrafo. A parceria de Corintho Álvares (letrista), sugere tratar-se de um choro cantado, ainda que a letra não tenha sido encontrada. Não foram encontradas, tampouco, edições ou gravações desse choro. O bandolinista e pesquisador Pedro Aragão (2011) forneceu a esta pesquisadora três cópias manuscritas de músicas de Dante Santoro, pertencentes ao acervo Jacob do Bandolim do Museu da Imagem e do Som. Esse acervo está composto de partituras impressas e manuscritas, catalogadas por Jacob do Bandolim. Entre os 135 manuscritos copiados por terceiros, está o do choro Quando a minha flauta chora, pertencente à classificação partituras manuscritas horizontes (PMH1448). Essa partitura foi transcrita pelo clarinetista Manuel Pedro do Nascimento em 01/05/1932, conforme informação constante do manuscrito. Outro manuscrito dessa coleção é o do bolero Lamento árabe, encontrado entre as partituras manuscritas verticais (PMV0106), sem indicação do copista e data. Já a valsa Sonhando consta de um dos 34 cadernos manuscritos por antigos chorões, que foram herdados por Jacob do Bandolim, possivelmente de Candinho Trombone. A partitura consta do caderno 13, do bandolinista Patrocínio Gomes, copiada por R. Macedo, em 11/01/1948. (Aragão, 2011, p. 240). Figura 34. Manuscrito do choro Chega de amor. S.d. Fonte: Museu da Imagem e do Som (Almirante 3924). A partitura do choro Silencioso, para canto e piano, único manuscrito encontrado no acervo do Instituto Moreira Salles, é parte da coleção Pixinguinha (CX.16133), porém não foi possível obter acesso a esse documento, pois estava em fase de recuperação. Um dos choros mais conhecidos de Dante Santoro, Silencioso foi 136 gravado duas vezes: por Albertinho Fortuna com o Sexteto Star (Star, 159, s/d) e pelo próprio Dante Santoro com seu Regional (Odeon 12.920, 1949), em uma gravação que tem como introdução um solo de oboé, fato que parece ser inédito no contexto do choro. A figura 35 mostra um trecho da primeira parte da obra, na edição E.S. Mangione, de 1949. Já o manuscrito do choro Esquecimento (figura 36), para flauta e piano, foi encontrado no acervo da família Santoro em Porto Alegre e é um dos poucos manuscritos datados de Dante Santoro. Foi escrito em 1923, quando o flautista tinha 19 anos, ainda em Porto Alegre. Há outra versão desse choro, que será comentada mais adiante (cf. figura 38). Figura 35. Silencioso. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, 1949. Fonte: Acervo do Instituto Moreira Salles. A Professora Odette Ernest Dias apresentou dois manuscritos que lhe foram dados por Dante Santoro. Um deles é o choro Soffro sem querer, de Candinho, no qual consta a anotação “Antônio Santoro. Avenida Eduardo, 1204, Porto Alegre”. O outro é o choro Campo Grande, de autor desconhecido, cuja partitura tem a anotação: “Octávio Dutra. São Luiz, 471, Parthenon”. Esse endereço aparece riscado e, logo abaixo, a nova direção: “Cel. Bello, 646, Menino Deus, Porto Alegre”. A análise da grafia revela que 137 não são manuscritos autógrafos, mas cópias de autor desconhecido, provavelmente confeccionadas no período em que Dante Santoro ainda vivia em Porto Alegre. Figura 36. Manuscrito do choro Esquecimento, para flauta e piano. Caxambu, 1923. Fonte: acervo da família Santoro. No Rio de Janeiro, foram encontrados 74 manuscritos na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ (Quadro 3). Infelizmente a instituição não dispõe de dados referentes à origem dessas partituras, cujas descoberta e catalogação foram motivadas por esta pesquisa. O grande número de documentos levanta a hipótese de que esse acervo tenha sido o arquivo pessoal do compositor em vida. Entre esses manuscritos, 37 composições ainda estão inéditas. Observou-se que a maior parte das partituras são manuscritos autógrafos, sendo apenas 12 de autores desconhecidos. Embora os manuscritos autógrafos não sejam firmados nem datados, um deles apresenta a observação “cópia do autor” e foi utilizado como referência: trata-se da valsa Horas tristes, para flauta e piano. Nota-se que a grafia de Dante Santoro é muito clara e característica (especialmente o desenho de sua clave de sol, cf. figuras 34 e 36), o que facilitou o trabalho de reconhecimento de seus manuscritos por sua caligrafia. 138 Quadro 3: Manuscritos encontrados na Biblioteca Alberto Nepomuceno AUTOR Dante Santoro MÚSICA Antes só! (batucada) Dante Santoro Beijo ao luar (marcha) Dante Santoro e José Caó Dante Santoro Bagaço (choro) Dante Santoro Bolero (samba) Dante Santoro Lamentos (valsa serenata) Betinho (choro) Chorando o passado (samba) Dante Santoro Dante Santoro e Alberto ... (rasurado e ilegível) Dante Santoro e Godofredo Santoro Dante Santoro Dante Santoro Carnaval mais lindo (marcha) Delírio chinês (dança oriental) Depois... (valsa) Dante Santoro Sombras da noite (valsa) Dante Santoro e Heron Domingues Dante Santoro Deuza do mar (valsa?) Dante Santoro Dante Santoro e Scylla Gusmão Dante Santoro e Godofredo Santoro Etnad Delírio da saudade (valsa canção) Murmúrios (choro) Don´t lie (fox blue) Minha dor (valsa) Flauta selvagem INSTRUMENTAÇÃO (observações) Melodia canto TIPO Autógrafo Piano (melodia c/baixo e algumas indicações de harmonia). Anotação de capa: Esther de Abreu Piano, introdução reduzida. Há diferença na distribuição das vozes. Melodia (algumas anotações de acordes e conduções de baixo) Melodia em duplo sistema (a parte B tem anotações de acordes e conduções de baixo, parece não ter concluído a harmonização) Melodia em duplo sistema (parece não ter concluído a harmonização) Flauta e piano (tipo valsa de concerto, com cadência) Melodia para flauta Canto e piano Autógrafo Canto e piano. Partitura igual, mas com grafia diferente. Melodia em duplo sistema (harmonização não foi feita) Manuscrito de autoria desconhecida Autógrafo Melodia (algumas anotações de acordes) Melodia (algumas guias de acompanhamento, conduções) Melodia (conduções de baixo anotadas, várias marcações de tempo) Melodia (no verso escrito Secretaria do Interior) Autógrafo Melodia com anotações de harmonia, que podem ser do próprio Dante. Melodia (anotações de acordes na introdução) compasso 2/4 Canto e piano (mesma melodia da valsa Gilka, letra em inglês, compasso 2/2) Canto e piano (com introdução virtuosística para flauta). Há três versões (dois rascunhos). A introdução foi adicionada depois. Melodias para flauta e clarone, em Autógrafo Manuscrito de autoria desconhecida Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Parte da flauta: 139 (choro) partes separadas. Dante Santoro e Godofredo Santoro Essa voz (sambacanção) Dante Santoro Horas tristes (valsa) Hilda! (valsa) Canto e piano. Na capa, escrito Orlando (Silva?). Atrás há um esboço que pode ser um contracanto. Piano (cópia do autor) Melodia (flauta) Canto e piano Canto e piano (há duas versões iguais, uma deve ser rascunho e outra definitiva) Melodia (flauta) Melodia (flauta) Dante Santoro e Godofredo Santoro Dante Santoro Dante Santoro Dante Santoro Arr. Adalto Silva Scylla (valsa) Castigando (choro) Inferno de Dante (choro) Dante Santoro e Godofredo Santoro Ilusão de garoto (canção) Dante Santoro Guanabara (choro) Dante Santoro Jóquei de elefante (polca-choro) Dante Santoro Lágrimas de Rosa Dante Santoro Judith (valsa) Dante Santoro Lúcia Helena (valsa) Dante Santoro e G. Ghiaroni Loucura (beguine) Dante Santoro Mágoa de Sopros e percussão, grade de piano. Flauta solo, 2 sax alto, 2 sax tenor,3 trompetes, trombone, contrabaixo e bateria. Tom: Dm Canto e piano Piano (anotações: na capa – Minhonha (?) e no verso um esboço que parece ser de uma marcha) Melodia (no verso uma cópia do Inferno de Dante inutilizada – falta um compasso da parte B). Mesma melodia de Jóquei de elefante. Piano Melodia (flauta) Flauta e clarineta Piano Conjunto misto (arranjo da gravação): violino, sax tenor, sax barítono, trompete, trombone, contrabaixo. Melodia em duplo sistema. Anotações de harmonia a lápis, harmonização incompleta. Podem ser anotações do José Caó. Parte orquestral (grade e partes separadas, arranjo da gravação): piano, flauta, 2 sax alto, 2 sax tenor, 1 sax barítono, guitarra, contrabaixo Melodia (flauta), com anotações de harmonia; há variações melódicas que não constam na parte de canto. Melodia para canto Canto e piano 1. Melodia em sistema duplo (com autógrafo Parte do clarone: grafia de Nelson Piló Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo de Adalto Silva Autógrafo Autógrafo Manuscrito de autor desconhecido Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Manuscrito de autor desconhecido (checar na gravação) Autógrafo Manuscrito de autor desconhecido (grafia parecida à de Beijos ao luar, sugere que seja José Caó) Autógrafo Autógrafo Manuscrito de autor desconhecido (pode ser do Ghiaroni) Autógrafo 140 colombina (samba-canção) Dante Santoro e Godofredo Santoro Lírio perdido (valsa canção) Dante Santoro e Godofredo Santoro Martírios Dante Santoro e Godofredo Santoro Dante Santoro e Godofredo Santoro Dante Santoro Minha promessa (samba) Dante Santoro Dante Santoro Belmacio Pousa Godinho Dante Santoro Dante Santoro Morena Minuano triste (choro) Exaltação (valsa) Na minha flauta (marcha) Mulatinho (maxixe) Murmúrios d´alma (valsa) Nair (choro) Dante Santoro Na minha flauta tu não tocas mais! (marcha carnavalesca) Dante Santoro No bar do Oswaldo (choro) Dante Santoro e Corintho Alvares Não me venhas com esta cara... (samba) Dante Santoro Dante Santoro Nena (valsa canção) Não tem pra ti (polca) Dante Santoro No mistério da vida (samba) Dante Santoro Nossa aurora anotações de harmonia que parecem ser do próprio Dante) 2.Melodia Canto e piano Autógrafo Canto e piano Autógrafo Flauta, clarineta, violino, violoncelo e contrabaixo. Arranjo com grade e partes separadas. Parece ser de sua autoria. Canto e piano Autógrafo Melodia canto em duplo sistema (harmonização incompleta). A letra está anotada de próprio punho. Melodia para flauta. Autógrafo Melodia para flauta. Melodia (no verso, esboço de Delírio Chinês incompleto) Flauta, clarineta e contrabaixo Autógrafo Autógrafo Canto e piano (sem letra) Autógrafo Melodia para flauta. No verso, Sou Teimoso, de Jacob do Bandolim. Melodia (Eb) Melodia (F). A versão definitiva parece ser em Fá maior. Parece ser desenvolvido a partir de Na Minha Flauta Melodia em ¾ Melodia em 2/4. Diz chorobatucada. Canto e piano (rascunho) (anotações de harmonia parecem de outra pessoa) Canto e piano. Anotação: repertório de Vera Prado. (definitiva) Canto e piano (não tem letra). Com introdução virtuosística p/ flauta. Partes de flauta e clarineta. A parte de clarineta são contracantos. Há anotações de condução na parte da flauta. Melodia em sistema duplo. Letra, sem autoria. Sem harmonização. Incompleta. Canto e piano. Sem letra. Manuscrito de autor desconhecido Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Manuscrito de autor desconhecido Autógrafo Autógrafo Autógrafo Rio, 2/3/1935 Autógrafo Autógrafo Autógrafo 141 e Godofredo Santoro Dante Santoro e Pasqual Santoro Dante Santoro e Godofredo Santoro (marcha) Non so che dire (canção italiana) Canto e piano Autógrafo (cópias heliográficas anexas) Nossa Senhora do Morro (samba canção) Canto e piano. Letra com modificações à mão de Dante Santoro. Autógrafo Dante Santoro e Dr. Alberto Manes Dante Santoro e Ary Picaluga O que tu és (valsa canção) Canto e piano. Autógrafo Oh! Deus (samba) Manuscrito de autoria desconhecida (deve ser de Ary Picaluga) Dante Santoro e Arnaldo Passos Dante Santoro e Godofredo Santoro Dante Santoro, Joca e Jacaré Perto de mim (batucada). Na capa: samba Olhos magos (valsa canção) Arranjo de Ary Picaluga. Sem letra. 2 sax altos, 1 sax tenor, 2 trompetes, 1 trombone, piano, guitarra e contrabaixo. Canto e piano Canto e piano. Título original: Olhos Maternos. Autógrafo Todos Autógrafos Dante Santoro: Luiz e Nelson. Godofredo Santoro Dante Santoro e Scylla Gusmão Prece de amor (samba-canção) ou Beijos vis. 1. Canto e piano (versão inicial) 2.Canto e piano (passado a limpo com modulações) 3. Arranjo Pixinguinha: 2 sax alto, 1 sax tenor, 2 trompetes, 1 trombone, 1 contrabaixo Canto e piano Arranjo (rascunho em parte de piano): 2 sax alto, 1 sax tenor, 2 trompetes, 1 trombone e 1 baixo Melodia em duplo sistema (esboço de harmonia em cifras). Essas anotações de harmonia podem ser do arranjador. Melodia em sistema duplo (harmonia a lápis), primeira versão Canto e piano (versão definitiva, c/ mudança de letra e melodia) Canto e piano Manuscrito autor desconhecido Primavera carioca! (marcha) Quero-te como és (valsa canção) Autógrafo Autógrafo Autógrafo Dante Santoro e Aldo Cabral (1912-19440 Reflexos Autógrafo Dante Santoro e Godofredo Santoro Dante Santoro e Scylla Gusmão Rancho saudoso (canção sertaneja) Rosário de ironias (valsa-canção) Canto e piano. Autógrafo Dante Santoro Scylla Versão 1: Canto ( melodia) Albertinho: Fá maior Versão 2: flauta: sol maior Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo 142 Anotações de melodias: Da cor do pecado e Nova ilusão Silencioso (choro) Contrabaixo Posso sofrer Contrabaixo (valsa) Mate amargo Contrabaixo (polca) Vidas mal Contrabaixo traçadas (valsa) Autógrafo Dante Santoro Sonho (valsa) Título original: Crepúsculo Autógrafo Autógrafo Dante Santoro Suzana (valsa) Dante Santoro Só na minha flauta Taça de cristal (valsa-fox) Teu castigo (samba) Melodia (flauta) Melodia em sistema duplo (algumas anotações de harmonia; harmonização incompleta) Melodia flauta (c/ cadência) Canto e piano Versão 1: melodia a caneta e anotações harmonia a lápis) Versão 2: completa, definitiva Melodia Melodia (mesma da valsa Gilka) Autógrafo Melodia. Letra. Autógrafo Melodia (flauta). Excerto: introdução – E maior Canto e piano Anotações para o arranjador Arr: Radamés Gnatalli Cordas, flauta, clarineta e voz Autógrafo Autógrafo Autógrafo Dante Santoro Dante Santoro e G. Ghiaroni Dante Santoro Dante Santoro Dante Santoro Dante Santoro e Heron Domingues Dante Santoro Dante Santoro e G. Ghiaroni Dante Santoro Dante Santoro e Heron Domingues Dante Santoro? Dante Santoro? Dante Santoro Teu feitiço (choro) Teus olhos (tango) Vidas maltraçadas Melodia. (valsa) Wilma (valsa) Melodia Serpentina Maninho Samba do Dante Santoro Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo Autógrafo. A grade foi transcrita por Dante, não tem partitura do Radamés. Autógrafo Autógrafo Melodia Melodia 1. Canto e piano Autógrafo Autógrafo Autógrafo 2. Arranjo: clarinete, 2 trompetes, sax tenor, coro (trio), contrabaixo, piano e voz solista Manuscrito de autor desconhecido (arranjador) Fonte: Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ. Os campos em cinza assinalam as obras lançadas em disco ou editadas. Os campos em branco correspondem a obras inéditas. A consulta aos manuscritos revelou como Dante Santoro compunha suas músicas: escrevia a melodia em duplo sistema e, logo, completava a harmonia, com os acordes e as conduções do baixo, em uma escrita bastante simples para piano. Em 143 alguns manuscritos, apenas a melodia da flauta é escrita. Nesses casos, geralmente há anotação de acordes e convenções da linha do baixo na mesma pauta. É o caso, por exemplo, de Delírio chinês (dança oriental), Depois... (valsa), Sombras da noite (valsa) e Murmúrios (choro). Também há músicas em que Dante Santoro escreve os contracantos para um segundo solista. É o caso de Jóquei de elefante (choro) e Não tem pra ti (polca), que tem partes de flauta e clarineta, assim como Flauta selvagem (choro), que tem partes de flauta e clarone (esta última com grafia de Nelson Piló). Muitos de seus manuscritos são obras para canto e piano. As melodias, inicialmente compostas e harmonizadas, ganhavam letras e tornavam-se canções. Dante Santoro trabalhou com dois letristas em especial: seu irmão Godofredo Santoro, que era militar, e a amiga Scylla Gusmão, uma poetisa natural do estado do Pará. Além destes, também há parcerias com Corintho Álvares, Heron Domingues (o Repórter Esso), Alberto Manes, Arnaldo Passos, Kid Pepe e Aldo Cabral62. A figura 37 mostra a partitura editada de uma dessas músicas, a valsa Horas tristes, de Dante Santoro e Corintho Álvares. Há partituras repetidas, que parecem ser diferentes versões da mesma obra: algumas são rascunhos, outras versões definitivas. Dante tinha o hábito de passar a limpo suas partituras, inclusive obras de outros autores, como Sou teimoso, de Jacob Bittencourt; Da cor do pecado, de Bororó; e Luzeiro, de Eduardinho, que foram encontradas no verso de composições de sua autoria. Também há arranjos de outros compositores sobre suas composições, cuja grade foi transcrita por Dante Santoro: é o caso da marcha Primavera carioca, com arranjo de Pixinguinha e o tango Teus olhos, arranjado por Radamés Gnattali. 62 Heron Domingues (1924-1974), locutor, ficou conhecido como o Repórter Esso, alcunha retirada do programa jornalístico por ele apresentado na década de 1940. Foi diretor da Divisão de Radiojornalismo da Rádio Nacional na década de 1950. Alberto Manes foi radialista, dirigiu, na década de 1930, a Rádio Guanabara e compôs músicas em parceria com Felisberto Martins e Benedito Lacerda. Arnaldo Passos (c.1910-c.1964) assinou parcerias com diversos compositores, nas décadas de 1950 e 1960 . Devido a sua habilidade em divulgar músicas junto a gravadoras, intérpretes e rádios, suas obras alcançaram projeção na voz de cantores como Ângela Maria, Marlene e Cauby Peixoto. José Gelsomino, o Kid Pepe (19091961), ex-boxeador, tornou-se locutor na década de 1930. Teve composições (em sua maioria sambas) gravadas nas décadas de 1930 e 1940 por Almirante, Orlando Silva, Moreira da Silva, entre outros. Aldo Cabral (1912-1994) destacou-se nas décadas de 1930 e 1940 como letrista de valsas, sambas e marchinhas de carnaval. Seu principal parceiro foi o flautista Benedito Lacerda. 144 Figura 37. Horas Tristes, valsa. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, s.d. Fonte: acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Às vezes as harmonizações parecem ser complementadas por arranjadores: Dante fazia um rascunho com anotações básicas de harmonia e conduções e um segundo arranjador fazia a versão definitiva, que continha a condução das vozes na parte do piano. Essa suposição se baseia nas diferenças de grafia encontradas entre os rascunhos e as versões definitivas nas seguintes obras: Beijo ao luar (marcha), Chorando o passado (samba) e Não me venhas com esta cara (samba). Constata-se, entretanto, que na maior parte das partituras para piano as harmonizações são feitas por Dante Santoro, pois não há diferenças de grafia. Percebese que essas harmonizações eram construídas passo a passo: a partir da melodia principal escrevia-se o baixo; logo, construíam-se as vozes intermediárias, de forma a preencher a harmonia. Algumas partituras contêm somente a melodia ou ficaram com harmonizações incompletas, o que pode indicar que esse trabalho levava certo tempo. A autoria dos arranjos é quase sempre de maestros que trabalhavam na Rádio Nacional, por isso supõe-se que essas obras foram utilizadas na programação da emissora. Entre as partituras editadas (Quadro 2), há quatro obras orquestradas: a 145 marcha Colombina sofre (violino, 2 sax alto, sax tenor, 2 trompetes, trombone e tuba) e a valsa Nena (violino ou flauta, sax alto, sax tenor, trompete sib, trombone e tuba), orquestradas por Leo Peracchi (1911-1993); a valsa Lágrimas de Rosa (violino, sax alto, sax tenor, trompete sib, trombone e contrabaixo), orquestrada por Henrique Vogeler (1888-1944); e a valsa Gilka (violino, sax alto, sax tenor, 2 trompetes sib, trombone e contrabaixo), cujo arranjo é de autor desconhecido (essa versão editada é a mesma gravada pela Orquestra Victor Brasileira com Vicente Celestino, em 1938, pelo selo Victor 34.370). Os arranjos manuscritos, encontrados na Biblioteca Alberto Nepomuceno (Quadro 3), são os seguintes: choro Inferno de Dante (flauta solo, 2 sax alto, 2 sax tenor, 3 trompetes, trombone, contrabaixo e bateria), arranjo de Adalto Silva; valsa Lágrimas de Rosa (violino, sax tenor, sax barítono, trompete, trombone e contrabaixo), possivelmente o mesmo arranjo de Henrique Vogeler (acima) – trata-se do arranjo utilizado na gravação de Vicente Celestino com a Orquestra Victor Brasileira em 1937 (RCA Victor, 34.213); valsa Judith (flauta, 2 sax alto, 2 sax tenor, 1 sax barítono, guitarra, piano, contrabaixo), arranjo de autor desconhecido - trata-se do arranjo utilizado na gravação de Dante Santoro com o grupo “Carioca e seus saxofones”, dirigido pelo Maestro Ivan Paulo, o Carioca (Odeon Veroton, 12.965, 1949); samba Oh Deus! (2 sax altos, 1 sax tenor, 2 trompetes, 1 trombone, piano, guitarra e contrabaixo), arranjo de Ary Picaluga – trata-se do arranjo utilizado na gravação de Afrânio Rodrigues e orquestra (Odeon 13.377, s/d); marcha Primavera carioca (2 sax alto, 1 sax tenor, 2 trompetes, 1 trombone, 1 contrabaixo), arranjo de Pixinguinha, datado de 25/10/1937; valsa Quero-te como és (2 sax alto, 1 sax tenor, 2 trompetes, 1 trombone, 1 contrabaixo), arranjo de autor desconhecido; tango Teus Olhos (cordas, flauta, clarineta e voz), arranjo de Radamés Gnatalli; Samba do Dante Santoro (voz solista, clarineta, 2 trompetes, sax tenor, coro (trio), contrabaixo e piano), arranjo de autor desconhecido. Acredita-se que o arranjo da valsa Martírios (flauta, clarineta, violino, violoncelo e contrabaixo) tenha sido feito pelo próprio Dante Santoro. Há uma gravação dessa obra, por Vicente Celestino com a Orquestra Victor Brasileira (Victor, 34.443, 1939), porém esse arranjo é uma versão inédita, para grupo de câmara, portanto diferente das orquestrações habituais no meio radiofônico. Reforça essa hipótese o fato da partitura ser um manuscrito autógrafo. 146 O arranjo do Chorinho gostoso (flauta, violino, violoncelo e contrabaixo), pode também ser de autoria de Dante Santoro, embora a grafia da partitura seja desconhecida (figura 38). Esse manuscrito, encontrado no acervo da família Santoro, traz o mesmo conteúdo musical do choro Esquecimento, para flauta e piano, cujo manuscrito foi apresentado, anteriormente, na figura 36. Ambos têm um número de registro (33934-975), porém a data só aparece na capa da partitura do choro Esquecimento (Caxambu, 1923). Segundo o músico Arthur de Faria, a versão original é o Chorinho Gostoso, composto ainda em Porto Alegre aos 19 anos, que foi gravado em 1935, rebatizado de Esquecimento. “Sua versão original funde à perfeição chorinho e música de câmara, cheio de contrapontos e composto para uma formação das mais inusitadas: flauta, violino tocado no colo com os dedos como um cavaquinho, cello e contrabaixo” (FARIA, 2011). Entretanto, a julgar por sua sistemática composicional (observada nos demais manuscritos), parece mais provável que Dante tenha composto, em 1923, somente a melodia acompanhada do piano, sendo essa versão posteriormente arranjada para a formação mencionada. Figura 38. Manuscrito do Chorinho Gostoso, parte da flauta. Trata-se da mesma música do choro Esquecimento (1923). A caligrafia não é de Dante Santoro. Fonte: acervo da família Santoro 147 3.2 Discografia A pesquisa revelou que Dante Santoro lançou 57 discos ao longo de sua carreira, sendo 56 discos em 78 rpm e 01 LP 33⅓ rpm, pelas gravadoras Continental, Odeon, Sinter, Star e Victor/RCA-Victor. Três discos 78 rpm com o selo da Rádio Nacional PRE-8 foram encontrados nos acervos da Biblioteca Nacional e do Museu da Imagem e do Som. Acredita-se que foram gravações utilizadas na programação interna da rádio, porém sem lançamento comercial. Um disco de 78 rpm encontrado no acervo do sobrinho Homero Santoro, contendo a canção Non so che dire, interpretada pelo cantor Dino Dine, tampouco teve lançamento comercial. Trata-se de uma composição em parceria de Dante Santoro com seu pai, Paschoal Santoro. Possivelmente a gravação foi um registro pessoal em homenagem a seu pai. O Quadro 4 mostra o quantitativo de discos por gravadora, número de série, ano de lançamento e localização: Quadro 4: Discografia (gravadora, nº de série, ano de lançamento e acervo) 1 SELO Audiodiscs 2 3 4 5 6 7 Continental Continental Continental Continental Continental Inexistente 8 Inexistente 9 10 11 12 13 14 15 Odeon Odeon Odeon Odeon Odeon Odeon Odeon N. série Arquivo pessoal 15.626 15.689 17.163 17.170 17.600 Arquivo pessoal Arquivo pessoal 13.017 13.060 13.105 13.150 13.189 13.254 13.299 16 17 18 19 20 Odeon Odeon Odeon Odeon Odeon 13.328 13.377 13.409 13.466 13.505 Formato 78RPM Ano s.d. Localização Homero Santoro 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM s.d. s.d. s.d. 1955 s.d. s.d. Homero Santoro; MIS MIS BN Memória Musical; MIS Homero Santoro Homero Santoro 78RPM s.d. Homero Santoro 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 1950 1950 1951 s.d. 1951 1952 1952 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM s.d. s.d. s.d. 1953 1953 Homero Santoro; IMS Homero Santoro; IMS IMS; Memória Musical Homero Santoro Homero Santoro; BN; IMS Homero Santoro; IMS Homero Santoro; MCHJC; IMS; MIS Homero Santoro Homero Santoro Homero Santoro Memória Musical; MIS Homero Santoro; IMS 148 21 Odeon Veroton 22 Odeon Veroton 23 Odeon Veroton 24 Odeon 12.358 78RPM 1943 Homero Santoro; IMS 12.736 78RPM 1946 12.881 78RPM 1948 Homero Santoro; BN; IMS; MIS Homero Santoro; IMS 12.920 78RPM 1949 25 Odeon Veroton 26 Odeon Veroton 27 Odeon Veroton 28 Odeon Veroton 29 Odeon Veroton 30 Odeon 31 Odeon 32 Odeon Veroton 33 Oden Veroton 34 Odeon Veroton 35 PRE-8 36 PRE-8 37 PRE-8 38 Sinter 39 Sinter 12.924 78RPM 1949 IMS; Memória Musical; MCHJC BN; IMS; MIS 12.965 78RPM 1949 BN; IMS; Memória Musical 12.307 78RPM 1943 Homero Santoro; IMS 12.097 78RPM s.d. Homero Santoro 12.032 78RPM 1941 Homero Santoro; IMS 12.211 12.228 12.292 78RPM 78RPM 78RPM 1942 1942 1943 12.455 12.491 78RPM 78RPM s.d. s.d. IMS Memória Musical Homero Santoro; IMS; Memória Musical; MIS BN BN 565 00.00326 00.00382 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM s.d. s.d. s.d. s.d. 1955 40 41 42 43 44 45 Sinter Sinter Star RCA Victor Victor RCA Victor 00-00.482 SLP1032 159 33.770 34.207 34.213 78RPM LP 331/3 RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 1956 s.d. s.d. s.d. 1937 1937 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 Victor Victor Victor Victor Victor Victor Victor Victor Victor Victor Victor 34.620 34.751 34.460 34.442 34.443 34.352 34.370 34.185 34.167 34.155 34.049 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 1940 1941 1939 1939 1939 1938 1938 1937 s.d. 1937 s.d. BN MIS MIS Homero Santoro; MIS Homero Santoro; IMS; MCHJC Memória Musical; MCHJC Homero Santoro; MCHJC Homero Santoro; BN Homero Santoro Memória Musical Homero Santoro; BN; IMS; MIS IMS; Memória Musical Homero Santoro; BN; IMS Homero Santoro; IMS Homero Santoro; IMS IMS Homero Santoro; IMS IMS; Memória Musical Homero Santoro; IMS Homero Santoro; BN Homero Santoro; IMS Homero Santoro 149 57 58 59 60 61 62 Victor Victor Victor Victor Victor Victor 33.991 33.986 33.943 33.968 33.932 33.814 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 78RPM 1935 s.d. 1935 1935 1935 s.d. IMS; Memória Musical Homero Santoro Homero Santoro; BN; IMS IMS; Memória Musical; MIS Homero Santoro; IMS Homero Santoro Fonte: acervos indicados na coluna 6. A maioria dos discos contém obras compostas e interpretadas por Dante Santoro. Foram gravadas 63 composições próprias, lançadas em discos 78 rpm entre 1935 e 1956. O Quadro 5 detalha o repertório, os autores e os intérpretes dos discos relacionados acima, na mesma ordem numérica. Os títulos em itálico são composições de outros autores e as linhas em cinza assinalam os discos que não têm a participação de Dante Santoro como intérprete, somente como compositor (15 no total). Quadro 5: Discografia (repertório, compositores e intérpretes) Repertório Non so che dire (canção) Nadie (bolero)/No mientas (bolero) Compositores Pasqual e Dante Santoro Augustin Lara/Sila Gusmão, Dante Santoro 3 Tira cisma/Puladinho (rancheira) Pedro Raimundo 4 Monsueto, Tuffic Lauar, Marcelo/Desconhecido Dante Santoro, Ghiaroni/Paulo Soledade Dante Santoro, Ghiaroni/idem 7 A fonte secou (samba)/Gilka (choro) Lamento árabe (bolero)/Meu jeito de ser (samba) Loucura (bolero)/Nosso passado (choro) Suzana (valsa) 8 Harmonia selvagem (choro) Dante Santoro 9 Flauta selvagem (choro)/Sempre nós (polca-choro) Etnad/Terror dos Facões (Octavio Dutra) 10 Urubu Malandro (choro)/Jóquei de elefante (choro) Louro/Dante Santoro 11 Não tem pra ti (choro)/ Teu feitiço (choro) Moleque vagabundo (baião)/Subindo ao céu (valsa) Dante Santoro/idem 1 2 5 6 12 Dante Santoro Louro, Mário Reis/Aristides M. Borges Intérpretes Dino Dine Ruy Rey com Orquestra Continental/idem Pedro Raimundo com Dante Santoro e seu Conjunto K-Ximbinho e sua orquestra Albertinho Fortuna Romeu Fernandes com Orquestra/idem Dante Santoro e Regional Dante Santoro com Regional Dante Santoro, Flauta c/ acomp de Regional/Canto: Trigêmeos vocalistas; Dante Santoro, Flauta c/ acomp. de Regional Dante Santoro, flauta c/ Vivi e Regional/idem Dante Santoro/idem Dante Santoro, flauta c/ Vivi e seu Regional 150 13 Wilma (valsa)/ Amigo (choro) Dante Santoro/Waldemar de Melo 14 O mulatinho (maxixe carioca)/Quando minha flauta chora (choro) Chorei (choro)/Bagaço (choro) Belmácio P. Godinho/Dante Santoro 16 Nêga suspira (baião)/Deixa ele (choro) Sá Pereira/Juca Chagas 17 Oh Deus (samba)/Cada um dá o que tem (marcha) 18 Quando eu for bem velhinho (baião marcha)/Inferno de Dante (choro) Espelho quebrado (sambacanção)/Súplica(samba-canção) Dante Santoro, Ary Picaluga/Felizberto Martins, J. Piedade Lupicínio Rodrigues, Felisberto Martins/Dante Santoro Dante Santoro, Heron Domingues/Oscar Bellandi, Nelson Trigueiro Dante Santoro/Arnaldo Passos 15 19 Pixinguinha, B. Lacerda/Dante Santoro 20 Lamento árabe (bolero)/ Estudante (choro) 21 Páginas mortas (valsa)/Olha a sua vida (samba) Dante Santoro, Scylla Gusmão/Alcebíades Barcellos (Bidi), Armando Marçal 22 Deixa pra lá (polcachoro)/Maria Rosa (valsa) Dante Santoro/idem 23 Vidas mal traçadas (valsa)/Um sonho que passou (samba) 24 Silencioso (choro)/ Vidas mal traçadas (valsa) 25 Cuanto le gusta (samba)/Passarinho da lagoa (toada) Dante Santoro, Scylla Gusmão/Fernando Martins, Geraldo P. Santos Dante Santoro, Giuseppe Ghiaroni/ Dante Santoro, Sila Gusmão Gabriel Ruiz (letra brasileira Ewaldo Rui, Fernando Lobo)/Ewaldo Ruy, Fernando Lobo 26 Teimoso (choro)/Judith (valsa) Octavio Dutra/Dante Santoro 27 Olhos magos (valsa)/Noutros Tempos ... Era eu (samba) Dante Santoro, Godofredo Santoro/Ataulpho Alves Dante Santoro com acomp. de Regional/idem Dante Santoro, flauta c/ Vivi e seu Regional/idem Dante Santoro, flauta c/ Vivi e seu Regional/idem Dante Santoro, flauta c/ acomp de Regional/idem Afranio Rodrigues c/ acomp de orquestra/idem Dante Santoro, flauta c/ acomp. de regional/idem Violeta Cavalcanti Dante Santoro c/ acomp de Regional/idem Gilberto Alves c/ Orquestra Odeon, dir: Lírio Panicali/Gilberto Alves c/ Orquestra Odeon Dante Santoro (solo de flauta) acomp. pelo seu Regional/idem Francisco Alves c/ Orquestra Odeon, dir: Lírio Panicali/idem Dante Santoro/idem Dircinha Batista com Orquestra Odeon/Dircinha Batista com Dante Santoro e seu Regional Dante Santoro (solo de flauta) com Carioca e seus saxofones/idem Orlando Silva e Orquestra /odeon, Dir: Fon-Fon/ Orlando Silva acomp 151 28 Olha o Jacaré (marcha)/ Adeus Estácio (samba) 29 Natureza bela! (samba)/Soluços (valsa) 30 Cidade velha (samba)/ Salve a mulher brasileira (marcha) 31 Não sei mentir (samba)/Grito da nação (marcha) 32 Castigando (choro)/Sonho (valsa) Tudo Combinado (Humorismo)/Club Japonês 33 34 A Lalá tá cá (Humorismo) 35 No mientas (bolero)/Corazón a corazón (bolero) 36 Amélia acabou com a Praça 11 (samba) 37 Leilão (marcha) 38 Delírio chinês (dança oriental)/No bar do Oswaldo (choro) Lamento árabe (bolero)/Murmúrios (choro) Marte amargo (polca)/ Posso sofrer (valsa) Face A: Delírio Chinês (choro), Vidas mal traçadas (valsa), Mate amargo (polca), Murmúrios (choro). Face B: Lamento árabe (bolero), No bar do Oswaldo (choro), Posso sofrer (valsa), Silencioso (choro) Silencioso (choro)/Vidas mal traçadas (valsa) 39 40 41 42 43 Beatriz (valsa)/Saudades do Jango (valsa) Dante Santoro, Scylla Gusmão/ Alcebíades Barcellos (Bidi), Darcy de Oliveira Felisberto Martins, Henrique Mesquita/Dante Santoro, Scylla Gusmão Grande Otelo, Herivelto Martins/Rubens Campos, Sebastião Lima Dante Santoro,Scylla Gusmão/Max Bulhões, Nelson Trigueiro Dante Santoro/idem de quarteto de Clarinetes com Pistão Gilberto Alves acomp do Conjunto Odeon/idem Gilberto Alves c/ Fon-Fon e sua Orquestra Dircinha Batista, Dante Santoro, Regional/idem Dircinha Batista Dante Santoro (solo de flauta)/idem Jararaca e Ratinho/idem Jararaca e Ratinho com Dante Santoro e seu Conjunto/idem Jararaca e Ratinho Jararaca e Ratinho com Dante Santoro e seu Conjunto Dante Santoro, Scylla Rosita Gonzalez; Gusmao/Roberto Lambertucci, Chiquinho e sua Fernando Lopez Orquestra Desconhecido Linda Batista com Regional de Dante Santoro Miguel Ribeiro Nuno Roland com Regional de Dante Santoro Dante Santoro/Dante Santoro Dante Santoro e seu Regional/idem Dante Santoro, Ghiarone/Dante Santoro Dante Santoro/Dante Santoro, Ghiaroni Dante Santoro; Dante Santoro e Scylla Gusmão; Dante Santoro; Dante Santoro/Dante Santoro e Ghiaroni; Dante Santoro; Dante Santoro e Ghiaroni; Dante Santoro e Ghiaroni Dante Santoro e seu Regional/idem Dante Santoro Dante Santoro, J. Ghiaroni/Dante Santoro, Scylla Gusmão Octávio Dutra/idem Albertinho Fortuna com Sexteto Star/idem Dante Santoro Solo de flauta com bandolim (Luperce Miranda) e dois Violões (Tuti e Dante Santoro 152 44 Martírios (valsa)/Inferno de Dante (choro) A última canção (fox canção)/Lágrimas de Rosa (valsa-canção) Alma de Beduíno (choro)/ Teu feitiço (choro) Amapá (maxixe)/Scylla (valsa) Dante Santoro, Godofredo Santoro/Dante Santoro Guilherme A. Pereira/Dante Santoro, Kid Pepe Minuano triste (choro)/Sombras da noite (valsa) Quando a minha flauta chora(choro)/Exaltação (valsa) Ilusão de garoto (canção)/Martírios (valsa) Dante Santoro/ Dante Santoro 51 Harmonia selvagem (choro)/Suzana (valsa) Dante Santoro/idem 52 Gilka (valsa) Dante Santoro, Milton Amaral 53 Horas tristes (valsa)/Murmúrios d´alma (valsa) Dante Santoro e Corintho Álvares/idem 54 Dores d´alma (valsa) /É logo ali (choro) José Bittencourt/Dante Santoro 55 Só na minha flauta (choro)/Olhos magos (valsa) Dante Santoro/idem 56 Marlene (valsa)/Variações sobre cateretê Dante Santoro/Pereira Filho 57 58 Nair (valsa)/ Nena (valsa) Lágrimas de Rosa (valsa)/Miguelina (valsa) Dante Santoro/idem Dante Santoro/Ary Valdez (Tatuzinho) 59 Betinho (choro)/Toada brasileira (toada) Dante Santoro/Ary Valdez 60 Esquecimento (choro)/ Subindo Dante Santoro/ Aristides 45 46 47 48 49 50 Dante Santoro/ idem Juca Storoni/Dante Santoro Dante Santoro/Dante Santoro Dante Santoro, Godofredo Santoro/idem Manoel Lima)/idem Dante Santoro Orlando Silva c/ Orquestra Victor Brasileira/idem Dante Santoro/ idem Dante Santoro e seu conjunto/idem Dante Santoro e seu Conjunto/idem Dante Santoro e seu conjunto/idem Vicente Celestino e Orquestra Victor Brasileira/idem Dante Santoro e seu Conjunto Regional/idem Vicente Celestino e Orquestra Victor Brasileira Conjunto Regional Dante Santoro, canto: Manoel Reis/idem Solo de flauta por Dante Santoro e seu Conjunto/idem Solo de flauta por Dante Santoro e seu Conjunto/idem Solo de flauta por Dante Santoro acomp de dois Violões e Cavaquinho/solo de violão por Pereira Filho Dante Santoro/idem Solo de Flauta por Dante Santoro c/ Conjunto RCA Victor/Solo de cavaquinho por Tatuzinho c/ conjunto RCA Victor Solo de Flauta por Dante Santoro e Conjunto Regional Victor/Solo de cavaquinho por Ary Valdez e Conjunto Regional Victor Dante Santoro e 153 ao céu (valsa) Borges 61 Não tem pra ti (choro)/Gilka (valsa) Dante Santoro/Dante Santoro 62 Nilva (valsa) /Hilda (valsa) Octávio Dutra/Dante Santoro Conjunto RCA Vitor/ Dante Santoro, José Bittencourt, Luperce Miranda e Pereira Filho Solo de Flauta por Dante Santoro e Conjunto Regional Victor/idem Dante Santoro, Solo de Flauta com Bandolim (Luperce Miranda) e dois Violões (Tuti e Manoel Lima)/idem Fonte: acervos indicados no Quadro 4. Os campos em cinza assinalam a participação de Dante Santoro como compositor exclusivamente. Como já mencionado na Introdução desta tese, grande parte das gravações em 78rpm, que compõem o acervo do sobrinho Homero Santoro, foi digitalizada nos estúdios Alfa em Porto Alegre e lançada na coletânea A Flauta Mágica de Dante Santoro (Fumproarte, 1998). A coletânea é composta de três CDs: Volume I – Chorinhos (24 faixas); Volume II - Valsas (20 faixas); Volume III – Miscellanea (24 faixas). O volume III contém gravações interpretadas por cantores do rádio, acompanhados pelo Regional de Dante Santoro. Algumas dessas faixas também estão disponíveis para audição na página eletrônica do Instituto Moreira Salles (http://acervo.ims.uol.com.br/). A figura 39 mostra as capas de alguns desses discos 78 rpm, de diferentes gravadoras, presentes no acervo de Homero Santoro. A iniciativa de digitalizar esses discos foi vital para a sobrevivência desses registros, pois aquele formato de mídia tornou-se obsoleto. Além de ser muito raro encontrar um toca-discos para o formato 78 rpm, o estado de manutenção desses discos costuma ser precário, o que impossibilita sua audição. 154 Figura 39. Alguns discos 78 rpm de Dante Santoro, lançados em diferentes gravadoras. Fonte: acervo da família Santoro. 3.3 Gravações da Rádio Nacional A busca por registros de programas da Rádio Nacional com a participação de Dante Santoro no banco de dados da coleção Rádio Nacional, do Museu da Imagem e do Som, retornou poucos resultados. Isso se deve ao fato de que, lamentavelmente, as gravações não incluem informação sobre os músicos participantes. Segundo os técnicos do MIS, os dados que acompanham o acervo digitalizado são exatamente os mesmos que constavam nos registros originais em acetato da Rádio Nacional, o que reforça a constatação de que não havia o cuidado de listar todos os participantes das gravações nesse período. Dessa forma, a informação se perdeu por falta de registro adequado. Supõe-se que Dante Santoro tenha atuado em um número significativo de gravações de produções fonográficas da Rádio Nacional. O Quadro 6 mostra as gravações coletadas nesse acervo e inclui trechos de programas da Nacional e gravações avulsas, que foram provavelmente feitas nos estúdios da Nacional para compor a programação musical. No campo Intérpretes consta a informação fornecida pelo banco de dados do MIS. Como se nota, algumas faixas citam expressamente o nome de Dante Santoro ou de seu regional, porém outras 155 mencionam somente o nome do cantor, ou ainda a expressão “e regional”, sem especificar o nome do grupo. A ampla atuação do Regional da Nacional na programação da emissora permite supor que as gravações realizadas em seus estúdios fossem acompanhadas pelo Regional de Dante Santoro. Sabe-se, porém, que a grande quantidade de trabalho impôs a necessidade de um esquema de revezamento entre os músicos. O único membro fixo, segundo o depoimento de Jorginho do Pandeiro, era o flautista Dante Santoro, que liderava o grupo em todas as ocasiões. Quadro 6: Gravações da Rádio Nacional com a participação de Dante Santoro CD CD 0771 (Acetato 40243) Programa A Hora do Pato Formato 33 RPM Música Fim de semana em Paquetá Paraíba CD 0590 (Acetato 39807) CD 1265 (Acetato 41309) CD 1265 (Acetato 41311) CD 2024 (Acetato 36290) CD 2024 (Acetato 36297) CD 2024 (Acetato 36297) CD 2025 (Acetato 36298) CD 2025 (Acetato 36301) CD 2025 (Acetato 36304) A Felicidade bate à sua Porta Autores Sem referência Luiz Gonzaga 33 RPM Jurei Os carinhos de Iaiá (sambaembolada) Pra onde vai valente? (sambaembolada) Nássara / Donga Intérpretes Calouro: Wilson Barbosa Emilinha Borba Regional de Dante Santoro Emilinha Borba Regional de Dante Santoro Sem referência Manezinho Araújo Sem referência Manezinho Araújo Programa Castelões 78 RPM Programa César Alencar (03/06/1950) 33 RPM A dança da moda Sem referência Luiz Gonzaga Gravação avulsa 33 RPM Enfim, vá lá dá cá Lamartine Babo Barbosa Júnior Regional de Dante Santoro Gravação avulsa 33 RPM Abana baiana Gravação avulsa 33 RPM Dança mas não encosta Gravação avulsa 33 RPM Desafio Gravação avulsa 33 RPM Cuidado com a lua Gravação avulsa 33 RPM Não tenho queixas R. Roberti, J. Faraj e C. Brasil Roberto Roberti e Russo Dante Santoro / Joca do Pandeiro Dante Santoro Joca do Pandeiro Almirante Almirante Ismael Filho Nuno Roland Linda Batista Linda Batista 156 Quando a minha flauta chora O sambista CD 2042 (Acetato 36480) CD 2068 (Acetato 36759) Gravação avulsa Gravação avulsa 33 RPM Sem referência Choro em família (samba) A Suzana (valsa) A saudade que ficou Dante Santoro / Scylla Gusmão Herivelto Martins Nestor de Holanda / Geraldo Queiroz Dante Santoro / Godofredo Santoro Alberto Costa Nuno Roland Dora Lopes e Regional Dora Lopes e Regional Renato Braga e Regional de Dante Santoro Renato Braga e Regional de Dante Santoro Fonte: acervo da coleção Rádio Nacional, Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS). A fim de aprofundar a investigação, buscou-se ouvir gravações de outros flautistas contratados da Rádio Nacional, que também poderiam ser os intérpretes das faixas consideradas. Assim, foram ouvidas as seguintes gravações, disponíveis no acervo online do Instituto Moreira Salles (www.acervo.ims.uol.com.br): Pedro do pedregulho (samba) e Ari no choro (choro), com o flautista Ari Ferreira; Lua branca (canção) e Se querem eu choro (polca), com o flautista João de Deus (grupo Turma do Sereno); À gargalhada fiquei (samba), com o flautista Antônio Souza e Aguenta o galho (choro), com o flautista Eugênio Martins63. A audição desses registros foi muito importante, não só como critério de comparação, mas também pela oportunidade de conhecer excelentes flautistas, pouco recordados nos dias de hoje. A escuta foi, assim, o principal indício de que as gravações encontradas no acervo do Museu da Imagem e do Som de fato têm a participação de Dante Santoro. Os parâmetros que permitiram fazer essa associação foram, especialmente, a sonoridade (o som incisivo, de timbre escuro), a articulação (muito precisa e variada) e o fraseado (muito claro e conduzido), sobre os quais se falará com maior profundidade no Capítulo 4. 63 Ari Ferreira foi primeiro flautista da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, intérprete da primeira audição do Assobio à jato de Villa-Lobos, ao lado de Iberê Gomes Grosso. Também tocava choro e gravou com diversos grupos regionais. João de Deus atuou nas orquestras da Rádio Nacional e no grupo Turma do Sereno, dirigido por Paulo Tapajós, com o qual gravou as faixas aqui mencionadas. Antônio Souza também tocava nas orquestras da Rádio Nacional e participou em gravações acompanhando cantores do rádio. Eugenio Martins foi um grande chorão, começou sua carreira na década de 1930 e gravou vários discos, acompanhado de grupos regionais, para os selos Continental, Odeon e Elite Especial. 157 A obra de Dante Santoro está registrada na Sociedade Brasileira de Autores Compositores e Escritores (SBACEM), que recebe os direitos autorais, atualmente de posse de sua herdeira, Sra. Sara Mercedes Rodrigues, cunhada de Dante Santoro. É possível que a Sra. Sara tenha material de Dante, especialmente algum acervo pessoal que tenha pertencido à companheira do flautista, Sra. Rosa Helena Rodrigues, a detentora dos direitos autorais até sua morte. Foram feitas várias tentativas de entrevista com a Sra. Sara, porém não houve interesse de sua parte em contribuir com a pesquisa. 158 CAPÍTULO 4 ANÁLISE DA OBRA DE DANTE SANTORO Esta etapa do trabalho dedica-se à análise da obra de Dante Santoro. O capítulo está dividido em quatro partes. A primeira delas envolve um levantamento da morfologia do choro e dos aspectos de execução, próprios do idiomatismo da flauta, que se destacam nesse gênero. Na segunda parte, analisam-se as gravações digitalizadas de obras compostas e interpretadas por Dante Santoro, tanto faixas lançadas por gravadoras, quanto registros de programas da Rádio Nacional. A terceira parte volta-se à flauta do artista, instrumento especial fabricado por August Richard Hammig na década de 1930; e, por fim, na quarta parte, apresenta-se o resultado da análise aqui desenvolvida. 4.1 O choro, a flauta e o idiomatismo na obra de Dante Santoro A afinidade da flauta com o choro, extensivamente comentada na literatura, vem desde a segunda metade do século XIX, tempo em que o choro ainda se formava como gênero e o termo designava o grupo instrumental, composto por flauta, cavaquinho e violão, que tocava as danças europeias com “sotaque” brasileiro. De lá pra cá, inúmeros flautistas se dedicaram ao choro, como intérpretes e compositores64, e o gênero se desenvolveu, impregnado pelo idiomatismo da flauta. O termo “idiomático” vem do grego (idiomatikós), que significa “particular”, “especial”. A linguagem idiomática de um instrumento é aquela imbuída de suas 64 O ensaio “O Choro e sua árvore genealógica” (Paes, 2008) menciona seis gerações do choro e lista de forma extensiva intérpretes e compositores a ele relacionados, entre os quais os seguintes flautistas: primeira geração - Joaquim Callado (RJ, 1848-1880), Duque Estrada Meyer (RJ, 1848-1905), Viriato Figueira da Silva (RJ, 1851-1883), Juca Kallut (RJ, 1857-1922), Pedro Galdino (RJ, 1860?–1919), Pedro de Alcântara (RJ, 1866-1929); segunda geração - Pattápio Silva (RJ, 1880-1907); terceira geração – Pixinguinha (RJ, 1897-1973), Antônio Maria Passos (RJ, 1880? – 1940?), Agenor Bens (RJ, 1890?1950?), Raul Silva (SP, 1889-1938); quarta geração - Benedito Lacerda (RJ, 1903-1958), Dante Santoro (RS, 1904-1969), João Dias Carrasqueira (SP, 1908-2000) e Copinha (Nicolino Cópia) (SP, 1910-1984); quinta geração - Altamiro Carrilho (RJ, 1924); sexta geração - Carlos Poyares (ES, 1928-2004), Plauto Cruz (RS, 1929). 159 características próprias, que se desenvolve de acordo com o tratamento que os compositores dispensam ao instrumento em suas composições (Pilger, 2010). Ainda, segundo Fabiano Menezes (2010), a relação estabelecida entre artista e instrumento cria um idioma gestual para o instrumento, que é a base do desenvolvimento de uma prática de performance. Estabelece-se, assim, um vocabulário-padrão de prática e de performance que, ao aproveitar as particularidades intrínsecas, confere àquele instrumento uma identidade musical. Alguns aspectos de execução, imbuídos do idiomatismo da flauta, sobressaemse no contexto do choro. Pode-se citar, por exemplo, a agilidade (como a execução de séries de notas rápidas em graus conjuntos ou disjuntos); a expressividade (por exemplo, a vocalização - uso de vibrato, as inflexões e a flexibilidade rítmica; a execução de acentuações e articulações variadas; as nuances de dinâmica) e a ornamentação (flexibilidade melódica, identificada no contexto do choro com a improvisação)65. A agilidade como característica idiomática da interpretação do choro na flauta pode ser constatada com uma rápida revisão do repertório e sua discografia. Já a expressividade e a ornamentação são características aurais do choro, tendo em vista que as partituras do gênero não costumam ser prescritivas, atuando basicamente como um esqueleto, sobre o qual se desenvolve a interpretação. Daí a necessidade de estudar as gravações do gênero, como fonte de pesquisa sobre sua interpretação, trabalho que se desenvolverá neste capítulo. Para introduzir esse estudo analítico, serão discutidos os principais aspectos da morfologia do choro, a partir das categorias sugeridas no método Vocabulário do Choro, do flautista e saxofonista Mário Sève (1999): divisões rítmicas de fraseado, acentuações rítmicas, articulações e ornamentos. As divisões rítmicas do fraseado se referem à liberdade de interpretação rítmica, própria do choro, em que alterações das divisões rítmicas geram muitas variações a partir de uma única figura. O exemplo musical 1 ilustra algumas possibilidades de variação a partir de duas figuras rítmicas. 65 Esses aspectos fazem parte do vocabulário da flauta, havendo, portanto, uma propensão a que o flautista, como intérprete, os execute com fluidez. A ornamentação pode, certamente, ser incluída no aspecto expressividade. Optou-se por mencioná-la em separado pelo protagonismo que assume no contexto do choro. 160 Exemplo musical 1: Variações rítmicas na execução de fraseados do choro (SÈVE, 1999, p. 12) As acentuações rítmicas permitem, ao variar a acentuação de uma figura rítmica, obterem-se figuras distintas, que são cada uma característica de um gênero, como o samba, o choro, o baião, etc. (exemplo musical 2). É certo que a caracterização dos gêneros musicais vai além das fórmulas rítmicas. Porém, a abordagem de Sève (1999) é interessante, na medida em que oferece ao intérprete a possibilidade de circular entre os distintos gêneros da música popular com um material semelhante, o que permite aumentar seu domínio formal e sua capacidade de improvisação. Exemplo musical 2: Variações na acentuação rítmica, que caracterizam distintos gêneros: maxixe, choro, baião, samba e marcha (Sève, 1999, p. 14). No choro, é desejável que o intérprete busque essa liberdade de execução rítmica, que é um aspecto interpretativo de destaque. Essa forma de brincar com o ritmo relaciona-se com a articulação, entendida como a maneira de pronunciar a música. Como já assinalado no Capítulo 1, a fluidez na execução rítmica, ricamente variada em termos de divisões e acentuações, confere à interpretação uma qualidade especial, relacionada ao que os músicos de choro costumam chamar de bossa. 161 Mas a articulação também pode ser entendida como a maneira de separar ou conectar as notas, constituindo elemento de variação melódica. Admitem-se inúmeras combinações, como as apresentadas no exemplo musical 3. Exemplo musical 3: Variações de articulação sugeridas para o repertório de choros. (Sève, 1999, p. 1516). A maneira de se produzir a articulação é assunto dos mais polêmicos. Nos instrumentos de sopro, costuma-se descrever essa técnica por meio de sílabas, pelas quais o movimento da língua pode ser descrito66. Sève (1999) afirma que, no contexto do choro, a sílaba usada nos instrumentos de sopro para ataque das notas, em um grupo de quatro semicolcheias, seria: em andamentos médios e lentos, “ta-ra-ra-ra”; em andamentos ligeiros, “ta-ka-ta-ka”. Já nas figuras sincopadas, “ta-ra-ta ra-ra-ta”, conforme o exemplo musical 4. (SÈVE, 1999, p. 15). Exemplo musical 4. Sílabas utilizadas para a articulação nos instrumentos de sopro no contexto do choro (SÈVE, 1999, p. 15). Observa-se que o autor descreve a técnica da articulação em função do ritmo e do andamento, portanto, do contexto musical. Pode-se inferir as seguintes características a partir das sílabas mencionadas: (1) semicolcheias em andamento lento ou médio terão articulação menos precisa (ta-ra-ra-ra); (2) semicolcheias em andamento ligeiro terão 66 O uso de sílabas para descrever a técnica empregada para articular, o chamado “golpe de língua”, remete a métodos de ensino da flauta desde o século XVIII. A flautista Laura Rónai (2008) comenta a falta de consenso em relação a que sílabas adotar ou quando utilizar articulações mais ou menos precisas: “As duas articulações principais, das quais derivam todas as outras, são o legato e o staccato. Sabemos que para criar variedade e despertar o interesse em sua interpretação, é necessário ao flautista utilizar diferentes sílabas ao “pronunciar” cada nota. Essas devem apresentar um contraste agradável entre dureza e maciez, aspereza e doçura. Na flauta, uma nota soará mais ou menos suave não apenas de acordo com o volume do som que atinge, mas também, e principalmente, de acordo com o golpe de língua que recebe. Das várias combinações de sílabas de ataque e de trechos em legato é feito o fraseado de uma peça. Quanto a isso, não há polêmica. Mas em relação a todos os outros aspectos do assunto, a partir da própria escolha das sílabas mais propícias a uma articulação clara, já nos deparamos com um universo de teorias diferentes e até mesmo contraditórias”. (RÓNAI, 2008, p. 176) 162 articulação mais precisa e, sobretudo, mais ágil (ta-ka-ta-ka); (3) ritmos sincopados terão articulação destinada a destacar a contrametricidade (3+5), (ta-ra-ta ra-ra-ta)67. A sílaba “ra” produz uma articulação menos precisa, similar à das sílabas “la” ou “da”, enquanto a sílaba “ta” produz uma articulação mais precisa. A combinação dessas sílabas termina por destacar as notas articuladas em “ta”68. A sílaba “ra”, indicada por Sève (1999), muito utilizada coloquialmente quando se cantarola uma melodia, dá uma ideia de fluidez e espontaneidade, que parece próxima da prática interpretativa do choro. Esse tipo de articulação é mencionado na literatura tradicional. No século XVIII, a variedade de sílabas para o ataque das notas era recomendada em métodos de flauta para evitar a regularidade da articulação, considerada monótona e pouco desejável. Como se sabe, a prática da inegalité foi um hábito de execução na música do Barroco francês, que consistia em tocar de modo desigual notas grafadas da mesma maneira. Nesse contexto, as sílabas “tu ru” e “ti ri” são mencionadas nos métodos de Preuller69 (1730) e Quantz70 (1752). No século XIX, de acordo com RÓNAI (2008, p. 194), a sílaba “ru” cai em desuso, sendo substituída pelo “du”, no chamado golpe de língua composto, “tu du”, citado no método de Altès71 (1906). Entretanto, no século XX, as sílabas “te re” voltam a ser recomendadas em casos especiais, como o da figura da colcheia pontuada seguida de semicolcheia, conforme o método de Taffanel e Gaubert72 (1923). 67 A sílaba “ta” na quarta pulsação (ou quarta semicolcheia) demonstra a intenção de acentuá-la, em detrimento do tempo seguinte, executado com a sílaba “ra”. Na terminologia de Sandroni (2001), já mencionada no capítulo 1, trata-se do “paradigma do tresillo”, cuja característica fundamental é a marca contramétrica recorrente na quarta pulsação (ou, em notação convencional, na quarta semicolcheia) de um grupo de oito, que assim fica dividido em duas quase-metades desiguais (3+5). É essa marca que o distingue dos padrões rítmicos que obedecem à teoria clássica ocidental, para a qual a marca equivalente estaria não na quarta, mas na quinta pulsação (ou seja, no início do segundo tempo de um 2/4 convencional e simétrico). (SANDRONI, 2001, p. 30) 68 Pode-se usar distintas combinações de vogais, como “te”, “ti”, etc. 69 Peter Preuller (ca. 1720-ca. 1745), organista e cravista, publicou o método The Newest Method for Learners on the German Flute (Londres: Printing-Office in Bow Church Yard, 1730/31). (RÓNAI, 2008, p. 262). 70 Johann Joachim Quantz (1697-1773), flautista e teórico, escreveu o tratado Versuch einer Anweisung die Flote traversière zu spielen (Berlim: Johann Friedrich Voss, 1752). (RÓNAI, 2008, p. 262). 71 Joseph-Henri Altès (1830-1899), flautista e teórico, foi professor do Conservatório de Paris de 1868 a 1893. Teve seu método publicado em 1907: Méthode Complète de Flûte (Paris: Schoenaers-Millereau, [1906]). (RÓNAI, 2008, p. 47 e 255). 72 Claude-Paul Taffanel (1844-1908), flautista francês, é considerado o pai da moderna Escola Francesa de Flauta. Deixou incompleto seu método, que foi concluído por seu melhor aluno, Philippe Gaubert (1879-1941): Méthode Complète de Flûte (Paris: Alphonse Leduc, 1923). 163 Retomando as categorias morfológicas em estudo, há que se mencionar os ornamentos. Os ornamentos também contribuem para a variedade melódica na execução. Nos choros, especialmente nos trechos repetidos, próprios da estrutura formal do gênero, esses recursos são muito utilizados. São mencionados por Sève (1999), no contexto do choro, os trilos, apojaturas e mordentes, assim como os glissandos e grupetos, especialmente nos andamentos lentos. 4.2 As gravações de Dante Santoro A proposta desta seção é analisar as gravações digitalizadas de obras compostas e interpretadas por Dante Santoro, originalmente lançadas comercialmente em formato78rpm, além de registros de programas da Rádio Nacional com a participação do Regional de Dante Santoro, sem lançamento comercial. O objetivo da análise é conhecer aspectos interpretativos e composicionais que caracterizam a obra de Dante Santoro, bem como o material utilizado em suas improvisações. Essa análise baseia-se na audição das faixas selecionadas, sendo complementada, eventualmente, pela consulta às partituras editadas. Os manuscritos autógrafos, quando disponíveis, serão observados para a análise de aspectos composicionais. Os trechos comentados serão transcritos segundo as gravações, respeitada a tonalidade real, nos casos em que houver distorção em função da velocidade de rotação. Por ser a obra de Dante Santoro pouco conhecida, o estudo consiste em uma análise comparada, que buscará reconhecer as referências de Dante Santoro e apontar as semelhanças e diferenças em relação à obra de seus contemporâneos. A análise tem um enfoque interpretativo, embora sejam também mencionadas características composicionais. Será utilizada a seguinte nomenclatura para as notas da flauta, de acordo com o registro empregado: dó1 a si1 correspondem ao registro grave; dó2 a si2 correspondem ao registro médio; dó3 a si3 correspondem ao registro agudo e dó4 a fa4 correspondem ao registro superagudo. 4.2.1 Composições próprias Nesta seção serão analisadas seis obras compostas e interpretadas por Dante Santoro: Harmonia selvagem, choro (Victor, 1938) ou Flauta selvagem, choro (Odeon, 164 1950); Gilka, valsa (Victor, 1935); É logo ali, polca (Victor, s.d.); Maria Rosa,valsa (Odeon, 1946); Murmúrios d´alma, valsa (Victor, 1937) e Murmúrios, choro (Sinter, 1955). As gravações digitalizadas, que se encontram em anexo, foram extraídas do CD triplo A Flauta Mágica de Dante Santoro (1998), gentilmente cedido pelo sobrinho Homero Santoro. Harmonia Selvagem (Victor, 1938) O choro Harmonia selvagem foi gravado em 1938 (Victor, n. série 34.352) e regravado em 1950, no selo Odeon (n. série 13.017), com o título Flauta selvagem, composição de Etnad (pseudônimo de Dante). Ambas as gravações estão disponíveis em versão digital na coletânea “A flauta mágica de Dante Santoro” e também na página eletrônica do Instituto Moreira Salles73. Neste tópico, utilizaremos como referência a primeira gravação, de 1938. A transcrição dos trechos será corrigida cerca de um semitom abaixo da gravação, para corresponder à tonalidade real. Esse choro tem uma força expressiva advinda da virtuosidade e dos efeitos sonoros utilizados em sua melodia. A consulta ao manuscrito revela que Dante Santoro escreve os trechos virtuosísticos, mesmo que executados só pela flauta solista, sem o acompanhamento do regional (no formato breque74). Um exemplo é a ponte que liga a parte A e sua repetição (exemplo musical 5), que é tocada na gravação primeiramente como na exemplo musical 5 e, na repetição, mais elaborada, como no exemplo musical 6. Outro breque ocorre na parte B, quando a flauta executa escalas descentes (cf. exemplo musical 11) Exemplo musical 5: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do trecho virtuosístico, conforme primeira execução na gravação de 1938 (confere com o manuscrito). Exemplo musical 6: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do mesmo trecho, conforme segunda execução na gravação de 1938. 73 Endereço para consulta ao acervo do IMS: <http://ims.uol.com.br/Busca_no_acervo/D832>. O termo breque, na música, faz alusão a seu significado comum: freio. Trata-se da interrupção do acompanhamento para que o solista execute um trecho sozinho, de maneira declamatória. Essas paradas, previamente acordadas entre os músicos, contribuem para dar maior graça e “bossa” à interpretação de gêneros como o choro e o samba. 74 165 Essa convenção75, que determina só um ataque do acompanhamento no primeiro tempo do compasso, é bastante usada no repertório de choro. Um bom exemplo é o choro Urubatã, de Pixinguinha e Benedito Lacerda, que apresenta esse tipo de convenção em suas três partes (exemplo musical 7). A melodia solista executada durante o breque pode vir escrita e sofrer variações durante a execução. Quanto maior for o interesse do solista em improvisar e surpreender o público (com uma boa mostra de virtuosidade), maior será a variação que imprimirá à melodia. Exemplo musical 7. Urubatã, choro de Pixinguinha e Benedito Lacerda, parte A. (São Paulo: Vitale, 1997). Breque e melodia solista indicados nos compassos 8 a 10. Os bordões do violão de sete cordas (exemplo musical 8), cuja fórmula rítmica conduz a harmonia de um compasso ao outro, são uma característica marcante do acompanhamento nessa obra. Exemplo musical 8: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Gravação do Regional de Dante Santoro (Victor, 1938). Bordões do violão de sete cordas conduzem a harmonia de um compasso ao outro. Nas gravações posteriores, como a de Altamiro Carrilho com o Regional do Canhoto (1964), esses bordões são ampliados, com maior movimentação melódica. O efeito criado pelo acorde diminuto sustentado nos compassos 3 e 4 da parte A é similar 75 O termo convenção significa uma forma previamente acordada de execução, geralmente relacionada ao acompanhamento, que pode envolver tanto figurações rítmicas (ataques e breques ritmicamente determinados), como figurações melódicas (nesse caso, costuma-se adotar o termo “obrigação”). 166 ao utilizado posteriormente por Jacob do Bandolim em Noites cariocas (1957), conforme exemplo musical 9. Exemplo musical 9. Noites cariocas, de Jacob do Bandolim (1957) (São Paulo: Vitale, 1997, p. 53). Efeito do acorde de Fá diminuto, no quarto compasso, é similar ao utilizado por Dante Santoro em Harmonia Selvagem (1938). Na parte B, a utilização de tercinas arpejadas sem notas de passagem indicam, na flauta, uma melodia acompanhada: a linha superior (formada a partir das notas mais agudas) constitui a melodia principal, que é acompanhada pelas outras notas do arpejo (exemplo musical 10). A melodia acompanhada é intercalada por uma série de escalas descendentes de extensão de uma oitava e meia (exemplo musical 11), sendo retomada no final da parte B a partir de um novo material: arpejos ornamentados em bordadura de semitom, que fazem uma réplica da harmonia utilizada em cada compasso. Nesse caso, notas do acorde arpejado presentes no tempo forte das tercinas ressaltam o movimento harmônico (exemplo musical 12). Exemplo musical 10: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos em tercinas formam melodia acompanhada, sendo a melodia principal as notas mais agudas e o acompanhamento, as demais notas do arpejo. Exemplo musical 11: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Escalas descendentes de extensão de uma oitava e meia intercalam trechos de melodia acompanhada. Exemplo musical 12: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos ornamentados em bordadura de semitom sublinham o movimento harmônico. A escrita de melodia acompanhada apresenta similaridade com obras do repertório romântico para flauta. Na Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne (1840-1920), por exemplo, encontra-se a melodia acompanhada composta de forma 167 bastante semelhante à utilizada por Dante Santoro, conforme exemplos musicais 13 e 14. Outro exemplo é o Concertstücke, de Wilhelm Popp (exemplo musical 15). Exemplo musical 13. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne (1840-1920). (Paris: Choudens, s.d. [1880]). Fonte: acervo do IMSLP. Arpejos em tercinas formam melodia acompanhada. Exemplo musical 14. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne (1840-1920). (Paris: Choudens, s.d. [1880]). Fonte: acervo do IMSLP. Arpejos ornamentados formam melodia acompanhada. Exemplo musical 15. Uso de melodia acompanha na obra Concertstücke, de Wilhelm Popp. Fonte: SILVA, 2008, p. 29. Edição não informada pelo autor. Também a obra de Pattápio Silva foi referência para Dante Santoro no uso da melodia acompanhada, recurso presente nas peças Sonho (exemplo musical 16) e Primeiro amor (exemplos musicais 17 e 18). Como assinala Daniel Silva (2008), a escrita de Pattápio traz uma semelhança explícita à utilizada no repertório romântico para flauta, que lhe era muito familiar: Pattápio foi o primeiro flautista brasileiro a gravar obras do repertório erudito europeu, como as Variações de flauta, op. 382, de Wilhelm Popp (parte da obra Concertstücke, anteriormente mencionada). (SILVA, 2008, p. 30). 168 Exemplo musical 16: Sonho, op. 6, de Pattápio Silva. Melodia acompanhada muito similar à de W. Popp. Fonte: SILVA, 2008, p. 30. Edição não informada pelo autor. Exemplo musical 17: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Primeira parte. Melodia acompanhada. (In: SILVA, Pattápio. O livro de Pattápio Silva – obra completa para flauta e piano. Coord. Maria José Carrasqueira. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001). Exemplo musical 18: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Terceira parte. Melodia acompanhada. (op. cit.) No repertório de choros, encontrou-se somente um exemplar da escrita de melodia acompanhada análogo ao de Harmonia selvagem. Trata-se do schottisch Gargalhada, de Pixinguinha, dedicado ao flautista Altamiro Carrilho. O exemplo musical 19 ilustra a semelhança entre a parte B de Harmonia selvagem e a parte C de Gargalhada. 169 Exemplo musical 19. Gargalhada (1953), schottisch de Pixinguinha, parte C. (São Paulo: Vitale, 1997). Raro uso da melodia acompanhada no repertório de choros do período (1938-1953). Retomando a análise da obra, nota-se, na parte C, que a melodia cromática e os pedais de ornamento de terça menor - notas sib e mib – agregam dissonância à harmonia e geram um interessante efeito polifônico, de oscilação da altura das notas do registro grave (exemplo musical 20). No manuscrito da obra, as notas que compõem o trilo não estão especificadas. Portanto, esse efeito de oscilação de altura, provocado pela terça menor, pode ter sido fruto de um experimento interpretativo, que terminou sendo agregada à obra, dado o interesse que gerou. Esse efeito de trêmulo é totalmente idiomático da flauta, e inclusive, por questões acústicas e mecânicas, só soa bem com as notas utilizadas por Dante Santoro. Prova disso é que não pode ser transposto para outros tons sem se perder a efetividade. Exemplo musical 20: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Efeito sonoro – oscilação de altura/polifonia, segundo a gravação de 1938. O efeito melódico da flauta é acompanhado por uma mudança na célula rítmica do acompanhamento, que ganha uma feição mais clara de maxixe. Esse novo matiz rítmico é percebido de forma sutil na levada76 do cavaquinho - que no início tinha a 76 O termo levada se refere ao padrão rítmico no qual se baseia o acompanhamento dos violões, do cavaquinho e da percussão. Cada gênero (choro, samba, maxixe, polca, etc) apresenta uma levada característica, que pode ser variada segundo o gosto do músico acompanhador, desde que a estrutura básica de acentuação do gênero seja mantida. 170 característica de choro (em duas variações, respectivamente, nas partes A e B) e logo se transforma em maxixe (na parte C), conforme exemplo musical 21 - e está bem pronunciado no bordão do violão de sete cordas, conforme o exemplo musical 2277. Exemplo musical 21: Harmonia selvagem (choro). Células básicas das levadas do cavaquinho: partes A, B e C, respectivamente. Exemplo musical 22: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Bordões do violão de sete cordas anunciam o maxixe. Na última repetição do tema da parte A, Dante executa a melodia uma oitava abaixo, no registro grave, contrariando a tendência de qualquer flautista, em busca de um final apoteótico. Os graves de Dante Santoro são muito potentes, o que constitui uma marca registrada de sua interpretação. Isso explica sua propensão a mostrar, ao final dessa significativa obra, uma característica singular de sua perfomance - pouco comum entre os chorões da época – que não deixa de ser, em certa medida, outra mostra de virtuosidade, dada a dificuldade de emissão das notas graves na flauta, em dinâmica forte. A utilização de graves em dinâmica forte também remete a Pattápio Silva. Segundo Daniel Silva (2008), Pattápio inovou a escrita para o instrumento por meio de efeitos expressivos nunca antes explorados na música para flauta no Brasil, como mudanças de timbre, extremos de extensão e sutilezas de dinâmica. A escrita no registro grave em dinâmica fortíssimo, presente em obras como Evocação e Oriental, também constitui uma inovação (SILVA, 2008, p. 43). Acredita-se que o gosto de Dante Santoro pelos graves em dinâmica forte tenha originado-se na interpretação das obras de Pattápio Silva e na audição de suas gravações. 77 A notação das levadas é imprecisa, pois, na prática, os instrumentistas executam os padrões rítmicos de maneira mais livre e, sobretudo, atendendo às características idiomáticas de cada instrumento. No cavaquinho, por exemplo, as células apresentadas no exemplo musical 14 são rechedas por movimentos leves da palheta (as chamadas escovadas), para os quais não foi encontrada notação adequada. 171 Flauta Selvagem (Odeon, 1950) A versão de 1950, lançada pelo selo Odeon (n. série 13.017) vem com o título Flauta selvagem, autoria de Etnad (Dante ao contrário). O pseudônimo e o novo título para Harmonia selvagem certamente se relacionam a direitos autorais, anteriormente cedidos à RCA Victor. Essa nova versão tem a participação de um segundo solista ao clarone, cuja identidade é desconhecida, mas poderia tratar-se do clarinetista Vivi, com quem Dante gravou outras vezes. Segundo Jorginho do Pandeiro, Vivi era clarinetista da Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional e do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e sempre tocava com Dante, que escrevia os contracantos para que ele gravasse com o regional. A presença do clarone de fato enriquece o tecido harmônico e textural, criando diferentes camadas de contracantos. O clarone assume a posição de baixo, enquanto o violão alterna com ele linhas melódicas em uma região média (tenor). O exemplo musical 23 exemplifica a condução das vozes na parte A, condensando os contracantos das diferentes repetições dessa primeira parte. A notação está uma oitava acima do original. Exemplo musical 23. Flauta selvagem (choro). Parte A. Contracantos entre clarone (linha inferior) e violão (linha superior). Na gravação as vozes soam uma oitava abaixo. A articulação da flauta na região aguda, bem separada, contrasta com o legato do clarone, criando um interessante contraponto. Observa-se que Dante, quando toca a melodia da parte A no registro grave da flauta, liga as notas. Essa estratégia é efetiva, já que a emissão dos graves em stacatto, além de ser mais propensa a falhas e atrasos, não tem a mesma potência sonora. Além disso, devido à forma como essa melodia grave em legato surge, na flauta, depois do clarone, o ouvinte tem a impressão de que se trata de um recurso imitativo. 172 O som brilhante que Dante Santoro produz no registro grave impressiona mais nesta versão, especialmente na parte C, em que crescendos e decrescendos dão ainda mais destaque ao efeito polifônico produzido pelo trêmulo (exemplo musical 24). Provavelmente a melhora na qualidade da gravação entre as décadas de 1930 (primeira versão) e 1950 (segunda versão), advinda de tecnologia superior, também contribui para esse resultado sonoro. Exemplo musical 24. Flauta selvagem (choro). Parte C. Crescendos e decrescendos potencializam o efeito polifônico dos trêmulos e destacam o grave brilhante produzido por Dante Santoro. Na última repetição da parte A, Dante faz o mesmo desenho melódico do exemplo musical 5, em uma espécie de cadência. O curioso é que nesta gravação parte do regional não ataca a nova entrada junto com a flauta, o que causa um pequeno desequilíbrio na retomada do tema. Isso se deve a que o si3 - nota que retoma a melodia - é atingido em uma elisão: é, ao mesmo tempo, a última nota da cadência e a primeira nota do tema (mantendo-se o 2/4, fica sobrando um tempo de nota longa si3 antes de atingir o retorno à seção A). Na gravação de Altamiro Carrilho com o Regional do Canhoto (1964) esse desequilíbrio também ocorre, porém é menos evidente. Dante gostava de utilizar efeitos sonoros pouco usuais com a flauta. Outra amostra desse tipo de recurso está no choro Minuano triste (Victor, 1939)78, em cuja segunda parte há uma imitação do vento minuano, característico da região sul do Brasil79. Dante consegue imitar o vento por meio de uma série de glissandos contínuos que ele executa com a embocadura desfocada, ou seja, soprando para fora do bocal. Além disso, direciona o fraseado de modo a acentuar ligeiramente os glissandos ascendentes, o que dá uma sensação de mobilidade, parecida com o movimento 78 Essa gravação está disponível no acervo online do Instituto Moreira Salles (www.acervo.ims.uol.com.br). 79 Segundo o flautista e professor Raul Costa D´Avila, também a terceira parte desse choro traz uma referência ao Rio Grande do Sul, por meio da imitação do pássaro quero-quero, ave-símbolo daquele estado. Na visão do professor, trata-se, de fato, de um choro programático. (Comentário por ocasião da banca de defesa, em 27/02/2014). 173 oscilante do vento, ora mais rápido, ora mais lento. Embora seja difícil precisar as notas utilizadas como “margens” nesses glissandos contínuos, a harmonia serve de guia, conforme o exemplo musical 25. Exemplo musical 25. Minuano triste, choro. Efeito sonoro criado a partir de glissandos contínuos promove a imitação do vento. Gilka (Victor, 1935) A valsa Gilka foi originalmente gravada em 1935 em solo de flauta por Dante Santoro e seu regional (n. de série 33.932). Há uma segunda versão da obra, gravada em 1938, com letra de Milton Amaral, na interpretação de Vicente Celestino com a Orquestra Victor Brasileira (n. de série 34.370), disponível para audição no acervo online do Instituto Moreira Salles. Existem duas partituras editadas da peça em diferentes tonalidades. A edição que apresenta somente a melodia da flauta (E.S. Mangione, s.d.) está na tonalidade de Lá maior. Já a edição orquestral (E.S. Mangione, s.d.), para piano / flauta ou violino, sax alto, sax tenor, dois pistons sib, trombone e baixo, está na tonalidade de Fá maior. Na gravação de 1935, usa-se a tonalidade de Lá maior, que será mantida como parâmetro nesta análise. Essa valsa segue o esquema formal utilizado por Dante Santoro em quase todas as suas valsas de concerto. Essa denominação aparece em algumas edições e indica valsas que tomam emprestado elementos da música de concerto, expressos principalmente por meio de uma cadência virtuosística inicial. Apresentam forma semelhante as seguintes valsas: Exaltação (1939), Olhos magos (1937), Sombras da noite (1939), Marlene (s.d.), Suzana (1938) e Nena (1935). A denominação valsa de concerto aparece nas edições para flauta solo de Gilka (E.S. Mangione, s.d.) e Nena (Irmãos Vitale, s.d.); já a edição de Olhos Magos (E.S.Mangione, 1943), para canto e piano, não apresenta a cadência inicial que consta da gravação de 1937 e recebe a 174 classificação de valsa canção. Quanto às demais valsas, não se dispõe de nenhuma edição. Essas introduções virtuosísticas são semelhantes àquelas encontradas em fantasias e variações do repertório de concerto para flauta. Entre as partituras que pertenceram a Dante Santoro, por exemplo, consta a obra Fioritta, de A. Terschak80 (exemplo musical 26), que é uma série de variações sobre o tema de uma ária italiana. Na abertura da obra, o trecho inicial constitui uma cadência para flauta solo – um tipo de escrita muito apreciada pelo flautista. Exemplo musical 26. A. Terschak. Fioritta, para flauta e piano. Introdução. Observa-se um estilo de escrita apreciado por Dante Santoro: uma cadência inicial para flauta solo anuncia a abertura da obra. Fonte: acervo da família Santoro. À cadência virtuosística inicial (exemplo musical 27), escrita para flauta solo, segue-se uma parte A, com caráter de melodia lírica e uma terceira parte - parte B - de andamento mais rápido, com caráter de dança. Com as repetições, o esquema formal fica assim resumido: Introdução- A A´- B B´ - A. Harmonicamente, a introdução e a parte A estão centradas na tonalidade de Lá maior e parte B em Fá # menor. 80 Adolf Terschak (1832-1901), flautista e compositor nascido em território húngaro. Estudou e desenvolveu carreira em Viena. Autor de cerca de 197 obras para várias formações instrumentais, compôs inúmeras para seu instrumento. Segundo RÓNAI (2008, p. 50), utilizava uma flauta de 16 chaves, modelo anterior ao atual sistema Böhm, cujo pé se estendia até o sol grave. 175 Exemplo musical 27. Gilka, valsa de concerto. Introdução. Elementos da música de concerto: cadência virtuosística inicial, para flauta solo. Edição E.S. Mangione, s.d. Fonte: MIS. A flauta é acompanhada por dois violões e um cavaquinho. Os recursos expressivos são o ponto alto da gravação, que explora nuances de tempo – por meio de fermatas, accelerandos e ritardandos – e de ornamentação em oitavas na parte da flauta. Na introdução, os arpejos agrupados em 12, 14 e 8 notas (exemplo musical 27) são tocados em accelerando. Outro detalhe é que a escala descendente do primeiro compasso é tocada com staccato duplo, de forma análoga ao trecho da introdução da Serenata oriental op. 70, de Ernesto Köhler, gravada por Pattápio Silva para a Casa Edison em 1902 (exemplo musical 28). Exemplo musical 28. Serenata oriental, op. 70, de Ernesto Köhler. Introdução. Edição desconhecida. Na gravação de Pattápio Silva (1902), a escala descendente do sexto compasso é executada em staccato duplo. Já na parte A, a célula rítmica do acompanhamento dá liberdade ao solista, permitindo ligeiras manipulações do tempo nas figuras pontuadas e nas tercinas sempre expressivas. Entretanto, as conduções de frase, sublinhadas pelo violão, sempre retomam o tempo, o que mantém o andamento estável (exemplo musical 29). O mesmo ocorre na parte B, em que o dueto de violões imprime movimento à música, por meio de contracantos alternados à melodia. 176 Exemplo musical 29. Gilka, valsa de concerto. Parte A. Manipulações de tempo na melodia da flauta (linha superior) são compensadas pelos contracantos dos violões (linha inferior), cujas conduções de frase dão movimento ao trecho. A ornamentação em oitavas ocorre tanto na parte A quanto na parte B. No trecho do exemplo musical 30, localizado ao final da parte B, o grupo faz uma pequena fermata no dó# do terceiro compasso, seguido de um pequeno accelerando na passagem com oitavas, logo depois rallentando até o final. Exemplo musical 30. Gilka, valsa de concerto. Parte B. Ornamentação em oitavas e indicações expressivas, conforme a gravação de 1935. É logo ali (Victor, s.d.) A polca É logo ali foi lançada no disco Victor (n. de série 34167), ao lado da valsa Dores d´Alma, de autoria de Antônio Lourenço Bittencourt. Infelizmente não se sabe o ano de publicação desse disco. Na partitura para flauta solo, editada pela casa 177 Irmãos Vitale (s.d.), a obra é classificada como polca-choro; já no selo do disco Victor, é classificada como choro81. Dois indícios conduzem à classificação da obra como polca: a levada, caracterizada pela acentuação da quarta parte do primeiro tempo e o andamento, que costuma ser rápido. Na gravação de Dante Santoro, o andamento é cômodo (semínima cerca de 87), porém a acentuação característica se mantém. O exemplo musical 31 mostra as células básicas do acompanhamento da polca, nas quais se baseiam o acompanhamento do regional (dois primeiros compassos) e as variações executadas pelo acordeom nesta gravação (quatro últimos compassos). Exemplo musical 31. É logo ali, polca. Células do acompanhamento do regional (dois primeiros compassos) e do acordeom (quatro últimos compassos), conforme a gravação. Um detalhe interessante é a percussão utilizada nesta gravação. Aparentemente trata-se de uma tumbadora ou de uma zabumba, que marca a figura da colcheia pontuada seguida de semicolcheia, no registro grave. Esse baixo sincopado percussivo cria uma base muito boa junto aos violões, tendo como resultado um acompanhamento cheio de bossa. O acordeom tem uma participação especial nesta gravação, pois atua como solista na primeira parte, dividindo a melodia com os contracantos da flauta, e como acompanhador nas demais. Há três partes, A, B e C, centradas respectivamente nas tonalidades de Lá m, DóM e LáM. Na gravação, a parte A é a única repetida por completo duas vezes, ou seja, o esquema formal seria: A A´- A A´- B B´- A A´- C C´A A´. Nesta gravação é possível apreciar o contracanto executado por Dante Santoro. O exemplo musical 32 mostra a melodia principal, executada pelo acordeom, e os contracantos da flauta, indo do registro mais agudo até o grave. Nota-se o uso da ornamentação, como recurso de improvisação, nos compassos 6 a 8, com a incorporação de trilos e glissandos. 81 De acordo com o professor e flautista Raul Cosa d´Avila, essa obra apresenta referências à música do Rio Grande do Sul, tendo como referência o gênero musical uruguaio milonga arrabalera. (Comentário por ocasião da banca de defesa, em 27/02/2014). 178 É interessante observar como Dante constrói a melodia do contracanto: trabalha basicamente com arpejos mesclados com escalas rápidas - diatônicas ou cromáticas (nesse caso gerando pequenos glissandos). O material é geralmente bem articulado e adornado com trilos e pequenos mordentes. Esse material é usado de forma recorrente em suas improvisações, constituindo seu “ponto de partida” na maioria dos casos, como se comentará mais adiante. Exemplo musical 32. É logo ali. Parte A. Melodia principal do acordeom (linha inferior) e contracantos da flauta (linha superior), segundo a gravação. Maria Rosa (Odeon, 1946) A valsa Maria Rosa foi lançada no disco Odeon (n. de série 12.736), em 1946. Não foi encontrada nenhuma partitura dessa obra, que traz um conceito diferente das mencionadas valsas de concerto comuns no repertório de Dante Santoro. Apesar de exigir certa habilidade do flautista, por ser uma valsa rápida, apropriada para a dança, o aspecto relevante da obra é o acompanhamento: harmonias com cromatismo e variações nas células rítmicas. Está dividida em três partes que se repetem, A A´- B B´- C C´- A, centradas respectivamente nas tonalidades de Lá m, Dó M e Lá M. O tema inicial apresenta um motivo caracterizado por intervalos ascendentes e descendentes, com uso de ornamentos. O intervalo de sexta ascendente marca a apogiatura e se repete, em uma sequência descendente, no início da valsa (exemplo musical 33). Esse motivo lembra aquele utilizado por Pattápio Silva na primeira parte da mazurca Margarida (exemplo musical 34). 179 Exemplo musical 33: Maria Rosa, valsa. Parte A. Motivo com intervalos ascendentes e descendentes, similar à mazurca Margarida, de Pattápio Silva. Exemplo musical 34: Margarita (mazurca), de Pattápio Silva. Motivo com intervalos ascendentes e descendentes. (In: SILVA, Pattápio. O livro de Pattápio Silva – obra completa para flauta e piano. Coord. Maria José Carrasqueira. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001). Na parte A, o cromatismo é conduzido pelos baixos dos violões, sendo a harmonia adornada por arpejos do cavaquinho. Há um crescendo contínuo na medida em que descende a linha do baixo. Esse crescendo reflete naturalmente o acúmulo da tensão harmônica até o nono compasso e é reforçado na melodia da flauta, igualmente descendente. Esse belo trabalho de expressão gera um efeito camerístico. Essa síntese sonora delicada e refinada era incomum, para aquela época, nesse tipo de instrumentação. No exemplo musical 35, a voz superior é a do cavaquinho, que toca os arpejos até o sexto compasso, quando volta a executar a harmonia. As duas vozes inferiores são dos violões de seis e sete cordas. Exemplo musical 35. Maria Rosa, valsa. Cromatismo na parte A. Arpejos do cavaquinho (voz superior) e conduções dos baixos nas partes dos violões de seis e sete cordas (vozes inferiores). A parte B surpreende pela riqueza rítmica, por meio do uso de hemiolas, tanto na melodia quanto no acompanhamento. A utilização desse recurso rítmico é comum nas valsas vienenses (Grove, 1994, p. 423), que certamente serviram de inspiração para a composição desta obra. A melodia principal é ritmicamente idêntica ao baixo, e o acompanhamento dos violões e do cavaquinho a complementam, com células rítmicas 180 mais movidas, que garantem a fluência do movimento. O exemplo musical 36 mostra o esquema rítmico do acompanhamento (pauta superior) e as linhas da flauta e do baixo (pauta inferior). Exemplo musical 36. Maria Rosa, valsa. Hemiolas na célula rítmica do acompanhamento e nas linhas melódicas da flauta e do violão de sete cordas. Na parte C, novas variações rítmicas no acompanhamento contribuem para manter o interesse e a vitalidade da valsa. A supressão do terceiro tempo da célula rítmica executada por violões e cavaquinho, nos quatro primeiros compassos, lembra um recurso muito utilizado na valsa estilo vienense. Nos compassos posteriores, embora a célula rítmica básica se mantenha, as articulações variam muito, por meio de acordes arpejados pelo cavaquinho e conduções da harmonia pela linha melódica do violão. O exemplo musical 37 mostra a linha melódica da flauta e o esquema rítmico do acompanhamento. Exemplo musical 37. Maria Rosa, valsa. Linha melódica da flauta e esquema rítmico do acompanhamento. Ocorrem variações métricas (comp.1 a 4) e de articulação (acordes arpejados e contracantos do violão, a partir do comp. 7). Cf. gravação de 1946. 181 As valsas têm um grande destaque na produção de Dante Santoro. Isso se deve, especialmente, a sua impecável interpretação, em um gênero em que as qualidades técnicas do flautista ficam muito evidentes, destacando-se a sonoridade e a condução das frases. Murmúrios d´Alma (Victor, 1937) e Murmúrios (Sinter, 1955) O choro Murmúrios, lançado pela gravadora Sinter (n. de série 00382) em 1955, é uma adaptação da valsa Murmúrios d´alma, gravada no ano de 1937, em disco RCA Victor (n. de série 34.185), pelo cantor Manoel Reis com o acompanhamento do regional de Dante Santoro. Foram encontradas duas partituras da peça: uma para canto e piano da Editora E.S. Mangione (s.d.), em que a obra é classificada como valsa canção; outra para flauta solo, da mesma editora, em que é classificada como valsa. A gravação de 1937 apresenta duas partes, uma instrumental e outra cantada. A parte instrumental é composta por uma introdução, parte A e parte B. A instrumentação utilizada é de flauta, acordeom, violão e cavaquinho. Na parte cantada, que corresponde à parte A, esses mesmos instrumentos acompanham a voz, enquanto a flauta elabora contracantos. A introdução chama a atenção pela carga dramática, obtida através do efeito polifônico de trêmulos à flauta no registro grave, acompanhada dos ataques da harmonia no primeiro tempo do compasso. O exemplo musical 38 transcreve a melodia da flauta com as notações expressivas depreendidas da gravação, na qual Dante Santoro utiliza mais uma vez o efeito do trêmulo nos primeiros compassos da obra, de forma semelhante à Harmonia selvagem, mas em outro contexto tonal (tonalidade de dó menor). Neste caso, utiliza trilos de tons inteiros nos quatro primeiros compassos, resultando em notas pertencentes à tonalidade, porém de interessante colorido sonoro. Exemplo musical 38. Murmúrios d´alma, valsa. Introdução. A melodia polifônica da flauta e os ataques da harmonia na cabeça do compasso contribuem para a dramaticidade do trecho. 182 Na parte B, que apresenta um andamento um pouco mais movido, a melodia é compartilhada em oitavas pelo acordeom e a flauta. Dante elabora contracantos em um estilo virtuoso, como uma cadência, conforme o exemplo musical 39. Esses contracantos soam como adornos, harmonizações rebuscadas, que lembram o movimento de pássaros. Compõem esses contracantos arpejos muito velozes, que atingem toda a extensão da flauta, além de trilos. Exemplo musical 39. Murmúrios d´alma, valsa. Contracanto da flauta na parte B. Essa valsa é uma das peças em que se pode observar a vocalização, ou uso do vibrato82, como recurso expressivo na obra de Dante Santoro. Dante usa um vibrato discreto, rápido e pouco variado. Aparenta ser um vibrato natural, ou seja, não se trataria de uma técnica estudada, mas um recurso agregado ao som como resultado da necessidade expressiva. Esse tipo de vibrato foi utilizado por flautistas em gravações de flauta da indústria fonográfica a partir de 191083e, antes disso, no Brasil, por Pattápio Silva, nas gravações de 1902. O som vigoroso e vibrante tornou-se referência para as gerações posteriores de flautistas, incluindo Dante Santoro84. A sonoridade de Dante Santoro é um diferencial em relação aos demais flautistas que atuavam em grupos regionais. É o que demonstram os depoimentos 82 O vibrato é “uma vibração aplicada na nota, de tal modo que ela pulsa com a rápida alteração da pressão da coluna de ar, sendo que com isso a afinação da nota também oscila levemente para baixo e para cima” (RÓNAI, 2008, p. 166). Conforme TOFF (1996), o vibrato pode ser variado segundo a amplitude da flutuação (o quanto a afinação sobe ou desce a partir do som original) ou a velocidade. No que se refere à amplitude, a afinação deve variar até um quarto de tom para cima ou para baixo. Já quanto à velocidade, a pulsação costuma ocorrer de quatro a seis vezes por segundo. (TOFF, 1996, p. 106). 83 O vibrato se popularizou na França por volta de 1905, mas demorou a ter aceitação em outros países, mesmo no contexto da indústria fonográfica. Consulta ao acervo online da Biblioteca do Congresso Americano (www.lov.gov/jukebox) indica que era costume tocar sem vibrato nas gravações de flauta do selo Victor de 1900-1909: é o caso, por exemplo, dos flautistas Darius Lyons, George Scweinfest e do Victor Instrumental Quartet. De 1910 a 1919, o vibrato começa a ser empregado por determinados flautistas, como John Lemoné, Clement Barrone e Walter Oesterreicher. 84 A esse respeito comenta Antônio Carlos Carrasqueira, no ensaio “A Flauta Brasileira”, faz o seguinte comentário: “Pattápio foi o primeiro flautista a ter sua arte gravada em disco, em 1902 e 1903 e, por isso mesmo, teve uma enorme influência em flautistas que não chegaram a ouvi-lo pessoalmente. Foi o caso de meu pai e tios, que ouviam aqueles discos de 78 rotações com verdadeira veneração. (...) A sonoridade da flauta de Pattápio, vibrante, cheia de vida, fez escola. Apesar da precariedade do sistema de gravação, então bastante rudimentar, percebe-se, ouvindo seus discos, o uso de um belo "vibrato", técnica expressiva que, na época, ainda não era dominada por todos os flautistas, mesmo na Europa (...)”(CARRASQUEIRA, 2008). 183 citados no Capítulo 2, nos quais sua sonoridade foi constantemente mencionada, e qualificada de “incisiva”, “potente” e “bem equilibrada entre os diferentes registros”. A audição das gravações nos leva a afirmar que Dante Santoro tinha um som de timbre escuro85 e apreciava a potência sonora. Sabe-se que Dante usava uma flauta alemã da marca Hammig, um instrumento muito raro no Brasil e de fabricação limitada. Acreditase que o uso dessa flauta potencializava suas qualidades sonoras. Mais adiante, as características desse instrumento serão abordadas de forma mais detalhada em um tópico específico deste capítulo. Para fazer um paralelo com as escolas de flauta internacionais, talvez se possa afirmar que a sonoridade de Dante seja mais parecida com a da escola alemã. De acordo com Toff (1996, p. 103-104), trata-se de uma maneira de tocar parecida com a da escola inglesa: o som requer bastante pressão de ar e um ataque mais duro; a embocadura costuma ser mais apertada e a flauta é mantida bem pressionada contra o lábio. A sonoridade costuma ser “rica”, “gorda” e “escura” (semelhante à dos instrumentos de madeira, especialmente no registro grave), além de utilizar pouco vibrato.86 Nesse aspecto específico, entretanto, pelo uso do vibrato, há uma aproximação também com a escola francesa, já que Dante utilizava esse recurso expressivo, possivelmente inspirado em Pattápio. Retomando a análise, a versão de 1955, Murmúrios, é um choro movido, com a semínima em cerca de 112. Possivelmente se trata de um choro sambado, ou seja, uma vertente do gênero que agrega elementos do samba nas células rítmicas do acompanhamento. É interessante como essa nova versão da música tem uma concepção totalmente diferente da primeira. O clima nostálgico da valsa dá lugar à vivacidade do choro e a transformação métrica, de ternário para binário, soa tão natural que parece nunca ter existido. 85 Os timbres sonoros na flauta constituem um tema controverso na literatura especializada. Uma das abordagens define o som de timbre escuro como aquele que se assemelha ao do oboé, produzido a partir de uma técnica baseada no enrijecimento do lábio superior, aliado a uma coluna de ar rápida e de alta pressão (W. N. James apud Toff, 1996, p. 96). Acusticamente, esse som é caracterizado pelo fortalecimento dos harmônicos de oitava e quinta composta, em relação à fundamental do som (Silva, 2008, p. 50). 86 “The English flute sound requires more air pressure in blowing and a harder attack, a tighter embouchure, often with the flute pressed rather hard against the lips. The result, typically, is a very, very rich sound, reedy, like Nicholson´s (1795-1837) in the lowest register”. (TOFF, 1996, P. 103) “German, Russian and eastern European traditions are much the same as the English, though the typical sound tends to be duller and thicker. It is almost entirely senza vibrato”. (TOFF, 1996, p. 104). 184 Dante aproveita a simplicidade da melodia de poucos movimentos para tomar liberdades de fraseado, antecipando e dilatando o tempo. Também explora os contrastes de registro e destaca, como de costume, o registro grave. Formalmente, a obra permanece semelhante, porém a introdução desaparece e acrescenta-se uma pequena coda ,conforme exemplo musical 40. Exemplo musical 40. Murmúrios, choro. Melodia da flauta como choro e valsa. 4.2.2 Gravações de programas da Rádio Nacional Nesta seção serão comentadas gravações inéditas (não lançadas comercialmente) de programas da Rádio Nacional, encontradas no acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (anexadas ao trabalho), contendo o seguinte repertório interpretado pelo Regional de Dante Santoro e solistas: A Dança da Moda (baião), com Luiz Gonzaga; Abana Baiana (samba), com Linda Baptista; Não tenho queixa (sambacanção), com Nuno Roland e Desafio para flauta e pandeiro, com Dante Santoro e Joca do Pandeiro. Os comentários acerca dessas gravações não chegam a constituir análises das obras, pois o objetivo é considerá-las somente do ponto de vista da atuação do flautista. Além de sua importância como registro histórico, essas gravações permitem conhecer de que maneira Dante Santoro improvisava, ou seja, que elementos utilizava para criar suas introduções e contracantos. Esse é o tópico de interesse desta seção. 185 A dança da moda (Acervo MIS, c. 1950) A Dança da Moda (baião), de autoria de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, foi gravada em 1950 no selo RCA Victor, por Luiz Gonzaga. A gravação analisada neste trabalho é do Programa César Alencar - na década de 1950, foi um grande sucesso de público, tornando-se um dos principais programas de auditório da emissora, ao lado do Programa Paulo Gracindo. Trata-se de uma transmissão ao vivo, na qual canta Luiz Gonzaga, acompanhado do Regional de Dante Santoro. Essa versão ganha interesse com os contracantos da flauta, se comparada à gravação original, disponível na página eletrônica do Instituto Moreira Salles. Nos improvisos de Dante nesta transmissão observa-se, primeiramente, a intenção de preencher os instantes entre uma e outra frase do cantor, elaborando, para tanto, uma melodia paralela, baseada em acordes arpejados (exemplo musical 41). Exemplo musical 41. Dança da moda. Parte A. Contracantos da flauta, preenchendo os espaços entre as frases do cantor. Melodia baseada em arpejos. No refrão, Dante trabalha com imitações da melodia principal, agregando ainda ornamentos constituídos de apogiaturas com saltos de oitava e trinados sobre a dominante (exemplo musical 42). O recurso imitativo é bastante utilizado por Dante Santoro, não apenas em citações literais (como neste caso), mas também como elemento condutor para a construção das linhas melódicas da flauta ( uso de membros de frase similares e complementares). Exemplo musical 42. Dança da moda. Refrão. Contracantos da flauta exploram imitação da melodia principal e ornamentos: apogiaturas com saltos de oitava e trilos. 186 Abana baiana (Acervo MIS, c. 1941) O samba Abana baiana, da autoria de C. Brasil, Jorge Faraj e Roberto Roberti, foi gravado pela cantora Rosina Pagã, acompanhada por regional desconhecido, no selo Victor, nº de série 34728, em 1941. Essa gravação, disponível na página eletrônica do Instituto Moreira Salles, apresenta contracantos de clarineta, flautim e trombone. As linhas melódicas do flautim impressionam pela movimentação e criatividade: mesclamse constantemente escalas e arpejos e a ornamentação muitas vezes tem um efeito percussivo. A gravação de que participa o Regional de Dante Santoro, acompanhando a cantora Linda Batista, deve ser parte de um programa de estúdio da Rádio Nacional de 1941 - segundo anúncio publicado no jornal A Noite, edição 10407 de 31/01/1941. Trata-se de um samba rápido, no qual os contracantos são contínuos e igualmente movidos. Como era costume na interpretação de sambas, a parte cantada era precedida e finalizada por introduções instrumentais, elaboradas pelo solista do regional acompanhador. O exemplo musical 43 mostra a melodia elaborada por Dante Santoro (pauta inferior) e sua variação, que é tocada no final da música (pauta superior). Como se depreende da transcrição, a segunda versão indica uma significativa mudança melódica. Observa-se que a melodia da introdução é bastante simétrica: baseia-se num motivo rítmico principal, indicado logo no primeiro compasso, que é reproduzido nos membros de frase subsequentes. A articulação empregada (cuja transcrição buscou ser fiel à original) atende a essa coerência do fraseado e a reforça. O resultado sonoro é um fraseado claro e conduzido - traço interpretativo recorrente na obra de Dante Santoro. Já a melodia final, sendo uma variação, mostra-se mais livre em termos formais: a simetria rítmica é menos evidente e a ênfase maior está na variação das articulações e na inserção de ornamentos. 187 Exemplo musical 43. Abana baiana, Introdução (linha inferior) e variação final (linha superior) na versão de Dante Santoro. De um modo geral, o material utilizado nos contracantos de Dante Santoro é bastante simples: acordes arpejados, fragmentos de escalas e ornamentos (mordentes e trilos). Neste samba, encontra-se uma amostra que combina acordes arpejados e pequenas escalas, além de consecutivos saltos de terça, de caráter ornamental (exemplo musical 44). Ao longo da gravação, esse contracanto básico é repetido várias vezes, com algumas variações na melodia. Dante utiliza o trecho correspondente à ponte de retomada do tema inicial (último compasso do exemplo musical 44) para investir em efeitos sonoros de caráter “brincalhão”: trilos de efeito sobre a nota sib3 e notas agudas em ritmos sincopados, alcançando o agudo dó3. Exemplo musical 44. Abana baiana, Parte A. Contracantos da flauta na gravação de estúdio de 1941. Melodia baseada em arpejos e pequenas escalas. Nessa gravação, Dante Santoro segue um estilo de contracanto contínuo e virtuoso. Segundo o flautista Leonardo Miranda (depoimento oral concedido a esta 188 autora em 13/10/2012), o estilo de contracanto contínuo foi iniciado na flauta por Pixinguinha e, posteriormente, incorporado por Benedito Lacerda. A confecção de linhas contínuas, que soam como camadas de sons, tornou-se a marca registrada da dupla na década de 1940. Antes disso, porém, na década de 1930, Benedito Lacerda já registrava seus contracantos e introduções nas gravações com a cantora Carmen Miranda. O exemplo musical 45 traz a transcrição parcial do samba Isso não se atura, de Assis Valente, gravado por Carmen Miranda, Benedito Lacerda e Regional em 1935. A linha melódica da flauta é tocada uma oitava acima na gravação, que se encontra disponível no site do Instituto Moreira Salles (e no anexo do trabalho). Essa gravação é especialmente interessante porque traz uma introdução vocal, o que não era usual na época. Com relação ao contracanto, observa-se que a flauta atua ao mesmo tempo como um segundo solista e como condutora da harmonia. Na introdução, por exemplo, a linha melódica da flauta atua como segundo solista nos contracantos com a voz, assumindo a liderança em passagens ornamentais, como a dos compassos 7 e 8. Já na ponte entre a introdução e a parte A (compassos 15 e 16), a flauta toca um bordão de condução harmônica. A intenção desses contracantos parece ser mais o preenchimento do tecido sonoro (como mencionado pelo flautista Leonardo Miranda), do que a construção formal de melodias (com frases claras e articuladas). A transcrição dos contracantos revela, surpreendentemente, que a criação dessas linhas melódicas contínuas baseia-se em elementos bastante simples e repetitivos. Nesse contracanto, por exemplo, Benedito Lacerda utiliza uma figura melódica de efeito, relembrada constantemente: trata-se da sétima da dominante (a nota sib3) tocada em ritmo sincopado acéfalo, seguida da resolução à tônica (por meio de escala descente). Essa célula, que aparece pela primeira vez nos compassos 6-7, também está presente nos compassos 17-18 e 24-25. É sugerida, ainda, sempre que se repete esse movimento melódico ao longo do trecho (sib3 acéfalo seguido de escala descendente). Como assinalado, nota-se que o material utilizado nos contracantos de Benedito Lacerda e Dante Santoro não difere essencialmente – é composto basicamente de arpejos, escalas, ornamentos e saltos intervalares. A principal diferença parece estar na abordagem que se dá às melodias: Santoro busca construir linhas melódicas de contornos formais precisos, com frases mais definidas e bem articuladas, enquanto 189 Lacerda ocupa-se de linhas melódicas contínuas (ora solistas, ora acompanhantes), formalmente menos elaboradas, porém adaptadas ao contexto musical. O trabalho com a articulação nos contracantos é outro indício das diferentes abordagens de Dante e Benedito quanto à improvisação: enquanto Santoro tem um cuidado especial com a articulação, de modo a valorizar o fraseado e variar a melodia (conforme demonstrado no exemplo musical 43), Lacerda passa ao largo dessa questão, utilizando uma articulação fluida e pouco exata. No trecho abaixo transcrito pôde-se detectar somente uma ligadura no compasso 16, anotada no exemplo musical 45. Parece que Lacerda buscava criar melodias variadas, enquanto Santoro buscava variar a mesma melodia. Exemplo musical 45. Isso não se atura, samba. Introdução e Parte A. Contracanto contínuo elaborado por Benedito Lacerda. Gravação de 1935. 190 É interessante estudar a questão da articulação, para tentar definir a mecânica envolvida nesse aspecto da execução e comparar a maneira como diferentes flautistas a utilizam. Ao falar sobre a maneira de separar as notas na flauta, Nancy Toff (1996, p. 117-118) menciona, dentre outras, três variantes: o staccato, o golpe simples regular e o meio-staccato. O staccato seria a versão mais curta e incisiva do golpe simples: uma articulação cuidadosamente preparada, na qual a língua atua como uma válvula, que libera a entrada da corrente de ar no instrumento com movimentos muito econômicos, executados com a ponta da língua. Nos instrumentos de arco, essa técnica seria equivalente ao sautillé ou spiccato87. O golpe simples regular seria parecido ao staccato, porém não haveria essa ação de válvula por parte da língua, o que equivaleria ao détaché das cordas (um movimento de arco por nota). O meio-staccato seria um parente próximo do golpe simples, porém articulado com a língua de forma mais suave e em posição mais arredondada, por meio das sílabas “du”, “da”, “de” ou “di”. Seria o equivalente ao louré das cordas88. Para RÓNAI, (2008, p. 191), o détaché e o louré são praticamente equivalentes, e a mecânica envolvida na articulação depende, sobretudo, da escola de flauta que se segue. Há polêmica, por exemplo, em relação à posição da língua na produção do staccato: A maior parte dos autores franceses do século XIX, seguindo Devienne, recomenda que a ponta da língua bata nos dentes da frente do flautista quando o flautista pronunciar o “TU”. Já o “DU”, de articulação mais macia, seria produzido pela língua encostando levemente na interseção entre palato e dentes, e se retraindo rapidamente para emitir o som. O hábito de “bater com a língua nos dentes”, literalmente, era rechaçado pelos ingleses, e durante o século XIX acabou sendo rejeitado também pelos franceses (...) ao invés de tocar nos dentes, sugeriam que a 87 “The shortest and most pointed version of single-tonguing is staccato. It is a carefully prepared articulation: the actual attack is preceded by the valve-like action of the tongue, which prevents the air stream from entering the instrument. At the beginning of the staccato passage, the air is then released by an equally sharp withdrawal of the tongue from the rear portion (the palatal side) of the teeth. Staccato tonguing is done with the farthest tip of the tongue; in a very rapid passage, using just the tip permits the withdrawal of the tip to be minimal, so that it has to move the shortest possible distance. The violin equivalents include sautillé or spiccato (a rapid, detached stroke, in which the bow bounces off the string) or the regular staccato. All are notated with a dot above or below the notehead. Normal, everyday singletonguing, as described above, is identical to staccato except for the omission of the initial valve action. It is analogous to the violin détaché, which allots one note per bow stroke and has no special notation”. (TOFF, 1996, p. 117). 88 “A close relative of normal single-tonguing is mezzo-staccato single-tonguing or the “legato slur”, articulated with the syllable DU, DA, DE or DI. Analogous to the violin louré, it is notated by a combination of dot and slur. The tip of the tongue is softer and more rounded, and strikes farther back in the mouth. For this reason, it is sometimes known as dorsal or top tonguing”. (TOFF, 1996, p. 118). 191 língua encostasse diretamente nos lábios, tomando cuidado para não os ultrapassar. (RÓNAI, 2008, p. 180) Observa-se, em várias gravações de Dante Santoro, o uso de um staccato curto e preciso, incisivo, que salta ao ataque, ao modo descrito por TOFF (1997). Esse tipo de articulação foi muito utilizada, no contexto do choro, por Pixinguinha, em suas gravações como flautista. Como mencionado no Capítulo 1, a articulação de Pixinguinha é tão precisa porque se pauta em dois aspectos: precisão rítmica e qualidade da emissão. Acredita-se que os flautistas que o sucederam, como Benedito Lacerda e Dante Santoro, basearam-se nessa qualidade de articulação e tentaram reproduzi-la. Um bom exercício de análise sobre a articulação é a audição comparada de três versões do Urubu Malandro – dança característica baseada em motivos populares, de Lourival de Carvalho, o Louro (1894-1956) - disponíveis na página eletrônica do Instituto Moreira Salles e anexadas a este trabalho: O urubu e o gavião (Victor, 1930) por Pixinguinha (flauta); Variações sobre o urubu e o gavião (RCA Victor, 1944) por Benedito Lacerda (flauta) e Pixinguinha (sax tenor) e Urubu malandro (Odeon, 1950), por Dante Santoro, com participação do clarinetista Vivi e regional. A versão de Pixinguinha, de 1930, é a segunda gravada por ele na flauta. Há uma gravação anterior, com Os Oito Batutas, de 1923, em que se observa a mesma habilidade técnica e originalidade. A gravação de 1930 será considerada devido à melhor qualidade de áudio. Aqui a flauta atua como única solista, dialogando com o regional (a dupla de violões, em especial). Observa-se a mencionada qualidade da articulação: precisão rítmica e clareza na emissão; variedade (combinações de notas ligadas e separadas, com inflexões diversas), conforme o exemplo musical 46. Utilizaram-se como notação os sinais de staccato e tenuto para diferenciar as notas mais curtas das menos curtas, porém se recomenda a audição da gravação para que as características aqui descritas sejam apreciadas. A utilização do golpe duplo em grandes saltos intervalares e em notas repetidas, nesse último caso criando um efeito de trêmulo89, causou muita impressão, sendo reutilizado, nas duas décadas seguintes, por Benedito e Dante. A ornamentação tem muito destaque nessa obra, pois serve como base a partir da qual o intérprete improvisa. Pixinguinha utiliza, basicamente, mordentes, trilos e glissandos, mas explora esses 89 Conferir o exemplo musical 51, p. 196, para a descrição desse recurso, utilizado também no Desafio para flauta e pandeiro de Dante Santoro. 192 recursos de modo muito criativo, criando efeitos que lembram apitos, assovios e sons de pássaros. Exemplo musical 46. O Urubu e o gavião, início. Versão de Pixinguinha (Victor, 1930). A articulação do flautista chama a atenção pela precisão rítmica, clareza de emissão e variedade. Na versão de Benedito Lacerda (1944), o que chama a atenção é o padrão rítmico do acompanhamento de samba (ou a levada de samba na terminologia dos músicos de choro). Esse acompanhamento em ritmo contramétrico valoriza o aspecto rítmico (possivelmente, para os chorões, ganha mais bossa). É notória a diferença de abordagem entre a versão de Pixinguinha (1930), que remete à polca, e a de Benedito Lacerda (1944), que já remete ao novo estilo do samba de Estácio. O andamento dessa versão é um pouco mais lento do que a anterior, de forma a permitir que as linhas do baixo (sax tenor) e da percussão sobressaiam-se, e que saxofone e flauta dialoguem à vontade. O caráter improvisatório, característico das gravações da dupla PixinguinhaBenedito Lacerda, ganha um aspecto cômico nessa versão, gravada ao vivo no programa O Pessoal da Velha Guarda, de Almirante. Exemplo musical 47. Variações sobre o urubu e o gavião, início. Versão de Benedito Lacerda, com Pixinguinha ao sax tenor (RCA Victor, 1944). Ênfase no aspecto rítmico, com “levada” de samba. A articulação reflete as acentuações rítmicas, com inflexões variadas. Observa-se, mais uma vez, como a interpretação de Benedito Lacerda enfoca o contexto musical: a articulação, por exemplo, ganha acentos diferentes, inflexões que 193 Lacerda realiza segundo a demanda rítmica do trecho musical. O resultado é uma articulação percussiva, cuja variação está pautada mais na acentuação do que na combinação de notas ligadas e separadas. No exemplo musical 47, por exemplo, a audição revela que o motivo executado nos compassos 10-11 (e repetido nos dois compassos seguintes) é tocado separado, porém a inflexão dada por Lacerda leva-nos a notá-lo com uma ligadura, dada a ênfase na primeira nota da ligadura, com um ligeiro diminuendo subsequente. O frulato é o recurso escolhido como acentuação para a nota fá 3, no compasso 6, e novamente nos compassos 14 e 16. Trata-se, mais uma vez, de uma figura melódica de efeito, que se repete ao longo da improvisação, como mencionado na p. 190. Esse recurso criativo agrada o ouvinte, que identifica o efeito sonoro recorrente. No calor do improviso, ao buscar efeitos de distorção sonora nos diálogos com o saxofone, Benedito Lacerda chega a tocar alguns multifônicos (efeito certamente inédito no repertório de choros). Acredita-se que, para Lacerda, as questões técnicas referentes à precisão do ataque e qualidade da emissão sonora ficavam em segundo plano frente a sua concepção musical, marcada pela liberdade e espontaneidade da execução, o que nos parece muito positivo. A versão de Dante Santoro (1950) é a mais trabalhada do ponto de vista formal. Pode-se dizer que há um arranjo prescrito para a obra: introdução e coda; uma parte A, com o tema, e uma parte B, com improvisos. O tema é divido entre flauta e clarineta, que às vezes tocam linhas simultâneas, em intervalos de terças, e outras vezes dialogam, conforme exemplo musical 48. Como os contracantos se repetem, fica claro que foram escritos, havendo, portanto, um arranjo pré-concebido. Essa versão remete a um ambiente de música de câmara, no qual chama mais a atenção a boa execução do que o improviso. No que se refere à articulação, percebe-se, na introdução, que o golpe de língua parece vir acompanhado de uma base de ar, que faz com que a nota salte e reverbere. Esse efeito pode ser conseguido por meio da ação simultânea da língua e dos músculos abdominais, em pequenas contrações. Essa articulação não é tão curta e incisiva, como o staccato utilizado em outras obras. Acredita-se que há uma adaptação à articulação da clarineta, que é naturalmente menos incisiva, o que reforça a concepção camerística dessa versão. 194 Exemplo musical 48. Urubu malandro, tema. Versão de Dante Santoro, com Vivi na clarineta (Odeon, 1950). Melodia dividida entre a flauta e a clarineta (notação em dó). Não tenho queixa (Acervo MIS, c. 1939) Não tenho queixa, samba de David Raw e Ismael Silva - gravado em 1942 por Nelson Gonçalves, acompanhado de orquestra, no selo RCA Victor (nº de série 800050) - é interpretado, nesta gravação, por Nuno Roland e o Regional de Dante Santoro. É possível que essa gravação seja do Programa Lopes S.A., de 28/12/1939, anunciado na edição 9986 do jornal A Noite, portanto anterior ao lançamento comercial da música. Essa versão é um samba lento, estilo samba-canção. Observa-se no exemplo musical 49 que o contracanto da flauta, neste samba, explora sobretudo a virtuosidade do flautista em passagens rápidas, com uso de golpe duplo nas fusas sucessivas. A construção melódica utiliza o material habitual: acordes arpejados e trilos. As variações do contracanto confirmam a ênfase na virtuosidade, ao primar por figuras de acordes arpejados em fusas. A introdução (exemplo musical 50) traz elementos que se tornariam frequentes na interpretação de flautistas como Altamiro Carrilho: a ornamentação em saltos de oitava e o uso do frulato. Esses efeitos sonoros, embora não muito utilizados nas composições de Dante Santoro, eram adotados em suas improvisações. 195 Exemplo musical 49. Não tenho queixa. Parte A. Contracanto da flauta tem melodia simples e ênfase na virtuosidade. Exemplo musical 50. Não tenho queixa. Introdução. O uso dos saltos em oitava e do frulato, embora pouco usados nas composições de Dante Santoro, eram adotados em seus improvisos. Desafio para flauta e pandeiro (Acervo MIS, 1939) O Desafio para flauta e pandeiro foi apresentado por Dante Santoro e Joca do Pandeiro em 14/11/1939 no Programa Lopes S.A. (conforme anúncio publicado no jornal A Noite, edição 9972, p. 5). A obra é uma demonstração de virtuosidade, especialmente da parte do flautista. Entre os recursos técnicos explorados de forma muito habilidosa estão: a execução de golpes duplos e triplos; saltos de oitava em andamento veloz; escalas muito rápidas em stacatto, entre outros. 196 Supõe-se que o Desafio foi uma improvisação gravada em estúdio, tendo por base um tema criado pela dupla. Elementos formais, como os breques e as mudanças de andamento, devem ter sido previamente definidos. O solo em improviso é construído sobre a tônica e a dominante da tonalidade (I-V7) - tipo de sequência harmônica simples, comum nos estilos improvisatórios da música popular brasileira, recorrente no repertório de choros, de acordo com Côrtes (2012). Parte dos recursos técnicos demonstrados pelo flautista parece inspirada na gravação de Pixinguinha, lançada pelo selo Victor, em 1930, da obra O urubu e o gavião, comentada anteriormente. É o caso da nota pedal rapidamente articulada, intercalada por notas agudas cromáticas (exemplo musical 51), cujo efeito virtuoso foi aproveitado também em gravações posteriores de Benedito Lacerda na década de 1940. Essa figura também é executada de forma invertida, ou seja, as notas agudas são sustentadas com articulações rápidas, enquanto a nota dó2 pontua de forma anacrústica. Exemplo musical 51. Desafio para flauta e pandeiro. Demonstração de virtuosidade utiliza recursos inspirados na obra O Urubu e o Gavião, gravada por Pixinguinha em 1930. Essa construção melódica assemelha-se a outras encontradas no repertório de concerto em estilo romântico para flauta, como na 8ª Variação do Carnaval de Veneza op. 14, de P.A. Génin (exemplo musical 52). Neste caso, o efeito da nota pedal articulada também funciona como acompanhamento da melodia principal, expressa nas notas superiores. Exemplo musical 52. Fantaisie Variée Carnaval de Venise op. 14, de Paul-Agricole Génin (1832-1903). (Paris: Gérard Billaudot, s.d. [c. 1950]). Fonte: acervo do IMSLP. Efeito de nota pedal articulada, semelhante ao utilizado nas improvisações de choro desde Pixinguinha (O urubu e o gavião, 1930). 197 Uma demonstração técnica que parece inédita, no repertório de choros, é a sustentação da nota dó4, na parte da flauta, por 25 compassos consecutivos (cerca de 23 segundos). Esse feito demonstra domínio da embocadura, do fluxo de ar e dos recursos técnicos necessários para tocar notas agudas em dinâmica piano/pianíssimo habilidades que exigem um nível técnico avançado no instrumento. A audição atenta da gravação permite afirmar que Dante Santoro utiliza a técnica da respiração contínua, possivelmente o primeiro registro gravado dessa técnica no Brasil. Benedito Lacerda também tem um choro, chamado Flauta e pandeiro, gravado em 1944 na RCA Victor, com características semelhantes ao Desafio (também é uma obra destinada a demonstrar a virtuosidade dos participantes). Segundo informação contida no acervo digital do Instituto Moreira Salles, essa obra foi composta para a trilha sonora de um filme intitulado Você já foi à Bahia? Um destaque da interpretação de Lacerda é a utilização da nota superaguda ré 4 em algumas passagens. O Desafio de Dante Santoro, gravado em 1939, época em que Dante Santoro acabava de assumir a liderança do Regional da Rádio Nacional, deve ter sido o seu cartão de visitas a todos os músicos, maestros e ouvintes que ainda não conheciam seu trabalho. Sua habilidade com a flauta, seu domínio técnico e seu “conhecimento de causa” nunca foram postos em dúvida por seus contemporâneos. 4.3 A flauta de Dante Santoro Como mencionado no Capítulo 2, Dante Santoro teve pelo menos duas flautas ao longo de sua vida. A primeira delas era uma flauta com pé em si, de marca desconhecida, com a qual o flautista foi fotografado ainda em Porto Alegre (figura 6). Essa teria sido a flauta perdida no desastre de Cruzeiro, quando o carro em que Dante Santoro viajava caiu em um precipício. Meses mais tarde, publicação do Jornal A Noite (figura 12) noticiava que o flautista procurava por seu instrumento e retribuía a gentileza de quem o encontrasse. Não se sabe se essa flauta foi, algum dia, localizada. A segunda flauta de Dante Santoro é a que se encontra atualmente de posse da flautista Laura Rónai, professora da UNIRIO, que gentilmente nos permitiu acesso ao instrumento. Dante aparece com essa flauta em fotos tomadas durante os anos da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. É o caso da foto ofertada ao flautista Milton D´Avila em seu encontro com Dante Santoro (figura 30). 198 Trata-se de uma flauta de prata da marca Hammig, fabricada em um dos ateliês mais tradicionais da Alemanha, em atividade há mais de 250 anos. O fundador, August Richard Hammig (1883-1979), tem sua biografia descrita por Laura Rónai (2008): August Richard Hammig (1883-1979). Membro de uma família que fabrica flautas há mais de 250 anos, sendo uma das mais antigas dinastias de fabricantes em atividade contínua desde 1750. Baseado em Markneukirchen, durante os séculos XVIII e XIX o ateliê Hammig fabricava todos os tipos de instrumento de sopro, sendo suas flautas baseadas nos sistemas Quantz e Meyer-Schwedler. A partir de 1908, os irmãos Philipp e August Richard Hammig passaram a fabricar apenas flautas. Na Alemanha dividida do pós-guerra, a fábrica foi estatizada. Devolvida à família Hammig apenas em 1901, hoje emprega 24 operários. (RÓNAI, 2008, p. 4849) Desde a década de 1990, existem duas fábricas em funcionamento: uma dedicada à confecção de piccolos da marca Philipp Hammig, e outra dedicada à fabricação de flautas, da marca Bernhard Hammig. Os instrumentos Hammig são fabricadas sob encomenda, portanto são realmente exclusivos e raros. Segundo RÓNAI (2008), pelo menos dois exemplares de flautas Hammig chegaram ao Brasil: uma é esta, a flauta de Dante Santoro; a outra, de Hans Joachim Koellreuter (1915-2005), trazida quando ele emigrou da Alemanha em 193790. Há, ainda, um exemplar mais recente, da década de 1960, que foi encomendado pelo flautista Hans Hess, músico alemão radicado em Porto Alegre, ex-professor da UFRGS. Essa flauta pertence, atualmente, ao flautista Leonardo Winter, professor dessa mesma Universidade. Consultou-se a fábrica Hammig, por correio eletrônico, a respeito do instrumento de Dante Santoro. De acordo com Bernhard Hammig, pela numeração, n. 2386, é possível saber que a flauta foi fabricada entre 1930 e 1935, por seu bisavô, August Richard Hammig, porém não há documentos referentes a sua fabricação. Laura Rónai explica que esse modelo de flauta contém importantes inovações do ponto de vista ergonômico, como a chave elevada para o dó natural (figura 40) e dois “rolotês” 90 A flauta de Koellreuter, que foi construída com material similar ao perspex (resina acrílica transparente, utilizada pelo fabricante Selmer nos anos 1940 e 1950), se encontra, atualmente, em exibição no Centro Cultural da Universidade Federal de São João Del Rei. Uma foto do instrumento, cujas chaves e mecanismos são similares à flauta de Dante Santoro, pode ser encontrada no seguinte link: http://www.flickr.com/photos/81124164@N00/2127873614/lightbox/. 199 para as chaves de dó-dó#-ré, semelhante àquele usado no saxofone (figura 41). (RÓNAI, 2008, p. 56). Figura 40. Chave elevada para o dó natural. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante Santoro. Figura 41. Rolotês para as chaves de dó-dó#-ré. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante Santoro Há, ainda, uma chave especial nessa flauta, assinalada na figura 42. Bernhard Hammig afirma que não sabe para que serve e que nunca tinha visto chave semelhante. Essa chave é muito interessante, porque veda um pequeno orifício extra e é revestida com uma sapatilha de cortiça. Ela funciona junto com a chave de dó natural elevada, ou seja, sempre que a chave de dó natural elevada fecha-se, a chavinha também se fecha. Quando não ativadas, ambas permanecem abertas, mas, na maior parte das posições da flauta, ficam fechadas. Talvez essa chave seja necessária como um complemento para a chave elevada de dó natural, mas nem o próprio descendente do fabricante pôde determinar sua função. 200 Figura 42. Chave especial da flauta de Dante Santoro. Sua função pode estar relacionada à afinação de determinadas notas. Ao tocar a flauta, foi possível observar o funcionamento dessa chave e traçar algumas possibilidades no que se refere à afinação. É possível que a chavinha promova um ajuste de afinação nas notas ré2, ré#2, ré3, lá3, sib3 e dó4, notas em cujas posições ela permanece aberta. Esse ajuste faz com que a afinação suba, o que se justifica nos casos das notas ré#2, ré 3 e sib3, cuja afinação tende a ser baixa. Também é possível que a ventilação extra que a chavinha promove no tubo auxilie a emissão de determinadas notas, como o lá3. Essa chavinha foi encontrada em outros modelos fabricados por August Richard Hammig. É o caso da flauta de madeira n. 1909 (figura 43), pertencente ao flautista italiano Lucas Lorenzi91. Segundo ele, ao permitir a ventilação extra, a chavinha facilita a emissão e corrige a afinação do dó# na primeira e na segunda oitavas. 91 Nascido em Freiburg, na Alemanha, e vindo de uma família de músicos, Lucas Lorenzi trabalhou como flautista em diversas escolas públicas na Europa. Formou-se como Professor de Técnica de Alexander em Basel, Suíça, em 1985, tendo atuado desde então como professor dessa matéria na Europa e no Japão. É um aficionado por flautas Hammig. Toca instrumentos de madeira e de prata fabricados por August Richard Hammig, Johannes Hammig, Helmuth Hammig e Bernhard Hammig. Lucas Lorenzi foi consultado pelo Prof. Sérgio Barrenechea, por mensagem eletrônica, entre 04/01 e 06/01/2014. 201 Figura 43. Flauta de Madeira n° 1909, fabricada por August Richard Hammig. Presença da mesma chave de ventilação encontrada na flauta de Dante Santoro. Fonte: arquivo pessoal do flautista Lucas Lorenzi. Além das chaves de ventilação, foram encontradas outras variantes em flautas fabricadas por August Richard Hammig. Na flauta de prata n° 2740 (figura 44), pertencente ao mesmo flautista, encontra-se a chave de dó natural elevada, igual à da flauta de Dante Santoro (n. 1). Há, ainda, uma chave extra para o dó# grave (n. 2) e duas alavancas extras na proximidade da alavanca de sol# (n. 3). Estima-se que essas chaves tenham função ergonômica ou que constituam aperfeiçoamentos de mecanismo. 2 1 3 Figura 44. Flauta de prata n° 2740, fabricada por August Richard Hammig. Presença da mesma chave de dó natural elevada, encontrada na flauta de Dante Santoro (n.1), além de uma chave especial para o dó# grave (n.2) e alavancas anexas ao mecanismo, pouco comuns às flautas em Sistema Boehm (n.3). Fonte: arquivo pessoal do flautista Lucas Lorenzi. 202 Interessante notar, ainda, que o bocal dessa flauta (n° 2740) tem um porta-lábio feito de ebonite (figura 45), que recorda as flautas alemãs estilo Reform, idealizadas por Schwedler-Kruspe entre 1895 e 191292. Os rolotês duplos utilizados por August Richard Hammig nas chaves de dó-dó#-ré (mostrados, anteriormente, na figura 41) também são encontrados em flautas estilo Reform, o que indica o reaproveitamento, por August Richard Hammig, de dispositivos adotados por construtores de flauta alemães que o antecederam, porém adaptados ao sistema Boehm. Figura 45. Bocal da flauta n° 2740, fabricada por August Richard Hammig. O porta-lábio de ebonite lembra o das flautas alemãs modelo Reform. Observa-se, portanto, que as características presentes na flauta de Dante Santoro são comuns a outros modelos fabricados por August Richard Hammig. Com relação à sonoridade, nota-se que a flauta de Dante Santoro responde bem às mudanças de dinâmica e sutilezas expressivas. Se comparada a flautas de fabricação mais recente, não é um instrumento de grande potência sonora e apresenta um som menos aberto nos agudos. Entretanto, no que se refere aos sons médios e graves, é um instrumento que facilita sua emissão e que os torna especialmente atrativos. Essas características peculiares relacionam-se à espessura da parede do instrumento93 e à liga de metal utilizada em sua confecção. 92 As flautas Reform foram um dos modelos alternativos ao sistema Boehm (1832), correspondente à moderna flauta transversal, surgidos, em fins do século XIX, na Europa. Baseava-se na antiga flauta de seis chaves de madeira, com vários aperfeiçoamentos do mecanismo. O modelo Reform foi bastante popular na Alemanha até a década de 1920, quando passou a ser gradualmente substituído pela flauta Boehm. Informações ilustradas sobre as flautas Reform podem ser obtidas na página eletrônica <http://www.oldflutes.com/articles/reform.htm> Acesso em 07/01/2014. 93 Segundo o luthier Luiz Carlos Tudrey, em entrevista concedida ao flautista André Luiz Medeiros, a espessura do tubo da flauta (parede do instrumento), no caso dos bocais, pode ter 0,36mm, 0,38mm, 203 Segundo informações constantes da página eletrônica do ateliê Bernhard Hammig nos Estados Unidos94, as flautas atualmente fabricadas têm liga composta de 94,5% de prata, portanto um material de alta qualidade95. As flautas fabricadas por August Richard Hammig provavelmente eram de prata total, como o modelo n° 3237, feito em 1950, atualmente utilizado pelo flautista japonês Yoshihiro Kano96. Embora não haja informação técnica sobre a espessura do tubo, ele parece ser mais espesso do que o das flautas comuns. Outra característica que chama a atenção é que essa flauta tem uma resposta rápida à articulação, o que parece facilitar a articulação de notas em staccato, especialmente de passagens em golpe duplo. Dante Santoro tem um choro chamado Só na minha flauta (que talvez faça referência a sua flauta Hammig), cuja terceira parte é toda composta de notas arpejadas em staccato duplo (exemplo musical 53). A execução dessa passagem, que demanda agilidade e resistência por parte do intérprete, pareceunos muito mais fácil na flauta de Dante do que em outros instrumentos. Exemplo musical 53. Terceira parte do choro Só na minha flauta, de Dante Santoro. Todo o trecho, em staccato duplo, é tocado uma oitava acima nas gravações do autor. (In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro. São Paulo: E.S. Mangione Editor, s/d.). É possível que a facilidade na articulação deva-se a alguma particularidade na confecção do porta- lábio do bocal da flauta (figura 46), especialmente a altura de sua parede interna, que pode produzir maior resistência ao ar soprado, resultando em uma certa “firmeza” na articulação. Outra facilidade proporcionada por esse tipo de 0,40mm ou 0,42mm. Bocais com parede de 0,36mm e 0,38mm, ou seja, mais fina, têm o som mais brilhante. Essa é a média encontrada na maior parte dos instrumentos. (MEDEIROS, 2006, p. 8) 94 Informação obtida em <http://www.bernhardhammig.com/bernhard_hammig_custom.html>. Acesso em 01/01/2014. 95 A composição dessa liga a qualifica entre as melhores utilizadas atualmente, de acordo com as categorias apontadas pelo flautista André Luiz Medeiros: Sterling Silver: 92.5% de prata. É um metal padrão para bons instrumentos, mas escurece um pouco. A sterling-silver foi usada como metal padrão na Inglaterra do século XII, quando o Rei Henry II a importou de uma região da Alemanha conhecida como Easterling. Daí o nome. Britannia Silver: 95.8% prata. Este material nobre é, ao que se saiba, somente usado em certos modelos da Altus. O nome vem do fato de que este metal serviu para cunhar moedas na Inglaterra, de 1697 a 1719. Super Solid Silver: utilizada pela Sankyo e Altus em suas flautas mais caras, contendo incríveis 99% de prata. (MEDEIROS, 2006, p. 3). 96 Informação obtida no endereço eletrônico: <http://www5f.biglobe.ne.jp/~karino/sub3.htm> Acesso em 06/01/2014. 204 construção, segundo o luthier Luiz Carlos Tudrey (op. cit.), é a emissão de notas graves, que se tornam mais potentes quanto mais alta a parede interna do porta-lábio. Figura 46. Porta-lábio da flauta Hammig que pertenceu a Dante Santoro. Particularidades de sua confecção poderiam facilitar a articulação no instrumento. Dois dos entrevistados nesta pesquisa, Jorge José da Silva, o Jorginho do Pandeiro e o violonista Carlos Silva e Souza, o Caçula, músicos que tocaram com Dante Santoro, afirmam que o flautista utilizava uma espécie de extensor para a flauta, que, uma vez acoplado ao instrumento, aumentava a extensão dos graves. Poderia tratar-se, na verdade, de um “pé em si” extra, utilizado no lugar do “pé em dó” original da flauta97. É possível que Dante tenha encomendado o “pé em si” extra do fabricante Hammig, mas, nessa hipótese, teria sido mais simples encomendar um instrumento com “pé em si” original. Possivelmente, a fábrica Hammig ainda não construía flautas com “pé em si” na época em que a flauta de Dante foi encomendada (1930-1935). Como refere TOFF (1996), na década de 1930, o “pé em si” já era preferência nos Estados 97 Conforme assinalado no capítulo 1, a flauta transversal moderna, baseada no sistema Boehm (1832), é constituída de três partes desmontáveis: o bocal, o corpo e o pé. Os primeiros modelos da flauta Boehm foram construídos com uma extensão que vai até o dó médio do piano (“pé em dó”). Aperfeiçoamentos posteriores permitiram uma segunda opção, que aumentava a extensão do instrumento até o si médio (“pé em si”). Atualmente, os fabricantes oferecem as duas opções, a critério do flautista. Também é possível adquirir um “pé em si” extra e acoplá-lo ao corpo da flauta, sem prejuízo para a escala original do instrumento. 205 Unidos, porém em países da Europa, como a França, não tinha tanta popularidade (TOFF, 1996, p. 102)98. Jorginho do Pandeiro afirma que o “extensor” que Dante usava na flauta teria sido obtido por intermédio do luthier que lhe dava manutenção (Jorginho frisa que se tratava de um único profissional, pois era o único da confiança de Dante Santoro, cujo zelo com suas flautas era muito grande). O flautista Milton D´Avila, que experimentou a flauta de Dante Santoro na ocasião em que o conheceu, não menciona nenhum acessório desse tipo, mas afirma que a manutenção da flauta era feita exclusivamente pelo luthier Osmar Silva, profissional que cuidava dos instrumentos da maior parte dos flautistas do rádio na época. Infelizmente não foi possível investigar a flauta de Dante Santoro com maior profundidade e rigor científico, o que exige um conhecimento especializado sobre a construção de flautas. Espera-se que trabalhos futuros, voltados para esse segmento de pesquisa, possam debruçar-se sobre as idiossincrasias deste instrumento e elucidá-las. 4.4 Resultados da análise A análise revela que o repertório de concerto em estilo romântico para flauta é uma das principais referências na obra de Dante Santoro, inspirando características composicionais e interpretativas. Entre os recursos composicionais usados em sua obra, encontram-se os seguintes: introduções virtuosísticas: semelhantes a cadências de concertos e a fantasias sobre temas conhecidos (Carmen, Pastorale Hongroise, etc.); passagens virtuosísticas: compostas de escalas sucessivas abrangendo toda a extensão da flauta; arpejos sucessivos com mudança de registro e semicolcheias sucessivas articuladas em golpe duplo; 98 “Even before Moyse´s arrival, though, a distinctly American school off lute playing had begun to take shape. One manifestation was evident in the flute itself. Both Barrère [flautista francês radicado nos Estados Unidos Georges Barrère (1876-1944)] and Kincaid [flautista americano William Kincaid (18951967)] played platinum flutes, which enhance the fullness and mellowness of the sound. Barrère debuted his platinum Haynes in 1935. Another American preference was the extension of the footjoint to low B, a feature that today is still found much more frequently in the United States than in France”. (TOFF, 1996, p. 102) 206 escrita a duas vozes: melodia acompanhada e polifonia (trilos com efeito polifônico); uso frequente de melodias no registro grave; Entre os recursos interpretativos, destacam-se estes a seguir: sonoridade incisiva, com notável homogeneidade entre os registros grave, médio e agudo; timbre escuro e especial potência no registro grave; fraseado conduzido e articulado; articulação precisa e variada uso pioneiro de técnicas estendidas de execução no choro, como a respiração contínua A evidência que se dá aos elementos inspirados na música de concerto na obra de Dante Santoro constitui um diferencial: seu uso reiterado e imaginativo, seja nas introduções e passagens virtuosísticas, seja nos efeitos sonoros e recursos imitativos, é pouco comum no repertório produzido pelos conjuntos regionais. Referência igualmente importante é a obra de Pattápio Silva. Intérprete das primeiras gravações de flauta no Brasil, Pattápio personificava a figura do solista virtuose, de som vigoroso e impressionante habilidade, que foi posteriormente revivida por Dante Santoro. A obra autoral de Pattápio integrava o repertório de Dante, o que ficou comprovado pelos registros de jornais e programas de concerto mencionados no segundo capítulo. Há, ainda, semelhanças de recursos composicionais, que foram demonstradas na análise das obras. Destaca-se o papel do multi-instrumentista Octávio Dutra como referência musical para Dante Santoro. Como se viu no Capítulo 2, a incursão de Dante Santoro no ambiente do choro, paralelamente ao da música de concerto, desde a juventude, foi possibilitada pela convivência com Octávio Dutra, que também lhe serviu de guia em suas primeiras experiências profissionais. A trajetória de Dante Santoro espelha-se em Octávio Dutra, o que se observa na similaridade de vários aspectos: também se tornou compositor e dedicou-se à música popular urbana; teve uma atuação variada, seja no Rádio, no teatro de revista, em orquestras, como solista, em grupos carnavalescos e na indústria fonográfica; transitou como músico entre diferentes meios sociais, nas rodas de choro, em serenatas, saraus e casas de concerto, atuando como um mediador. 207 No que se refere à improvisação, o estudo comparativo entre os improvisos de Dante Santoro e Benedito Lacerda, ambos flautistas atuantes nos regionais de rádio do Rio de Janeiro nas décadas de 1930 a 1950, revelou duas diferentes abordagens da improvisação no choro. Benedito Lacerda adota um estilo de contracantos contínuos, inspirado em Pixinguinha, no qual as melodias são contínuas, similares a camadas de sons, constantemente recriadas no decorrer da música. Esse tipo de contracanto foi comentado a partir da versão do samba Isso não se atura, de Assis Valente, gravado por Carmem Miranda, Benedito Lacerda e Regional em 1935. Dante Santoro adota, por sua vez, um estilo de contracanto baseado em variações melódicas, a partir de elementos como a ornamentação, as variações de articulação e os recursos imitativos. Observa-se que a elaboração melódica de Dante Santoro busca contornos formais precisos, com frases bem definidas e bem articuladas. Essa diferença de abordagem reforça o argumento lançado, no primeiro capítulo, pela flautista Odette Ernest Dias: cada músico improvisa sobre o seu conhecimento e, assim, faz o seu estilo de improvisação. Dante Santoro manifesta nos seus improvisos o cuidado formal e a virtuosidade próprios da sua interpretação. O cuidado formal manifesta-se, por exemplo, nas variações melódicas, ornamentações e variações de articulação dos contracantos de Abana baiana (c.1941), ou na simetria e uso do recurso imitativo presentes na Dança da moda (c. 1950). A virtuosidade extrema, vinculada ao ideal do solista virtuose, chama a atenção nos contracantos de Murmúrios D´alma (1937) e Não tenho queixa (c. 1939). Embora não seja possível aprofundar o estudo desses diferentes estilos de improvisação no escopo deste trabalho, propõe-se uma aproximação com o estudo de Valente (2008), mencionado no capítulo 1. Acredita-se que o estilo de improvisação de Benedito Lacerda estaria mais próximo da abordagem vertical da improvisação, enquanto que o de Dante Santoro, da abordagem horizontal. Valente (2008) afirma, segundo conceitos propostos por George Russell (2001), posteriormente estudados por Berton (2005), que a característica fundamental da abordagem vertical é que está baseada em arpejos e tem como principal enfoque a definição das sequencias harmônicas da música (VALENTE, 2008, p. 112-113). Demonstra, em seu trabalho, que há uma preponderância da abordagem vertical no estilo de contracantos de Pixinguinha. Acreditamos que o mesmo se aplica a Benedito Lacerda, cujo estilo de contracantos contínuos, similar ao de Pixinguinha, atesta a criação de melodias atentas ao contexto harmônico. 208 Ainda segundo a autora, na abordagem horizontal, identificada na interpretação de K-Ximbinho, a construção da melodia se baseia em escalas relacionadas ao centro tonal, com enfoque em variações melódicas e rítmicas do tema original, retomado diversas vezes como material de composição. Segundo a autora, esse tipo de construção levaria, ainda, a fraseados amplos e desenhos rítmicos diversificados. (VALENTE, 2008, p. 213). A descrição dessa abordagem remete à construção melódica adotada por Dante Santoro, bastante enfocada nas variações melódicas, de articulação rítmica e nas questões formais - delineamento das frases, imitações e retomadas do tema. Quanto às contribuições de Dante Santoro ao repertório de choros, destacamse: ampliação do aspecto polifônico, (1) ao utilizar com frequência a melodia acompanhada na parte solista, como demonstrado na parte B de Harmonia selvagem (1938); (2) ao enriquecer o tecido harmônico e textural, criando diferentes camadas de contracantos de variada instrumentação, em um estilo que remete à música de câmara, como demonstrado nas partes do clarone em Flauta selvagem (1950), do cavaquinho em Maria Rosa (1946), do acordeom em É logo ali (s.d.) e da clarineta em Urubu malandro (1950). No que se refere ao acompanhamento, as harmonias em cromatismo aparecem com um viés inovador, marcado pela expressividade. É o que se observa no choro Flauta selvagem (1950) e na valsa Maria Rosa (1946), em que ocorrem (1) variações de dinâmica no acompanhamento, que refletem a tensão harmônica e (2) variações nas células rítmicas do acompanhamento, como a hemiola, e variações de levadas (choro, polca, maxixe, choro sambado). O estilo interpretativo de Dante Santoro enfatiza os recursos expressivos por meio de alguns recursos: (1) o timbre escuro e muita potência no registro grave; (2) a utilização de nuances de dinâmica, como na parte C de Flauta selvagem (1950); nuances de tempo, como na valsa Gilka (1935) e no choro Murmúrios (1955); (3) a vocalização, ou uso do vibrato, como na valsa Murmúrios d´alma (1937). Dante Santoro foi pioneiro na utilização de efeitos sonoros pouco usuais no contexto do repertório do grupo regional: (1) oscilações de altura, por meio de trêmulos de efeito polifônico, como demonstrado na parte C de Harmonia selvagem (1938) e na introdução de Murmúrios d´alma (1937); (2) os glissandos contínuos com sonoridade desfocada, utilizados no choro Minuano triste (1939); (3) uso de técnicas estendidas de execução, como a respiração contínua, no Desafio para flauta e pandeiro (1939). 209 A interessante obra que Dante Santoro deixa como legado baseia-se, essencialmente, em sua habilidade como intérprete, manifestada na técnica apurada e na criatividade para utilizar recursos idiomáticos da flauta. Assim, suas composições muitas vezes são resultado de experimentos interpretativos. Essa forte característica idiomática de sua obra pode justificar, em parte, o fascínio que sua interpretação desperta no flautista que a ela se dedique. 210 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho trouxe à tona a figura atualmente pouco recordada do flautista Dante Santoro (1904-1969), líder do Conjunto Regional da Rádio Nacional do Rio de Janeiro de 1938 a 1969. Apesar de ser músico de notória habilidade e autor de belas composições para flauta, a maioria delas gravadas por ele próprio acompanhado de seu conjunto, sua obra permanece desconhecida do público apreciador do choro nos dias de hoje. Quem foi esse artista? Que relações teve com seus contemporâneos? E o que sua obra agrega ao repertório da música popular urbana brasileira? Foram essas questões que motivaram o presente trabalho. O Capítulo 1 foi destinado a contextualizar a obra de Dante Santoro, a partir de um estudo de três aspectos essenciais: a interação erudito e popular no choro; a improvisação no choro; e a inclusão do choro no mercado radiofônico e discográfico. A interação de elementos eruditos e populares foi abordada a partir da necessidade de relativizar essas categorias, já muito questionadas pela musicologia, especialmente no âmbito da música brasileira. Nesse sentido, estudou-se o conceito de circularidade cultural e suas manifestações no choro: nas origens do gênero, sua mobilidade social, em suas formas de aprendizagem, exigências interpretativas e formas de transmissão. A obra do flautista Dante Santoro expressa de maneira muito clara essa interação de elementos, fruto de sua experiência musical, marcada pela mediação. O tema da improvisação no choro também se relaciona com a obra de Dante Santoro, alvo de certa controvérsia com a crítica no que se refere aos improvisos. Por meio de uma breve revisão bibliográfica, observou-se, no Capítulo 1, que há, entre estudiosos e músicos de choro, diferentes maneiras de se pensar a prática da improvisação. Atualmente, a improvisação no choro relaciona-se a vários processos: variações melódicas, harmônicas, rítmicas; contracantos; criação de melodias novas, não vinculadas ao tema original, entre outras. A discussão revela que há distintas possibilidades e estilos de improvisação no choro e que cada intérprete desenvolve o seu estilo baseado em sua experiência musical. 211 Estudou-se, ainda, no primeiro capítulo, que a obra de Dante Santoro pertence ao campo da música popular urbana criada, produzida e divulgada através do Rádio, entre as décadas de 1930 e 1960. Inserida no mercado radiofônico, discográfico e de entretenimento, sua música participa, portanto, de um circuito comercial e profissional, sendo composta dentro do repertório de gêneros musicais divulgados pelo Rádio (choros, valsas, canções, danças típicas, boleros, sambas, marchas, maxixes etc.), com instrumentação típica de grupo regional (flauta, violões, cavaquinho e pandeiro). Daí o necessário estudo sobre a inclusão do choro no mercado radiofônico e discográfico. A reconstituição da biografia do flautista, no Capítulo 2, permitiu esclarecer trechos da trajetória de Dante Santoro que antes careciam de comprovação documental. Adicionalmente, os depoimentos de músicos que o conheceram ajudaram a estimar as circunstâncias de sua atuação profissional, o alcance de sua obra à época e sua relação com seus contemporâneos. Descobriu-se, assim, que Dante sempre atuou em duas frentes de trabalho na Rádio Nacional: no grupo regional e nas orquestras da emissora. Essa experiência musical variada dava continuidade àquela vivida desde sua juventude em Porto Alegre, quando se apresentava ora como solista de música de concerto, ora como chorão. As referências musicais de Dante Santoro também foram esclarecidas a partir do levantamento biográfico empreendido no segundo capítulo: 1. Filho de imigrantes italianos, nascido em uma família que apreciava música, teve contato desde a infância com a cultura musical europeia, de onde surgiu seu gosto pela música erudita; 2. Inestimável papel na formação musical de Dante teve Octávio Dutra, violonista gaúcho, que o familiarizou com a música popular e o acompanhou em suas primeiras atividades profissionais no Rio Grande do Sul; 3. Agenor Bens, flautista carioca, é apontado como o professor de flauta de Dante Santoro, embora não tenham sido encontrados registros dessa relação ou que Dante tenha frequentado qualquer instituição de ensino formal de música; 4. Pattápio Silva, o intérprete das primeiras gravações de flauta no Brasil, certamente foi referência em quanto à técnica (igualmente de som potente, vigoroso), à virtuosidade (ideal do solista virtuose) e ao repertório (inspirado em obras de estilo romântico para flauta). A obra de Dante Santoro teve um alcance significativo, como foi detalhado no Capítulo 3. Ele compôs cerca de cem obras, entre choros, valsas, polcas, marchas, 212 danças típicas, sambas e canções. Entre 1935 e 1954, foram editadas 33 obras pelas casas E.S. Mangione, Irmãos Vitale, Musical Brasileira, Tupy, Euterpe, Continental e Carlos Wehrs. Essas partituras editadas encontram-se, em sua maioria, no acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Foram descobertos, ainda, 74 manuscritos de Dante Santoro na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ, dos quais somente 12 não são autógrafos. Graças à iniciativa desta pesquisa e à colaboração dos funcionários da Biblioteca Alberto Nepomuceno, esses manuscritos já se encontram catalogados e disponíveis para consulta pública. Entre 1935 e 1956, foram lançados comercialmente 59 discos contendo obras de Dante Santoro, pelas gravadoras Continental, Odeon, Sinter, Star e Victor/RCAVictor. Na maior parte deles, Dante Santoro atua como intérprete, acompanhado de seu regional, ou juntamente com cantores do rádio e orquestras. Várias dessas gravações estão disponíveis para audição na página eletrônica do Instituto Moreira Salles. Foram encontradas, ainda, no acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, 12 gravações de programas da Rádio Nacional, nos quais se identificou a participação de Dante Santoro e seu regional. Trata-se de programas de auditório, de calouros, humorísticos e gravações avulsas de estúdio, que devem datar das décadas de 1940 e 1950. O estudo sobre as referências musicais e a experiência de Dante Santoro como músico foi importante para compreender aspectos interpretativos identificados em sua obra no Capítulo 4. A análise de suas gravações - acompanhada de partituras quando disponíveis - teve um enfoque interpretativo. Foram consideradas as gravações de Harmonia selvagem, choro (Victor, 1938) ou Flauta selvagem, choro (Odeon, 1950); Gilka, valsa (Victor, 1935); É logo ali, polca (Victor, s.d.); Maria Rosa, valsa (Odeon, 1946); Murmúdios d´alma, valsa (Victor, 1937) e Murmúrios, choro (Sinter, 1955). Foram consideradas, ainda, as seguintes gravações da Rádio Nacional: A dança da moda, baião (Acervo MIS, c. 1950); Abana baiana, samba (Acervo MIS, c. 1941); Não tenho queixa, samba (Acervo MIS, c. 1939); Desafio para flauta e pandeiro (Avervo MIS, 1939). A análise revelou que o repertório de concerto do período romântico para flauta é uma das principais referências na obra de Dante Santoro, inspirando características composicionais e interpretativas. Alguns desses recursos composicionais identificados em sua obra foram os seguintes: 213 introduções virtuosísticas - detalhadamente escritas, estão presentes na maioria de suas valsas, denominadas valsas de concerto; passagens virtuosísticas semelhantes às do repertório de concerto do período romântico para flauta - compostas de escalas sucessivas abrangendo toda a extensão da flauta, arpejos sucessivos com mudança de registro e semicolcheias sucessivas, geralmente articuladas em golpe duplo; escrita a duas vozes para um só executante – utilização de melodia acompanhada e trilos de efeito polifônico; uso frequente de melodias no registro grave; inovações na instrumentação e tratamento camerístico do grupo regional; melodias formalmente bem definidas, por vezes simétricas, com amplo uso de recursos imitativos. Do ponto de vista interpretativo, foram observadas as seguintes características: sonoridade incisiva, igualmente definida nos vários registros, de timbre escuro, potencializada pelo uso de uma flauta Hammig de prata, fabricada na década de 1930; articulação precisa e cuidadosamente variada fraseado claro e conduzido ênfase na virtuosidade (exibição da habilidade técnica) graves potentes inovações de cunho técnico-interpretativo, como trêmulos de efeito polifônico, glissandos contínuos e uso da respiração contínua Algumas dessas características interpretativas certamente foram inspiradas pela audição das gravações de Pattápio Silva. Como observado no Capítulo 4, notam-se semelhanças em recursos composicionais e, sobretudo, na prática interpretativa: Pattápio personificava a figura do solista virtuose, de som vigoroso e impressionante habilidade, que foi posteriormente revivida por Dante Santoro, já no contexto do Rádio. Reitera-se, também, como assinalado no Capítulo 2, a similaridade entre as trajetórias de Octávio Dutra e Dante Santoro, que se espelham em vários aspectos: Dante também se tornou compositor e dedicou-se à música popular urbana; teve uma atuação variada, seja no Rádio, no teatro de revista, em orquestras, como solista, em grupos carnavalescos e na indústria fonográfica; transitou como músico entre diferentes 214 meios sociais, nas rodas de choro, em serenatas, saraus e casas de concerto, atuando como um mediador. No que se refere à improvisação, a pesquisa revelou que a crítica formulada por Haroldo Barbosa (1949), e reproduzida por Henrique Cazes (2010), deve ser desmistificada. Registros das participações de Dante Santoro nos programas da Rádio Nacional, encontrados no acervo do Museu da Imagem e do Som, e estudados no capítulo 4, por meio de transcrições, revelam que Dante elaborava variados contracantos e introduções, como era de praxe no trabalho do conjunto regional. O estudo comparativo entre os improvisos de Dante Santoro e Benedito Lacerda, ambos flautistas atuantes nos regionais de rádio do Rio de Janeiro nas décadas de 1930 a 1950, revelou duas diferentes abordagens da improvisação no choro. Benedito Lacerda adota um estilo de contracantos contínuos, inspirado em Pixinguinha, no qual as melodias são similares a camadas de sons, constantemente recriadas no decorrer da música. Esse tipo de contracanto foi comentado a partir da versão do samba Isso não se atura, de Assis Valente, gravado por Carmem Miranda, Benedito Lacerda e Regional em 1935. Dante Santoro adota, por sua vez, um estilo de contracanto baseado em variações melódicas, a partir de elementos como a ornamentação, as variações de articulação e os recursos imitativos. Observa-se que a elaboração melódica de Dante Santoro busca contornos formais precisos, com frases bem definidas e bem articuladas. Essa diferença de abordagem reforça o argumento da flautista Odette Ernest Dias, citado no Capítulo 1: cada músico improvisa sobre o seu conhecimento e, assim, faz o seu estilo de improvisação. Dante Santoro manifesta nos seus improvisos o cuidado formal e a virtuosidade próprios da sua interpretação. O cuidado formal manifesta-se, por exemplo, nas variações melódicas, ornamentações e variações de articulação dos contracantos de Abana baiana (c.1941), ou na simetria e uso do recurso imitativo presentes na Dança da moda (c. 1950). A virtuosidade extrema, vinculada ao ideal do solista virtuose, chama a atenção nos contracantos de Murmúrios D´alma (1937) e Não tenho queixa (c. 1939). Embora não seja possível aprofundar o estudo desses diferentes estilos de improvisação no escopo deste trabalho, propôs-se uma aproximação com o estudo de Valente (2008), mencionado no capítulo 4. Acredita-se que o estilo de improvisação de Benedito Lacerda estaria mais próximo da abordagem vertical da improvisação, 215 enquanto que o de Dante Santoro, da abordagem horizontal. Futuras pesquisas poderão dedicar-se a essa questão. Acredita-se que Pixinguinha e Benedito Lacerda foram referências para Dante Santoro e os demais flautistas do Rádio na elaboração de contracantos e improvisos. Há um indício desse fato: entre as poucas gravações de obras de outros compositores realizadas por Dante Santoro, está o Urubu malandro, obra que foi gravada de forma emblemática por Pixinguinha na flauta em 1923, com Os Oito Batutas e, novamente, em 1930. Anos depois, em 1944, há um novo registro pela dupla Pixinguinha-Benedito Lacerda. Como se comentou no Capítulo 4, muitos dos recursos de improviso e ornamentação criados por Pixinguinha nessa obra, e retomados por Benedito Lacerda anos mais tarde, também foram utilizados por Dante Santoro em sua gravação de 1950. Acreditamos que a ênfase em elementos da música de concerto é um diferencial do repertório de Dante Santoro frente àquele produzido à época no contexto do grupo regional. Sua importância está na versatilidade e expressividade que agrega ao repertório do choro. Talvez esse acercamento à música de concerto tenha levado muitos chorões a considerarem Dante Santoro um outsider, um músico vindo da tradição erudita. Como constatado, entretanto, sua biografia revela o contrário: que Dante participava do ambiente do choro desde muito jovem, na companhia de Octávio Dutra. Há que se repensar, portanto, o discurso já bastante difundido, entre os chorões, de que Dante Santoro era um músico erudito que tocava música popular - reflexão que corrobora o necessário questionamento dessas categorias, conforme discussão empreendida no Capítulo 1. A obra de Dante Santoro agrega muitas contribuições ao repertório do choro. Constituem um marco os variados recursos composicionais e interpretativos que dão a sua obra uma riqueza peculiar, tornando-a uma obra autoral de destaque no contexto do choro. Dante Santoro amplia o aspecto polifônico do choro, ao utilizar com frequência a melodia acompanhada na parte solista e ao enriquecer o tecido harmônico e textural, criando diferentes camadas de contracantos de variada instrumentação, num estilo que remete à música de câmara. Além disso, no que tange o acompanhamento, Dante Santoro explora as harmonias em cromatismo com um viés inovador, baseado na expressividade, por meio de variações de dinâmica e de padrões rítmicos do acompanhamento. Os recursos expressivos são um ponto alto na obra de Dante Santoro, que agrega dramaticidade ao repertório do choro, por meio de um estilo interpretativo muito pessoal, marcado pela 216 sonoridade potente de timbre escuro, pelo uso do vibrato e de nuances de dinâmica e tempo. Dante Santoro foi, ainda, pioneiro na utilização de efeitos sonoros pouco usuais no contexto do repertório do grupo regional, como oscilações de altura, por meio de trêmulos de efeito polifônico; glissandos contínuos com sonoridade desfocada e o uso de técnicas estendidas de execução, como a respiração contínua. Nos dias de hoje, trata-se de uma obra que causa impacto, pois além de ser pouco conhecida, em função de sua pequena divulgação, revela uma linha de tradição aural direta vinda de Pattápio Silva e do repertório de concerto do final do século XIX, porém transformada pelo convívio com a indústria fonográfica e com os chorões seu contemporâneos, Pixinguinha e Benedito Lacerda. Esse lapso da memória musical merece ser resgatado, pela ação dos músicos - flautistas em especial - que se interessem pela obra de Dante Santoro, até mesmo para compreender sua influência na produção de flautistas que o sucederam nesse mercado, como Altamiro Carrilho, Carlos Poyares e outros. Espera-se, assim, que este trabalho possa contribuir para esse propósito. 217 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Artigos de jornal ALMIRANTE e Regional de Dante Santoro. Noite Ilustrada, Rio de Janeiro, 23 ago. 1938, ed. 477, p. 34. . Noite Ilustrada, Rio de Janeiro, 13 set. 1938, ed. 482, p. 26. ARTISTAS (Rio ZH). Zero Hora, Porto Alegre, 14 de agosto de 1969, p. 2. BARBOSA, Haroldo. Coisas que incomodam. Diário da Noite, Rio de Janeiro, 20 dez. 1949, ed. 4648. BOHEMIOS Brasileiros no Grande Reveillon da Independência. Crítica, Rio de Janeiro, 03 set.1929, ed. 249, p. VI. CARRO precipitou-se no abysmo. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 16 mar. 1935, ed. 2038, capa. CORDEIRO, Cruz. Orquestra para nossa música popular. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 30 ago. 1953, Suplemento Literário, p. 5. CURIOSIDADES Musicais, Programa. A Noite Ilustrada, 23 ago. 1938, ed. 477. CURI, Miguel. “Show” na casa do ouvinte. A Manhã, Rio de Janeiro, 13 junho 1950, p. 6. 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Só na minha flauta (choro). In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro. São Paulo: E.S. Mangione Editor, s/d. Flauta. Partituras manuscritas GODINHO, Belmacio P. Mulatinho (maxixe). Manuscrito autógrafo de Dante Santoro, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, Clarineta, Contrabaixo. 225 SANTORO, Dante; ÁLVARES, Corintho. Chega de amor (choro). Manuscrito autógrafo, s/d. Acervo MIS, coleção Almirante, 3924. Canto e piano. . Não me venhas com esta cara (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. SANTORO, Dante. CABRAL, Aldo. Reflexos. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. SANTORO, Dante; CAÓ, José. Beijo ao luar (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano. . Beijo ao luar (marcha). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano. SANTORO, Dante; DOMINGUES, Heron. Deuza do mar (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Teu castigo (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Wilma (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. SANTORO, Dante; GHIARONI, G. Loucura (beguine). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Posso sofrer (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Baixo. . Teus olhos (tango). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Teus olhos (tango). Arr: Radamés Gnatalli. Manuscrito autógrafo de Dante Santoro, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, voz, clarineta e cordas. SANTORO, Dante; GUSMÃO, Scylla. Don´t lie (Fox blue). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Quero-te como és (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Quero-te como és (valsa-canção). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. 2 sax alto, sax tenor, 2 trompetes, trombone e contrabaixo. . Rosário de Ironias (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. SANTORO, Dante; MANES, Alberto. O que tu és (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. 226 SANTORO, Dante; PASSOS, Arnaldo. Perto de mim (batucada). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. SANTORO, Dante; PICALUGA, Ary. Oh! Deus (samba). SANTORO, Dante; Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. SANTORO, Dante; SANTORO, Godofredo. Carnaval mais lindo (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Essa voz (samba-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ.Canto e piano. . Hilda! (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Ilusão de garoto (canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Lírio Perdido (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Martírios (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Martírios (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, clarineta, violino, violoncelo, contrabaixo. . Minha dor (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Minha promessa (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Morena (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto. . Nossa aurora (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Nossa senhora do morro (samba-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Olhos magos (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Rancho saudoso (canção sertaneja). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. SANTORO, Dante; SANTORO, Paschoal. Non so che dire (canção italiana). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. 227 SANTORO, Dante. Inferno de Dante (choro). Arr: Adalto Silva. Manuscrito de Adalto Silva, 1957. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta solo, 2 sax alto, 2 sax tenor, 3 trompetes, trombone, contrabaixo e bateria. SANTORO, Dante (ETNAD). Flauta selvagem (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e clarone. SANTORO, Dante; JOCA; JACARÉ. Primavera Carioca! (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Primavera Carioca! (marcha). Arr: Pixinguinha. Manuscrito autógrafo de Pixinguinha, 1937. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. 2 sax alto, sax tenor, 2 trompetes, trombone, contrabaixo. SANTORO, Dante; LUIZ; NELSON. Prece de amor (samba- canção) ou Beijos vis. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. SANTORO, Dante. Antes só! (batucada). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia canto. . Bagaço (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Betinho (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. . Bolero (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Carnaval mais lindo (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Castigando (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. . Chorando o passado (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Chorinho Gostoso (choro). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da família Santoro. Flauta, violino, violoncelo e contrabaixo. . Delírio chinês (dança oriental). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Delírio da saudade (valsa canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Esquecimento (choro). Manuscrito autógrafo, 1923. Acervo da família Santoro. Flauta e piano. . Exaltação (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. 228 . Jóquei de Elefante (polca-choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano. . Jóquei de Elefante (polca-choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. . Jóquei de Elefante (polca-choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e clarineta. . Judith (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Judith (valsa). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, 2 sax alto, 2 sax tenor, sax barítono, guitarra, piano, contrabaixo. . Guanabara (choro). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Horas tristes (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. . Horas tristes (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano. . Lágrimas de Rosa (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano. . Lágrimas de Rosa (valsa). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Violino, sax tenor, sax barítono, trompete, trombone, contrabaixo. . Lamento árabe (bolero). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo MIS, coleção Jacob do Bandolim, PMV0106. Flauta. . Lamentos (valsa serenata). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e piano. . Lúcia Helena (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta/Canto. . Mate amargo (polca). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Contrabaixo. . Mágoa de colombina (samba-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Maninho. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Minuano Triste (choro). . Minha dor (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. . Murmúrios (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Murmúrios d´alma (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Nair (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. 229 . Na minha flauta (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Na minha flauta tu não tocas mais! (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Não tem pra ti (polca). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e clarineta. . Nena (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, 1935. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . No bar do Oswaldo. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . No mistério da vida (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Quando a minha flauta chora (choro). Manuscrito de Nascimento, 1932. Acervo MIS, coleção Jacob do Bandolim, PMH1448. Flauta. . Samba do Dante Santoro (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Samba do Dante Santoro (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Voz, clarineta, sax tenor, 2 trompetes, piano, contrabaixo e coro (trio). . Scylla (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta/Canto. . Serpentina. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Silencioso (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo IMS, coleção Pixinguinha, CX.16133. Canto e piano. . Silencioso (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Contrabaixo. . Sombras da noite (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. . Só na minha flauta (choro). Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. . Sonhando (valsa). Manuscrito de R. Macedo, 1948. Acervo MIS, coleção Jacob do Bandolim, caderno 13. Flauta. . Sonho (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. . Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. . Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano. . Taça de cristal (valsa: Fox). Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. 230 . Teu feitiço (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta. . Vidas mal traçadas (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Contrabaixo. . Vidas mal traçadas (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia. Gravações CDs CARRILHO, Altamiro. Harmonia Selvagem. Dante Santoro [compositor] In: Altamiro Carrilho - Interpretações Históricas (1952-1965). Rio de Janeiro: Biscoito Fino, p. 2008. 1 CD. . Harmonia Selvagem. Dante Santoro [compositor] In: Choros Imortais. Rio de Janeiro, EMI, LP 1964/ CD1999. 1 LP e 1 CD. FLORES, Paulo (Coord.) Benê, o flautista – Trilogia musical da obra do polêmico (e genial) Benedito Lacerda. São Paulo: Maritaca Produções Artísticas, p. 2006. 3 CDs. HIME, Joana (Prod.). Memórias musicais-Pixinguinha. CDS 4, 9 e 14. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, p. 2002. 9 CDs. LEITE, Dirceu. Harmonia Selvagem. Dante Santoro [compositor] In: Leite de Coco. Rio de Janeiro: Caju Music, p. 1994. 1 CD. OZZETTI, Marta. Teu feitiço. Dante Santoro [compositor] In: O Choro e sua História: Isaías e Israel entre amigos. CPC-UMES, 2006. 1 CD. SANTORO, Dante. A Flauta Mágica de Dante Santoro. Porto Alegre: Alfa Studios Gravações e Produções (Fumproarte), p. 1998. 03 CDs. TNARDOWSKI, Flávia. É logo ali. Dante Santoro [compositor] In: A Música de Porto Alegre: o Choro. Porto Alegre: Produção independente, p. 2000. 1 CD. Gravações LP CARRILHO, Altamiro. Antologia da Flauta. Tributo a Dante Santoro. Dante Santoro [compositor]. São Paulo: Phillips, p. 1977. 1 LP. SANTORO, Dante. Posso sofrer e Vidas mal traçadas. In: No tempo dos bons tempos. Em tempo de seresta e seresteiros, Vol. 9. São Paulo: Fontana, p. 1972. 1 LP. . Quando a minha flauta chora. In: Nova História da Música Popular Brasileira. Abel Ferreira e o choro. São Paulo: Abril Cultural, 1977. Gravações 78 RPM ALBERTINHO FORTUNA. Lamento árabe (bolero). Dante Santoro [compositor]. Continental 17.170, p. 1955. 1 disco 78RPM. ALBERTINHO FORTUNA e SEXTETO STAR. Silencioso (choro) e Vidas mal traçadas (valsa). Star 00.00159, s.d. 1 disco 78RPM. AFRÂNIO RODRIGUES. Oh Deus! (samba). Dante Santoro [compositor]. Odeon 13.377, s.d. 1 disco 78RPM. 231 CARMEM MIRANDA, BENEDITO LACERDA e REGIONAL. Isso não se atura (samba). Assis Valente [compositor]. Odeon 11244, 1935. 1 disco 78RPM. DINO DINE. Non so che dire. Dante Santoro [compositor]. Acervo Família Santoro, sem lançamento comercial. 1 disco 78RPM. DIRCINHA BATISTA. Não sei mentir (samba). Dante Santoro [compositor]. Odeon 12.228, p. 1942. DIRCINHA BATISTA e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Cuanto le gusta (samba) e Passarinho da Lagoa (toada). Odeon Veroton 12.924, p. 1949. . Cidade velha (samba) e Salve a mulher brasileira (marcha). Odeon 12.211, p. 1942. FRANCISCO ALVES e ORQ. ODEON. Vidas mal traçadas (valsa). Dante Santoro [compositor]. Odeon Veroton 12.881, p. 1948. 1 disco 78RPM. GILBERTO ALVES e ORQ. ODEON. Páginas mortas (valsa). Dante Santoro [compositor]. Odeon Veroton 12.358, p. 1943. 1 disco 78RPM. GILBERTO ALVES e CONJUNTO ODEON. Olha o jacaré (marcha). Dante Santoro [compositor]. Odeon Veroton 12.097, s.d. 1 disco 78RPM. GILBERTO ALVES e FON-FON E SUA ORQUESTRA. Soluços (valsa). Dante Santoro [compositor]. Odeon Veroton 12.032, p. 1941. 1 disco 78RPM. JARARACA E RATINHO e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Tudo combinado e Club Japonês (humorismo). Odeon Veroton 12.455, s.d. 1 disco 78RPM. . A Lalá tá cá (humorismo). Odeon Veroton 12.491, s.d. 1 disco 78RPM. LINDA BATISTA e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Amélia acabou com a Praça 11 (samba). PRE-8. Gravação da Rádio Nacional. Acervo do MIS/RJ. 1 disco 78RPM. MANOEL REIS e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Horas tristes (valsa) e Murmúrios d´alma (valsa). Victor 34.185, p. 1937. 1 disco 78RPM. NUNO ROLAND e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Leilão (marcha). PRE-8. Gravação da Rádio Nacional. Acervo do MIS/RJ. 1 disco 78RPM. ORLANDO SILVA e ORQ. ODEON. Olhos magos (valsa). Dante Santoro [compositor]. Odeon Veroton 12.307, p. 1943. ORLANDO SILVA e ORQ. VICTOR BRASILEIRA. Lágrimas de Rosa (valsacanção). RCA Victor 34.213, p. 1937. 1 disco 78RPM. PEDRO RAIMUNDO e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Tira cisma e Puladinho (rancheira). Continental 15.689, s.d. 1 disco 78RPM. PIXINGUINHA. O urubu e o gavião. Pixinguinha [compositor]. Victor 33262, 1930. 1 disco 78RPM. PIXINGUINHA e BENEDITO LACERDA. Variações sobre o urubu e o gavião. Pixinguinha [compositor]. RCA Victor 800263, 1944. 1 disco 78RPM. ROMEU FERNANDES. Loucura (bolero) e Nosso passado (choro). Dante Santoro [compositor]. Continental 14.600, sd. 1 disco 78RPM. 232 ROSITA GONZALEZ e CHIQUINHO E SUA ORQUESTRA. No mientas (bolero). Dante Santoro [compositor]. PRE-8 565, gravação da Rádio Nacional. Acervo Divisão de Música da Biblioteca Nacional/RJ. 1 disco 78RPM. RUY REY e ORQ. CONTINENTAL. No mientas (bolero). Dante Santoro [compositor]. Rio de Janeiro: Continental 15.626, s.d. 1 disco 78RPM. VICENTE CELESTINO e ORQ. VICTOR BRASILEIRA. Martírios (valsa). Dante Santoro [compositor]. Victor 34.443, p. 1939. 1 disco 78RPM. . Gilka (valsa). Dante Santoro [compositor]. Victor 34.370, p. 1938. 1 disco 78RPM. VIOLETA CAVALCANTI. Espelho quebrado (samba-canção). Dante Santoro [compositor]. Odeon 13.466, p. 1953. 1 disco 78RPM. DANTE SANTORO. Não tem pra ti (choro) e Teu feitiço (choro). Odeon 13.105, p. 1951. 1 disco 78RPM. . Silencioso (choro) e Vidas mal traçadas (valsa). Odeon 12.920, p. 1949. 1 disco 78RPM. . Castigando (choro) e Sonho (valsa). Odeon Veroton 12.292, p. 1943. 1 disco 78RPM. . Mate amargo (polca) e Posso sofrer (valsa). Sinter 00-00.482, p. 1956. 1 disco 78RPM. . Martírios (valsa) e Inferno de Dante (choro). Victor 34.207, p. 1937. 1 disco 78RPM. . Alma de Beduíno (choro) e Teu feitiço (choro). Victor 34.620, p. 1940. 1 disco 78RPM. . Nair (valsa) e Nena (valsa). Victor 33.991, p. 1935. 1 disco 78RPM. DANTE SANTORO E SEU REGIONAL. Suzana (valsa). Acervo Família Santoro, sem lançamento comercial. 1 disco 78RPM. . Harmonia selvagem (choro). Acervo Família Santoro, sem lançamento comercial. 1 disco 78RPM. . Wilma (valsa) e Amigo (choro). Odeon 13.189, p. 1951. 1 disco 78RPM. . Nêga suspira (baião) e Deixa ele (choro). Odeon 13.328, s.d. 1 disco 78RPM. . Quando eu for bem velhinho (baião marcha) e Inferno de Dante (choro). Odeon 13.409, s.d. 1 disco 78RPM. . Lamento árabe (bolero) e Estudante (choro). Odeon 13.505, p. 1953. 1 disco 78RPM. . Deixa pra lá (polca) e Maria Rosa (valsa). Odeon Veroton 12.736, p. 1946. 1 disco 78RPM. . Delírio chinês (dança oriental) e No bar do Oswaldo (choro). Sinter 00.00326, s.d. 1 disco 78RPM. 233 . Lamento árabe (bolero) e Murmúrios (choro). Sinter 00.00382, p. 1955. 1 disco 78RPM. . Amapá (maxixe) e Scylla (valsa). Victor 34.751, p. 1941. 1 disco 78RPM. . Minuano triste (choro) e Sombras da noite (valsa). Victor 34.460, p. 1939. 1 disco 78RPM. . Quando a minha flauta chora (choro) e Exaltação (valsa). Victor 34.442, p. 1939. 1 disco 78RPM. . Harmonia Selvagem (choro) e Suzana (valsa). Victor 34.352, p. 1938. 1 disco 78RPM. . Dores d´alma (valsa) e É logo ali (choro). Victor 34.167, s.d. 1 disco 78RPM. . Só na minha flauta (choro) e Olhos magos (valsa). Victor 34.155, p. 1937. 1 disco 78RPM. DANTE SANTORO E SEU REGIONAL e TRIGÊMEOS VOCALISTAS. Flauta selvagem (choro) e Sempre nós (polca-choro). Odeon 13.017, p. 1950. 1 disco 78RPM. DANTE SANTORO e REGIONAL DO VIVI. Urubu Malandro (choro) e Jóquei de elefante (choro). Odeon 13.060, p. 1950. 1 disco 78RPM. . Moleque Vagabundo (baião) e Subindo ao céu (valsa). Odeon 13.150, s.d. 1 disco 78RPM. . O mulatinho (maxixe carioca) e Quando minha flauta chora (choro). Odeon, 13.254, p. 1952. 1 disco 78RPM. . Chorei (choro) e Bagaço (choro). Odeon 13.299, p. 1952. 1 disco 78RPM. DANTE SANTORO e CARIOCA E SEUS SAXOFONES. Teimoso (choro) e Judith (valsa). Odeon Veroton 12.965, p. 1949. 1 disco 78RPM. DANTE SANTORO e CONJUNTO RCA VICTOR. Lágrimas de Rosa (valsa). Victor 33.986, s.d. 1 disco 78RPM. . Esquecimento (choro). Victor 33.968, p. 1935. 1 disco 78RPM. DANTE SANTORO e CONJUNTO REGIONAL VICTOR. Betinho (choro). Victor 33.943, p. 1935. 1 disco 78RPM. . Não tem pra ti (choro) e Gilka (valsa). Victor 33.932, p. 1935. 1 disco 78RPM. DANTE SANTORO, JOSÉ BITTENCOURT, LUPERCE MIRANDA e PEREIRA FILHO. Subindo ao céu (valsa). Victor 33.968, p. 1935. 1 disco 78RPM. DANTE SANTORO, LUPERCE MIRANDA, TUTI e MANOEL LIMA. Beatriz (valsa) e Saudades do Jango (valsa). RCA Victor 33.770, s.d. 1 disco 78RPM. . Nilva (valsa) e Hilda (valsa). Victor 33.814, s.d. 1 disco 78RPM. DANTE SANTORO et ali. Marlene (valsa). Victor 34.049, s.d. 1 disco 78RPM. Entrevistas e Depoimentos orais CRUZ, Plauto. Depoimento oral concedido em sua residência. Porto Alegre, 2011. D´AVILA, Milton. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Ubá, 2012. 1 CD (60 min) 234 DIAS, Odette Ernest. Entrevista realizada na residência da entrevistada. Rio de Janeiro, 2012. 1 CD (40 min). MIRANDA, Leonardo. Depoimento oral concedido em sua residência. Rio de Janeiro, 2012. SANTORO, Homero. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Porto Alegre, 2011. 1 CD (30 min). SILVA, Jorge José da, o “Jorginho do Pandeiro”. Entrevista realizada na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, 2011. 1 CD (30 min). SOUZA, Carlos Silva, o “Caçula”. Entrevista realizada no Bairro da Lapa. Rio de Janeiro, 2011. 1 CD (25 min).