Tese - Unirio

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
DOUTORADO EM MÚSICA
DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO
INTERPRETATIVO DO FLAUTISTA LÍDER DO
REGIONAL DA RÁDIO NACIONAL DO RIO DE
JANEIRO
LARENA FRANCO DE ARAÚJO
RIO DE JANEIRO, 2014
DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO
INTERPRETATIVO DO FLAUTISTA LÍDER DO REGIONAL DA
RÁDIO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO
por
LARENA FRANCO DE ARAÚJO
Tese
submetida
ao
Programa
de
Pós-
Graduação em Música do Centro de Letras e
Artes da UNIRIO, como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor, sob a orientação
do Professor Dr. Sérgio Barrenechea.
Rio de Janeiro, 2014
A663
Araújo, Larena Franco de.
Dante Santoro (1904-1969): trajetória e estilo interpretativo do
flautista líder do regional da rádio nacional do Rio de Janeiro / Larena
Franco de Araújo, 2014.
234 f. ; 30 cm + DVD
Orientador: Sérgio Barrenechea.
Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
1. Santoro, Dante, 1904-1969. 2. Flauta. 3. Choro (Música).
4. Compositores. 5. Música - Análise, apreciação. I. Barrenechea,
Sérgio. II. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Centro
de Letras e Artes. Curso de Doutorado em Música. III. Título.
CDD – 788.3
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Sérgio Barrenechea, pela generosa orientação de muitos anos;
Ao Prof. Dr. Pedro de Moura Aragão, que acompanhou este trabalho desde o seu começo,
agregando valiosas contribuições;
Aos Profs. Drs. Martha Ulhôa, Pauxy Gentil-Nunes, Raul Costa D´Avila, Luiz Otávio Braga e
Carole Gubernikoff, pela participação nas bancas examinadoras e contribuições à pesquisa;
A Homero Santoro, por dar-me acesso a seu acervo particular e incentivar esta pesquisa;
Aos entrevistados Jorge José da Silva, o Jorginho do Pandeiro; Carlos Silva e Souza, o
Caçula; Leonardo Miranda; Milton D´Avila; Odette Ernest Dias e Plauto Cruz;
A Arthur de Faria, pelo intercâmbio de informações; a Luís Carlos Vasconcelos Furtado,
Altamiro Carrilho (em memória), Laura Rónai, Luiz Costa Lima Neto e Erick Soares;
A Maria Luiza Nery de Carvalho e equipe do Setor de Manuscritos da Biblioteca Alberto
Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ, pelo trabalho de catalogação dos manuscritos de
Dante Santoro;
A Luiz Antônio de Almeida e equipe do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro;
A Meridiana Pereira Goulart e equipe do Arquivo Histórico do Instituto de Artes da UFRGS;
Às equipes do Instituto Moreira Salles, Museu da Comunicação Hipólito José da Costa de
Porto Alegre, Seção de Música da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e Arquivo Histórico
Nacional;
Aos músicos Bartholomeu Wiese, Danilo Jatobá, Kátia Baloussier, Leandro Montovani,
Lucas Porto e Paulo Dantas, pelas parcerias musicais, ao longo do curso;
A Lucia Leiria, pela revisão do texto e pelo apoio em Porto Alegre;
A meus amigos e familiares, especialmente a meus pais, Reny Franco de Araújo e Wilson
Ignácio de Araújo (em memória);
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de
estudos concedida durante o penúltimo semestre do curso.
RESUMO
ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): trajetória e estilo interpretativo do
flautista líder do Regional da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. 2014. Tese (Doutorado em
Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes, Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Esta tese propõe um estudo sobre a trajetória e o estilo interpretativo do flautista Dante
Santoro (1904-1969), líder do Regional da Rádio Nacional do Rio de Janeiro entre 1938 e
1969, personagem pouco recordado nos dias de hoje, apesar de sua notória participação no
meio musical da época. O objetivo da pesquisa é revisar a biografia do flautista, listar a sua
produção como intérprete/compositor e analisar algumas de suas obras, a fim de descobrir
suas referências, contribuições e estimar sua relação com a obra de seus contemporâneos. O
trabalho se inicia com um estudo sobre a circularidade cultural no contexto do choro, a
improvisação e a bossa no choro e a inserção do gênero no mercado radiofônico e
discográfico, a partir das discussões levantadas por Aragão (2012), Braga (2002), Cortes
(2012), Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes (2000), Sandroni (2001), Valente (2009) e
Wisnik (2004). A biografia de Dante Santoro foi reconstituída a partir do texto de Faria
(2011), complementado por dados colhidos em artigos de jornais e revistas publicados entre
1928 e 1969; nos trabalhos de Simões (2008), Souza (2010) e Vedana (2000) e em
depoimentos do sobrinho do flautista e de músicos que testemunharam sua atuação. A
listagem de sua produção, estimada em cerca de 100 obras, fez-se a partir da consulta a oito
acervos, contendo partituras editadas, manuscritos, gravações comerciais e gravações de
programas da Rádio Nacional, material organizado segundo orientação de Cotta (2000). A
análise da obra, que se baseou na audição, transcrição e consulta a partituras/manuscritos,
partiu de um levantamento sobre a morfologia do choro baseado em Sève (1999), com a
posterior análise de gravações digitalizadas, originalmente lançadas em discos 78 rpm, pelas
gravadoras Victor, Odeon e Sinter, além de gravações de programas da Rádio Nacional. O
estudo revelou, como importantes referências na obra de Dante Santoro, o repertório de
concerto em estilo romântico para flauta e a obra de Pattápio Silva (1880-1907), referências
permeadas pelo contato com o meio radiofônico-discográfico e a obra de seus
contemporâneos, especialmente Pixinguinha (1897-1973) e Benedito Lacerda (1903-1958).
Dentre as contribuições, destacam-se inovações relacionadas a recursos expressivos e efeitos
sonoros idiomáticos da flauta, que tornam sua produção uma obra autoral de destaque no
contexto do choro.
Palavras-chave: Interpretação da flauta. O choro na indústria radiofônica e discográfica.
Compositores flautistas. Dante Santoro.
ABSTRACT
ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): the biography and the
performance style of the principal flutist for the choro ensemble at the National Radio Station
in Rio de Janeiro. 2014. Thesis (Doctorate in Music) – Graduate Program in Music, Centro de
Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
This thesis proposes a study over the biography and the performance style of the brazilian
flautist Dante Santoro (1904-1969), head of the ensemble “Conjunto Regional de Dante
Santoro”, at National Radio Station in Rio de Janeiro from 1938 to 1969. He is nowadays a
slightly remembered musician, despite of his remarkable role in brazilian musical scene those
days. This research aims to review his biography, list his works as a performer/composer and
analyze some of his music, in order to find out its references, contributions and relations to
the work of his contemporaries. The thesis starts with a study over the dialogue “classical and
popular” in choro music, broadening a discussion about improvisation and “bossa”, as well
as choro´s insertion in radio broadcasting and recording industry in the 1930s. The works of
Aragão (2012), Braga (2002), Cortes (2012), Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes
(2000), Sandroni (2001), Valente (2009) and Wisnik (2004) are the basis for this discussion.
Santoro´s biography was built over Faria (2011), complemented by data recovered at press
articles published between 1928 and 1969, at the works of Simões (2008), Souza (2010) and
Vedana (2000), and by interviews with the flautist´s nephew and musicians who heard his
playing. After the search into eight different archives, his work was listed on around one
hundred pieces, including edited scores, manuscripts, released recordings and radio
broadcasting studio recordings. The collected material was organized according to the advices
of Cotta (2000). The analysis session starts with a survey over choro´s morphology, based on
Sève (1999), reaching then the study of a set of digitalized recordings, originally released by
Victor, Odeon and Sinter in 78rpm discs, as well as some of National Radio´s broadcasting
recordings. Analysis was based on listening, transcription and score consult. It demonstrated,
as important references to Santoro´s music, the flute works in romantic style (XIX century)
and the work of the brazilian flautist Pattápio Silva (1880-1907), pervaded by the contact with
radio broadcasting and recording media, as well as the works of his contemporaries,
especially Pixinguinha (1897-1973) and Benedito Lacerda (1903-1958). Among his most
significant contributions are the innovations to choro repertoire, related to expressive features
and idiomatic unusual sound effects, creating an outstanding work in the context of choro
music.
Keywords: Flute performance. Brazilian choro in radio broadcasting and recording industry.
Flutist composers. Dante Santoro.
RESUME
ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): la biographie et le style
d´intereprétation du flûtist chef du groupe de choro de la Radio Nacional de Rio de Janeiro.
2014. Thèse (Doctorat en Musique) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de
Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Cette thèse propose une étude sur le travail du flûtiste Dante Santoro (1904-1969), chef du
groupe de choro de la Radio Nacional de Rio de Janeiro entre 1938 et 1969. En dépit de son
implication notoire dans la musique de son temps, Santoro est un caractère peu reconnu
actuellement. L'objectif de la recherche est de reconstruire la biographie du musicien, sa
production comme interprète/compositeur et d'analyser certaines de ses œuvres, afin de
découvrir ses références, ses contributions et d'estimer sa relation avec les travaux de ses
contemporains. Le travail commence par une étude sur le dialogue «classique et populaire»
dans le musique du choro, qui jette un régard sur l'improvisation et la «bossa» dans le
contexte du choro et s’occupe encore de l'inclusion de ce genre dans la radio et l'industrie du
disque, à partir des discussions proposées par Aragão (2012), Braga (2002), Cortes (2012),
Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes (2000), Sandroni (2001), Valente (2009) et Wisnik
(2004). La biographie de Dante Santoro a été reconstituée à partir du texte de Faria (2011),
complété par des données recueillies d'articles de journaux et périodiques publiés entre 1928
et 1969, et par les travaux de Simões (2008), Souza (2010) et Vedana (2000) et aussi auprès le
témoignage d’un neveu du flûtiste et des musiciens qui ont vu sa performance. La liste de sa
production, estimée à environ cent œuvres, composée de la requête de huit collections,
contenant les partitions éditées, des manuscrits, des enregistrements et des enregistrements
commerciaux des programmes de la Rádio Nacional, matériel organisé selon l’enseignement
de Cotta (2000). L'analyse de l'œuvre, qui a été basée sur la transcription de l'audience et de la
requête de partitions musicales/manuscrits, a emergé d'une enquête sur la morphologie du
choro presentée par Sève (1999), avec une analyse ultérieure des enregistrements numérisés,
mis en place à l'origine sur des disques 78 tours, par les maisons de disques Victor, Odeon et
Sinter, plus les enregistrements de programmes de la Rádio Nacional. L'étude a révélé,
comme références importantes dans les œuvres de Dante Santoro, le répertoire de concert
dans un style romantique pour la flûte et l’oeuvre de Pattápio Silva (1880-1907), les
références imprégnées par le contact avec le milieu radio-discographique et le travail de sés
contemporains, en particulier Pixinguinha (1897-1973) et Benedito Lacerda (1903-1958).
Parmi les contributions se démarquent des inovations des ressources expressifs et lês effets
sonores idiomatiques de la flûte, qui font de son œuvre un travail mis en évidence dans le
contexte du choro.
Motsclés: Interpretation de la flûte. Le choro dans la radio et l'industrie du disque.
Compositeurs flûtistes. Dante Santoro.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Dante Santoro, c. 1920-1930, Porto Alegre...........................................................63
Figura 2: Sócios fundadores do Centro Musical Porto-Alegrense, c. 1920, Porto Alegre..... 63
Figura 3: Artigo sobre concerto de D. Santoro em Caxias do Sul ......................................... 66
Figura 4: Crítica sobre concerto de D. Santoro em Caxias do Sul......................................... 67
Figura 5. Depoimento de Dante Santoro para o jornal Diário da Noite.................................. 68
Figura 6. Foto de Dante Santoro, Octávio Dutra e músico não identificado.......................... 75
Figura 7. Primeiro registro de Dante Santoro no Rádio carioca............................................. 79
Figura 8. Detalhe do artigo sobre os Bohemios Brasileiros publicado no jornal A Noite...... 80
Figura 9. Anúncio. Programa Dante Santoro, Rádio Club. Jornal A Batalha.......................... 81
Figura 10. Artigo publicado no suplemento A Noite Ilustrada............................................... 82
Figura 11. O Desastre de Cruzeiro. Matéria de capa do Diário Carioca.................................. 83
Figura 12: Artigo “A flauta de Dante Santoro”, jornal A Noite...............................................84
Figura 13: Charge publicada no jornal A Noite...................................................................... 87
Figura 14. Artigo sobre Programa Papel Carbono, Revista do Rádio..................................... 89
Figura 15: Artigo sobre Programa A Felicidade bate a sua Porta jornal A Manhã ................ 91
Figura 16. Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional (c. 1936), com Dante Santoro................. 93
Figura 17. Primeiros anos de Dante Santoro na Rádio Nacional............................................. 93
Figura 18: O Regional da Rádio Nacional em 1937................................................................ 94
Figura 19. Estreia de Dante Santoro na liderança do Regional da Rádio Nacional, Gazeta de
Notícias.................................................................................................................................... 94
Figura 20. O Regional de Dante Santoro em atividade na Rádio Nacional............................. 96
Figura 21. Dante Santoro e Joca do Pandeiro, interpretando o Desafio para flauta e pandeiro.
Suplemento A Noite Ilustrada.................................................................................................. 97
Figura 22. Regional de Dante Santoro. Década de 1940......................................................... 98
Figura 23. Regional de Dante Santoro com o violonista Garoto............................................. 98
Figura 24. Dante Santoro na Orquestra da Nacional. Década de 1940.................................... 99
Figura 25. Contratação do Regional de Dante Santoro pela gravadora Sinter, Correio da
Manhã .................................................................................................................................... 106
Figura 26. Show em homenagem a Benedito Lacerda. Correio da Manhã.......................... 107
Figura 27: Teatro de revista - Música Maestro (1940) e Ouro de Lei (1943),...................... 108
Figura 28. Último registro sobre a atuação de Dante Santoro: show Noite do Choro. Diário de
notícias.................................................................................................................................. 110
Figura 29. Reportagem sobre os Flautistas do Rádio. Revista do Rádio.............................. 113
Figura 30. Dante Santoro e sua flauta, c. 1950...................................................................... 118
Figura 31. Artigo relata episódio violento envolvendo a morte de Dante Santoro, Correio da
Manhã.................................................................................................................................... 122
Figura 32. Carta do irmão de Dante, Godofredo Santoro, desmente o vínculo ente a morte do
flautista e o episódio violento............................................................................................... 123
Figura 33. Anúncio da missa de sétimo dia em homenagem a Dante Santoro. Correio da
Manhã.................................................................................................................................... 124
Figura 34. Manuscrito do choro Chega de Amor. S.d............................................................ 135
Figura 35. Silencioso. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, 1949.................................. 136
Figura 36. Manuscrito do choro Esquecimento, para flauta e piano. Caxambu, 1923.......... 137
Figura 37. Horas Tristes, valsa. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, s.d....................... 144
Figura 38. Manuscrito do Chorinho Gostoso, parte da flauta................................................ 146
Figura 39. Alguns discos 78 rpm de Dante Santoro, lançados em diferentes
gravadoras.............................................................................................................................. 154
Figura 40. Chave elevada para o dó natural. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante
Santoro.................................................................................................................................. 199
Figura 41. Rolotês para as chaves de dó-dó#-ré. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a
Dante Santoro....................................................................................................................... 199
Figura 42. Chave especial da flauta de Dante Santoro. Sua função pode estar relacionada à
afinação de determinadas notas. ......................................................................................... 200
Figura 43. Flauta de Madeira n° 1909, fabricada por August Richard Hammig............... 201
Figura 44. Flauta de prata n° 2740, fabricada por August Richard Hammig..................... 201
Figura 45. Bocal da flauta n° 2740, fabricada por August Richard Hammig..................... 202
Figura 46. Porta-lábio da flauta Hammig que pertenceu a Dante Santoro. .......................... 204
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Levantamento das atividades da Sala Beethoven (Porto Alegre) em 1931............ 64
Quadro 2: Partituras editadas compostas por Dante Santoro................................................. 131
Quadro 3: Manuscritos encontrados na Biblioteca Alberto Nepomuceno............................. 138
Quadro 4: Discografia (gravadora, nº de série, ano de lançamento e acervo)....................... 147
Quadro 5: Discografia (repertório, compositores e intérpretes)............................................ 149
Quadro 6: Gravações da Rádio Nacional com a participação de Dante Santoro................... 155
LISTA DE ANEXOS - DVD
Pasta 1: Análise - Gravações citadas no Capítulo 4
Pasta 2: Artigos da Imprensa
Pasta 3: Documentos da Rádio Nacional
Pasta 4: Entrevistas
Pasta 5: Gravações comerciais
Pasta 6: Gravações da Rádio Nacional
Pasta 7: Manuscritos
Pasta 8: Partituras editadas
Vídeo: Recital de Defesa de Doutorado – Requisito Práticas Interpretativas
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS
Exemplo musical 1: Variações rítmicas na execução de fraseados do choro....................... 160
Exemplo musical 2: Variações na acentuação rítmica, que caracterizam distintos
gêneros.................................................................................................................................. 160
Exemplo musical 3: Variações de articulação sugeridas para o repertório de choros......... 161
Exemplo musical 4: Sílabas utilizadas para a articulação nos instrumentos de sopro no
contexto do choro................................................................................................................... 161
Exemplo musical 5: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do trecho
virtuosístico, conforme primeira execução, gravação de 1938.............................................. 164
Exemplo musical 6: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do mesmo trecho,
conforme segunda execução, gravação de 1938.................................................................... 164
Exemplo musical 7: Urubatã, choro de Pixinguinha e Benedito Lacerda, parte A............... 165
Exemplo musical 8: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Bordões do violão de sete cordas
conduzem a harmonia de um compasso ao outro. ................................................................ 165
Exemplo musical 9. Noites cariocas, de Jacob do Bandolim (1957).................................... 166
Exemplo musical 10: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos em tercinas formam
melodia acompanhada............................................................................................................ 166
Exemplo musical 11: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Escalas descendentes de extensão
de uma oitava e meia intercalam trechos de melodia acompanhada...................................... 166
Exemplo musical 12: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos ornamentados formam
melodia acompanhada............................................................................................................ 166
Exemplo musical 13. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne........................... 167
Exemplo musical 14. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne........................... 167
Exemplo musical 15. Uso de melodia acompanha na obra Concertstücke, de Wilhelm
Popp....................................................................................................................................... 167
Exemplo musical 16: Sonho, op. 6, de Pattápio Silva. Melodia acompanhada muito similar à
de W. Popp............................................................................................................................. 168
Exemplo musical 17: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Primeira parte. Melodia
acompanhada.......................................................................................................................... 168
Exemplo musical 18: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Terceira parte. Melodia
acompanhada.......................................................................................................................... 168
Exemplo musical 19. Gargalhada (1953), schottisch de Pixinguinha, parte C..................... 169
Exemplo musical 20: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Efeito sonoro – oscilação de
altura/polifonia, segundo a gravação de 1938........................................................................ 169
Exemplo musical 21: Harmonia selvagem (choro). Células básicas das levadas do
cavaquinho............................................................................................................................. 170
Exemplo musical 22: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Bordões do violão de sete cordas
anunciam o maxixe................................................................................................................ 170
Exemplo musical 23. Flauta selvagem (choro). Parte A. Contracantos entre clarone (linha
inferior) e violão (linha superior)........................................................................................... 171
Exemplo musical 24. Flauta selvagem (choro). Parte C. Crescendos e decrescendos
potencializam o efeito polifônico dos trêmulos..................................................................... 172
Exemplo musical 25. Minuano triste, choro. Efeito sonoro criado a partir de glissandos
contínuos promove a imitação do vento................................................................................ 173
Exemplo musical 26. A. Terschak. Fioritta, para flauta e piano. Introdução........................ 174
Exemplo musical 27. Gilka, valsa de concerto. Introdução. Elementos da música de concerto:
cadência virtuosística inicial, para flauta solo....................................................................... 175
Exemplo musical 28. Serenata oriental, op. 70, de Ernesto Köhler. Introdução.................. 175
Exemplo musical 29. Gilka, valsa de concerto. Parte A. Manipulações de tempo na melodia
da flauta.................................................................................................................................. 176
Exemplo musical 30. Gilka, valsa de concerto. Parte B. Ornamentação em oitavas e
indicações expressivas............................................................................................................176
Exemplo musical 31. É logo ali, polca. Células do acompanhamento.................................. 177
Exemplo musical 32. É logo ali. Parte A. Melodia principal do acordeom e contracantos da
flauta....................................................................................................................................... 178
Exemplo musical 33: Maria Rosa, valsa. Parte A. Motivo com intervalos ascendentes e
descendentes, similar à mazurca Margarida, de Pattápio Silva............................................ 179
Exemplo musical 34: Margarita (mazurca), de Pattápio Silva. Motivo com intervalos
ascendentes e descendentes.................................................................................................... 179
Exemplo musical 35. Maria Rosa, valsa. Cromatismo na parte A. Arpejos do cavaquinho e
conduções do baixo................................................................................................................ 179
Exemplo musical 36. Maria Rosa, valsa. Hemiolas na célula rítmica do acompanhamento e
nas linhas melódicas da flauta e do violão de sete cordas..................................................... 180
Exemplo musical 37. Maria Rosa, valsa. Linha melódica da flauta e esquema rítmico do
acompanhamento.................................................................................................................. 180
Exemplo musical 38. Murmúrios d´alma, valsa. Introdução. Melodia polifônica da
flauta...................................................................................................................................... 181
Exemplo musical 39. Murmúrios d´alma, valsa. Contracanto da flauta na parte B.............. 182
Exemplo musical 40. Murmúrios, choro. Melodia da flauta como choro (pauta superior) e
valsa (pauta inferior). ............................................................................................................ 184
Exemplo musical 41. Dança da moda. Parte A. Contracantos da flauta............................... 185
Exemplo musical 42. Dança da moda. Refrão. Contracantos da flauta................................ 185
Exemplo musical 43. Abana baiana, Introdução (linha inferior) e variação final (linha
superior)................................................................................................................................. 187
Exemplo musical 44. Abana baiana, Parte A. Contracantos da flauta.................................. 187
Exemplo musical 45. Isso não se atura, samba. Introdução e Parte A. Contracanto de
Benedito Lacerda................................................................................................................... 189
Exemplo musical 46. O Urubu e o gavião, início. Versão de Pixinguinha........................... 192
Exemplo musical 47. Variações sobre o urubu e o gavião, início. Versão de Benedito
Lacerda, com Pixinguinha ao sax tenor................................................................................. 192
Exemplo musical 48. Urubu malandro, tema. Versão de Dante Santoro, com Vivi na
clarineta.................................................................................................................................. 194
Exemplo musical 49. Não tenho queixa. Parte A. Contracanto da flauta.............................. 195
Exemplo musical 50. Não tenho queixa. Introdução. Saltos em oitava e frulato.................. 195
Exemplo musical 51. Desafio para flauta e pandeiro. Demonstração de virtuosidade utiliza
recursos inspirados na obra O urubu e o gavião, gravada por Pixinguinha em 1930............ 196
Exemplo musical 52. Fantaisie Variée Carnaval de Venise op. 14, de Paul-Agricole
Génin...................................................................................................................................... 196
Exemplo musical 53. Terceira parte do choro Só na minha flauta, de Dante Santoro.......... 203
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 – A OBRA DE DANTE SANTORO E SEU CONTEXTO..............................19
1.1 Taxonomias e diálogos: a música popular urbana no Brasil...................................... 20
1.2 O choro: interação entre o “popular” e o “erudito”................................................... 26
1.3 O choro: improviso e “bossa”.................................................................................... 36
1.4 O choro entre 1930 e 1960: inserção no mercado radiofônico e discográfico
.................................................................................................................................... 46
CAPÍTULO 2 – A TRAJETÓRIA DE DANTE SANTORO NO CHORO............................ 54
2.1 Os primeiros anos de Dante Santoro em Porto Alegre (1904-c.1933)....................... 55
2.2 A cena musical de Porto Alegre no início do século XX e a participação de Dante
Santoro....................................................................................................................... 58
2.3 Octávio Dutra na cena musical porto-alegrense: a parceria com Dante Santoro........ 69
2.4 Dante Santoro no Rio de Janeiro (c.1933-1969): o meio radiofônico........................ 78
2.4.1 A Rádio Nacional........................................................................................... 85
2.4.2 O Regional de Dante Santoro no contexto do Rádio..................................... 92
2.5 O flautista e seu legado............................................................................................. 111
2.6 Memórias.................................................................................................................. 120
2.7 Reconstrução biográfica e interpretação .................................................................. 125
CAPÍTULO 3 – GUIA PARA A OBRA DE DANTE SANTORO...................................... 129
3.1 Partituras editadas e Manuscritos.............................................................................. 131
3.2 Discografia................................................................................................................ 147
3.3 Gravações da Rádio Nacional................................................................................... 154
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DA OBRA DE DANTE SANTORO........................................ 158
4.1 O choro, a flauta e o idiomatismo na obra de Dante Santoro................................... 158
4.2 As gravações de Dante Santoro................................................................................ 163
4.2.1 Composições próprias.................................................................................. 163
Harmonia Selvagem (Victor, 1938)............................................................. 164
Flauta Selvagem (Odeon, 1950)................................................................... 171
Gilka (Victor, 1935)..................................................................................... 173
É logo ali (Victor, s.d.)................................................................................. 176
Maria Rosa (Odeon, 1946)........................................................................... 178
Murmúrios d´Alma (Victor, 1937) e Murmúrios (Sinter, 1955).................. 181
4.2.2 Gravações de programas da Rádio Nacional................................................ 184
A Dança da Moda (Acervo MIS, c.1950).................................................... 185
Abana Baiana (Acervo MIS, c.1941)........................................................... 186
Não tenho queixa (Acervo MIS, c.1939)..................................................... 194
Desafio para flauta e pandeiro (Acervo MIS, 1939).................................... 195
4.3 A flauta de Dante Santoro......................................................................................... 197
4.4 Resultados da análise................................................................................................ 205
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 210
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 217
12
INTRODUÇÃO
O mercado fonográfico e radiofônico, gradualmente desenvolvido no Brasil nas três
primeiras décadas do século XX, alcança grande êxito ao longo das décadas de 1930, 1940 e
1950. A principal aposta desse setor de entretenimento no campo musical foi a música
popular urbana: gêneros brasileiros (o choro, o samba, a canção, a valsa, o baião) e
estrangeiros (o bolero, o tango, o foxtrot, o jazz) eram interpretados por cantores do rádio e
grupos de variadas formações instrumentais, como os “conjuntos regionais”, as orquestras e
as jazz-bands.
As emissoras de rádio foram grandes promotores de música instrumental e vocal na
primeira metade do século XX e representaram um mercado de trabalho estável para os
músicos. Estes eram contratados para atuar como músicos de orquestra, como maestros
arranjadores, ou ainda como participantes de um grupo mais reduzido, o chamado “conjunto
regional”. Tradicionalmente, o regional das rádios era formado por dois violões, cavaquinho,
flauta e pandeiro, sendo a flauta o instrumento solista e o flautista, o líder do grupo. Outros
instrumentos também podiam ocupar a posição de solistas, por exemplo, o bandolim e a
clarineta.
Os regionais eram o grupo musical de atuação mais eclética: preenchiam a
programação, acompanhavam cantores, calouros e ainda se apresentavam em solo, tocando
um variado repertório de choros, sambas, valsas e canções. Esses conjuntos foram muito
populares especialmente nas décadas de 1930 e 1940, época em que seus músicos alcançaram
projeção, graças à popularidade das transmissões radiofônicas. O sucesso desses grupos
naturalmente alcançava a indústria fonográfica, que promovia o contínuo lançamento de
discos desses artistas, estendendo-se ainda para o mercado editorial, por meio da publicação
de partituras com os grandes sucessos radiofônicos.
Entre os flautistas, destacaram-se nas
rádios do Rio de Janeiro especialmente nas décadas de 1930 e 1940, Benedito Lacerda (19031958) e Dante Santoro (1904-1969) e, posteriormente, Altamiro Carrilho (1924-2012), na
década de 1950.
Dante Santoro (1904-1969) liderou o Regional de Dante Santoro na Rádio Nacional
de 1936 a 1969, atuando também na orquestra da emissora. O “canário rio-grandense”, como
13
era conhecido em sua terra natal, Porto Alegre, migrou para o Rio de Janeiro no início da
década de 1930, adquirindo nova alcunha entre seus pares: o “bico de ouro”. Como intérprete,
é reconhecido por seu estilo pessoal, marcado por uma sonoridade potente e uma técnica
refinada; entretanto, atualmente é um personagem pouco recordado no cenário musical ou
acadêmico, apesar de sua expressiva obra.
Benedito Lacerda (1903-1958) foi o líder do Regional de Benedito Lacerda na Rádio
Tupi, considerado por muitos o melhor grupo da época, por seu pioneirismo, criatividade e
pela qualidade dos arranjos e dos músicos. Ao lado de Pixinguinha1 (sax tenor), Canhoto2
(cavaquinho), Dino3 e Meira4 (violões), Lacerda participou da incorporação do samba ao
repertório do conjunto regional nos anos 40. A ousadia dos improvisos e a criatividade dos
músicos fizeram do grupo uma referência e do duo Pixinguinha-Benedito Lacerda, a maior
dupla de solistas da história do choro.
Altamiro Carrilho (1924-2012) foi um dos últimos flautistas lançados pelo rádio, já
na década de 1950, atuando no famoso Regional do Canhoto, na Rádio Mayrink Veiga, no
lugar antes ocupado por Benedito Lacerda. Natural de Santo Antônio de Pádua, estado do Rio
de Janeiro, Altamiro iniciou sua carreira como calouro em programas de rádio na década de
1940, ocasião em que teve contato com Benedito Lacerda e Dante Santoro, influências que
Carrilho sempre destacava. Reconhecido por seu estilo habilidoso, fez escola na interpretação
do choro, tornando-se uma referência para os flautistas da geração atual.
Entre esses flautistas, a figura obscurecida de Dante Santoro causa interesse. Apesar
de ter ocupado posição de destaque no rádio e no mercado fonográfico nas décadas de 1930,
1940 e 1950, sua obra não perdurou como a de seus contemporâneos. A obra de Pixinguinha,
por exemplo, consagrou-se de forma definitiva desde os lançamentos fonográficos e editoriais
1
Como se sabe, Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha (1897-1973), foi exímio flautista. Porém, no
contexto do rádio, atuou basicamente como saxofonista e arranjador, pois já havia deixado de tocar flauta, razão
pela qual não é mencionado entre os flautistas do rádio. Entretanto, sua importância para a prática interpretativa
da flauta no choro é fundamental e será abordada neste trabalho.
2
Waldiro Frederico Tramontano (1908-1987), o Canhoto, tocava cavaquinho no Regional de Benedito Lacerda e
assumiu a liderança do grupo no início da década de 1950, com a saída do flautista. O grupo, que passou a se
chamar Regional do Canhoto, atuou na Rádio Mayrink Veiga até o início da década de 1960 e foi reconhecido
como o melhor regional da era do rádio.
3
Horondino José da Silva (1918-2006), o Dino Sete Cordas, foi violonista convidado a integrar o regional de
Benedito Lacerda em 1937 e, posteriormente, o Regional do Canhoto, na década de 1950. Desenvolveu e
dinamizou o uso do violão de sete cordas no choro, por meio dos “bordões” nas linhas do baixo. Atuou, ainda,
no Conjunto Época de Ouro, na década de 1960, e em diversas produções da indústria fonográfica, até a década
de 1990.
4
Jaime Tomás Florence (1909-1982), o Meira, violonista e compositor pernambucano, chegou ao Rio de Janeiro
em 1928, acompanhando o bandolinista Luperce Miranda. No Regional de Benedito Lacerda, iniciou, a partir de
1937, a dupla com Dino Sete Cordas, que perdurou por mais de vinte anos no Regional do Canhoto, tornando-se
conhecida como a melhor dupla de violões do rádio carioca.
14
comemorativos de seu centenário na década de 1990, especialmente as gravações originais
digitalizadas, lançadas em 2002. Benedito Lacerda, que já havia assegurado seu lugar de
destaque com as conhecidas gravações da dupla Pixinguinha-Lacerda da década de 1940, teve
novas facetas de sua obra descobertas na atualidade pela trilogia de CDs lançada em 2006.5
A obra de Dante Santoro, por sua vez, permanece pouco conhecida até mesmo entre
os insiders do choro. Suas músicas não são muito tocadas no repertório corrente das rodas de
choro, embora sejam muito apreciadas uma vez conhecidas, o que se dá geralmente por meio
de gravações, pois são raras as partituras editadas e os fonogramas de sua autoria disponíveis
no mercado. Sua produção é estimada em cerca de cem obras (entre choros, valsas, sambas,
polcas, boleros etc.), gravadas por ele mesmo como flautista, acompanhado de seu conjunto,
em 57 discos (56 em formato 78 rpm e 01 LP), pelos selos Victor, Continental, Odeon, Sinter
e Star, nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Destacados intérpretes da época também gravaram
suas composições, entre eles K-Ximbinho, a Orquestra Victor Brasileira, Dircinha e Linda
Batista, Albertinho Fortuna, Nuno Roland, Gilberto Alves, Francisco Alves, Orlando Silva e
Manoel Reis. Segundo Marcondes (2000), seus maiores sucessos de público - as valsas
Lágrimas de Rosa (1937), Olhos magos (1943) e Vidas mal traçadas (sucesso de radionovela
da época) foram gravados na voz de estrelas do rádio, como Orlando Silva e Francisco Alves.
Apesar desse aparente esquecimento, parte de sua obra de fato desperta o interesse
dos flautistas atuais, o que se observa pelo número de regravações de alguns de seus choros.
De acordo com o acervo da pesquisadora Maria Luiza Kfouri, publicado no site “Discos do
Brasil: uma discografia brasileira”, o choro Harmonia selvagem (1938) foi gravado
posteriormente por Altamiro Carrilho em LP e CD (p. 1999 e 2008, respectivamente) e por
Dirceu Leite (1994), assim como as obras Teu feitiço, por Marta Ozzetti (1996); Jockey de
elefante, por Carlos Poyares (1997); É logo ali, por Flávia Tnardowski (2000)6.
Em LP, foram encontrados, ainda, relançamentos de gravações do próprio Dante
Santoro do choro Posso Sofrer e da valsa Vidas mal traçadas, na coletânea No tempo dos
bons tempos, vol. 9 (1972); Quando a minha flauta chora, no disco Nova História da Música
5
HIME, Joana (Prod.). Memórias musicais-Pixinguinha. CDS 4, 9 e 14. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, p. 2002. 9
CDs.
FLORES, Paulo (Coord.) Benê, o flautista – Trilogia musical da obra do polêmico (e genial) Benedito Lacerda.
São Paulo: Maritaca Produções Artísticas, p. 2006. 3 CDs.
6
As gravações de Altamiro Carrilho e Dirceu Leite são as mais conhecidas entre os músicos de choro. Poucos
tiveram a oportunidade de ouvir as gravações do próprio Dante Santoro. Foram feitas referências aos
lançamentos discográficos, porém diversas interpretações de obras de Dante Santoro estão disponíveis, na
internet, pelo serviço youtube. Entre os intérpretes, Sérgio Morais, Choro das Três, Antônio Rocha, Alessandro
Penezzi, além de gravações digitalizadas do próprio Dante Santoro.
15
Popular Brasileira – Abel Ferreira e o choro (1977) e a série de gravações contidas no Tributo
a Dante Santoro, interpretadas por Altamiro Carrilho, contendo as seguintes músicas: Vidas
mal traçadas, Harmonia Selvagem, Quando a minha flauta chora, Inferno de Dante, Gilka e
Jóquei de elefante (1977).
Em formato digital, foi lançado, em 1998, um CD triplo intitulado A flauta mágica
de Dante Santoro, pelo Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto
Alegre (Fumproarte). O lançamento - iniciativa do sobrinho Homero Santoro, produtor do
álbum - contém as gravações originais de Dante Santoro e seu conjunto, além de
interpretações de cantores do rádio e uma gravação inédita do Chorinho gostoso, para flauta,
violino, violoncelo e contrabaixo (segundo o manuscrito atribuído ao compositor). Trata-se de
uma iniciativa similar à trilogia de Benedito Lacerda, porém lançada no Rio Grande do Sul e
pouco divulgada em outras regiões do Brasil.
O que faz de Dante Santoro uma figura de certa forma obscurecida no cenário
musical nos dias de hoje? Quem foi esse artista? Que relações teve com seus
contemporâneos? E o que sua obra agrega ao repertório da música popular urbana brasileira?
São essas questões que motivam o presente trabalho e, para promover a discussão, serão
utilizados dados biográficos do quantitativo da obra e de análise musical, contextualizados a
partir de referencial teórico sobre a música popular urbana e, mais especificamente, o choro.
Do ponto de vista biográfico, a trajetória de Dante Santoro é surpreendente. Vindo de
Porto Alegre em fins da década de 1920, em um tempo em que o mercado fonográfico e
radiofônico começava a estabilizar-se, conquistou espaço entre os chorões cariocas e alcançou
o posto de líder do regional da emissora de maior audiência nas décadas de 1930 e 1940, a
Rádio Nacional. Além desse feito, almejado por muitos chorões alheios ao meio carioca,
lançou-se no mercado fonográfico e editorial do Rio de Janeiro como intérprete e compositor,
gravando e publicando suas próprias músicas. Esse fato, longe de ser lugar comum entre os
chorões da época, demonstra seu destaque como solista e o apreço de seus contemporâneos
por sua obra.
A condição de migrante no ambiente do choro carioca é mais do que um dado
biográfico. Dante Santoro tocava diferente dos flautistas de choro cariocas, pois tinha outras
referências musicais. Alguns aspectos interpretativos chamam a atenção em sua maneira de
tocar: por exemplo, a sonoridade incisiva, de timbre escuro, com especial potência no registro
grave. Também no que se refere aos improvisos, há diferenças no modo de elaborar as
melodias dos contracantos, o que gerou, inclusive, certa controvérsia com a crítica radiofônica
16
da época. Busca-se contextualizar essas críticas e investigar que características interpretativas
se destacam em sua maneira de interpretar o choro e de elaborar os contracantos.
Como compositor, sua obra apresenta aspectos interessantes. Observa-se o uso de
efeitos sonoros (por exemplo, oscilação de altura por meio de trilos de terça no choro
Harmonia selvagem e glissandos contínuos no choro Minuano triste); passagens virtuosísticas
ao modo de cadências de concerto ou introduções cadenciais (como no choro Harmonia
selvagem e na maior parte de suas valsas); escrita polifônica e melodia acompanhada na parte
da flauta (também identificadas no choro Harmonia selvagem).
A análise da obra de Dante Santoro remete, inevitavelmente, a uma reflexão sobre as
categorias erudito e popular na música brasileira. Partindo da necessidade de relativizar esses
conceitos, far-se-á um breve estudo sobre a circularidade cultural no âmbito do choro,
identificando esse fenômeno nas origens do gênero, em suas formas de aprendizagem, suas
exigências interpretativas e sua transmissão. O Capítulo 1 apresentará, ainda, reflexões sobre
outros conceitos que permeiam a obra de Dante Santoro: a música popular urbana e sua
inserção nos mercados radiofônico e fonográfico; a improvisação e sua relação com a
linguagem do choro. Essa discussão destina-se a compreender o contexto da obra de Dante
Santoro.
As origens e a formação musical de Dante Santoro – aspectos que serão abordados
no Capítulo 2 - dizem muito sobre sua música. Filho de imigrantes italianos, cresceu em uma
família que apreciava música, familiarizado com a tradição musical europeia. Gostava de
música erudita, especialmente aquela do período romântico, e tocava obras do repertório de
concerto para flauta. Começou sua carreira tocando em orquestra e, paralelamente, inseriu-se
no “universo do choro”, aparentemente, por meio da amizade e parceria com Octávio Dutra
(1884-1937).
Octávio Dutra foi um conhecido chorão de Porto Alegre, figura muito importante no
meio musical porto-alegrense no início do século XX. Com ele, Dante Santoro se
profissionalizou, aprendendo a ser um músico eclético, capaz de atuar em diferentes meios:
em serenatas de rua, nos saraus familiares, no carnaval, nas orquestras de baile, nas orquestras
sinfônicas, no teatro de revista, no Rádio e nos discos. Dante Santoro vivenciou, na parceria
com Dutra, o processo de profissionalização do músico popular e sua inserção no mercado
fonográfico e radiofônico. Esse fato marca sua produção de forma decisiva, pois toda a sua
obra se insere e se destina a esse mercado.
17
Busca-se narrar a trajetória de Dante Santoro a partir dos fatos conhecidos, conforme
artigo de Arthur de Faria (2011), lançando mão da contextualização histórica para enriquecer
essa narrativa. Suas referências musicais e as atividades nas quais se desenvolveu como
músico serão objeto de estudo, além dos depoimentos de músicos que testemunharam sua
atuação. Uma parcela da biografia também contemplará traços pessoais, esboçados na
entrevista do sobrinho Homero Santoro, cujas lembranças ajudaram a compor uma
perspectiva humana do artista.
Tendo em vista a precária divulgação da obra de Dante Santoro, é necessário buscar
fontes por meio das quais sua produção possa ser conhecida. No Capítulo 3, procura-se listar a
sua obra, quantificando suas gravações, partituras editadas e manuscritos, com indicação dos
acervos que poderão ser consultados pelos interessados. Várias gravações de Dante Santoro e
seu conjunto estão disponíveis para audição na página eletrônica do Instituto Moreira Salles o canal mais acessível para o público. Outras tantas podem ser consultadas nos acervos do
Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro; na Divisão de Música da Biblioteca Nacional
e no Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, em Porto Alegre. O Arquivo Nacional
também dispõe de alguns discos que, entretanto, estão inacessíveis, em fase de tratamento.
Foram coletadas, ainda, por esta pesquisadora, gravações de programas de auditório
e de estúdio da Rádio Nacional, encontradas no Acervo do Museu da Imagem e do Som do
Rio de Janeiro. Essas gravações, sem distribuição comercial, mostram a atuação de Dante
Santoro como improvisador e permitem um olhar sobre a natureza de sua atuação musical na
Rádio Nacional, constituindo um importante registro histórico. Todas as gravações analisadas
neste trabalho serão anexadas à tese e estarão disponíveis para consulta dos interessados.
A listagem da obra envolveu a coleta de dados em oito acervos, no período entre
janeiro de 2011 e outubro de 2012. Buscou-se abarcar o maior número possível de gravações,
para que os dados ora apresentados sejam objetivos e próximos à totalidade de sua obra. A
busca incluiu, além das gravações lançadas comercialmente pelas gravadoras Victor, Odeon,
Continental, Sinter e Star, as partituras editadas e os manuscritos encontrados no acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ. Para organizar o material
coletado, buscou-se orientação no trabalho de André Henrique Guerra Cotta (2000), visando
atender aos princípios básicos de tratamento da informação.
O Capítulo 4 é dedicado à análise de algumas gravações de Dante Santoro. Ao
comentar aspectos de sua interpretação, pretende-se definir que características sobressaem em
sua maneira de tocar e de improvisar, o seu possível diferencial em relação a outros flautistas
18
da época. Para tanto, a análise será enriquecida por meio do estudo comparado com exemplos
musicais retirados da obra de flautistas que lhe foram contemporâneos, especialmente
Pixinguinha e Benedito Lacerda.
As conclusões da pesquisa encontram-se nas Considerações finais, seguidas das
referências bibliográficas que embasaram este trabalho. No DVD anexo, podem ser
consultadas as gravações utilizadas para a análise do Capítulo 4, bem como as partituras,
gravações, artigos da imprensa, documentos e entrevistas que ilustram esta tese.
19
CAPÍTULO 1
A OBRA DE DANTE SANTORO E SEU CONTEXTO
A obra de Dante Santoro pertence ao campo da música popular urbana criada,
produzida e divulgada, entre as décadas de 1930 e 1950, através do principal meio de
comunicação de massa do Brasil: o Rádio. Inserida no mercado radiofônico, discográfico e de
entretenimento, sua música participa, portanto, de um circuito comercial e profissional. É
composta dentro do repertório de gêneros musicais divulgados pelo rádio (choros, valsas,
canções, danças típicas, boleros, sambas, marchas, maxixes, etc.), com instrumentação de
flauta, cavaquinho, dois violões e pandeiro, ou seja, a formação típica do grupo regional. A
linguagem musical de Dante Santoro, portanto, é referenciada pelo Rádio em termos de
gêneros e instrumentação, o que levanta, neste capítulo, um necessário estudo sobre o choro e
sua inserção no mercado radiofônico e discográfico.
Fundamental, ainda, para a música de Dante Santoro é a interação de elementos
eruditos e populares, que caracteriza fortemente suas composições e interpretações. Serão
abordadas, neste capítulo, as classificações música erudita, música popular e música
folclórica, categorias questionáveis especialmente no contexto da música popular urbana
brasileira, que se caracteriza pela constante interação dessas práticas musicais. Verificar-se-á
que a obra de Dante Santoro, fortemente caracterizada por essa interação, encontra
correspondência na produção de outros compositores de choro.
Igualmente importante é a questão da improvisação. A prática da improvisação no
contexto do choro, usualmente relacionada à elaboração de contracantos e conduções
melódico-harmônicas do baixo, passou por transformações ao longo do século XX, sendo
cada vez mais valorizada a partir da década de 1950. Certos clichês dominam os discursos dos
chorões sobre esse tema, como a suposta oposição entre o “chorão de estante” (aquele que
tem boa leitura musical) e o “chorão autêntico” (aquele que é bom improvisador). Propõe-se
estudar, neste capítulo, o papel da improvisação no choro, especialmente na prática do
conjunto regional do Rádio. Assim, como ocorre a improvisação no choro, o que vem a ser
bossa e de que modo esses dois elementos se complementam são os pontos a serem
aprofundados nesta parte do trabalho.
20
1.1. Taxonomias e diálogos: a música popular urbana no Brasil
Cada cultura tem a sua maneira de classificar a música, uma taxonomia que pode ter
inúmeros grupos. De acordo com o etnomusicólogo Bruno Nettl (1983), no mundo ocidental,
costuma-se utilizar as classificações música folclórica, música popular e música erudita. O
termo música erudita (também chamada música de concerto) refere-se à música associada a
compositores específicos, identificada com a tradição europeia e o período de sua criação
(música barroca, clássica, romântica, contemporânea, etc.). Já as categorias música folclórica
e música popular por vezes se confundem. Costuma-se relacionar o termo música folclórica
com a música autóctone, muitas vezes de origem rural, e de autoria anônima. A música
popular, por sua vez, seria aquela representativa das classes populares, geralmente de origem
urbana, de autoria identificada.
Essas categorias têm sido questionadas pela musicologia desde a segunda metade do
século XX, já que se permeiam mutuamente na dinâmica das relações sociais. Ocorre um
fenômeno de interpenetração e ressignificação entre formas de expressão populares e de elite.
De forma mais ampla, pode-se dizer que no contexto social, existe uma pluralidade de vozes,
de diferentes gerações, classes, gêneros e locais, dialogando dinamicamente.
O historiador Carlo Ginzburg (1976), ao estudar os fundamentos da cultura popular
na Idade Média em O Queijo e os Vermes, criou uma categoria de análise aplicável a
determinados processos de reapropriação e trocas entre diferentes classes sociais, a que
denominou circularidade cultural: “entre a cultura das classes dominantes e a das classes
subalternas existiu, na Europa pré-industrial, um relacionamento circular feito de influências
recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo” (GINZBURG,
1976, p. 10)
O autor observa que a questão da dualidade entre a cultura das classes subalternas e
das classes dominantes surge de uma concepção aristocrática de cultura, vigente até meados
do século XX, de que as “ideias, crenças, visões de mundo das classes subalternas” nada mais
seriam que um “acúmulo inorgânico de fragmentos de ideias, crenças e visões de mundo
elaboradas pelas classes dominantes”, deformadas ou deterioradas no processo de transmissão
às classes subalternas (GINZBURG, op. cit, p. 12). Entretanto, o estudo mais recente desses
textos revela que, se por um lado havia dicotomia entre as culturas das classes dominantes e
subalternas na Idade Média, por outro haveria também intertextualidade, ou seja, influxo
recíproco entre tais classes.
21
Baseados nesses preceitos, estudiosos questionam a existência de categorias como
cultura popular e cultura erudita, afirmando que o que existe de fato é a dinâmica interativa
entre as duas, um constante processo de elaboração e recriação (Veloso apud Braga, 2002, p.
399). Haveria, portanto, um processo contínuo de circularidade cultural.
Na música brasileira, as classificações erudito, folclórico e popular começam a ser
discutidas, por músicos e intelectuais, por volta de 1920. Os intelectuais vinculados ao
movimento nacionalista modernista propunham o fortalecimento da “música erudita
brasileira”, a partir do aproveitamento dos elementos “folclóricos”. Luiz Otávio Braga (2002)
comenta a postura dos intelectuais modernistas:
Avidamente determinados a discutir e determinar pela via de um projeto ideológico,
a música “artística” (erudita) brasileira, são obrigados a elaborar um ideário do que
consideram nacional e/ou popular e suas possibilidades de oferecer o material
fundamental a partir do qual seria erigida, enfim, a grande música do Brasil, de
modo a ombrear-se com a grande tradição musical europeia. (BRAGA, 2002, p.
141-142).
O popular, para os modernistas, era o folclórico, entendido como manifestação
autóctone de origem rural. A música popular urbana era considerada manifestação de
reduzido valor cultural para a intelectualidade da época, como afirma Vinci de Moraes (2000),
citando um dos principais representantes da corrente nacionalista, Mário de Andrade:
Apesar de Mário de Andrade considerar que os estudos de certas manifestações da
música urbana, como o choro e a modinha, não deviam ser desprezados, ao mesmo
tempo ele afirmava que o investigador deveria “discernir no folclore urbano o que é
virtualmente urbano, o que é tradicionalmente nacional, o que essencialmente
autóctone”. Nitidamente ele procurava diferenciar a “boa” música, ou seja, aquela
que tem “história, elevada e disciplinada, tonificada pelo bom uso do folclore (...) e
as manifestações indisciplinadas, inclassificáveis, insubmissas à ordem e à história,
que se revelam ser as canções urbanas. Arnaldo Contier também identifica essa
mesma postura ao afirmar que “ os modernistas brasileiros temiam os ruídos e os
sons oriundos da cidade que sobe (São Paulo, por exemplo). (MORAES, 2000, p.
207).
Com a crescente divulgação da música popular urbana pelas rádios a partir da década
de 1930, o discurso modernista entra em um diálogo com vozes defensoras dessa música
popular cada vez mais vinculada aos gêneros populares urbanos surgidos desde fins do século
XIX7. José Miguel Wisnik (2004) narra o conflito nacionalista da seguinte forma:
7
Para uma discussão aprofundada dos embates surgidos no início da década de 1930 em relação à invenção do
nacional a partir de elementos eruditos/populares, conferir Braga, 2002, p. 142-147.
22
Sintomática e sistematicamente, o discurso nacionalista do Modernismo musical
bateu nessa tecla: re/negar a cultura popular emergente, a dos negros da cidade, por
exemplo, e todo um gestuário que projetava as contradições sociais no espaço
urbano, em nome da estilização das fontes da cultura popular rural, idealizada como
a detentora pura da fisionomia oculta da nação. (...) O problema é que o
nacionalismo musical modernista toma a autenticidade dessas manifestações como
base de sua representação em detrimento das movimentações da vida popular
urbana porque não pode suportar a incorporação desta última, que desorganizaria a
visão centralizada homogênea e paternalista da cultura nacional. (...) O popular pode
ser admitido na esfera da arte quando, olhado à distancia pela lente da estetização,
passa a caber dentro do estojo museológico das suítes nacionalistas, mas não
quando, rebelde à classificação imediata pelo seu próprio movimento ascendente e
pela sua vizinhança invasiva, ameaça entrar por todas as brechas da vida cultural,
pondo em xeque a própria concepção de arte do intelectual erudito. (WISNIK, 2004,
p. 133, grifo do original)
Os debates acentuam-se quando surgem as publicações dos primeiros “historiadores”
da música popular urbana, na década de 1930: escritores ligados a atividades jornalísticas
(como Francisco Guimarães, apelidado Vagalume, e Orestes Barbosa) e músicos populares
(como Alexandre Gonçalves Pinto)8, que fizeram um trabalho de “construção de memória e
institucionalização dessas práticas musicais” (ARAGÃO, 2012, p. 14).
Entretanto, a dissolução das fronteiras entre popular, folclórico e erudito na música
brasileira é notória. Os gêneros da música popular urbana brasileira nascem como sínteses de
elementos “folclóricos” e/ou “populares”, relacionados aos grupos sociais envolvidos. De
acordo com Carlos Sandroni (2001), as danças de “par separado” ou “danças de umbigada”
são consideradas no Brasil como pertencentes ao domínio do folclore. Já as danças de “par
enlaçado” ou “baile”, por sua vez, são frequentemente reconhecidas como populares.
As danças de par enlaçado apareceram no Brasil nos anos de 1840, com a valsa e a
polca. Como novidades modernas, foram adotadas entusiasticamente pelas famílias
mais ricas das principais cidades do litoral, mas custaram muito a ser aceitas no
interior, nas cidades pequenas e pelo povo em geral. (...) Por outro lado, as danças
de par separado, designadas ora como batuque, lundu, ou samba, eram
caracterizadas pela umbigada - “gesto pelo qual um dançarino designa aquele que irá
substituí-lo” (SANDRONI, 2001, p. 64, 65 e 85).
As sínteses desses elementos deram origem a gêneros musicais como o maxixe e o
samba. O maxixe era uma dança de par enlaçado, moderna, urbana e internacional que chegou
à Europa junto com o tango argentino. No Brasil, surgiu nos bailes da Cidade Nova em fins
do século XIX, como uma adaptação da maneira de se dançar a polca (dança de par enlaçado),
8
Francisco Guimarães escreveu Na roda de samba e Orestes Barbosa, Samba, ambos lançados em 1933.
Alexandre Gonçalves Pinto é autor de O Choro – reminiscências dos chorões antigos, publicado em 1936.
23
que ganhou traços de lundu (dança de par separado). O maxixe, ao longo daquele século, cai
no gosto de compositores e instrumentistas e começa a ser publicado pelas primeiras editoras
de música, às vezes com o nome de tango brasileiro ou polca-lundu.
Há nos folhetins de Franca Junior, que começaram a ser publicados na imprensa em
1876, um excelente testemunho da maneira como a polca foi adotada pelas camadas
populares do Rio de Janeiro. Lá se vê que tal adoção tinha a virtude de ser, ao
mesmo tempo, uma transformação (...). Tal “Transubstanciação” é um exemplo do
que Oswald de Andrade, por sua vez, chamou de “antropofagia” – os cariocas
“digeriram” a polca, incorporando o que nela lhes agradava e ao mesmo tempo
fazendo dela algo intrinsecamente seu. (p. 68-69). Assim, a polca dançada pelo povo
do Rio de Janeiro se transformaria em algo de original (e finalmente numa nova
dança, o maxixe) através da incorporação de um movimento típico do lundu. A
melhor expressão disso é o surgimento da designação de gênero “polca-lundu” em
partituras para piano editadas a partir de 1865 (SANDRONI, 2001, p. 69, grifo do
original).
O samba, por sua vez, surge primeiramente como dança de par separado, de origem
rural, um correlato do batuque – termo usado genericamente até o século XIX como sinônimo
de dança de negros. Já no início do século XX, o samba da Cidade Nova ganha características
de maxixe, portanto de dança urbana de par enlaçado, passando, então, por novas
modificações que o levariam a seus contornos atuais, o chamado samba de Estácio9.
Conforme refere Sandroni (2001), há nessa trajetória uma circulação entre o folclórico e o
popular.
As danças de umbigada são consideradas no Brasil como pertencentes ao domínio
do folclore, enquanto o maxixe (urbano, dançado ao som de música impressa, de
autor conhecido) se classifica como popular. Ramos e Alvarenga expressam aqui o
deslizar quase imperceptível de uma área para outra: o samba que substitui batuque
como termo genérico é inequivocamente o samba folclórico: o samba-de-umbigada,
como dirá Carneiro para diferenciá-lo. Mas o samba que substitui o maxixe é o
samba popular, caracteristicamente urbano e de “par enlaçado”. Finalmente,
“samba” substitui também “tango” como denominação de canção popular. (...)
Vemos assim que a crescente importância do termo “samba” se faz em duas
vertentes concomitantes, folclórica e popular: na primeira substitui batuque, na
segunda, maxixe e tango. (SANDRONI, 2001, p. 96-97).
O cronista Francisco Guimarães, o Vagalume, em seu livro Na Roda do Samba (1933)
também menciona essa circulação do folclórico ao popular em três etapas, ao afirmar que
9
Sandroni (2001) utiliza os termos “Samba da Cidade Nova” e “Samba de Estácio” para relacionar,
respectivamente, o samba antigo (aproximado do maxixe) e o samba novo (no padrão sincopado do tamborim,
semelhante ao atual). Alguns autores preferem atribuir essas modificações rítmicas à participação de um número
crescente de instrumentos de percussão nas gravações de samba a partir do final da década de 30, o que foi
possível graças aos avanços tecnológicos nas gravações elétricas (cf. BRAGA, 2002, p. 118). Adotar-se-á, neste
trabalho, a terminologia de Sandroni (2001), que bem define a questão da contrametricidade: os ritmos
contramétricos correspondem à acentuação em pontos não tônicos da métrica do compasso (síncope), como
descrito no próximo tópico deste capítulo, página 42.
24
existiram três sambas: o samba raiado, de som e sotaque sertanejos; o samba corrido, já
melhorado e mais harmonioso e “com a pronúncia da gente da capital baiana” e o samba
chulado, que é o samba rimado, civilizado, desenvolvido (o samba urbano).
Braga (2002) assinala, ademais, o componente “ritual” vinculado ao samba em suas
origens. Na visão do autor, no processo de transformação, o samba afasta-se de suas
características rituais ao se transformar no samba urbano e entrar no “discurso geral sobre a
simbologia nacional”:
(...) samba e macumba, pelo menos até a última metade dos [anos] 30, são quase que
indistinguíveis com tendência, no entanto, à separação de seus rituais na medida em
que se caminha para os anos 40. A promessa se não de ascensão, mas de visibilidade
social, impele o compositor popular, de modo geral, na direção de um campo
artístico concomitantemente inventado/construído, que coincide com a
implementação de uma indústria cultural com características frankfurtianas ainda
incipientes (BRAGA, 2002, p. 182).
Também o choro, embora ocasionalmente, participa do componente ritual ao
acompanhar os festejos religiosos, para os quais servia de música profana de
acompanhamento. Essa aproximação também poderia revelar-se na formação instrumental,
que tem como base os instrumentos de cordas dedilhadas, tanto nos grupos de folias de reis,
como nos grupos regionais (também a percussão e o sopro podem, eventualmente, compor
essa aproximação).
A atividade dos choros corria num ano demarcado por festas religiosas. Em outras
palavras, a agenda do choro era regida pela agenda das festas. (...) A festa do Divino
Espírito Santo [por exemplo, era] um espaço onde circulavam algo
“democraticamente” os formantes, a estrutura organizacional fulcral da música
urbana brasileira em suas dimensões plurais: de ritos, danças, cantos, estruturas
rítmicas e melódicas, os aportes estrangeiros. (BRAGA, 2002, p. 211, grifo do
original).
Aragão (2012), ao comentar a fala de Almirante no programa radiofônico O Pessoal da
Velha Guarda, de fins da década de 1940, também assinala o componente de mediação 10 na
origem do samba urbano, surgido a partir do encontro entre as práticas musicais da
comunidade afro-baiana da Cidade Nova e os primeiros compositores populares urbanos.
(...) Por um lado haveria uma “instância original” representada pelas práticas
musicais ligadas aos candomblés das casas das tias bahianas; por outro, a mediação
10
De acordo com Santuza Cambraia Naves (1998), a mediação refere-se à ação dos sujeitos que transitam e
atuam entre os múltiplos espaços culturais, como os universos “popular” e “erudito”. (NAVES apud Souza,
2010, p. 16). Para Marcos Napolitano (2005), num sentido amplo a música é o lugar das mediações e o músico, o
mediador cultural, que participa em diferentes espaços sociais em que a música se faz presente, atuando e
interagindo. (NAPOLITANO apud SOUZA, 2010, p. 15).
25
de compositores urbanos que teriam propagado o gênero musical para além das
quatro paredes das casas das bahianas, alterando, entretanto, sua forma original.
(ARAGÃO, 2012, p. 30).
Percebe-se, portanto, que rural, urbano, folclórico, popular, ritual e profano são
categorias que se confundem e dialogam continuamente na formação dos gêneros da música
popular urbana, o que também se aplica às categorias erudito e popular. Observa-se que os
gêneros populares urbanos sofrem adaptações logo que o piano chega ao Brasil, em fins do
Império, e as músicas começam a ser editadas para o instrumento. O repertório brasileiro
editado para piano no século XIX era basicamente composto por danças de salão (polcas,
maxixes e tangos brasileiros). O mercado editorial parece estimular uma adaptação na
produção musical em três esferas, como sugere Sandroni (2001): do ponto de vista da
instrumentação, passa do violão ao piano; do ponto de vista da autoria, passa do refrão
tradicional ou anônimo à música de autor e do ponto de vista da distribuição, passa do
registro oral ao registro escrito.
O meio mais direto de perceber essa adaptação é a nova instrumentação (piano).
Embora existisse vida musical de concerto no Brasil, com a atuação de músicos ligados à
Igreja, a apresentação de óperas e a vinda de concertistas estrangeiros ao país, o ambiente
musical não discriminava o repertório de salão (baseado na música popular urbana executada
ao piano ou em pequenos grupos orquestrais) do repertório de concerto (baseado na música
erudita internacional), até mesmo porque os músicos executantes eram os mesmos.
Exemplo da junção desses elementos é a música de Joaquim Antônio Callado (18481880) e de Ernesto Nazareth (1863-1934). Nazareth combina os distintos gêneros da música
popular urbana com um “pianismo” que é, ao mesmo tempo, refinado e inovador, pois evoca
“traços instrumentais do violão, da flauta, do cavaquinho e do oficleide” (Wisnik, 2007).
Como assinala Wisnik, no caso particular de Nazareth, elementos recém-vindos das camadas
populares se fundem a influências cultas, já que seu “pianismo” tem muita semelhança com o
do compositor polaco Frédéric Chopin (1810-1849).
Talvez a obra de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), embora parcialmente identificada
com o nacionalismo modernista, seja o exemplo pioneiro da fusão do elemento erudito com o
popular urbano (e não unicamente o folclórico, como queriam os modernistas), aspecto no
qual foi seguido por vários compositores no século XX. Wisnik (2004) faz uma análise
interessante desse aspecto ao afirmar o seguinte:
26
Fora da média, as questões do nacionalismo musical em Villa-Lobos são sempre
mais complicadas, porque se formou musicalmente no meio dos choros seresteiros e
sambistas do Rio de Janeiro no início do século, e a sua música, trabalhada pela sua
formação erudita em processo de atualização modernista, nasce tangenciando a
mesma fonte sócio-cultural de onde saiu a música popular urbana de mercado. (...)
Embora sempre propagasse a superioridade do folclore sobre a música popular,
Villa-Lobos deslanchou a sua fulminante trajetória a partir da convivência intima do
dado erudito da sua formação com o dado popular urbano, com o que projetou, pela
bricolage de diferentes técnicas e fontes, e noves-fora o seu talento genial, um
alcance violentamente mais amplo que o do nacionalismo ortodoxo. (WISNIK,
2004, p. 136, grifo do original).
Veremos na sequência deste trabalho que a música popular urbana brasileira é um
terreno de circularidade cultural e sua trajetória, desde as origens até sua ampla divulgação
pela indústria radiofônica e fonográfica, atesta esse constante diálogo. A seguir, o enfoque
será a circularidade no choro, gênero que desperta especial interesse nessa discussão.
1.2.
O choro: interação entre o “popular” e o “erudito”
Como já se assinalou no tópico anterior, na constituição do choro, ocorreram
apropriações de elementos da tradição clássico-romântica da música europeia, uma
confluência de práticas musicais vindas da Europa com práticas musicais aqui realizadas. A
esse respeito Braga (2002) assim se manifesta:
A música de Choro é exemplar de históricas apropriações operadas, seja na
manipulação emprestada da prática tonal do repertório clássico/romântico, seja no
uso que fazem das danças europeias que por aqui abundam a partir do segundo
quartel dos oitocentos. (BRAGA, 2002, p. 321) (...) Apropriação que é feita pelas
lides populares, de alguns modelos que são impostos a partir do gosto das elites
dominantes. Assim se deu no processo de assimilação da tradição clássicoromântica; das músicas de salão das quais a polca foi tão marcadamente adotada
numa simbiose inventiva que irá remeter diretamente ao Choro instrumental; tudo
inserido numa tradição de “gosto” da classe dominante, caracterizada por entender a
modernidade pela apreciação e imitação de tudo o que ocorria na Europa (BRAGA,
2002, p. 325)
Wisnik (2004) afirma que, na sua constituição, o choro é um gênero de síntese
instrumental, baseado na improvisação inteligente – termo criado por Villa-Lobos em
referência à prática de criar contracantos ao momento da execução, comum entre os solistas
do gênero.
Espaço de convergência da técnica musical da cidade, assentado na classe média
(seus músicos: funcionários de repartição, carteiros, oficiais, músicos formados em
escola e mais alguns trabalhadores manuais, malandros profissionais e um que outro
doutor desgarrado), produzindo um gestuário sonoro original rabiscado de traços
eruditos e populares, o choro funcionou para Villa-Lobos (o “Violão Clássico” era
seu apelido entre os músicos) como uma espécie de olho mágico através do qual ele
enxergou a música brasileira.(WISNIK, 2004, p. 162).
27
Moraes (2000) entende que a complexidade rítmica, os improvisos e sua original
formação instrumental tornam o choro uma espécie de “música popular de câmara, tocada em
boa parte por instrumentistas habilidosos”. O músico de choro das primeiras décadas do
século XX devia ter necessariamente um “profundo conhecimento das sonoridades,
capacidade e técnica de seu respectivo instrumento, fosse adquirido como autodidata, fosse
pela prática diária ou pelo estudo formal sistemático”. (MORAES, 2000, p. 250).
Como se sabe, a palavra choro designou, em princípio, um agrupamento instrumental
que surgiu por volta de 1870, com formação clássica de flauta, cavaquinho e violão, e seu
repertório inicial eram danças de proveniência europeia, sobretudo a polca, mas também a
schottisch, a valsa, entre outras. Sandroni (2001) assinala que a criação do choro acompanhou,
do ponto de vista musical, o processo de adoção pelas camadas populares de novas maneiras
de dançar, como descrito anteriormente. “Os conjuntos denominados choros estiveram entre
os principais artífices das mudanças rítmicas sofridas pela polca. (...) Mais tarde, a palavra
choro passará a designar as composições que eram tocadas por esses grupos”. (SANDRONI,
2001, p. 103). Nas palavras de Braga (2002), “o choro, em sua origem, é uma forma de
execução, que congrega uma variedade significativa de danças e suas correspondentes
musicais, corroborando o parecer de outros estudiosos como Mozart de Araújo, José Maria
Neves e J.R. Tinhorão”. (BRAGA, 2002, p. 199)
Os instrumentistas de choro tiveram importância destacada no desenvolvimento da
música popular urbana. Tocando nas ruas ou em ambientes fechados, os chorões animavam
serestas e festas. Por terem boa capacidade técnica, habilidade para improvisar, solar e
acompanhar com igual competência, os músicos de choro sempre tiveram atividades musicais
variadas, transitando entre diversos espaços e gêneros musicais. Como se verá adiante, esse
traço de mobilidade confirmou-se no contexto da indústria fonográfica e do Rádio a partir da
década de 1930.
É importante compreender também o lugar social ocupado pelo choro no ambiente
musical do Rio de Janeiro na virada do século XX e sua função de mediador entre culturas.
Segundo Wisnik (2004), uma das fronteiras impostas pelo mapeamento cultural da Primeira
República, baseado no “estreito conceito de cidadania moral e estética”, era a repressão ao
violão, ao choro e às serestas (sem falar nas batucadas). Os chorões (“em geral doublés de
funcionários públicos e boêmios, biscateiros musicais das orquestras de cinema e restaurante,
às vezes músicos de banda”) se reuniam, assim, em lugares estratégicos (como a casa da tia
28
Ciata), que funcionavam como espaços de resistência “às marginalizações sofridas pelos
grupos populares em suas práticas culturais” (WISNIK, 2004, p. 153-155).
Uma conhecida citação de Pixinguinha descreve como se davam esses encontros na
casa da tia Ciata: “Em casa de preto, a festa era na base do choro e do samba. Numa festa de
pretos havia o baile mais civilizado na sala de visitas, o samba na sala do fundo e a batucada
do terreiro”
11
. Percebe-se a existência de invisíveis “biombos culturais”12 entre esses
ambientes, estando o choro relacionado ao ambiente socialmente aceito, com dança de par
enlaçado e música baseada em gêneros de proveniência europeia, como a polca, a valsa, etc.
(SANDRONI, 2001, p. 103).
Wisnik (2004) amplia o ambiente de circulação social “sala – fundos – terreiro” para o
que chama de “topologia musical urbana”. A sala de visitas se desdobra em sarau (sala em
que a música passa de ser motivação de dança para objeto de contemplação amena) e sala de
concerto (onde a contemplação auditiva é mais ritualizada e o repertório investido de uma
aura museológica mais destacada), conforme o Diagrama 1. (WISNIK, 2004, p. 159)
Diagrama 1. Topologia musical urbana. Circulação entre biombos culturais da sala de concerto ao terreiro de
candomblé e vice-versa. (Wisnik, 2004, p. 159).
O autor explica que o diagrama ilustra a circulação de elementos eruditos e populares,
socialmente contextualizados e permeados pelo mercado radiofônico e discográfico, tal e qual
ocorria no meio musical carioca da primeira metade do século XX:
11
Pixinguinha, citado por Roberto Moura em “Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro”, p. 83. (apud
Sandroni, 2001, p. 103).
12
Biombos culturais podem ser entendidos como “territórios culturais de passagem que permitiam articulações
entre diferentes camadas sociais” (ARAGÃO, 2012, p. 26-27)
29
Na linha horizontal perfazem-se passagens do popular ao erudito através de sinapses
que marcam as fronteiras culturais do nervosismo social, ao mesmo tempo que
deixam vazar alguns sinais que, vindos das duas direções, querem percorrer todo o
sistema. (...). A linha oblíqua marca, por sua vez, a ramificação mercadológica de
massa que deu inesperada margem de penetração alternativa à música popular,
correndo por fora do sistema de difusão da arte. (...) A polaridade social fica
marcada nos pontos terminais dessa cadeia, onde a ideologia tem seu ponto de forca:
de um lado o ritual religioso popular, de outro, o ritual estético burguês. (WISNIK,
2004, p. 160, grifo do original)
Ocorre um processo de interpenetração de culturas (salão e terreiro), o qual foi
amplificado nos meios de comunicação de massa a partir da década de 1930, tornando-se uma
importante ferramenta de divulgação do ideário nacional projetado pelo populismo.
Enquanto o negro avança para o lugar público, onde se faz reconhecível e
reconhecido, apropriando-se, mimetizando ou distorcendo a seu modo formas da
cultura branca de base europeia, os políticos e intelectuais brancos vão ao
candomblé e apadrinham o samba, reconhecendo nele uma fonte de autenticidade
“nacional” que os legitima. São muitos os casos curiosos, dessa época, exemplos do
entreabrir-se paternalista do futuroso filão populista. (WISNIK, op. cit., p. 153-155)
Para Wisnik (2004), o choro e a seresta “ocupam um lugar paralelo e elástico entre o
samba, o salão e o sarau, tangenciando a batucada e aspirando eventualmente ao status
erudito” (WISNIK, 2004, p. 161). Segundo o autor, o choro seria um “coringa musical”, como
comenta Aragão (2012, p. 27), “podendo se configurar como uma música apta a ser tocada
tanto nos “grandes salões” quanto na mítica casa de tia Ciata”. Exemplo seria o violonista
Sátiro Bilhar, que segundo depoimento de Donga, citado por Wisnik, “estilizava a mesma
composição (...) conforme as conveniências do público a quem tocava, em gradações
nuançadas entre o erudito e o popular.” (Wisnik, 2004, p. 158)
Aragão (2012) assinala que as práticas musicais de choro apresentavam grande
mobilidade no princípio do século XX no Rio de Janeiro, conforme dados colhidos no livro de
Alexandre Gonçalves Pinto. São citados 28 bairros por abrigar reuniões de choro, espalhados
pelas zonas norte, sul, centro e Paquetá. A mobilidade dos chorões em diferentes regiões da
cidade era também uma forma de mobilidade social:
O livro também nos mostra que os lugares de sociabilidade do choro, as festas
“regadas a comida e bebida” podiam se dar tanto em ambientes aristocráticos como
as casas do Visconde de Ouro Preto e o Barão da Taquara, em ambientes ligados aos
intelectuais da época, como a casa de Mello Moraes Filho e finalmente em
ambientes típicos da baixa classe média da época, como as casas das mulatas
Durvalina e “Mariquinhas Duas Covas”, figuras muito populares pela hospitalidade
e fartura com que recebiam os chorões (ARAGÃO, 2012, p. 142).
30
Para Wisnik (2004), o choro dialoga com o samba e com a música erudita nas duas
extremidades da cadeia por ele proposta: ora se aproxima do gênero mais popular que é o
samba, ora agrega elementos da música de concerto. A relação entre o choro e o samba é de
fato curiosa. O choro é considerado, por muitos intérpretes, um gênero musicalmente mais
elaborado. Sandroni (2001) afirma que no início os “bons tocadores de flauta, clarineta, etc.”,
ou seja, os solistas de choro, limitavam suas participações à sala de visitas, onde havia o baile
animado pelo choro.
São raríssimos os testemunhos indicando a presença de instrumentos europeus
outros que violão e cavaquinho nas rodas de samba das tias baianas. Conheço uma
menção ao clarinete num depoimento de um neto de tia Ciata (entrevistado por
Lopes em O Negro no Rio de Janeiro, p. 105) e menções à flauta, que em pelo
menos um testemunho, figura como excepcional. (SANDRONI, op. cit., p.
143-144)
Braga (2002), ao contrário, afirma que nessas festas o choro confundia-se com o
samba, por compartilhar do mesmo instrumental musical, havendo um contínuo intercâmbio
de músicos e ouvintes:
A casa da tia Ciata tinha os dois [o choro e o samba], separados como gêneros
musicais em suas formas características de execução, mas principalmente por
disposições receptivas, afinal consagradas na mesma festa: um na sala; instrumental,
variado com base no terno [ou seja, o trio flauta, cavaquinho e violão] (...) o outro
no quintal, cantado a base de palmas, prato, faca e pandeiro. Não é absurdo imaginar
a intensa dinâmica interativa da recepção, os personagens trocando espaços e
disposições, a sala pelo quintal e vice-versa.
Pixinguinha (1897-1973) é um exemplo de chorão que se aventurava no terreiro para
tocar samba. Mas, segundo seu próprio depoimento, ele era muito mais um homem de choro
que de samba: “Samba é com o João da Baiana. Eu não era do samba. Eles faziam seus
sambas lá no quintal e eu os meus choros na sala de visitas. Às vezes eu ia no terreiro fazer
um contracanto com a flauta, mas não entendia nada de samba”13 (SANDRONI, 2001, p.
140).
A partir da década de 1920, a aproximação entre o choro e o samba cresceu muito por
conta do mercado fonográfico. Sandroni (2001) refere que, na maioria das gravações
comerciais de samba, foram os músicos de choro que se responsabilizaram pelo “suporte
harmônico e pela ornamentação melódica de flauta, trombone, etc.”. (SANDRONI, 2001, p.
104-105). Não só os músicos vinham do choro, mas também os arranjadores. Como se sabe,
os primeiros arranjos do samba na indústria fonográfica foram feitos por Pixinguinha. Braga
13
Pixinguinha citado por Vagalume em Na Roda do Samba, p. 77. (apud Sandroni, 2001, p. 140)
31
(2002) também comenta essa aproximação entre chorões e sambistas, ao citar os livros dos
primeiros memorialistas do choro - Alexandre Gonçalves Pinto, Vagalume e Orestes Barbosa
- publicados na década de 1930:
Alexandre Gonçalves Pinto nos deixa bem clara a relação dos chorões com o carnaval e,
portanto,com o samba, ampliando a geografia dos “encontros”. Para além das casas das
“tias” baianas, tão bem descritas pelos memorialistas Vagalume e Orestes Barbosa, essa
interação se estreitava também: nos Ranchos e suas orquestras constituídas; no
acompanhamento dos ensaios de canto e nas lidas das gravações; no acompanhamento
dos cantores pelos espaços de trabalho profissional possíveis; circos, cinemas, rádio e
teatro de revista e nas festas oficiais. (BRAGA, 2002, p. 208).
A atuação do flautista Benedito Lacerda, primeiramente no grupo Gente do Morro e,
logo, no Regional de Benedito Lacerda (com Pixinguinha no sax tenor) teve fundamental
importância nesse processo de aproximação entre o choro e o samba, especialmente na década
de 1930. O regional de Benedito Lacerda inovou as levadas14 comumente utilizadas no
contexto do choro, a partir da adoção de esquemas rítmicos e sonoridades percussivas
retiradas do samba de Estácio. Para Aragão (2012), Benedito Lacerda foi uma importante
figura mediadora no diálogo entre o choro e o samba, o qual produziu modificações em
ambos os gêneros:
O conjunto regional com maior atuação nas gravações do novo samba desde o final
da década de 1920 até praticamente a década de 1970 será o conjunto formado pela
trinca Canhoto (Waldomiro Tramontano), Dino (Horondino José da Silva) e Meira
(Jayme Florence), a princípio reunidos como “regional de Benedito Lacerda” e
depois como “Regional do Canhoto”, a partir da década de 1950. (ARAGÃO, 2012,
p. 35).
A forma como Wisnik (2004) dispõe a relação entre o choro e o samba resulta
interessante quando aplicada na comparação do estilo interpretativo dos flautistas Benedito
Lacerda e Dante Santoro. Poder-se-ia dizer que Benedito Lacerda atuou na extremidade
popular da cadeia proposta por Wisnik, o samba, enquanto Dante Santoro voltou-se para a
extremidade erudita da cadeia, o choro. Essa observação ganha mais interesse quando se
considera que Benedito Lacerda formou-se em flauta e composição no Instituto Nacional de
Música do Rio de Janeiro, enquanto Dante Santoro não teve formação oficial de
14
Na terminologia dos músicos populares, a “levada” “é uma célula rítmica, ou rítmico-harmônica, que
caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de identificação dos
gêneros musicais” (TRAVASSOS, 2005, p. 18). Nesse padrão rítmico baseia-se o acompanhamento dos violões,
do cavaquinho e da percussão. No caso do samba de Estácio, trata-se de um padrão rítmico contramétrico,
inspirado no padrão executado pelos tamborins.
32
conservatório, como se verá nos próximos capítulos. Esse fato demonstra quão relativas são as
classificações erudito e popular e que a dicotomia entre essas categorias não tem sentido15.
Alguns intérpretes apresentam a virtude de adaptarem-se a novas linguagens,
transformando suas tendências estilísticas ao longo do tempo. A obra do flautista Nicolino
Copia, o Copinha (1910-1984), tem essa característica: ao passo que algumas de suas
composições têm forte conexão com a linguagem das serenatas e choros, sua atuação como
intérprete a partir da década de 1960 é muito marcada pela linguagem da bossa nova. Pode-se
dizer que Copinha constrói a ponte entre o universo do choro e o da bossa nova, o que não
deixa de ser um reflexo da íntima relação entre a indústria cultural e a estética artística: nesse
caso, a maneira de tocar modifica-se segundo as referências estéticas do gênero musical em
voga a cada época.
O diálogo do choro com a música de concerto é uma tendência já existente entre os
músicos de choro desde Joaquim Antônio Callado (1848-1880). Na virada do século XX,
artistas tornaram-se mediadores da música popular e a levaram para as salas de concerto.
Essas primeiras incursões foram, certamente, tensas: em 1908, por exemplo, Catulo da Paixão
Cearense (1863-1946)16 apresentou-se no auditório da Escola Nacional de Música, assim
como Ernesto Nazareth (1863-1934), em 1922. Nessa primeira apresentação de Nazareth,
idealizada por Luciano Gallet, houve confusão e até a polícia foi chamada, segundo o relato
de Mário de Andrade17.
Uma das instâncias da circularidade cultural no choro é a formação musical dos
músicos de choro. Assim como o já mencionado Benedito Lacerda, grande parte dos chorões
teve algum tipo de educação formal. Nas palavras de Braga (2002), embora essa música
prescindisse do escol próprio da tradição da cultura musical oficial, isso não significou um
afastamento do ensino musical:
15
Esse fato demonstra, ainda, que, do ponto de vista interpretativo, a tendência estilística de cada intérprete
parece definir-se por uma escolha interpretativa, baseada na experiência musical, na afinidade e no gosto pessoal
de cada músico, mais do que pela eventual educação formal.
16
Catulo da Paixão Cearense, nascido em 1823 no Ceará, foi reconhecido pelos intelectuais da época como
autêntico “poeta popular”, tendo publicado diversos livros com coletâneas de modinhas e canções da época,
sempre com a preocupação de “corrigir” e adaptar as letras das poesias de modo a inseri-las na norma culta e no
“padrão” exigido pela incipiente indústria cultural da época (Carvalho, 2006, p. 6 apud Aragão, 2002, p. 98).
17
Em artigo de 1940 para o jornal “O Estado”, Andrade cita o Festival Nazareth, de 1940, promovido pela
Associação dos Artistas Brasileiros no mesmo Conservatório de Música, mas, dessa vez, sem polícia (Braga,
2002, p. 292). O programa desse concerto, encontrado por esta pesquisadora na Biblioteca Alberto Nepomuceno
da Escola de Música da UFRJ, mostra a participação do Regional de Dante Santoro, além dos pianistas Mário
Azevedo, Arnaldo Rebello, Henrique Vogeler e Carolina Cardoso de Menezes.
33
O que chamamos aqui de música popular urbana no período [1930 a 1945] é aquela
música produzida num contexto de improvisação, mobilidade e criatividade. Ela
prescinde do escol tão necessário à tradição da cultura musical oficial, o que não
significa que muitos músicos que operam no registro erudito dela não participem e
que muitos dos autores populares não tenham seguido em algum momento de suas
carreiras os princípios da aprendizagem oficial. Muito pelo contrário; e isso é uma
característica significativa da tensão entre o popular e o erudito. Tensões que se
manifestam em conflitos, em manifestos, em enquetes, ações pela imprensa, nos
encontros de trabalho nos bastidores das rádios e estúdios de gravação. Trocas de
experiências e colaborações. (BRAGA, 2002, p. 346).
Aragão (2012) comenta de que formas se dava o processo de aprendizagem do choro
no período de 1870 a 1936, a partir dos dados constantes do livro de Alexandre Gonçalves
Pinto (1936). Muitas vezes o aprendizado ocorria por meio de uma relação mestre-discípulo:
na prática da roda de choro, o músico menos experiente aprendia com outro mais experiente.
Foi o que ocorreu entre Alexandre Gonçalves Pinto e o flautista Videira:
Ainda que Videira não soubesse ler partituras, conhecia “regularmente” o violão e o
cavaquinho, o que provavelmente quer dizer que o flautista-charuteiro dominava um
repertório de formação de acordes, como os caminhos harmônicos e o repertório
rítmico-harmônico (“levadas”) dos dois instrumentos. Dessa forma, andando sempre
com Videira, Alexandre conseguiu repertoriar um vocabulário de estruturas de
acompanhamento que o permitiu se tornar um instrumentista “respeitado na roda dos
tocadores batutas”. Da mesma forma que Videira, outros instrumentistas também se
tornaram verdadeiros “professores” informais de seus instrumentos, sendo o
aprendizado quase sempre feito na prática da roda. (ARAGÃO, 2012, p. 214).
Esses
professores
informais
eram
geralmente
instrumentistas
ligados
ao
acompanhamento, que, por sua extrema desenvoltura no instrumento, passaram a ser citados
como pontos de referência para o aprendizado. Este foi o caso dos cavaquinistas Galdino
Barreto e Mário Álvares da Conceição e dos violonistas Sátiro Bilhar e Quincas Laranjeira.
O aprendizado, no entanto, também se dava por intermédio de professores formais
ligados a instituições de ensino18. Geralmente eram instrumentistas solistas que tocavam
instrumentos de sopro. Por exemplo, há o caso do flautista Duque Estrada Meyer (18481905), professor do Conservatório Imperial de Música (posteriormente denominado Instituto
Nacional de Música). Citado por Alexandre Gonçalves Pinto como “O grande professor
Duque Estrada Meyer” que “não só conhecia os grandes choros dos imensos flautas (...),
como também o clássico”, Meyer foi um mediador, que agregava em si a figura do erudito
professor e do instrumentista de choro. A esse respeito, comenta Aragão (2012):
18
Acredita-se que a formação musical era uma formação profissional, pela qual o aluno aprendia as ferramentas
para ser músico – teoria, solfejo, contraponto, harmonia e treinamento prático específico. Como o mercado era
variado, a atuação desses músicos oriundos da “academia” era voltada para atividades que oferecessem
oportunidade de ganho financeiro. Ainda que sua formação tivesse eventualmente orientação “erudita”, a atuação
na esfera “popular” era bastante comum.
34
É muito difícil sabermos hoje em dia até que ponto as práticas populares e as
músicas contidas nos cadernos dos “antigos flautas” – isto é, as músicas de Callado
e Viriato, por exemplo, - faziam parte do currículo dos alunos do Conservatório. Um
fato interessante pode talvez ilustrar o caso: em um caderno manuscrito de partituras
da coleção Jupyacara Xavier, datado de 1909, encontramos na contracapa um
programa de um concerto de música com os dizeres: “Grande concerto do flautista
brasileiro Gabriel de Almeida – aluno laureado do Instituto Nacional de Música e
ex-discípulo do inesquecido professor Duque Estrada Meyer – Ginásio de Música”.
Acima, manuscrito: “em 29 de janeiro de 1910”. Quando cotejamos os compositores
que constavam no recital com aqueles que constam no caderno temos, de um lado,
Leoncavallo, Marchetti, Dubois, entre outros – e do outro Silveira, Callado, Viriato,
etc. Ou seja, o mais provável é que houvesse realmente uma divisão entre os
compositores “permitidos” de conservatório e os compositores “de rua”, ainda que
Meyer fosse ele mesmo um discípulo de Callado e um grande conhecedor das
músicas de choro. (ARAGÃO, 2012. p. 217).
Outros flautistas professores ligados ao ambiente do choro são citados no livro de
Gonçalves Pinto: Pedro de Assis (que substituiu Meyer como professor no Conservatório
Imperial), Pattápio Silva (intérprete das primeiras gravações de flauta pela Casa Edison,
portanto referência para os flautistas da vindoura indústria fonográfica), João Salgado,
Felisberto Marques ou Maçarico, General Gasparino e Professor Nicanor (dos quais não se
sabe se passaram pelo Conservatório, se davam aulas particulares ou em Sociedades Musicais
da época). Ao concluir, Aragão (2012) aponta os indícios de intercâmbio de práticas musicais
eruditas e populares nessa esfera de ensino:
O que tiramos disso tudo é o fato de que, dada a grande popularidade da flauta
naquela época – 109 flautistas são citados ao longo do livro de acordo com o
fichamento de Jacob do Bandolim -, os processos de aprendizagem se davam
necessariamente através de diversas fontes, entre as quais estava a entidade “oficial”
de ensino, o Conservatório Imperial (e depois Instituto Nacional de Música). Ainda
que não saibamos até que ponto esta música era efetivamente ensinada no
Conservatório, o fato é que temos pelo menos três gerações de professores dessa
instituição – Callado, Duque Estrada Meyer e Pedro de Assis – ligados à prática do
choro e citados no livro de Pinto. (ARAGÃO, 2012. p. 218).
Outro ambiente de ensino do choro eram as bandas militares e sociedades musicais.
Estas ofereciam cursos livres de música, com instrução musical primária para leigos. No livro
de Pinto são citadas a Sociedade Musical da Tijuca e a Sociedade Musical Santa Cecília.
(ARAGÃO, 2012, p. 221). As bandas militares também abrigavam muitos músicos de choro,
sendo a mais importante delas a Banda do Corpo de Bombeiros, regida por Anacleto de
Medeiros.
Observa-se que esses processos de ensino, abarcando referências eruditas e populares,
levaram à formação de gerações de músicos mediadores, que circulavam nessas distintas
esferas e ambientes culturais. Pode-se citar, entre os violonistas, Quincas Laranjeira (18731935), Américo Jacomino - o Canhoto (1889-1928), Levino da Conceição (1895-1955), João
35
Pernambuco (1883-1947), Dilermando Reis (1916-1977) e Aníbal Augusto Sardinha, o
Garoto (1915-1955). Entre os clarinetistas, Abel Ferreira (1915-1980) e Paulo Moura (19332010) foram destaques. Desde Joaquim Callado até os dias de hoje, é possível encontrar
exemplos de mediação na atuação de vários flautistas, inclusive Dante Santoro.
O registro em partituras pode ser apontado como outra instância da circularidade
cultural no choro19. Em sua tese, Aragão (2012) afirma que, nas três primeiras décadas do
século XX, os choros eram transcritos em partituras, organizadas em cadernos manuscritos,
que eram compartilhados pelos chorões, em uma espécie de rede paralela ao mercado
editorial. Esses cadernos manuscritos continham basicamente a melodia da música, a ser
executada pelo solista. A partir de dados encontrados no livro O Choro, de Alexandre
Gonçalves Pinto, o autor conclui que, até a segunda metade do século XX, a leitura de
partituras nas festas onde havia rodas de choro era algo relativamente comum, fato que seria
impensável, ou pelo menos condenável, em uma roda de choro a partir da segunda metade do
século XX20. (ARAGÃO, 2012, p. 204).
Porém, a transmissão oral também tem papel fundamental, tendo em vista que alguns
aspectos interpretativos não eram notados em partitura. De fato a transmissão oral parece
ocupar um espaço cada vez maior na prática do choro a partir da segunda metade do século
XX. Alguns indícios observados por Aragão (2012) podem corroborar essa ideia: (1)
partituras em clave de fá, encontradas em vários cadernos manuscritos, indicam que os
contracantos eram inicialmente lidos pelos executantes de oficleide e bombardino, por
exemplo; quando esses instrumentos caíram em desuso, foram substituídos pelos contracantos
improvisados no violão de sete cordas; (2) o acompanhamento rítmico-harmônico raramente
era escrito, portanto as conduções rítmico-harmônicas eram necessariamente transmitidas por
19
É necessário relativizar, entretanto, a questão da transmissão “escrita” e “oral” em música. Como afirma
Aragão (2012) citando Treitler (1992), “a dicotomia entre transmissão “escrita” e “não escrita” não pode ser
sustentada na prática: mais ainda, para o musicólogo, desde o começo da tradição musical escrita europeia
conceitos como leitura, memória e improvisação foram aspectos contínuos, mutuamente relacionados e
interdependentes” (Treitler, 1992 apud ARAGÃO, 2012, p. 202). Há, inclusive, autores que enriquecem esse
debate ao incluir mais categorias: para Curt Sachs, existiriam quatro formas de transmissão: oral, escrita (ou
manuscrita, mais precisamente), impressa e gravada – categorias que estariam presentes em todas as culturas, em
maior ou menor grau, a partir da segunda metade do século XX, nunca com um caráter mutuamente excludente,
mas numa relação de interdependência contínua (ARAGÃO, 2012, p. 202)
20
A partir da segunda metade do século XX, a capacidade de improvisação é mais valorizada do que a leitura de
partituras no ambiente do choro, fato relacionado especialmente à figura de Jacob do Bandolim. Em seu
depoimento ao Museu da Imagem e do Som, em 1967, Jacob afirma a existência de duas categorias de músicos
de choro: “(...) há dois tipos de chorão: há o chorão de estante, que eu repudio que é aquele que bota o papel pra
tocar choro e deixa de ter a sua ... perde a sua característica principal que é a da improvisação; e há o chorão
autêntico, o verdadeiro, aquele que pode decorar a música pelo papel e depois dar-lhe o colorido que bem
entender, este que me parece o verdadeiro, autêntico, honesto chorão” (Jacob do Bandolim, 1967 apud
ARAGÃO, 2012, p. 203).
36
via oral, realizadas na prática a partir de um vocabulário estabelecido: “o bom instrumentista
acompanhador era aquele que ao mesmo tempo dominava ao máximo esse vocabulário e que
sabia fazer as melhores escolhas no menor tempo no momento da execução” (Aragão, 2012,
p. 206).
O que se pode concluir a partir disto é o fato de que os modos de transmissão oral e
escrito parecem estar presentes desde o nascimento do gênero [choro], e não é por
acaso que o tema aparece na obra de Pinto e no depoimento de um de seus mais
importantes intérpretes das décadas de 1940 a 1960, Jacob do Bandolim. Na
comparação entre estes dois podemos perceber que para os chorões descritos por
Pinto a leitura da partitura era algo tão valorizado como o fato de se tocar de
“ouvido”. (ARAGÃO, 2012, p. 204).
O próximo tópico abordará a questão da improvisação no choro, assunto que nos
interessa de forma particular na obra de Dante Santoro. A partir da segunda metade do século
XX, a improvisação passou a ser muito valorizada nas rodas de choro, como verdadeiro
indicativo de qualidade do músico. Do chorão que não improvisava bem, dizia-se que não
tinha bossa, ainda que tivesse boa leitura musical. É possível que o inverso também seja
verdadeiro, e que o chorão de boa leitura fosse de antemão considerado mau improvisador. A
discussão acontecerá em torno do conceito de improvisação e sua relação com a bossa no
contexto do choro, a partir de depoimentos de intérpretes e de textos relacionados ao tema.
1.3 O choro: improviso e bossa
A improvisação é um processo comum a várias culturas musicais e um conceito
bastante estudado na etnomusicologia. Algumas definições recopiladas por Nettl (1998)
servem como parâmetro: para John Baily, “improvisação é a intenção de criar enunciados
musicais únicos no ato da performance”. Segundo Veit Earlmann: “é a criação de um
enunciado musical, ou forma final de um anunciado musical já composto, no momento de sua
realização em performance”. Para Micheál O´Suilleabhain, é
“o processo de interação
criativa (em privado ou em público; consciente ou inconscientemente) entre o músico
(performer) e um modelo musical que pode ser mais ou menos fixo”. Simha Aron considera
que “no sentido estrito, é a performance da música no mesmo momento de sua concepção”.
(Lortat-Jacob apud Nettl, 1998, p. 10-11). Percebe-se que no cerne de todas as definições
encontra-se o ato de criação em tempo real.
Os estudos sobre a improvisação revelam que toda prática de improvisação tem um
“ponto de partida”. Segundo Nettl (1998), o ponto de partida pode ser de vários tipos: temas,
tonalidades, sequências de acordes, formas, um vocabulário de técnicas, um vocabulário de
37
motivos e/ou materiais mais longos, etc. O “ponto de partida” abarca desde o que é fácil e
“natural”, ao que é intelectualmente complexo. (NETTL, 1998, p. 15-16).
Em alguns tipos de música clássica ocidental, o material temático e a forma podem
ser pontos de partida típicos. O organista improvisador, por exemplo, cria sobre um
tema e as características e requerimentos da Fuga. Para uma cadência de concerto, o
modelo advém de motivos e temas do movimento ou da obra, além de gestos
musicais (escalas, double-stops, arpejos) que se prestam à exibição da virtuosidade.
Os músicos de jazz usam sequências harmônicas (“changes”) e tonalidades que se
tornam a base para variações ou levam a improvisações solo 21. (NETTL, 1998, p.
13)
O jazz é um dos gêneros musicais ocidentais que mais recorrem à improvisação
como meio expressivo. Na definição de Hobsbawn (1996, p. 45), o jazz é uma música de
executantes, tudo nele está subordinado à individualidade dos músicos, ou deriva de uma
situação em que o executante é o senhor. Assim, é natural que a improvisação individual ou
coletiva tenha uma importância muito grande para o jazz.
Surgem nas interpretações desse gênero as controvérsias sobre a prática
improvisatória. Por exemplo, um dos clichês mais conhecidos sobre a improvisação afirma
que não pode haver padronização, ou seja, que o improviso deve ser inédito. Sabe-se,
entretanto, que na realidade o músico cria, elabora e revisa o seu improviso ao longo de várias
interpretações, trabalhando seus solos em busca da forma ideal. Hobsbawn (1996) contesta
esse clichê, argumentando que o importante é que a criatividade seja preservada como
elemento primordial da improvisação, destacando a importância da improvisação como
composição em tempo real.
(...) Falar que o único jazz legítimo é o que nunca foi ouvido antes é romantismo
bobo. Afinal, o que há de errado com o músico que, tendo encontrado uma boa ideia
e a tendo elaborado durante uma série de apresentações, decida ater-se àquilo que
ele considera um solo adequado? Por outro lado, a improvisação (...) é e merece ser
festejada, pois representa a constante e viva recriação da música, o arrebatamento e a
inspiração dos músicos comunicados a nós. (HOBSBAWN, 1996, p.47 e 151)
No choro, há distintas maneiras de se entender a improvisação. De fato, o improviso
não é uma categoria unívoca, havendo diversas abordagens possíveis, pois a contribuição
criativa dos intérpretes, no momento da execução, é variada. Alguns processos podem ser
apontados, nessa prática, no contexto do choro: (1) criação de contracantos do violão de sete
21
In some kinds of Western art music, thematic material and standardized form may be typical points of
departure. The improvising organist has a given theme and the characteristics or requirements of fugal structure
upon which he builds his creation. For a concerto cadenza, motifs and themes of the movement or work, along
with musical gestures (scales, double-stops, arpeggios) that are characteristic for exhibiting virtuosity are taken,
together, the model. Jazz musicians, obviously, use sequences of harmonies (“changes”) and tunes which may be
the basis of variation or which may lead to unrelated solo improvisations. (NETTL, 1998, p. 13)
38
cordas; (2) variação de padrões rítmicos no acompanhamento (violão, cavaquinho e
pandeiro); (3) contracantos na linha melódica por um segundo solista (sax tenor, clarineta,
etc.); (4) variações na linha melódica principal (também pelo uso de ornamentação e
articulações diversas); (5) criação de uma nova linha melódica, sem relação de variação com a
melodia original, baseada nas progressões harmônicas de determinado trecho.
A prática da improvisação no choro se modificou com o passar dos anos. A criação
de contracantos e variações da melodia principal foram processos adotados originalmente
pelos chorões. Essa prática foi levada ao um alto nível de elaboração e criatividade nas
gravações de Pixinguinha e Benedito Lacerda, na década de 1940, tidas como referências para
os músicos de choro na atualidade. Já o processo de criação de uma linha melódica nova, não
vinculada à original é, segundo Almir Cortes (2012), uma tendência surgida nos últimos trinta
ou quarenta anos, como resultado da influência do jazz (e seu correspondente processo de
improvisação, baseado no formato chorus). Esse processo de improvisação no choro, segundo
o autor, poderia ser apreciado em gravações mais recentes de músicos como Paulo Moura
(1933-2010), José Alberto Rodrigues Matos, o “Zé da Velha” (n. 1942), Nailor Azevedo, o
“Proveta”, entre outros.
Estudiosos e músicos de choro apresentam diferentes definições para a improvisação
no choro, vinculando-a tanto às variações melódicas, quanto ao componente harmônico. A
seguir, far-se-á uma breve revisão das discussões apresentadas na literatura sobre a
improvisação no choro, agregando argumentos recolhidos nos depoimentos de músicos para
esta pesquisa.
Carlos Almada (2006) considera que a “improvisação chorística” se origina
diretamente das características formais do gênero. Segundo o autor, as variadas repetições,
próprias da execução convencional do choro, impelem, naturalmente, os instrumentistas em
direção à variação melódica. “É inegavelmente mais artístico e mais desafiador tratar sob
diferentes aspectos uma melodia recorrente (a competição entre virtuoses – marca registrada
do choro desde suas origens – deve ter, sem dúvida, contribuído ainda mais para o
desenvolvimento das improvisações no gênero.” (ALMADA, 2006, p. 55).
Na visão da flautista Eliane Salek (1998), a flexibilidade rítmico-melódica e a
improvisação são características essenciais da interpretação do choro. Segundo a autora, a
relação entre ornamentação e improvisação é bastante clara no contexto do choro tradicional,
39
em que a improvisação acontece estruturalmente na dimensão horizontal, em torno da
melodia, sem descaracterizá-la. Essa ideia é corroborada por Robson Barreto Matos (2009).
Segundo Bernardo Fabris (2006), no choro os temas apresentam grande invenção
melódica e harmônica e, por essa razão, a improvisação geralmente acontece mais ao nível da
variação melódica e da alteração da métrica, por meio de sutilezas rítmicas que, muitas vezes,
escapam às possibilidades de notação (FABRIS, 2006, p. 13). De forma similar, César Albino
(2011) avalia que o foco do chorão está na melodia, e não na harmonia, por meio de um
pensamento melódico-improvisatório baseado na melodia original do choro, que é
constantemente lembrada ou citada durante a improvisação (ALBINO, 2011, p.78).
De acordo com Paula Valente (2008), há duas abordagens de improvisação no choro:
a abordagem vertical, que se revela mais preocupada com a harmonia, e a abordagem
horizontal, mais vinculada à melodia. Essas duas linhas coexistem no mesmo discurso, mas
nota-se a predominância de uma em relação à outra, dependendo de cada intérprete. Na
abordagem vertical, o músico projeta a identidade harmônica de cada acorde com a melodia,
ou seja, cria uma melodia que se encaixa em cada acorde dentro da respectiva progressão. As
melodias são, assim, construídas principalmente por meio das terças, fundamentais e sétimas
dos acordes, ou seja, têm por base arpejos, guardando como principal enfoque a definição das
sequências harmônicas da música. Já na abordagem horizontal, a melodia se baseia em uma
escala relacionada ao centro tonal da progressão, e não em cada acorde individualmente. As
melodias são, assim, construídas por meio de recursos como notas sustentadas em mais de um
acorde, ou uma única escala utilizada através de vários compassos, o que permite fraseados
mais amplos, enfocadas nas variações de motivos melódicos e rítmicos (VALENTE, 2008, p.
26-27).
Na dissertação de David Rangel Martins (2012), encontram-se vários depoimentos de
músicos de choro sobre a improvisação. Alguns interessantes aspectos apontados pelo autor, a
partir desses depoimentos, são os seguintes: (1) a improvisação no choro é coletiva e
dinâmica, vários parâmetros são variados ao mesmo tempo (a harmonia, o ritmo, a melodia) e,
assim, há várias dimensões de improvisos simultâneos; (2) as características idiomáticas de
cada instrumento influenciam na escolha dos procedimentos e na utilização de efeitos
tímbricos para a elaboração do improviso; (3) o improviso no choro nem sempre está
relacionado a uma criação súbita e imprevista, muitas vezes o chorão retém em sua memória
as variações que ele próprio fez e as aplica em certos trechos do tema; (4) para improvisar é
40
importante conhecer o repertório de choros e os fraseados típicos do gênero; (5) o improviso
do choro é próximo à melodia, ou seja, improvisa-se sobre determinados parâmetros musicais
da melodia do tema, de modo que este continue audível através de diversos outros parâmetros.
(MARTINS, 2012, p. 40-59).
O clarinetista Paulo Moura (1933-2010), no prefácio do método de Carlos Almada
(2006), assim define a improvisação no choro: “o improviso, tradicionalmente, é uma
paráfrase da melodia e não uma derivação que se torne, em si, outra composição”. (MOURA
apud ALMADA, 2006, p. 1). Já segundo o flautista Leonardo Miranda22 (em depoimento oral
concedido à autora desta tese, em 13/10/2012), a variação melódica não corresponde à
improvisação. Segundo ele, há quatro parâmetros que conformam a linguagem do choro: as
divisões rítmicas, os ornamentos, a articulação e a improvisação. É possível lidar com o três
primeiros parâmetros e variar bastante a melodia, mas a improvisação engloba o elemento da
criatividade e se relaciona à harmonia. Portanto, haveria diferença entre variação (baseada na
melodia) e improvisação (baseada na harmonia).
A utilização de variações melódicas memorizadas, na parte solista, também é uma
prática comum no choro. O flautista Daniel Dalarossa afirma que muitas vezes, ao interpretar,
o chorão utiliza ornamentos previamente inseridos na frase musical, ou cria frases de acordo
com sua personalidade, ensaiando tudo isso previamente. “Com muita frequência o chorão
aperfeiçoa uma dada improvisação ou criação já ensaiada e tocada muitas vezes em sua vida
musical, até incorporar a frase em seu repertório e consagrá-la como sua marca-registrada.”
(DALAROSSA apud ALBINO, 2011, p. 78). Para alguns chorões, o uso de melodias préconcebidas está mais vinculado a situações especiais, como as gravações, e não ao cotidiano
das rodas de choro, nas quais se improvisa por meio de variações melódicas espontâneas.
A flautista Odette Ernest Dias23 define muito bem a questão da improvisação com a
seguinte afirmação:
Cada um improvisa sobre o seu conhecimento. Você tem uma bagagem, uma
experiência musical e, na hora de improvisar, você usa isso. As escolas de jazz (...)
têm uns clichês de improvisação [ela cantarola algumas células melódicas], todo
22
Flautista, pesquisador da obra de Joaquim Antônio Callado, lançou o CD Leonardo Miranda toca Joaquim
Callado (Acari Records, 2000), em que interpreta obras de Callado, com arranjos e formação instrumental
similares à utilizada em fins do século XIX. É professor da Escola Portátil de Música, no Rio de Janeiro.
23
Odette Ernest Dias (n. 1929), flautista francesa radicada no Brasil, formada pelo Conservatório Nacional
Superior de Música de Paris, foi professora titular da Universidade de Brasília. Reconhecida por atuar na
formação de vários flautistas brasileiros, sempre foi uma apreciadora do choro, tendo gravado participações em
vários CDs, especialmente as obras de Pixinguinha e Joaquim Antônio Callado. Destaca-se, em sua produção, o
álbum Pixinguinha 100 Anos (Kuarup, 1998).
41
mundo faz a mesma coisa... isso que é improvisação? Não é! Se eu vou improvisar
sobre uma valsa, [e aponta para a partitura de Dante Santoro que tem em mãos] eu
não vou fazer isso. A estória é outra, o estilo é outro, o ritmo é outro... Mozart
também não escrevia as cadencias dos seus concertos de piano! (...) Cada um faz o
seu estilo. (Odette Ernest dias em entrevista concedida à autora em 08/09/2012).
Martins (2012) comenta esse aspecto da experiência musical refletida na
improvisação ao referir Ingrid Monson (1996), quando afirma que cada músico
individualmente tem suas próprias idiossincrasias, peculiaridades e estilo. Em uma situação de
improviso, há sempre personalidades musicais interagindo e, nesse sentido, o instrumento
assume mais de seu significado etimológico, constituindo um “meio”, uma “ferramenta” para
interagir musicalmente. (MARTINS, 2012, p. 41).
Braga (2002) oferece, por sua vez, um interessante olhar sobre a improvisação no
Rádio. Para esse autor, a questão da improvisação na música popular urbana nos anos de 1930
a 1945 advém do próprio contexto de sua produção, caracterizado pela improvisação,
mobilidade e criatividade. Improvisavam todos os que participavam da criação daquela
música “no calor da hora”:
O improviso (...) é mesmo uma categoria analítica, constituindo-se no cerne daquele
“profissionalismo” possível e do qual (...) a criatividade abundará como
consequência inelutável e inequívoca. A extrema mobilidade observada na
topografia artística do Rio de Janeiro do período é também um princípio construtivo
onde a multifunção é derivada da operação de “invenção” profissional. (...) Essa
mobilidade se caracteriza na flexibilidade das passagens de um campo profissional
para o outro. Por exemplo, do teatro para o rádio e cinema, o que concorre para que
um mesmo indivíduo se veja diante da possibilidade de assumir várias “funções” no
mesmo contexto. (BRAGA, 2002, p. 347).
É fato que a criação espontânea, como símbolo de criatividade, é o elemento
principal nos gêneros musicais baseados na improvisação. Em alguns gêneros, entretanto, a
esse aspecto, soma-se a bossa - um elemento muito valorizado no contexto das músicas
latino-americanas. Segundo o dicionário Aurélio, uma das acepções da palavra bossa é uma
gíria que significa “atributo ou qualidade peculiar a pessoa ou coisa, que faz que elas
agradem, chamem a atenção, se distingam de uma ou de outra”24. Uma associação imediata da
palavra ocorre com o gênero da bossa-nova, caracterizado pela renovação rítmica, melódica e
harmônica do samba, vinculação que reforça o sentido de bossa como característica peculiar,
diferente.
24
BOSSA. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed, rev.
aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 278.
42
Entre os músicos de jazz, fala-se em swing, o “balanço rítmico específico do jazz”
(HOBSBAWN, 1996, p. 309). No Brasil, fala-se muito de bossa no universo do choro e,
sobretudo, do samba. Numa primeira tentativa de definir o termo, diríamos que a bossa é uma
característica especial da execução, um sotaque ou molho característico, reconhecido como
um traço próprio da expressão musical de um grupo (ou do gênero musical que o representa).
Para tocar samba é necessário ter bossa, diz um dito popular. Como o universo do samba é
compartilhado pelo choro, ele termina por se aplicar ao choro. Seria esse um clichê vinculado
a esses gêneros populares? Como definir bossa musicalmente?
Sandroni (2001) conta a anedota sobre Francisco Alves - o principal introdutor do
estilo do samba de Estácio nas gravações de samba. Em uma ocasião, ele teria passado horas
com Nono e Rubens Soares, autores de samba, para aprender a bossa que o estribilho tinha,
ou seja, a maneira como estes o cantavam. Sobre essa passagem, descrita no livro de Máximo
e Didier, p. 410, Sandroni tece o seguinte comentário: “Não podemos saber o que era
exatamente esta “bossa”, que exige que o cantor profissional fique horas aprendendo com “os
rapazes”; mas podemos supor que a articulação rítmica fizesse parte dela”. (SANDRONI,
2001, p. 213)
De fato a articulação rítmica parece ser o diferencial entre os que têm ou não têm
bossa: a fluidez na execução de ritmos contramétricos é o divisor de águas. Na terminologia
de Sandroni (2001), os ritmos contramétricos correspondem à acentuação em pontos não
tônicos da métrica do compasso (síncope), os quais para o autor têm uma correlação natural
com a rítmica africana: em vez de subdividir o tempo em células regulares (como na música
europeia), o tempo se produz pela adição de células desiguais (pares e ímpares, por exemplo
3+3+2 ou 4+3+6+3), o que gera múltiplas referências de tempo e contratempo. (cf.
SANDRONI, 2001, p. 19-37).
Não há dúvida de que a bossa está relacionada ao ritmo. Mário de Andrade já
afirmava, em seu Ensaio sobre a Música Brasileira (1962), que a rítmica brasileira resulta da
conjugação original da quadratura métrica regular, característica da música europeia, que
procede pela subdivisão do compasso, com uma rítmica fraseológica baseada em
irregularidades internas e que procede pela adição indeterminada de tempos, como a das
músicas africanas e indígenas. (apud WISNIK, 2004, p. 36).
Sandroni (2001) conta outra anedota interessante, ainda relacionada às primeiras
gravações de samba do Estácio, por volta da década de 1930:
43
Já se fez menção ao fato de que as gravações de samba a partir dos anos 1920
passaram a adotar, além das introduções instrumentais, uma versão instrumental da
melodia, situada geralmente, nas gravações, antes da última repetição do samba pelo
cantor. Assim, a melodia, numa dada gravação, é exposta por diferentes
enunciadores: ora o cantor principal, ora os diferentes instrumentos da orquestra,
ora, em alguns casos, ainda o coro. Isso possibilitou ver que Francisco Alves
empregava, em suas versões das melodias, ritmos mais próximos do paradigma do
Estácio, ou para dizê-lo de maneira mais geral, ritmos mais contramétricos, que os
instrumentistas. Talvez isso se devesse a que Francisco Alves, e talvez também
outros cantores da época, possuía uma proximidade em relação às fontes – por assim
dizer – que fazia a diferença em relação a outros profissionais envolvidos com a
produção de gravações de sambas, como arranjadores e músicos de orquestra. (...)
As várias versões rítmicas da melodia (...) mostram no detalhe o duro trabalho de
aprendizado – em suas várias etapas – necessário para forjar o que nos anos
seguintes se tornaria o ritmo “natural” do samba. (SANDRONI, 2001, p. 213)
Uma importante contribuição junto às orquestras, nesse “duro trabalho para forjar o
ritmo natural do samba”, foi dada pelo maestro Radamés Gnatalli. Segundo Paulo Tapajós, as
orquestrações de samba de Gnatalli foram baseadas na “divisão rítmica dos tamborins”,
graças à sugestão do percussionista Luciano Perrone. Como comenta Sandroni (2001, p. 214215), o termo “divisão” é uma categoria utilizada na música popular brasileira para designar
as variações de articulação rítmico-melódicas empregadas nas canções. Assim, Tapajós
sugere a existência de uma “articulação rítmica típica dos tamborins”, que de início era
adotada pelos cantores, mas não pela orquestra.
A essência da “bossa” estaria, portanto, na execução do ritmo contramétrico, muito
utilizado na percussão afro-brasileira, repercutido em diferentes camadas de instrumentação,
desde a melodia solista ao acompanhamento. Adquire-se a bossa pela experiência na tradição
musical oral - própria da atividade do músico popular. Sandroni (2001) assim se refere sobre
essa habilidade:
(...) não é que a contrametricidade possua alguma essência popular, ou que uma pele mais
escura torne automaticamente mais fácil a assimilação dela. Para voltar à imagem de Mário
de Andrade, não é o “sangue”, mas o “convívio” que torna o paradigma do Estácio muito
mais facilmente assimilável por músicos formados na tradição popular afro-brasileira que
por músicos formados na tradição clássica europeia. Aqueles apresentam maior
desembaraço naquele tipo de ritmo, por ser de ritmos assim que se faz o seu pão musical
cotidiano. Para estes, ao contrario, a contrametricidade é a exceção (a “síncope”), que exige
a duplicação gráfica da ligadura, e o recurso analítico da contagem. (SANDRONI, 2001, p.
216-217)
Por outro lado, há que se considerar que a bossa, embora muito vinculada ao samba
de Estácio na década de 1930, é um elemento latente, desde sua formação, da música popular
urbana brasileira, que tem a contrametricidade como característica essencial. Assim, nas
44
gravações anteriores a essa época - seja dos sambas da Cidade Nova, das bandas militares ou
dos primeiros grupos de choro – já se forjava a “bossa” hoje vinculada ao samba e ao choro.
As gravações de Pixinguinha tocando flauta, realizadas entre 1915 e 1935, são o
melhor exemplo do que precede. O flautista Leonardo Miranda (em depoimento oral à autora,
em 13/10/2012) afirma que Pixinguinha foi um marco na divisão rítmica do choro, pois antes
dele (nas gravações de flautistas do início do século XX, como Agenor Bens e Antonio Maria
Passos), os fraseados e as articulações eram diferentes. Seguindo a linha de pensamento de
Sandroni (2001), pode-se pensar que a diferença reside no sublinhar da contrametricidade,
trazida ao primeiro plano, tanto na melodia quanto no acompanhamento.
Segundo Leonardo Miranda, é difícil saber se as divisões rítmicas do choro mudaram
no início do século XX, sendo Pixinguinha um representante dessa nova prática, ou se foi
Pixinguinha que mudou a maneira de se tocar o choro. O fato é que essa nova divisão rítmica
se refletia em sua maneira de tocar flauta: não há imprecisões de tempo nas articulações de
Pixinguinha, tudo é absolutamente preciso. Comentário semelhante teceu a flautista Odette
Ernest Dias25 em entrevista concedida à autora, em 08/09/2012. Para ela, a principal
característica de Pixinguinha como flautista era sua articulação rítmica.
Ademais, há que se falar da bossa acompanhante. Segundo o Professor Luiz Otávio
Braga, é necessário sair da esfera dos solistas para buscar nos instrumentistas
acompanhadores (violonistas, cavaquinistas e pandeiristas) as figuras de maior “bossa” no
grupo regional. O acompanhamento define a qualidade do grupo regional, especialmente o
entrosamento da dupla de violões, portanto a bossa dos músicos acompanhadores “é crucial
para que o choro soe como choro.”26
Entretanto, a bossa relaciona-se também à ideia de pertencimento à comunidade. É
fundamental, para ter bossa, participar da roda de samba ou da roda de choro, integrar-se a
essa coletividade - ideia enraizada no discurso de que a bossa é espontânea, “sai de dentro”,
“acontece”. Um exemplo desse discurso é a fala do sambista Ataulpho Alves, que opõe teoria
musical e bossa, numa amostra dos clichês que dominavam os debates da época27:
(...) não entendo um nadinha de teoria musical. Tiro o meu ritmo de uma caixa de
fósforos ou de um pedaço de lápis. Assim (...) Sei que isso não é vantagem
nenhuma. Muita gente fez assim. Muita gente boa continua fazendo assim. Questão
de bossa. Samba não se faz com a cabeça. Não é questão de inteligência. É uma
26
Comentário ao texto da tese por ocasião da banca de qualificação, em 14/03/2013.
Ataulpho Alves responde ao plebiscito. Revista Diretrizes, nº 54, p. 11, 3/7/1941. Entrevista com Ataulpho
Alves. In: BRAGA, 2002, p. 17.
27
45
coisa que acontece. Que sai de dentro, está compreendendo? (BRAGA, 2002, p.
173).
Braga (2002) comenta o discurso de Ataulpho Alves, relacionando-o com o do
memorialista Francisco Guimarães, o Vagalume, conhecido por condenar as modificações
introduzidas no samba pela indústria radiofônica e fonográfica:
A bossa é categoria fundamental para o sentido de pertencimento na comunidade do
samba; ela, de pronto, determina o ritmo. Se recuperarmos a análise que Francisco
Guimarães, o Vagalume, faz do samba, veremos que o “pertencer à roda de samba” é
fundamental. Seria essa a grande diferença; a inteligência por si só estaria
incompleta sem o “sair de dentro” que é comunitário, que é fruto de uma consciência
coletiva e é inseparável da “bossa”. O “sair de dentro” é o ser individual dentro do
ser coletivo. Esse sentido de comunidade do samba, que persiste até hoje, resulta
numa produção que supera a condição mesma do autor individual; daí que
Vagalume exige o “compositor industrial” integrado na Roda do Samba já que evitar
a industrialização parecerá impossível. (BRAGA, 2002, p. 176)
Jacob do Bandolim, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, em 1967,
reforçou a polarização leitura musical versus improvisação ao criar duas categorias: chamou
de chorão de estante o mau improvisador, músico que estaria confinado à leitura da partitura,
desprovida de improvisação; e de chorão autêntico o músico que tocava sem partitura,
supostamente um bom improvisador. Essa polarização é um clichê ainda tomado como
referência nos dias de hoje, porém cada vez mais questionado.
Quando os regionais acompanhavam cantores, o flautista era responsável pela
elaboração de contracantos à linha melódica vocal. Alguns registros fonográficos das décadas
de 1930 e 1940 permitem apreciar essa prática na flauta: Benedito Lacerda faz inúmeros
improvisos nas gravações com Carmen Miranda, e outros cantores, na década de 1930;
também foram encontrados no acervo do Museu da Imagem e do Som registros de improvisos
de Dante Santoro acompanhando cantores, possivelmente das décadas de 1940 e 1950.
A audição dessas gravações, assunto do Capítulo 4, revela que há semelhanças nos
recursos utilizados por Dante e Benedito em suas improvisações. Talvez esses recursos
fossem os padrões utilizados na época na arte do contracanto, sendo elaborados e imitados
pelos solistas entre si. O que diferencia esses improvisos é a experiência musical de cada
artista, pois sua criatividade se lança na direção do gênero musical com o qual tem mais
afinidade.
Observa-se, portanto, nos discursos sobre a improvisação e a bossa que esses
elementos se irmanam no choro, tornando-se muitas vezes indissociáveis, e que são conceitos
plurais, com mais de um viés de interpretação. A arte do improviso no choro seria uma
46
demonstração de criatividade, arrebatamento, inspiração, técnica e afinidade com o gênero,
havendo diferentes possibilidades para sua manifestação, de acordo com a experiência
musical de cada intérprete.
No próximo tópico comentar-se á como ocorreu a inserção do choro no mercado
radiofônico e discográfico e de que modo essa indústria influenciou o gênero. Busca-se, com
essa discussão, conhecer mais profundamente o contexto de produção musical de Dante
Santoro.
1.4 O choro entre 1930 e 1960: inserção no mercado radiofônico e discográfico
A inserção da música popular urbana no mercado radiofônico e discográfico
provocou mudanças na produção musical. Os gêneros musicais, entre eles o choro, foram
influenciados, em maior ou menor grau, pelas tendências desse mercado, que tinha por
objetivo o entretenimento. Essas influências fizeram-se notórias tanto pela profissionalização
dos músicos populares, quanto por mudanças gradativas de estilo, já que o choro, assim como
a canção popular, é levado a dialogar de diversas maneiras com os meios de comunicação
eletroeletrônicos.
Como informa Moraes (2000), o quadro de permanente extensão das formas de
entretenimento popular e urbano vinculados à música popular, iniciado no Brasil na passagem
do século XX, consolidou-se nos anos 30, principalmente com a expansão da indústria
radiofônica e fonográfica. Os músicos populares tiveram condições de ampliar e conquistar
novos espaços de sobrevivência e de divulgação de sua produção.
As empresas radiofônicas tornaram-se, na década de 1930, os principais locais de
concentração do músico popular profissional e núcleos de divulgação de diversos
gêneros nacionais e estrangeiros. As emissoras constituíram-se logo no eixo
fundamental de propagação da música popular, alterando consequentemente a
produção artística musical de acordo com seus interesses comerciais e culturais. A
partir desse momento, a produção musical popular orientou-se e adaptou-se cada vez
mais aos meios de comunicação e ao gosto médio do ouvinte. O mercado do rádio
começava, então, a alterar o gosto geral, inventando e impondo novos gostos, e
também modificava o conceito de “popular”, que gradativamente se tornava mais
relacionado com o mercado e a capacidade de atingir um número maior de pessoas.
(MORAES, 2000, p. 23)
No que se refere à profissionalização dos músicos, a realidade da cultura musical
popular urbana de mercado gerava tensões e conflitos. O ritmo frenético e a fragmentação do
trabalho diário nas empresas radiofônicas/fonográficas, além dos variados espetáculos em
47
locais de entretenimento, implicavam um desgaste físico e emocional. As atividades
informais, como as rodas de choro, tampouco cessaram. Sabe-se que as relações trabalhistas
entre os músicos e as emissoras de rádio eram incipientes na década de 1930, como relata
Moraes (2000):
Geralmente as emissoras definiam suas próprias regras e padrões. Uma rádio em
ascensão, por exemplo, pagava a um cantor melhor que um salão de baile
importante. Intérpretes de qualidade mediana recebiam mais que um bom
instrumentista. Os grandes intérpretes, as chamadas “estrelas”, recebiam bons
salários e altos cachês. Mas em geral todos recebiam pagamentos relativamente
baixos, sobretudo aqueles em início de carreira (...). Como a legislação do trabalho
grosso modo dava seus passos iniciais no Brasil dos anos 30, tornava-se impossível
estabelecer regras trabalhistas claras e oficiais em setores de atividades emergentes e
desconhecidas, como as da radiofonia e das novas formas de arte popular urbana. Os
radialistas, por exemplo, só seriam incluídos na Lei da Previdência Social em
outubro de 1960. (MORAES, 2000, p. 97)
Entre os músicos paulistanos, por exemplo, a regra era diversificar ao máximo as
atividades no meio artístico. Os músicos participavam nas orquestras e regionais das rádios,
nas orquestras de salões de baile, tocavam em salas de espera de cinemas, acompanhavam
cantores, e alguns ainda desenvolviam carreira individual. O repertório transitava por
inúmeros gêneros, do bolero ao samba, da moda de viola às cançonetas italianas. Segundo
Moraes (2000), boa parte deles migrou para a capital federal em busca de espaço,
reconhecimento e sobrevivência pela música (por exemplo, entre centenas, Garoto, Vadico,
Zé Carioca, Laurindo de Almeida, Alvarenga e Ranchinho, Gaó e o radialista-locutor César
Ladeira). (Moraes, 2000, p. 115).
Em São Paulo, a mobilidade dos músicos era bastante comum, fato que também se
dava no Rio de Janeiro no início da década de 1930. O próprio Dante Santoro, vindo de Porto
Alegre para o Rio, apresentou-se como free lancer em diversas rádios de 1928 a 1938.
Tornou-se artista exclusivo da Rádio Nacional somente em 1938, quando assumiu o comando
do regional da emissora. Vários foram os regionais que atuaram nas rádios paulistas naquela
década, alguns dirigidos por nomes que se tornaram famosos, posteriormente, também no
cenário carioca.
Os diversos “regionais” existentes na cidade encontraram trabalho regular,
apresentando-se e acompanhando cantores em várias rádios. Geralmente, esses
conjuntos instrumentais eram contratados por diversas emissoras, transitando entre
elas, destacando-se os de Pinheirinho (Record), Armandinho (Record e Difusora),
Rago (Record, São Paulo e Tupi), além dos mais famosos como os de Garoto
(Educadora, Kosmos e Cruzeiro do Sul) e Canhoto (Educadora). As rádios também
se viam obrigadas a contratar maestros, arranjadores e instrumentistas, para formar e
dirigir suas próprias orquestras. Um número expressivo de músicos com formação
48
erudita e/ou arranjadores de música popular começavam a integrar o quadro de
funcionários das emissoras e a sobreviver dos salários que estas lhes pagavam. Luís
Argento, Osvaldo Borba, Armando Belardi, Martinez Grau (Record), Nicolau Tuma,
Franco Schmidt e Gabriel Migliori (Difusora). Gaó foi diretor artístico das rádios
Kosmos e Cruzeiro do Sul, onde manteve também, com boa repercussão, a
Orquestra Jazz Sinfônica (MORAES, 2000, p. 90).
Quanto às mudanças estilísticas, ocorreram especialmente por conta do elemento
técnico. A indústria radiofônica e discográfica exigiu inúmeras adaptações dos músicos, na
emissão vocal e na captação dos instrumentos de percussão ao microfone, até mesmo na
forma musical e no conteúdo das letras das canções. Segundo Aragão (2012), é interessante
observar como os músicos de choro atenderam de forma exitosa a essas modificações,
incorporando com certa naturalidade as novas exigências técnicas. Nesse sentido, o autor
dessa forma se expressa:
Este é então um ponto fundamental para entendermos a razão pela qual o choro
parece ter “sofrido” menos no seu processo de incorporação à indústria fonográfica
[em comparação ao samba]: por seu próprio caráter instrumental e pelo fato de que
suas matrizes (representadas em grande parte pelas danças europeias, como a polca,
a valsa, etc) estavam mais próximas dos novos padrões estéticos exigidos pelo rádio
e pelo disco, os instrumentistas de choro foram os verdadeiros alicerces desta nova
indústria muitas vezes funcionando como intermediadores ou “tradutores” de outros
gêneros musicais (como o samba) para os novos padrões exigidos. (ARAGÃO,
2012, p. 183).
A pluralidade de gêneros musicais veiculados pelo rádio, na tentativa de atender ao
mais amplo gosto popular, também levou a mudanças estilísticas. Adaptações eram
elaboradas por maestros e instrumentistas, com o intuito de executar um variado repertório,
que atendesse à preferência do espectro de ouvintes. Uma extensa programação musical ao
vivo e/ou gravada de diversos tipos, do erudito ao sertanejo, passando pela música
estrangeira, era interpretada por cantores (as), regionais, orquestras, jazz-sinfônicas, etc. O
mesmo ocorre na indústria fonográfica. Na discografia de Dante Santoro, por exemplo,
encontram-se algumas expressões dessa ampla circulação estilística: os boleros Lamento
árabe e No mientas, a canção italiana Non so che dire, as danças típicas Delírio chinês e Alma
de beduíno, além de valsas e canções compostas para trilhas de rádio-novela.
A mistura entre o rural e o urbano também ocorre de forma significativa no repertório
da indústria radiofônica e discográfica, porém de forma distinta no Rio de Janeiro e em São
Paulo. Diz Moraes (2000) que a ideia de sertanejo no Rio de Janeiro no início do século XX
49
estava muito marcada pelas tonalidades nacionalistas presentes no imaginário de parte da
intelectualidade brasileira, fundado principalmente nas tradições rurais do Norte e Nordeste.
Citando João Baptista B. Pereira, o autor afirma que a influência do sertanejo na
canção popular, iniciada ainda na década de 1920, com o tempo ultrapassou a condição de
moda passageira, tornando-se quase uma “imposição” aos intérpretes e criadores, na medida
em que era um retorno estimulante e estimulado às fontes da brasilidade, descaracterizadas
pela vida urbana.
28
Fato relevante para o choro é que os grupos nascidos no Rio de Janeiro
desse cruzamento entre a canção popular e o sertanejo, como Caxangá e Tangarás, não
restringiam seu repertório às músicas nordestinas: tocavam, sobretudo, choros, tangos e
sambas, estabelecendo um constante trânsito e influência entre essas duas realidades musicais.
Em São Paulo, o conceito de música “rural” estava mais associado à cultura caipira,
vinculada às regiões do interior do Sudeste, Centro-Oeste e norte do Paraná. Idealmente, essa
cultura estava ligada “às mais autênticas, instintivas e profundas tradições do homem do
campo”, distante dos meios de produção e difusão de massa e, portanto, “mais próxima
daquilo que se denominou como “música de raiz” ou “folclórica”.” (Moraes, 2000, p. 237).
(...) Na capital paulista também surgiram, em 1929, alguns conjuntos que seguiam
aquela linha, como por exemplo os Chorões Sertanejos e os Turunas Paulistas. Este
último tinha como inspiração justamente os grupos pernambucanos de sucesso,
como o próprio nome demonstra. Já os Chorões Sertanejos, liderados por Raul
Torres (1906-1970) revelam certo ecletismo e tendências para a fusão, ao nomear-se
simultaneamente por dois gêneros distintos, o choro e o sertanejo. Seus músicos
tocavam emboladas, cocos, desafios, bem como toadas e choros. Em 1930, Garoto
passou a fazer parte do conjunto. (MORAES, 2000, p. 239)
Influência igualmente importante, especialmente em São Paulo, foi a fusão dos
gêneros populares brasileiros com a cultura musical estrangeira dos imigrantes que viviam na
metrópole paulista. Tinham diversas origens, mas a maioria era italiana. Esse entrecruzamento
é particularmente importante neste trabalho, pois Dante Santoro era filho de imigrantes
italianos, portanto originário dessa cultura musical.
Moraes (2000) assinala o diálogo estabelecido entre a música italiana e a música
caipira, assim como entre a música italiana e o samba, no meio musical paulistano 29. No caso
28
Pereira, João Baptista B. Cor, profissão e mobilidade. O negro e o rádio de São Paulo. São Paulo:
Pioneira/Edusp, 1967, p. 197. Apud Moraes, 2000, p. 239.
29
O compositor Francisco Mignone (1897-1986), que também era ítalo-brasileiro, compôs muita música caipira
sob o pseudônimo de Chico Bororó, constituindo outro exemplo desse cruzamento musical. Algumas dessas
obras foram gravadas por seu pai, Alfério Mignone (flautista italiano que atuou na cena musical paulista de 1896
a 1950), pelo selo Parlophon, na década de 1930, com a Orquestra Paulistana, que ele dirigia e regia (informação
50
da música caipira, afirma o autor que esse gênero encontrou em muitos imigrantes italianos a
disposição afetiva e musical para compor-se e difundir-se:
Um dos primeiros cruzamentos entre a música popular italiana e a caipira foi o
inicialmente estabelecido por Roque Ricciardi, o Paraguassu. Seguiram depois a
mesma linha inúmeros italianos e descendentes, como, por exemplo, Astenori
Marigliani e Giuseppe Rielli. Marigliani nasceu em São Paulo em 1904, filho de
imigrantes italianos. Ficaria conhecido no meio artístico como radialista, compositor
e intérprete de música sertaneja, utilizando, como Paraguassu, um pseudônimo
bastante regional: capitão Barduíno. Já Giuseppe Rielli nasceu na Itália em 1885 e
chegou ao Brasil em 1891. Acordeonista, até a década de 1920 se restringia a gravar
e a tocar música italiana. A partir dos anos 30, seguindo a forte tendência da cidade,
direcionou suas atividades para a música caipira paulista. Tornou-se então José
Rielli, gravando canções sertanejas que se tornariam sucesso no gênero. (MORAES,
2000, p. 246-247).
A participação italiana não se limitava, entretanto, à canção popular de matizes
sertanejos, mas abarcava também uma aproximação com o samba. É o que se depreende dos
registros de participação dos imigrantes italianos na organização do carnaval paulistano:
(...) Ao que aprece, dentre os imigrantes, eram os italianos os que a comunidade
negra via com mais simpatia. E de acordo com Geraldo Filme, a maior “afinidade”
com o lado lúdico e musical dos negros aproximava-os, e tal relação já se
manifestava no interior de São Paulo, nas festas, bandas e outras atividades
musicais. Na Barra Funda, e sobretudo no Bexiga, os italianos quase nunca se
recusavam a colaborar financeiramente com os cordões, pelos “livros de ouro”, e às
vezes até ajudando na arrecadação. (...) Apesar de participarem pouco do
samba/Carnaval de rua dos negros paulistanos, é o bastante para revelar as
intersecções entre as diversas culturas e músicas populares urbanas presentes em
São Paulo. (MORAES, 2000, p. 260-261).
O diálogo entre a música italiana e o samba, e consequentemente entre esta e o choro
(pois eram os mesmos músicos intérpretes de samba e de choro) ocorria desde o início do
século XX, na capital paulista, nas reuniões informais, realizadas em bairros como a Mooca, o
Bom Retiro e a Lapa - bairro de forte tradição italiana, onde havia muitos conjuntos e rodas
de choro30. Entre os bons músicos de origem italiana que circulavam por esse meio, surgiram
nomes que alcançaram projeção no contexto do rádio paulistano a partir do final da década de
1930: os violonistas Americo Jacomino (1889-1928), Antonio Rago (1916-2008) e Antonio
D´Áurea (1912-1988); o flautista Nicolino Copia (1910-1984) e o sambista Adoniran Barbosa
(1910-1982).
presente no encarte do CD A Música para flauta de Francisco Mignone, do flautista Sérgio Barrenechea,
lançado pela FAPERJ, em 2010).
30
Sabe-se pouco sobre a participação de imigrantes italianos no mundo do samba no Rio de Janeiro. A
referência encontrada fala de sua presença na Praça Onze, local de encontro de culturas, muito vinculado ao
samba. Como afirma Braga (2002), “A praça Onze existiu por mais de 150 anos. (...) Ali viveram misturados
imigrantes judeus, italianos, espanhóis e negros que em grande maioria eram oriundos da Bahia. Ali, até 1941,
existira um importante reduto de sambistas que também organizaram os primeiros desfiles das escolas de
samba”. (BRAGA, 2002, p. 187).
51
O violonista Américo Jacomino- Canhoto (1889-1928), filho de imigrantes italianos,
foi um dos primeiros músicos de choro e serestas a atuar no rádio paulistano. Em 1925 já
participava da Rádio Educadora Paulista e desde 1914 gravava regularmente para o selo
Odeon. Seus solos de violão, em especial a valsa Abismo de rosas, tornaram-se clássicos do
repertório violonístico brasileiro.
O violonista Antonio Rago (1916-2008), filho de imigrantes italianos, nascido no
Bexiga, integrou diversos regionais nas rádios paulistanas (Rádio Record, São Paulo, Cruzeiro
do Sul e Tupi). Na década de 1940, formou seu próprio conjunto, bastante popular até a
década de 1950, reconhecido pelas novidades de instrumentação, pelo uso do acordeom, do
contrabaixo elétrico e, sobretudo, do violão elétrico.
Antonio D´Áurea (1912-1998), filho de pai italiano, nascido no Bom Retiro, tornouse cantor de orquestras, músico de baile, instrumentista de regionais de rádios (Rádio
Educadora e Cultura) e referência musical dos “chorões paulistanos”. Foi o fundador do
Conjunto Atlântico, na década de 1950, que formou grandes intérpretes de choro, como o
bandolinista Isaías.
O já citado flautista Nicolino Copia – Copinha (1910-1984) era filho de imigrantes
italianos, nascido na capital paulista. Atuou na Rádio Paulista, na Rádio Record, na Radio
Cruzeiro do Sul e fundou, posteriormente, sua própria orquestra, com a qual fez turnês
nacionais e internacionais. Na década de 1970 passou a atuar na Orquestra da TV Globo e
participou de inúmeras gravações com artistas da MPB.
No samba-canção, destaca-se o mais conhecido sambista paulistano, João Rubinato Adoniran Barbosa (1910-1982). Filho de imigrantes italianos, nasceu em Valinhos/SP. Atuou
no radioteatro, no cinema e na televisão. Várias de suas composições alcançaram sucesso na
interpretação do grupo Demônios da Garoa, nas décadas de 1950 e 1960, assim como em sua
própria interpretação, registrada em vários LPs e CDs.
A ascendência cultural italiana e a aproximação com o universo do choro e do samba
é um traço comum que une esses músicos de choro paulistanos a Dante Santoro. As
informações que precedem indicam que havia um significativo núcleo de instrumentistas de
choro entre os descendentes de italianos em São Paulo, o que não ocorria de forma tão
significativa no Rio de Janeiro. Os músicos italianos no Rio eram quase sempre
52
maestros/arranjadores ou instrumentistas identificados com a música erudita31. Se Dante
Santoro tivesse migrado para São Paulo, possivelmente seria membro desse seleto grupo de
chorões ítalo-brasileiros e teria encontrado muitos pares com afinidades interpretativas.
É interessante observar como as mudanças ocorridas no choro, por sua inserção no
mercado radiofônico e discográfico, foram recebidas pelos chorões da época. No livro do
memorialista Alexandre Gonçalves Pinto (1936), há críticas às músicas estrangeiras, descritas
como “músicas estrangeiras barulhentas e irritantes” ou “músicas americanas de arribação”.
Também há referências aos instrumentistas que tiveram que se adaptar à nova linguagem,
como o flautista Antônio Maria, “que passou a tocar saxofone muito a contragosto dos seus
inúmeros admiradores, porque o saxofone é hoje em dia o instrumento da moda, figura
obrigada [sic] nos fox-americanos” (PINTO apud ARAGÃO, 2012, p. 180).
Entretanto, no discurso de Pinto também se percebe que o autor exalta o Rádio e os
músicos atuantes nesse mercado, tecendo inúmeros elogios a alguns deles (como o
bandolinista Luperce Miranda, o saxofonista Luiz Americano e até mesmo cantores, como
Francisco Alves). Assim, na visão de Aragão (2012), apesar das críticas às músicas
estrangeiras propagadas pelo rádio, há uma clara intenção de valorizar os artistas do rádio que
se dedicavam à música brasileira.
(...) é como se o autor não visse no rádio uma verdadeira ameaça à existência do
choro, e tivesse [sic] muito consciente de que havia uma linha histórica que passava
dos chorões antigos aos chorões “modernos”, estes últimos já imersos na indústria
cultural da época. (...) Ao enumerar instrumentistas “antigos” e “modernos” –
Viriato e Callado x Pixinguinha e Benedito Lacerda; Bilhar e Quincas Laranjeira x
Donga e José Rabello; Mário Alvarez x Nelson Alves – Gonçalves Pinto traça uma
linha histórica dos grandes instrumentistas de choro, onde procura defender a ideia
de que a essência da prática musical (no caso a polca) não se modificava, ainda que
os modernos estivessem em sua maioria atuando em um contexto diferente – o rádio
e o disco – daqueles em que atuavam os antigos – os bailes, as serenatas e as rodas
de choro. (ARAGÃO, 2012, p. 181-182)
Diante do exposto neste tópico, é interessante observar, por fim, como a inserção do
choro no mercado radiofônico e discográfico ampliou a circularidade cultural no gênero, por
meio de novas interações com as músicas estrangeiras, as músicas de origem rural e as
músicas nordestinas.
31
Uma possível “exceção à regra” é o cavaquinista Waldiro Frederico Tramontano, o Canhoto (Rio de Janeiro,
1908-1987), um dos grandes nomes do choro carioca. Embora não tenham sido encontrados dados biográficos
consistentes a seu respeito, seu sobrenome permite supor que seja descendente de italianos.
53
As ideias desenvolvidas neste capítulo permitiram lançar um primeiro olhar sobre o
contexto no qual se insere a obra de Dante Santoro, com o objetivo de discutir aspectos a ela
relacionados, que serão retomados ao longo desta tese. Como pontos principais, destacam-se:
(1) a circularidade cultural é característica do choro desde suas origens. Obras como
a do flautista Dante Santoro expressam essa interação de elementos, constituindo exemplos de
mediação no campo musical. A análise de gravações do flautista interpretando composições
próprias pretende observar essa característica, com enfoque em seu estilo interpretativo.
(2) a improvisação no contexto do choro apresenta distintas abordagens. Por meio da
análise de gravações de programas da Rádio Nacional, em que Dante Santoro acompanha
cantores ao lado de seu regional, pretende-se observar de que modo ele improvisava, traçando
um paralelo com improvisos de Benedito Lacerda.
(3) produzida no contexto da indústria radiofônica e discográfica, a obra de Dante
Santoro tem como referência os padrões dessa indústria: assim, inclui gêneros variados,
nacionais e estrangeiros – como o choro, o bolero, o fox, a valsa, a canção etc. A listagem de
sua obra permitirá uma visão global de sua produção artística, buscando abarcar suas
gravações, partituras editadas e partituras manuscritas, a partir da coleta de dados em
diferentes acervos.
No próximo capítulo, será narrada a trajetória de Dante Santoro, desde suas
primeiras referências musicais em Porto Alegre até sua carreira profissional na Rádio
Nacional do Rio de Janeiro. Essa narrativa foi construída a partir de dados recolhidos na
bibliografia relacionada, em artigos de revistas e jornais e em depoimentos de músicos que
conheceram Dante Santoro e/ou sua obra.
54
CAPÍTULO 2
A TRAJETÓRIA DE DANTE SANTORO NO CHORO
Quando esta pesquisa foi iniciada, poucas eram as referências biográficas conhecidas
sobre Dante Santoro. Dois verbetes ofereciam um resumo de sua vida e obra: no Dicionário
Cravo Albin da Música Popular Brasileira32 e na Enciclopédia da Música Brasileira – Samba
e Choro (MARCONDES, 2000, p. 218-219). Carecia-se de dados biográficos mais
detalhados, ao tempo em que se especulavam histórias, entre os músicos, sobre curiosos
episódios de sua vida. Por exemplo, que Dante Santoro teria sido o único sobrevivente de um
acidente automobilístico na ocasião em que veio de Porto Alegre para o Rio de Janeiro e que
teria morrido, anos depois, tragicamente, em um episódio de agressão ocorrido em uma casa
noturna de sua propriedade, chamada O Inferno de Dante.
Era necessário, portanto, reconstituir a biografia de Dante Santoro, a partir de novas
fontes e de dados comprovados. Esse trabalho desenvolveu-se, paulatinamente, por meio do
contato com um de seus familiares - o sobrinho Homero Santoro - e com o músico e jornalista
gaúcho Arthur de Faria, que publicou em 2011 um artigo sobre o flautista na revista eletrônica
SUL 21. Esse artigo é parte de uma série que compõe o livro não editado Uma História da
Música de Porto Alegre, disponibilizado eletronicamente no portal SUL 21 no formato de
artigos periódicos.
As informações colhidas no artigo de Arthur de Faria foram complementadas por
depoimentos do sobrinho de Dante Santoro e de músicos que o conheceram. Também foram
coletados dados de jornais e revistas das décadas de 1930 a 1960, pertencentes ao acervo da
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Outra fonte essencial foram os
textos acadêmicos e literários sobre a música no Rio Grande do Sul, que auxiliaram a
compreensão e reconstituição de aspectos biográficos relacionados ao ambiente musical de
Porto Alegre no início do século XX.
A trajetória de Dante Santoro será narrada, neste trabalho, a partir de uma leitura
crítica desta pesquisadora. Buscou-se reconstituir sua história, com fidelidade aos registros
encontrados, desde suas primeiras referências musicais em Porto Alegre, até sua carreira
profissional na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Porém, este texto é certamente uma
32
Disponível em http://www.dicionariompb.com.br/dante-santoro.
55
interpretação de sua biografia, pois grande parte da memória se perdeu no lapso de quarenta e
quatro anos desde seu falecimento: poucos são os músicos contemporâneos a Dante Santoro
ainda vivos; além disso, restam não mais que vestígios documentais nos arquivos da Rádio
Nacional do Rio de Janeiro. Assim, serão apresentados os fatos e, no momento oportuno, os
comentários desta pesquisadora. Espera-se que futuros trabalhos possam enriquecer essa
narrativa.
2.1 Os primeiros anos de Dante Santoro em Porto Alegre (1904 - c. 1933)
Dante Italino Santoro nasceu em Porto Alegre, em 18 de junho de 1904. Era filho de
um casal de imigrantes italianos, Pasquale Santoro e Rosa Marsiglia Santoro, que tiveram
outros quatro filhos: Domingos, Homero, Godofredo e Algesira Santoro.
O interesse pela música pode ter sido herdado dos pais. Segundo o comentário da
pesquisadora Núncia Santoro de Constantino, prima de Dante, no texto que abre o encarte do
CD triplo A flauta Mágica de Dante Santoro (1998), Dante “interessou-se muito cedo pela
música, herdeiro da tradição que também fora transplantada na bagagem de seus pais, ele o
calabrês Pasquale, que aqui chegara com “um patacão e uma viola”, ela a napolitana Rosa,
com grande repertório de belíssimas canções”.
Não se sabe ao certo como se deu a iniciação musical de Dante. Estima-se que ele
tenha começado a tocar flauta por volta dos dez anos, mas não é possível determiná-lo. Sabese que no início do século XX, o ensino da música em Porto Alegre acontecia mais de forma
particular e informal, do que por meio de escolas oficiais. A institucionalização do ensino da
música e o reconhecimento da profissão de músico foram processos que se consolidaram na
capital gaúcha nas primeiras décadas do século XX (RODRIGUES apud SIMÕES, 2000, p.
91), ou seja, justamente no período que compreende a infância de Dante Santoro. Quem
seriam os professores de música daquela época em Porto Alegre?
Segundo Souza (2010, p. 87), Porto Alegre em meados do século XIX ainda não
tinha uma instituição de ensino exclusivamente musical. As aulas de música eram ministradas
por professores particulares, como os conhecidos professores Carlos Bernardino de Barros que desde 1891 lecionava flauta, clarineta, piano, violão e “cantoria” em sua residência; o
pianista Domingos Moreira Porto, o Mingotão – animador de festas particulares, também
lecionava música e ministrava concorridas aulas de dança (PORTO ALEGRE apud SOUZA,
2010, p. 64).
56
Havia também professores e maestros italianos, como o músico José Corsi (18801938), bandolinista “chegado ao Rio Grande do Sul como elemento de um pequeno conjunto
orquestral húngaro que excursionava pelo interior do Estado, dele se afastando ao estabelecer
relações com sua futura mulher, Luísa Torres, que residia em Alegrete” (CORTE REAL apud
SIMÕES, 2011, p. 126). Em 1910, residindo em Porto Alegre, Corsi anuncia no jornal
Correio do Povo lições de bandolim e um curso completo de aperfeiçoamento, ao lado da
mulher, Luísa Torres Corsi, que lecionava piano (SIMÕES, 2011, p. 126).
A prática da música passou a ser uma matéria complementar em alguns colégios
particulares desde fins do século XIX. Souza (2010, p. 87) refere que, como prática de grupo e
como demonstração de sociabilidade, muitos desses alunos acabavam fazendo parte das
orquestras amadoras e das estudantinas organizadas pelos professores. As estudantinas eram
conjuntos orquestrais mistos, compostos, principalmente, por violões e bandolins, que se
tornaram populares entre músicos amadores.
Entidades associativas, surgidas na virada do século XX, promoviam concertos e
audições para os associados. Algumas delas ofereciam aulas de música. Existiram a
Sociedade Filarmônica Porto-Alegrense (1877), a Associação Musical Carlos Gomes (1882),
a Estudantina Porto-Alegrense (1888), a Aplicação Musical (1888), a Sociedade Republicana
Musical (1889), o Grupo Lírico (1894), o Instituto Musical Porto-Alegrense (1896), o Club
Haydn (1897) e a Sociedade Musical Porto Alegrense (1900) (RODRIGUES apud SOUZA,
2010, p. 78). Como se verá mais adiante, Dante Santoro participou do movimento das
entidades associativas na década de 1920.
A fundação do primeiro Conservatório de Música no estado ocorre em 1908,
integrando o Instituto Livre de Belas Artes, atual Instituto de Artes da UFRGS.
O
conservatório ofereceu um curso de instrumentos de sopro, a cargo do Professor Biagio
Messina, de 1908 a 1910, quando encerrado em função da irregularidade de frequência dos
alunos. Desse curso seguramente não participou Dante Santoro, pois contava somente seis
anos. Em 1919 foi finalmente criado um curso de flauta, a cargo do Professor José Joaquim
Andrade Neves, graduado do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro na classe de
Pedro de Assis (WINTER e JUNIOR, 2009).
Dante poderia ter tomado parte desse curso de flauta, mas não há registros de que
tenha estudado no Conservatório de Música de Porto Alegre. A consulta ao arquivo histórico
foi feita nos livros de matrícula no período de 1908 a 1935. A pesquisa incluiu, ainda, os
cadernos de chamada das disciplinas da época, conforme informação prestada pela arquivista
57
Medianeira Pereira Goulart em 26 de junho de 2011, confirmada mediante visita ao Arquivo
Histórico do IA/UFRGS, em novembro de 2011.
Outra possibilidade é que Dante tenha estudado no Instituto Musical de Porto Alegre,
fundado em 1913, pelo já citado professor José Corsi. O Instituto também ofereceu um curso
de flauta a partir de 1918, sob a orientação do Professor Rocco Postiglione. Outras disciplinas
oferecidas foram canto, teoria, solfejo e harmonia, com o Professor Calderón de la Barca,
além de teoria e solfejo, com Gaetano Roberti (SIMÕES, 2011, p. 126).
Em 1920 os professores Guilherme Fontainha, do Conservatório de Música, e José
Corsi, do Instituto Musical de Porto Alegre, fundam o Centro de Cultura Artística, cujo
objetivo era difundir o ensino de música no estado do Rio Grande do Sul como um todo,
instalando escolas de música no interior. O enfoque dessa entidade parecia ser a formação de
músicos e de um público de concertos, que pudesse apreciar o crescente número de eventos
musicais ali promovidos (SIMÕES, 2011, p. 166).
Em 1931 inaugura-se o Instituto Musical Henrique Oswald, que oferecia aulas de
piano, canto, violino e flauta, com programas baseados nos do Conservatório de Paris e do
Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro. Além dessa escola, encontram-se referências
ao Instituto Carlos Gomes, fundado em 1924 pela professora de canto Sybilla Fontoura, e o
Conservatório Chopin, da professora de piano Santina Plumato Fornari (SIMÕES, 2008, p.
68-69). É pouco provável que Dante tenha estudado no Instituto Henrique Oswald, pois por
volta de 1931 já se mudava definitivamente para o Rio de Janeiro.
Não é possível determinar, pois, se Dante estudou formalmente em qualquer
instituição oficial de música em Porto Alegre. Na verdade, não se tem notícia de quem
poderia ter sido seu professor de flauta por essa época. No encarte do CD A Flauta Mágica de
Dante Santoro, a família afirma que ele estudou com um flautista chamado Agenor Benf. Não
foram encontradas referências a esse flautista em nenhuma das obras consultadas sobre os
músicos em Porto Alegre no início do século XX (SOUZA, 2010; VEDANA, 2000; SIMÕES,
2008 e SIMÕES, 2011). Entretanto, não se pode descartar totalmente essa hipótese.
Outra possibilidade a ser considerada é de que a menção em realidade queira referirse ao flautista Agenor Bens (c. 1850- c.1950), natural de Cordeiro- RJ e radicado no Rio de
Janeiro desde fins do século XIX. Essa hipótese é adotada pelo músico Arthur de Faria (2011)
em seu artigo sobre Dante Santoro. Porém, a distância física entre ambos leva a crer que
esses estudos ou ocorreram de forma ocasional, ou num período posterior, quando Dante já
58
vivia no Rio de Janeiro (a partir do início da década de 30). Atendendo a essa suposição,
falar-se-á de Agenor Bens posteriormente, quando da narração da ida de Dante para o Rio.
O único professor de Dante Santoro de que se tem registro por essa época é o
violonista e compositor Octávio Dutra, com quem atuaria posteriormente como músico
profissional na capital gaúcha. Sabe-se que o vínculo entre ambos se manteve mesmo depois
da mudança de Dante Santoro para o Rio de Janeiro, no início da década de 30. A primeira
gravação de Dante na capital federal foi justamente um disco 78 rpm com obras de Dutra:
Saudades do Jango e Beatriz (RCA Victor, nº 33770, ano 1934).
Como se deram os estudos de Dante Santoro com Octávio Dutra? Quais foram as
experiências iniciais de Dante como músico nas primeiras décadas do século XX em Porto
Alegre? A fim de conhecer o universo musical de Dante Santoro em suas origens, far-se-á um
breve estudo sobre a cena musical porto-alegrense nas três primeiras décadas do século XX,
tomando por referência os trabalhos desenvolvidos pela pesquisadora Júlia Simões no
Programa de Pós-Graduação em História da PUC/RS. Comentar-se-á, ainda, a atuação de
Octávio Dutra nesse contexto, tendo por referência sua biografia, publicada pelo musicólogo
gaúcho Hardy Vedana (2000), e a tese do violonista Márcio Souza (2010), desenvolvida
naquela mesma universidade.
2.2 A cena musical de Porto Alegre no início do século XX e a participação de Dante
Santoro
Nascido em 1904, Dante Santoro viveu em Porto Alegre até o início da década de
1930, quando se mudou definitivamente para o Rio de Janeiro, com pouco mais de vinte e
cinco anos. Antes dessa mudança, atuou na cena musical da capital gaúcha em saraus, blocos
de carnaval e concertos. Participou da vida musical da cidade em um período de
transformações, em que a música circulava em distintos meios: no ambiente das serenatas e
saraus; nos cinemas; nas casas de diversão; no teatro de revista; no carnaval e nas salas de
concerto.
No início do século XX, havia, em Porto Alegre, basicamente músicos amadores e
semiprofissionais, cujo repertório abarcava (1) gêneros herdados da tradição das serenatas do
século XIX (modinhas, lundus, polcas, tangos, schottisches, valsas e choros); (2) músicas
italianas e alemãs cultivadas pelos imigrantes; (3) música clássica europeia e brasileira. Esse
59
repertório ofereceu a base sobre a qual a atividade musical foi se diversificando ao longo do
século, com o incremento das atividades de entretenimento e de cultivo da música.
No que se refere às serenatas, tiveram o seu período de apogeu em Porto Alegre
durante a segunda metade do século XIX, como descrevem os antigos cronistas da cidade. Os
seresteiros eram pequenos grupos de músicos, geralmente com instrumentos de corda, sopro e
um cantor. Em geral, surgiam a partir da reunião de instrumentistas, amadores e profissionais,
que se deslocavam para tocar nas ruas e nas reuniões festivas em casas particulares
(MORAES apud SOUZA, 2010, p. 61).
Segundo o cronista Aquiles Porto Alegre, no século XX as serenatas começaram a
ser mal vistas pelo poder público, pois eram identificadas como episódios de desordem.
Gradualmente foram substituídas pelos saraus, que foram a grande fonte de entretenimento da
sociedade gaúcha até a década de 1930 (PORTO ALEGRE apud SOUZA, 2010, p. 62).
O sarau se caracterizava primeiramente como uma reunião social informal com o
objetivo de ouvir música, dançar, ler poemas e conversar. No entanto, a importância
cultural desse tipo de atividade abarcava outras questões relativas à formação social
e moral do indivíduo. Como aponta Rodrigues (2000), fazer música no final do
século XIX e início do século XX constituía-se em atividade social de importância
reconhecida. Enfatiza que a música não servia somente para alegrar as festas
familiares e cívicas, mas também como um componente importante da educação e
da formação moral e da cidadania republicana. Neste aspecto, era especialmente
valorizado o aprendizado de um instrumento musical no ambiente familiar. Quando
não se tinha o privilégio de ter alguém na família que soubesse música, o que era
raro, contratavam-se professores particulares. (SOUZA, 2010, p. 64).
Também a música vocal, tanto lírica quanto popular, foi cultivada na cidade no início
do século XX, especialmente nos chamados saraus lítero-musicais. Segundo Souza (2010, p.
66), nesse tipo de reunião eram convidados cantores e instrumentistas que mantinham um
repertório de música clássica. Esses saraus ocorriam tanto em residências como em locais
públicos, por exemplo, no aclamado Clube Jocotó, entre 1920 e 1930.
Diferente do sarau familiar, de caráter informal e no qual praticava-se
principalmente a música de salão, o sarau lítero-musical geralmente primava por
uma “hora de arte” considerada mais “elevada”. Era a oportunidade de se ouvir, em
ambiente reservado, os artistas de destaque e também o repertório executado em
recitais e concertos no palco dos teatros. (SOUZA, 2010, p. 66)
Segundo Simões (2008), na seção musical dos saraus lítero-musicais sempre havia
um recital de música erudita, com obras de épocas variadas (Liszt, Puccini, Gluck, Beethoven
Bach) e homenagens a compositores nacionais (Villa-Lobos, Leopoldo Miguez, Carlos
60
Gomes e Alberto Nepomuceno). A única exceção a esse tipo de repertório parece ser a
participação do conhecido grupo carioca “Ases do Samba”, com Francisco Alves, Mário Reis
e Noel Rosa, ocorrido em maio de 1932, no Theatro São Pedro (SIMÕES, 2008, p. 62).
Um interessante registro da participação de Dante Santoro em uma serenata
encontra-se em um livro de memórias do escritor gaúcho Dante de Laytano (1908-2000).
Depreende-se, da escrita rebuscada e metafórica, que o repertório da serenata foi todo erudito.
Transcrevem-se, a seguir, trechos do texto retirado do livro Mar Absoluto das Memórias
(1986):
Estava eu promotor público no Rio Pardo. (...) achei que devia trazer, a Rio Pardo,
Dante Santoro. E veio. Era uma serenata. Ia dar eu uma serenata. A noite de música
é uma inundação poética na berceuse de cada um. (...)
Dante Santoro veio para minha casa. A serenata estava preparada. Silêncio de
outono de estrelas contentes. Ilha, que ia ser minha esposa, seria a vítima lírica do
cancioneiro da madrugada bela, belíssima.(...)
Lá fomos, eu e amigos e Dante Santoro. Conhecia todos os grupos de artistas de
Porto Alegre, com eles convivia, fazia programa...(...) A serenata compensou os
árduos problemas da matéria. Mozart era ouvido sem Viena perto mas na quietude
divinatória da admiração incondicional. Nisso, Vivaldi se esgueira feliz por surgir
lépido. O terceiro número então foram as lágrimas de Chopin no solo do campo
santo de Paris independente de George Sand malvada, violenta e de amor volúvel. O
polonês francês é sempre um gênio do romantismo musical.
Dante Santoro regressou logo para Porto Alegre, no trem da manhã seguinte.
Ninguém dormiu. Nós, pelo menos. Embarquei o artista. (...). (LAYTANO, 1986, p.
187-188).
A partir da segunda década do século XX, surgiram várias instituições destinadas a
estimular a atividade musical na cidade e congregar os músicos, que já começavam a
organizar-se como classe. O Centro Musical Porto-Alegrense, inaugurado em 1920, foi uma
das instituições mais destacadas no meio musical de Porto Alegre à época. Desempenhou, por
quatorze anos, um importante papel como promotora de concertos, arrecadadora de fundos,
além de estabelecer uma identidade entre os músicos, no sentido de despertá-los para a
importância de se unirem como categoria (SIMÕES, 2011, p. 124).
O Centro Musical manteve uma orquestra, que era a maior de Porto Alegre naquela
época, e congregou vários sócios, dentre eles Dante Santoro. Segundo Simões (2011), a
maioria dos sócios trabalhava nas orquestras das chamadas “casas de diversões” da capital, ou
seja, cinemas, teatros, cafés e restaurantes. Entre esses grupos orquestrais estavam, por
exemplo, a Orquestra do Centro de Caçadores, sob a regência do maestro Milton de Calasans;
a Orquestra o Teatro Coliseu, sob a regência de César Fossati; o Club Monte Carlo, o High
Life Club, o cinema Colombo e o chalé da Praça XV, com sua Orquestra Bemann (SIMÕES,
2011, p. 143).
61
Em 1921, houve um episódio importante envolvendo os músicos de Porto Alegre. A
exemplo do que ocorria no Rio de Janeiro, o Centro Musical Porto-Alegrense elaborou na
época tabelas de ordenado para o pagamento dos músicos nas variadas funções artísticas.
Diante da demanda por correção salarial, o conflito com os empregadores não pôde ser
evitado. Em 23 de janeiro de 1921, todos os músicos de cinemas e casas de diversão de Porto
Alegre foram sumariamente dispensados.
A questão mobilizou os esforços do Centro Musical, cujos membros, reunidos em
sessão extraordinária, decidiram elaborar um manifesto explicando “o incorreto procedimento
dos proprietários de cinema”. Esse manifesto, cujo texto se transcreve parcialmente a seguir,
foi também publicado no jornal O Correio do Povo, em 03/02/1921:
Está no domínio público o incidente surgido entre os proprietários de cinemas desta
capital e as respectivas orquestras. Nenhum fato positivo foi articulado contra estas.
Em aviso que publicaram, os proprietários de cinemas declararam, apenas, que
dispensavam as orquestras para evitar o aumento dos preços das entradas. Mas ao
mesmo dia em que esse aviso era distribuído, em um cinema desta capital, como,
por irrisão para com o público, era cobrado o dobro do preço comum das entradas. E
frequentemente esse fato se reproduz nesse e em outros cinemas.
Ao passo, porém, que, de público, nenhum fato positivo se aduz contra as
orquestras, particularmente se veiculam inverdades dirigidas principalmente contra o
Centro Musical, ao qual estão filiados os professores das referidas orquestras.
E são falsidades que o Centro quer desfazer.
Há quem suponha e tem-se dito que o Centro Musical faz imposições aos
proprietários de cinemas. É absolutamente inexato. E não se provará com um único
fato essa acusação. Se alguma exigência pudesse haver, seria de caráter técnico,
artístico, e essa caberia sobretudo aos diretores de orquestra, ou então seria em
defesa de interesses lesados e neste caso não seria imposição. Ao contrário, o
regulamento do Centro diz, no seu artigo 9º: “Os proprietários ou empresários de
casas de diversões serão visitados semanalmente pelo diretor de mês, ao qual serão
apresentadas suas reclamações que, sendo consideradas justas, serão prontamente
atendidas. Em caso de urgência tomará providências o encarregado que o Centro
nomeou adjunto à orquestra”.
Dias antes de se verificar o atual conflito, o abaixo assinado, como presidente do
Centro, procurou proprietários de algumas casas de diversões. Todos se declararam
satisfeitos e disseram não ter nenhuma queixa a formular. Não obstante, dias após,
sem nenhum aviso anterior, eram dispensadas todas as orquestras. Afirma-se,
também, que os professores sócios do Centro reclamaram preços exorbitantes. É
igualmente inexato. É certo que o Centro elaborou uma tabela de preços, assim
como as têm os Centros Musicais do Rio de Janeiro e S. Paulo e as sociedades
orquestrais de Buenos Aires e Montevidéu. Mas essa tabela de preços é
perfeitamente razoável. Basta dizer que para as casas de primeira categoria, as que
ganham, diariamente, muitas centenas de mil réis, onde as orquestras são compostas
dos melhores profissionais da capital e onde estes precisam apresentar-se, trajados
com certa correção, o preço geral é de 12$000 por dia, aos diversos professores,
ganhando 13$000 o 1º violino e 18$000 o maestro, a quem cabe a responsabilidade
da orquestra.
Para as casas de 2ª categoria, os preços são inferiores. Por certo aquele preço de
12$000 para casas de 1ª categoria não é exagerado.
Mas nem mesmo isso, até agora, haviam pedido os professores do Centro, porque a
tabela, que entrou em vigor a 1º de janeiro, dispõe textualmente: “O Centro Musical
ao estabelecer a presente tabela não visa de maneira alguma fazer imposições
odiosas aos proprietários de casas de diversões atualmente existentes nesta capital,
62
como também não deseja alterar o bom andamento dos espetáculos que essas casas
atualmente exploram e para bem ser cumprido o que acima está, o Centro resolve
que: os srs. professores que se acham presentemente prestando seus serviços
profissionais em Cinemas, Teatros, Cafés, Restaurantes ou qualquer outra casa de
diversão, conservarão os mesmo preços atuais, só entrando em vigor esta tabela para
os professores que venham a ser chamados a prestar seus serviços após a aprovação
da mesma”. (...)
São, pois, inteiramente descabidas as acusações que por aí se lançam contra o
Centro e que poderiam iludir a quem ignora a verdade dos fatos. Na defesa de seus
associados, como na execução do seu programa artístico, o Centro Musical guarda a
mesma elevação de intuitos e visa os mesmos alevantados fins que o tornaram digno
dos aplausos e do apoio da população porto-alegrense. É desse apoio que o Centro
se preza de não haver desmerecido, que quer continuar a ser digno.
José Corsi. (SIMÕES, 2011, p. 151-152)
De acordo com a ata da assembleia de 24/01/1921, diversos sócios foram escalados,
por regiões, para distribuir o mencionado manifesto, entre eles Dante Santoro. Era a seguinte
a escala de distribuição:
São João: João Maciel; Andradas: Piedrahita, Truda, José dos Santos, Rocco
Postiglione, Amadeo Lucchesi; Cidade Baixa: Achylles, Júlio Oliva, Dante
Santoro; Garibaldi: Poggetti, Bersani; Floresta: Petry, Brojevsko [Brozensky];
Caminho Novo: Bruno Mascarenhas, Laitano Fedels, Pasqual Pesce. (Ata da
Assembleia de 24/01/1921 do Centro Musical Porto-Alegrense apud SIMÕES,
2011, p. 151, grifo nosso).
Não se sabe ao certo como terminou a negociação com os proprietários de cinemas,
se a favor ou contra as deliberações do Centro Musical Porto-Alegrense, mas o fato é que a
questão foi contornada e os músicos do Centro continuaram tocando nas orquestras. A
polêmica parece antecipar a crise de fato ocorrida em 1929, quando o cinema sonoro chega a
Porto Alegre. Os filmes sonoros não mais admitiram a presença concomitante de música
ambiente, tornando a atuação dos músicos restrita aos intervalos e às salas de espera. Mesmo
nesse contexto, as orquestras, com o tempo, foram substituídas pelo piano.
A foto a seguir (figura 1), do acervo da família Santoro, é um dos primeiros registros
de Dante Santoro, então com cerca de vinte anos. Na figura 2, vê-se Dante Santoro (o jovem
de baixa estatura de pé ao centro), entre os sócios fundadores do Centro Musical PortoAlegrense.
63
Figura 1. Dante Santoro, c. 1920-1930, Porto Alegre. Fonte: acervo da família Santoro
Figura 2. Sócios fundadores do Centro Musical Porto-Alegrense, c. 1920, Porto Alegre. Fonte: SIMÕES, 2011,
p. 128).
A independência da música, ainda muito vinculada ao cinema, começa a manifestarse mais fortemente na década de 1930, quando os concertos de música clássica de fato se
consolidam como uma opção de entretenimento. No início, grupos orquestrais são convidados
a preceder as sessões de cinema, interpretando repertório clássico antes da exibição do filme.
Foi o que ocorreu, por exemplo, em 1931, na inauguração do palco do Cine-Teatro Imperial,
situado na Rua da Praia, com a apresentação da Grande Orquestra de Concertos Sinfônicos do
Maestro Roberto Eggers. No programa – que precedia a exibição do filme Noites no Deserto,
64
de John Gilbert – o prelúdio da ópera Maria Tudor, de Carlos Gomes, a Suíte n. 1 do Peer
Gynt, de E. Grieg e o prólogo do Mefistófeles, de A. Boito. (SIMÕES, 2008, p. 51).
Nesse mesmo ano foi inaugurada uma loja de instrumentos musicais e partituras, que
abrigava também uma sala de concertos: a Casa Beethoven. Localizada na rua da Praia, a Sala
Beethoven de fato se impõe como sala de concertos, isto é, um espaço para recitais de música
erudita. Até então, os concertos ocorriam no Theatro São Pedro (que nessa época já contava
setenta anos) ou no auditório do Conservatório de Música (SIMÕES, 2008, p. 78). A
inauguração dessa sala parece ter um significado importante no processo de consolidação da
música como arte autônoma, desvinculada do cinema ou do teatro.
Um levantamento das atividades da Sala Beethoven no ano de 1931, realizado pela
pesquisadora Julia Simões, tendo por referência a pesquisa em jornais, revela duas
apresentações do flautista Dante Santoro naquele ano: 05/09/1931 – Audição de Dante
Santoro, flautista e compositor, à imprensa; 24/09/1931 – Recital de Dante Santoro, flautista e
compositor. O Quadro1 apresenta o levantamento da pesquisadora (SIMÕES, 2008, p. 84-85):
Quadro 1: Levantamento das atividades da Sala Beethoven (Porto Alegre) em 1931
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DATA
PROGRAMA
14/07/31 Concerto de inauguração
19/07/31 Recital de Raul Laranjeira, violinista
23/07/31 Recital de Willy Hoog, soprano
25/07/31 Audição de novidades
26/07/31 Recital de Raul Laranjeira, violinista
28/07/31 Recital das alunas de piano do professor Tasso Corrêa
07/08/31 1º Concerto Beethoveniano
14/08/31 2º Concerto Beethoveniano
18/08/31 Recital de Maria Alves cantora
21/08/31 3º Concerto Beethoveniano
27/08/31 Reunião-concerto
28/08/31 4º Concerto Beethoveniano
02/09/31 Palestra humorístico-ilustrada, com o caricaturista Márcio Nery
05/09/31 Audição de Dante Santoro, flautista e compositor, à imprensa
09/09/31 Noite Romântica
11/09/91 Recital de Isaías Sávio, violonista
14/09/31 1º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais
18/09/31 2º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais
23/09/31 3º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais
24/09/31 Recital de Dante Santoro, flautista e compositor
30/09/31 4º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais
06/10/31 Recital de alunas do Instituto Carlos Gomes
09/10/31 Recital de composições de Américo Baldino
15/10/31 1º Concerto da Terceira Série de Concertos Culturais
16/10/31 Recital de composições de Américo Baldino
17/10/31 Recital de Jacy Moss dos Reis violonista
21/10/31 Noite Brasileira
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22/10/31
23/10/31
29/10/31
04/11/31
07/11/31
16/11/31
17/11/31
19/11/31
21/11/31
25/11/31
26/11/31
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01/12/31
04/12/31
11/12/31
15/12/31
16/12/31
28/12/31
29/12/31
2º Concerto da Terceira Série de Concertos Culturais
Recital de Nilda Guedes, pianista
3º Concerto da Terceira Série de Concertos Culturais
Recital de Carmem Braga, cantora
Recital de declamação de Luíza Barreto Leite
Recital de Nato Henn, pianista
Recital das alunas de canto da professora Olinta Braga
Recital das alunas de piano do professor Tasso Corrêa
Exposição Mário Neves paisagista pernambucano
Recital do teremim, instrumento russo
Apresentação de Kícia Peskin, bailarina
Recital de Nato Henn, pianista e Fernando Hermann, violinista
Recital do teremim, instrumento russo
Recital do teremim, instrumento russo
Recital de Alayde Signoretti, cantora
Recital de Ubaldina Bicca, mezzo-soprano
Recital de alunos do Instituto Brasileiro de Piano – 1ª parte
Recital de alunos do Instituto Brasileiro de Piano – 2ª parte
Ensaio do Orfeão Rio-Grandense
Último concerto da temporada com o Orfeão Rio-Grandense
Fonte: (SIMÕES, 2008, p. 85, grifo nosso).
As apresentações de Dante Santoro chamam a atenção em dois aspectos: (1) o artista
se apresenta como flautista e compositor, o que leva a supor que o programa era constituído,
ao menos em parte, de obras de sua autoria; (2) Dante se apresenta em uma sala de concertos
de programação erudita, ou seja, sua obra agradava o público de concerto e provavelmente
não destoava da programação da casa. É possível, ainda, que Dante interpretasse não só as
suas composições, como também obras diversas do repertório erudito para flauta.
Um registro mais preciso foi encontrado sobre concerto ocorrido em Caxias do Sul,
no ano de 1934. Dois artigos publicados no jornal O Momento, de 12 e 19 de julho de 1934,
falam sobre o programa executado e apresentam uma crítica positiva ao evento (figuras 3 e 4).
Na ocasião, Dante Santoro interpretou: Peça característica, de sua autoria; Fantasia húngara,
de Guil. Popp; Rosa (valsa-serenata), de Octávio Dutra; Scherzo Capriccio, de Guil. Popp;
Serenata oriental, de Pattápio Silva; Beatriz, de Octávio Dutra; Il pastore svizzero, de P.
Morlacchi. Participaram, ainda, a cantora Hilda de Oliveira - que cantou várias obras, entre
elas Chorando o passado, de Dante Santoro – e o irmão de Dante, Godofredo Santoro, que
declamou duas poesias de sua própria autoria.
Observa-se que o programa mesclava música popular e erudita, com ênfase em dois
aspectos: (1) dentro do repertório popular, Dante Santoro buscava interpretar obras próprias
ou de Octávio Dutra, preferência que veio a se confirmar nas diversas gravações que realizou
66
a partir de 1936; (2) do repertório erudito, selecionava obras virtuosísticas do repertório
romântico de compositores europeus e do brasileiro Pattápio Silva33.
Figura 3: Artigo sobre concerto de D. Santoro. O Momento, edição de 12/07/1934. Fonte: acervo da hemeroteca
digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
33
Pattápio Silva foi uma grande referência para Dante Santoro e para os demais flautistas da época, pois foi o
primeiro flautista brasileiro a gravar para a indústria fonográfica, ainda na fase mecânica (1905). Embora a
qualidade dessas primeiras gravações não permita um estudo comparativo detalhado, é possível supor que a
sonoridade incisiva e a ênfase no virtuosismo técnico (fundamental nas composições e interpretações de Dante
Santoro) sejam, em grande, parte referências de Pattápio Silva, herdadas e transformadas na interpretação de
Dante Santoro. Essa observação será retomada na seção de análises do Capítulo 4.
67
Figura 4: Crítica sobre concerto de D. Santoro em Caxias do Sul. O Momento, edição de 19/07/1934. Fonte:
acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Retomando as considerações históricas, observa-se que, se por um lado, a chegada do
cinema sonoro foi motivo de crise para os grupos orquestrais, os avanços tecnológicos
ofereceram como contrapartida um cenário promissor no campo das transmissões
radiofônicas. As primeiras emissoras de rádio foram inauguradas no Rio Grande do Sul no
final da década de 1920: a Rádio Sociedade Rio-Grandense (1924) e a Rádio Sociedade
Gaúcha (1927). Ambas priorizavam a irradiação da música e a transmissão de programas
musicais.
O rádio foi o meio no qual Dante Santoro construiu sua carreira, à frente do Regional
da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a partir de 1936. Suas primeiras atuações no rádio
ocorreram ainda em Porto Alegre, na Rádio Sociedade Gaúcha, conforme depoimento do
próprio músico ao Diário da Noite, em 8 de agosto de 1956 (Figura 5). Embora afirme, nessa
68
mesma reportagem, que começou no rádio no ano de 1934, foram encontrados registros de
participações suas em programas de rádio no Rio de Janeiro desde o ano de 1928, o que indica
que ele atuava como free lancer em rádios cariocas desde esse ano, antes mesmo de fixar
residência no Rio de Janeiro.
Figura 5. Depoimento de Dante Santoro. Diário da Noite, edição 6164 de 8/8/1956. Fonte: acervo da hemeroteca
digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
69
Nessa mesma reportagem de 1956 (figura 5), ao perguntarem se sempre foi flautista,
Dante Santoro afirma: “Fui músico de orquestra, de regional e até hoje sou. Sempre como
flautista.” Essa afirmação dá a entender que Dante Santoro atuou desde a juventude em
orquestras e conjuntos regionais. Portanto, sua trajetória, como músico, seria marcada pela
constante circulação entre os ambientes erudito e popular.
2.3. Octávio Dutra na cena musical porto-alegrense: a parceria com Dante Santoro
Várias fontes ligam Dante Santoro à figura de Octávio Dutra. Como se estudará
adiante, cronistas contam que Dante foi conduzido por Dutra em suas primeiras incursões no
meio musical, nos saraus e nos carnavais do início do século. Dedicatórias de partituras e
cartas atestam que Dante, depois de aluno, tornou-se colega. É necessário conhecer a figura de
Octávio Dutra para avaliar sua influência na formação e na obra de Dante Santoro.
Octávio Dutra (1884-1937) foi um músico eclético. Violonista, bandolinista e
compositor, atuou em serenatas, saraus, no teatro de revista, em grupos carnavalescos, como
professor de música e como diretor musical em transmissões radiofônicas. Inicialmente foi
autodidata, porém ingressou no Conservatório de Música de Porto Alegre em 1910, onde
permaneceu pelo período aproximado de um ano, conforme registros do Arquivo Histórico do
IA/UFRGS. Ali aprendeu a escrever música e teve contato com alguns princípios
composicionais, técnicas que potencializaram suas criações.
Dirigiu e atuou como músico em quatro grupos, tanto na formação regional (duas
flautas, cavaquinho, bandolim e violão), como na de orquestra popular (piano, voz, madeiras,
metais e cordas dedilhadas): o Bando do Octávio (década de 1900), o Terror dos Facões
(década de 1910), Os Batutas (década de 1920) e a Orquestra da Guarda Velha (década de
1930).
O Bando do Octávio atuava nas serenatas e saraus do início do século XX, com um
repertório composto principalmente de valsas e modinhas de sua autoria, cujos títulos
sugestivos quase sempre se referiam a mulheres - Nilva, Ada, Catita, Santa, Sonâmbula,
Fantasmagórica e Vagabunda. O rádio-ator Pery Borges, que participou do grupo, recorda,
em crônica de 1937 ao jornal Folha da Tarde, o costume das serenatas:
1910, altas horas, junho friorento, rua da Margem, iluminada ainda por
lampeõezinhos de querosene. Silêncio de repouso e de morte. De repente, junto a um
umbral de uma janela modesta, os dedos mágicos do artista acordavam os sons
apaixonados de uma canção de amor e a voz do Lauro ou do Zeca, dois trovadores
70
do bando do Octávio, acordam o silêncio sonolento da rua (...) As donzelas do 2º
Distrito embalavam sonhos com as melodias chorosas dos pinhos enamorados, que
os velhos amaldiçoavam... Dutra era o primeiro violão da cidade, desde o tempo que
esse pobre e grande instrumento era tido como elemento de vagabundagem.
(BORGES apud SOUZA, 2010, p. 114-115)
Embora as serenatas tenham escasseado a partir de 1910, o sarau parece tê-las
substituído nas décadas seguintes, como uma prática social na qual se cultivava aquele
repertório, porém não mais num contexto de boemia, e sim num ambiente doméstico. Atribuise a Octávio Dutra a introdução do violão como instrumento socialmente aceito na sociedade
porto-alegrense do início do século XX, de forma semelhante à aceitação que o piano sempre
desfrutou. Dutra de fato inovou, ao ensinar o repertório das serenatas, ao violão ou bandolim,
o que é atestado pelo cronista Dante Pianta ao jornal Diário de Notícias, em 24 de agosto de
1975:
Pouco a pouco, senhoritas da sociedade, rapazes, senhoras e cavalheiros aderiram ao
violão, tendo Octávio Dutra ensinado o segredo desse sonoro instrumento a
elementos da sociedade local (...) Ao lado de pianistas, violinistas e cantores,
surgiram damas violonistas, entre as quais a brilhante escritora Carmen Annes Dias,
que cantava acompanhando-se ao violão. (Pianta, jornal Diário de Notícias,
24/08/1975).
Os saraus prosseguiram até a década de 30 em Porto Alegre, tornando-se uma
verdadeira tradição musical. Segundo familiares, a residência de Octávio Dutra tornou-se um
dos pontos de atração do setor artístico da cidade, pois as pessoas vinham para ouvir música,
os que aprendiam com Dutra vinham tocar e todos se reuniam de forma espontânea. Sonia
Paes Porto, sobrinha-neta do compositor, em depoimento ao pesquisador Marcio Santos,
informa que nessas ocasiões “chegou a conhecer o famoso flautista Dante Santoro, um dos
alunos de Octavio Dutra e companheiro de saraus”. (SOUZA, 2010, p. 119).
Com o grupo Terror dos Facões34, Octávio Dutra alcançou projeção nacional. As
gravações do selo gaúcho Casa A Eléctrica, também foram lançadas pela gravadora Odeon,
distribuída pela Casa Edison de São Paulo e do Rio de Janeiro. De acordo com o inventário
efetuado por Vedana (2000), o Terror dos Facões gravou cerca de 24 faixas entre 1913 e
1914, para as casas Hartlieb e A Eléctrica. O repertório continha polcas, schottisches,
mazurcas e valsas. O grupo foi formado por Octávio Dutra no violão e bandolim, seu irmão
Arnaldo Dutra no cavaquinho, Honório da Silva no violão e os flautistas Creso de Barros e
José Xavier Bastos, o Cazuza.
34
O termo “facão” era, na época, uma gíria usada entre os músicos para designar o músico ruim.
71
Essas gravações do grupo Terror dos Facões foram digitalizadas e compiladas na
coleção Memórias Musicais (Biscoito Fino/Instituto Moreira Salles, 2002), em 16 faixas,
sobre as quais comenta o saxofonista Pedro Paes:
Das 16 faixas desta coletânea, 12 são assinadas por Dutra. As suas polcas intituladas
Como Há de Ser, Esmagadora e Olha o Poste! ilustram a sofisticação do seu estilo
de composição: melodias cheias de cromatismo e saltos de difícil execução para o
solista, modulações para tons distantes e um alto de grau de elaboração no
contraponto do violão com a melodia da flauta. No schottisch Dialogo das Flores,
assim como na maioria das outras composições, a linha melódica dos baixos do
violão (conhecida como baixaria no jargão do choro) incorpora-se à música,
estabelecendo um verdadeiro diálogo com as flautas. As características da música de
Octavio Dutra assemelham-se às da música de seus contemporâneos cariocas como
Irineu de Almeida, Candinho Silva e Pixinguinha.
O dueto de flautas é explorado também no schottisch Coração de Ouro e na valsa
Celina, composição de Octavio Dutra que alcançou grande popularidade em seu
tempo. Essa valsa foi gravada em disco Odeon pelo Terror dos Facões em 1913,
atingindo a incrível vendagem de 40 mil discos por todo o Brasil.
Aliás, a valsa é o gênero em que Octavio Dutra foi considerado insuperável. O seu
dom de melodista é também registrado nas valsas Orvalho de Lágrimas, Separação
e Republicana (esta dedicada ao presidente da província Borges de Medeiros). Na
mazurca Coração que fala, Dutra ainda aparece como solista de Bandolim, em uma
mostra de seu virtuosismo. O tango O Maxixe e as polcas Olha o Poste! e
Vagabundo (esta gravada com ditos chistosos) têm efeito cômico, ressaltando o lado
brincalhão e malandro deste grande compositor. (Comentário de Pedro Paes no
encarte do CD 05 da coleção Memórias Musicais, 2002, grifo do original).
A formação instrumental e o repertório do Terror dos Facões o conecta de forma
muito direta com os grupos de choro do início do século XX. Souza (2010, p. 122) aponta que
essa identificação com os grupos de choro pode ter a sua origem nas serenatas, visto que
utilizavam formação instrumental semelhante. Também adicionamos o fato de que o ambiente
musical ali cultivado, segundo assinalam os depoimentos, assemelhava-se ao das rodas de
choro. Porém, não se tem informação documental sobre seu primeiro contato com a música
dos chorões. O fato é que essa afinidade, uma vez estabelecida, se perpetuou na música e no
intercâmbio com chorões do mais alto nível, como Pixinguinha (em visita a Porto Alegre em
1923, conforme SOUZA, op. cit, p. 179), Garoto e Aimoré (em 1935, conforme SOUZA, op.
cit, p. 121).
No final da década de 1910 e início de 1920, a participação de Octávio Dutra foi
mais efetiva no contexto dos cordões e blocos carnavalescos. Foi compositor, ensaiador,
regente e figurante de blocos carnavalescos, o que se pode atestar pelos registros de músicas
carnavalescas e pela memória de cronistas.
À época existiam em Porto Alegre blocos rivais, como Os Tigres, Os Batutas, Os
Janaús, Os Tesouras, Passa fome e anda gordo, dentre outros (BARROS apud SOUZA, op.
cit, p. 75). Os blocos carnavalescos eram compostos de estudantinas de aproximadamente
72
vinte instrumentistas e coros, que saíam às ruas executando um repertório de hinos, marchas,
tangos, valsas, polcas, schottischs (VEDANA, 2000, p. 25). A apoteose dos desfiles se dava
nas praças, onde havia um duelo de blocos rivais.
Octávio Dutra atuou como ensaiador de alguns cordões, sendo o mais famoso deles,
Os Batutas. Segundo Hardy Vedana (2000), para o carnaval de 1921, Dutra compôs para o
grupo o one step O batuta e os tangos Beijos e Bota fora esse negócio. Ainda segundo o
biógrafo, Os Batutas foram aclamados campeões do carnaval daquele ano, após o confronto
com o bloco Os Tigres na Praça Garibaldi. De acordo com sua narração, Dante Santoro foi
uma das estrelas do grupo naquela ocasião, sendo ovacionado pelos presentes:
Logo após Os Batutas haverem executado, com maestria, a valsa Palmyra, de
Octávio Dutra, então ensaiador e compositor d´os Batutas – onde teve um solo de
flauta o aplaudido “canário” Dante Santoro – o povo que assistia com avidez o
encontro Batutas-Tigre ovacionou a estudantina Batuta e levantou em seus braços o
glorioso flautista Dante. Então Os Tigres, fortemente despeitados, responderam aos
batutas com o bonito tango Vae botá isto lá, autoria de J. Penna. O fato obteve
imediata resposta dos Batutas, que executaram Bota fora esse negócio, fazendo com
que o público, de cerca de 3 mil pessoas, vaiassem os Tigres. Estes, abatidos, se
retiraram da arena. Os Batutas foram aclamados como campeões. (VEDANA, 2000,
p. 25).
Entretanto, há outras referências ao grupo Os Batutas, fora do contexto do carnaval.
Era também um grupo orquestral, formado por quatro flautas, quatro violinos, quatro violões,
dois cavaquinhos, dois clarinetes, um trompete, dois baixos e um trombone, segundo o álbum
de partituras pertencente ao compositor. Segundo Souza, (2010, op. cit, p. 165), no
manuscrito da canção Suplicando (1921), Octávio Dutra anotou que “nesse espetáculo ouviuse pela primeira vez no Theatro São Pedro orquestra composta de violões e cavaquinhos, o
que muito agradou a plateia” (SOUZA, op.cit, p. 166).
Experiência similar ocorreu em 1926, quando Os Batutas - atuando como uma
orquestra de cordas dedilhadas – apresentaram, no Cine-Theatro Apolo, uma versão da
abertura da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, com cavaquinhos e violões. Assim se
manifestou a crítica jornalística da época, segundo álbum de notícias compilado por Octávio
Dutra:
O número principal, a execução da fantasia de “O Guarani” pela estudantina do
popular cordão Os Batutas, obteve o natural sucesso, sendo obrigada a bisar.
Destacaram-se muito os violões, sob a regência de Octávio Dutra, e que, no arpejo
do Allegro mosso, pareciam harpas dedilhadas por mãos de mestres. (O GUARANI
pela estudantina batutense [1926] apud SOUZA, 2010, p. 177).
73
É possível que Dante Santoro tenha participado desses eventos, considerando que era
membro do cordão Os Batutas e que desde 1921 já era ovacionado como grande flautista e
parceiro de Octávio Dutra. Lamentavelmente, não se há encontrado referência a seu nome
nesse contexto.
A colaboração de Dutra nas Revistas Musicais, como compositor, ocorreu
paralelamente às atividades nos saraus e carnavais, desde o ano de 1907. A temática das
serenatas também esteve presente nas Revistas e algumas canções, que alcançaram
popularidade nesse métier, foram objeto de gravações. Uma referência da atuação de Dutra
nas Revistas é a crítica jornalística publicada em 1912, sobre a peça Não pode, do teatrólogo
gaúcho Dolival Moura, apresentada pelo grupo Terror dos Facões no Theatro São Pedro:
A música, quase toda original do maestrino Octávio Dutra, é boa e agradável. Para
que a revista faça sucesso, nada lhe falta: boa música, piadas engraçadas e maxixe
de vez em quando, com o excelente grupo musical ‘Terror dos facões’, tendo a sua
frente como diretor o inteligente compositor Octávio Dutra (VEDANA, 2000, p.
18).
O último grupo de que se tem notícia, sob a direção de Octávio Dutra, é a Orquestra
da Guarda Velha da Rádio Sociedade Gaúcha, no início da década de 1930. As informações
sobre esse grupo não são precisas. Sabe-se que a Rádio Gaúcha tinha um regional e uma
orquestra. Octávio Dutra foi o diretor artístico do Regional da Rádio Gaúcha. Entretanto, ao
regional somavam-se, eventualmente, outros membros, quando a instrumentação dos arranjos
assim requeria. Informa Souza (2010, op. cit) que, nessa orquestra mista, Dutra reuniu
instrumentos de sopro, madeira e metal, instrumentos de arco e de cordas dedilhadas, além de
vozes.
Pode-se entender que, pelos arranjos dessa época, suas obras atestavam os
primórdios da orquestra do rádio, visto que combinou violino, violoncelo, baixo,
saxofone, trompete e clarinete aos sons da flauta, violão e cavaquinho.(...) Coube a
Dutra fazer arranjos dos sucessos nacionais da época, acompanhar cantores (as) e
rearmonizar antigas produções, principalmente valsas e choros. Nesse contexto,
criou a “Guarda Velha”.(SOUZA, 2010, p. 204).
A edição de partituras e as gravações de discos também foram campos de trabalho de
Octávio Dutra e meios de divulgação de sua obra. Algumas de suas composições foram
editadas em Porto Alegre entre as décadas de 1910 e 1920. Segundo Souza (2010, p. 94),
foram impressas nessa época as valsas Celina, Catita, Pax, o álbum intitulado Pétalas,
contendo polcas, choros e tangos e algumas das suas marchas carnavalescas.
74
Dutra também participou da chamada geração gramofone de Porto Alegre, no
período de 1913 a 1924. Gravou discos para as casas Hartlieb, A Elétrica e Odeon, embora
tenha se afastado desse meio com o fechamento das gravadoras em Porto Alegre na década de
20. Depois desse afastamento involuntário, sua obra só foi gravada nos grandes centros do
país posteriormente por colaboradores, como o flautista Dante Santoro e o bandolinista Pery
Cunha.
Compositor dos mais credenciados, principalmente criador de valsas, granjeou fama
no Rio de Janeiro, ainda em vida, (...) impondo suas composições através de seus
alunos, como por exemplo Dante Santoro, o “canário rio grandense”, que gravou
inúmeros sucessos do mestre. Apaixonado por Porto Alegre, Otavio Dutra rejeitou
todas as propostas que lhe fizeram para daqui sair, por não querer viver longe de sua
terra natal. (Pianta, Diário de Notícias, 24/08/1975)
Entretanto, a oportunidade de gravar foi pleiteada por Dutra no ano de 1931, em
carta a José Gagliardi, representante da fábrica Columbia Records em São Paulo. Na
correspondência, Dutra oferece os préstimos de seu conjunto regional, do qual participava
Dante Santoro, fixando as condições contratuais, conforme o trecho que se transcreve a
seguir:
Devo-lhe dizer que disponho de um conjunto musical typico de primeira ordem,
como bem pode calcular o seu contratado, o exímio banjista Amador Pinho,
competente no assumpto e que muito me conhece. O meu flautista, professor Dante
Santoro, cognominado o “Canário Rio-Grandense” é, sem favor, o maior desse
estado e quiçá do Brazil. Convinha, pois, que a sua fábrica de discos não perdesse
tão valoroso elemento. Porém a ida do conjunto a essa capital seria um tanto
dispendiosa para o senhor, por isso lembro-lhe o seguinte: um contrato só para mim
e Dante, reduzindo muito, deste modo, a quantia que deveria o senhor dispender
com a presença ahi do conjunto completo. Em todo caso devo informar-lhe o preço
do mesmo, por mez, cuja base é um conto de réis por figura, e mais as respectivas
passagens de ida e volta conforme deverá saber. É composto tal conjunto de cinco
figuras: uma flauta, um saxofone, um cavaquinho e dois violões, sendo eu um deles.
Mas, se não lhe convier o negócio com o conjunto, eu e Dante iremos para ahi com
o ordenado mensal de dois contos e quatrocentos mil réis (os dois) com as
respectivas passagens de ida e volta e com contracto mínimo de seis mezes, com
prorrogação dependendo a mesma de ajuste entre nós. Com respeito a nossas
obrigações, cumpre-me dizer-lhe que serão as seguintes: gravar as minhas músicas
uma vez adquiridas, por compra, pelo senhor, como também gravar as de outros
autores, do mesmo gênero, quando isto for determinado e mais alguma cousa que
será combinada ahi. (Carta de Octávio Dutra a José Gagliardi in VEDANA, 2000, p.
88-89).
As referências a Dante Santoro indicam que ele e Octávio Dutra eram parceiros
musicais nessa época e se apresentavam juntos, tanto em grupos regionais como em dueto. O
testemunho de Dutra deixa transparecer sua admiração pela qualidade de Dante como
flautista, aspecto inclusive enfatizado na propaganda do grupo perante a gravadora. A figura 6
75
mostra Dante Santoro, Octávio Dutra e um terceiro músico não identificado, possivelmente na
década de 1920.
Figura 6. Dante Santoro, Octávio Dutra e músico não identificado. c. 1920-1930. Porto Alegre. Fonte: acervo da
família Santoro.
No que se refere à experiência de ensino de diferentes instrumentos, tudo indica que
se dava dentro de um estilo de música popular, ou seja, por meio do repertório que Dutra
tocava e compunha. Seu Curso Particular de Canto e Música foi fundado por volta de 1910 e,
conforme Dante Pianta, estendeu-se até 1937 (PIANTA apud SOUZA, op. cit., p. 128).
Ministrava aulas de canto, violão, bandolim, cavaquinho e harmonia. Segundo Souza (op.
Cit., 2010, p. 128), o carimbo com os dizeres “Octávio Dutra leciona música” ainda pode ser
encontrado em diversas capas de suas partituras impressas e manuscritas.
Através da atividade docente, Dutra criou uma escola de violonistas populares, que
formou importantes nomes do cenário gaúcho. Dentre eles, Gorgulho e Ney Orestes
76
(participantes da primeira formação do Regional de Benedito Lacerda), Mosquito, Manoel
Lima e Jessé Silva (SOUZA, op. Cit. p. 129-130); Honório, Pedro Neves, Conetet, Waltrudes
Paes, Brasil Brandão, Gumercindo do Amaral, Vitor Abrano, Gustavo Ribeiro e Levino da
Conceição (VEDANA, 2000, p. 85).
Entre os músicos de outras especialidades, podem-se mencionar os cavaquinhistas
Arnaldo Dutra, Eurico Leão, Edmundo Vaz e Coimbra; os bandolinistas Ostelino Pantoja,
Amador Pinho, Andonio del Bagno e Pery Cunha; os flautistas Dante Santoro, Creso de
Barros, Fernando Antunes Feijó, João Batista Lobato, Cazuza, Leopoldo Nery e Luiz Amábile
(Piratini); os pianistas Raul Moraes e Augusto Vasseur; o pistonista Acioli; os violinistas
Cravinho e José Specialiski e os cantores Omar Fonseca, Pezzi, Benjamim Borges, Otávio de
Jesus e Januário de Souza (VEDANA, op. Cit, p. 85). Destes, além de Dante Santoro, Pery
Cunha e Augusto Vasseur estabeleceram-se no Rio de Janeiro.
Não há registros sobre a metodologia de ensino de Dutra, exceto os cadernos
musicais da época. Ele compilava o repertório utilizado nos saraus, serenatas, grupos de
choro e carnaval em cadernos manuscritos. Compilou música específica para carnaval, além
do repertório de seus grupos. Souza menciona que “esses cadernos possivelmente também
fizeram parte do repertório das aulas particulares de música que ministrava desde 1905 e das
reuniões musicais que organizava em sua casa ou que participava na casa de amigos”.
(SOUZA, 2010, p. 114). No acervo pertencente à família de Octávio Dutra encontram-se doze
desses cadernos, alguns dos quais incluem repertório de outros autores.
Pode-se inferir que Dutra ensinava leitura musical, além dos primeiros passos em
cada instrumento (postura, emissão sonora, técnica básica). A evolução do aprendizado
ocorria então na prática, com a execução de repertório. O intercâmbio informal, nos saraus e
reuniões musicais, permitia que o aluno conhecesse o repertório e se integrasse cada vez mais
aos grupos de Octávio, na medida em que avançava tecnicamente no instrumento. Acredita-se
que esse foi o processo no qual se inseriu Dante Santoro como estudante35.
Anotações nos cadernos musicais de seus colegas e alunos deixam transparecer a
camaradagem que caracterizava essa relação, além de traços da personalidade de Dutra, como
sua forte liderança e seu bom humor. Do livro de músicas do flautista Vicente Lua Cheia,
35
O uso de cadernos manuscritos parece similar ao que ocorria no Rio de Janeiro na mesma época. Também a
descrição do ambiente de ensino (saraus e reuniões musicais) leva a crer que havia entre Octávio Dutra e seus
alunos uma relação mestre-discípulo, como descrito no Capítulo 1.
77
extrai-se a seguinte mensagem: “Lua Cheia, vê se tocas direito a música”. Ao lado, no mesmo
caderno: “Tu sabes que eu gosto de um bom vinho... (branco não!)”. No caderno de música do
flautista Lombriga, na música Pierrot e Colombina, havia o seguinte recado: “Animal, si não
entenderes as fermatas, suicida-te!”. (VEDANA, op. cit, p. 86). Sonia Paes Porto, sobrinhaneta de Octávio Dutra, recorda que Dutra era chamado de “burro querido”, pois era muito
bravo e ao mesmo tempo amável. Se o aluno errava, dizia “mas tu és burro, meu querido!”,
numa mescla de irritação e amabilidade (PORTO apud SOUZA, op. cit. , p. 129).
A experiência musical de Octávio Dutra caracteriza-se, essencialmente, pela
multiplicidade de suas atuações, seja como professor, arranjador, compositor, maestro ou
intérprete. Isso se deve ao fato de que ele acompanhou a expansão da atividade e da categoria
profissional do músico naquela época. Porém, para além da exigência do mercado musical da
época, seu ecletismo parece se relacionar a uma tendência pessoal ao protagonismo e à
inovação: Dutra não dispensou a formação erudita do conservatório, apesar de se manter fiel a
um repertório que privilegiava a música popular urbana nacional. Levou esse repertório a
distintos espaços sociais e com ele ensinou música, fato até então inédito na capital gaúcha.
Nota-se que os conceitos erudito e popular já se diluíam no ambiente musical de
Porto Alegre no início do século XX: diferentes repertórios eram misturados em espaços
como cinemas, teatros, blocos de carnaval, salas de concerto etc. A atuação de Octávio Dutra,
entretanto, impulsionou essa circulação, o que foi incorporado por Dante Santoro em sua
atuação como músico.
No caso de Dante Santoro, pode-se identificar esse traço de ecletismo desde cedo em
sua atuação como flautista de orquestras, grupos de serenata, grupos de choro, nos saraus e
salas de concerto. Essa tendência acentuou-se com o passar dos anos, quando se dedicou
também à composição e à direção musical. Dutra e Santoro foram intérpretes essencialmente
autorais, que compuseram, gravaram e editaram suas próprias obras. Dedicaram-se também
ao mesmo tipo de repertório: choros, valsas, marchas, polcas-choro, maxixes, schottisches,
boleros e danças típicas.
Como se observou no Capítulo 1, a mediação, ou seja, essa habilidade de circular por
distintos “ambientes musicais” e atuar em variadas “frentes”, de forma eclética, era
característica essencial dos músicos populares no início do século XX. Essa habilidade se
manteve no contexto da indústria fonográfica e radiofônica, após a década de 1930, quando os
músicos profissionais foram chamados a atender um variado repertório, nas transmissões
radiofônicas e nos estúdios de gravação.
78
2.4. Dante Santoro no Rio de Janeiro (c. 1933-1969): o meio radiofônico
Apesar do crescimento das atividades musicais em Porto Alegre nas primeiras
décadas do século XX, as perspectivas profissionais dos músicos gaúchos ainda eram
restritas, se comparadas às do Rio de Janeiro, então capital federal. Como mencionado, na
capital gaúcha as gravadoras foram desativadas em 1924, o que dificultava o registro e a
difusão das obras musicais.
Dante Santoro já buscava uma oportunidade fora da capital gaúcha antes de 1933 ano em que provavelmente se instalou no Rio de Janeiro. O primeiro registro de participação
de Dante Santoro em programa radiofônico no Rio de Janeiro data de 18 de abril de 1928, na
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, ao lado de Jessy Barbosa e Gastão Formenti (canto),
Rogério Guimarães (violão), Pery Cunha (bandolim) e Alberico de Souza (piano). No
programa, interpreta a valsa Sonhando, de autor desconhecido (figura 7).
A esse programa segue-se outro, em 31 de maio de 1928, também na Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro, no qual Dante Santoro interpreta três músicas: Celina (valsa), de
Octávio Dutra; Betinho no choro (choro), de Dante Santoro e Zinah (choro), de autor
desconhecido. Ambos os registros foram retirados da Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro.
Nessa mesma época, Dante tocava também em um grupo de música regional, Os
Bohemios Brasileiros. O repertório do grupo era bem variado, incluindo choros, canções,
valsas e sambas, o que se depreende de artigo publicado pelo jornal A Noite, em 3 de julho de
1929 (figura 8). Entre as obras mencionadas, constam: Sempre nós (polca) e Beatriz (valsa),
de Octávio Dutra, além da polca Só na flauta, de Dante Santoro. O grupo preparava-se, em
1929, para uma apresentação na Espanha, como afirma a nota publicada no jornal Crítica, de
setembro de 192936:
No grande Réveillon da Independência, que na próxima sexta-feira 6 se realiza no
Beira Mar Cassino, figura como principal atração a exibição dos artistas nacionais
conhecidos por “Os Bohemios Brasileiros” e que estão prestes a despedir-se do
Brasil, pois embarcam em breve para a Europa, onde se exibirão na exposição de
Sevilha. São eles os artistas que conservam seu amor pela flauta, cavaquinho e
36
A Exposição Iberoamericana de Sevilha, ocorrida de 09 de maio de 1929 a 21 de junho de 1930, foi a primeira
exposição internacional destinada a fortalecer os laços de integração entre os países ibéricos e americanos. Não
foram encontrados registros que confirmassem a participação do grupo Bohemios Brasileiros no evento. Porém,
sabe-se, pela narração do cronista Dante de Laytano, que Dante Santoro esteve, em algum momento, em visita à
península ibérica, mais especificamente a Portugal: “Encontrei com ele, depois, umas vezes. Inclusive, no Rio de
Janeiro, onde se afeiçoara, vivia na Rádio Nacional e desfrutava o prestígio de músico em forma. Flauta Mágica.
E o era. Também o achei, e num acaso alegre, em Lisboa à tardinha, no Chiado animado de gente”. (LAYTANO,
1986, p. 188)
79
violão e pelas seresteiradas cantadas de noite, tradições musicais que vão
desaparecendo, e que bem dizem com o carácter da festa da Independência que o
Brasil vai, mais uma vez, celebrar.
E bem andou a direção do Beira Mar Cassino contratando esse conjunto, que é
composto pelos bem conhecidos artistas: Dante Santoro, flauta; Pery Cunha,
bandola; César Luciano, cavaquinho; Jacy Pereira, violão; Rubem Bergman, violão;
Macrino Madeiros, violão; Lourival Montenegro, violão; Salvador Correia, pandeiro
e Adalardo Mattos, cantor, os quais interpretarão os trechos mais populares da
música nacional. (Jornal Crítica, 3/9/1929, ed. 249, página VI).
Figura 7. Primeiro registro de Dante Santoro no rádio carioca. Jornal A Esquerda, 18/4/1928. Fonte: acervo da
Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
80
Figura 8. Detalhe do artigo sobre os Bohemios Brasileiros publicado no jornal A Noite, de 03/07/1929. Fonte:
acervo da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Afirma o músico Arthur de Faria (2011) que a mudança definitiva de Dante para o
Rio de Janeiro deu-se em 1933, quando começou a trabalhar na Rádio Cajuti PRE 2,
inaugurada nesse mesmo ano. A emissora, que funcionava no bairro da Tijuca, dava destaque
à programação musical, tendo entre seus artistas exclusivos os cantores Francisco Alves e
Edgard Velloso. Em 1934, Dante teria se transferido para a Rádio Educadora do Brasil,
emissora que já contava oito anos de transmissões. Voltada para a difusão da cultura, sua
programação era constituída basicamente de palestras, conferências e números de música
clássica e ópera.
Não foram encontrados registros das apresentações de Dante Santoro na rádio Cajuti,
mas nesse período, de 1933 a 1935, Dante Santoro participa de programas radiofônicos nas
rádios Philips (1933), Club (1933 e 1934) e Sociedade Guanabara (1935). Em 16 de dezembro
de 1933, o jornal A Batalha (ed. 1166) traz, na página 4, a programação da Rádio Club, na
qual se apresenta o Trio Typico Dante Santoro (formado por Dante Santoro, Mário Cabral e
Antenógenes Silva). No programa, constam obras de Octávio Dutra, Levino da Conceição,
Dante Santoro e Manoel Lima (figura 9). Em 1934, Dante ganha seu próprio programa na
81
Rádio Club, como indica a programação publicada no mesmo periódico, na edição 1186 de 12
de janeiro de 1934. O Programa Dante Santoro também aparece na programação publicada
pelo Diário Carioca (edição 1674), em 16 de janeiro de 1934.
Figura 9. Programa Dante Santoro, Rádio Club. Jornal A Batalha, 16/12/1933, ed. 1166, p. 4. Fonte: acervo da
Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Uma crítica publicada por F. Tupynamba na Gazeta de Notícias, em 5 de dezembro
de 1935, a respeito do Programa Único, da Rádio Guanabara, fala da participação de Dante
em outro grupo de instrumentistas – o Grupinho Guanabara - porém tocando um repertório
distinto: ópera. Diz a publicação:
Ouvimos segunda-feira última uma irradiação desse programa e confessamos que
nos agradou em cheio, principalmente o “Grupinho Guanabara”,(...) que se compõe
de dois violões, uma flauta e uma bandola; aqueles manejados magistralmente por
Pereira Filho e Luiz Bittencourt, e estas por Dante Santoro e João Pereira,
respectivamente. É uma delícia ouvir-se esses artistas executarem trechos de ópera,
o que fazem com absoluta correção, emprestando a tal gênero de música uma nova
melodia que agrada sobremaneira a sensibilidade mais apurada. (Gazeta de Notícias,
ed. 288, 5/12/1935, p. 10).
82
Outro registro interessante é o da participação de Dante Santoro no programa Hora
do Brasil, de 17 de setembro de 1935. O anúncio da programação, publicado nessa data no
Diário Carioca (ed. 2197, p. 12) menciona a participação de Dante no encerramento do
programa, tocando a obra Oriental, de Pattápio Silva, acompanhado pelo professor F. Araujo.
Em março de 1935, Dante Santoro envolveu-se em um acidente automobilístico, que
ficou conhecido na imprensa carioca como O Desastre de Cruzeiro (figuras 10 e 11). O grupo
de músicos - formado por Dante Santoro (flauta), Manoel Lima (violão), Ary Valdez
(cavaquinho), Didi Carioca (pandeiro), além do locutor Bento Gonçalves - voltava de uma
viagem de trabalho, quando o carro em que estavam despencou de uma ribanceira.
O fato, objeto de especulação entre os músicos de hoje, foi narrado pelo músico
Arthur de Faria (2011) em seu artigo e está documentado nos jornais da época. Depois da
queda do carro no rio Paraíba, sobreviveram ao desastre além de Dante Santoro, Ary Valdez e
o condutor do veículo, o tenente Hermano Joppert.
Figura 10. Detalhe do artigo publicado no suplemento A Noite Ilustrada, em 20/3/1935, ed. 276, p. 32. Nas fotos,
o locutor Bento Gonçalves (esquerda) e o violonista Manoel Lima (direita). Fonte: acervo da hemeroteca digital
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Curiosamente, dois anos depois do desastre, em 1937, encontra-se o seguinte anúncio
no jornal A Noite, ed. 9196, de 17 de julho de 1937 (figura 12):
Dante Santoro – que é indubitavelmente um cartaz da nossa música regional, há
tempos, em virtude de um desastre no automóvel em que viajava para São Paulo,
teve a infelicidade de perder uma flauta de prata, instrumento esse de grande valor
estimativo. O desastre deu-se na estrada Rio-São Paulo, nas proximidades do rio
Parahyba, em cujo leito o carro foi cair.
Dois anos são passados e agora Dante Santoro foi informado de que a sua flauta de
prata foi achada por um guarda-freios da Central do Brasil, funcionário da estação
de Cruzeiro. Naturalmente interessado em reaver o seu precioso instrumento faz, por
intermédio d´A Noite este apelo, no sentido de saber se essa notícia tem ou não
fundamento. No caso afirmativo, espera ser avisado para buscar o valioso objeto,
gratificando otimamente quem o achou. (A Noite, ed. 9196, 17/7/1937, p. 6).
83
Figura 11. O Desastre de Cruzeiro. Matéria de capa do Diário Carioca, ed. 2038, em 16/3/1935. Fonte: Acervo
da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
84
Figura 12: Artigo “A flauta de Dante Santoro”. A Noite, ed. 9196, de 17 de julho de 1937.
Acredita-se que a flauta em menção é a que Dante Santoro usava quando ainda
morava em Porto Alegre, um instrumento com pé em si 37, que aparece em suas fotos mais
antigas, das décadas de 1920 e 1930. Talvez depois do desastre, em 1935, tenha comprado a
flauta alemã da marca Hammig, que usou durante largo tempo à frente do Regional da Rádio
Nacional, hoje pertencente à professora Laura Rónai. Essa flauta, igualmente referenciada
pelos flautistas Milton D´Avila e Altamiro Carrilho em seus depoimentos, será objeto de
comentário mais detalhado no Capítulo 4.
Retomando a retrospectiva sobre os primeiros anos de trabalho de Dante Santoro no
rádio carioca, foram encontradas referências de sua atuação nas rádios Educadora (1937 e
1938) e Cruzeiro (1937). Nesta última, conforme publicação do jornal a Batalha, ed. 3317 de
2/6/1937, Dante apresenta-se ao lado de Dylu Melo, Augusto Henriques, Rogério Guimarães,
Helio Rosa, Ary Barroso, entre outros.
Já sobre sua atuação na Rádio Educadora, a Gazeta de Notícias publica o seguinte
comentário, na edição 260 de 2/11/1937:
37
A flauta transversal moderna, baseada no sistema Boehm (1832) é constituída de três partes desmontáveis: o
bocal, o corpo e o pé. Os primeiros modelos da flauta Boehm foram construídos com uma extensão que vai até o
dó médio do piano (“pé em dó”). Aperfeiçoamentos posteriores permitiram uma segunda opção, que aumentava
a extensão do instrumento até o si médio (“pé em si”).
85
O programa de Luiz Vassallo, na “Rádio Educadora”, que tantas simpatias tem
conquistado, popularmente, deleitou no domingo último, os radio-ouvintes com
excelentes números de seus elementos de valor. (...) O acompanhamento foi o
melhor possível, pelo ótimo conjunto que tem como figura principal Dante Santoro,
o flautista que mantém a tradição do famoso Pattápio. (Gazeta de Notícias, ed. 260,
2/11/1937).
Dante Santoro assina contrato com a Rádio Nacional em 1936, ano em que a
emissora começa a funcionar. Como se depreende dos dados antes mencionados, Dante já
tinha conquistado algum espaço no rádio carioca por essa época. Portanto, chega à Nacional
com experiência de solista e líder de grupo regional. A Rádio Nacional foi a emissora que
maior projeção deu ao nome do flautista, por ser, durante anos, a emissora de maior audiência
no Brasil. É importante conhecer um pouco da história dessa emissora para, logo, entender o
papel do Regional de Dante Santoro nesse contexto.
2.4.1 A Rádio Nacional
As primeiras rádios cariocas, como a Rádio Cajuti PRE 2 e a Rádio Educadora do
Brasil, seguiam o impulso das primeiras iniciativas de radiodifusão no Rio de Janeiro,
iniciadas em 1923 com o surgimento da Rádio Sociedade PRA 2. Em 1924, foi ao ar a Rádio
Club do Brasil PRA 3. Seguiram-na a Rádio Educadora e a Rádio Mayrink Veiga PRA 9
(1926). Na década de 1930, as empresas estrangeiras fabricantes de discos, transmissores e
receptores radiofônicos, interessadas no mercado sul-americano, começaram a instalar-se no
Brasil. Representando essas empresas surgiram as rádios Philips PRA X (1930) e
Transmissora Brasileira (1936), da holandesa Philips e da norte-americana RCA Victor,
respectivamente. Essa incursão visava conquistar o mercado brasileiro para os aparelhos de
válvula, que surgiam como alternativa aos receptores de fabricação artesanal, embora nem
sempre acessíveis aos recursos da classe média. (Saroldi, 2005, p. 34).
No ciclo pioneiro do rádio brasileiro (1922-1932), as emissoras, fundadas
inicialmente como clubes ou educadoras, eram mantidas pela contribuição mensal de seus
sócios/ouvintes. Com a popularização do rádio e a avassaladora expansão da radiomania no
país, cresce o interesse dos empresários da mídia impressa e do Governo sobre esse veículo.
Decretos publicados em 1931 e 1932 regulamentaram o funcionamento técnico das emissoras
concedidas e a veiculação de publicidade, o que instituiu o rádio comercial (Saroldi, 2005).
Nesse contexto, surgem em 1935 a Rádio Jornal do Brasil PRF-4 e a Rádio Tupi
PRG 3 (1935), esta última da cadeia jornalística Diários Associados, de Assis Chateaubriand.
A Sociedade Civil Brasileira Rádio Nacional surgiu em 1933, a partir do grupo A Noite,
86
responsável pela publicação do jornal de maior tiragem do Rio de Janeiro, conhecido como “o
vespertino da cidade”. Fundado em 1911, incluiu também, na década de 1920, as revistas A
Noite Ilustrada, Carioca e Vamos Ler.
Os estatutos da Rádio Nacional PRE 8 terminaram de ser elaborados em 1936. A
rádio contava então com oito sócios contribuintes e começou a operar com um transmissor de
25KW, cedido pela Rádio Philips, que devolveu sua concessão e encerrou suas atividades
radiofônicas naquele ano. O elenco da Nacional foi sendo recrutado das outras rádios,
especialmente da Mayrink Veiga. Sob a direção de José Mauro, destacam-se nessa fase inicial
os locutores Oduvaldo Cozzi e Celso Guimarães; o humorista Silvino Neto; a radiatriz
Ismênia dos Santos, além de Almirante e Lamartine Babo.
Nessa época a Nacional tinha uma orquestra de jazz, dirigida pelo Maestro Gaó; uma
orquestra de tangos, dirigida por Eduardo Patané e uma orquestra de concertos, dirigida por
Romeu Ghipsman. O regional, dirigido por Dante Santoro, acompanhava regularmente os
cantores e preenchia as lacunas da programação sempre que necessário. Radamés Gnattali
atuava como pianista e arranjador, oferecendo um formato inovador de acompanhamento para
o repertório brasileiro fartamente executado na rádio. Em seu depoimento de 11 de outubro de
1977 ao Jornal do Brasil refere que “Naquele tempo não se tocava música brasileira com
orquestra, só com regional. As orquestras de salão tocavam música ligeira, operetas, valsas,
por aí” (Gnattali apud Saroldi, 2005, p. 41).
Caberia ao maestro Radamés oferecer outra moldura aos cantores brasileiros além
daquela do regional de Dante Santoro. Começou com arranjos para pequenos
conjuntos, trios, quartetos. Depois foi enriquecendo as formações (...). Também viria
dos primeiros tempos da Nacional um dos mais chegados colaboradores de
Radamés, o baterista Luciano Perrone. Por sugestão deste, o maestro revolucionaria
o acompanhamento do samba orquestrado, numa época em que os estúdios de rádio
e de gravação contavam com apenas um microfone. Até então cabia aos
instrumentos de sopro desenhar a melodia, enquanto o ritmo repousava
exclusivamente na percussão. Luciano sugeriu a Radamés dar aos metais uma
função rítmica a fim de reforçar o clima necessário às gravações de samba,
principalmente.(Saroldi, 2005, p. 43)
A renovação musical promovida por Radamés Gnattali nasceu e difundiu-se nos
estúdios da Nacional, convivendo com a tradição dos conjuntos típicos regionais. Parecia
haver espaço para todos na eclética programação musical da Nacional, que mesclava música
com notícias, humor e crônicas. Era o caso do programa de Lamartine Babo que, baseando-se
em uma notícia de jornal, improvisava sobre ela uma “canção do dia”, “aproveitando a
introdução do regional de Dante Santoro para imitar vários instrumentos, numa espécie de
87
orquestração vocal” (Saroldi, 2005, p. 14). Também o programa Curiosidades Musicais, que
marcou a passagem de Almirante pela Rádio Nacional, em 1938, permitia a apreciação de
músicas de diferentes gêneros, sempre contextualizadas pelo locutor:
Era um programa diferente, ninguém fazia aquilo, eu fui o primeiro. Curiosidades
Musicais focalizava os temas mais diversos... Contava a história de uma sinfonia, ou
de um choro, ou da marchinha carnavalesca... (...) Na verdade eu tinha recebido uma
proposta só para cantar. Mas eu fiz uma contraproposta que era simples e inovadora:
em vez de cantar três vezes por semana, eu propus cantar duas e no terceiro dia fazer
um programa, contando histórias, curiosidades musicais, coisas que eles nunca
tinham visto. Como não dispunha de artistas para cantar, falar, eu fazia tudo sozinho
um programa inteiro. Narrava, cantava, imitava voz de mulher, de criança, de
alemão, de francês. Começava com uma anedota dentro do tema. Depois entrava no
assunto propriamente dito, enfocado de maneira séria, informando, ensinando.
(Almirante, depoimento colhido por Jaime Severiano, 1977 apud Saroldi, 2005, p.
46-47).
A charge a seguir (figura 13) mostra algumas personalidades do Rádio carioca no
ano de 1939, entre músicos, maestros e locutores, que atuavam no recém-lançado programa
Divertimentos Lever, transmitido conjuntamente pelas rádios Nacional e Mayrink Veiga .
Dentre os personagens, Almirante, Lamartine Babo, Radamés Gnattali e Dante Santoro:
Figura 13: Charge publicada no jornal A Noite, Edição 9790, de 13/5/1939, p. 13. Entre os personagens,
Almirante, Lamartine Babo, Radamés Gnattali e Dante Santoro.
Quando a emissora passa a ser estatal, em 1940, assume a direção Gilberto de
Andrade, jornalista que por muito tempo esteve à frente da sessão de mídia impressa do grupo
A Noite. Era prioridade do governo de Getúlio Vargas constituir uma emissora popular, que
chegasse a todos os pontos do país e às mais diversas camadas da população, promovendo a
integração nacional e ideológica. Para tanto, buscou-se alcançar o primeiro lugar de audiência,
que naquela época era da Rádio Mayrink Veiga, através de estudos de estatística, mecanismos
88
de seleção de novos valores, captação de novos anunciantes e apoio governamental. De fato a
Nacional chegaria à liderança, alcançando o “himalaia dos índices de audiência”, nas palavras
de seu diretor musical, Paulo Tapajós.
Entre os programas musicais dessa fase, destaca-se “Um milhão de melodias”,
estreado em 1943, sob a direção de Radamés Gnattali, José Mauro e Haroldo Barbosa. O
repertório geralmente incluía duas músicas brasileiras antigas, duas atuais e três músicas
estrangeiras de grande sucesso, que eram tocadas pela Orquestra Brasileira de Radamés
(Saroldi, 2005, p. 61). A missão do grupo era tocar os arranjos elaborados por Radamés
semanalmente sobre a seleção de músicas populares.
Além do naipe de violinos e violoncelos, a Orquestra Brasileira contava com cinco
saxofones, três trompetes, dois trombones, três flautas, oboé, clarineta e harpa. Porém, a
sessão de acompanhamento era fundamental para uma boa orquestra de música brasileira,
segundo o próprio Radamés (apud Saroldi, op. cit, p. 61). Assim, a “base” abrigava alguns
dos melhores músicos de nossa história, na seguinte formação: dois violões: Aníbal Augusto
Sardinha, o Garoto (1915-1955) e Djalma de Andrade, o Bola Sete (1923-1987); um
cavaquinho: José Menezes de França, o Zé Menezes (n. 1921); um acordeom: Romeu Seibel,
o Chiquinho do Acordeom (1928-1993); contrabaixo acústico: Pedro Vidal Ramos;
bateria/vibrafone/bells/tímpanos: Luciano Perrone (1908-2001); pandeiro: João Machado
Guedes, o João da Bahiana (1887-1974); caixeta/prato: Heitor dos Prazeres (1898-1966); e
ganzá: Alcebíades Maia Barcelos, o Bide (1902-1975).
Um Milhão de Melodias também apostava em novos intérpretes, como os grupos de
cantores As Três Marias (Marília Batista, Bidu Reis e Salomé Cotelli) e o Trio Melodia
(Paulo Tapajós, Albertinho Fortuna e Nuno Roland). A execução de música brasileira
orquestrada e em trios vocais agradava o público. A popularidade do programa se comprova
em sua expressiva produção: mais de 400 músicas arranjadas e executadas apenas no primeiro
ano de veiculação (Saroldi, 2005, p.67).
Os programas de auditório foram outro formato iniciado no rádio na década de 1940
que, graças a sua popularidade, se mantiveram no ar por toda a década de 1950, migrando,
posteriormente, para a TV. Com a inauguração do palco-auditório da emissora em 1942, o
público começou a frequentar a Rádio Nacional, o que permitia um contato direto com os
artistas. Os programas de auditório mesclavam atrações musicais, humorismo e
entretenimento. Datam da década de 1940 os programas de variedades César Alencar e
Manoel Barcelos; os humorísticos Jararaca e Ratinho, Caretas Sonoras (com o ator
89
Mesquitinha), Coisas do Arco da Velha e Tabuleiro da Baiana (que continha o quadro
Tancredo e Trancado, escrito por Giuseppe Ghiaroni).
Nada além de Dois Minutos, conduzido por Paulo Roberto e Papel Carbono (figura
14), apresentado por Renato Murce, foram programas igualmente populares, este último
revelando cantores, cantoras, conjuntos vocais e músicos, como o violonista Baden Powell
(Saroldi, op. cit, p. 82). A presença da plateia transformava os programas de rádio em
espetáculos, de modo que o locutor convertia-se em animador de auditório, enquanto que os
cantores e, até mesmo os músicos acompanhadores, ganhavam notoriedade. O culto à imagem
desses artistas torna-se bastante evidente com o sucesso dos (as) cantores (as) do rádio. Entre
os músicos, a popularidade de alguns personagens - como os sanfoneiros Luiz Gonzaga e
Pedro Raimundo, que se apresentavam com seus trajes típicos regionais - demonstrava a
efetividade de se trabalhar a imagem do artista, aliada à música, no contexto dos programas de
auditório.
Figura 14. Artigo publicado na Revista do Rádio, Ano IV, ed. 95, de 3/7/1951, p. 37, fala sobre o Programa
Papel Carbono, dirigido por Renato Murce, e menciona a atuação do Regional de Dante Santoro no
acompanhamento de calouros.
Em 1946 Gilberto de Andrade pede exoneração do cargo de Diretor da Rádio
Nacional, transferindo-se para a direção da rede Associada de Assis Chateaubriand, ficando à
frente das rádios Tupi e Tamoio. Tal fato abalou as estruturas do mercado radiofônico,
roubando à Nacional alguns dos nomes mais identificados da emissora: Almirante, José
Mauro, Mário Faccini, Paulo Tapajós, Jararaca e Ratinho e Paulo Gracindo, entre outros. A
disputa da Nacional com as emissoras Associadas tornou o mercado mais competitivo. No
início da década de 1950, quando Victor Costa assume a direção da emissora estatal, o
90
radioteatro ganha uma importância especial, tornando-se o segmento de maior projeção dentro
da emissora.
A indústria da radionovela, que se consolidara entre 1943 e 1945, resultava atrativa
aos anunciantes e atingia bons índices de faturamento. Com o tempo, os patrocinadores foram
agraciados com jingles exclusivos que, na visão de Saroldi, refletiam o pleno domínio
adquirido na linguagem do rádio pelos profissionais formados à sombra da Nacional (Saroldi,
2005, p. 113). Também as vinhetas e trilhas sonoras ganharam destaque como produto, com a
introdução de músicas especialmente compostas para as novelas. É o caso da valsa Vidas mal
traçadas e do bolero Lamento árabe, compostos por Dante Santoro para dois seriados do
novelista Giuseppe Ghiaroni (Saroldi, op. cit, p. 116).
Dois grandes sucessos entre os programas de auditório da nacional na década de 50
foram A Felicidade bate à Sua Porta (figura 15) e A Hora do Pato, ambos com a participação
do regional de Dante Santoro. O primeiro ultrapassava o espaço do palco, levando a cantora
Emilinha Borba e o regional de Dante Santoro a distintos bairros da cidade do Rio de Janeiro,
num furgão especialmente equipado para a transmissão. Enquanto o apresentador buscava o
ouvinte sorteado para receber prêmios, a programação seguia no auditório da Rádio Nacional,
com números musicais e uma série de brincadeiras com a plateia. A Hora do Pato era um
programa de calouros que desde 1942 movimentava o palco da Nacional com seu desfile de
aspirantes à carreira artística.
A Rádio Nacional foi um celeiro de grandes músicos nas décadas de 1940 e 1950. O
regional de Dante Santoro teve várias formações, mas como membros fixos participaram
Norival Carlos Teixeira (Valzinho), Carlos Lentine, Rubem Bergman, Norival Guimarães,
Arthur Duarte e César Moreno (violões); Joca e Jorginho (pandeiro); Valdemar Melo, Lino
José da Silva e Índio do Cavaquinho (cavaquinho)38. Segundo Jorginho do Pandeiro39, em
entrevista à pesquisadora em 19/05/2011, o trabalho do regional era eclético e farto. Além dos
já citados programas, participavam do musical Festival de Gaitas, do programa de auditório
Papel Carbono e do programa de variedades Nada além de Dois Minutos. Em finais da década
de 1940, por conta da grande demanda, o regional contava com dois grupos de músicos, que
38
Informação contida no quadro de músicos publicado na Revista da Rádio Nacional, 1936-1956. Edição
comemorativa dos 20 anos da emissora. Rio de Janeiro: Editora da Rádio Nacional, 1956.
39
Jorge José da Silva (n. 1930), o Jorginho do Pandeiro, pandeirista, grande representante do choro carioca,
iniciou sua carreira no Rádio, onde trabalhou ao lado de Dante Santoro, na Rádio Nacional, nas décadas de 1940
a 1960. Membro do Conjunto Época de Ouro, com quem atua ainda hoje, desenvolve atividades como músico,
produtor e professor.
91
se revezavam, ao lado de Dante, entre os turnos do dia e o da noite. Interessante notar que
Dante Santoro nunca era substituído.
Figura 15: Artigo publicado no jornal A Manhã, de 13/06/50, p. 6, fala sobre a movimentação provocada no
bairro da Tijuca por ocasião da visita dos artistas da Rádio Nacional (entre eles o Regional de Dante Santoro),
durante transmissão do programa “A felicidade bate à sua porta”.
Na década de 1950, surgiram grupos instrumentais paralelos, como o que atuava no
programa A Turma do Sereno, dirigido por Paulo Tapajós. Participavam da Turma do Sereno
Abel Ferreira (clarineta), Irany Pinto (violino), João de Deus (flauta) e Sandoval Dias
(clarone), além dos já citados Carlos Lentine, Ruben Bergman (violão) e Waldemar Pereira de
Melo (cavaquinho)40. Já o programa Música em Surdina, deu origem ao famoso Trio Surdina,
40
Segundo depoimento de Paulo Tapajós, constante do Dicionário Cravo Albin, a Turma do Sereno se dedicava
a um repertório seresteiro, já pouco tocado (valsas, modinhas, choros, polcas e maxixes). O programa deu
vitalidade a esse repertório e aos “músicos solistas da Rádio Nacional, que só ficavam na fila da orquestra”. O
grupo gravou dois discos pela gravadora Continental e se dissolveu quando o programa deixou de ser transmitido
pela Rádio Nacional. Como mencionado, os músicos componentes atuavam nas orquestras da emissora: o
flautista João de Deus, o violinista Irany Pinto, o saxofonista Sandoval Dias (1906-) e o clarinetista Abel Ferreira
92
formado por Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (violão), Romeu Seibel, o Chiquinho do
Acordeom e Rafael Lemos Júnior, o Fafá Lemos (violino), e a participação esporádica da
pianista Carolina Cardoso de Meneses41.
Na década de 1960, a instabilidade política tem reflexos na emissora, ocasionando
sucessivas nomeações de diretores alheios ao métier do rádio. Tal fato ocasionou uma
progressiva degradação da Nacional: perda da qualidade e interferências na programação,
aliada à perseguição política de funcionários. Entre os artistas, alguns migraram para a TV
(veículo nascente sobre o qual recaíam todas as expectativas e investimentos), mas os que
seguiram na Rádio Nacional foram submetidos a um terrível ostracismo.
2.4.2 O regional de Dante Santoro no contexto do Rádio
Quando ingressou na Rádio Nacional, em 1936, Dante Santoro foi músico da
Orquestra Sinfônica da emissora. Uma foto do acervo da família Santoro mostra Dante entre
os integrantes do naipe de flautas (figura 16). Porém, também se apresentava como solista em
programas da Nacional, tocando suas próprias composições. É o que mostra a nota publicada
no jornal A Noite, de 21 de fevereiro de 1937: “Ouça hoje o Professor Dante Santoro,
apresentando as primeiras audições de composições de sua autoria”. O anúncio destacava o
seguinte programa autoral: Só na minha flauta (choro), Castigando (choro), Suzana (valsa) e
Horas tristes (valsa) (figura 17).
Dante assume a liderança do Regional da Nacional em 1938, conforme nota
publicada na Gazeta de Notícias, edição 161 de 10/7/1938 (figura 19). Entretanto, mesmo
depois de ser escalado como diretor do Regional da Rádio Nacional, ainda atuava na orquestra
(conforme depoimento de Jorginho do Pandeiro, em 19/05/2011). Embora oficialmente o
quadro da emissora fosse dividido entre músicos de regional, músicos de orquestra e solistas,
na prática deve ter havido um intercâmbio dessas funções.
(1915-1980) – esse último, nome de grande destaque no cenário musical, admirado por seu estilo pessoal de
execução.
41
O “Trio Surdina”, surgido em 1952, gravou dois LPs pela Musidisc, com a participação do contrabaixista
Vidal e do ritmista Bicalho. O violonista Garoto (1915-1955), dentre as várias atividades desenvolvidas em sua
carreira, atuou, na década de 1950, na Orquestra da Rádio Nacional, época em que formou, ainda, parcerias com
a pianista Carolina Cardoso de Meneses (1916-1999) e o cavaquinhista José Meneses (n.1921). O violinista Fafá
Lemos (1921-2004) atuou como solista na Rádio Nacional na década de 1950, tendo desenvolvido carreira no
exterior, posteriormente, de onde retornou na década de 1980. Era reconhecido por sua habilidade como
improvisador e sua impecável afinação, sendo considerado um dos precursores da bossanova. Chiquinho do
Acordeom (1928-1993) participou do Sexteto Radamés Gnatalli, tornando-se um requisitado instrumentista, que
atuou em gravações de artistas como Elizeth Cardoso, Carmélia Alves e Carlos Lyra.
93
Figura 16. Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional (c. 1936), com Dante Santoro, na segunda fila à direita. Fonte:
acervo da família Santoro.
Figura 17. Primeiros anos de Dante Santoro na Rádio Nacional. Apresentações como solista. Jornal A Noite, ed.
8990, 22/02/1937. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
94
Figura 18: O Regional da Rádio Nacional em 1937, sob a liderança do violonista Pereira Filho, com Dante
Santoro (flauta), Nelson Miranda (bandolim), Carlos Lentine (violão de 7 cordas) e Joca do Pandeiro.
Figura 19. Nota publicada na Gazeta de Notícias, edição 161 de 10/7/1938, fala sobre a estreia de Dante Santoro
na liderança do Regional da Rádio Nacional, que a partir daquela data assumia seu nome: “Regional de Dante
Santoro”.
O regional tinha muito trabalho. Era o grupo coringa, que acompanhava os cantores,
os calouros e, sempre que necessário, tocava de improviso para preencher a programação. O
regional era portátil se comparado às orquestras, exigia menos ensaio e cumpria muito bem a
função de grupo acompanhador. Por isso participava dos mais variados programas, entre
musicais, humorísticos, programas de variedades e de auditório.
95
Jorge José da Silva, o Jorginho do Pandeiro (n. 1930), que atuava como o braço
direito de Dante no regional, cobrindo suas férias na direção do grupo e elaborando as escalas
de horário dos músicos, comenta a rotina da rádio:
Eu quando vim pra cá (para a Nacional), em 1948, vim convidado por Dante, eu e
meu irmão Lino, que tocava cavaquinho. Eu trabalhava na Rádio Tupi, no Regional
do Rogério Guimarães. Dante quis trazer mais músicos para o regional, porque a
rádio tinha muito trabalho, de dia e de noite, então um conjunto só não conseguia
fazer toda a programação. O grupo naquela ocasião tinha quatro violões e só um
cavaquinho, então eles convidaram o Lino e eu para revezar com o Valdemar Melo e
o Favier. Então eu trabalhava de manhã e o Favier de noite. O Dante trabalhava de
manhã e de noite, fazia desde as 09:00h ou 10:00h da manhã até as 15:00h, que
acabava com a Hora do Pato, e depois voltava às 18:00h para fazer a programação
da noite. Aí ele já vinha com o outro conjunto. Eram Lino, Nourival e Valzinho de
manhã; eu de pandeiro, acabei fazendo toda a programação com o Dante quando o
Favier adoeceu e à noite Lentine, Rubens e Waldemar.
Dia de domingo eu chegava aqui às 09:00h da manhã e fazia um programa de gaitas.
Rildo Hora era um dos que participava e começou praticamente aqui (na Nacional)
eu acho. Depois, às 11:00h começava a programação. Aí a gente ficava, porque nós
não fazíamos só A Hora do Pato, fazíamos os artistas que estivessem. A orquestra
trabalhava até mais do que nós, mas o regional tinha que estar presente. Nós saíamos
às 15:00h e aquele pessoal da parte do dia ia pra casa. Eu ficava por aqui, almoçava
por aqui, e às 18:00h tinha que estar aqui para fazer A Felicidade bate a sua porta,
com a Emilinha Borba, e depois o Papel Carbono, Nada além de dois minutos... às
vezes a gente estava ensaiando o Nada além de dois minutos, tinha que sair para
fazer o Papel Carbono, para acompanhar algum artista. (Jorginho do Pandeiro,
depoimento à autora em 19/05/2011)
Há registros nos jornais da época (figura 20) das atividades do regional. Na maioria
das fotos o regional aparece acompanhando artistas da emissora, como Lamartine Babo, no
programa Vida Musical e Pitoresca dos Compositores (1938); Almirante, nos programas
Curiosidades Musicais e Ritmos Populares (1938), além de cantores como Nena Robledo
(1939) e Nuno Roland (1937).
A partir da década de 1940, há, na Rádio Nacional, um forte movimento em prol das
versões orquestrais da música brasileira, especialmente os excepcionais arranjos do maestro
Radamés Gnattali. As versões orquestrais davam um toque de sofisticação e modernidade ao
repertório nacional, que o tradicional grupo regional não podia oferecer. Buscava-se também,
segundo Haroldo Barbosa, um padrão internacional, “um estilo americano, a exemplo de
Benny Goodman e sua Orquestra” (Barbosa apud Saroldi, 2005, p. 61).
96
Figura 20. O Regional de Dante Santoro em atividade na Rádio Nacional, ao lado do apresentador Almirante, em
1938. Suplemento a Noite Ilustrada. Ed. 477, de 23/8/1938, p. 34 (foto da esquerda) e Ed. 482, de 13/9/1938, p.
26 (foto da direita). Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Entretanto, as novidades do meio musical não atingiam de fato a Nacional. Como
afirma o clarinetista Paulo Moura (1933-2010), a emissora tinha um perfil mais tradicional do
que, por exemplo, a Rádio Tupi. O jazz tinha que ser palatável para entrar na programação da
Nacional. Paulo Moura relaciona esse tradicionalismo com a ascendência italiana da maior
parte dos arranjadores e maestros da emissora: Radamés Gnattali, Leo Peracchi, Lyrio
Panicalli, Alceu Boccino, Lazolli, Taranto, etc. (GRYNBERG, 2011, p. 89).
Essa identificação - ascendência italiana com tradicionalismo – foi compartilhada por
muitos músicos da geração de Paulo Moura. A maior parte dos músicos italianos no Rio de
Janeiro eram maestros ou músicos eruditos, muito poucos se dedicavam à música popular (cf.
Capítulo 1, p. 53). Vasco Mariz utiliza o termo “máfia musical italiana”, referindo-se ao
predomínio da orientação estética italiana no mundo musical de São Paulo e do Rio de Janeiro
no início do século XX (MARIZ, 2005, p. 230).
Retomando a programação da Nacional, nessa aparente dicotomia entre o tradicional
e o moderno figuravam, de um lado, o regional e, do outro, a orquestra. Se o regional era
considerado tradicional e a orquestra moderna, trata-se de uma questão estética vinculada à
época, que pouco repercute nos dias de hoje. De fato, os dois formatos conviviam, atendendo
às necessidades da programação e o grupo regional, mesmo sendo considerado antigo, seguia
97
atuando a todo vapor. Data de 1943, por exemplo, foto da apresentação do Desafio para
flauta e pandeiro, protagonizado por Dante Santoro e Joca do Pandeiro (figura 21). A
gravação dessa música, encontrada no acervo do Museu da Imagem e do Som, deve ter sido
feita em 1939, quando tomou parte do Programa Lopes S.A., conforme anúncio publicado no
jornal A Noite, ed. 9972, de 14/11/1939.
Figura 21. Dante Santoro e Joca do Pandeiro, interpretando o Desafio para flauta e pandeiro. Suplemento A
Noite Ilustrada, ed. 746, de 22/6/ 1943. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro.
Também da década de 1940, são as fotos do Regional de Dante Santoro publicadas
no livro de Cláudia Pinheiro (PINHEIRO, 2005). A figura 22 mostra o Regional em formação
não usual, acompanhado de percussão e contrabaixo. Já na figura 23, tem-se o regional com a
participação especial de Aníbal Augusto Sardinha (o Garoto). Outro registro da mesma época
(figura 24) mostra a participação de Dante Santoro em uma das orquestras de música popular
da Nacional. Interessante observar, portanto, que ele tocou, na mesma época, tanto no
tradicional grupo regional, quanto na moderna orquestra, além de participar da Orquestra
Sinfônica, como já observado.
98
Figura 22. Regional de Dante Santoro. Década de 1940. (PINHEIRO,2005, p. 66)
Figura 23. Regional de Dante Santoro, com a participação especial de Garoto (ao centro). Dante Santoro, Carlos
Lentini, Garoto, Luís Bittencourt e Joca do Pandeiro. (PINHEIRO, 2005, p. 66)
99
Figura 24. Orquestra da Nacional. Década de 1940. Na segunda fila, sentado, ao centro, está Dante Santoro.
Segundo PINHEIRO, 2005, p. 68-69, a sua esquerda, Iberê Gomes Grosso (violoncelo), e à direita, o flautista
Roberto [sic]. A formação instrumental indica que se tratava de uma orquestra de música popular.
Na década de 1950, a pedido do então diretor Victor Costa, foram contratados novos
músicos para o regional, como conta Jorginho. Havia muito trabalho e era necessário conciliar
a programação da rádio em estúdio com os shows promovidos como atividades externas.
Assim, o pandeirista foi encarregado de recrutar mais gente. Entraram, então, César Moreno
(violão), Arthur Duarte (violão de sete cordas), Edinaldo Vieira Lima - o Índio do
Cavaquinho (1924-2003), e Luna do pandeiro.
O violonista Carlos Silva e Souza42, o Caçula (n. 1943), personagem muito
conhecida entre os chorões cariocas, conta que, nessa época, com doze ou treze anos, ia
assistir aos ensaios do regional. Às vezes algum contra regra queria barrar sua entrada, então
Dante dizia “deixa o menino ai assistindo, que ele está aprendendo violão, deixa ele ver a
42
Carlos Silva e Souza (n. 1943), o Caçula Hilário, violonista de seis e sete cordas, também cavaquinista e
contrabaixista, iniciou sua carreira profissional aos 12 anos, no Regional do Cacizo. Segundo Luiz Otávio Braga
(em texto ainda não publicado, gentilmente cedido a esta autora), Caçula representa um importante elo entre os
jovens músicos de choro e a geração “clássica”, trazendo consigo a tradição viva de Arlindo Ferreira, Horondino
José da Silva, o Dino 7 Cordas, e Canhoto do Cavaquinho. Destacam-se suas participações no Regional do
Arlindo, de Rogério Guimarães, de Dante Santoro, Waldir Azevedo, e na TV, como músico acompanhador, ao
lado de Altemar Dutra.
100
gente!”. Posteriormente, na década de 60, Caçula terminou sendo contratado como violonista
substituto. Ele comenta:
O Dante era um flautista de orquestra, mas com as programações que tinham lá na
rádio, de regional, ele acabou ficando só no regional. Ele que era o chefe lá. Quem o
ajudava na tabela era o Jorge, o Jorginho do Pandeiro. É por isso que nunca lá na
rádio teve assim um entrosamento melhor, todos eram bons, mas não tinham um
entrosamento melhor, porque havia sempre um rodízio de instrumentistas. (Caçula,
em entrevista concedida à autora, em 19/10/2011).
A questão do entrosamento entre os músicos, mencionada por Caçula, é de fato
importante entre os chorões. Para o ouvinte atual, é inevitável a comparação entre o Regional
de Dante Santoro e o Regional de Benedito Lacerda, por exemplo, e o que se percebe é que o
entrosamento dos músicos acompanhadores, a qualidade dos arranjos e a criatividade dos
músicos do regional de Benedito Lacerda sobressaíam. Entretanto, essa percepção pode não
ter sido compartilhada pelo público daquela época. Um indício são as críticas publicadas na
imprensa na década de 1940, que não indicavam predileção por um ou outro grupo.
Alguns textos defendiam, na verdade, a própria figura do grupo regional, que se
encontrava, aparentemente, já marginalizado no cenário musical, talvez por ser considerado
um formato ultrapassado. Esse artigo de Anselmo Domingos43, publicado no Diário da Noite,
edição 3534 de 28 de julho de 1944, dizia o seguinte:
Há críticos extremamente céticos em relação aos nossos “conjuntos regionais”. Não
toleram que se reúnam em família o nosso violão com o pandeiro, a flauta e o
cavaquinho. Chegam a convencionar que todos os conjuntos são constituídos de
gente inculta no sentido musical, e nos outros sentidos também. (...)
Não se vai ver que há valores mais que positivos dentro de nossos combatidos
conjuntos. Esquece-se que há um Pixinguinha orquestrador, um Benedito Lacerda
compositor, um Dante Santoro exímio, um Nelson Miranda, um Pereira Filho, e
outros, mais outros. (...)
Lógico que os conjuntos regionais nem só de autênticos músicos são compostos.
Claro que se percebe um ou outro semi-valor escondido nas águas dos azes. Mas
convenhamos que o que temos não é coisa de se tratar com o desdém que muitos
querem, não é nada de envergonhar ou ofender as senhoras notas da música.
Está certo que se dê em cima de tudo o que é feito atabalhoadamente, sem critério
artístico, como várias vezes sucede, com relação aos “regionais”. Mas ponha-se os
pontos nos ii, quando há margem para isso.
E se quisermos ser justos e cordatos, havemos de convir que pode-se notar
acentuado equilíbrio na maioria dos nossos conjuntos. E se quisermos fazer juízo
melhor, é atentar para os “regionais” de antigamente e compará-los com os de hoje.
Veremos que houve progresso. (Domingos, Anselmo. Flautas e Violões. Diário da
Noite, ed. 3534, 28/7/1944, p. 16)
43
Anselmo Domingos foi jornalista e editor da Revista do Rádio (1948-1970).
101
Já o texto de Cruz Cordeiro44 para o suplemento literário do Diário de Notícias, de
30/08/1953, critica o que considera um esvaziamento do conceito de “música regional” e,
consequentemente, do “conjunto regional”, em face das inúmeras modificações de repertório
e de formação instrumental, ocorridas no contexto da indústria radiofônica e fonográfica:
(...) Vimos assim a confusão instrumental que se vem verificando desde o velho
chôro (violões, cavaquinho e flauta), passando pelo maxixe com ganzá e chocalho e
pelos bandos ou grupos já acrescidos de bateria sambista (pandeiro, tamborim,
cuíca, surdo, reco-reco) ou instrumental jazzbândico orquestral (pistom, saxofone,
trombone, contrabaixo de corda ou apenas tuba). Tudo para se tentar satisfazer,
inutilmente, a execução de uma variedade típica de gêneros: choro, música regional
(emboladas, cocos, frevos, toadas, cateretês, valsinhas brasílicas, marchinhas e
sambas cariocas, baião, etc.), música centro-americana (rumbas, boleros, etc) e
norte-americana (jazz em geral). (...)
E se confundindo, finalmente, o instrumental do choro com o do maxixe, do choro
com o dos bandos e grupos, e como se pensasse, talvez, que de regiões várias do
Brasil é que vinha a música popular brasileira em geral (...) acabou se chamando
tudo apenas de regional, quer dizer, sem mais significado de coisa alguma. (...)
Dificilmente o musicólogo pode historiar uma bagunça de técnica música popular
classificatória como esta brasileira [sic]. Mesmo porque tal confusão de pode
documentar com facilidade. Assim, por exemplo, no suplemento de discos
brasileiros da RCA Victor de abril de 1936, vemos o falecido Francisco Alves, num
mesmo disco (34.043), cantar uma valsa com a Orquestra Victor Brasileira, e do
outro lado outra valsa com o Conjunto Regional RCA Victor. No mesmo
suplemento se tem, ainda, o disco 34.045, com o nosso já velho conhecido
Almirante dos Bandos e das batucadas, numa embolada, acompanhado pelo
“Conjunto Regional Benedito Lacerda”, aquele mesmo que foi antes do “Grupo da
Gente do Morro”. Sabem lá o que é isso?
Sabemos sim. Pois não é que hoje em dia o flautista Dante Santoro, com seu
Regional, acompanhou o cantor Jorge Goulart num samba, no filme “Tudo Azul”
(se nos lembramos bem do título), com a seguinte composição: flautas, violões,
cavaquinhos e pistões? Executando o samba “Mundo de Zinco” (o do morro)!!! 45
Evidentemente cansado de tanto nome impróprio, ou sem entenderem do que se
tratava, o nosso curioso e decadente mundo rádio-discográfico acabou batizando
tudo por “REGIONAL”. Qualquer coisa que não seja orquestra jazzbandizada, ou
conjuntos com nomes ianquezados (Quatro Azes, Vocalistas, etc) é “REGIONAL”.
A coisa se tornou até bem rasa e simples: conjunto insignificante, que acompanha
qualquer um em rádio é... “REGIONAL”, acabou-se, está resolvido o problema da
execução da nossa decadente música popular, em sua execução não menos
tipicamente decadente. (CORDEIRO, Cruz. Orquestra para nossa música popular.
Diário de Notícias, 30/08/1953, Suplemento Literário, p. 5, grifo do original).
A crítica de Cruz Cordeiro tem um tom tradicionalista, na medida em que manifesta
resistência aos diálogos entre gêneros musicais no contexto da indústria radiofônica e
fonográfica, os quais resultaram em mudanças na instrumentação e no repertório. Sabe-se, por
44
José da Cruz Cordeiro Filho (1905-1984) foi jornalista, crítico musical, romancista, poeta e tradutor. Em 1928
criou a revista Phono Arte, primeira revista brasileira dedicada a noticiar e criticar os lançamentos fonográficos e
cinematográficos. De tiragem bi-mensal, a Phono Arte foi editada até 1931. Nesse ano, Cordeiro ingressou na
RCA Victor como publicitário e diretor artístico. Na década de 50, foi colaborador da Revista da Música Popular
Brasileira, a convite de Lúcio Rangel. Foi um dos fundadores do Conselho Superior de Música Popular
Brasileira do Museu da Imagem e do Som. Uma de suas críticas mais recordadas foi a da “americanização” de
Pixinguinha nas obras Carinhoso e Lamentos.
45
A participação do Regional de Dante Santoro no filme “Tudo Azul”, a que se refere o cronista, está disponível
na internet no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=AEQLNvIBsJg
102
suas crônicas, que Cordeiro era “um nacionalista de quatro costados” e que desde o início da
década de 1930 havia inaugurado um discurso em que reivindicava uma melhor
“apresentação” para a música popular, pois considerava o conjunto regional uma forma
exaurida (BRAGA, 2002, p. 108 e 300). De fato chama atenção, na crônica, a severa crítica
aos grupos regionais, notadamente os de Benedito Lacerda e Dante Santoro, aqui incluídos em
um mesmo patamar de desqualificação. Seu discurso evidencia o desprestígio dessa formação
instrumental junto a alguns setores do meio musical no início da década de 1950.
Segundo a flautista Odette Ernest Dias (n. 1929), em entrevista concedida a esta
autora em 08/09/2012, cada regional naquela época tinha o seu som, o que ocorre ainda hoje.
Segundo ela, que já viajou bastante pelo Brasil, em cada região os regionais têm diferentes
sotaques, diferentes maneiras de atacar as notas, o que muda a sonoridade. Quando
perguntada sobre a diferença entre o regional de Dante Santoro e o de Canhoto, ela diz que
Dante Santoro sempre estava em evidência, era um solista, ao passo que o Regional de
Canhoto – que ela ouviu com Altamiro Carrilho e Carlos Poyares – baseava-se nas cordas,
enfocava o acompanhamento. Essa diferença de enfoque, portanto, transmitia-se no som.
O flautista Leonardo Miranda (em depoimento oral concedido a esta autora em
13/10/2012) também afirma que os músicos acompanhadores tinham papel fundamental no
Regional de Canhoto, que só alcançou tanto resultado porque era composto por Dino, Meira,
Canhoto e sempre um bom pandeirista - músicos de qualidade inigualável46. Porém, outro
ponto fundamental é o fato de que eles se conheciam muito bem, porque trabalhavam muito,
tocavam todos os dias e ensaiavam muito. Ainda segundo Miranda, o Época de Ouro, em seu
melhor momento, também foi excepcional, especialmente pelo pulso firme de Jacob do
Bandolim, sua liderança e sua capacidade como solista. Portanto, os solistas também
desempenhavam seu papel de importância.
Crítica muito incisiva contra Dante Santoro foi publicada por Haroldo Barbosa47 no
Diário da Noite, edição 4648 de 20 de dezembro de 1949. No artigo intitulado “Coisas que
incomodam”, em que faz uma revisão dos piores momentos do rádio no ano de 1949, afirma:
“Dante Santoro comemorou o jubileu radiofônico de sua introdução de sambas – há 25 anos a
mesma.” Esse comentário até hoje ressoa no meio musical, entre músicos que acreditam que
46
O mesmo afirma o violonista Luiz Otávio Braga, para quem a qualidade e entrosamento da dupla de violões é
o diferencial do bom regional, conforme mencionado no Capítulo 1.
47
Haroldo Barbosa iniciou carreira como discotecário na Rádio Nacional, onde realizava trabalho de pesquisa
das “novidades musicais” lançadas em disco e no cinema. Logo, começou a fazer versões, tornando-se produtor
e compositor. Atuou como assessor musical de vários cantores, como Francisco Alves, e na década de 1940,
integrou o mercado de jingles como compositor. (Saroldi, 2005, p. 63, 64, 91e 115).
103
Dante Santoro não sabia improvisar. Seria razoável que Haroldo Barbosa considerasse Dante
Santoro um improvisador pouco criativo. Porém, essa frase - retirada de uma crônica que
difamava meio mundo no meio radiofônico – agradou, tanto quanto pecou, pelo exagero48.
Registros das participações de Dante Santoro nos programas da Nacional,
encontrados no acervo do Museu da Imagem e do Som, revelam o contrário: Dante elaborava
contracantos e introduções, como era de praxe no trabalho do conjunto regional – assunto que
será retomado no Capítulo 4, quando da análise de suas gravações. No mencionado acervo,
foram encontrados registros do programa “A Felicidade bate à sua Porta”, de 11 de junho de
1950, no qual o regional acompanha a cantora Emilinha Borba, sob a apresentação de Héber
de Boscoli.
Dentre as gravações, há ainda canções interpretadas por Renato Braga e Barbosa
Júnior com o Regional de Dante Santoro, além do já mencionado Desafio para flauta e
pandeiro. Várias são as gravações em 33 rpm de músicas avulsas, extraídas de programas não
datados da Nacional, ou gravações em estúdio, nas quais figuram cantores acompanhados por
regional. Infelizmente, não há indicação contendo o nome do grupo acompanhador ou de seus
integrantes, conforme informação contida no Capítulo 2.
O violonista Caçula conta como era o programa A Felicidade bate à Sua Porta,
transmitido na década de 1950, no qual os músicos eram levados aos diferentes bairros da
capital fluminense para acompanhar a cantora Emilinha Borba. A apresentação era em cima
de um furgão, adaptado para as transmissões, e segundo Caçula “os cantores subiam por
dentro do furgão, numa escadinha, era no telhado do carro que eles cantavam”. Subiam
também os músicos e era o cavaquinista Waldemar Melo quem vivia tomando choques nas
instalações elétricas do carro, para a diversão dos companheiros. Os registros sonoros do
programa, no acervo do Museu da Imagem e do Som, dão ideia da popularidade desses
artistas à época. De fato, a chegada do furgão da Nacional era um acontecimento.
Segundo Caçula, a projeção dos músicos era bastante grande: “Se você passasse e
visse o Jorginho ou o Luna, todo mundo sabia que aquele camarada era do regional do Dante
48
Essa afirmação ganhou adaptações ao longo do tempo. Segundo o flautista Leonardo Miranda, a versão que
chegou a ele dizia que Dante só tinha duas introduções, uma maior e outra menor. Como explicou o flautista,
entre os chorões, há um esquema harmônico que define as introduções, porém a melodia que se sobrepõe a esse
esquema é livre. Afirma-se que Dante só usava duas melodias de introdução e que as adaptava a todas as
músicas. Já Henrique Cazes (n. 1959) publicou em seu livro que “A Rádio Nacional (...) tinha como ponto fraco
o seu grupo regional. Dante Santoro comandava o conjunto e não era de fato um músico dos mais caprichosos.
Para se ter uma ideia, Dante tinha apenas uma introdução que adaptava a qualquer ritmo e andamento, mesmo
que fosse no compasso ternário de uma valsa”. (CAZES, 2010, p. 86).
104
Santoro. Se passasse o Dino, todo mundo sabia que era da Mayrink Veiga, do Regional do
Canhoto. Todos sabiam quem era quem”. O violonista afirma que o Regional do Benedito
Lacerda era o que mais gravava, porque era tido como o melhor entre os regionais e também
era o mais antigo. Desde 1930 o grupo se apresentava, naquela época com o nome de Gente
do Morro, e seu êxito foi contínuo, até que se transformou no Regional do Canhoto, na década
de 1950. Sem dúvida foi o regional de maior sucesso daquela época.
Entretanto, já foi mencionado que os conjuntos regionais sofreram certa depreciação
com o passar dos anos. A Rádio Nacional tinha um quadro de músicos variado e contava com
várias orquestras. Há indícios de que, na década de 1950, o conjunto regional já não contava
com tanto prestígio dentro da emissora. Uma carta do próprio Dante Santoro à direção da
Rádio Nacional, em 16/06/1955, encontrada em seu dossiê no Setor de Pesquisa da Rádio
Nacional, aponta o problema:
(...) as direções anteriores sempre timbraram em diminuir ou depreciar os executores
de instrumentos que formam o “naipe das madeiras”, como sejam a flauta, o oboé,
clarinete, etc. incidindo essa má vontade de preferência nos componentes do
Conjunto Regional, quase sempre relegado à margem da corrente, sem que se
atentasse, sequer, aos seus problemas sociais e humanos (melhor do que eu poderá
dizê-lo o maestro Alberto Lazzoli, representante da classe junto à comissão
encarregada de estudar estes casos no momento 49 . (SANTORO, carta à direção da
Rádio Nacional, 16 de junho de 1955).
Porém, o descontentamento de Dante não se referia só ao tratamento pouco atencioso
dispensado ao regional. Dante demonstra insatisfação com seus honorários, face ao tempo de
serviço. Aparentemente, seu salário estava defasado em relação ao custo de vida e em
comparação com o de colegas contratados à mesma época, que chegavam a ganhar o dobro.
Em tom de desabafo e indignação, Dante declara:
Passei a integrar o quadro desta estação no dia exato de sua inauguração, ou seja, há
cerca de dezenove anos, como flautista, participando de todos os trabalhos
atribuídos, em geral, aos músicos profissionais;
Desde então, em simultaneidade com essas tarefas, foi-me entregue a direção do
Conjunto Regional, sem todavia receber até a presente data um só ceitil pela
incumbência marginal;
Todos os colegas que inauguraram comigo a RADIO NACIONAL, exceção
possivelmente do flautista Pedro Vieira, percebem hoje vencimentos mais ou menos
ajustados aos elevados padrões do custo de vida atual, convindo salientar que suas
tarefas têm sido sempre, em volume, bem menores do que as minhas;
Os vencimentos desses prezados colegas (bem merecidos, aliás) ultrapassam a casa
dos 14 mil cruzeiros mensais (...), enquanto eu continuo percebendo Cr$
8.160,00(...). Esta situação leva-me a solicitar seja feita uma análise comparativa dos
49
Carta de Dante Santoro ao Diretor da Rádio Nacional, em 16/06/1955, presente no dossiê do flautista,
arquivado na Rádio Nacional.
105
salários pagos àqueles colegas e os que percebo eu, atualmente, facilitando assim a
V.S inteirar-se da tremenda, injusta e inexplicável disparidade existente;
Para que esse desnível de salários, em se tratando de funcionários de idêntica
categoria, não venha a ser indevidamente atribuído a uma questão de competência
profissional, rogo seja reclamado o depoimento dos ilustres maestros da estação, os
quais, com pleno conhecimento de causa, poderão esclarecer esse detalhe técnico;
Por último solicito à V. S. um estudo das fichas de cada elemento citado, no
Departamento de Contabilidade, a fim de que se comprove o acerto das minhas
alegações, cessando, assim, a injustiça que ora atinge àqueles que, como eu, há
quase 19 anos, mourejam, lutam e se esfalfam para manter o prestígio artísticomusical desta pujante e renomada emissora. (SANTORO, carta à direção da Rádio
Nacional, 16 de junho de 1955).
A carta de Dante deixa claro que suas funções como músico de orquestra e diretor do
grupo regional eram cumulativas, o que é reforçado pelo depoimento de Jorginho do
Pandeiro. Também revela a intensa dedicação à rádio e o reconhecimento de seu trabalho por
parte dos maestros da casa, apontados como testemunhas de suas qualidades como músico. O
tom de desabafo explica-se pelo fato de que essa carta foi escrita em um momento particular
de crise, no qual houve uma reestruturação dentro da emissora, da qual Dante não se
beneficiou, mesmo contando com dezenove anos de casa. Aparentemente, o tempo de serviço
lhe foi desfavorável, porque os pequenos reajustes salariais efetuados com base no seu salário
inicial defasado (cujo valor foi recalculado, em função de mudanças na moeda) fizeram-no
perder o direito à reestruturação.
Apesar da insatisfação pessoal e dos problemas com a direção, o rádio ainda era o
melhor emprego para o músico popular na década de 1950, pela segurança financeira que
proporcionava. É interessante contrastar aqui a visão de um músico mais jovem, o clarinetista
e saxofonista Paulo Moura (1932-2010), que nessa década chegou a trabalhar na Nacional.
Ele diz o seguinte sobre o trabalho na emissora:
(...) não queria ir para a Rádio Nacional, embora naquele tempo, fosse o melhor
emprego para um músico popular, porque nas horas vagas, ele poderia fazer todas as
outras coisas de que gostava de verdade. Era o que faziam K-Ximbinho, Garoto e
outros tantos músicos daquela época. Todos eles tinham um trabalho paralelo à
Rádio Nacional, algo de que realmente gostavam e que não era um emprego fixo.
No final das contas, resolvi enfrentar a Rádio Nacional, apesar de ter resistido por
tanto tempo. (...) Mas nessa época de dificuldades, no final dos anos 1950, tudo já
era complicado para a música instrumental, porque começou a surgir aquele tipo de
música que ameaçava as formações orquestrais grandes: o rock. Os conjuntos
tornaram-se pequenos e as formações eram geralmente em quarteto ou trio, como
nos grupos de rock, e acabei aceitando ir para a rádio. Acho que entrei, se não me
engano, em 1958. E depois fiquei louco pra sair! (GRYNBERG, 2011, p. 81)
As dificuldades de ordem financeira e as pressões relacionadas aos novos gêneros
existiam, mas pareciam não atingir diretamente o ânimo do regional. Na visão de Jorginho do
106
Pandeiro, o clima amistoso dos colegas de emissora em sua convivência diária e o ambiente
da rádio deixaram saudades:
Essa rádio aqui era uma família, todos eram amigos, tinha um bar aqui em cima,
quando a gente tinha um tempo de ir ao bar ficava aquela conversa boa! Todos se
conheciam, todos se davam bem. Era uma família, eu senti muita falta quando
parou. Hoje em dia está vazio, mas naquela época tinha movimento o dia inteiro. Era
uma TV Globo de hoje a Rádio Nacional, em “cartaz” também. (Jorginho do
Pandeiro, em entrevista concedida à autora, em 19/05/2011)
A figura 25 mostra nota publicada no jornal Correio da Manhã, edição 18805, de
22/07/54, que anuncia a contratação do Regional de Dante Santoro pela gravadora Sinter.
Nessa gravadora, o conjunto lançou seu único LP (as demais gravações do Regional de Dante
Santoro foram lançadas em formato 78 rpm):
Figura 25. Nota publicada no Correio da Manhã, edição 18805, de 22/07/54, anuncia a contratação do Regional
de Dante Santoro pela gravadora Sinter.
Em fevereiro de 1958, o Correio da Manhã noticia a morte do flautista Benedito
Lacerda, na edição 19908, de 20/02/1958. A Revista do Rádio (Ano XI, ed. 446, Rio,
29/3/1958, p. 8 e 9) publica foto na qual Dante Santoro e Carlos Lentine aparecem em visita à
viúva, D. Ondina. Alguns meses mais tarde, a imprensa anuncia a realização de um show em
homenagem a Lacerda. A figura 26 registra a participação de Dante Santoro e Luiz
Americano nessa ocasião:
107
Figura 26. Artigo sobre show em homenagem ao flautista Benedito Lacerda. Correio da Manhã, 13/06/1958, p.
2.
Na década de 1960, a Rádio Nacional viveu seus tempos de crise e a programação
musical declinou a passos largos. Aparentemente, devido às circunstâncias, Dante passou a
atuar mais como músico de orquestra. Um forte indício desse fato é a seguinte anotação em
seu registro pessoal: “reclassificado, a partir de 01 de dezembro de 1960, como Músico de
Orquestra nível 20”. O violonista Caçula diz, entretanto, que o regional continuou ativo
durante a década de 60. “Mesmo depois de 64 o regional continuou. Só acabou quando
acabou tudo mesmo. Até 70 a rádio ainda estava de pé” (Caçula, em entrevista concedida à
autora em 19/10/2011).
Além do trabalho na Rádio, Dante também se apresentava em cassinos. Segundo
Jorginho do Pandeiro, o trabalho no cassino rendia bastante e, aparentemente, funcionava
108
como um extra. “Ele me contava que trabalhava nos cassinos. Ele dizia que naquela época
ele só andava de terno branco e sapato novinho, porque ganhava muito bem nos cassinos!
(risos)” (Jorginho do Pandeiro, em entrevista concedida a esta autora, em 19/05/2011).
Dante também participou de espetáculos de teatro de revista. Anúncios publicados na
imprensa nas décadas de 1930 e 1940 demonstram sua participação nos seguintes espetáculos:
O.K. (1935), Nossa Bandeira (1936), Frasquita (1938), Música Maestro (1940), Ouro de Lei
(1943) e Ano em Revista (1945). A figura 27 traz dois desses anúncios.
Figura 27: anúncios dos espetáculos de teatro de revista Música Maestro (1940) e Ouro de Lei (1943), dos quais
participou Dante Santoro. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Em meados da década de 1950, Dante também se aventurou em abrir uma casa
noturna na Barra da Tijuca, chamada “O Inferno de Dante” (título também de um de seus
choros). Segundo Jorginho, por essa época, com a vida boêmia, Dante às vezes cochilava nos
ensaios da orquestra, mas não errava uma entrada sequer e tocava tudo correto, devido a sua
prodigiosa leitura:
Nove horas da manhã ele já estava aqui (na Rádio) e ele chegava com sono, porque
ele tinha “O Inferno de Dante lá na Barra”, era um bar-restaurante dele, as mesas
eram todas de toalha vermelha, pra ficar bem ao inferno mesmo! (risos). Sempre
tinha alguém conhecido dele, então ele ficava até cinco, seis horas da manhã
acordado... aí quando chegava aqui ela tinha sono. Mas ele era um grande músico,
ele lia muito! Então o Ercole Vareto, que era o maestro da manhã - encarregado do
programa Paulo Gracindo, entre outros, até as 15 horas – separava as músicas que
109
ele ia tocar e às vezes eu vinha aqui olhar e ele estava cochilando! Aí quando era a
entrada da flauta, o Vareto batia e dizia “Dante, olha a entrada!” Ele empunhava a
flauta e entrava, tocando muito bem, porque ele lia muito! (Jorginho do Pandeiro,
em entrevista concedida à autora, em 19/05/2011).
O sobrinho Homero Santoro conta suas memórias sobre o restaurante:
Com sete anos minha tia me levou para conhecer o Rio de Janeiro e nós fizemos
uma visita pro Dante. Naquela época (c. 1959) ele estava começando um restaurante
chamado “O Inferno de Dante”, que foi um inferno mesmo pra ele. Ele era uma
pessoa de um coração do tamanho de um trem, então ele ajudava todo mundo, os
amigos, dava dinheiro, emprestava... Então o pessoal ficava devendo e, assim, o
restaurante acabou sendo pra ele um grande problema. (Homero Santoro, em
entrevista concedida à autora em 25/11/2011)
Em 1961 foram promovidas vesperais carnavalescas no Inferno de Dante, conforme
a bem-humorada nota publicada no Diário Carioca, edição 992 de 29 de janeiro de 1961:
Amanhã, das 14 às 19 horas, acontecerá a primeira vesperal carnavalesca do Inferno
de Dante, restaurante situado na Estrada do Joá, cem metros antes da Barra da
Tijuca, cujo convite diz que “você pode levar quantas garotas quiser e só pagará a
sua despesa”. As vesperais carnavalescas do Inferno de Dante, que se repetirão todas
as sextas-feiras até o tríduo momesco, são reservadas até um máximo de trinta
cavalheiros, que poderão adquirir os seus tíquetes na Rádio Nacional ou no local do
crime, perdão, da festa. Segundo informa o cômico Germano em atenciosa cartinha,
o Inferno de Dante (Santoro) é um paraíso perdido. (Diário Carioca, 19 de janeiro de
1961, p. 7).
O último registro encontrado de Dante Santoro data de 22/12/1968 (figura 28). O
jornal Diário de Notícias anuncia sua participação, ao lado de Pixinguinha, em evento
promovido por Índio do Cavaquinho: a Segunda Noite de Chorinho, cujo objetivo era
promover o congraçamento da “jovem e da velha-guardas”, aproximando os nomes do choro
a novos artistas “ligados à música popular brasileira”, como Nara Leão e Jerry Adriani. O
encontro parece ter funcionado, na verdade, como uma rara oportunidade de se ouvir os
chorões da velha-guarda, como afirma a nota publicada no segundo caderno do Correio da
Manhã, em 27/12/68: “Os saudosistas estão aproveitando o show das segundas-feiras na Casa
Grande, Noite do Chôro, para rever Pixinguinha, Dante Santoro, Tico-Tico e outros músicos
da velha guarda, que lá se reúnem informalmente para tocar chorinho”. (Quicks, Segundo
Caderno, Correio da Manhã, 27/12/68, p. 3).
110
Figura 28. Último registro encontrado sobre a atuação de Dante Santoro: show Noite do Choro, onde se
apresentou ao lado de Pixinguinha, representando a velha-guarda. Diário de Notícias, edição 14137 de
22/12/1968.
111
2.5 O flautista e seu legado
Dante Santoro foi uma referência para os músicos de sua época, um tempo marcado
pela obra de grandes flautistas, como Pixinguinha e Benedito Lacerda. Altamiro Carrilho é
um dos testemunhos dessa geração, pois iniciou sua carreira nos programas de rádio, fazendo
imitações desses grandes nomes. Altamiro também começou a gravar muito cedo (aos 14
anos) e aprendeu muito dos flautistas envolvidos com o rádio, que naquela época estavam em
plena atividade. A figura 29 mostra uma reportagem especial da Revista do Rádio (Ano IV,
ed. 94, Rio, 26/06/51), sobre os Flautistas do Rádio. Na reportagem, os já citados
Pixinguinha, Benedito Lacerda, Dante Santoro e Altamiro Carrilho, além dos menos
afamados João de Deus e João Batista de Menezes.
Segundo Altamiro Carrilho, um momento importante no início de sua carreira foi
quando participou do programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso, tocando a obra
Harmonia Selvagem, de Dante Santoro. Apesar das dificuldades da música e, especialmente,
do instrumento de segunda mão que ele usava na época (uma flauta toda estragada e com
molas de elástico), Altamiro consegue o primeiro prêmio e termina aclamado pela plateia e
pelos músicos do regional acompanhante, dirigido por Rogério Guimarães.
Altamiro declara, ainda, que Dante Santoro foi o primeiro flautista do rádio que ele
conheceu. Sua sonoridade causou-lhe impacto, como comenta em entrevista concedida ao
pesquisador Luís Carlos Furtado, em 02/03/2012:
Eu comecei a ouvir na hora do almoço um programa chamado Picolino, na Rádio
Nacional, que era feito só com um conjunto regional e um pianista (...). O flautista
era Dante Santoro. Aí caiu a sopa no mel. Todos os dias na abertura do programa o
Dante Santoro fazia um solo com o conjunto dele. Aquele som maravilhoso, aqueles
graves que ele tirava muito bonitos, né? Porque tinha naturalmente conhecimento de
causa, ele estudou e tinha um instrumento muito bom, de prata, que eu nunca mais vi
igual. Era uma flauta alemã, de prata mil, muito bem trabalhada, muito bem feita. E
o Dante tirava uns graves muito bonitos. Eu até achava um pouco exagerado, mas
quem era eu nessa época pra achar um som demasiado forte, ou demasiado fraco?
Eu não tinha competência nem gabarito pra isso! (...) Na hora de tocar as
composições dele, eu peguei todas elas de ouvido, outras eu pegava papel de música
e cada dia tirava um trechinho, passava um trecho para o papel (...). (Altamiro
Carrilho, em entrevista concedida ao pesquisador Luís Carlos Furtado, em
02/03/2012).
112
113
Figura 29. Reportagem sobre os Flautistas do Rádio. Revista do Rádio, Ano IV, ed. 94, 26/06/51, p. 14-17.
114
A fala de Carrilho assinala que, de fato, Dante Santoro tinha uma maneira
própria de tocar: a sonoridade potente (até mesmo exagerada no contexto do choro); a
precisão técnica adquirida pelo estudo do instrumento (“tinha conhecimento de causa,
ele estudou”); o instrumento diferenciado (“uma flauta alemã, de prata mil, muito bem
trabalhada”).
Alguns indícios levam a crer que esses traços interpretativos eram
referências que Dante Santoro trazia da música de concerto.
Sabe-se que Dante tocava música de concerto.
Um álbum de partituras
encontrado no acervo do sobrinho Homero Santoro, junto ao material que Dante
enviava à família anualmente do Rio de Janeiro, é uma compilação de partituras
comercializadas por casas de música do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. Constam do
repertório obras de estilo romântico para flauta transversal, caracterizadas pela
virtuosidade: Souvenir à Como op. 145 de Adolf Terschak; La Chasse Galope Brillant
op. 250 e Staccato Fantasie Bravourstück op. 446, de Wilhelm Popp; Marta, op. 214,
da obra Seis Divertimentos para flauta e piano de Rafaelle Gali; Studio Caratteristico
op. 255 de E. Krakamp; Gran Concerto in Re op. 129 de E. Ciardi; Melodie Favorite
dell´ Opera Il Guarany de A. Carlos Gomes, transcrita de Raff Gali op. 257; 3ª Sonata
para flauta e piano op. 175 de A. Terschak; Serata D´amore Romanza op. 2, de
Pattápio Silva; Réverie das Cenas Infantis op. 15, de R. Schumann.
Esse repertório assemelha-se àquele gravado pelo flautista Pattápio Silva
(1880-1907), para a Casa Edison, em 1902. Além de sua obra autoral, Pattápio gravou,
entre outras obras, o Allegro de Adolf Terschak, a Valsa op. 64 de Chopin, a Serenata
de Schubert, a Serenata de Gaetano Braga, a Serenata Oriental de Ernesto Köhler e as
Variações de Flauta op. 382, de Whilhelm Popp. Como se verá no Capítulo 4, na obra
de Dante Santoro, há várias referências a Pattápio Silva, tanto na escrita para flauta (que
também se inspira em obras de compositores europeus de estilo romântico), quanto na
maneira de tocar (há semelhanças na sonoridade, no vibrato e no estilo virtuoso).
Apesar de não terem convivido como contemporâneos, já que Pattápio morreu em 1907,
quando Dante tinha três anos, há indícios de que as pioneiras gravações de Pattápio
Silva foram uma referência marcante para Dante Santoro.
Esse repertório também é referido em distintas passagens do livro Manual do
Flautista, de Pedro de Assis, publicado nas primeiras décadas do século XX. Era o
repertório corrente nos concertos do Professor Assis e de seus alunos diplomados no
115
Instituto Nacional de Música, que concorriam ao primeiro prêmio medalha de ouro em
concurso dessa instituição.
O fato de tocar parte do repertório standard de conservatório da época também
indica que Dante Santoro estudou o instrumento, como observado por Altamiro
Carrilho. Não há registros de Dante Santoro como aluno do Instituto Nacional de
Música – atual Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Porém, afirma o músico Arthur de Faria (2011) que ele estudou com Agenor Bens (c.
1870- c.1950), flautista graduado pelo Instituto Nacional de Música com o primeiro
prêmio, em 1911. Pedro de Assis, que foi o professor deste último, escreveu o seguinte
texto sobre ele em seu livro Manual do Flautista:
Distincto flautista brasileiro e compositor para o seu instrumento, já tendo
recorrido algumas cidades do Brasil, em digressão artística, realizando
concertos nos quaes foi calorosamente applaudido. Agenor Bens fez
brilhantemente o curso de flauta do Instituto Nacional de Música, alcançando
em concurso o primeiro prêmio medalha de ouro. O apreciado flautista
também estudou harmonia no Instituto, demonstrando nas suas producções o
valor dos seus conhecimentos naquela sciencia. (Assis, s.d., p. 83)
Agenor Bens foi músico da Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro e professor
do Conservatório de Música do Distrito Federal - instituição fundada por volta de 1934,
que deu origem à Escola Popular de Educação Musical (EPEMA) na década de 1950 e à
Escola de Música Villa-Lobos na década de 1960. É possível que Dante Santoro tenha
estudado com Agenor Bens no Conservatório de Música do Distrito Federal, mas não
existem registros dessa época. Também pode ser que tenham tido contato por meio de
aulas particulares informais, porém não se sabe ao certo.
Assim como o primeiro professor de Dante, Octávio Dutra, Agenor era um
músico que ultrapassava fronteiras. É reconhecido, nos dias de hoje, como um chorão
da velha guarda, conforme menção do Dicionário Cravo Albin, muito embora tenha
garantido seu lugar entre os diplomados daquela época. Foi um dos flautistas formados
pelo Conservatório que também compuseram e tocaram o repertório de música
brasileira popular, seguindo a tradição iniciada por Joaquim Antônio Callado (18481880) e Viriato Figueira da Silva (1851-1883)50.
50
Agenor Bens foi um dos grandes intérpretes da obra de Candinho Trombone e de Pattápio Silva.
Compôs cerca de vinte obras, entre polcas, shottisches, maxixes, choros e tangos brasileiros, quase todas
gravadas para os selos Grand Record Brazil, Favorite Record (Casa Faulhaber) e Odeon (cf. a
Enciclopédia Instrumental Músicos do Brasil). Além de intérprete de música de concerto e de música
popular, Agenor Bens era também compositor e atuava nos mais diferentes meios musicais, da orquestra
sinfônica às casas de espetáculo; como flautista e como cantor de modinhas.
116
Acredita-se que essa circularidade entre a música de concerto e a música
popular - que já era tradição desde Callado e Pattápio Silva e que se reflete na atuação
de muitos músicos até os dias de hoje – é um traço característico também da trajetória
de Dante Santoro. Está presente (1) em sua formação musical; (2) em sua atuação
profissional, como músico de orquestra e de regional; (3) em sua maneira de interpretar
e de compor - como se estudará no Capítulo 4, a partir de um estudo comparado, será
observado que a sonoridade, assim como a forma de conduzir e elaborar as melodias,
diferenciam Dante Santoro dos flautistas cariocas, seus contemporâneos.
Essa maneira diferente de tocar o choro é observada pelo violonista Caçula,
que afirma que o jeito de Dante Santoro conduzir o choro era diferente. Segundo ele, o
mesmo acontecia com Luiz Americano. Era uma forma diferente, que ele não define.
Ele canta um trecho do choro O inferno de Dante para exemplificar. A maneira antiga
parece ser mais articulada e assertiva, ao passo que, hoje em dia, o choro é tocado de
forma mais livre, a condução é menos marcada, pois a melodia é mais solta. Ele afirma
categórico: “Eu acho que o jeito gostoso é aquele, que o pessoal devia seguir”
[referindo-se ao estilo de Dante e Luiz Americano]. “Quem conseguir assimilar
conseguiu. Quem não conseguir, paciência, né?!” (Caçula, em entrevista concedida à
autora em 19/10/2011)
A obra de Dante alcançou bastante projeção por conta de sua atuação na Rádio
Nacional. Jorginho recorda o sucesso das músicas que figuraram como trilha sonora de
radionovelas, como as valsas Gilka e Vidas mal traçadas. Em depoimento oral cedido à
autora em 22/11/2011, em sua casa em Porto Alegre, o flautista gaúcho Plauto Cruz51
(n. 1929) diz que, apesar de não ter conhecido Dante Santoro pessoalmente, tem muita
admiração por ele. Ao longo de sua carreira, tocou algumas de suas músicas, entre elas
os choros O inferno de Dante, Harmonia selvagem (que era difícil, por causa dos efeitos
de trêmulo) e a valsa Vidas mal traçadas.
Plauto Cruz declarou, ainda, que gosta especialmente das valsas de Dante
Santoro, cantarolando algumas delas, como Scylla. Quando perguntado se as músicas de
Dante também fizeram sucesso no Rio Grande do Sul, disse que tem uma valsa com
letra do Corinto Álvares que fez sucesso por lá. Tentou lembrar a melodia, mas não
51
Plauto Cruz (n. 1929), flautista, compositor e arranjador gaúcho, iniciou sua carreira profissional em
1952, em emissoras de rádio no Rio Grande do Sul. Gravou seis LPs e dois CDs como solista e mais de
40 discos como acompanhador, atividade na qual se apresentou ao lado de Orlando Silva, Lupicínio
Rodrigues, Sílvio Caldas e Elis Regina.
117
conseguiu. Acreditamos que se trata da valsa Horas tristes. Também cantarolou um
trecho da valsa Gilka, uma de suas favoritas.
Segundo Plauto Cruz, Dante Santoro estava entre os grandes flautistas que
surgiram em sua época, assim como Pattápio Silva e Benedito Lacerda. Comentou que o
jeito de se tocar flauta naquela época era virtuoso e havia uma predileção por mostrar a
técnica. Dá o exemplo da valsa Primeiro amor de Pattápio Silva, diz que já tocou essa
música e o Dante também, que era muito difícil. Aquela geração de flautistas, portanto,
se identificava com o virtuosismo e gostava do repertório que exigisse habilidade
técnica.
Já o flautista mineiro Milton d´Avila52 (n. 1923) é um dos maiores admiradores
de Dante Santoro registrados nesta pesquisa e o conheceu pessoalmente, como contou
em entrevista concedida em sua casa em Ubá-MG, em 18/04/2012.
Em 1950-1951, eu levei minha mulher ao Rio para passear e nós resolvemos
ir lá na Rádio Nacional para conhecer o Dante. Assistimos [o programa] A
Hora do Pato. O Dante estava tocando numa flauta de prata alemã. Tinha
uma sonoridade e um sopro de flauta! Tocava com uma naturalidade! Ele não
franzia a testa, ele não fazia careta... No espaço em que o cantor estava
cantando ele veio, porque eu falei que queria conhecê-lo e batemos um papo
rápido ali. Ele me deu a flauta e eu toquei um pouquinho... Ele tinha duas
[flautas], até me ofereceu uma, se eu quisesse comprar, mas na época eu
estava começando a minha vida de casado e não me interessei pela flauta. (...)
A facilidade do Dante Santoro era uma coisa impressionante! O som que ele
tirava na flauta era impressionante, tanto os graves, como os agudos, os
médios... era uma coisa divinal! E eu peguei o Dante para ser meu
“professor”, me dediquei muito às músicas dele. No meu repertório eu tinha
pelo menos umas dezessete músicas dele. (Milton D´Avila, em entrevista
concedida à autora em 18/04/2012).
A foto a seguir (figura 31), dedicada a Milton d´Avila, é uma lembrança desse
encontro na Rádio Nacional. Ao comentar sobre a impressão que lhe causou a
interpretação de Dante no programa de calouros, foi-lhe perguntado se Dante Santoro
improvisava. Ao responder afirmativamente, ele descreveu o que ouviu:
Na Hora do Pato, era uma coisa importante, porque o Dante, na flauta,
sozinho, com dois violões de seis cordas e um de sete cordas, fazia como se
fosse parte de orquestra, fazia os arranjos todos! Com o cantor cantando, ele
52
Milton D´Avila (n. 1923), flautista, foi professor de música em Ubá-MG. É um músico muito
respeitado em sua cidade e nas redondezas, por ser um grande incentivador da cultura e do ensino
musical. Abraçou também a profissão de caixeiro viajante, tendo exercido papel de liderança entre os
representantes comerciais da região. Dedicou-se essencialmente ao repertório da música popular,
especialmente choros e valsas, sendo um grande apreciador da música de Dante Santoro, que ainda hoje
interpreta, na flauta doce.
118
fazia os contracantos todos e sempre dando a deixa para o cantor. Era uma
coisa sublime e admirável! (op. cit.)
Figura 30. Dante Santoro e sua flauta, c. 1950. Foto dedicada ao flautista Milton d´Avila em encontro na
Rádio Nacional. Fonte: família Santoro.
A predileção por Dante Santoro é assumida e assim justificada por Milton
d´Avila, que lhe presta uma verdadeira homenagem:
Eu conheci vários flautistas, todos eles pessoalmente, inclusive o Benedito
(...), todos eles muito bons flautistas, mas igual o Dante Santoro eu não
conheci nenhum deles! Era o sopro da flauta dele, os graves, os médios, os
agudos, os agudíssimos... eram sons perfeitos e não tinha diferença de altura,
eram todos equilibrados. (...) Eu o considerava um dos melhores, porque nós
tivemos bons flautistas, mas eu gostava mais dele, não só do sopro, não só da
execução... ele fazia um “dug dug” [efeito sonoro] na flauta, como se fossem
duas ou três flautas! Era uma coisa impressionante! (...) O Dante foi sempre o
meu espelho musicalmente falando. Tudo o que eu desenvolvi, tudo o que eu
quase aprendi, foi dirigido à flauta do Dante Santoro. (Milton D´Avila, em
entrevista concedida à autora em 18/04/2012)
Uma pequena entrevista de Dante Santoro permite deduzir um pouco mais
sobre sua personalidade e referências estéticas. Foi publicada no Suplemento A Noite,
Edição 817, de 24/10/1944, p. 10, na coluna Dante Santoro Responde:
119
1.Fora do Rádio, que desejaria ser?
Dante Santoro: Comerciante
2.Se possuísse uma estação de rádio, quais artistas contrataria?
Dante Santoro: Somente os Bons, com B maiúsculo
3.Que acha do rádio brasileiro?
Dante Santoro: Que evoluiu rapidamente.
4.Se fosse obrigado a ir para uma ilha deserta e lhe deixassem levar um só
livro, qual levaria?
Dante Santoro: Rubayá, de Omar Kayan
5.Nas mesmas condições, qual disco?
Dante Santoro: Poema, de Fibich
6.Qual o homem que mais admira, sob todos os pontos de vista?
Dante Santoro: Getúlio Vargas
As indicações dos poemas Rubaiyat, de Omar Khayyam (1048-1131), e da
obra Poema, de Zdeneck Fibich (1850-1900) revelam que Dante Santoro se interessava
por obras vinculadas à estética romântica. O Rubayiat é uma seleção de poemas
originalmente escritos em persa, que ficaram conhecidos, no Ocidente, com sua
tradução para o inglês, pelo poeta Edward Fitzgerald, em 1859. Sabe-se que a poesia do
Rubaiyat fala sobre a existência humana: a brevidade da vida, o êxtase, a embriaguez, o
amor, temas revisitados no século XIX pelos autores românticos53. A obra Poema em
Ré b maior op. 39a, do compositor tcheco Zdeneck Fibich, é uma peça curta,
comumente utilizada como encore, retirada do Idílio para Orquestra (V Podvecer) de
1893. O Poema foi arranjado para várias formações instrumentais, entre elas: piano
solo; violino e piano; violão e harpa.
A admiração por Getúlio Vargas revela a identificação com o nacionalismo,
corrente de pensamento igualmente vinculada ao romantismo. O depoimento de Dante
Santoro, datado de 1944, em meio ao Estado Novo, ocorre em um momento em que a
Rádio Nacional já havia se tornado emissora estatal e funcionava como instrumento de
propagação do populismo getulista. A popularidade de Vargas certamente estava em
alta, após a implantação de uma série de leis trabalhistas, que culminaram com a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Além disso, Getúlio Vargas era
gaúcho, assim como Dante Santoro. O fato de serem conterrâneos deve ter contribuído
para ampliar esse sentimento de simpatia e admiração.
53
O Rubayiat, de Omar Khayyam, recebeu uma nova interpretação, vinculada ao misticismo, no ano
de1867. Os estudos de J.B. Nicolas - autor que traduziu a obra para o francês - indicaram que Khayyam
era um poeta sufi. Segundo essa interpretação, a filosofia sufi estaria representada de forma simbólica nas
imagens do Rubaiyat (taberna/templo; vinho/divindade; copeira/religião; cálice/universo;
embriaguez/êxtase místico).
120
2.6 Memórias
O sobrinho Homero Santoro conta que Dante viajava todo fim de ano a Porto
Alegre, para passar as festas com a família e, especialmente, o aniversário do pai, em 1º
de janeiro. Nessas ocasiões trazia suas produções daquele ano (os vinis gravados, que
eram colecionados pelo pai de Dante). Permanecia por uma semana apenas, pois sempre
se resfriava, acostumado à praia. Porém, os laços com Porto Alegre sempre se
mantiveram, especialmente com
a irmã Algesira, a quem
Dante enviava
correspondências, fotos e registros, como obséquio e para fins de arquivo pessoal. As
fotos e os vinis que compõem o acervo do sobrinho Homero Santoro são fruto desse
arquivo.
Homero Santoro recorda que Dante era extremamente diligente com a flauta,
estudava muito, para manter-se em forma, e que cuidava da saúde bucal em função da
carreira. Tinha um cuidado especial com os dentes, pois dizia que o flautista que os
perdia passava por sérios problemas:
Dante era fã do fio dental! [risos]. Naquela época nem existia fio dental, era
fio de algodão mesmo, pois não existia fibra sintética. Eu era um piá de seis,
sete anos e o via nos almoços, todo cuidadoso com os dentes! Ele dizia:
Flautista se não tiver os dentes naturais... não sai nada! O som já não é o
mesmo! (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em 25/11/2011)
Quando perguntado sobre suas memórias em relação a Dante, Homero se
recorda especialmente da visita que fez ao tio, em sua casa da Barra da Tijuca, por volta
de 1959. Segundo ele, atravessavam de barco para ir a praia, era um lugar muito
tranquilo, cercado de natureza. Homero o descreve como um artista, amante da
natureza, homem pacífico e generoso:
O Dante não podia ver passarinho engaiolado. Ele comprava os passarinhos
só pra soltá-los. Isso foi algo que eu nunca mais esqueci. E outra cena que eu
nunca esqueci foi, quando estávamos na casa dele, houve um barulho, de
noite, no restaurante. Quando viram, lá estava um cara meio doido, tinha
tomado uma cerveja e estava lá escondido. Um amigo do Dante já queria
atirar nele, dizendo que era ladrão. Não fosse o Dante chegar pra acalmar os
ânimos, tinham atirado nele. Era por volta de 1959 e minha tia começou a
reclamar que aquele lugar era inseguro e que eles estavam à mercê daqueles
bandidos! (risos) (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em
25/11/2011)
Também recorda a dedicação de Dante ao ofício de músico e comenta:
121
Eu me lembro que desde aquela época [c. 1959] o Dante já tinha dificuldade
respiratória. Eu acho que o que aconteceu com o Dante foi profissional. De
tanto soprar flauta ele acabou tendo problema de enfisema, que o levou a
falecer. Ele era muito esforçado, em demasia, era muito dedicado, ficava
horas e horas para atingir aquela performance e a própria Rádio Nacional
tinha muito trabalho. (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em
25/11/2011)
Dante morreu no dia 12 de agosto de 1969, ainda funcionário da Rádio
Nacional, vítima de um enfisema pulmonar. O jornal Última Hora, de São Paulo,
publicou em 14/08/1969, que Dante teria morrido de enfarto, após entrar “em atrito com
alguns playboys na sua boate O Inferno de Dante” (Última Hora, São Paulo, 14 agosto
1969, p. 5). Versão semelhante foi publicada no Correio da Manhã, em 14 de agosto de
1969, em artigo de viés sensacionalista, que traz um depoimento da Sra. Helena
Rodrigues, companheira de Dante (figura 31).
Em resposta à publicação, digna das páginas policiais daquele jornal, o irmão
de Dante, Godofredo Santoro, envia carta à redação (figura 32), esclarecendo que a
causa da morte do flautista tinha sido um enfisema pulmonar. Apesar de o episódio
violento de fato ter ocorrido, a família não atribuiu ao fato responsabilidade sobre a
morte do artista.
Na imprensa carioca, foram publicados vários artigos lamentando o
desaparecimento do músico. Seu falecimento foi seguido do de Jacob do Bandolim, ao
dia seguinte, fato que gerou comoção entre os seguidores do choro, pela perda
simultânea de dois de seus grandes nomes.
Assim se manifestou o jornalista Telmo Ferrari, no jornal Folha de Tarde, em
21 de agosto de 1969:
Dante e Jacó representavam muito na música brasileira. Os dois marcaram
época. Uma época rigorosamente histórica da música popular. (...) Foram
pioneiros, desbravadores, fabulosos construtores de uma época artística.
Além de artistas, foram homens de bem, que não se aproveitaram de suas
atuações. Dante era excessivamente modesto. Modesto, mas grande. (Folha
da Tarde, Rio de Janeiro, 21 agosto 1969, p. 4.)
122
Figura 31. Artigo publicado no Correio da Manhã, edição 23413, em 14/08/1969, 1º caderno, p. 7, relata
episódio violento envolvendo a morte de Dante Santoro.
123
Figura 32. Carta do irmão de Dante, Godofredo Santoro, que desmente o vínculo ente a morte do flautista
e o episódio violento ocorrido na boate Inferno de Dante. Correio da Manhã, ed. 23415 de 16/08/1969, 1º
caderno, p. 9. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Em 13 de agosto de 1969, a Tribuna da Imprensa noticiou o falecimento de
Dante:
Os meios artísticos e radiofônicos foram abalados, no dia de ontem, com a
morte do músico, compositor, maestro e arranjador Dante Santoro (...). O
sepultamento teve lugar hoje, às 10 horas, no Cemitério do Catumbi, saindo o
corpo da Capela Santa Terezinha, na Praça da República, onde foi velado.
Dante Santoro era um dos remanescentes da Velha Guarda, defensor ferrenho
do chamado conjunto típico regional (...), dirigindo o Conjunto Típico
Brasileiro da Rádio Nacional, não obstante sua formação musical clássica.
(...) Pode ser apontado (...) como o popularizador da flauta, graças ao perfeito
124
domínio que tinha dos segredos daquele instrumento musical. (Tribuna da
Imprensa, Rio de Janeiro, 13 agosto 1969, p. 6)
O jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, publicou em 13 de agosto de 1969:
RIO ,12 (CP) – Faleceu às 11 horas de hoje, o compositor e instrumentista
Dante Santoro, natural de Porto Alegre.
O extinto, que contava sessenta e cinco anos de idade, iniciou sua vida
artística no Rio Grande do Sul.
Em 1934 transferiu-se para o Rio de Janeiro e aqui era tido como um dos
maiores flautistas do País, tendo realizado inúmeros programas no mais alto
nível musical, tanto em emissoras de rádio e televisão, como em “shows” dos
cassinos da Urca e Copacabana.
Durante mais de trinta anos, Dante Santoro e Benedito Lacerda foram
considerados os maiores flautistas do Brasil, sendo Dante também conhecido
como o “Bico de Ouro” do rádio.
O sepultamento de Dante Santoro, que foi fundador da Rádio Nacional do
Rio de Janeiro, será realizado amanhã às 10 horas.
O músico rio-grandense deixa a prantear seu desaparecimento quatro irmãos,
Domingos Antônio Santoro, residente em Porto Alegre; capitão Godofredo
José Santoro, que exerce sua atividade em São Paulo; Homero Santoro e
dona Alzira Santoro Guaragna, esposa do Sr. Vicente Guaragna. (Jornal
Correio do Povo, 1969).
No Almanaque do Correio do Povo, de 1970, foi publicada a seguinte
biografia:
Músicos falecidos em 1969
Dante Santoro, flautista e compositor nascido em Porto Alegre, a 18 de junho
de 1904, morreu no rio de Janeiro a 12 de agosto. Começou a trabalhar na
Rádio Gaúcha em 1934, transferindo-se depois para o Rio e ingressando na
Nacional, onde durante muitos anos foi considerado o melhor flautista do
país e um dos mais inspirados compositores do gênero. Morreu aos 65 anos e
sua passagem no meio artístico fica demarcada como um dos músicos mais
atuantes, tendo inclusive acompanhado a várias gerações de cantores
nacionais. Suas músicas mais conhecidas: “Vidas Mal Traçadas”, “Inferno de
Dante”, “Lágrimas de Rosa”, entre tantas. (Almanaque do Correio do Povo,
1970, p. 274).
Figura 33. Anúncio da missa de sétimo dia em homenagem a Dante Santoro. Correio da Manhã, 17/08/69,
1° caderno, p. 6.
125
Dentre as publicações póstumas, chama atenção a crônica de Sérgio Bittencourt
para o jornal O Globo, de 13/08/1969, p. 36, constante do encarte do CD A Flauta
Mágica de Dante Santoro (1998). O texto contrasta com a crítica de Haroldo Barbosa
(1949), justamente por valorizar “os mesmos bordados” como traço singular da
interpretação de Dante Santoro, “o homem dos volteios na sua flauta mágica”:
As pessoas continuam morrendo. Agora, foi meu companheiro e mestre
Dante Santoro, o “mago” da flauta. Dante era o homem dos “volteios” na sua
flauta mágica, sempre fazendo os mesmos “bordados” quando acompanhava.
Foi sempre o mesmo e sua flauta e seu sopro podiam ser reconhecidos à
distância. Morreu chefe do Regional da Rádio Nacional, posto do qual
ninguém ousou tirá-lo. (...) Dante Santoro morreu solitário, mas alegre.
Conhecia a sua flauta como conheço meus caminhos e minha máquina de
escrever. Tocou-a até o último dia. E a última coisa que fez foi para mim:
uma introdução para mais uma modinha paupérrima, a ser inserida num
festival desses aí. Chegou, tocou, sorriu e morreu. Sem a menor cerimônia. E
nem uma fotografia deixou, para ilustrar essa croniqueta sem muito talento.
(BITTENCOURT, Sérgio. O Globo. Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1969, p.
36. In: encarte do CD A Flauta Mágica de Dante Santoro. Porto Alegre:
Fumproarte, 1998).
2.7 Reconstrução biográfica e interpretação
No que se refere à biografia, este trabalho contribui para agregar registros
históricos, recolhidos na imprensa e em depoimentos, sobre passagens da vida de Dante
Santoro, antes obscurecidas pela falta de informação. Os episódios que são objeto de
especulação entre os músicos, como o acidente automobilístico de 1935 e a violência
envolvida em sua morte – foram esclarecidos nesta narrativa. Cabe a este trabalho,
entretanto, oferecer uma interpretação crítica em torno da figura de Dante Santoro e sua
trajetória artística. Trata-se de uma tarefa ousada, porque é passível de equívocos,
porém requerida e necessária. Apresenta-se, portanto, uma interpretação, a partir das
discussões levantadas nestes dois primeiros capítulos.
Dante Santoro foi um flautista virtuose, que desde cedo aprendeu música, tanto
como autodidata (pois vinha de uma família italiana que gostava de música), quanto por
intermédio de professores. Aprendeu a tocar música popular nas serenatas, saraus,
blocos de carnaval e rodas de choro na casa de Octávio Dutra, que foi seu professor.
Paralelamente, aprendeu a tocar música de concerto, especialmente a música do período
romântico, repertório que apreciava e no qual se inspirava para compor. Aperfeiçoou-se
na flauta com Agenor Bens, embora não tenha chegado a diplomar-se em conservatório,
126
e certamente teve como referência o flautista Pattápio Silva (intérprete das primeiras
gravações de flauta no Brasil), cujas composições também interpretava.
A poética de Dante Santoro tem como referência tanto os gêneros da música
popular urbana brasileira, quanto o estilo romântico da música de concerto. Segundo
Santuza Cambraia Naves (1998), os músicos populares recorrem a várias formas para
incorporar a tradição, à maneira do bricoleur: a citação, a paródia, o pastiche, entre
outras. Dante Santoro não lança mão da paródia ou do pastiche em sua obra, mas utiliza
elementos formais similares àqueles encontrados nas peças de estilo romântico escritas
para flauta, os quais serão apontados a partir da análise de sua obra no Capítulo 4.
A apropriação de elementos da música de concerto no contexto da música
popular urbana brasileira nem sempre é vista com bons olhos. Para Naves (1998), “esses
autores aspiram um estilo poético erudito e, impossibilitados de se atualizarem sobre os
rumos desse tipo de estética, acabam desenvolvendo um arremedo de classicismo fora
de época”54. Esse seria o caso de Catulo da Paixão Cearense e de parte da obra de
Cartola, Ari Barroso, Orestes Barbosa e Silvio Caldas. (NAVES, 1998, p. 173). Opinião
semelhante tem Luiz Tatit (1996), que classifica como “semi-eruditos” os músicos
populares que, buscando sofisticação, recorrem a uma “linguagem empolada e melodias
que lembram árias europeias do século XIX, ainda que simplificadas e reduzidas no
tamanho” (Tatit apud Naves, 1998, p. 155).
O tom pejorativo dessa classificação não coincide com a abordagem deste
trabalho. Porém, há que se considerar o argumento de que a música de Dante Santoro
não andava com a vanguarda de seu tempo. Quando remete a obras virtuosísticas de
estilo romântico do século XIX, sua música pode parecer um tanto anacrônica, por
seguir uma tendência estilística ultrapassada55. Entretanto, o argumento reverso também
54
Acredita-se que Naves (1998) faz referência ao fato de que grande parte dos compositores da tradição
erudita na primeira metade do século XX dedicaram-se a superar a estética romântica, cujas
possibilidades expressivas eram consideradas exauridas. Surgiram, então, resumidamente, duas
tendências estilísticas: o neo-classicismo, adotado pelos compositores ainda vinculados ao sistema tonal,
e o dodecafonismo, que surgiu como alternativa aos compositores interessados em trabalhar com a
atonalidade.
55
O anacronismo também pode se referir às transformações estéticas ocorridas na música veiculada pelo
Rádio na primeira metade do século XX, provocadas por mudanças de instrumentação (do regional à
orquestra) e pelo avanço nas técnicas de gravação. Um dos exemplos mais notáveis dessa mudança é o
estilo vocal, que passou da execução operística da “voz de peito” (como Francisco Alves, Albertinho
Fortuna e Nuno Roland), para a execução intimista dos cantores de “voz suave” (como Mário Reis). A
música de Dante Santoro permaneceu identificada com a tradição antiga, já que as gravações de suas
obras de maior sucesso foram interpretadas por cantores da primeira fase.
127
é possível: os recursos retirados desse repertório inovam, por serem inusitados no
contexto da música produzida pelos conjuntos regionais.
Acreditamos que Dante Santoro buscava o ideal do solista virtuose56. Os
depoimentos de Plauto Cruz (p. 119) e Odette Ernest Dias (p.104) corroboram essa
ideia: Plauto Cruz dá a entender que existia uma afinidade entre as interpretações de
Dante Santoro e Pattápio Silva, quando menciona que o jeito de se tocar flauta na época
era virtuoso e havia uma predileção por mostrar a técnica. Odette Ernest Dias, ao
comentar sobre as diferenças entre os regionais da época, afirma que a característica do
grupo liderado por Dante Santoro é que o flautista sempre estava em evidência, era um
solista.
Entre os músicos de choro, embora a virtuosidade seja um atributo necessário
aos solistas dos grupos regionais, esse ideal de solista virtuose vinculado à música de
concerto era, em certa medida, fora de contexto. O depoimento de Altamiro Carrilho (p.
113) confirma essa interpretação, quando afirma que os graves potentes de Dante
Santoro lhe pareciam exagerados. A virtuosidade no choro, embora necessariamente
vinculada ao domínio técnico do instrumento, parece revestir-se de espontaneidade,
além de se relacionar com o improviso e a bossa.
Talvez esse acercamento à música de concerto tenha levado muitos chorões a
considerarem Dante Santoro um outsider, um músico vindo da tradição erudita. Como
constatado, entretanto, sua biografia revela o contrário: que Dante participava do
ambiente do choro desde muito jovem, na companhia de Octávio Dutra. Há que se
repensar, portanto, o discurso já bastante difundido, entre os chorões, de que Dante
Santoro era um músico erudito que tocava música popular57.
56
Segundo o dicionário Grove, virtuose é o “músico de habilidade técnica excepcional. A aplicação mais
antiga dessa palavra à música, na Itália, podia designar um teórico ou compositor muito hábil, assim
como um intérprete. A palavra foi amplamente usada por músicos italianos de todos os tipos, no norte da
Europa. No final do século XVIII, significava um músico que seguia a carreira solista, mas no século
XIX, passou a aplicar-se cada vez mais a intérpretes de brilhantismo notável, especialmente Liszt e
Paganini” (in Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, p. 1002). Uma
característica notável dos virtuoses do século XIX é a obra autoral. No Brasil, Pattápio Silva talvez seja o
grande representante desse modelo entre os flautistas, já que suas obras de estilo virtuoso foram as
primeiras a serem gravadas na era fonográfica, constituindo um marco. Na Europa, foram solistas
virtuoses de flauta, entre outros, Louis-Francois-Philippe Drouet (1792-1873); Anton Bernhard Fürstenau
(1792-1852); Jean-Louis Tulou (1786-1865); Charles Nicholson (1795-1837) e José Maria Del Carmen
Ribas (1796-1861). (RÓNAI, 2008, p. 42)
57
Essa reflexão remete à discussão já empreendida no primeiro capítulo sobre a relatividade das
categorias erudito e popular. O questionamento dessas classificações leva ao conceito da circularidade
cultural, que foi estudado, no contexto do choro, no capítulo 1.
128
Acreditamos que a obra de Dante Santoro cativa o ouvinte por utilizar recursos
expressivos diferenciados dentro do repertório do choro. Aparte do interesse que
desperta nos flautistas, por se tratar de um repertório idiomático extremamente rico, ela
chama a atenção pelo uso de recursos interpretativos e composicionais pouco comuns a
seus contemporâneos.
Nos próximos capítulos, a obra de Dante Santoro ganhará enfoque:
primeiramente sua listagem (Capítulo 3), no intuito de conhecer sua variedade e
abrangência; logo, sua análise (Capítulo 4), com o objetivo de estudar os elementos
presentes em sua música, bem como suas semelhanças e diferenças em relação à obra de
outros compositores de choro.
129
CAPÍTULO 3
GUIA PARA A OBRA DE DANTE SANTORO
Este capítulo tem por objetivo oferecer um guia para a produção de Dante
Santoro, destinado a listar as partituras e gravações do flautista e informar em que
acervo estão localizados esses documentos. Para organizar o material coletado, buscouse orientação no trabalho de André Henrique Guerra Cotta (2000), visando atender aos
princípios básicos de tratamento da informação58.
Inicialmente, verificou-se que a obra de Dante Santoro não estava condensada
em um único fundo arquivístico, mas se encontrava dispersa em vários acervos59.
Assim, iniciou-se a busca em oito acervos, a saber: acervo particular do sobrinho
Homero Santoro, em Porto Alegre; acervos públicos do Museu da Comunicação
Hipólito José da Costa (MCHJC), em Porto Alegre; Museu da Imagem e do Som do Rio
de Janeiro (MIS); Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio de Janeiro; Biblioteca da
Escola de Música da UFRJ, no Rio de Janeiro; Divisão de Música da Biblioteca
Nacional (BN), no Rio de Janeiro; Arquivo Nacional; e acervo virtual do Instituto
Memória Musical Brasileira. Também contribuíram com material, no decorrer da
pesquisa, os Professores Milton D´Avila e Odette Ernest Dias (com partituras de seus
acervos pessoais) e Pedro Aragão (com partituras do acervo do Instituto Jacob do
Bandolim).
Quando possível, os documentos foram coletados nesses diferentes acervos em
formato digital, sendo acrescentados aos anexos deste trabalho. Nos casos em que não
foi possível obter a cópia digitalizada, as listagens presentes neste capítulo permitirão
obter informações prévias à consulta ao acervo original. Para a organização do
58
O guia é um instrumento de busca, ou seja, um instrumento que descreve o conteúdo de um dado
conjunto documental, fornecendo dados para sua localização. (COTTA, 2000, p. 93).
59
Segundo o General International Standard Archival Description ISAD (G), fundo arquivístico é um
conjunto de documentos, independente da forma e do suporte, organicamente produzido e/ou acumulado
por uma pessoa física, família ou instituição no decurso de suas atividades e funções. (COTTA, 2000, p.
50). Na arquivologia, o termo arquivo faz referência a um processo orgânico de produção e acumulação,
enquanto o termo coleção se refere a um conjunto de documentos reunidos sob determinado critério
científico ou artístico. Utilizar-se-á, neste trabalho, o termo neutro acervo para indicar a totalidade dos
documentos custodiados por uma instituição, englobando arquivos e coleções. (COTTA, 2000, p. 58).
130
material60, fez-se um levantamento de cada acervo, listando os títulos disponíveis por
ordem onomástica da obra e breve descrição. Em seguida, esses dados foram agrupados
e classificados em séries: Partituras editadas (Quadro 2), Manuscritos (Quadro 3),
Discografia (Quadros 4 e 5) e Gravações da Rádio Nacional (Quadro 6)61.
No caso das partituras editadas e da discografia, a descrição atendeu aos
seguintes parâmetros, baseados nos elementos fundamentais para a informação
descritiva, mencionados por COTTA (2000, p. 80):
a) código de referência: gravadora, número de série e formato da mídia, no
caso de discos; editora, código de localização no acervo e instrumentação,
no caso de partituras
b) título da obra e gênero musical
c) data de produção
d) nome do produtor: compositores e intérpretes
e) origem: nome do acervo e da coleção
No que se refere aos manuscritos, a maior parte foi encontrada na Biblioteca
Alberto Nepomuceno da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Inicialmente, esses manuscritos não foram identificados no acervo. Porém,
após a consulta desta pesquisadora e, com o empenho da equipe da Biblioteca, os
documentos foram localizados e catalogados pela instituição, ficando pendente apenas
sua digitalização. A lista desses manuscritos, segundo os critérios de catalogação da
Biblioteca, encontra-se nos anexos do trabalho. No Quadro 3 deste capítulo, apresentase uma listagem proveniente da consulta desta pesquisadora ao acervo. Os parâmetros
mencionados anteriormente foram seguidos sempre que possível, incluindo-se estes
itens: a) observações desta pesquisadora que podem acrescentar dados a futuras
consultas ao acervo original; b) classificação dos manuscritos em manuscritos
60
A operação de análise e ordenação de um acervo arquivístico é chamada arranjo, enquanto que a
ordenação física do material é chamada encaixe. Nessas etapas, deve-se observar a proveniência do fundo
como elemento primordial e adequar a disposição dos documentos na medida do estritamente necessário
(COTTA, 2000, p. 65 a 74). Nesta pesquisa, lidamos com fundos diversos, que pretendemos agrupar em
um conjunto único, cujo material será organizado em séries baseadas no suporte utilizado (partitura ou
gravação).
61
A série Discografia se refere aos discos com lançamento comercial por gravadoras. Já a série
Gravações da Rádio Nacional abriga registros de programas da Rádio Nacional sem lançamento
comercial, obtidos pela consulta à coleção Rádio Nacional do Museu da Imagem e do Som do Rio de
Janeiro.
131
autógrafos ou manuscritos de autor desconhecido. Outros manuscritos encontrados
individualmente nos demais acervos consultados serão comentados mais adiante ao
longo deste capítulo.
No caso das gravações da Rádio Nacional, foi necessário incluir no parâmetro
código de referência estas informações: a) número do CD (ao lado da indicação do
número original do disco de acetato), dado que possibilita encontrar a gravação
digitalizada no acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro; b) nome do
programa da Rádio Nacional a que se refere a gravação ou “gravação avulsa”, quando
se trata de gravação em estúdio não vinculada a nenhum programa.
A seguir serão apresentados os quadros descritivos de cada série com breves
comentários sobre o processo de busca nos acervos. A observação dos dados permitirá,
ainda, quantificar a produção de Dante Santoro.
3.1 Partituras Editadas e Manuscritos
Dante Santoro compôs cerca de cem obras, entre choros, valsas, polcas,
marchas, danças, sambas, canções, boleros, segundo o levantamento de discos,
partituras editadas e manuscritos. O total de 33 obras foram editadas pelas casas ES
Mangione, Irmãos Vitale, Musical Brasileira, Tupy, Euterpe, Continental e Carlos
Wehrs entre 1935 e 1954 (Quadro 2).
Quadro 2: Partituras editadas compostas por Dante Santoro
Título
Beijo ao luar
(Letra: José
Caó)
Gênero
Edição
Marcha
Ed. Brasileira
de Música
Popular
Ano
1950
Instrumentação
Sopro em sib
Canto e piano
Colombina
sofre
(Letra:
Godofredo
Santoro)
(Orq: Leo)
Marcha
Castigando
(Arranjo: Totó)
Choro
Irmãos Vitale
Tupy
1935
1943
Acervo
MIS
Almirante
(B6447)
MIS
Almirante
(13710)
Canto e piano/
violino; 2 pistons; 2
sax alto; sax tenor;
trombone; tuba
Homero
Santoro
Flauta e piano
MIS
Almirante
(B-548)
132
Delírio Chinez
É logo ali
Esquecimento
Gilka
Gilka
(Letra: Milton
Amaral)
Horas Tristes
Inferno de
Dante
Dança
Oriental
Polcachoro
Euterpe
1954
Flauta
1938
Flauta e cifra
s.d.
Flauta
Irmãos Vitale
1938
Flauta e cifra
Irmãos Vitale
s.d.
Flauta
Irmãos Vitale
Choro
Valsa de
Concerto
Valsa
ValsaCanção
Choro
Lágrimas de
Rosa
(Letra: Kid
Pepe)
(Instr: H.
Vogeler)
Valsa
Lenda Árabe
Martyrios
(Letra:
Corintho
Álvares)
E.S. Mangione
E. S. Mangione
E.S. Mangione
E.S. Mangione
MIS
Almirante
(B-15.191)
MIS
Almirante
Milton
D´Avila
Odette
Ernest Dias
MIS
Almirante
Milton
D´Avila
Odette
Ernest Dias
s.d.
Flauta
MIS
Almirante
(B-15.190)
Milton
D´Avila
s.d.
Piano / flauta ou
violino; sax alto, sax
tenor; 2 pistons sib;
trombone; baixo
Homero
Santoro
Canto e piano
MIS
Almirante
(B-15.191)
Flauta
Milton
D´Avila
Flauta
MIS
Almirante
(B-15.191)
Milton
D´Avila
Piano
MIS
Almirante
(6286)
Piano / Violino;
piston sib; sax alto;
sax tenor; trombone;
baixo
Homero
Santoro
s.d.
s.d.
Ed. Rádio
Continental
Ltda
s.d.
Canção
Oriental
Irmãos Vitale
1937
Canto e piano
MIS
ValsaCanção
E.S.Mangione
s.d.
Canto e piano
MIS
Almirante
(23470)
133
Murmúrios
d´alma
E.S. Mangione
s.d.
E.S. Mangione
s.d.
Canto e piano
Valsa
Flauta
IMS
Tinhorão
(CX-6872)
MIS
Almirante
(B-15.190)
Milton
D´Avila
Não sei mentir
Samba
Tupy
1942
Piano
Não tem pra ti
Choro
E.S. Mangione
s.d.
Flauta
Canto e piano
Nena
(Letra:
Godofredo
Santoro)
(Orq: Leo)
ValsaCanção
Irmãos Vitale
1935
Violino ou flauta e
piano / piston sib; sax
alto; sax tenor; tuba;
trombone
MIS
Almirante
(B-1345)
MIS
Almirante
(B-15.190)
Milton
d´Avila
MIS
Almirante
(B-15099)
Homero
Santoro
Milton
D´Avila
Odette
Ernest Dias
MIS
Almirante
(B-15.191)
Nena
Valsa de
concerto
Irmãos Vitale
s.d.
Flauta
No Bar do
Oswaldo
Choro
Euterpe
1954
Flauta
No mientas
(Letra: Scylla
Gusmão)
(Orq.
Guaraná)
Bolero
Musical
Brasileira
1946
Canto e piano
MIS
Almirante
(B-3920)
Sopro em sib
MIS
Almirante
(B6470)
IMS
Tinhorão
(CX.34-10)
Oh, Deus!
Samba
Irmãos Vitale
1952
Olha o Jacaré
(Letra: Scylla
Gusmão)
Marcha
E.S.Mangione
1941
Piano
MIS
Almirante
(B-1552)
Olhos Magos
(Letra:
Godofredo
Santoro)
ValsaCanção
E.S. Mangione
1943
Canto e piano
MIS
Almirante
(23546)
134
Páginas Mortas
(Letra: Scylla
Gusmão)
Valsa
Tupy
1943
Canto e piano
Quando a
minha flauta
chora
Choro
Casa Carlos
Wehrs
s.d.
Piano
Silencioso
Choro
E. S. Mangione
1949
Canto e piano
Scylla
Valsa
Irmãos Vitale
1941
Piano
Soluços
(Letra: Scylla
Gusmão)
Valsa
Musical
Brasileira
1941
Só na minha
flauta
Choro
E.S. Mangione
Sombras da
noite
(Letra:
Godoferedo
Santoro)
ValsaCanção
Casa Carlos
Wehrs
Vidas mal
traçadas
Valsa
Tupy
Canto e piano
MIS
Almirante
MIS
Almirante
(B 6930)
MIS
Almirante
(B3746)
MIS
Almirante
(8222)
MIS
Almirante
(9629)
IMS
Tinhorão
Flauta
MIS
Almirante
(B-15.191)
Milton
D´Avila
s.d.
Piano
MIS
Almirante
(B 6942)
1944
Canto e piano
MIS
s.d.
Fonte: acervos do Instituto Moreira Salles (IMS – coleção Tinhorão), Museu da Imagem e do Som do Rio
de Janeiro (MIS – coleção Almirante) e acervos particulares de Milton D´Avila e Odette Ernest Dias.
Como se observa no Quadro 2, as partituras constantes do acervo do Museu da
Imagem e do Som são, em sua maioria, parte da coleção do radialista Almirante, a quem
está dedicado o único manuscrito encontrado nessa coleção - o choro Chega de amor
(figura 34), para piano. Trata-se de um manuscrito autógrafo. A parceria de Corintho
Álvares (letrista), sugere tratar-se de um choro cantado, ainda que a letra não tenha sido
encontrada. Não foram encontradas, tampouco, edições ou gravações desse choro.
O bandolinista e pesquisador Pedro Aragão (2011) forneceu a esta
pesquisadora três cópias manuscritas de músicas de Dante Santoro, pertencentes ao
acervo Jacob do Bandolim do Museu da Imagem e do Som. Esse acervo está composto
de partituras impressas e manuscritas, catalogadas por Jacob do Bandolim. Entre os
135
manuscritos copiados por terceiros, está o do choro Quando a minha flauta chora,
pertencente à classificação partituras manuscritas horizontes (PMH1448). Essa partitura
foi transcrita pelo clarinetista Manuel Pedro do Nascimento em 01/05/1932, conforme
informação constante do manuscrito.
Outro manuscrito dessa coleção é o do bolero Lamento árabe, encontrado
entre as partituras manuscritas verticais (PMV0106), sem indicação do copista e data. Já
a valsa Sonhando consta de um dos 34 cadernos manuscritos por antigos chorões, que
foram herdados por Jacob do Bandolim, possivelmente de Candinho Trombone. A
partitura consta do caderno 13, do bandolinista Patrocínio Gomes, copiada por R.
Macedo, em 11/01/1948. (Aragão, 2011, p. 240).
Figura 34. Manuscrito do choro Chega de amor. S.d. Fonte: Museu da Imagem e do Som (Almirante
3924).
A partitura do choro Silencioso, para canto e piano, único manuscrito
encontrado no acervo do Instituto Moreira Salles, é parte da coleção Pixinguinha
(CX.16133), porém não foi possível obter acesso a esse documento, pois estava em fase
de recuperação. Um dos choros mais conhecidos de Dante Santoro, Silencioso foi
136
gravado duas vezes: por Albertinho Fortuna com o Sexteto Star (Star, 159, s/d) e pelo
próprio Dante Santoro com seu Regional (Odeon 12.920, 1949), em uma gravação que
tem como introdução um solo de oboé, fato que parece ser inédito no contexto do choro.
A figura 35 mostra um trecho da primeira parte da obra, na edição E.S. Mangione, de
1949.
Já o manuscrito do choro Esquecimento (figura 36), para flauta e piano, foi
encontrado no acervo da família Santoro em Porto Alegre e é um dos poucos
manuscritos datados de Dante Santoro. Foi escrito em 1923, quando o flautista tinha 19
anos, ainda em Porto Alegre. Há outra versão desse choro, que será comentada mais
adiante (cf. figura 38).
Figura 35. Silencioso. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, 1949. Fonte: Acervo do Instituto Moreira
Salles.
A Professora Odette Ernest Dias apresentou dois manuscritos que lhe foram
dados por Dante Santoro. Um deles é o choro Soffro sem querer, de Candinho, no qual
consta a anotação “Antônio Santoro. Avenida Eduardo, 1204, Porto Alegre”. O outro é
o choro Campo Grande, de autor desconhecido, cuja partitura tem a anotação: “Octávio
Dutra. São Luiz, 471, Parthenon”. Esse endereço aparece riscado e, logo abaixo, a nova
direção: “Cel. Bello, 646, Menino Deus, Porto Alegre”. A análise da grafia revela que
137
não são manuscritos autógrafos, mas cópias de autor desconhecido, provavelmente
confeccionadas no período em que Dante Santoro ainda vivia em Porto Alegre.
Figura 36. Manuscrito do choro Esquecimento, para flauta e piano. Caxambu, 1923. Fonte: acervo da
família Santoro.
No Rio de Janeiro, foram encontrados 74 manuscritos na Biblioteca Alberto
Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ (Quadro 3). Infelizmente a instituição não
dispõe de dados referentes à origem dessas partituras, cujas descoberta e catalogação
foram motivadas por esta pesquisa. O grande número de documentos levanta a hipótese
de que esse acervo tenha sido o arquivo pessoal do compositor em vida. Entre esses
manuscritos, 37 composições ainda estão inéditas.
Observou-se que a maior parte das partituras são manuscritos autógrafos, sendo
apenas 12 de autores desconhecidos. Embora os manuscritos autógrafos não sejam
firmados nem datados, um deles apresenta a observação “cópia do autor” e foi utilizado
como referência: trata-se da valsa Horas tristes, para flauta e piano. Nota-se que a grafia
de Dante Santoro é muito clara e característica (especialmente o desenho de sua clave
de sol, cf. figuras 34 e 36), o que facilitou o trabalho de reconhecimento de seus
manuscritos por sua caligrafia.
138
Quadro 3: Manuscritos encontrados na Biblioteca Alberto Nepomuceno
AUTOR
Dante Santoro
MÚSICA
Antes só!
(batucada)
Dante Santoro
Beijo ao luar
(marcha)
Dante Santoro
e José Caó
Dante Santoro
Bagaço (choro)
Dante Santoro
Bolero (samba)
Dante Santoro
Lamentos (valsa
serenata)
Betinho (choro)
Chorando o
passado (samba)
Dante Santoro
Dante Santoro
e Alberto ...
(rasurado e
ilegível)
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Dante Santoro
Dante Santoro
Carnaval mais
lindo (marcha)
Delírio chinês
(dança oriental)
Depois... (valsa)
Dante Santoro
Sombras da noite
(valsa)
Dante Santoro
e Heron
Domingues
Dante Santoro
Deuza do mar
(valsa?)
Dante Santoro
Dante Santoro
e Scylla
Gusmão
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Etnad
Delírio da
saudade (valsa
canção)
Murmúrios
(choro)
Don´t lie (fox
blue)
Minha dor (valsa)
Flauta selvagem
INSTRUMENTAÇÃO
(observações)
Melodia canto
TIPO
Autógrafo
Piano (melodia c/baixo e algumas
indicações de harmonia). Anotação
de capa: Esther de Abreu
Piano, introdução reduzida. Há
diferença na distribuição das vozes.
Melodia (algumas anotações de
acordes e conduções de baixo)
Melodia em duplo sistema (a parte
B tem anotações de acordes e
conduções de baixo, parece não ter
concluído a harmonização)
Melodia em duplo sistema (parece
não ter concluído a harmonização)
Flauta e piano (tipo valsa de
concerto, com cadência)
Melodia para flauta
Canto e piano
Autógrafo
Canto e piano. Partitura igual, mas
com grafia diferente.
Melodia em duplo sistema
(harmonização não foi feita)
Manuscrito de autoria
desconhecida
Autógrafo
Melodia (algumas anotações de
acordes)
Melodia (algumas guias de
acompanhamento, conduções)
Melodia (conduções de baixo
anotadas, várias marcações de
tempo)
Melodia (no verso escrito
Secretaria do Interior)
Autógrafo
Melodia com anotações de
harmonia, que podem ser do
próprio Dante.
Melodia (anotações de acordes na
introdução) compasso 2/4
Canto e piano (mesma melodia da
valsa Gilka, letra em inglês,
compasso 2/2)
Canto e piano (com introdução
virtuosística para flauta). Há três
versões (dois rascunhos). A
introdução foi adicionada depois.
Melodias para flauta e clarone, em
Autógrafo
Manuscrito de autoria
desconhecida
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Parte da flauta:
139
(choro)
partes separadas.
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Essa voz (sambacanção)
Dante Santoro
Horas tristes
(valsa)
Hilda! (valsa)
Canto e piano. Na capa, escrito
Orlando (Silva?). Atrás há um
esboço que pode ser um
contracanto.
Piano (cópia do autor)
Melodia (flauta)
Canto e piano
Canto e piano (há duas versões
iguais, uma deve ser rascunho e
outra definitiva)
Melodia (flauta)
Melodia (flauta)
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Dante Santoro
Dante Santoro
Dante Santoro
Arr. Adalto
Silva
Scylla (valsa)
Castigando
(choro)
Inferno de Dante
(choro)
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Ilusão de garoto
(canção)
Dante Santoro
Guanabara
(choro)
Dante Santoro
Jóquei de elefante
(polca-choro)
Dante Santoro
Lágrimas de Rosa
Dante Santoro
Judith (valsa)
Dante Santoro
Lúcia Helena
(valsa)
Dante Santoro
e G. Ghiaroni
Loucura
(beguine)
Dante Santoro
Mágoa de
Sopros e percussão, grade de
piano. Flauta solo, 2 sax alto, 2 sax
tenor,3 trompetes, trombone,
contrabaixo e bateria. Tom: Dm
Canto e piano
Piano (anotações: na capa –
Minhonha (?) e no verso um
esboço que parece ser de uma
marcha)
Melodia (no verso uma cópia do
Inferno de Dante inutilizada – falta
um compasso da parte B). Mesma
melodia de Jóquei de elefante.
Piano
Melodia (flauta)
Flauta e clarineta
Piano
Conjunto misto (arranjo da
gravação): violino, sax tenor, sax
barítono, trompete, trombone,
contrabaixo.
Melodia em duplo sistema.
Anotações de harmonia a lápis,
harmonização incompleta. Podem
ser anotações do José Caó.
Parte orquestral (grade e partes
separadas, arranjo da gravação):
piano, flauta, 2 sax alto, 2 sax
tenor, 1 sax barítono, guitarra,
contrabaixo
Melodia (flauta), com anotações de
harmonia; há variações melódicas
que não constam na parte de canto.
Melodia para canto
Canto e piano
1. Melodia em sistema duplo (com
autógrafo
Parte do clarone:
grafia de Nelson Piló
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo de Adalto
Silva
Autógrafo
Autógrafo
Manuscrito de autor
desconhecido
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Manuscrito de autor
desconhecido (checar
na gravação)
Autógrafo
Manuscrito de autor
desconhecido (grafia
parecida à de Beijos
ao luar, sugere que
seja José Caó)
Autógrafo
Autógrafo
Manuscrito de autor
desconhecido (pode
ser do Ghiaroni)
Autógrafo
140
colombina
(samba-canção)
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Lírio perdido
(valsa canção)
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Martírios
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Dante Santoro
Minha promessa
(samba)
Dante Santoro
Dante Santoro
Belmacio
Pousa Godinho
Dante Santoro
Dante Santoro
Morena
Minuano triste
(choro)
Exaltação (valsa)
Na minha flauta
(marcha)
Mulatinho
(maxixe)
Murmúrios
d´alma (valsa)
Nair (choro)
Dante Santoro
Na minha flauta
tu não tocas mais!
(marcha
carnavalesca)
Dante Santoro
No bar do
Oswaldo (choro)
Dante Santoro
e Corintho
Alvares
Não me venhas
com esta cara...
(samba)
Dante Santoro
Dante Santoro
Nena (valsa
canção)
Não tem pra ti
(polca)
Dante Santoro
No mistério da
vida (samba)
Dante Santoro
Nossa aurora
anotações de harmonia que
parecem ser do próprio Dante)
2.Melodia
Canto e piano
Autógrafo
Canto e piano
Autógrafo
Flauta, clarineta, violino,
violoncelo e contrabaixo. Arranjo
com grade e partes separadas.
Parece ser de sua autoria.
Canto e piano
Autógrafo
Melodia canto em duplo sistema
(harmonização incompleta). A letra
está anotada de próprio punho.
Melodia para flauta.
Autógrafo
Melodia para flauta.
Melodia (no verso, esboço de
Delírio Chinês incompleto)
Flauta, clarineta e contrabaixo
Autógrafo
Autógrafo
Canto e piano (sem letra)
Autógrafo
Melodia para flauta. No verso, Sou
Teimoso, de Jacob do Bandolim.
Melodia (Eb)
Melodia (F). A versão definitiva
parece ser em Fá maior.
Parece ser desenvolvido a partir de
Na Minha Flauta
Melodia em ¾
Melodia em 2/4. Diz chorobatucada.
Canto e piano (rascunho)
(anotações de harmonia parecem
de outra pessoa)
Canto e piano. Anotação:
repertório de Vera Prado.
(definitiva)
Canto e piano (não tem letra). Com
introdução virtuosística p/ flauta.
Partes de flauta e clarineta. A parte
de clarineta são contracantos. Há
anotações de condução na parte da
flauta.
Melodia em sistema duplo. Letra,
sem autoria. Sem harmonização.
Incompleta.
Canto e piano. Sem letra.
Manuscrito de autor
desconhecido
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Manuscrito de autor
desconhecido
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Rio, 2/3/1935
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
141
e Godofredo
Santoro
Dante Santoro
e Pasqual
Santoro
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
(marcha)
Non so che dire
(canção italiana)
Canto e piano
Autógrafo (cópias
heliográficas anexas)
Nossa Senhora do
Morro (samba
canção)
Canto e piano. Letra com
modificações à mão de Dante
Santoro.
Autógrafo
Dante Santoro
e Dr. Alberto
Manes
Dante Santoro
e Ary Picaluga
O que tu és (valsa
canção)
Canto e piano.
Autógrafo
Oh! Deus (samba)
Manuscrito de autoria
desconhecida (deve
ser de Ary Picaluga)
Dante Santoro
e Arnaldo
Passos
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Dante Santoro,
Joca e Jacaré
Perto de mim
(batucada). Na
capa: samba
Olhos magos
(valsa canção)
Arranjo de Ary Picaluga. Sem
letra. 2 sax altos, 1 sax tenor, 2
trompetes, 1 trombone, piano,
guitarra e contrabaixo.
Canto e piano
Canto e piano. Título original:
Olhos Maternos.
Autógrafo
Todos Autógrafos
Dante Santoro:
Luiz e Nelson.
Godofredo
Santoro
Dante Santoro
e Scylla
Gusmão
Prece de amor
(samba-canção)
ou Beijos vis.
1. Canto e piano (versão inicial)
2.Canto e piano (passado a limpo
com modulações)
3. Arranjo Pixinguinha: 2 sax alto,
1 sax tenor, 2 trompetes, 1
trombone, 1 contrabaixo
Canto e piano
Arranjo (rascunho em parte de
piano): 2 sax alto, 1 sax tenor, 2
trompetes, 1 trombone e 1 baixo
Melodia em duplo sistema (esboço
de harmonia em cifras). Essas
anotações de harmonia podem ser
do arranjador.
Melodia em sistema duplo
(harmonia a lápis), primeira versão
Canto e piano (versão definitiva, c/
mudança de letra e melodia)
Canto e piano
Manuscrito autor
desconhecido
Primavera
carioca! (marcha)
Quero-te como és
(valsa canção)
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Dante Santoro
e Aldo Cabral
(1912-19440
Reflexos
Autógrafo
Dante Santoro
e Godofredo
Santoro
Dante Santoro
e Scylla
Gusmão
Rancho saudoso
(canção sertaneja)
Rosário de ironias
(valsa-canção)
Canto e piano.
Autógrafo
Dante Santoro
Scylla
Versão 1: Canto ( melodia)
Albertinho: Fá maior
Versão 2: flauta: sol maior
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
142
Anotações de melodias: Da cor do
pecado e Nova ilusão
Silencioso (choro) Contrabaixo
Posso sofrer
Contrabaixo
(valsa)
Mate amargo
Contrabaixo
(polca)
Vidas mal
Contrabaixo
traçadas (valsa)
Autógrafo
Dante Santoro
Sonho (valsa)
Título original:
Crepúsculo
Autógrafo
Autógrafo
Dante Santoro
Suzana (valsa)
Dante Santoro
Só na minha
flauta
Taça de cristal
(valsa-fox)
Teu castigo
(samba)
Melodia (flauta)
Melodia em sistema duplo
(algumas anotações de harmonia;
harmonização incompleta)
Melodia flauta (c/ cadência)
Canto e piano
Versão 1: melodia a caneta e
anotações harmonia a lápis)
Versão 2: completa, definitiva
Melodia
Melodia (mesma da valsa Gilka)
Autógrafo
Melodia. Letra.
Autógrafo
Melodia (flauta).
Excerto: introdução – E maior
Canto e piano
Anotações para o arranjador
Arr: Radamés Gnatalli
Cordas, flauta, clarineta e voz
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Dante Santoro
Dante Santoro
e G. Ghiaroni
Dante Santoro
Dante Santoro
Dante Santoro
Dante Santoro
e Heron
Domingues
Dante Santoro
Dante Santoro
e G. Ghiaroni
Dante Santoro
Dante Santoro
e Heron
Domingues
Dante Santoro?
Dante Santoro?
Dante Santoro
Teu feitiço
(choro)
Teus olhos
(tango)
Vidas maltraçadas Melodia.
(valsa)
Wilma (valsa)
Melodia
Serpentina
Maninho
Samba do Dante
Santoro
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo.
A grade foi transcrita
por Dante, não tem
partitura do Radamés.
Autógrafo
Autógrafo
Melodia
Melodia
1. Canto e piano
Autógrafo
Autógrafo
Autógrafo
2. Arranjo: clarinete, 2 trompetes,
sax tenor, coro (trio), contrabaixo,
piano e voz solista
Manuscrito de autor
desconhecido
(arranjador)
Fonte: Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ. Os campos em cinza
assinalam as obras lançadas em disco ou editadas. Os campos em branco correspondem a obras inéditas.
A consulta aos manuscritos revelou como Dante Santoro compunha suas
músicas: escrevia a melodia em duplo sistema e, logo, completava a harmonia, com os
acordes e as conduções do baixo, em uma escrita bastante simples para piano. Em
143
alguns manuscritos, apenas a melodia da flauta é escrita. Nesses casos, geralmente há
anotação de acordes e convenções da linha do baixo na mesma pauta. É o caso, por
exemplo, de Delírio chinês (dança oriental), Depois... (valsa), Sombras da noite (valsa)
e Murmúrios (choro).
Também há músicas em que Dante Santoro escreve os contracantos para um
segundo solista. É o caso de Jóquei de elefante (choro) e Não tem pra ti (polca), que
tem partes de flauta e clarineta, assim como Flauta selvagem (choro), que tem partes de
flauta e clarone (esta última com grafia de Nelson Piló).
Muitos de seus manuscritos são obras para canto e piano. As melodias,
inicialmente compostas e harmonizadas, ganhavam letras e tornavam-se canções. Dante
Santoro trabalhou com dois letristas em especial: seu irmão Godofredo Santoro, que era
militar, e a amiga Scylla Gusmão, uma poetisa natural do estado do Pará. Além destes,
também há parcerias com Corintho Álvares, Heron Domingues (o Repórter Esso),
Alberto Manes, Arnaldo Passos, Kid Pepe e Aldo Cabral62. A figura 37 mostra a
partitura editada de uma dessas músicas, a valsa Horas tristes, de Dante Santoro e
Corintho Álvares.
Há partituras repetidas, que parecem ser diferentes versões da mesma obra:
algumas são rascunhos, outras versões definitivas. Dante tinha o hábito de passar a
limpo suas partituras, inclusive obras de outros autores, como Sou teimoso, de Jacob
Bittencourt; Da cor do pecado, de Bororó; e Luzeiro, de Eduardinho, que foram
encontradas no verso de composições de sua autoria. Também há arranjos de outros
compositores sobre suas composições, cuja grade foi transcrita por Dante Santoro: é o
caso da marcha Primavera carioca, com arranjo de Pixinguinha e o tango Teus olhos,
arranjado por Radamés Gnattali.
62
Heron Domingues (1924-1974), locutor, ficou conhecido como o Repórter Esso, alcunha retirada do
programa jornalístico por ele apresentado na década de 1940. Foi diretor da Divisão de Radiojornalismo
da Rádio Nacional na década de 1950. Alberto Manes foi radialista, dirigiu, na década de 1930, a Rádio
Guanabara e compôs músicas em parceria com Felisberto Martins e Benedito Lacerda. Arnaldo Passos
(c.1910-c.1964) assinou parcerias com diversos compositores, nas décadas de 1950 e 1960 . Devido a sua
habilidade em divulgar músicas junto a gravadoras, intérpretes e rádios, suas obras alcançaram projeção
na voz de cantores como Ângela Maria, Marlene e Cauby Peixoto. José Gelsomino, o Kid Pepe (19091961), ex-boxeador, tornou-se locutor na década de 1930. Teve composições (em sua maioria sambas)
gravadas nas décadas de 1930 e 1940 por Almirante, Orlando Silva, Moreira da Silva, entre outros. Aldo
Cabral (1912-1994) destacou-se nas décadas de 1930 e 1940 como letrista de valsas, sambas e
marchinhas de carnaval. Seu principal parceiro foi o flautista Benedito Lacerda.
144
Figura 37. Horas Tristes, valsa. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, s.d. Fonte: acervo do Museu da
Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
Às vezes as harmonizações parecem ser complementadas por arranjadores:
Dante fazia um rascunho com anotações básicas de harmonia e conduções e um
segundo arranjador fazia a versão definitiva, que continha a condução das vozes na
parte do piano. Essa suposição se baseia nas diferenças de grafia encontradas entre os
rascunhos e as versões definitivas nas seguintes obras: Beijo ao luar (marcha),
Chorando o passado (samba) e Não me venhas com esta cara (samba).
Constata-se, entretanto, que na maior parte das partituras para piano as
harmonizações são feitas por Dante Santoro, pois não há diferenças de grafia. Percebese que essas harmonizações eram construídas passo a passo: a partir da melodia
principal escrevia-se o baixo; logo, construíam-se as vozes intermediárias, de forma a
preencher a harmonia. Algumas partituras contêm somente a melodia ou ficaram com
harmonizações incompletas, o que pode indicar que esse trabalho levava certo tempo.
A autoria dos arranjos é quase sempre de maestros que trabalhavam na Rádio
Nacional, por isso supõe-se que essas obras foram utilizadas na programação da
emissora. Entre as partituras editadas (Quadro 2), há quatro obras orquestradas: a
145
marcha Colombina sofre (violino, 2 sax alto, sax tenor, 2 trompetes, trombone e tuba) e
a valsa Nena (violino ou flauta, sax alto, sax tenor, trompete sib, trombone e tuba),
orquestradas por Leo Peracchi (1911-1993); a valsa Lágrimas de Rosa (violino, sax
alto, sax tenor, trompete sib, trombone e contrabaixo), orquestrada por
Henrique
Vogeler (1888-1944); e a valsa Gilka (violino, sax alto, sax tenor, 2 trompetes sib,
trombone e contrabaixo), cujo arranjo é de autor desconhecido (essa versão editada é a
mesma gravada pela Orquestra Victor Brasileira com Vicente Celestino, em 1938, pelo
selo Victor 34.370).
Os arranjos manuscritos, encontrados na Biblioteca Alberto Nepomuceno
(Quadro 3), são os seguintes: choro Inferno de Dante (flauta solo, 2 sax alto, 2 sax
tenor, 3 trompetes, trombone, contrabaixo e bateria), arranjo de Adalto Silva; valsa
Lágrimas de Rosa (violino, sax tenor, sax barítono, trompete, trombone e contrabaixo),
possivelmente o mesmo arranjo de Henrique Vogeler (acima) – trata-se do arranjo
utilizado na gravação de Vicente Celestino com a Orquestra Victor Brasileira em 1937
(RCA Victor, 34.213); valsa Judith (flauta, 2 sax alto, 2 sax tenor, 1 sax barítono,
guitarra, piano, contrabaixo), arranjo de autor desconhecido
- trata-se do arranjo
utilizado na gravação de Dante Santoro com o grupo “Carioca e seus saxofones”,
dirigido pelo Maestro Ivan Paulo, o Carioca (Odeon Veroton, 12.965, 1949); samba Oh
Deus! (2 sax altos, 1 sax tenor, 2 trompetes, 1 trombone, piano, guitarra e contrabaixo),
arranjo de Ary Picaluga – trata-se do arranjo utilizado na gravação de Afrânio
Rodrigues e orquestra (Odeon 13.377, s/d); marcha Primavera carioca (2 sax alto, 1 sax
tenor, 2 trompetes, 1 trombone, 1 contrabaixo), arranjo de Pixinguinha, datado de
25/10/1937; valsa Quero-te como és (2 sax alto, 1 sax tenor, 2 trompetes, 1 trombone, 1
contrabaixo), arranjo de autor desconhecido; tango Teus Olhos (cordas, flauta, clarineta
e voz), arranjo de Radamés Gnatalli; Samba do Dante Santoro (voz solista, clarineta, 2
trompetes, sax tenor, coro (trio), contrabaixo e piano), arranjo de autor desconhecido.
Acredita-se que o arranjo da valsa Martírios (flauta, clarineta, violino,
violoncelo e contrabaixo) tenha sido feito pelo próprio Dante Santoro. Há uma gravação
dessa obra, por Vicente Celestino com a Orquestra Victor Brasileira (Victor, 34.443,
1939), porém esse arranjo é uma versão inédita, para grupo de câmara, portanto
diferente das orquestrações habituais no meio radiofônico. Reforça essa hipótese o fato
da partitura ser um manuscrito autógrafo.
146
O arranjo do Chorinho gostoso (flauta, violino, violoncelo e contrabaixo), pode
também ser de autoria de Dante Santoro, embora a grafia da partitura seja desconhecida
(figura 38). Esse manuscrito, encontrado no acervo da família Santoro, traz o mesmo
conteúdo musical do choro Esquecimento, para flauta e piano, cujo manuscrito foi
apresentado, anteriormente, na figura 36. Ambos têm um número de registro (33934-975), porém a data só aparece na capa da partitura do choro Esquecimento (Caxambu,
1923).
Segundo o músico Arthur de Faria, a versão original é o Chorinho Gostoso,
composto ainda em Porto Alegre aos 19 anos, que foi gravado em 1935, rebatizado de
Esquecimento. “Sua versão original funde à perfeição chorinho e música de câmara,
cheio de contrapontos e composto para uma formação das mais inusitadas: flauta,
violino tocado no colo com os dedos como um cavaquinho, cello e contrabaixo”
(FARIA, 2011). Entretanto, a julgar por sua sistemática composicional (observada nos
demais manuscritos), parece mais provável que Dante tenha composto, em 1923,
somente a melodia acompanhada do piano, sendo essa versão posteriormente arranjada
para a formação mencionada.
Figura 38. Manuscrito do Chorinho Gostoso, parte da flauta. Trata-se da mesma música do choro
Esquecimento (1923). A caligrafia não é de Dante Santoro. Fonte: acervo da família Santoro
147
3.2 Discografia
A pesquisa revelou que Dante Santoro lançou 57 discos ao longo de sua
carreira, sendo 56 discos em 78 rpm e 01 LP 33⅓ rpm, pelas gravadoras Continental,
Odeon, Sinter, Star e Victor/RCA-Victor. Três discos 78 rpm com o selo da Rádio
Nacional PRE-8 foram encontrados nos acervos da Biblioteca Nacional e do Museu da
Imagem e do Som. Acredita-se que foram gravações utilizadas na programação interna
da rádio, porém sem lançamento comercial. Um disco de 78 rpm encontrado no acervo
do sobrinho Homero Santoro, contendo a canção Non so che dire, interpretada pelo
cantor Dino Dine, tampouco teve lançamento comercial. Trata-se de uma composição
em parceria de Dante Santoro com seu pai, Paschoal Santoro. Possivelmente a gravação
foi um registro pessoal em homenagem a seu pai.
O Quadro 4 mostra o quantitativo de discos por gravadora, número de série,
ano de lançamento e localização:
Quadro 4: Discografia (gravadora, nº de série, ano de lançamento e acervo)
1
SELO
Audiodiscs
2
3
4
5
6
7
Continental
Continental
Continental
Continental
Continental
Inexistente
8
Inexistente
9
10
11
12
13
14
15
Odeon
Odeon
Odeon
Odeon
Odeon
Odeon
Odeon
N. série
Arquivo
pessoal
15.626
15.689
17.163
17.170
17.600
Arquivo
pessoal
Arquivo
pessoal
13.017
13.060
13.105
13.150
13.189
13.254
13.299
16
17
18
19
20
Odeon
Odeon
Odeon
Odeon
Odeon
13.328
13.377
13.409
13.466
13.505
Formato
78RPM
Ano
s.d.
Localização
Homero Santoro
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
s.d.
s.d.
s.d.
1955
s.d.
s.d.
Homero Santoro; MIS
MIS
BN
Memória Musical; MIS
Homero Santoro
Homero Santoro
78RPM
s.d.
Homero Santoro
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
1950
1950
1951
s.d.
1951
1952
1952
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
s.d.
s.d.
s.d.
1953
1953
Homero Santoro; IMS
Homero Santoro; IMS
IMS; Memória Musical
Homero Santoro
Homero Santoro; BN; IMS
Homero Santoro; IMS
Homero Santoro; MCHJC;
IMS; MIS
Homero Santoro
Homero Santoro
Homero Santoro
Memória Musical; MIS
Homero Santoro; IMS
148
21 Odeon
Veroton
22 Odeon
Veroton
23 Odeon
Veroton
24 Odeon
12.358
78RPM
1943
Homero Santoro; IMS
12.736
78RPM
1946
12.881
78RPM
1948
Homero Santoro; BN; IMS;
MIS
Homero Santoro; IMS
12.920
78RPM
1949
25 Odeon
Veroton
26 Odeon
Veroton
27 Odeon
Veroton
28 Odeon
Veroton
29 Odeon
Veroton
30 Odeon
31 Odeon
32 Odeon
Veroton
33 Oden Veroton
34 Odeon
Veroton
35 PRE-8
36 PRE-8
37 PRE-8
38 Sinter
39 Sinter
12.924
78RPM
1949
IMS; Memória Musical;
MCHJC
BN; IMS; MIS
12.965
78RPM
1949
BN; IMS; Memória Musical
12.307
78RPM
1943
Homero Santoro; IMS
12.097
78RPM
s.d.
Homero Santoro
12.032
78RPM
1941
Homero Santoro; IMS
12.211
12.228
12.292
78RPM
78RPM
78RPM
1942
1942
1943
12.455
12.491
78RPM
78RPM
s.d.
s.d.
IMS
Memória Musical
Homero Santoro; IMS;
Memória Musical; MIS
BN
BN
565
00.00326
00.00382
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
s.d.
s.d.
s.d.
s.d.
1955
40
41
42
43
44
45
Sinter
Sinter
Star
RCA Victor
Victor
RCA Victor
00-00.482
SLP1032
159
33.770
34.207
34.213
78RPM
LP 331/3 RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
1956
s.d.
s.d.
s.d.
1937
1937
46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
Victor
Victor
Victor
Victor
Victor
Victor
Victor
Victor
Victor
Victor
Victor
34.620
34.751
34.460
34.442
34.443
34.352
34.370
34.185
34.167
34.155
34.049
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
1940
1941
1939
1939
1939
1938
1938
1937
s.d.
1937
s.d.
BN
MIS
MIS
Homero Santoro; MIS
Homero Santoro; IMS;
MCHJC
Memória Musical; MCHJC
Homero Santoro; MCHJC
Homero Santoro; BN
Homero Santoro
Memória Musical
Homero Santoro; BN; IMS;
MIS
IMS; Memória Musical
Homero Santoro; BN; IMS
Homero Santoro; IMS
Homero Santoro; IMS
IMS
Homero Santoro; IMS
IMS; Memória Musical
Homero Santoro; IMS
Homero Santoro; BN
Homero Santoro; IMS
Homero Santoro
149
57
58
59
60
61
62
Victor
Victor
Victor
Victor
Victor
Victor
33.991
33.986
33.943
33.968
33.932
33.814
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
78RPM
1935
s.d.
1935
1935
1935
s.d.
IMS; Memória Musical
Homero Santoro
Homero Santoro; BN; IMS
IMS; Memória Musical; MIS
Homero Santoro; IMS
Homero Santoro
Fonte: acervos indicados na coluna 6.
A maioria dos discos contém obras compostas e interpretadas por Dante
Santoro. Foram gravadas 63 composições próprias, lançadas em discos 78 rpm entre
1935 e 1956. O Quadro 5 detalha o repertório, os autores e os intérpretes dos discos
relacionados acima, na mesma ordem numérica. Os títulos em itálico são composições
de outros autores e as linhas em cinza assinalam os discos que não têm a participação de
Dante Santoro como intérprete, somente como compositor (15 no total).
Quadro 5: Discografia (repertório, compositores e intérpretes)
Repertório
Non so che dire (canção)
Nadie (bolero)/No mientas
(bolero)
Compositores
Pasqual e Dante Santoro
Augustin Lara/Sila Gusmão,
Dante Santoro
3
Tira cisma/Puladinho
(rancheira)
Pedro Raimundo
4
Monsueto, Tuffic Lauar,
Marcelo/Desconhecido
Dante Santoro,
Ghiaroni/Paulo Soledade
Dante Santoro, Ghiaroni/idem
7
A fonte secou (samba)/Gilka
(choro)
Lamento árabe (bolero)/Meu
jeito de ser (samba)
Loucura (bolero)/Nosso passado
(choro)
Suzana (valsa)
8
Harmonia selvagem (choro)
Dante Santoro
9
Flauta selvagem (choro)/Sempre
nós (polca-choro)
Etnad/Terror dos Facões
(Octavio Dutra)
10
Urubu Malandro (choro)/Jóquei
de elefante (choro)
Louro/Dante Santoro
11
Não tem pra ti (choro)/ Teu
feitiço (choro)
Moleque vagabundo
(baião)/Subindo ao céu (valsa)
Dante Santoro/idem
1
2
5
6
12
Dante Santoro
Louro, Mário Reis/Aristides
M. Borges
Intérpretes
Dino Dine
Ruy Rey com
Orquestra
Continental/idem
Pedro Raimundo com
Dante Santoro e seu
Conjunto
K-Ximbinho e sua
orquestra
Albertinho Fortuna
Romeu Fernandes
com Orquestra/idem
Dante Santoro e
Regional
Dante Santoro com
Regional
Dante Santoro, Flauta
c/ acomp de
Regional/Canto:
Trigêmeos vocalistas;
Dante Santoro, Flauta
c/ acomp. de
Regional
Dante Santoro, flauta
c/ Vivi e
Regional/idem
Dante Santoro/idem
Dante Santoro, flauta
c/ Vivi e seu
Regional
150
13
Wilma (valsa)/ Amigo (choro)
Dante Santoro/Waldemar de
Melo
14
O mulatinho (maxixe
carioca)/Quando minha flauta
chora (choro)
Chorei (choro)/Bagaço (choro)
Belmácio P. Godinho/Dante
Santoro
16
Nêga suspira (baião)/Deixa ele
(choro)
Sá Pereira/Juca Chagas
17
Oh Deus (samba)/Cada um dá o
que tem (marcha)
18
Quando eu for bem velhinho
(baião marcha)/Inferno de
Dante (choro)
Espelho quebrado (sambacanção)/Súplica(samba-canção)
Dante Santoro, Ary
Picaluga/Felizberto Martins,
J. Piedade
Lupicínio Rodrigues,
Felisberto Martins/Dante
Santoro
Dante Santoro, Heron
Domingues/Oscar Bellandi,
Nelson Trigueiro
Dante Santoro/Arnaldo Passos
15
19
Pixinguinha, B.
Lacerda/Dante Santoro
20
Lamento árabe (bolero)/
Estudante (choro)
21
Páginas mortas (valsa)/Olha a
sua vida (samba)
Dante Santoro, Scylla
Gusmão/Alcebíades Barcellos
(Bidi), Armando Marçal
22
Deixa pra lá (polcachoro)/Maria Rosa (valsa)
Dante Santoro/idem
23
Vidas mal traçadas (valsa)/Um
sonho que passou (samba)
24
Silencioso (choro)/ Vidas mal
traçadas (valsa)
25
Cuanto le gusta
(samba)/Passarinho da lagoa
(toada)
Dante Santoro, Scylla
Gusmão/Fernando Martins,
Geraldo P. Santos
Dante Santoro, Giuseppe
Ghiaroni/ Dante Santoro, Sila
Gusmão
Gabriel Ruiz (letra brasileira
Ewaldo Rui, Fernando
Lobo)/Ewaldo Ruy, Fernando
Lobo
26
Teimoso (choro)/Judith (valsa)
Octavio Dutra/Dante Santoro
27
Olhos magos (valsa)/Noutros
Tempos ... Era eu (samba)
Dante Santoro, Godofredo
Santoro/Ataulpho Alves
Dante Santoro com
acomp. de
Regional/idem
Dante Santoro, flauta
c/ Vivi e seu
Regional/idem
Dante Santoro, flauta
c/ Vivi e seu
Regional/idem
Dante Santoro, flauta
c/ acomp de
Regional/idem
Afranio Rodrigues c/
acomp de
orquestra/idem
Dante Santoro, flauta
c/ acomp. de
regional/idem
Violeta Cavalcanti
Dante Santoro c/
acomp de
Regional/idem
Gilberto Alves c/
Orquestra Odeon, dir:
Lírio
Panicali/Gilberto
Alves c/ Orquestra
Odeon
Dante Santoro (solo
de flauta) acomp.
pelo seu
Regional/idem
Francisco Alves c/
Orquestra Odeon, dir:
Lírio Panicali/idem
Dante Santoro/idem
Dircinha Batista com
Orquestra
Odeon/Dircinha
Batista com Dante
Santoro e seu
Regional
Dante Santoro (solo
de flauta) com
Carioca e seus
saxofones/idem
Orlando Silva e
Orquestra /odeon,
Dir: Fon-Fon/
Orlando Silva acomp
151
28
Olha o Jacaré (marcha)/ Adeus
Estácio (samba)
29
Natureza bela! (samba)/Soluços
(valsa)
30
Cidade velha (samba)/ Salve a
mulher brasileira (marcha)
31
Não sei mentir (samba)/Grito
da nação (marcha)
32
Castigando (choro)/Sonho
(valsa)
Tudo Combinado
(Humorismo)/Club Japonês
33
34
A Lalá tá cá (Humorismo)
35
No mientas (bolero)/Corazón a
corazón (bolero)
36
Amélia acabou com a Praça 11
(samba)
37
Leilão (marcha)
38
Delírio chinês (dança
oriental)/No bar do Oswaldo
(choro)
Lamento árabe
(bolero)/Murmúrios (choro)
Marte amargo (polca)/ Posso
sofrer (valsa)
Face A: Delírio Chinês (choro),
Vidas mal traçadas (valsa),
Mate amargo (polca),
Murmúrios (choro). Face B:
Lamento árabe (bolero), No bar
do Oswaldo (choro), Posso
sofrer (valsa), Silencioso
(choro)
Silencioso (choro)/Vidas mal
traçadas (valsa)
39
40
41
42
43
Beatriz (valsa)/Saudades do
Jango (valsa)
Dante Santoro, Scylla
Gusmão/ Alcebíades Barcellos
(Bidi), Darcy de Oliveira
Felisberto Martins, Henrique
Mesquita/Dante Santoro,
Scylla Gusmão
Grande Otelo, Herivelto
Martins/Rubens Campos,
Sebastião Lima
Dante Santoro,Scylla
Gusmão/Max Bulhões, Nelson
Trigueiro
Dante Santoro/idem
de quarteto de
Clarinetes com Pistão
Gilberto Alves
acomp do Conjunto
Odeon/idem
Gilberto Alves c/
Fon-Fon e sua
Orquestra
Dircinha Batista,
Dante Santoro,
Regional/idem
Dircinha Batista
Dante Santoro (solo
de flauta)/idem
Jararaca e Ratinho/idem
Jararaca e Ratinho
com Dante Santoro e
seu Conjunto/idem
Jararaca e Ratinho
Jararaca e Ratinho
com Dante Santoro e
seu Conjunto
Dante Santoro, Scylla
Rosita Gonzalez;
Gusmao/Roberto Lambertucci, Chiquinho e sua
Fernando Lopez
Orquestra
Desconhecido
Linda Batista com
Regional de Dante
Santoro
Miguel Ribeiro
Nuno Roland com
Regional de Dante
Santoro
Dante Santoro/Dante Santoro
Dante Santoro e seu
Regional/idem
Dante Santoro,
Ghiarone/Dante Santoro
Dante Santoro/Dante Santoro,
Ghiaroni
Dante Santoro; Dante Santoro
e Scylla Gusmão; Dante
Santoro; Dante Santoro/Dante
Santoro e Ghiaroni; Dante
Santoro; Dante Santoro e
Ghiaroni; Dante Santoro e
Ghiaroni
Dante Santoro e seu
Regional/idem
Dante Santoro
Dante Santoro, J.
Ghiaroni/Dante Santoro,
Scylla Gusmão
Octávio Dutra/idem
Albertinho Fortuna
com Sexteto
Star/idem
Dante Santoro Solo
de flauta com
bandolim (Luperce
Miranda) e dois
Violões (Tuti e
Dante Santoro
152
44
Martírios (valsa)/Inferno de
Dante (choro)
A última canção (fox
canção)/Lágrimas de Rosa
(valsa-canção)
Alma de Beduíno (choro)/ Teu
feitiço (choro)
Amapá (maxixe)/Scylla (valsa)
Dante Santoro, Godofredo
Santoro/Dante Santoro
Guilherme A. Pereira/Dante
Santoro, Kid Pepe
Minuano triste (choro)/Sombras
da noite (valsa)
Quando a minha flauta
chora(choro)/Exaltação (valsa)
Ilusão de garoto
(canção)/Martírios (valsa)
Dante Santoro/ Dante Santoro
51
Harmonia selvagem
(choro)/Suzana (valsa)
Dante Santoro/idem
52
Gilka (valsa)
Dante Santoro, Milton Amaral
53
Horas tristes (valsa)/Murmúrios
d´alma (valsa)
Dante Santoro e Corintho
Álvares/idem
54
Dores d´alma (valsa) /É logo ali
(choro)
José Bittencourt/Dante
Santoro
55
Só na minha flauta
(choro)/Olhos magos (valsa)
Dante Santoro/idem
56
Marlene (valsa)/Variações
sobre cateretê
Dante Santoro/Pereira Filho
57
58
Nair (valsa)/ Nena (valsa)
Lágrimas de Rosa
(valsa)/Miguelina (valsa)
Dante Santoro/idem
Dante Santoro/Ary Valdez
(Tatuzinho)
59
Betinho (choro)/Toada
brasileira (toada)
Dante Santoro/Ary Valdez
60
Esquecimento (choro)/ Subindo
Dante Santoro/ Aristides
45
46
47
48
49
50
Dante Santoro/ idem
Juca Storoni/Dante Santoro
Dante Santoro/Dante Santoro
Dante Santoro, Godofredo
Santoro/idem
Manoel Lima)/idem
Dante Santoro
Orlando Silva c/
Orquestra Victor
Brasileira/idem
Dante Santoro/ idem
Dante Santoro e seu
conjunto/idem
Dante Santoro e seu
Conjunto/idem
Dante Santoro e seu
conjunto/idem
Vicente Celestino e
Orquestra Victor
Brasileira/idem
Dante Santoro e seu
Conjunto
Regional/idem
Vicente Celestino e
Orquestra Victor
Brasileira
Conjunto Regional
Dante Santoro, canto:
Manoel Reis/idem
Solo de flauta por
Dante Santoro e seu
Conjunto/idem
Solo de flauta por
Dante Santoro e seu
Conjunto/idem
Solo de flauta por
Dante Santoro acomp
de dois Violões e
Cavaquinho/solo de
violão por Pereira
Filho
Dante Santoro/idem
Solo de Flauta por
Dante Santoro c/
Conjunto RCA
Victor/Solo de
cavaquinho por
Tatuzinho c/ conjunto
RCA Victor
Solo de Flauta por
Dante Santoro e
Conjunto Regional
Victor/Solo de
cavaquinho por Ary
Valdez e Conjunto
Regional Victor
Dante Santoro e
153
ao céu (valsa)
Borges
61
Não tem pra ti (choro)/Gilka
(valsa)
Dante Santoro/Dante Santoro
62
Nilva (valsa) /Hilda (valsa)
Octávio Dutra/Dante Santoro
Conjunto RCA Vitor/
Dante Santoro, José
Bittencourt, Luperce
Miranda e Pereira
Filho
Solo de Flauta por
Dante Santoro e
Conjunto Regional
Victor/idem
Dante Santoro, Solo
de Flauta com
Bandolim (Luperce
Miranda) e dois
Violões (Tuti e
Manoel Lima)/idem
Fonte: acervos indicados no Quadro 4. Os campos em cinza assinalam a participação de Dante Santoro
como compositor exclusivamente.
Como já mencionado na Introdução desta tese, grande parte das gravações em
78rpm, que compõem o acervo do sobrinho Homero Santoro, foi digitalizada nos
estúdios Alfa em Porto Alegre e lançada na coletânea A Flauta Mágica de Dante
Santoro (Fumproarte, 1998). A coletânea é composta de três CDs: Volume I –
Chorinhos (24 faixas); Volume II - Valsas (20 faixas); Volume III – Miscellanea (24
faixas). O volume III contém gravações interpretadas por cantores do rádio,
acompanhados pelo Regional de Dante Santoro. Algumas dessas faixas também estão
disponíveis para audição na página eletrônica do Instituto Moreira Salles
(http://acervo.ims.uol.com.br/).
A figura 39 mostra as capas de alguns desses discos 78 rpm, de diferentes
gravadoras, presentes no acervo de Homero Santoro. A iniciativa de digitalizar esses
discos foi vital para a sobrevivência desses registros, pois aquele formato de mídia
tornou-se obsoleto. Além de ser muito raro encontrar um toca-discos para o formato 78
rpm, o estado de manutenção desses discos costuma ser precário, o que impossibilita
sua audição.
154
Figura 39. Alguns discos 78 rpm de Dante Santoro, lançados em diferentes gravadoras. Fonte: acervo da
família Santoro.
3.3 Gravações da Rádio Nacional
A busca por registros de programas da Rádio Nacional com a participação de
Dante Santoro no banco de dados da coleção Rádio Nacional, do Museu da Imagem e
do Som, retornou poucos resultados. Isso se deve ao fato de que, lamentavelmente, as
gravações não incluem informação sobre os músicos participantes. Segundo os técnicos
do MIS, os dados que acompanham o acervo digitalizado são exatamente os mesmos
que constavam nos registros originais em acetato da Rádio Nacional, o que reforça a
constatação de que não havia o cuidado de listar todos os participantes das gravações
nesse período. Dessa forma, a informação se perdeu por falta de registro adequado.
Supõe-se que Dante Santoro tenha atuado em um número significativo de gravações de
produções fonográficas da Rádio Nacional.
O Quadro 6 mostra as gravações coletadas nesse acervo e inclui trechos de
programas da Nacional e gravações avulsas, que foram provavelmente feitas nos
estúdios da Nacional para compor a programação musical. No campo Intérpretes consta
a informação fornecida pelo banco de dados do MIS. Como se nota, algumas faixas
citam expressamente o nome de Dante Santoro ou de seu regional, porém outras
155
mencionam somente o nome do cantor, ou ainda a expressão “e regional”, sem
especificar o nome do grupo.
A ampla atuação do Regional da Nacional na
programação da emissora permite supor que as gravações realizadas em seus estúdios
fossem acompanhadas pelo Regional de Dante Santoro. Sabe-se, porém, que a grande
quantidade de trabalho impôs a necessidade de um esquema de revezamento entre os
músicos. O único membro fixo, segundo o depoimento de Jorginho do Pandeiro, era o
flautista Dante Santoro, que liderava o grupo em todas as ocasiões.
Quadro 6: Gravações da Rádio Nacional com a participação de Dante Santoro
CD
CD 0771
(Acetato
40243)
Programa
A Hora do Pato
Formato
33 RPM
Música
Fim de semana
em Paquetá
Paraíba
CD 0590
(Acetato
39807)
CD 1265
(Acetato
41309)
CD 1265
(Acetato
41311)
CD 2024
(Acetato
36290)
CD 2024
(Acetato
36297)
CD 2024
(Acetato
36297)
CD 2025
(Acetato
36298)
CD 2025
(Acetato
36301)
CD 2025
(Acetato
36304)
A Felicidade
bate à sua Porta
Autores
Sem
referência
Luiz Gonzaga
33 RPM
Jurei
Os carinhos de
Iaiá (sambaembolada)
Pra onde vai
valente?
(sambaembolada)
Nássara /
Donga
Intérpretes
Calouro: Wilson
Barbosa
Emilinha Borba
Regional de
Dante Santoro
Emilinha Borba
Regional de
Dante Santoro
Sem
referência
Manezinho
Araújo
Sem
referência
Manezinho
Araújo
Programa
Castelões
78 RPM
Programa César
Alencar
(03/06/1950)
33 RPM
A dança da
moda
Sem
referência
Luiz Gonzaga
Gravação avulsa
33 RPM
Enfim, vá lá
dá cá
Lamartine
Babo
Barbosa Júnior
Regional de
Dante Santoro
Gravação avulsa
33 RPM
Abana baiana
Gravação avulsa
33 RPM
Dança mas
não encosta
Gravação avulsa
33 RPM
Desafio
Gravação avulsa
33 RPM
Cuidado com a
lua
Gravação avulsa
33 RPM
Não tenho
queixas
R. Roberti, J.
Faraj e C.
Brasil
Roberto
Roberti e
Russo
Dante Santoro
/ Joca do
Pandeiro
Dante Santoro
Joca do
Pandeiro
Almirante
Almirante
Ismael Filho
Nuno Roland
Linda Batista
Linda Batista
156
Quando a
minha flauta
chora
O sambista
CD 2042
(Acetato
36480)
CD 2068
(Acetato
36759)
Gravação avulsa
Gravação avulsa
33 RPM
Sem
referência
Choro em
família
(samba)
A Suzana
(valsa)
A saudade que
ficou
Dante Santoro
/ Scylla
Gusmão
Herivelto
Martins
Nestor de
Holanda /
Geraldo
Queiroz
Dante Santoro
/ Godofredo
Santoro
Alberto Costa
Nuno Roland
Dora Lopes e
Regional
Dora Lopes e
Regional
Renato Braga e
Regional de
Dante Santoro
Renato Braga e
Regional de
Dante Santoro
Fonte: acervo da coleção Rádio Nacional, Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS).
A fim de aprofundar a investigação, buscou-se ouvir gravações de outros
flautistas contratados da Rádio Nacional, que também poderiam ser os intérpretes das
faixas consideradas. Assim, foram ouvidas as seguintes gravações, disponíveis no
acervo online do Instituto Moreira Salles (www.acervo.ims.uol.com.br): Pedro do
pedregulho (samba) e Ari no choro (choro), com o flautista Ari Ferreira; Lua branca
(canção) e Se querem eu choro (polca), com o flautista João de Deus (grupo Turma do
Sereno); À gargalhada fiquei (samba), com o flautista Antônio Souza e Aguenta o
galho (choro), com o flautista Eugênio Martins63. A audição desses registros foi muito
importante, não só como critério de comparação, mas também pela oportunidade de
conhecer excelentes flautistas, pouco recordados nos dias de hoje.
A escuta foi, assim, o principal indício de que as gravações encontradas no
acervo do Museu da Imagem e do Som de fato têm a participação de Dante Santoro. Os
parâmetros que permitiram fazer essa associação foram, especialmente, a sonoridade (o
som incisivo, de timbre escuro), a articulação (muito precisa e variada) e o fraseado
(muito claro e conduzido), sobre os quais se falará com maior profundidade no Capítulo
4.
63
Ari Ferreira foi primeiro flautista da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro,
intérprete da primeira audição do Assobio à jato de Villa-Lobos, ao lado de Iberê Gomes Grosso.
Também tocava choro e gravou com diversos grupos regionais. João de Deus atuou nas orquestras da
Rádio Nacional e no grupo Turma do Sereno, dirigido por Paulo Tapajós, com o qual gravou as faixas
aqui mencionadas. Antônio Souza também tocava nas orquestras da Rádio Nacional e participou em
gravações acompanhando cantores do rádio. Eugenio Martins foi um grande chorão, começou sua carreira
na década de 1930 e gravou vários discos, acompanhado de grupos regionais, para os selos Continental,
Odeon e Elite Especial.
157
A obra de Dante Santoro está registrada na Sociedade Brasileira de Autores
Compositores e Escritores (SBACEM), que recebe os direitos autorais, atualmente de
posse de sua herdeira, Sra. Sara Mercedes Rodrigues, cunhada de Dante Santoro. É
possível que a Sra. Sara tenha material de Dante, especialmente algum acervo pessoal
que tenha pertencido à companheira do flautista, Sra. Rosa Helena Rodrigues, a
detentora dos direitos autorais até sua morte. Foram feitas várias tentativas de entrevista
com a Sra. Sara, porém não houve interesse de sua parte em contribuir com a pesquisa.
158
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DA OBRA DE DANTE SANTORO
Esta etapa do trabalho dedica-se à análise da obra de Dante Santoro. O capítulo
está dividido em quatro partes. A primeira delas envolve um levantamento da
morfologia do choro e dos aspectos de execução, próprios do idiomatismo da flauta, que
se destacam nesse gênero. Na segunda parte, analisam-se as gravações digitalizadas de
obras compostas e interpretadas por Dante Santoro, tanto faixas lançadas por
gravadoras, quanto registros de programas da Rádio Nacional. A terceira parte volta-se
à flauta do artista, instrumento especial fabricado por August Richard Hammig na
década de 1930; e, por fim, na quarta parte, apresenta-se o resultado da análise aqui
desenvolvida.
4.1 O choro, a flauta e o idiomatismo na obra de Dante Santoro
A afinidade da flauta com o choro, extensivamente comentada na literatura,
vem desde a segunda metade do século XIX, tempo em que o choro ainda se formava
como gênero e o termo designava o grupo instrumental, composto por flauta,
cavaquinho e violão, que tocava as danças europeias com “sotaque” brasileiro. De lá pra
cá, inúmeros flautistas se dedicaram ao choro, como intérpretes e compositores64, e o
gênero se desenvolveu, impregnado pelo idiomatismo da flauta.
O termo “idiomático” vem do grego (idiomatikós), que significa “particular”,
“especial”. A linguagem idiomática de um instrumento é aquela imbuída de suas
64
O ensaio “O Choro e sua árvore genealógica” (Paes, 2008) menciona seis gerações do choro e lista de
forma extensiva intérpretes e compositores a ele relacionados, entre os quais os seguintes flautistas:
primeira geração - Joaquim Callado (RJ, 1848-1880), Duque Estrada Meyer (RJ, 1848-1905), Viriato
Figueira da Silva (RJ, 1851-1883), Juca Kallut (RJ, 1857-1922), Pedro Galdino (RJ, 1860?–1919), Pedro
de Alcântara (RJ, 1866-1929); segunda geração - Pattápio Silva (RJ, 1880-1907); terceira geração –
Pixinguinha (RJ, 1897-1973), Antônio Maria Passos (RJ, 1880? – 1940?), Agenor Bens (RJ, 1890?1950?), Raul Silva (SP, 1889-1938); quarta geração - Benedito Lacerda (RJ, 1903-1958), Dante Santoro
(RS, 1904-1969), João Dias Carrasqueira (SP, 1908-2000) e Copinha (Nicolino Cópia) (SP, 1910-1984);
quinta geração - Altamiro Carrilho (RJ, 1924); sexta geração - Carlos Poyares (ES, 1928-2004), Plauto
Cruz (RS, 1929).
159
características próprias, que se desenvolve de acordo com o tratamento que os
compositores dispensam ao instrumento em suas composições (Pilger, 2010). Ainda,
segundo Fabiano Menezes (2010), a relação estabelecida entre artista e instrumento cria
um idioma gestual para o instrumento, que é a base do desenvolvimento de uma prática
de performance. Estabelece-se, assim, um vocabulário-padrão de prática e de
performance que, ao aproveitar as particularidades intrínsecas, confere àquele
instrumento uma identidade musical.
Alguns aspectos de execução, imbuídos do idiomatismo da flauta, sobressaemse no contexto do choro. Pode-se citar, por exemplo, a agilidade (como a execução de
séries de notas rápidas em graus conjuntos ou disjuntos); a expressividade (por
exemplo, a vocalização - uso de vibrato, as inflexões e a flexibilidade rítmica; a
execução de acentuações e articulações variadas; as nuances de dinâmica) e a
ornamentação (flexibilidade melódica, identificada no contexto do choro com a
improvisação)65.
A agilidade como característica idiomática da interpretação do choro na flauta
pode ser constatada com uma rápida revisão do repertório e sua discografia. Já a
expressividade e a ornamentação são características aurais do choro, tendo em vista que
as partituras do gênero não costumam ser prescritivas, atuando basicamente como um
esqueleto, sobre o qual se desenvolve a interpretação. Daí a necessidade de estudar as
gravações do gênero, como fonte de pesquisa sobre sua interpretação, trabalho que se
desenvolverá neste capítulo.
Para introduzir esse estudo analítico, serão discutidos os principais aspectos da
morfologia do choro, a partir das categorias sugeridas no método Vocabulário do
Choro, do flautista e saxofonista Mário Sève (1999): divisões rítmicas de fraseado,
acentuações rítmicas, articulações e ornamentos.
As divisões rítmicas do fraseado se referem à liberdade de interpretação
rítmica, própria do choro, em que alterações das divisões rítmicas geram muitas
variações a partir de uma única figura. O exemplo musical 1 ilustra algumas
possibilidades de variação a partir de duas figuras rítmicas.
65
Esses aspectos fazem parte do vocabulário da flauta, havendo, portanto, uma propensão a que o
flautista, como intérprete, os execute com fluidez. A ornamentação pode, certamente, ser incluída no
aspecto expressividade. Optou-se por mencioná-la em separado pelo protagonismo que assume no
contexto do choro.
160
Exemplo musical 1: Variações rítmicas na execução de fraseados do choro (SÈVE, 1999, p. 12)
As acentuações rítmicas permitem, ao variar a acentuação de uma figura
rítmica, obterem-se figuras distintas, que são cada uma característica de um gênero,
como o samba, o choro, o baião, etc. (exemplo musical 2). É certo que a caracterização
dos gêneros musicais vai além das fórmulas rítmicas. Porém, a abordagem de Sève
(1999) é interessante, na medida em que oferece ao intérprete a possibilidade de circular
entre os distintos gêneros da música popular com um material semelhante, o que
permite aumentar seu domínio formal e sua capacidade de improvisação.
Exemplo musical 2: Variações na acentuação rítmica, que caracterizam distintos gêneros: maxixe, choro,
baião, samba e marcha (Sève, 1999, p. 14).
No choro, é desejável que o intérprete busque essa liberdade de execução
rítmica, que é um aspecto interpretativo de destaque. Essa forma de brincar com o ritmo
relaciona-se com a articulação, entendida como a maneira de pronunciar a música.
Como já assinalado no Capítulo 1, a fluidez na execução rítmica, ricamente variada em
termos de divisões e acentuações, confere à interpretação uma qualidade especial,
relacionada ao que os músicos de choro costumam chamar de bossa.
161
Mas a articulação também pode ser entendida como a maneira de separar ou
conectar as notas, constituindo elemento de variação melódica. Admitem-se inúmeras
combinações, como as apresentadas no exemplo musical 3.
Exemplo musical 3: Variações de articulação sugeridas para o repertório de choros. (Sève, 1999, p. 1516).
A maneira de se produzir a articulação é assunto dos mais polêmicos. Nos
instrumentos de sopro, costuma-se descrever essa técnica por meio de sílabas, pelas
quais o movimento da língua pode ser descrito66. Sève (1999) afirma que, no contexto
do choro, a sílaba usada nos instrumentos de sopro para ataque das notas, em um grupo
de quatro semicolcheias, seria: em andamentos médios e lentos, “ta-ra-ra-ra”; em
andamentos ligeiros, “ta-ka-ta-ka”. Já nas figuras sincopadas, “ta-ra-ta ra-ra-ta”,
conforme o exemplo musical 4. (SÈVE, 1999, p. 15).
Exemplo musical 4. Sílabas utilizadas para a articulação nos instrumentos de sopro no contexto do choro
(SÈVE, 1999, p. 15).
Observa-se que o autor descreve a técnica da articulação em função do ritmo e
do andamento, portanto, do contexto musical. Pode-se inferir as seguintes características
a partir das sílabas mencionadas: (1) semicolcheias em andamento lento ou médio terão
articulação menos precisa (ta-ra-ra-ra); (2) semicolcheias em andamento ligeiro terão
66
O uso de sílabas para descrever a técnica empregada para articular, o chamado “golpe de língua”,
remete a métodos de ensino da flauta desde o século XVIII. A flautista Laura Rónai (2008) comenta a
falta de consenso em relação a que sílabas adotar ou quando utilizar articulações mais ou menos precisas:
“As duas articulações principais, das quais derivam todas as outras, são o legato e o staccato. Sabemos
que para criar variedade e despertar o interesse em sua interpretação, é necessário ao flautista utilizar
diferentes sílabas ao “pronunciar” cada nota. Essas devem apresentar um contraste agradável entre dureza
e maciez, aspereza e doçura. Na flauta, uma nota soará mais ou menos suave não apenas de acordo com o
volume do som que atinge, mas também, e principalmente, de acordo com o golpe de língua que recebe.
Das várias combinações de sílabas de ataque e de trechos em legato é feito o fraseado de uma peça.
Quanto a isso, não há polêmica. Mas em relação a todos os outros aspectos do assunto, a partir da própria
escolha das sílabas mais propícias a uma articulação clara, já nos deparamos com um universo de teorias
diferentes e até mesmo contraditórias”. (RÓNAI, 2008, p. 176)
162
articulação mais precisa e, sobretudo, mais ágil (ta-ka-ta-ka); (3) ritmos sincopados
terão articulação destinada a destacar a contrametricidade (3+5), (ta-ra-ta ra-ra-ta)67.
A sílaba “ra” produz uma articulação menos precisa, similar à das sílabas “la”
ou “da”, enquanto a sílaba “ta” produz uma articulação mais precisa. A combinação
dessas sílabas termina por destacar as notas articuladas em “ta”68. A sílaba “ra”,
indicada por Sève (1999), muito utilizada coloquialmente quando se cantarola uma
melodia, dá uma ideia de fluidez e espontaneidade, que parece próxima da prática
interpretativa do choro.
Esse tipo de articulação é mencionado na literatura tradicional. No século
XVIII, a variedade de sílabas para o ataque das notas era recomendada em métodos de
flauta para evitar a regularidade da articulação, considerada monótona e pouco
desejável. Como se sabe, a prática da inegalité foi um hábito de execução na música do
Barroco francês, que consistia em tocar de modo desigual notas grafadas da mesma
maneira. Nesse contexto, as sílabas “tu ru” e “ti ri” são mencionadas nos métodos de
Preuller69 (1730) e Quantz70 (1752). No século XIX, de acordo com RÓNAI (2008, p.
194), a sílaba “ru” cai em desuso, sendo substituída pelo “du”, no chamado golpe de
língua composto, “tu du”, citado no método de Altès71 (1906). Entretanto, no século
XX, as sílabas “te re” voltam a ser recomendadas em casos especiais, como o da figura
da colcheia pontuada seguida de semicolcheia, conforme o método de Taffanel e
Gaubert72 (1923).
67
A sílaba “ta” na quarta pulsação (ou quarta semicolcheia) demonstra a intenção de acentuá-la, em
detrimento do tempo seguinte, executado com a sílaba “ra”. Na terminologia de Sandroni (2001), já
mencionada no capítulo 1, trata-se do “paradigma do tresillo”, cuja característica fundamental é a marca
contramétrica recorrente na quarta pulsação (ou, em notação convencional, na quarta semicolcheia) de um
grupo de oito, que assim fica dividido em duas quase-metades desiguais (3+5). É essa marca que o
distingue dos padrões rítmicos que obedecem à teoria clássica ocidental, para a qual a marca equivalente
estaria não na quarta, mas na quinta pulsação (ou seja, no início do segundo tempo de um 2/4
convencional e simétrico). (SANDRONI, 2001, p. 30)
68
Pode-se usar distintas combinações de vogais, como “te”, “ti”, etc.
69
Peter Preuller (ca. 1720-ca. 1745), organista e cravista, publicou o método The Newest Method for
Learners on the German Flute (Londres: Printing-Office in Bow Church Yard, 1730/31). (RÓNAI, 2008,
p. 262).
70
Johann Joachim Quantz (1697-1773), flautista e teórico, escreveu o tratado Versuch einer Anweisung
die Flote traversière zu spielen (Berlim: Johann Friedrich Voss, 1752). (RÓNAI, 2008, p. 262).
71
Joseph-Henri Altès (1830-1899), flautista e teórico, foi professor do Conservatório de Paris de 1868 a
1893. Teve seu método publicado em 1907: Méthode Complète de Flûte (Paris: Schoenaers-Millereau,
[1906]). (RÓNAI, 2008, p. 47 e 255).
72
Claude-Paul Taffanel (1844-1908), flautista francês, é considerado o pai da moderna Escola Francesa
de Flauta. Deixou incompleto seu método, que foi concluído por seu melhor aluno, Philippe Gaubert
(1879-1941): Méthode Complète de Flûte (Paris: Alphonse Leduc, 1923).
163
Retomando as categorias morfológicas em estudo, há que se mencionar os
ornamentos. Os ornamentos também contribuem para a variedade melódica na
execução. Nos choros, especialmente nos trechos repetidos, próprios da estrutura formal
do gênero, esses recursos são muito utilizados. São mencionados por Sève (1999), no
contexto do choro, os trilos, apojaturas e mordentes, assim como os glissandos e
grupetos, especialmente nos andamentos lentos.
4.2 As gravações de Dante Santoro
A proposta desta seção é analisar as gravações digitalizadas de obras
compostas e interpretadas por Dante Santoro, originalmente lançadas comercialmente
em formato78rpm, além de registros de programas da Rádio Nacional com a
participação do Regional de Dante Santoro, sem lançamento comercial. O objetivo da
análise é conhecer aspectos interpretativos e composicionais que caracterizam a obra de
Dante Santoro, bem como o material utilizado em suas improvisações.
Essa
análise
baseia-se
na
audição
das
faixas
selecionadas,
sendo
complementada, eventualmente, pela consulta às partituras editadas. Os manuscritos
autógrafos, quando disponíveis, serão observados para a análise de aspectos
composicionais. Os trechos comentados serão transcritos segundo as gravações,
respeitada a tonalidade real, nos casos em que houver distorção em função da
velocidade de rotação.
Por ser a obra de Dante Santoro pouco conhecida, o estudo consiste em uma
análise comparada, que buscará reconhecer as referências de Dante Santoro e apontar as
semelhanças e diferenças em relação à obra de seus contemporâneos. A análise tem um
enfoque
interpretativo,
embora
sejam
também
mencionadas
características
composicionais.
Será utilizada a seguinte nomenclatura para as notas da flauta, de acordo com o
registro empregado: dó1 a si1 correspondem ao registro grave; dó2 a si2 correspondem
ao registro médio; dó3 a si3 correspondem ao registro agudo e dó4 a fa4 correspondem
ao registro superagudo.
4.2.1 Composições próprias
Nesta seção serão analisadas seis obras compostas e interpretadas por Dante
Santoro: Harmonia selvagem, choro (Victor, 1938) ou Flauta selvagem, choro (Odeon,
164
1950); Gilka, valsa (Victor, 1935); É logo ali, polca (Victor, s.d.); Maria Rosa,valsa
(Odeon, 1946); Murmúrios d´alma, valsa (Victor, 1937) e Murmúrios, choro (Sinter,
1955). As gravações digitalizadas, que se encontram em anexo, foram extraídas do CD
triplo A Flauta Mágica de Dante Santoro (1998), gentilmente cedido pelo sobrinho
Homero Santoro.
Harmonia Selvagem (Victor, 1938)
O choro Harmonia selvagem foi gravado em 1938 (Victor, n. série 34.352) e
regravado em 1950, no selo Odeon (n. série 13.017), com o título Flauta selvagem,
composição de Etnad (pseudônimo de Dante). Ambas as gravações estão disponíveis
em versão digital na coletânea “A flauta mágica de Dante Santoro” e também na página
eletrônica do Instituto Moreira Salles73. Neste tópico, utilizaremos como referência a
primeira gravação, de 1938. A transcrição dos trechos será corrigida cerca de um
semitom abaixo da gravação, para corresponder à tonalidade real.
Esse choro tem uma força expressiva advinda da virtuosidade e dos efeitos
sonoros utilizados em sua melodia. A consulta ao manuscrito revela que Dante Santoro
escreve os trechos virtuosísticos, mesmo que executados só pela flauta solista, sem o
acompanhamento do regional (no formato breque74). Um exemplo é a ponte que liga a
parte A e sua repetição (exemplo musical 5), que é tocada na gravação primeiramente
como na exemplo musical 5 e, na repetição, mais elaborada, como no exemplo musical
6. Outro breque ocorre na parte B, quando a flauta executa escalas descentes (cf.
exemplo musical 11)
Exemplo musical 5: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do trecho virtuosístico, conforme
primeira execução na gravação de 1938 (confere com o manuscrito).
Exemplo musical 6: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do mesmo trecho, conforme
segunda execução na gravação de 1938.
73
Endereço para consulta ao acervo do IMS: <http://ims.uol.com.br/Busca_no_acervo/D832>.
O termo breque, na música, faz alusão a seu significado comum: freio. Trata-se da interrupção do
acompanhamento para que o solista execute um trecho sozinho, de maneira declamatória. Essas paradas,
previamente acordadas entre os músicos, contribuem para dar maior graça e “bossa” à interpretação de
gêneros como o choro e o samba.
74
165
Essa convenção75, que determina só um ataque do acompanhamento no
primeiro tempo do compasso, é bastante usada no repertório de choro. Um bom
exemplo é o choro Urubatã, de Pixinguinha e Benedito Lacerda, que apresenta esse tipo
de convenção em suas três partes (exemplo musical 7). A melodia solista executada
durante o breque pode vir escrita e sofrer variações durante a execução. Quanto maior
for o interesse do solista em improvisar e surpreender o público (com uma boa mostra
de virtuosidade), maior será a variação que imprimirá à melodia.
Exemplo musical 7. Urubatã, choro de Pixinguinha e Benedito Lacerda, parte A. (São Paulo: Vitale,
1997). Breque e melodia solista indicados nos compassos 8 a 10.
Os bordões do violão de sete cordas (exemplo musical 8), cuja fórmula rítmica
conduz a harmonia de um compasso ao outro, são uma característica marcante do
acompanhamento nessa obra.
Exemplo musical 8: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Gravação do Regional de Dante Santoro
(Victor, 1938). Bordões do violão de sete cordas conduzem a harmonia de um compasso ao outro.
Nas gravações posteriores, como a de Altamiro Carrilho com o Regional do
Canhoto (1964), esses bordões são ampliados, com maior movimentação melódica. O
efeito criado pelo acorde diminuto sustentado nos compassos 3 e 4 da parte A é similar
75
O termo convenção significa uma forma previamente acordada de execução, geralmente relacionada ao
acompanhamento, que pode envolver tanto figurações rítmicas (ataques e breques ritmicamente
determinados), como figurações melódicas (nesse caso, costuma-se adotar o termo “obrigação”).
166
ao utilizado posteriormente por Jacob do Bandolim em Noites cariocas (1957),
conforme exemplo musical 9.
Exemplo musical 9. Noites cariocas, de Jacob do Bandolim (1957) (São Paulo: Vitale, 1997, p. 53).
Efeito do acorde de Fá diminuto, no quarto compasso, é similar ao utilizado por Dante Santoro em
Harmonia Selvagem (1938).
Na parte B, a utilização de tercinas arpejadas sem notas de passagem indicam,
na flauta, uma melodia acompanhada: a linha superior (formada a partir das notas mais
agudas) constitui a melodia principal, que é acompanhada pelas outras notas do arpejo
(exemplo musical 10). A melodia acompanhada é intercalada por uma série de escalas
descendentes de extensão de uma oitava e meia (exemplo musical 11), sendo retomada
no final da parte B a partir de um novo material: arpejos ornamentados em bordadura de
semitom, que fazem uma réplica da harmonia utilizada em cada compasso. Nesse caso,
notas do acorde arpejado presentes no tempo forte das tercinas ressaltam o movimento
harmônico (exemplo musical 12).
Exemplo musical 10: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos em tercinas formam melodia
acompanhada, sendo a melodia principal as notas mais agudas e o acompanhamento, as demais notas do
arpejo.
Exemplo musical 11: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Escalas descendentes de extensão de uma
oitava e meia intercalam trechos de melodia acompanhada.
Exemplo musical 12: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos ornamentados em bordadura de
semitom sublinham o movimento harmônico.
A escrita de melodia acompanhada apresenta similaridade com obras do
repertório romântico para flauta. Na Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne
(1840-1920), por exemplo, encontra-se a melodia acompanhada composta de forma
167
bastante semelhante à utilizada por Dante Santoro, conforme exemplos musicais 13 e
14. Outro exemplo é o Concertstücke, de Wilhelm Popp (exemplo musical 15).
Exemplo musical 13. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne (1840-1920). (Paris: Choudens,
s.d. [1880]). Fonte: acervo do IMSLP. Arpejos em tercinas formam melodia acompanhada.
Exemplo musical 14. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne (1840-1920). (Paris: Choudens,
s.d. [1880]). Fonte: acervo do IMSLP. Arpejos ornamentados formam melodia acompanhada.
Exemplo musical 15. Uso de melodia acompanha na obra Concertstücke, de Wilhelm Popp. Fonte:
SILVA, 2008, p. 29. Edição não informada pelo autor.
Também a obra de Pattápio Silva foi referência para Dante Santoro no uso da
melodia acompanhada, recurso presente nas peças Sonho (exemplo musical 16) e
Primeiro amor (exemplos musicais 17 e 18). Como assinala Daniel Silva (2008), a
escrita de Pattápio traz uma semelhança explícita à utilizada no repertório romântico
para flauta, que lhe era muito familiar: Pattápio foi o primeiro flautista brasileiro a
gravar obras do repertório erudito europeu, como as Variações de flauta, op. 382, de
Wilhelm Popp (parte da obra Concertstücke, anteriormente mencionada). (SILVA,
2008, p. 30).
168
Exemplo musical 16: Sonho, op. 6, de Pattápio Silva. Melodia acompanhada muito similar à de W. Popp.
Fonte: SILVA, 2008, p. 30. Edição não informada pelo autor.
Exemplo musical 17: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Primeira parte. Melodia acompanhada. (In:
SILVA, Pattápio. O livro de Pattápio Silva – obra completa para flauta e piano. Coord. Maria José
Carrasqueira. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001).
Exemplo musical 18: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Terceira parte. Melodia acompanhada. (op. cit.)
No repertório de choros, encontrou-se somente um exemplar da escrita de
melodia acompanhada análogo ao de Harmonia selvagem. Trata-se do schottisch
Gargalhada, de Pixinguinha, dedicado ao flautista Altamiro Carrilho. O exemplo
musical 19 ilustra a semelhança entre a parte B de Harmonia selvagem e a parte C de
Gargalhada.
169
Exemplo musical 19. Gargalhada (1953), schottisch de Pixinguinha, parte C. (São Paulo: Vitale, 1997).
Raro uso da melodia acompanhada no repertório de choros do período (1938-1953).
Retomando a análise da obra, nota-se, na parte C, que a melodia cromática e os
pedais de ornamento de terça menor - notas sib e mib – agregam dissonância à harmonia
e geram um interessante efeito polifônico, de oscilação da altura das notas do registro
grave (exemplo musical 20). No manuscrito da obra, as notas que compõem o trilo não
estão especificadas. Portanto, esse efeito de oscilação de altura, provocado pela terça
menor, pode ter sido fruto de um experimento interpretativo, que terminou sendo
agregada à obra, dado o interesse que gerou. Esse efeito de trêmulo é totalmente
idiomático da flauta, e inclusive, por questões acústicas e mecânicas, só soa bem com as
notas utilizadas por Dante Santoro. Prova disso é que não pode ser transposto para
outros tons sem se perder a efetividade.
Exemplo musical 20: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Efeito sonoro – oscilação de altura/polifonia,
segundo a gravação de 1938.
O efeito melódico da flauta é acompanhado por uma mudança na célula rítmica
do acompanhamento, que ganha uma feição mais clara de maxixe. Esse novo matiz
rítmico é percebido de forma sutil na levada76 do cavaquinho - que no início tinha a
76
O termo levada se refere ao padrão rítmico no qual se baseia o acompanhamento dos violões, do
cavaquinho e da percussão. Cada gênero (choro, samba, maxixe, polca, etc) apresenta uma levada
característica, que pode ser variada segundo o gosto do músico acompanhador, desde que a estrutura
básica de acentuação do gênero seja mantida.
170
característica de choro (em duas variações, respectivamente, nas partes A e B) e logo se
transforma em maxixe (na parte C), conforme exemplo musical 21 - e está bem
pronunciado no bordão do violão de sete cordas, conforme o exemplo musical 2277.
Exemplo musical 21: Harmonia selvagem (choro). Células básicas das levadas do cavaquinho: partes A,
B e C, respectivamente.
Exemplo musical 22: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Bordões do violão de sete cordas anunciam o
maxixe.
Na última repetição do tema da parte A, Dante executa a melodia uma oitava
abaixo, no registro grave, contrariando a tendência de qualquer flautista, em busca de
um final apoteótico. Os graves de Dante Santoro são muito potentes, o que constitui
uma marca registrada de sua interpretação. Isso explica sua propensão a mostrar, ao
final dessa significativa obra, uma característica singular de sua perfomance - pouco
comum entre os chorões da época – que não deixa de ser, em certa medida, outra mostra
de virtuosidade, dada a dificuldade de emissão das notas graves na flauta, em dinâmica
forte.
A utilização de graves em dinâmica forte também remete a Pattápio Silva.
Segundo Daniel Silva (2008), Pattápio inovou a escrita para o instrumento por meio de
efeitos expressivos nunca antes explorados na música para flauta no Brasil, como
mudanças de timbre, extremos de extensão e sutilezas de dinâmica. A escrita no registro
grave em dinâmica fortíssimo, presente em obras como Evocação e Oriental, também
constitui uma inovação (SILVA, 2008, p. 43). Acredita-se que o gosto de Dante Santoro
pelos graves em dinâmica forte tenha originado-se na interpretação das obras de
Pattápio Silva e na audição de suas gravações.
77
A notação das levadas é imprecisa, pois, na prática, os instrumentistas executam os padrões rítmicos de
maneira mais livre e, sobretudo, atendendo às características idiomáticas de cada instrumento. No
cavaquinho, por exemplo, as células apresentadas no exemplo musical 14 são rechedas por movimentos
leves da palheta (as chamadas escovadas), para os quais não foi encontrada notação adequada.
171
Flauta Selvagem (Odeon, 1950)
A versão de 1950, lançada pelo selo Odeon (n. série 13.017) vem com o título
Flauta selvagem, autoria de Etnad (Dante ao contrário). O pseudônimo e o novo título
para Harmonia selvagem certamente se relacionam a direitos autorais, anteriormente
cedidos à RCA Victor. Essa nova versão tem a participação de um segundo solista ao
clarone, cuja identidade é desconhecida, mas poderia tratar-se do clarinetista Vivi, com
quem Dante gravou outras vezes. Segundo Jorginho do Pandeiro, Vivi era clarinetista
da Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional e do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e
sempre tocava com Dante, que escrevia os contracantos para que ele gravasse com o
regional.
A presença do clarone de fato enriquece o tecido harmônico e textural, criando
diferentes camadas de contracantos. O clarone assume a posição de baixo, enquanto o
violão alterna com ele linhas melódicas em uma região média (tenor). O exemplo
musical 23 exemplifica a condução das vozes na parte A, condensando os contracantos
das diferentes repetições dessa primeira parte. A notação está uma oitava acima do
original.
Exemplo musical 23. Flauta selvagem (choro). Parte A. Contracantos entre clarone (linha inferior) e
violão (linha superior). Na gravação as vozes soam uma oitava abaixo.
A articulação da flauta na região aguda, bem separada, contrasta com o legato
do clarone, criando um interessante contraponto. Observa-se que Dante, quando toca a
melodia da parte A no registro grave da flauta, liga as notas. Essa estratégia é efetiva, já
que a emissão dos graves em stacatto, além de ser mais propensa a falhas e atrasos, não
tem a mesma potência sonora. Além disso, devido à forma como essa melodia grave em
legato surge, na flauta, depois do clarone, o ouvinte tem a impressão de que se trata de
um recurso imitativo.
172
O som brilhante que Dante Santoro produz no registro grave impressiona mais
nesta versão, especialmente na parte C, em que crescendos e decrescendos dão ainda
mais destaque ao efeito polifônico produzido pelo trêmulo (exemplo musical 24).
Provavelmente a melhora na qualidade da gravação entre as décadas de 1930 (primeira
versão) e 1950 (segunda versão), advinda de tecnologia superior, também contribui para
esse resultado sonoro.
Exemplo musical 24. Flauta selvagem (choro). Parte C. Crescendos e decrescendos potencializam o
efeito polifônico dos trêmulos e destacam o grave brilhante produzido por Dante Santoro.
Na última repetição da parte A, Dante faz o mesmo desenho melódico do
exemplo musical 5, em uma espécie de cadência. O curioso é que nesta gravação parte
do regional não ataca a nova entrada junto com a flauta, o que causa um pequeno
desequilíbrio na retomada do tema. Isso se deve a que o si3 - nota que retoma a melodia
- é atingido em uma elisão: é, ao mesmo tempo, a última nota da cadência e a primeira
nota do tema (mantendo-se o 2/4, fica sobrando um tempo de nota longa si3 antes de
atingir o retorno à seção A). Na gravação de Altamiro Carrilho com o Regional do
Canhoto (1964) esse desequilíbrio também ocorre, porém é menos evidente.
Dante gostava de utilizar efeitos sonoros pouco usuais com a flauta. Outra
amostra desse tipo de recurso está no choro Minuano triste (Victor, 1939)78, em cuja
segunda parte há uma imitação do vento minuano, característico da região sul do
Brasil79. Dante consegue imitar o vento por meio de uma série de glissandos contínuos
que ele executa com a embocadura desfocada, ou seja, soprando para fora do bocal.
Além disso, direciona o fraseado de modo a acentuar ligeiramente os glissandos
ascendentes, o que dá uma sensação de mobilidade, parecida com o movimento
78
Essa gravação está disponível no acervo online do Instituto Moreira Salles
(www.acervo.ims.uol.com.br).
79
Segundo o flautista e professor Raul Costa D´Avila, também a terceira parte desse choro traz uma
referência ao Rio Grande do Sul, por meio da imitação do pássaro quero-quero, ave-símbolo daquele
estado. Na visão do professor, trata-se, de fato, de um choro programático. (Comentário por ocasião da
banca de defesa, em 27/02/2014).
173
oscilante do vento, ora mais rápido, ora mais lento. Embora seja difícil precisar as notas
utilizadas como “margens” nesses glissandos contínuos, a harmonia serve de guia,
conforme o exemplo musical 25.
Exemplo musical 25. Minuano triste, choro. Efeito sonoro criado a partir de glissandos contínuos
promove a imitação do vento.
Gilka (Victor, 1935)
A valsa Gilka foi originalmente gravada em 1935 em solo de flauta por Dante
Santoro e seu regional (n. de série 33.932). Há uma segunda versão da obra, gravada em
1938, com letra de Milton Amaral, na interpretação de Vicente Celestino com a
Orquestra Victor Brasileira (n. de série 34.370), disponível para audição no acervo
online do Instituto Moreira Salles.
Existem duas partituras editadas da peça em diferentes tonalidades. A edição
que apresenta somente a melodia da flauta (E.S. Mangione, s.d.) está na tonalidade de
Lá maior. Já a edição orquestral (E.S. Mangione, s.d.), para piano / flauta ou violino,
sax alto, sax tenor, dois pistons sib, trombone e baixo, está na tonalidade de Fá maior.
Na gravação de 1935, usa-se a tonalidade de Lá maior, que será mantida como
parâmetro nesta análise.
Essa valsa segue o esquema formal utilizado por Dante Santoro em quase todas
as suas valsas de concerto. Essa denominação aparece em algumas edições e indica
valsas que tomam emprestado elementos da música de concerto, expressos
principalmente por meio de uma cadência virtuosística inicial. Apresentam forma
semelhante as seguintes valsas: Exaltação (1939), Olhos magos (1937), Sombras da
noite (1939), Marlene (s.d.), Suzana (1938) e Nena (1935). A denominação valsa de
concerto aparece nas edições para flauta solo de Gilka (E.S. Mangione, s.d.) e Nena
(Irmãos Vitale, s.d.); já a edição de Olhos Magos (E.S.Mangione, 1943), para canto e
piano, não apresenta a cadência inicial que consta da gravação de 1937 e recebe a
174
classificação de valsa canção. Quanto às demais valsas, não se dispõe de nenhuma
edição.
Essas introduções virtuosísticas são semelhantes àquelas encontradas em
fantasias e variações do repertório de concerto para flauta. Entre as partituras que
pertenceram a Dante Santoro, por exemplo, consta a obra Fioritta, de A. Terschak80
(exemplo musical 26), que é uma série de variações sobre o tema de uma ária italiana.
Na abertura da obra, o trecho inicial constitui uma cadência para flauta solo – um tipo
de escrita muito apreciada pelo flautista.
Exemplo musical 26. A. Terschak. Fioritta, para flauta e piano. Introdução. Observa-se um estilo de
escrita apreciado por Dante Santoro: uma cadência inicial para flauta solo anuncia a abertura da obra.
Fonte: acervo da família Santoro.
À cadência virtuosística inicial (exemplo musical 27), escrita para flauta solo,
segue-se uma parte A, com caráter de melodia lírica e uma terceira parte - parte B - de
andamento mais rápido, com caráter de dança. Com as repetições, o esquema formal
fica assim resumido: Introdução- A A´- B B´ - A. Harmonicamente, a introdução e a
parte A estão centradas na tonalidade de Lá maior e parte B em Fá # menor.
80
Adolf Terschak (1832-1901), flautista e compositor nascido em território húngaro. Estudou e
desenvolveu carreira em Viena. Autor de cerca de 197 obras para várias formações instrumentais, compôs
inúmeras para seu instrumento. Segundo RÓNAI (2008, p. 50), utilizava uma flauta de 16 chaves, modelo
anterior ao atual sistema Böhm, cujo pé se estendia até o sol grave.
175
Exemplo musical 27. Gilka, valsa de concerto. Introdução. Elementos da música de concerto: cadência
virtuosística inicial, para flauta solo. Edição E.S. Mangione, s.d. Fonte: MIS.
A flauta é acompanhada por dois violões e um cavaquinho. Os recursos
expressivos são o ponto alto da gravação, que explora nuances de tempo – por meio de
fermatas, accelerandos e ritardandos – e de ornamentação em oitavas na parte da flauta.
Na introdução, os arpejos agrupados em 12, 14 e 8 notas (exemplo musical 27) são
tocados em accelerando. Outro detalhe é que a escala descendente do primeiro
compasso é tocada com staccato duplo, de forma análoga ao trecho da introdução da
Serenata oriental op. 70, de Ernesto Köhler, gravada por Pattápio Silva para a Casa
Edison em 1902 (exemplo musical 28).
Exemplo musical 28. Serenata oriental, op. 70, de Ernesto Köhler. Introdução. Edição desconhecida. Na
gravação de Pattápio Silva (1902), a escala descendente do sexto compasso é executada em staccato
duplo.
Já na parte A, a célula rítmica do acompanhamento dá liberdade ao solista,
permitindo ligeiras manipulações do tempo nas figuras pontuadas e nas tercinas sempre
expressivas. Entretanto, as conduções de frase, sublinhadas pelo violão, sempre
retomam o tempo, o que mantém o andamento estável (exemplo musical 29). O mesmo
ocorre na parte B, em que o dueto de violões imprime movimento à música, por meio de
contracantos alternados à melodia.
176
Exemplo musical 29. Gilka, valsa de concerto. Parte A. Manipulações de tempo na melodia da flauta
(linha superior) são compensadas pelos contracantos dos violões (linha inferior), cujas conduções de frase
dão movimento ao trecho.
A ornamentação em oitavas ocorre tanto na parte A quanto na parte B. No
trecho do exemplo musical 30, localizado ao final da parte B, o grupo faz uma pequena
fermata no dó# do terceiro compasso, seguido de um pequeno accelerando na passagem
com oitavas, logo depois rallentando até o final.
Exemplo musical 30. Gilka, valsa de concerto. Parte B. Ornamentação em oitavas e indicações
expressivas, conforme a gravação de 1935.
É logo ali (Victor, s.d.)
A polca É logo ali foi lançada no disco Victor (n. de série 34167), ao lado da
valsa Dores d´Alma, de autoria de Antônio Lourenço Bittencourt. Infelizmente não se
sabe o ano de publicação desse disco. Na partitura para flauta solo, editada pela casa
177
Irmãos Vitale (s.d.), a obra é classificada como polca-choro; já no selo do disco Victor,
é classificada como choro81.
Dois indícios conduzem à classificação da obra como polca: a levada,
caracterizada pela acentuação da quarta parte do primeiro tempo e o andamento, que
costuma ser rápido. Na gravação de Dante Santoro, o andamento é cômodo (semínima
cerca de 87), porém a acentuação característica se mantém. O exemplo musical 31
mostra as células básicas do acompanhamento da polca, nas quais se baseiam o
acompanhamento do regional (dois primeiros compassos) e as variações executadas
pelo acordeom nesta gravação (quatro últimos compassos).
Exemplo musical 31. É logo ali, polca. Células do acompanhamento do regional (dois primeiros
compassos) e do acordeom (quatro últimos compassos), conforme a gravação.
Um detalhe interessante é a percussão utilizada nesta gravação. Aparentemente
trata-se de uma tumbadora ou de uma zabumba, que marca a figura da colcheia
pontuada seguida de semicolcheia, no registro grave. Esse baixo sincopado percussivo
cria uma base muito boa junto aos violões, tendo como resultado um acompanhamento
cheio de bossa.
O acordeom tem uma participação especial nesta gravação, pois atua como
solista na primeira parte, dividindo a melodia com os contracantos da flauta, e como
acompanhador nas demais. Há três partes, A, B e C, centradas respectivamente nas
tonalidades de Lá m, DóM e LáM. Na gravação, a parte A é a única repetida por
completo duas vezes, ou seja, o esquema formal seria: A A´- A A´- B B´- A A´- C C´A A´.
Nesta gravação é possível apreciar o contracanto executado por Dante Santoro.
O exemplo musical 32 mostra a melodia principal, executada pelo acordeom, e os
contracantos da flauta, indo do registro mais agudo até o grave. Nota-se o uso da
ornamentação, como recurso de improvisação, nos compassos 6 a 8, com a incorporação
de trilos e glissandos.
81
De acordo com o professor e flautista Raul Cosa d´Avila, essa obra apresenta referências à música do
Rio Grande do Sul, tendo como referência o gênero musical uruguaio milonga arrabalera. (Comentário
por ocasião da banca de defesa, em 27/02/2014).
178
É interessante observar como Dante constrói a melodia do contracanto:
trabalha basicamente com arpejos mesclados com escalas rápidas - diatônicas ou
cromáticas (nesse caso gerando pequenos glissandos). O material é geralmente bem
articulado e adornado com trilos e pequenos mordentes. Esse material é usado de forma
recorrente em suas improvisações, constituindo seu “ponto de partida” na maioria dos
casos, como se comentará mais adiante.
Exemplo musical 32. É logo ali. Parte A. Melodia principal do acordeom (linha inferior) e contracantos
da flauta (linha superior), segundo a gravação.
Maria Rosa (Odeon, 1946)
A valsa Maria Rosa foi lançada no disco Odeon (n. de série 12.736), em 1946.
Não foi encontrada nenhuma partitura dessa obra, que traz um conceito diferente das
mencionadas valsas de concerto comuns no repertório de Dante Santoro. Apesar de
exigir certa habilidade do flautista, por ser uma valsa rápida, apropriada para a dança, o
aspecto relevante da obra é o acompanhamento: harmonias com cromatismo e variações
nas células rítmicas. Está dividida em três partes que se repetem, A A´- B B´- C C´- A,
centradas respectivamente nas tonalidades de Lá m, Dó M e Lá M.
O tema inicial apresenta um motivo caracterizado por intervalos ascendentes e
descendentes, com uso de ornamentos. O intervalo de sexta ascendente marca a
apogiatura e se repete, em uma sequência descendente, no início da valsa (exemplo
musical 33). Esse motivo lembra aquele utilizado por Pattápio Silva na primeira parte
da mazurca Margarida (exemplo musical 34).
179
Exemplo musical 33: Maria Rosa, valsa. Parte A. Motivo com intervalos ascendentes e descendentes,
similar à mazurca Margarida, de Pattápio Silva.
Exemplo musical 34: Margarita (mazurca), de Pattápio Silva. Motivo com intervalos ascendentes e
descendentes. (In: SILVA, Pattápio. O livro de Pattápio Silva – obra completa para flauta e piano.
Coord. Maria José Carrasqueira. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001).
Na parte A, o cromatismo é conduzido pelos baixos dos violões, sendo a
harmonia adornada por arpejos do cavaquinho. Há um crescendo contínuo na medida
em que descende a linha do baixo. Esse crescendo reflete naturalmente o acúmulo da
tensão harmônica até o nono compasso e é reforçado na melodia da flauta, igualmente
descendente. Esse belo trabalho de expressão gera um efeito camerístico. Essa síntese
sonora delicada e refinada era incomum, para aquela época, nesse tipo de
instrumentação. No exemplo musical 35, a voz superior é a do cavaquinho, que toca os
arpejos até o sexto compasso, quando volta a executar a harmonia. As duas vozes
inferiores são dos violões de seis e sete cordas.
Exemplo musical 35. Maria Rosa, valsa. Cromatismo na parte A. Arpejos do cavaquinho (voz superior) e
conduções dos baixos nas partes dos violões de seis e sete cordas (vozes inferiores).
A parte B surpreende pela riqueza rítmica, por meio do uso de hemiolas, tanto
na melodia quanto no acompanhamento. A utilização desse recurso rítmico é comum
nas valsas vienenses (Grove, 1994, p. 423), que certamente serviram de inspiração para
a composição desta obra. A melodia principal é ritmicamente idêntica ao baixo, e o
acompanhamento dos violões e do cavaquinho a complementam, com células rítmicas
180
mais movidas, que garantem a fluência do movimento. O exemplo musical 36 mostra o
esquema rítmico do acompanhamento (pauta superior) e as linhas da flauta e do baixo
(pauta inferior).
Exemplo musical 36. Maria Rosa, valsa. Hemiolas na célula rítmica do acompanhamento e nas linhas
melódicas da flauta e do violão de sete cordas.
Na parte C, novas variações rítmicas no acompanhamento contribuem para
manter o interesse e a vitalidade da valsa. A supressão do terceiro tempo da célula
rítmica executada por violões e cavaquinho, nos quatro primeiros compassos, lembra
um recurso muito utilizado na valsa estilo vienense. Nos compassos posteriores, embora
a célula rítmica básica se mantenha, as articulações variam muito, por meio de acordes
arpejados pelo cavaquinho e conduções da harmonia pela linha melódica do violão. O
exemplo musical 37 mostra a linha melódica da flauta e o esquema rítmico do
acompanhamento.
Exemplo musical 37. Maria Rosa, valsa. Linha melódica da flauta e esquema rítmico do
acompanhamento. Ocorrem variações métricas (comp.1 a 4) e de articulação (acordes arpejados e
contracantos do violão, a partir do comp. 7). Cf. gravação de 1946.
181
As valsas têm um grande destaque na produção de Dante Santoro. Isso se deve,
especialmente, a sua impecável interpretação, em um gênero em que as qualidades
técnicas do flautista ficam muito evidentes, destacando-se a sonoridade e a condução
das frases.
Murmúrios d´Alma (Victor, 1937) e Murmúrios (Sinter, 1955)
O choro Murmúrios, lançado pela gravadora Sinter (n. de série 00382) em
1955, é uma adaptação da valsa Murmúrios d´alma, gravada no ano de 1937, em disco
RCA Victor (n. de série 34.185), pelo cantor Manoel Reis com o acompanhamento do
regional de Dante Santoro. Foram encontradas duas partituras da peça: uma para canto e
piano da Editora E.S. Mangione (s.d.), em que a obra é classificada como valsa canção;
outra para flauta solo, da mesma editora, em que é classificada como valsa.
A gravação de 1937 apresenta duas partes, uma instrumental e outra cantada. A
parte instrumental é composta por uma introdução, parte A e parte B. A instrumentação
utilizada é de flauta, acordeom, violão e cavaquinho. Na parte cantada, que corresponde
à parte A, esses mesmos instrumentos acompanham a voz, enquanto a flauta elabora
contracantos.
A introdução chama a atenção pela carga dramática, obtida através do efeito
polifônico de trêmulos à flauta no registro grave, acompanhada dos ataques da harmonia
no primeiro tempo do compasso. O exemplo musical 38 transcreve a melodia da flauta
com as notações expressivas depreendidas da gravação, na qual Dante Santoro utiliza
mais uma vez o efeito do trêmulo nos primeiros compassos da obra, de forma
semelhante à Harmonia selvagem, mas em outro contexto tonal (tonalidade de dó
menor). Neste caso, utiliza trilos de tons inteiros nos quatro primeiros compassos,
resultando em notas pertencentes à tonalidade, porém de interessante colorido sonoro.
Exemplo musical 38. Murmúrios d´alma, valsa. Introdução. A melodia polifônica da flauta e os ataques
da harmonia na cabeça do compasso contribuem para a dramaticidade do trecho.
182
Na parte B, que apresenta um andamento um pouco mais movido, a melodia é
compartilhada em oitavas pelo acordeom e a flauta. Dante elabora contracantos em um
estilo virtuoso, como uma cadência, conforme o exemplo musical 39.
Esses
contracantos soam como adornos, harmonizações rebuscadas, que lembram o
movimento de pássaros.
Compõem esses contracantos arpejos muito velozes, que
atingem toda a extensão da flauta, além de trilos.
Exemplo musical 39. Murmúrios d´alma, valsa. Contracanto da flauta na parte B.
Essa valsa é uma das peças em que se pode observar a vocalização, ou uso do
vibrato82, como recurso expressivo na obra de Dante Santoro. Dante usa um vibrato
discreto, rápido e pouco variado. Aparenta ser um vibrato natural, ou seja, não se
trataria de uma técnica estudada, mas um recurso agregado ao som como resultado da
necessidade expressiva. Esse tipo de vibrato foi utilizado por flautistas em gravações
de flauta da indústria fonográfica a partir de 191083e, antes disso, no Brasil, por Pattápio
Silva, nas gravações de 1902. O som vigoroso e vibrante tornou-se referência para as
gerações posteriores de flautistas, incluindo Dante Santoro84.
A sonoridade de Dante Santoro é um diferencial em relação aos demais
flautistas que atuavam em grupos regionais. É o que demonstram os depoimentos
82
O vibrato é “uma vibração aplicada na nota, de tal modo que ela pulsa com a rápida alteração da
pressão da coluna de ar, sendo que com isso a afinação da nota também oscila levemente para baixo e
para cima” (RÓNAI, 2008, p. 166). Conforme TOFF (1996), o vibrato pode ser variado segundo a
amplitude da flutuação (o quanto a afinação sobe ou desce a partir do som original) ou a velocidade. No
que se refere à amplitude, a afinação deve variar até um quarto de tom para cima ou para baixo. Já quanto
à velocidade, a pulsação costuma ocorrer de quatro a seis vezes por segundo. (TOFF, 1996, p. 106).
83
O vibrato se popularizou na França por volta de 1905, mas demorou a ter aceitação em outros países,
mesmo no contexto da indústria fonográfica. Consulta ao acervo online da Biblioteca do Congresso
Americano (www.lov.gov/jukebox) indica que era costume tocar sem vibrato nas gravações de flauta do
selo Victor de 1900-1909: é o caso, por exemplo, dos flautistas Darius Lyons, George Scweinfest e do
Victor Instrumental Quartet. De 1910 a 1919, o vibrato começa a ser empregado por determinados
flautistas, como John Lemoné, Clement Barrone e Walter Oesterreicher.
84
A esse respeito comenta Antônio Carlos Carrasqueira, no ensaio “A Flauta Brasileira”, faz o seguinte
comentário: “Pattápio foi o primeiro flautista a ter sua arte gravada em disco, em 1902 e 1903 e, por isso
mesmo, teve uma enorme influência em flautistas que não chegaram a ouvi-lo pessoalmente. Foi o caso
de meu pai e tios, que ouviam aqueles discos de 78 rotações com verdadeira veneração. (...) A sonoridade
da flauta de Pattápio, vibrante, cheia de vida, fez escola. Apesar da precariedade do sistema de gravação,
então bastante rudimentar, percebe-se, ouvindo seus discos, o uso de um belo "vibrato", técnica
expressiva que, na época, ainda não era dominada por todos os flautistas, mesmo na Europa
(...)”(CARRASQUEIRA, 2008).
183
citados no Capítulo 2, nos quais sua sonoridade foi constantemente mencionada, e
qualificada de “incisiva”, “potente” e “bem equilibrada entre os diferentes registros”. A
audição das gravações nos leva a afirmar que Dante Santoro tinha um som de timbre
escuro85 e apreciava a potência sonora. Sabe-se que Dante usava uma flauta alemã da
marca Hammig, um instrumento muito raro no Brasil e de fabricação limitada. Acreditase que o uso dessa flauta potencializava suas qualidades sonoras. Mais adiante, as
características desse instrumento serão abordadas de forma mais detalhada em um
tópico específico deste capítulo.
Para fazer um paralelo com as escolas de flauta internacionais, talvez se possa
afirmar que a sonoridade de Dante seja mais parecida com a da escola alemã. De acordo
com Toff (1996, p. 103-104), trata-se de uma maneira de tocar parecida com a da escola
inglesa: o som requer bastante pressão de ar e um ataque mais duro; a embocadura
costuma ser mais apertada e a flauta é mantida bem pressionada contra o lábio. A
sonoridade costuma ser “rica”, “gorda” e “escura” (semelhante à dos instrumentos de
madeira, especialmente no registro grave), além de utilizar pouco vibrato.86 Nesse
aspecto específico, entretanto, pelo uso do vibrato, há uma aproximação também com a
escola francesa, já que Dante utilizava esse recurso expressivo, possivelmente inspirado
em Pattápio.
Retomando a análise, a versão de 1955, Murmúrios, é um choro movido, com a
semínima em cerca de 112. Possivelmente se trata de um choro sambado, ou seja, uma
vertente do gênero que agrega elementos do samba nas células rítmicas do
acompanhamento. É interessante como essa nova versão da música tem uma concepção
totalmente diferente da primeira. O clima nostálgico da valsa dá lugar à vivacidade do
choro e a transformação métrica, de ternário para binário, soa tão natural que parece
nunca ter existido.
85
Os timbres sonoros na flauta constituem um tema controverso na literatura especializada. Uma das
abordagens define o som de timbre escuro como aquele que se assemelha ao do oboé, produzido a partir
de uma técnica baseada no enrijecimento do lábio superior, aliado a uma coluna de ar rápida e de alta
pressão (W. N. James apud Toff, 1996, p. 96). Acusticamente, esse som é caracterizado pelo
fortalecimento dos harmônicos de oitava e quinta composta, em relação à fundamental do som (Silva,
2008, p. 50).
86
“The English flute sound requires more air pressure in blowing and a harder attack, a tighter
embouchure, often with the flute pressed rather hard against the lips. The result, typically, is a very, very
rich sound, reedy, like Nicholson´s (1795-1837) in the lowest register”. (TOFF, 1996, P. 103) “German,
Russian and eastern European traditions are much the same as the English, though the typical sound tends
to be duller and thicker. It is almost entirely senza vibrato”. (TOFF, 1996, p. 104).
184
Dante aproveita a simplicidade da melodia de poucos movimentos para tomar
liberdades de fraseado, antecipando e dilatando o tempo. Também explora os contrastes
de registro e destaca, como de costume, o registro grave. Formalmente, a obra
permanece semelhante, porém a introdução desaparece e acrescenta-se uma pequena
coda ,conforme exemplo musical 40.
Exemplo musical 40. Murmúrios, choro. Melodia da flauta como choro e valsa.
4.2.2 Gravações de programas da Rádio Nacional
Nesta seção serão comentadas gravações inéditas (não lançadas comercialmente)
de programas da Rádio Nacional, encontradas no acervo do Museu da Imagem e do
Som do Rio de Janeiro (anexadas ao trabalho), contendo o seguinte repertório
interpretado pelo Regional de Dante Santoro e solistas: A Dança da Moda (baião), com
Luiz Gonzaga; Abana Baiana (samba), com Linda Baptista; Não tenho queixa (sambacanção), com Nuno Roland e Desafio para flauta e pandeiro, com Dante Santoro e Joca
do Pandeiro.
Os comentários acerca dessas gravações não chegam a constituir análises das
obras, pois o objetivo é considerá-las somente do ponto de vista da atuação do flautista.
Além de sua importância como registro histórico, essas gravações permitem conhecer
de que maneira Dante Santoro improvisava, ou seja, que elementos utilizava para criar
suas introduções e contracantos. Esse é o tópico de interesse desta seção.
185
A dança da moda (Acervo MIS, c. 1950)
A Dança da Moda (baião), de autoria de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, foi gravada
em 1950 no selo RCA Victor, por Luiz Gonzaga. A gravação analisada neste trabalho é
do Programa César Alencar - na década de 1950, foi um grande sucesso de público,
tornando-se um dos principais programas de auditório da emissora, ao lado do Programa
Paulo Gracindo. Trata-se de uma transmissão ao vivo, na qual canta Luiz Gonzaga,
acompanhado do Regional de Dante Santoro. Essa versão ganha interesse com os
contracantos da flauta, se comparada à gravação original, disponível na página
eletrônica do Instituto Moreira Salles.
Nos improvisos de Dante nesta transmissão observa-se, primeiramente, a
intenção de preencher os instantes entre uma e outra frase do cantor, elaborando, para
tanto, uma melodia paralela, baseada em acordes arpejados (exemplo musical 41).
Exemplo musical 41. Dança da moda. Parte A. Contracantos da flauta, preenchendo os espaços entre as
frases do cantor. Melodia baseada em arpejos.
No refrão, Dante trabalha com imitações da melodia principal, agregando ainda
ornamentos constituídos de apogiaturas com saltos de oitava e trinados sobre a
dominante (exemplo musical 42). O recurso imitativo é bastante utilizado por Dante
Santoro, não apenas em citações literais (como neste caso), mas também como elemento
condutor para a construção das linhas melódicas da flauta ( uso de membros de frase
similares e complementares).
Exemplo musical 42. Dança da moda. Refrão. Contracantos da flauta exploram imitação da melodia
principal e ornamentos: apogiaturas com saltos de oitava e trilos.
186
Abana baiana (Acervo MIS, c. 1941)
O samba Abana baiana, da autoria de C. Brasil, Jorge Faraj e Roberto Roberti,
foi gravado pela cantora Rosina Pagã, acompanhada por regional desconhecido, no selo
Victor, nº de série 34728, em 1941. Essa gravação, disponível na página eletrônica do
Instituto Moreira Salles, apresenta contracantos de clarineta, flautim e trombone. As
linhas melódicas do flautim impressionam pela movimentação e criatividade: mesclamse constantemente escalas e arpejos e a ornamentação muitas vezes tem um efeito
percussivo.
A gravação de que participa o Regional de Dante Santoro, acompanhando a
cantora Linda Batista, deve ser parte de um programa de estúdio da Rádio Nacional de
1941 - segundo anúncio publicado no jornal A Noite, edição 10407 de 31/01/1941.
Trata-se de um samba rápido, no qual os contracantos são contínuos e igualmente
movidos.
Como era costume na interpretação de sambas, a parte cantada era precedida e
finalizada por introduções instrumentais, elaboradas pelo solista do regional
acompanhador. O exemplo musical 43 mostra a melodia elaborada por Dante Santoro
(pauta inferior) e sua variação, que é tocada no final da música (pauta superior). Como
se depreende da transcrição, a segunda versão indica uma significativa mudança
melódica.
Observa-se que a melodia da introdução é bastante simétrica: baseia-se num
motivo rítmico principal, indicado logo no primeiro compasso, que é reproduzido nos
membros de frase subsequentes. A articulação empregada (cuja transcrição buscou ser
fiel à original) atende a essa coerência do fraseado e a reforça. O resultado sonoro é um
fraseado claro e conduzido - traço interpretativo recorrente na obra de Dante Santoro. Já
a melodia final, sendo uma variação, mostra-se mais livre em termos formais: a simetria
rítmica é menos evidente e a ênfase maior está na variação das articulações e na
inserção de ornamentos.
187
Exemplo musical 43. Abana baiana, Introdução (linha inferior) e variação final (linha superior) na versão
de Dante Santoro.
De um modo geral, o material utilizado nos contracantos de Dante Santoro é
bastante simples: acordes arpejados, fragmentos de escalas e ornamentos (mordentes e
trilos). Neste samba, encontra-se uma amostra que combina acordes arpejados e
pequenas escalas, além de consecutivos saltos de terça, de caráter ornamental (exemplo
musical 44). Ao longo da gravação, esse contracanto básico é repetido várias vezes, com
algumas variações na melodia. Dante utiliza o trecho correspondente à ponte de
retomada do tema inicial (último compasso do exemplo musical 44) para investir em
efeitos sonoros de caráter “brincalhão”: trilos de efeito sobre a nota sib3 e notas agudas
em ritmos sincopados, alcançando o agudo dó3.
Exemplo musical 44. Abana baiana, Parte A. Contracantos da flauta na gravação de estúdio de 1941.
Melodia baseada em arpejos e pequenas escalas.
Nessa gravação, Dante Santoro segue um estilo de contracanto contínuo e
virtuoso. Segundo o flautista Leonardo Miranda (depoimento oral concedido a esta
188
autora em 13/10/2012), o estilo de contracanto contínuo foi iniciado na flauta por
Pixinguinha e, posteriormente, incorporado por Benedito Lacerda. A confecção de
linhas contínuas, que soam como camadas de sons, tornou-se a marca registrada da
dupla na década de 1940. Antes disso, porém, na década de 1930, Benedito Lacerda já
registrava seus contracantos e introduções nas gravações com a cantora Carmen
Miranda.
O exemplo musical 45 traz a transcrição parcial do samba Isso não se atura, de
Assis Valente, gravado por Carmen Miranda, Benedito Lacerda e Regional em 1935. A
linha melódica da flauta é tocada uma oitava acima na gravação, que se encontra
disponível no site do Instituto Moreira Salles (e no anexo do trabalho). Essa gravação é
especialmente interessante porque traz uma introdução vocal, o que não era usual na
época. Com relação ao contracanto, observa-se que a flauta atua ao mesmo tempo como
um segundo solista e como condutora da harmonia.
Na introdução, por exemplo, a linha melódica da flauta atua como segundo
solista nos contracantos com a voz, assumindo a liderança em passagens ornamentais,
como a dos compassos 7 e 8. Já na ponte entre a introdução e a parte A (compassos 15 e
16), a flauta toca um bordão de condução harmônica. A intenção desses contracantos
parece ser mais o preenchimento do tecido sonoro (como mencionado pelo flautista
Leonardo Miranda), do que a construção formal de melodias (com frases claras e
articuladas).
A transcrição dos contracantos revela, surpreendentemente, que a criação dessas
linhas melódicas contínuas baseia-se em elementos bastante simples e repetitivos. Nesse
contracanto, por exemplo, Benedito Lacerda utiliza uma figura melódica de efeito,
relembrada constantemente: trata-se da sétima da dominante (a nota sib3) tocada em
ritmo sincopado acéfalo, seguida da resolução à tônica (por meio de escala descente).
Essa célula, que aparece pela primeira vez nos compassos 6-7, também está presente
nos compassos 17-18 e 24-25. É sugerida, ainda, sempre que se repete esse movimento
melódico ao longo do trecho (sib3 acéfalo seguido de escala descendente).
Como assinalado, nota-se que o material utilizado nos contracantos de Benedito
Lacerda e Dante Santoro não difere essencialmente – é composto basicamente de
arpejos, escalas, ornamentos e saltos intervalares. A principal diferença parece estar na
abordagem que se dá às melodias: Santoro busca construir linhas melódicas de
contornos formais precisos, com frases mais definidas e bem articuladas, enquanto
189
Lacerda ocupa-se de linhas melódicas contínuas (ora solistas, ora acompanhantes),
formalmente menos elaboradas, porém adaptadas ao contexto musical.
O trabalho com a articulação nos contracantos é outro indício das diferentes
abordagens de Dante e Benedito quanto à improvisação: enquanto Santoro tem um
cuidado especial com a articulação, de modo a valorizar o fraseado e variar a melodia
(conforme demonstrado no exemplo musical 43), Lacerda passa ao largo dessa questão,
utilizando uma articulação fluida e pouco exata. No trecho abaixo transcrito pôde-se
detectar somente uma ligadura no compasso 16, anotada no exemplo musical 45. Parece
que Lacerda buscava criar melodias variadas, enquanto Santoro buscava variar a mesma
melodia.
Exemplo musical 45. Isso não se atura, samba. Introdução e Parte A. Contracanto contínuo elaborado por
Benedito Lacerda. Gravação de 1935.
190
É interessante estudar a questão da articulação, para tentar definir a mecânica
envolvida nesse aspecto da execução e comparar a maneira como diferentes flautistas a
utilizam. Ao falar sobre a maneira de separar as notas na flauta, Nancy Toff (1996, p.
117-118) menciona, dentre outras, três variantes: o staccato, o golpe simples regular e o
meio-staccato. O staccato seria a versão mais curta e incisiva do golpe simples: uma
articulação cuidadosamente preparada, na qual a língua atua como uma válvula, que
libera a entrada da corrente de ar no instrumento com movimentos muito econômicos,
executados com a ponta da língua. Nos instrumentos de arco, essa técnica seria
equivalente ao sautillé ou spiccato87.
O golpe simples regular seria parecido ao staccato, porém não haveria essa ação
de válvula por parte da língua, o que equivaleria ao détaché das cordas (um movimento
de arco por nota). O meio-staccato seria um parente próximo do golpe simples, porém
articulado com a língua de forma mais suave e em posição mais arredondada, por meio
das sílabas “du”, “da”, “de” ou “di”. Seria o equivalente ao louré das cordas88.
Para RÓNAI, (2008, p. 191), o détaché e o louré são praticamente
equivalentes, e a mecânica envolvida na articulação depende, sobretudo, da escola de
flauta que se segue. Há polêmica, por exemplo, em relação à posição da língua na
produção do staccato:
A maior parte dos autores franceses do século XIX, seguindo Devienne, recomenda
que a ponta da língua bata nos dentes da frente do flautista quando o flautista
pronunciar o “TU”. Já o “DU”, de articulação mais macia, seria produzido pela
língua encostando levemente na interseção entre palato e dentes, e se retraindo
rapidamente para emitir o som. O hábito de “bater com a língua nos dentes”,
literalmente, era rechaçado pelos ingleses, e durante o século XIX acabou sendo
rejeitado também pelos franceses (...) ao invés de tocar nos dentes, sugeriam que a
87
“The shortest and most pointed version of single-tonguing is staccato. It is a carefully prepared
articulation: the actual attack is preceded by the valve-like action of the tongue, which prevents the air
stream from entering the instrument. At the beginning of the staccato passage, the air is then released by
an equally sharp withdrawal of the tongue from the rear portion (the palatal side) of the teeth. Staccato
tonguing is done with the farthest tip of the tongue; in a very rapid passage, using just the tip permits the
withdrawal of the tip to be minimal, so that it has to move the shortest possible distance. The violin
equivalents include sautillé or spiccato (a rapid, detached stroke, in which the bow bounces off the string)
or the regular staccato. All are notated with a dot above or below the notehead. Normal, everyday singletonguing, as described above, is identical to staccato except for the omission of the initial valve action. It
is analogous to the violin détaché, which allots one note per bow stroke and has no special notation”.
(TOFF, 1996, p. 117).
88
“A close relative of normal single-tonguing is mezzo-staccato single-tonguing or the “legato slur”,
articulated with the syllable DU, DA, DE or DI. Analogous to the violin louré, it is notated by a
combination of dot and slur. The tip of the tongue is softer and more rounded, and strikes farther back in
the mouth. For this reason, it is sometimes known as dorsal or top tonguing”. (TOFF, 1996, p. 118).
191
língua encostasse diretamente nos lábios, tomando cuidado para não os ultrapassar.
(RÓNAI, 2008, p. 180)
Observa-se, em várias gravações de Dante Santoro, o uso de um staccato curto
e preciso, incisivo, que salta ao ataque, ao modo descrito por TOFF (1997). Esse tipo de
articulação foi muito utilizada, no contexto do choro, por Pixinguinha, em suas
gravações como flautista. Como mencionado no Capítulo 1, a articulação de
Pixinguinha é tão precisa porque se pauta em dois aspectos: precisão rítmica e qualidade
da emissão. Acredita-se que os flautistas que o sucederam, como Benedito Lacerda e
Dante Santoro, basearam-se nessa qualidade de articulação e tentaram reproduzi-la.
Um bom exercício de análise sobre a articulação é a audição comparada de três
versões do Urubu Malandro – dança característica baseada em motivos populares, de
Lourival de Carvalho, o Louro (1894-1956) - disponíveis na página eletrônica do
Instituto Moreira Salles e anexadas a este trabalho: O urubu e o gavião (Victor, 1930)
por Pixinguinha (flauta); Variações sobre o urubu e o gavião (RCA Victor, 1944) por
Benedito Lacerda (flauta) e Pixinguinha (sax tenor) e Urubu malandro (Odeon, 1950),
por Dante Santoro, com participação do clarinetista Vivi e regional.
A versão de Pixinguinha, de 1930, é a segunda gravada por ele na flauta. Há
uma gravação anterior, com Os Oito Batutas, de 1923, em que se observa a mesma
habilidade técnica e originalidade. A gravação de 1930 será considerada devido à
melhor qualidade de áudio. Aqui a flauta atua como única solista, dialogando com o
regional (a dupla de violões, em especial). Observa-se a mencionada qualidade da
articulação: precisão rítmica e clareza na emissão; variedade (combinações de notas
ligadas e separadas, com inflexões diversas), conforme o exemplo musical 46.
Utilizaram-se como notação os sinais de staccato e tenuto para diferenciar as notas mais
curtas das menos curtas, porém se recomenda a audição da gravação para que as
características aqui descritas sejam apreciadas.
A utilização do golpe duplo em grandes saltos intervalares e em notas repetidas,
nesse último caso criando um efeito de trêmulo89, causou muita impressão, sendo
reutilizado, nas duas décadas seguintes, por Benedito e Dante. A ornamentação tem
muito destaque nessa obra, pois serve como base a partir da qual o intérprete improvisa.
Pixinguinha utiliza, basicamente, mordentes, trilos e glissandos, mas explora esses
89
Conferir o exemplo musical 51, p. 196, para a descrição desse recurso, utilizado também no Desafio
para flauta e pandeiro de Dante Santoro.
192
recursos de modo muito criativo, criando efeitos que lembram apitos, assovios e sons de
pássaros.
Exemplo musical 46. O Urubu e o gavião, início. Versão de Pixinguinha (Victor, 1930). A articulação do
flautista chama a atenção pela precisão rítmica, clareza de emissão e variedade.
Na versão de Benedito Lacerda (1944), o que chama a atenção é o padrão
rítmico do acompanhamento de samba (ou a levada de samba na terminologia dos
músicos de choro). Esse acompanhamento em ritmo contramétrico valoriza o aspecto
rítmico (possivelmente, para os chorões, ganha mais bossa). É notória a diferença de
abordagem entre a versão de Pixinguinha (1930), que remete à polca, e a de Benedito
Lacerda (1944), que já remete ao novo estilo do samba de Estácio. O andamento dessa
versão é um pouco mais lento do que a anterior, de forma a permitir que as linhas do
baixo (sax tenor) e da percussão sobressaiam-se, e que saxofone e flauta dialoguem à
vontade. O caráter improvisatório, característico das gravações da dupla PixinguinhaBenedito Lacerda, ganha um aspecto cômico nessa versão, gravada ao vivo no programa
O Pessoal da Velha Guarda, de Almirante.
Exemplo musical 47. Variações sobre o urubu e o gavião, início. Versão de Benedito Lacerda, com
Pixinguinha ao sax tenor (RCA Victor, 1944). Ênfase no aspecto rítmico, com “levada” de samba. A
articulação reflete as acentuações rítmicas, com inflexões variadas.
Observa-se, mais uma vez, como a interpretação de Benedito Lacerda enfoca o
contexto musical: a articulação, por exemplo, ganha acentos diferentes, inflexões que
193
Lacerda realiza segundo a demanda rítmica do trecho musical. O resultado é uma
articulação percussiva, cuja variação está pautada mais na acentuação do que na
combinação de notas ligadas e separadas. No exemplo musical 47, por exemplo, a
audição revela que o motivo executado nos compassos 10-11 (e repetido nos dois
compassos seguintes) é tocado separado, porém a inflexão dada por Lacerda leva-nos a
notá-lo com uma ligadura, dada a ênfase na primeira nota da ligadura, com um ligeiro
diminuendo subsequente.
O frulato é o recurso escolhido como acentuação para a nota fá 3, no compasso
6, e novamente nos compassos 14 e 16. Trata-se, mais uma vez, de uma figura melódica
de efeito, que se repete ao longo da improvisação, como mencionado na p. 190. Esse
recurso criativo agrada o ouvinte, que identifica o efeito sonoro recorrente.
No calor do improviso, ao buscar efeitos de distorção sonora nos diálogos com o
saxofone, Benedito Lacerda chega a tocar alguns multifônicos (efeito certamente inédito
no repertório de choros). Acredita-se que, para Lacerda, as questões técnicas referentes
à precisão do ataque e qualidade da emissão sonora ficavam em segundo plano frente a
sua concepção musical, marcada pela liberdade e espontaneidade da execução, o que
nos parece muito positivo.
A versão de Dante Santoro (1950) é a mais trabalhada do ponto de vista formal.
Pode-se dizer que há um arranjo prescrito para a obra: introdução e coda; uma parte A,
com o tema, e uma parte B, com improvisos. O tema é divido entre flauta e clarineta,
que às vezes tocam linhas simultâneas, em intervalos de terças, e outras vezes dialogam,
conforme exemplo musical 48. Como os contracantos se repetem, fica claro que foram
escritos, havendo, portanto, um arranjo pré-concebido. Essa versão remete a um
ambiente de música de câmara, no qual chama mais a atenção a boa execução do que o
improviso.
No que se refere à articulação, percebe-se, na introdução, que o golpe de língua
parece vir acompanhado de uma base de ar, que faz com que a nota salte e reverbere.
Esse efeito pode ser conseguido por meio da ação simultânea da língua e dos músculos
abdominais, em pequenas contrações. Essa articulação não é tão curta e incisiva, como o
staccato utilizado em outras obras. Acredita-se que há uma adaptação à articulação da
clarineta, que é naturalmente menos incisiva, o que reforça a concepção camerística
dessa versão.
194
Exemplo musical 48. Urubu malandro, tema. Versão de Dante Santoro, com Vivi na clarineta (Odeon,
1950). Melodia dividida entre a flauta e a clarineta (notação em dó).
Não tenho queixa (Acervo MIS, c. 1939)
Não tenho queixa, samba de David Raw e Ismael Silva - gravado em 1942 por
Nelson Gonçalves, acompanhado de orquestra, no selo RCA Victor (nº de série 800050)
- é interpretado, nesta gravação, por Nuno Roland e o Regional de Dante Santoro. É
possível que essa gravação seja do Programa Lopes S.A., de 28/12/1939, anunciado na
edição 9986 do jornal A Noite, portanto anterior ao lançamento comercial da música.
Essa versão é um samba lento, estilo samba-canção.
Observa-se no exemplo musical 49 que o contracanto da flauta, neste samba,
explora sobretudo a virtuosidade do flautista em passagens rápidas, com uso de golpe
duplo nas fusas sucessivas. A construção melódica utiliza o material habitual: acordes
arpejados e trilos. As variações do contracanto confirmam a ênfase na virtuosidade, ao
primar por figuras de acordes arpejados em fusas.
A introdução (exemplo musical 50) traz elementos que se tornariam frequentes
na interpretação de flautistas como Altamiro Carrilho: a ornamentação em saltos de
oitava e o uso do frulato. Esses efeitos sonoros, embora não muito utilizados nas
composições de Dante Santoro, eram adotados em suas improvisações.
195
Exemplo musical 49. Não tenho queixa. Parte A. Contracanto da flauta tem melodia simples e ênfase na
virtuosidade.
Exemplo musical 50. Não tenho queixa. Introdução. O uso dos saltos em oitava e do frulato, embora
pouco usados nas composições de Dante Santoro, eram adotados em seus improvisos.
Desafio para flauta e pandeiro (Acervo MIS, 1939)
O Desafio para flauta e pandeiro foi apresentado por Dante Santoro e Joca do
Pandeiro em 14/11/1939 no Programa Lopes S.A. (conforme anúncio publicado no
jornal A Noite, edição 9972, p. 5). A obra é uma demonstração de virtuosidade,
especialmente da parte do flautista. Entre os recursos técnicos explorados de forma
muito habilidosa estão: a execução de golpes duplos e triplos; saltos de oitava em
andamento veloz; escalas muito rápidas em stacatto, entre outros.
196
Supõe-se que o Desafio foi uma improvisação gravada em estúdio, tendo por
base um tema criado pela dupla. Elementos formais, como os breques e as mudanças de
andamento, devem ter sido previamente definidos. O solo em improviso é construído
sobre a tônica e a dominante da tonalidade (I-V7) - tipo de sequência harmônica
simples, comum nos estilos improvisatórios da música popular brasileira, recorrente no
repertório de choros, de acordo com Côrtes (2012).
Parte dos recursos técnicos demonstrados pelo flautista parece inspirada na
gravação de Pixinguinha, lançada pelo selo Victor, em 1930, da obra O urubu e o
gavião, comentada anteriormente. É o caso da nota pedal rapidamente articulada,
intercalada por notas agudas cromáticas (exemplo musical 51), cujo efeito virtuoso foi
aproveitado também em gravações posteriores de Benedito Lacerda na década de 1940.
Essa figura também é executada de forma invertida, ou seja, as notas agudas são
sustentadas com articulações rápidas, enquanto a nota dó2 pontua de forma anacrústica.
Exemplo musical 51. Desafio para flauta e pandeiro. Demonstração de virtuosidade utiliza recursos
inspirados na obra O Urubu e o Gavião, gravada por Pixinguinha em 1930.
Essa construção melódica assemelha-se a outras encontradas no repertório de
concerto em estilo romântico para flauta, como na 8ª Variação do Carnaval de Veneza
op. 14, de P.A. Génin (exemplo musical 52). Neste caso, o efeito da nota pedal
articulada também funciona como acompanhamento da melodia principal, expressa nas
notas superiores.
Exemplo musical 52. Fantaisie Variée Carnaval de Venise op. 14, de Paul-Agricole Génin (1832-1903).
(Paris: Gérard Billaudot, s.d. [c. 1950]). Fonte: acervo do IMSLP. Efeito de nota pedal articulada,
semelhante ao utilizado nas improvisações de choro desde Pixinguinha (O urubu e o gavião, 1930).
197
Uma demonstração técnica que parece inédita, no repertório de choros, é a
sustentação da nota dó4, na parte da flauta, por 25 compassos consecutivos (cerca de 23
segundos). Esse feito demonstra domínio da embocadura, do fluxo de ar e dos recursos
técnicos necessários para tocar notas agudas em dinâmica piano/pianíssimo habilidades que exigem um nível técnico avançado no instrumento. A audição atenta da
gravação permite afirmar que Dante Santoro utiliza a técnica da respiração contínua,
possivelmente o primeiro registro gravado dessa técnica no Brasil.
Benedito Lacerda também tem um choro, chamado Flauta e pandeiro, gravado
em 1944 na RCA Victor, com características semelhantes ao Desafio (também é uma
obra destinada a demonstrar a virtuosidade dos participantes). Segundo informação
contida no acervo digital do Instituto Moreira Salles, essa obra foi composta para a
trilha sonora de um filme intitulado Você já foi à Bahia? Um destaque da interpretação
de Lacerda é a utilização da nota superaguda ré 4 em algumas passagens.
O Desafio de Dante Santoro, gravado em 1939, época em que Dante Santoro
acabava de assumir a liderança do Regional da Rádio Nacional, deve ter sido o seu
cartão de visitas a todos os músicos, maestros e ouvintes que ainda não conheciam seu
trabalho. Sua habilidade com a flauta, seu domínio técnico e seu “conhecimento de
causa” nunca foram postos em dúvida por seus contemporâneos.
4.3 A flauta de Dante Santoro
Como mencionado no Capítulo 2, Dante Santoro teve pelo menos duas flautas
ao longo de sua vida. A primeira delas era uma flauta com pé em si, de marca
desconhecida, com a qual o flautista foi fotografado ainda em Porto Alegre (figura 6).
Essa teria sido a flauta perdida no desastre de Cruzeiro, quando o carro em que Dante
Santoro viajava caiu em um precipício. Meses mais tarde, publicação do Jornal A Noite
(figura 12) noticiava que o flautista procurava por seu instrumento e retribuía a
gentileza de quem o encontrasse. Não se sabe se essa flauta foi, algum dia, localizada.
A segunda flauta de Dante Santoro é a que se encontra atualmente de posse da
flautista Laura Rónai, professora da UNIRIO, que gentilmente nos permitiu acesso ao
instrumento. Dante aparece com essa flauta em fotos tomadas durante os anos da Rádio
Nacional do Rio de Janeiro. É o caso da foto ofertada ao flautista Milton D´Avila em
seu encontro com Dante Santoro (figura 30).
198
Trata-se de uma flauta de prata da marca Hammig, fabricada em um dos ateliês
mais tradicionais da Alemanha, em atividade há mais de 250 anos. O fundador, August
Richard Hammig (1883-1979), tem sua biografia descrita por Laura Rónai (2008):
August Richard Hammig (1883-1979). Membro de uma família que fabrica flautas
há mais de 250 anos, sendo uma das mais antigas dinastias de fabricantes em
atividade contínua desde 1750. Baseado em Markneukirchen, durante os séculos
XVIII e XIX o ateliê Hammig fabricava todos os tipos de instrumento de sopro,
sendo suas flautas baseadas nos sistemas Quantz e Meyer-Schwedler. A partir de
1908, os irmãos Philipp e August Richard Hammig passaram a fabricar apenas
flautas. Na Alemanha dividida do pós-guerra, a fábrica foi estatizada. Devolvida à
família Hammig apenas em 1901, hoje emprega 24 operários. (RÓNAI, 2008, p. 4849)
Desde a década de 1990, existem duas fábricas em funcionamento: uma
dedicada à confecção de piccolos da marca Philipp Hammig, e outra dedicada à
fabricação de flautas, da marca Bernhard Hammig. Os instrumentos Hammig são
fabricadas sob encomenda, portanto são realmente exclusivos e raros. Segundo RÓNAI
(2008), pelo menos dois exemplares de flautas Hammig chegaram ao Brasil: uma é esta,
a flauta de Dante Santoro; a outra, de Hans Joachim Koellreuter (1915-2005), trazida
quando ele emigrou da Alemanha em 193790. Há, ainda, um exemplar mais recente, da
década de 1960, que foi encomendado pelo flautista Hans Hess, músico alemão
radicado em Porto Alegre, ex-professor da UFRGS. Essa flauta pertence, atualmente, ao
flautista Leonardo Winter, professor dessa mesma Universidade.
Consultou-se a fábrica Hammig, por correio eletrônico, a respeito do
instrumento de Dante Santoro. De acordo com Bernhard Hammig, pela numeração, n.
2386, é possível saber que a flauta foi fabricada entre 1930 e 1935, por seu bisavô,
August Richard Hammig, porém não há documentos referentes a sua fabricação. Laura
Rónai explica que esse modelo de flauta contém importantes inovações do ponto de
vista ergonômico, como a chave elevada para o dó natural (figura 40) e dois “rolotês”
90
A flauta de Koellreuter, que foi construída com material similar ao perspex (resina acrílica transparente,
utilizada pelo fabricante Selmer nos anos 1940 e 1950), se encontra, atualmente, em exibição no Centro
Cultural da Universidade Federal de São João Del Rei. Uma foto do instrumento, cujas chaves e
mecanismos são similares à flauta de Dante Santoro, pode ser encontrada no seguinte link:
http://www.flickr.com/photos/81124164@N00/2127873614/lightbox/.
199
para as chaves de dó-dó#-ré, semelhante àquele usado no saxofone (figura 41).
(RÓNAI, 2008, p. 56).
Figura 40. Chave elevada para o dó natural. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante Santoro.
Figura 41. Rolotês para as chaves de dó-dó#-ré. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante Santoro
Há, ainda, uma chave especial nessa flauta, assinalada na figura 42. Bernhard
Hammig afirma que não sabe para que serve e que nunca tinha visto chave semelhante.
Essa chave é muito interessante, porque veda um pequeno orifício extra e é revestida
com uma sapatilha de cortiça. Ela funciona junto com a chave de dó natural elevada, ou
seja, sempre que a chave de dó natural elevada fecha-se, a chavinha também se fecha.
Quando não ativadas, ambas permanecem abertas, mas, na maior parte das posições da
flauta, ficam fechadas. Talvez essa chave seja necessária como um complemento para a
chave elevada de dó natural, mas nem o próprio descendente do fabricante pôde
determinar sua função.
200
Figura 42. Chave especial da flauta de Dante Santoro. Sua função pode estar relacionada à afinação de
determinadas notas.
Ao tocar a flauta, foi possível observar o funcionamento dessa chave e traçar
algumas possibilidades no que se refere à afinação. É possível que a chavinha promova
um ajuste de afinação nas notas ré2, ré#2, ré3, lá3, sib3 e dó4, notas em cujas posições
ela permanece aberta. Esse ajuste faz com que a afinação suba, o que se justifica nos
casos das notas ré#2, ré 3 e sib3, cuja afinação tende a ser baixa. Também é possível
que a ventilação extra que a chavinha promove no tubo auxilie a emissão de
determinadas notas, como o lá3.
Essa chavinha foi encontrada em outros modelos fabricados por August
Richard Hammig. É o caso da flauta de madeira n. 1909 (figura 43), pertencente ao
flautista italiano Lucas Lorenzi91. Segundo ele, ao permitir a ventilação extra, a
chavinha facilita a emissão e corrige a afinação do dó# na primeira e na segunda
oitavas.
91
Nascido em Freiburg, na Alemanha, e vindo de uma família de músicos, Lucas Lorenzi trabalhou como
flautista em diversas escolas públicas na Europa. Formou-se como Professor de Técnica de Alexander em
Basel, Suíça, em 1985, tendo atuado desde então como professor dessa matéria na Europa e no Japão. É
um aficionado por flautas Hammig. Toca instrumentos de madeira e de prata fabricados por August
Richard Hammig, Johannes Hammig, Helmuth Hammig e Bernhard Hammig. Lucas Lorenzi foi
consultado pelo Prof. Sérgio Barrenechea, por mensagem eletrônica, entre 04/01 e 06/01/2014.
201
Figura 43. Flauta de Madeira n° 1909, fabricada por August Richard Hammig. Presença da mesma chave
de ventilação encontrada na flauta de Dante Santoro. Fonte: arquivo pessoal do flautista Lucas Lorenzi.
Além das chaves de ventilação, foram encontradas outras variantes em flautas
fabricadas por August Richard Hammig. Na flauta de prata n° 2740 (figura 44),
pertencente ao mesmo flautista, encontra-se a chave de dó natural elevada, igual à da
flauta de Dante Santoro (n. 1). Há, ainda, uma chave extra para o dó# grave (n. 2) e duas
alavancas extras na proximidade da alavanca de sol# (n. 3). Estima-se que essas chaves
tenham função ergonômica ou que constituam aperfeiçoamentos de mecanismo.
2
1
3
Figura 44. Flauta de prata n° 2740, fabricada por August Richard Hammig. Presença da mesma chave de
dó natural elevada, encontrada na flauta de Dante Santoro (n.1), além de uma chave especial para o dó#
grave (n.2) e alavancas anexas ao mecanismo, pouco comuns às flautas em Sistema Boehm (n.3). Fonte:
arquivo pessoal do flautista Lucas Lorenzi.
202
Interessante notar, ainda, que o bocal dessa flauta (n° 2740) tem um porta-lábio
feito de ebonite (figura 45), que recorda as flautas alemãs estilo Reform, idealizadas por
Schwedler-Kruspe entre 1895 e 191292. Os rolotês duplos utilizados por August Richard
Hammig nas chaves de dó-dó#-ré (mostrados, anteriormente, na figura 41) também são
encontrados em flautas estilo Reform, o que indica o reaproveitamento, por August
Richard Hammig, de dispositivos adotados por construtores de flauta alemães que o
antecederam, porém adaptados ao sistema Boehm.
Figura 45. Bocal da flauta n° 2740, fabricada por August Richard Hammig. O porta-lábio de ebonite
lembra o das flautas alemãs modelo Reform.
Observa-se, portanto, que as características presentes na flauta de Dante
Santoro são comuns a outros modelos fabricados por August Richard Hammig. Com
relação à sonoridade, nota-se que a flauta de Dante Santoro responde bem às mudanças
de dinâmica e sutilezas expressivas. Se comparada a flautas de fabricação mais recente,
não é um instrumento de grande potência sonora e apresenta um som menos aberto nos
agudos. Entretanto, no que se refere aos sons médios e graves, é um instrumento que
facilita sua emissão e que os torna especialmente atrativos. Essas características
peculiares relacionam-se à espessura da parede do instrumento93 e à liga de metal
utilizada em sua confecção.
92
As flautas Reform foram um dos modelos alternativos ao sistema Boehm (1832), correspondente à
moderna flauta transversal, surgidos, em fins do século XIX, na Europa. Baseava-se na antiga flauta de
seis chaves de madeira, com vários aperfeiçoamentos do mecanismo. O modelo Reform foi bastante
popular na Alemanha até a década de 1920, quando passou a ser gradualmente substituído pela flauta
Boehm. Informações ilustradas sobre as flautas Reform podem ser obtidas na página eletrônica
<http://www.oldflutes.com/articles/reform.htm> Acesso em 07/01/2014.
93
Segundo o luthier Luiz Carlos Tudrey, em entrevista concedida ao flautista André Luiz Medeiros, a
espessura do tubo da flauta (parede do instrumento), no caso dos bocais, pode ter 0,36mm, 0,38mm,
203
Segundo informações constantes da página eletrônica do ateliê Bernhard
Hammig nos Estados Unidos94, as flautas atualmente fabricadas têm liga composta de
94,5% de prata, portanto um material de alta qualidade95. As flautas fabricadas por
August Richard Hammig provavelmente eram de prata total, como o modelo n° 3237,
feito em 1950, atualmente utilizado pelo flautista japonês Yoshihiro Kano96. Embora
não haja informação técnica sobre a espessura do tubo, ele parece ser mais espesso do
que o das flautas comuns.
Outra característica que chama a atenção é que essa flauta tem uma resposta
rápida à articulação, o que parece facilitar a articulação de notas em staccato,
especialmente de passagens em golpe duplo. Dante Santoro tem um choro chamado Só
na minha flauta (que talvez faça referência a sua flauta Hammig), cuja terceira parte é
toda composta de notas arpejadas em staccato duplo (exemplo musical 53). A execução
dessa passagem, que demanda agilidade e resistência por parte do intérprete, pareceunos muito mais fácil na flauta de Dante do que em outros instrumentos.
Exemplo musical 53. Terceira parte do choro Só na minha flauta, de Dante Santoro. Todo o trecho, em
staccato duplo, é tocado uma oitava acima nas gravações do autor. (In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro.
São Paulo: E.S. Mangione Editor, s/d.).
É possível que a facilidade na articulação deva-se a alguma particularidade na
confecção do porta- lábio do bocal da flauta (figura 46), especialmente a altura de sua
parede interna, que pode produzir maior resistência ao ar soprado, resultando em uma
certa “firmeza” na articulação. Outra facilidade proporcionada por esse tipo de
0,40mm ou 0,42mm. Bocais com parede de 0,36mm e 0,38mm, ou seja, mais fina, têm o som mais
brilhante. Essa é a média encontrada na maior parte dos instrumentos. (MEDEIROS, 2006, p. 8)
94
Informação obtida em <http://www.bernhardhammig.com/bernhard_hammig_custom.html>. Acesso
em 01/01/2014.
95
A composição dessa liga a qualifica entre as melhores utilizadas atualmente, de acordo com as
categorias apontadas pelo flautista André Luiz Medeiros: Sterling Silver: 92.5% de prata. É um metal
padrão para bons instrumentos, mas escurece um pouco. A sterling-silver foi usada como metal padrão na
Inglaterra do século XII, quando o Rei Henry II a importou de uma região da Alemanha conhecida como
Easterling. Daí o nome. Britannia Silver: 95.8% prata. Este material nobre é, ao que se saiba, somente
usado em certos modelos da Altus. O nome vem do fato de que este metal serviu para cunhar moedas na
Inglaterra, de 1697 a 1719. Super Solid Silver: utilizada pela Sankyo e Altus em suas flautas mais caras,
contendo incríveis 99% de prata. (MEDEIROS, 2006, p. 3).
96
Informação obtida no endereço eletrônico: <http://www5f.biglobe.ne.jp/~karino/sub3.htm> Acesso em
06/01/2014.
204
construção, segundo o luthier Luiz Carlos Tudrey (op. cit.), é a emissão de notas graves,
que se tornam mais potentes quanto mais alta a parede interna do porta-lábio.
Figura 46. Porta-lábio da flauta Hammig que pertenceu a Dante Santoro. Particularidades de sua
confecção poderiam facilitar a articulação no instrumento.
Dois dos entrevistados nesta pesquisa, Jorge José da Silva, o Jorginho do
Pandeiro e o violonista Carlos Silva e Souza, o Caçula, músicos que tocaram com Dante
Santoro, afirmam que o flautista utilizava uma espécie de extensor para a flauta, que,
uma vez acoplado ao instrumento, aumentava a extensão dos graves. Poderia tratar-se,
na verdade, de um “pé em si” extra, utilizado no lugar do “pé em dó” original da
flauta97. É possível que Dante tenha encomendado o “pé em si” extra do fabricante
Hammig, mas, nessa hipótese, teria sido mais simples encomendar um instrumento com
“pé em si” original. Possivelmente, a fábrica Hammig ainda não construía flautas com
“pé em si” na época em que a flauta de Dante foi encomendada (1930-1935). Como
refere TOFF (1996), na década de 1930, o “pé em si” já era preferência nos Estados
97
Conforme assinalado no capítulo 1, a flauta transversal moderna, baseada no sistema Boehm (1832), é
constituída de três partes desmontáveis: o bocal, o corpo e o pé. Os primeiros modelos da flauta Boehm
foram construídos com uma extensão que vai até o dó médio do piano (“pé em dó”). Aperfeiçoamentos
posteriores permitiram uma segunda opção, que aumentava a extensão do instrumento até o si médio (“pé
em si”). Atualmente, os fabricantes oferecem as duas opções, a critério do flautista. Também é possível
adquirir um “pé em si” extra e acoplá-lo ao corpo da flauta, sem prejuízo para a escala original do
instrumento.
205
Unidos, porém em países da Europa, como a França, não tinha tanta popularidade
(TOFF, 1996, p. 102)98.
Jorginho do Pandeiro afirma que o “extensor” que Dante usava na flauta teria
sido obtido por intermédio do luthier que lhe dava manutenção (Jorginho frisa que se
tratava de um único profissional, pois era o único da confiança de Dante Santoro, cujo
zelo com suas flautas era muito grande). O flautista Milton D´Avila, que experimentou
a flauta de Dante Santoro na ocasião em que o conheceu, não menciona nenhum
acessório desse tipo, mas afirma que a manutenção da flauta era feita exclusivamente
pelo luthier Osmar Silva, profissional que cuidava dos instrumentos da maior parte dos
flautistas do rádio na época.
Infelizmente não foi possível investigar a flauta de Dante Santoro com maior
profundidade e rigor científico, o que exige um conhecimento especializado sobre a
construção de flautas. Espera-se que trabalhos futuros, voltados para esse segmento de
pesquisa, possam debruçar-se sobre as idiossincrasias deste instrumento e elucidá-las.
4.4 Resultados da análise
A análise revela que o repertório de concerto em estilo romântico para flauta é
uma das principais referências na obra de Dante Santoro, inspirando características
composicionais e interpretativas. Entre os recursos composicionais usados em sua obra,
encontram-se os seguintes:
 introduções virtuosísticas: semelhantes a cadências de concertos e a
fantasias sobre temas conhecidos (Carmen, Pastorale Hongroise,
etc.);
 passagens virtuosísticas: compostas de escalas sucessivas
abrangendo toda a extensão da flauta; arpejos sucessivos com
mudança de registro e semicolcheias sucessivas articuladas em
golpe duplo;
98
“Even before Moyse´s arrival, though, a distinctly American school off lute playing had begun to take
shape. One manifestation was evident in the flute itself. Both Barrère [flautista francês radicado nos
Estados Unidos Georges Barrère (1876-1944)] and Kincaid [flautista americano William Kincaid (18951967)] played platinum flutes, which enhance the fullness and mellowness of the sound. Barrère debuted
his platinum Haynes in 1935. Another American preference was the extension of the footjoint to low B, a
feature that today is still found much more frequently in the United States than in France”. (TOFF, 1996,
p. 102)
206
 escrita a duas vozes: melodia acompanhada e polifonia (trilos com
efeito polifônico);
 uso frequente de melodias no registro grave;
Entre os recursos interpretativos, destacam-se estes a seguir:
 sonoridade incisiva, com notável homogeneidade entre os registros
grave, médio e agudo;
 timbre escuro e especial potência no registro grave;
 fraseado conduzido e articulado;
 articulação precisa e variada
 uso pioneiro de técnicas estendidas de execução no choro, como a
respiração contínua
A evidência que se dá aos elementos inspirados na música de concerto na obra
de Dante Santoro constitui um diferencial: seu uso reiterado e imaginativo, seja nas
introduções e passagens virtuosísticas, seja nos efeitos sonoros e recursos imitativos, é
pouco comum no repertório produzido pelos conjuntos regionais.
Referência igualmente importante é a obra de Pattápio Silva. Intérprete das
primeiras gravações de flauta no Brasil, Pattápio personificava a figura do solista
virtuose, de som vigoroso e impressionante habilidade, que foi posteriormente revivida
por Dante Santoro. A obra autoral de Pattápio integrava o repertório de Dante, o que
ficou comprovado pelos registros de jornais e programas de concerto mencionados no
segundo capítulo. Há, ainda, semelhanças de recursos composicionais, que foram
demonstradas na análise das obras.
Destaca-se o papel do multi-instrumentista Octávio Dutra como referência
musical para Dante Santoro. Como se viu no Capítulo 2, a incursão de Dante Santoro no
ambiente do choro, paralelamente ao da música de concerto, desde a juventude, foi
possibilitada pela convivência com Octávio Dutra, que também lhe serviu de guia em
suas primeiras experiências profissionais. A trajetória de Dante Santoro espelha-se em
Octávio Dutra, o que se observa na similaridade de vários aspectos: também se tornou
compositor e dedicou-se à música popular urbana; teve uma atuação variada, seja no
Rádio, no teatro de revista, em orquestras, como solista, em grupos carnavalescos e na
indústria fonográfica; transitou como músico entre diferentes meios sociais, nas rodas
de choro, em serenatas, saraus e casas de concerto, atuando como um mediador.
207
No que se refere à improvisação, o estudo comparativo entre os improvisos de
Dante Santoro e Benedito Lacerda, ambos flautistas atuantes nos regionais de rádio do
Rio de Janeiro nas décadas de 1930 a 1950, revelou duas diferentes abordagens da
improvisação no choro. Benedito Lacerda adota um estilo de contracantos contínuos,
inspirado em Pixinguinha, no qual as melodias são contínuas, similares a camadas de
sons, constantemente recriadas no decorrer da música. Esse tipo de contracanto foi
comentado a partir da versão do samba Isso não se atura, de Assis Valente, gravado por
Carmem Miranda, Benedito Lacerda e Regional em 1935.
Dante Santoro adota, por sua vez, um estilo de contracanto baseado em
variações melódicas, a partir de elementos como a ornamentação, as variações de
articulação e os recursos imitativos. Observa-se que a elaboração melódica de Dante
Santoro busca contornos formais precisos, com frases bem definidas e bem articuladas.
Essa diferença de abordagem reforça o argumento lançado, no primeiro
capítulo, pela flautista Odette Ernest Dias: cada músico improvisa sobre o seu
conhecimento e, assim, faz o seu estilo de improvisação. Dante Santoro manifesta nos
seus improvisos o cuidado formal e a virtuosidade próprios da sua interpretação. O
cuidado formal manifesta-se, por exemplo, nas variações melódicas, ornamentações e
variações de articulação dos contracantos de Abana baiana (c.1941), ou na simetria e
uso do recurso imitativo presentes na Dança da moda (c. 1950). A virtuosidade
extrema, vinculada ao ideal do solista virtuose, chama a atenção nos contracantos de
Murmúrios D´alma (1937) e Não tenho queixa (c. 1939).
Embora não seja possível aprofundar o estudo desses diferentes estilos de
improvisação no escopo deste trabalho, propõe-se uma aproximação com o estudo de
Valente (2008), mencionado no capítulo 1. Acredita-se que o estilo de improvisação de
Benedito Lacerda estaria mais próximo da abordagem vertical da improvisação,
enquanto que o de Dante Santoro, da abordagem horizontal.
Valente (2008) afirma, segundo conceitos propostos por George Russell
(2001), posteriormente estudados por Berton (2005), que a característica fundamental da
abordagem vertical é que está baseada em arpejos e tem como principal enfoque a
definição das sequencias harmônicas da música (VALENTE, 2008, p. 112-113).
Demonstra, em seu trabalho, que há uma preponderância da abordagem vertical no
estilo de contracantos de Pixinguinha. Acreditamos que o mesmo se aplica a Benedito
Lacerda, cujo estilo de contracantos contínuos, similar ao de Pixinguinha, atesta a
criação de melodias atentas ao contexto harmônico.
208
Ainda segundo a autora, na abordagem horizontal, identificada na interpretação
de K-Ximbinho, a construção da melodia se baseia em escalas relacionadas ao centro
tonal, com enfoque em variações melódicas e rítmicas do tema original, retomado
diversas vezes como material de composição. Segundo a autora, esse tipo de construção
levaria, ainda, a fraseados amplos e desenhos rítmicos diversificados. (VALENTE,
2008, p. 213). A descrição dessa abordagem remete à construção melódica adotada por
Dante Santoro, bastante enfocada nas variações melódicas, de articulação rítmica e nas
questões formais - delineamento das frases, imitações e retomadas do tema.
Quanto às contribuições de Dante Santoro ao repertório de choros, destacamse: ampliação do aspecto polifônico, (1) ao utilizar com frequência a melodia
acompanhada na parte solista, como demonstrado na parte B de Harmonia selvagem
(1938); (2) ao enriquecer o tecido harmônico e textural, criando diferentes camadas de
contracantos de variada instrumentação, em um estilo que remete à música de câmara,
como demonstrado nas partes do clarone em Flauta selvagem (1950), do cavaquinho em
Maria Rosa (1946), do acordeom em É logo ali (s.d.) e da clarineta em Urubu malandro
(1950).
No que se refere ao acompanhamento, as harmonias em cromatismo aparecem
com um viés inovador, marcado pela expressividade. É o que se observa no choro
Flauta selvagem (1950) e na valsa Maria Rosa (1946), em que ocorrem (1) variações de
dinâmica no acompanhamento, que refletem a tensão harmônica e (2) variações nas
células rítmicas do acompanhamento, como a hemiola, e variações de levadas (choro,
polca, maxixe, choro sambado).
O estilo interpretativo de Dante Santoro enfatiza os recursos expressivos por
meio de alguns recursos: (1) o timbre escuro e muita potência no registro grave; (2) a
utilização de nuances de dinâmica, como na parte C de Flauta selvagem (1950);
nuances de tempo, como na valsa Gilka (1935) e no choro Murmúrios (1955); (3) a
vocalização, ou uso do vibrato, como na valsa Murmúrios d´alma (1937).
Dante Santoro foi pioneiro na utilização de efeitos sonoros pouco usuais no
contexto do repertório do grupo regional: (1) oscilações de altura, por meio de trêmulos
de efeito polifônico, como demonstrado na parte C de Harmonia selvagem (1938) e na
introdução de Murmúrios d´alma (1937); (2) os glissandos contínuos com sonoridade
desfocada, utilizados no choro Minuano triste (1939); (3) uso de técnicas estendidas de
execução, como a respiração contínua, no Desafio para flauta e pandeiro (1939).
209
A interessante obra que Dante Santoro deixa como legado baseia-se,
essencialmente, em sua habilidade como intérprete, manifestada na técnica apurada e na
criatividade para utilizar recursos idiomáticos da flauta. Assim, suas composições
muitas vezes são resultado de experimentos interpretativos. Essa forte característica
idiomática de sua obra pode justificar, em parte, o fascínio que sua interpretação
desperta no flautista que a ela se dedique.
210
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho trouxe à tona a figura atualmente pouco recordada do flautista
Dante Santoro (1904-1969), líder do Conjunto Regional da Rádio Nacional do Rio de
Janeiro de 1938 a 1969. Apesar de ser músico de notória habilidade e autor de belas
composições para flauta, a maioria delas gravadas por ele próprio acompanhado de seu
conjunto, sua obra permanece desconhecida do público apreciador do choro nos dias de
hoje. Quem foi esse artista? Que relações teve com seus contemporâneos? E o que sua
obra agrega ao repertório da música popular urbana brasileira? Foram essas questões
que motivaram o presente trabalho.
O Capítulo 1 foi destinado a contextualizar a obra de Dante Santoro, a partir de
um estudo de três aspectos essenciais: a interação erudito e popular no choro;
a
improvisação no choro; e a inclusão do choro no mercado radiofônico e discográfico. A
interação de elementos eruditos e populares foi abordada a partir da necessidade de
relativizar essas categorias, já muito questionadas pela musicologia, especialmente no
âmbito da música brasileira. Nesse sentido, estudou-se o conceito de circularidade
cultural e suas manifestações no choro: nas origens do gênero, sua mobilidade social,
em suas formas de aprendizagem, exigências interpretativas e formas de transmissão. A
obra do flautista Dante Santoro expressa de maneira muito clara essa interação de
elementos, fruto de sua experiência musical, marcada pela mediação.
O tema da improvisação no choro também se relaciona com a obra de Dante
Santoro, alvo de certa controvérsia com a crítica no que se refere aos improvisos. Por
meio de uma breve revisão bibliográfica, observou-se, no Capítulo 1, que há, entre
estudiosos e músicos de choro, diferentes maneiras de se pensar a prática da
improvisação. Atualmente, a improvisação no choro relaciona-se a vários processos:
variações melódicas, harmônicas, rítmicas; contracantos; criação de melodias novas,
não vinculadas ao tema original, entre outras. A discussão revela que há distintas
possibilidades e estilos de improvisação no choro e que cada intérprete desenvolve o seu
estilo baseado em sua experiência musical.
211
Estudou-se, ainda, no primeiro capítulo, que a obra de Dante Santoro pertence
ao campo da música popular urbana criada, produzida e divulgada através do Rádio,
entre as décadas de 1930 e 1960. Inserida no mercado radiofônico, discográfico e de
entretenimento, sua música participa, portanto, de um circuito comercial e profissional,
sendo composta dentro do repertório de gêneros musicais divulgados pelo Rádio
(choros, valsas, canções, danças típicas, boleros, sambas, marchas, maxixes etc.), com
instrumentação típica de grupo regional (flauta, violões, cavaquinho e pandeiro). Daí o
necessário estudo sobre a inclusão do choro no mercado radiofônico e discográfico.
A reconstituição da biografia do flautista, no Capítulo 2, permitiu esclarecer
trechos da trajetória de Dante Santoro que antes careciam de comprovação documental.
Adicionalmente, os depoimentos de músicos que o conheceram ajudaram a estimar as
circunstâncias de sua atuação profissional, o alcance de sua obra à época e sua relação
com seus contemporâneos. Descobriu-se, assim, que Dante sempre atuou em duas
frentes de trabalho na Rádio Nacional: no grupo regional e nas orquestras da emissora.
Essa experiência musical variada dava continuidade àquela vivida desde sua juventude
em Porto Alegre, quando se apresentava ora como solista de música de concerto, ora
como chorão.
As referências musicais de Dante Santoro também foram esclarecidas a partir
do levantamento biográfico empreendido no segundo capítulo:
1. Filho de imigrantes italianos, nascido em uma família que apreciava
música, teve contato desde a infância com a cultura musical europeia, de
onde surgiu seu gosto pela música erudita;
2. Inestimável papel na formação musical de Dante teve Octávio Dutra,
violonista gaúcho, que o familiarizou com a música popular e o
acompanhou em suas primeiras atividades profissionais no Rio Grande do
Sul;
3. Agenor Bens, flautista carioca, é apontado como o professor de flauta de
Dante Santoro, embora não tenham sido encontrados registros dessa
relação ou que Dante tenha frequentado qualquer instituição de ensino
formal de música;
4. Pattápio Silva, o intérprete das primeiras gravações de flauta no Brasil,
certamente foi referência em quanto à técnica (igualmente de som potente,
vigoroso), à virtuosidade (ideal do solista virtuose) e ao repertório
(inspirado em obras de estilo romântico para flauta).
A obra de Dante Santoro teve um alcance significativo, como foi detalhado no
Capítulo 3. Ele compôs cerca de cem obras, entre choros, valsas, polcas, marchas,
212
danças típicas, sambas e canções. Entre 1935 e 1954, foram editadas 33 obras pelas
casas E.S. Mangione, Irmãos Vitale, Musical Brasileira, Tupy, Euterpe, Continental e
Carlos Wehrs. Essas partituras editadas encontram-se, em sua maioria, no acervo do
Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Foram descobertos, ainda, 74
manuscritos de Dante Santoro na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música
da UFRJ, dos quais somente 12 não são autógrafos. Graças à iniciativa desta pesquisa e
à colaboração dos funcionários da Biblioteca Alberto Nepomuceno, esses manuscritos
já se encontram catalogados e disponíveis para consulta pública.
Entre 1935 e 1956, foram lançados comercialmente 59 discos contendo obras
de Dante Santoro, pelas gravadoras Continental, Odeon, Sinter, Star e Victor/RCAVictor. Na maior parte deles, Dante Santoro atua como intérprete, acompanhado de seu
regional, ou juntamente com cantores do rádio e orquestras. Várias dessas gravações
estão disponíveis para audição na página eletrônica do Instituto Moreira Salles. Foram
encontradas, ainda, no acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, 12
gravações de programas da Rádio Nacional, nos quais se identificou a participação de
Dante Santoro e seu regional. Trata-se de programas de auditório, de calouros,
humorísticos e gravações avulsas de estúdio, que devem datar das décadas de 1940 e
1950.
O estudo sobre as referências musicais e a experiência de Dante Santoro como
músico foi importante para compreender aspectos interpretativos identificados em sua
obra no Capítulo 4. A análise de suas gravações - acompanhada de partituras quando
disponíveis - teve um enfoque interpretativo. Foram consideradas as gravações de
Harmonia selvagem, choro (Victor, 1938) ou Flauta selvagem, choro (Odeon, 1950);
Gilka, valsa (Victor, 1935); É logo ali, polca (Victor, s.d.); Maria Rosa, valsa (Odeon,
1946); Murmúdios d´alma, valsa (Victor, 1937) e Murmúrios, choro (Sinter, 1955).
Foram consideradas, ainda, as seguintes gravações da Rádio Nacional: A dança da
moda, baião (Acervo MIS, c. 1950); Abana baiana, samba (Acervo MIS, c. 1941); Não
tenho queixa, samba (Acervo MIS, c. 1939); Desafio para flauta e pandeiro (Avervo
MIS, 1939).
A análise revelou que o repertório de concerto do período romântico para flauta
é uma das principais referências na obra de Dante Santoro, inspirando características
composicionais e interpretativas. Alguns desses recursos composicionais identificados
em sua obra foram os seguintes:
213
 introduções virtuosísticas - detalhadamente escritas, estão presentes na
maioria de suas valsas, denominadas valsas de concerto;
 passagens virtuosísticas semelhantes às do repertório de concerto do
período romântico para flauta - compostas de escalas sucessivas
abrangendo toda a extensão da flauta, arpejos sucessivos com mudança
de registro e semicolcheias sucessivas, geralmente articuladas em
golpe duplo;
 escrita a duas vozes para um só executante – utilização de melodia
acompanhada e trilos de efeito polifônico;
 uso frequente de melodias no registro grave;
 inovações na instrumentação e tratamento camerístico do grupo
regional;
 melodias formalmente bem definidas, por vezes simétricas, com amplo
uso de recursos imitativos.
Do ponto de vista interpretativo, foram observadas as seguintes características:
 sonoridade incisiva, igualmente definida nos vários registros, de timbre
escuro, potencializada pelo uso de uma flauta Hammig de prata,
fabricada na década de 1930;
 articulação precisa e cuidadosamente variada
 fraseado claro e conduzido
 ênfase na virtuosidade (exibição da habilidade técnica)
 graves potentes
 inovações de cunho técnico-interpretativo, como trêmulos de efeito
polifônico, glissandos contínuos e uso da respiração contínua
Algumas dessas características interpretativas certamente foram inspiradas pela
audição das gravações de Pattápio Silva. Como observado no Capítulo 4, notam-se
semelhanças em recursos composicionais e, sobretudo, na prática interpretativa:
Pattápio personificava a figura do solista virtuose, de som vigoroso e impressionante
habilidade, que foi posteriormente revivida por Dante Santoro, já no contexto do Rádio.
Reitera-se, também, como assinalado no Capítulo 2, a similaridade entre as
trajetórias de Octávio Dutra e Dante Santoro, que se espelham em vários aspectos:
Dante também se tornou compositor e dedicou-se à música popular urbana; teve uma
atuação variada, seja no Rádio, no teatro de revista, em orquestras, como solista, em
grupos carnavalescos e na indústria fonográfica; transitou como músico entre diferentes
214
meios sociais, nas rodas de choro, em serenatas, saraus e casas de concerto, atuando
como um mediador.
No que se refere à improvisação, a pesquisa revelou que a crítica formulada por
Haroldo Barbosa (1949), e reproduzida por Henrique Cazes (2010), deve ser
desmistificada. Registros das participações de Dante Santoro nos programas da Rádio
Nacional, encontrados no acervo do Museu da Imagem e do Som, e estudados no
capítulo 4, por meio de transcrições, revelam que Dante elaborava variados contracantos
e introduções, como era de praxe no trabalho do conjunto regional.
O estudo comparativo entre os improvisos de Dante Santoro e Benedito
Lacerda, ambos flautistas atuantes nos regionais de rádio do Rio de Janeiro nas décadas
de 1930 a 1950, revelou duas diferentes abordagens da improvisação no choro.
Benedito Lacerda adota um estilo de contracantos contínuos, inspirado em Pixinguinha,
no qual as melodias são similares a camadas de sons, constantemente recriadas no
decorrer da música. Esse tipo de contracanto foi comentado a partir da versão do samba
Isso não se atura, de Assis Valente, gravado por Carmem Miranda, Benedito Lacerda e
Regional em 1935.
Dante Santoro adota, por sua vez, um estilo de contracanto baseado em
variações melódicas, a partir de elementos como a ornamentação, as variações de
articulação e os recursos imitativos. Observa-se que a elaboração melódica de Dante
Santoro busca contornos formais precisos, com frases bem definidas e bem articuladas.
Essa diferença de abordagem reforça o argumento da flautista Odette Ernest
Dias, citado no Capítulo 1: cada músico improvisa sobre o seu conhecimento e, assim,
faz o seu estilo de improvisação. Dante Santoro manifesta nos seus improvisos o
cuidado formal e a virtuosidade próprios da sua interpretação. O cuidado formal
manifesta-se, por exemplo, nas variações melódicas, ornamentações e variações de
articulação dos contracantos de Abana baiana (c.1941), ou na simetria e uso do recurso
imitativo presentes na Dança da moda (c. 1950). A virtuosidade extrema, vinculada ao
ideal do solista virtuose, chama a atenção nos contracantos de Murmúrios D´alma
(1937) e Não tenho queixa (c. 1939).
Embora não seja possível aprofundar o estudo desses diferentes estilos de
improvisação no escopo deste trabalho, propôs-se uma aproximação com o estudo de
Valente (2008), mencionado no capítulo 4. Acredita-se que o estilo de improvisação de
Benedito Lacerda estaria mais próximo da abordagem vertical da improvisação,
215
enquanto que o de Dante Santoro, da abordagem horizontal. Futuras pesquisas poderão
dedicar-se a essa questão.
Acredita-se que Pixinguinha e Benedito Lacerda foram referências para Dante
Santoro e os demais flautistas do Rádio na elaboração de contracantos e improvisos. Há
um indício desse fato: entre as poucas gravações de obras de outros compositores
realizadas por Dante Santoro, está o Urubu malandro, obra que foi gravada de forma
emblemática por Pixinguinha na flauta em 1923, com Os Oito Batutas e, novamente, em
1930. Anos depois, em 1944, há um novo registro pela dupla Pixinguinha-Benedito
Lacerda. Como se comentou no Capítulo 4, muitos dos recursos de improviso e
ornamentação criados por Pixinguinha nessa obra, e retomados por Benedito Lacerda
anos mais tarde, também foram utilizados por Dante Santoro em sua gravação de 1950.
Acreditamos que a ênfase em elementos da música de concerto é um
diferencial do repertório de Dante Santoro frente àquele produzido à época no contexto
do grupo regional. Sua importância está na versatilidade e expressividade que agrega ao
repertório do choro. Talvez esse acercamento à música de concerto tenha levado muitos
chorões a considerarem Dante Santoro um outsider, um músico vindo da tradição
erudita. Como constatado, entretanto, sua biografia revela o contrário: que Dante
participava do ambiente do choro desde muito jovem, na companhia de Octávio Dutra.
Há que se repensar, portanto, o discurso já bastante difundido, entre os chorões, de que
Dante Santoro era um músico erudito que tocava música popular - reflexão que
corrobora o necessário questionamento dessas categorias, conforme discussão
empreendida no Capítulo 1.
A obra de Dante Santoro agrega muitas contribuições ao repertório do choro.
Constituem um marco os variados recursos composicionais e interpretativos que dão a
sua obra uma riqueza peculiar, tornando-a uma obra autoral de destaque no contexto do
choro. Dante Santoro amplia o aspecto polifônico do choro, ao utilizar com frequência a
melodia acompanhada na parte solista e ao enriquecer o tecido harmônico e textural,
criando diferentes camadas de contracantos de variada instrumentação, num estilo que
remete à música de câmara.
Além disso, no que tange o acompanhamento, Dante Santoro explora as
harmonias em cromatismo com um viés inovador, baseado na expressividade, por meio
de variações de dinâmica e de padrões rítmicos do acompanhamento. Os recursos
expressivos são um ponto alto na obra de Dante Santoro, que agrega dramaticidade ao
repertório do choro, por meio de um estilo interpretativo muito pessoal, marcado pela
216
sonoridade potente de timbre escuro, pelo uso do vibrato e de nuances de dinâmica e
tempo.
Dante Santoro foi, ainda, pioneiro na utilização de efeitos sonoros pouco usuais
no contexto do repertório do grupo regional, como oscilações de altura, por meio de
trêmulos de efeito polifônico; glissandos contínuos com sonoridade desfocada e o uso
de técnicas estendidas de execução, como a respiração contínua.
Nos dias de hoje, trata-se de uma obra que causa impacto, pois além de ser
pouco conhecida, em função de sua pequena divulgação, revela uma linha de tradição
aural direta vinda de Pattápio Silva e do repertório de concerto do final do século XIX,
porém transformada pelo convívio com a indústria fonográfica e com os chorões seu
contemporâneos, Pixinguinha e Benedito Lacerda. Esse lapso da memória musical
merece ser resgatado, pela ação dos músicos - flautistas em especial - que se interessem
pela obra de Dante Santoro, até mesmo para compreender sua influência na produção de
flautistas que o sucederam nesse mercado, como Altamiro Carrilho, Carlos Poyares e
outros. Espera-se, assim, que este trabalho possa contribuir para esse propósito.
217
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. Machado Maxixe: O caso Pestana. In: Teresa - Revista de Literatura
Brasileira, nº 45, 2004, p. 13-79. Disponível em
<http://www.fflch.usp.br/dlcv/lb/images/stories/revista_teresa/teresa45.pdf> Acesso em
21 jan. 2013.
Partituras editadas
BORNE, François. Fantaisie Brillante sur Carmen. Paris: Choudens, s.d. [1880].
CARRASQUEIRA, Maria José (Org). O melhor de Pixinguinha. São Paulo: Vitale,
1997.
. O livro de Pattápio Silva – obra completa para flauta e piano. São
Paulo: Irmãos Vitale, 2001.
GÉNIN, Paul-Agricole. Fantaisie Variée Carnaval de Venise, op. 14. Paris: Gérard
Billaudot, s.d. [c. 1950].
MOURA, Roberto (Org). O melhor do choro brasileiro. 60 peças com melodia e cifras.
Vol. 2. São Paulo: Irmãos Vitale, 1998.
SANTORO, Dante. ÁLVARES, Corintho. Murmúrios D´alma (valsa-canção). São
Paulo/Rio de Janeiro: E.S. Mangione Editor, s/d. 1 partitura (2 p.). ESM 1324. Canto e
piano.
223
. Horas tristes (valsa-canção). São Paulo: E.S. Mangione Editor, s/d. 1
partitura (2 p.). ESM 1321. Canto e piano.
. Martyrios (valsa-canção). São Paulo/Rio de Janeiro: E.S. Mangione Editor,
s/d. 1 partitura (2 p.). ESM 1423. Canto e piano.
SANTORO, Dante. CHIARONE, G. Silencioso (choro). São Paulo/Rio de Janeiro: E.S.
Mangione Editor, 1949. 1 partitura (2 p.). 3556. Canto e piano.
SANTORO, Dante. BARBOSA, Paulo. SANTIAGO, Oswaldo. Lenda Árabe (canção
oriental). São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1937. 1 partitura (2 p.). I.5837V.
Canto e piano.
SANTORO, Dante; CAÓ, José. Beijo ao luar (marcha). In: Álbum do Carnaval de
1951. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira de Música Popular, 1950. 1 partitura (1 p.). Pistão
em sib.
SANTORO, Dante; GUSMÃO, Scylla. Soluços (valsa). Rio de Janeiro: Editora Musical
Brasileira Ltda, 1941. 1 partitura (2 p.). E 057 M. Canto e piano.
. Não sei mentir (samba). [São Paulo] Editora Lítero Musical Tupy, 1942. 1
partitura (2 p.). 48. Piano.
. No mientas (bolero). Rio de Janeiro: Editora Musical Brasileira, 1946. 1
partitura (2 p.). EMB256. Canto e piano.
. Olha o jacaré (marcha). São Paulo: E.S. Mangione Editor, 1941. 1 partitura
(2 p.). 1819. Piano.
. Páginas mortas (valsa). [São Pualo] Editora Lítero Musical Tupy, 1943. 1
partitura (2 p.). 142. Canto e piano.
. Vidas mal traçadas (valsa). [São Paulo] Editora Lítero Musical Tupy, 1944. 1
partitura (2 p.). 137. Canto e piano.
SANTORO, Dante; KID, Pepe. Lágrimas de rosa (valsa). Rio de Janeiro: Editora da
Rádio Continental, s/d. 1 partitura (2 p.). RC 15. Piano.
SANTORO, Dante; PICALUGA, Ary. Oh, Deus! (samba). In: Sucessos Carnavalescos
de 1953, vol. 5. São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1952. 1 partitura (1 p.).
9561C. Pistão, clarinete ou sax tenor em sib.
SANTORO, Dante; SANTORO, Godofredo. Colombina sofre (marcha). São Paulo/Rio
de Janeiro: Irmãos Vitale, 1935. 1 partitura (2 p.). I.5341V. Canto e piano.
. Nena (valsa-canção). São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1935. 1
partitura (2 p.). I.5316V. Canto e piano.
. Olhos magos (valsa-canção). São Paulo: E.S. Mangione Editor, 1943. 1
partitura (2 p.). 2820. Canto e piano.
. Sombras da noite (valsa-canção). Rio de Janeiro: Casa Carlos Wehrs, s/d. 1
partitura (2 p.). SBAT 98. Piano.
224
SANTORO, Dante. Castigando (choro). Arr e orq: Totó. [São Paulo] Editora Lítero
Musical Tupy, 1943. 1 partitura (2 p.). 162 (a). Flauta e piano.
. No bar do Oswaldo (choro). Rio de Janeiro: Edições Euterpe Ltda, 1954. 1
partitura (1 p.). Cat. 246. Flauta.
. Delírio chinez (dança oriental). Rio de Janeiro: Edições Euterpe Ltda, 1954. 1
partitura (1 p.). Cat. 245. Flauta.
. É logo ali (polca-choro). In: Álbum 84 Chorinhos Famosos, p. 25. São
Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1938. 1 partitura (1 p.). 24-Diversos. Flauta e cifra.
. É logo ali (polca-choro). In: Álbum n. 1 - Sólos de Flauta. São Paulo/Rio de
Janeiro: Irmãos Vitale, s.d. Flauta.
. Esquecimento (choro). In: Álbum 84 Chorinhos Famosos, p. 32. São
Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1938. 1 partitura (1 p.). 24-Diversos. Flauta e cifra.
. Esquecimento (choro). In In: Álbum n. 1 - Sólos de Flauta. São Paulo/Rio de
Janeiro: Irmãos Vitale, s.d. Flauta.
. Gilka (valsa de concerto). In: Álbum n. 2 – Coleção Seresteiro. São Paulo: E.S.
Mangione, s.d. Flauta.
. Horas tristes (valsa-canção). In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro. São Paulo:
E.S. Mangione, s.d. Flauta.
. Inferno de Dante (choro). In: Álbum n. 2 – Coleção Seresteiro. São Paulo:
E.S. Mangione Editor, s/d. Flauta.
. Murmúrios D´alma (valsa). In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro. São Paulo:
E.S. Mangione Editor, s/d. Flauta.
. Não tem pra ti (choro). In: Álbum n. 2 – Coleção Seresteiro. São Paulo: E.S.
Mangione Editor, s/d. Flauta.
. Nena (valsa de concerto). In: In: Álbum n. 1 - Sólos de Flauta. São Paulo:
Irmãos Vitale, s.d. Flauta.
. Quando a minha flauta chora (choro). Rio de Janeiro: Casa Carlos Wehrs,
s/d. 1 partitura (2 p.). SBAT 99. Piano.
. Scylla (valsa). São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1941. 1 partitura (2
p.). I.6760V. Piano.
. Só na minha flauta (choro). In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro. São Paulo:
E.S. Mangione Editor, s/d. Flauta.
Partituras manuscritas
GODINHO, Belmacio P. Mulatinho (maxixe). Manuscrito autógrafo de Dante Santoro,
s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, Clarineta,
Contrabaixo.
225
SANTORO, Dante; ÁLVARES, Corintho. Chega de amor (choro). Manuscrito
autógrafo, s/d. Acervo MIS, coleção Almirante, 3924. Canto e piano.
. Não me venhas com esta cara (samba). Manuscrito autógrafo, s.d.
Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
SANTORO, Dante. CABRAL, Aldo. Reflexos. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
SANTORO, Dante; CAÓ, José. Beijo ao luar (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d.
Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano.
. Beijo ao luar (marcha). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano.
SANTORO, Dante; DOMINGUES, Heron. Deuza do mar (valsa). Manuscrito
autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Teu castigo (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Wilma (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
SANTORO, Dante; GHIARONI, G. Loucura (beguine). Manuscrito de autor
desconhecido, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e
piano.
. Posso sofrer (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Baixo.
. Teus olhos (tango). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Teus olhos (tango). Arr: Radamés Gnatalli. Manuscrito autógrafo de
Dante Santoro, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, voz,
clarineta e cordas.
SANTORO, Dante; GUSMÃO, Scylla. Don´t lie (Fox blue). Manuscrito autógrafo, s.d.
Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Quero-te como és (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Quero-te como és (valsa-canção). Manuscrito de autor desconhecido,
s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. 2 sax alto, sax tenor, 2
trompetes, trombone e contrabaixo.
. Rosário de Ironias (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
SANTORO, Dante; MANES, Alberto. O que tu és (valsa-canção). Manuscrito
autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
226
SANTORO, Dante; PASSOS, Arnaldo. Perto de mim (batucada). Manuscrito autógrafo,
s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
SANTORO, Dante; PICALUGA, Ary. Oh! Deus (samba). SANTORO, Dante;
Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ.
Canto e piano.
SANTORO, Dante; SANTORO, Godofredo. Carnaval mais lindo (marcha). Manuscrito
autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Essa voz (samba-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ.Canto e piano.
. Hilda! (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Ilusão de garoto (canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Lírio Perdido (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Martírios (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Martírios (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, clarineta, violino, violoncelo, contrabaixo.
. Minha dor (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Minha promessa (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Morena (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto.
. Nossa aurora (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Nossa senhora do morro (samba-canção). Manuscrito autógrafo, s.d.
Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Olhos magos (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Rancho saudoso (canção sertaneja). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo
da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
SANTORO, Dante; SANTORO, Paschoal. Non so che dire (canção italiana).
Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ.
Canto e piano.
227
SANTORO, Dante. Inferno de Dante (choro). Arr: Adalto Silva. Manuscrito de Adalto
Silva, 1957. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta solo, 2 sax
alto, 2 sax tenor, 3 trompetes, trombone, contrabaixo e bateria.
SANTORO, Dante (ETNAD). Flauta selvagem (choro). Manuscrito autógrafo, s.d.
Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e clarone.
SANTORO, Dante; JOCA; JACARÉ. Primavera Carioca! (marcha). Manuscrito
autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Primavera Carioca! (marcha). Arr: Pixinguinha. Manuscrito autógrafo
de Pixinguinha, 1937. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. 2 sax
alto, sax tenor, 2 trompetes, trombone, contrabaixo.
SANTORO, Dante; LUIZ; NELSON. Prece de amor (samba- canção) ou Beijos vis.
Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ.
Canto e piano.
SANTORO, Dante. Antes só! (batucada). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia canto.
. Bagaço (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Betinho (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Bolero (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Carnaval mais lindo (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Castigando (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Chorando o passado (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Chorinho Gostoso (choro). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da
família Santoro. Flauta, violino, violoncelo e contrabaixo.
. Delírio chinês (dança oriental). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Delírio da saudade (valsa canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Esquecimento (choro). Manuscrito autógrafo, 1923. Acervo da família Santoro.
Flauta e piano.
. Exaltação (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
228
. Jóquei de Elefante (polca-choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano.
. Jóquei de Elefante (polca-choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Jóquei de Elefante (polca-choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e clarineta.
. Judith (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Judith (valsa). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, 2 sax alto, 2 sax tenor, sax barítono, guitarra,
piano, contrabaixo.
. Guanabara (choro). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Horas tristes (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Horas tristes (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano.
. Lágrimas de Rosa (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano.
. Lágrimas de Rosa (valsa). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Violino, sax tenor, sax barítono, trompete,
trombone, contrabaixo.
. Lamento árabe (bolero). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo MIS,
coleção Jacob do Bandolim, PMV0106. Flauta.
. Lamentos (valsa serenata). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e piano.
. Lúcia Helena (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta/Canto.
. Mate amargo (polca). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Contrabaixo.
. Mágoa de colombina (samba-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Maninho. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Minuano Triste (choro).
. Minha dor (valsa). Manuscrito autógrafo,
s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Murmúrios (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Murmúrios d´alma (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Nair (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
229
. Na minha flauta (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Na minha flauta tu não tocas mais! (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d.
Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Não tem pra ti (polca). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e clarineta.
. Nena (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, 1935. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. No bar do Oswaldo. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. No mistério da vida (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Quando a minha flauta chora (choro). Manuscrito de Nascimento, 1932.
Acervo MIS, coleção Jacob do Bandolim, PMH1448. Flauta.
. Samba do Dante Santoro (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Samba do Dante Santoro (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Voz, clarineta, sax tenor, 2 trompetes,
piano, contrabaixo e coro (trio).
. Scylla (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta/Canto.
. Serpentina. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Silencioso (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo IMS, coleção
Pixinguinha, CX.16133. Canto e piano.
. Silencioso (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Contrabaixo.
. Sombras da noite (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Só na minha flauta (choro). Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo
da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Sonhando (valsa). Manuscrito de R. Macedo, 1948. Acervo MIS, coleção Jacob
do Bandolim, caderno 13. Flauta.
. Sonho (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Taça de cristal (valsa: Fox). Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo
da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
230
. Teu feitiço (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Vidas mal traçadas (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Contrabaixo.
. Vidas mal traçadas (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
Gravações CDs
CARRILHO, Altamiro. Harmonia Selvagem. Dante Santoro [compositor] In: Altamiro
Carrilho - Interpretações Históricas (1952-1965). Rio de Janeiro: Biscoito Fino, p. 2008.
1 CD.
. Harmonia Selvagem. Dante Santoro [compositor] In: Choros Imortais. Rio de
Janeiro, EMI, LP 1964/ CD1999. 1 LP e 1 CD.
FLORES, Paulo (Coord.) Benê, o flautista – Trilogia musical da obra do polêmico (e
genial) Benedito Lacerda. São Paulo: Maritaca Produções Artísticas, p. 2006. 3 CDs.
HIME, Joana (Prod.). Memórias musicais-Pixinguinha. CDS 4, 9 e 14. Rio de Janeiro:
Biscoito Fino, p. 2002. 9 CDs.
LEITE, Dirceu. Harmonia Selvagem. Dante Santoro [compositor] In: Leite de Coco.
Rio de Janeiro: Caju Music, p. 1994. 1 CD.
OZZETTI, Marta. Teu feitiço. Dante Santoro [compositor] In: O Choro e sua História:
Isaías e Israel entre amigos. CPC-UMES, 2006. 1 CD.
SANTORO, Dante. A Flauta Mágica de Dante Santoro. Porto Alegre: Alfa Studios
Gravações e Produções (Fumproarte), p. 1998. 03 CDs.
TNARDOWSKI, Flávia. É logo ali. Dante Santoro [compositor] In: A Música de Porto
Alegre: o Choro. Porto Alegre: Produção independente, p. 2000. 1 CD.
Gravações LP
CARRILHO, Altamiro. Antologia da Flauta. Tributo a Dante Santoro. Dante Santoro
[compositor]. São Paulo: Phillips, p. 1977. 1 LP.
SANTORO, Dante. Posso sofrer e Vidas mal traçadas. In: No tempo dos bons tempos.
Em tempo de seresta e seresteiros, Vol. 9. São Paulo: Fontana, p. 1972. 1 LP.
. Quando a minha flauta chora. In: Nova História da Música Popular
Brasileira. Abel Ferreira e o choro. São Paulo: Abril Cultural, 1977.
Gravações 78 RPM
ALBERTINHO FORTUNA. Lamento árabe (bolero). Dante Santoro [compositor].
Continental 17.170, p. 1955. 1 disco 78RPM.
ALBERTINHO FORTUNA e SEXTETO STAR. Silencioso (choro) e Vidas mal
traçadas (valsa). Star 00.00159, s.d. 1 disco 78RPM.
AFRÂNIO RODRIGUES. Oh Deus! (samba). Dante Santoro [compositor]. Odeon
13.377, s.d. 1 disco 78RPM.
231
CARMEM MIRANDA, BENEDITO LACERDA e REGIONAL. Isso não se atura
(samba). Assis Valente [compositor]. Odeon 11244, 1935. 1 disco 78RPM.
DINO DINE. Non so che dire. Dante Santoro [compositor]. Acervo Família Santoro,
sem lançamento comercial. 1 disco 78RPM.
DIRCINHA BATISTA. Não sei mentir (samba). Dante Santoro [compositor]. Odeon
12.228, p. 1942.
DIRCINHA BATISTA e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Cuanto le gusta
(samba) e Passarinho da Lagoa (toada). Odeon Veroton 12.924, p. 1949.
. Cidade velha (samba) e Salve a mulher brasileira (marcha). Odeon 12.211, p.
1942.
FRANCISCO ALVES e ORQ. ODEON. Vidas mal traçadas (valsa). Dante Santoro
[compositor]. Odeon Veroton 12.881, p. 1948. 1 disco 78RPM.
GILBERTO ALVES e ORQ. ODEON. Páginas mortas (valsa). Dante Santoro
[compositor]. Odeon Veroton 12.358, p. 1943. 1 disco 78RPM.
GILBERTO ALVES e CONJUNTO ODEON. Olha o jacaré (marcha). Dante Santoro
[compositor]. Odeon Veroton 12.097, s.d. 1 disco 78RPM.
GILBERTO ALVES e FON-FON E SUA ORQUESTRA. Soluços (valsa). Dante
Santoro [compositor]. Odeon Veroton 12.032, p. 1941. 1 disco 78RPM.
JARARACA E RATINHO e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Tudo combinado e
Club Japonês (humorismo). Odeon Veroton 12.455, s.d. 1 disco 78RPM.
. A Lalá tá cá (humorismo). Odeon Veroton 12.491, s.d. 1 disco 78RPM.
LINDA BATISTA e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Amélia acabou com a
Praça 11 (samba). PRE-8. Gravação da Rádio Nacional. Acervo do MIS/RJ. 1 disco
78RPM.
MANOEL REIS e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Horas tristes (valsa) e
Murmúrios d´alma (valsa). Victor 34.185, p. 1937. 1 disco 78RPM.
NUNO ROLAND e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Leilão (marcha). PRE-8.
Gravação da Rádio Nacional. Acervo do MIS/RJ. 1 disco 78RPM.
ORLANDO SILVA e ORQ. ODEON. Olhos magos (valsa). Dante Santoro
[compositor]. Odeon Veroton 12.307, p. 1943.
ORLANDO SILVA e ORQ. VICTOR BRASILEIRA. Lágrimas de Rosa (valsacanção). RCA Victor 34.213, p. 1937. 1 disco 78RPM.
PEDRO RAIMUNDO e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Tira cisma e Puladinho
(rancheira). Continental 15.689, s.d. 1 disco 78RPM.
PIXINGUINHA. O urubu e o gavião. Pixinguinha [compositor]. Victor 33262, 1930. 1
disco 78RPM.
PIXINGUINHA e BENEDITO LACERDA. Variações sobre o urubu e o gavião.
Pixinguinha [compositor]. RCA Victor 800263, 1944. 1 disco 78RPM.
ROMEU FERNANDES. Loucura (bolero) e Nosso passado (choro). Dante Santoro
[compositor]. Continental 14.600, sd. 1 disco 78RPM.
232
ROSITA GONZALEZ e CHIQUINHO E SUA ORQUESTRA. No mientas (bolero).
Dante Santoro [compositor]. PRE-8 565, gravação da Rádio Nacional. Acervo Divisão
de Música da Biblioteca Nacional/RJ. 1 disco 78RPM.
RUY REY e ORQ. CONTINENTAL. No mientas (bolero). Dante Santoro [compositor].
Rio de Janeiro: Continental 15.626, s.d. 1 disco 78RPM.
VICENTE CELESTINO e ORQ. VICTOR BRASILEIRA. Martírios (valsa). Dante
Santoro [compositor]. Victor 34.443, p. 1939. 1 disco 78RPM.
. Gilka (valsa). Dante Santoro [compositor]. Victor 34.370, p. 1938. 1 disco
78RPM.
VIOLETA CAVALCANTI. Espelho quebrado (samba-canção). Dante Santoro
[compositor]. Odeon 13.466, p. 1953. 1 disco 78RPM.
DANTE SANTORO. Não tem pra ti (choro) e Teu feitiço (choro). Odeon 13.105, p.
1951. 1 disco 78RPM.
. Silencioso (choro) e Vidas mal traçadas (valsa). Odeon 12.920, p. 1949. 1
disco 78RPM.
. Castigando (choro) e Sonho (valsa). Odeon Veroton 12.292, p. 1943. 1 disco
78RPM.
. Mate amargo (polca) e Posso sofrer (valsa). Sinter 00-00.482, p. 1956. 1 disco
78RPM.
. Martírios (valsa) e Inferno de Dante (choro). Victor 34.207, p. 1937. 1 disco
78RPM.
. Alma de Beduíno (choro) e Teu feitiço (choro). Victor 34.620, p. 1940. 1 disco
78RPM.
. Nair (valsa) e Nena (valsa). Victor 33.991, p. 1935. 1 disco 78RPM.
DANTE SANTORO E SEU REGIONAL. Suzana (valsa). Acervo Família Santoro, sem
lançamento comercial. 1 disco 78RPM.
. Harmonia selvagem (choro). Acervo Família Santoro, sem lançamento
comercial. 1 disco 78RPM.
. Wilma (valsa) e Amigo (choro). Odeon 13.189, p. 1951. 1 disco 78RPM.
. Nêga suspira (baião) e Deixa ele (choro). Odeon 13.328, s.d. 1 disco 78RPM.
. Quando eu for bem velhinho (baião marcha) e Inferno de Dante (choro). Odeon
13.409, s.d. 1 disco 78RPM.
. Lamento árabe (bolero) e Estudante (choro). Odeon 13.505, p. 1953. 1 disco
78RPM.
. Deixa pra lá (polca) e Maria Rosa (valsa). Odeon Veroton 12.736, p. 1946. 1
disco 78RPM.
. Delírio chinês (dança oriental) e No bar do Oswaldo (choro). Sinter 00.00326,
s.d. 1 disco 78RPM.
233
. Lamento árabe (bolero) e Murmúrios (choro). Sinter 00.00382, p. 1955. 1 disco
78RPM.
. Amapá (maxixe) e Scylla (valsa). Victor 34.751, p. 1941. 1 disco 78RPM.
. Minuano triste (choro) e Sombras da noite (valsa). Victor 34.460, p. 1939. 1
disco 78RPM.
. Quando a minha flauta chora (choro) e Exaltação (valsa). Victor 34.442, p.
1939. 1 disco 78RPM.
. Harmonia Selvagem (choro) e Suzana (valsa). Victor 34.352, p. 1938. 1 disco
78RPM.
. Dores d´alma (valsa) e É logo ali (choro). Victor 34.167, s.d. 1 disco 78RPM.
. Só na minha flauta (choro) e Olhos magos (valsa). Victor 34.155, p. 1937. 1
disco 78RPM.
DANTE SANTORO E SEU REGIONAL e TRIGÊMEOS VOCALISTAS. Flauta
selvagem (choro) e Sempre nós (polca-choro). Odeon 13.017, p. 1950. 1 disco 78RPM.
DANTE SANTORO e REGIONAL DO VIVI. Urubu Malandro (choro) e Jóquei de
elefante (choro). Odeon 13.060, p. 1950. 1 disco 78RPM.
. Moleque Vagabundo (baião) e Subindo ao céu (valsa). Odeon 13.150, s.d. 1
disco 78RPM.
. O mulatinho (maxixe carioca) e Quando minha flauta chora (choro). Odeon,
13.254, p. 1952. 1 disco 78RPM.
. Chorei (choro) e Bagaço (choro). Odeon 13.299, p. 1952. 1 disco 78RPM.
DANTE SANTORO e CARIOCA E SEUS SAXOFONES. Teimoso (choro) e Judith
(valsa). Odeon Veroton 12.965, p. 1949. 1 disco 78RPM.
DANTE SANTORO e CONJUNTO RCA VICTOR. Lágrimas de Rosa (valsa). Victor
33.986, s.d. 1 disco 78RPM.
. Esquecimento (choro). Victor 33.968, p. 1935. 1 disco 78RPM.
DANTE SANTORO e CONJUNTO REGIONAL VICTOR. Betinho (choro). Victor
33.943, p. 1935. 1 disco 78RPM.
. Não tem pra ti (choro) e Gilka (valsa). Victor 33.932, p. 1935. 1 disco 78RPM.
DANTE SANTORO, JOSÉ BITTENCOURT, LUPERCE MIRANDA e PEREIRA
FILHO. Subindo ao céu (valsa). Victor 33.968, p. 1935. 1 disco 78RPM.
DANTE SANTORO, LUPERCE MIRANDA, TUTI e MANOEL LIMA. Beatriz
(valsa) e Saudades do Jango (valsa). RCA Victor 33.770, s.d. 1 disco 78RPM.
. Nilva (valsa) e Hilda (valsa). Victor 33.814, s.d. 1 disco 78RPM.
DANTE SANTORO et ali. Marlene (valsa). Victor 34.049, s.d. 1 disco 78RPM.
Entrevistas e Depoimentos orais
CRUZ, Plauto. Depoimento oral concedido em sua residência. Porto Alegre, 2011.
D´AVILA, Milton. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Ubá, 2012. 1 CD
(60 min)
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DIAS, Odette Ernest. Entrevista realizada na residência da entrevistada. Rio de Janeiro,
2012. 1 CD (40 min).
MIRANDA, Leonardo. Depoimento oral concedido em sua residência. Rio de Janeiro,
2012.
SANTORO, Homero. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Porto Alegre,
2011. 1 CD (30 min).
SILVA, Jorge José da, o “Jorginho do Pandeiro”. Entrevista realizada na Rádio
Nacional do Rio de Janeiro, 2011. 1 CD (30 min).
SOUZA, Carlos Silva, o “Caçula”. Entrevista realizada no Bairro da Lapa. Rio de
Janeiro, 2011. 1 CD (25 min).
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