O Ensino da Filosofia

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O Ensino da Filosofia
* Texto de Daniel Aço
Escrevo agora um relato absolutamente pessoal, fruto de minhas
observações, vocações espirituais e formação acadêmica. Certamente muitos
estranharão o tom enérgico das palavras que se seguem, outros talvez se
espantem com as verdades postas a descoberto. Há até quem se ofenda e
queira, quem sabe, escrever algum tomo intelectualista a fim de refutar-me.
Adianto, desde já, que não me darei ao trabalho de responder a pessoas de
baixo nível.
Respeito o conhecimento e a educação, tanto no nível privado quanto no
âmbito escolar. Faço uso de minha liberdade para instruir-me e sou
inteiramente responsável por meus atos, não sendo pusilânime. Jamais
escondo o que faço e nem o faço sorrateiramente, tampouco ajo formando
quadrilhas. Apenas cumpro o meu dever.
Há anos, a legislação obriga que a Filosofia seja uma disciplina
permanente no currículo do Ensino Médio. Alguns fracos motivos são alegados
para isso e me chama a atenção a falsa densidade de um argumento sempre
recorrente: “A Filosofia foi retirada dos currículos escolares porque os militares
não queriam que as pessoas pensassem.”
Em primeiro lugar, não estou aqui para defender qualquer regime político
não democrático, seja de esquerda, de direita, capitalista, militar, fascista ou
comunista. Com a graça de Deus, a Quem amo e temo, sou espiritualista e não
abro mão nem do exercício do livre-pensamento nem das conquistas supremas
do liberalismo. De fato, cultivo eterno gosto pela boa leitura e a equilibrada
instrução, mesmo bebendo em eventuais fontes filosóficas e hoje preferindo, de
longe, a leitura de obras literárias. Todavia, muitas inverdades são ditas a esmo
e com tanta insistência que até bloqueiam nosso pensamento.
Não nos enganemos: Filosofia não ensina ninguém a pensar. Sim,
ninguém é mais sabido nem mais inteligente porque filosofa ou porque, pior,
possui diplomas em Filosofia. Aliás, tal é a primeira inverdade dita e
consagrada com louvor no mundo acadêmico. E vejam que não é a única
mentira jorrada aos quatro ventos por pessoas que não têm compromisso com
a correção, o trabalho, a ética e o ensino. Filósofos acadêmicos também dizem
coisas do tipo: “quem filosofa em alemão filosofa mais profundo”; “Filosofia é o
conhecimento por excelência”; “Filosofia é a rainha das ciências”; “Filosofia é a
Verdade”; “a Filosofia matou Deus”, etc.
Quem dera que a Filosofia fosse a única condição do bom pensamento.
Nesse caso, como tenho graduação e mestrado em Filosofia, eu poderia ser
erguido a um pedestal inigualável de suprema inteligência. Muitos filósofos de
carreira, sem dúvida, praticam isso em suas salas de aula, verdadeiros antros
de mistificações e doutrinação barata. Mas percebam que, quando um filósofo
diz que a Filosofia ensina a pensar, ele afirma, no fundo, que só ele pensa na
sociedade. Naturalmente, um cretino desses está tirando um sarro de todos os
demais cidadãos. Não bastasse isso, muitos não questionam e batem palmas.
Mas é preciso ter honestidade e mais decência para se avaliar a
importância da Filosofia para as pessoas e para os currículos escolares. Penso
que a Filosofia é um corpo de argumentos culturais e um leque espiritual
interessante e necessário a todos, pelo menos em tese.
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Como é possível viver sem espiritualizar-se, moralizar-se e instruir-se? É
possível viver sem perguntar-se a respeito dos mistérios da natureza e de
Deus, dos problemas éticos e do uso da liberdade? E nossa relação com a
metafísica? E não possuímos o direito de crer em pressupostos filosóficos que
outros não acreditam, tais como, por exemplo, a reencarnação e o primado do
mundo espiritual sobre o mundo material?
Aliás, uma pergunta interessante:
- Você sabe se algum filósofo espírita ou espiritualista está empregado numa
universidade confessional ou pública brasileira?
Se você me apontar um só nome no Rio Grande do Sul, e dois no Brasil, eu
rasgo os meus diplomas em frente a câmeras de TV. Repito: se tal fato ocorre,
o que provaria a inexistência de preconceitos intelectuais e de sectarismos em
nossas universidades e instituições de ensino, EU RASGO OS MEUS
DIPLOMAS e este texto diante de câmeras de TV!
Feito o parêntesis acima e o desafio já lançado, penso que questões
filosóficas são fundamentais na constituição humana e merecem a nossa
atenção. Contudo, a Filosofia está entregue a pessoas de má índole e de
péssima qualidade, e prova disso são os péssimos filósofos já consagrados e
aplaudidos até hoje, especialmente no último século. Não estou aqui para
cuspir no prato em que comi, mas tenho a dignidade garantida de que aprendi
muito pouco nas salas de aula de Filosofia e perante filósofos de carreira.
Essas pessoas não possuem outro compromisso senão consigo próprias, suas
frases vazias, seus vezos professorais, seu pedantismo aflorado, suas
quadrilhas universitárias e seus estupros à ética e à metafísica.
Sim, Filosofia até deveria ser sinônimo de metafísica e de ética. Mas é
tão somente sinônimo de carreirismo ideológico, especialmente em instituições
de ensino públicas, e de intelectualismo em geral, mormente para a defesa de
dogmas ateus ou eclesiásticos. Além do mais, numa cultura como a nossa, a
Filosofia é uma espécie de objeto de pedofilia mental de pessoas superficiais e
a serviço de suas quadrilhas de materialistas, de suas religiões obtusas e de
seus egocentrismos delirantes. Pelas mãos de pessoas assim se formam
professores cada vez mais deformados, competidores e exibicionistas como
seus mestres de cátedra, discípulos semelhantes aos de Sócrates. Desta feita,
a Filosofia não é bem tratada por aqueles que deveriam zelar por sua paz, e
ideias absolutamente esdrúxulas e inviáveis são sempre trazidas à tona.
Atualmente se defende a Filosofia nos currículos escolares. Mas poucas
pessoas se perguntam se será possível a existência de milhões de filósofos
num país como o nosso, ainda mais se é necessário incluir a Filosofia no
ensino das crianças. Vejo muitos ativistas baterem palmas e ninguém, de fato,
questionar-se. Filosofia para crianças? Como? Por quê? Com que finalidade?
Ora, Filosofia é assunto para adultos e para adultos maduros, o que,
convenhamos, já é raríssimo de acontecer. Sim, raríssimo.
E faço de minha experiência pessoal ilustração do que digo. Já me
deparei com filósofos cretinos de toda laia. E se não entrarei em detalhes no
que digo a seguir é por respeito a você que me lê, porquanto tenho respeito à
ética e à metafísica e sou espiritualizado e educado. Não sou um filósofo de
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carreira nem jamais serei um reles catedrático competidor e patologicamente
afetado.
Eu já vi, por exemplo, alunos de Filosofia se pegando a socos numa aula
de mestrado, com direito a promessa de ocorrência policial e tudo. Concordo
que a evidência do fato já é medonha, mas o mais bizarro foi o mote da
agressão. Enquanto o agredido dizia que o filósofo Hegel era mais peludo, o
agressor afirmava que Heidegger era mais erótico. Sim, o nível da discussão
era quase esse. Tal polaridade de troca de insultos, aliás, é bastante comum
nas cátedras do filosofismo gaúcho, autodenominado “a melhor Filosofia da
América Latina”, uma “Filosofia no mesmo nível que os melhores centros
filosóficos da Europa.”
Além disso, apesar de todas as sofistas declarações de que a
universidade pública é para todos, eu conheci a Secretaria de um Programa de
Pós-Graduação em Filosofia que atendia interessados por meio de uma
secretária eletrônica falando em inglês, por meio de uma voz douta e
cavernosa. E sei, tanto por experiência própria quanto por relatadas a mim, de
pessoas constrangidas e humilhadas no dia da entrevista nesse referido
Programa de Pós-Graduação.
Mas veja que as aberrações não terminam aí. Tomei ciência do caso de
um professor de Filosofia Antiga - de uma universidade dita pública, a mesma
da secretária eletrônica com instruções cavernosas em inglês - que só escreve
em grego em suas pedantes e afloradas aulas. E se você não está acreditando
no que digo, há mais. E ex-alunos de Filosofia, refiro-me aos emocionalmente
equilibrados, podem testemunhar anormalidades psicológicas protagonizadas
por filósofos aparentemente sãos.
Certa feita, e tal expediente é amplamente usado em seleções e bancas
de mestrado e doutorado, bem como em salas de aula de cursos de Filosofia,
fui subtraído numa seleção de mestrado ou, no mínimo, difamado a partir de lá.
Imaginem que o então diretor daquele PPG e o almofadinha que o sucedia se
deram ao trabalho, fato do qual muito me orgulho, de fazer uso de um
programa televisivo pra dizer que eu “não sabia nada.” Vai ver que somente
eles, os doutos que conhecem a ciência que a “ensina a pensar”, sabem tudo.
Poderia ainda relatar o caso de um professor megalomaníaco que julga
ter resolvido um problema milenar na Filosofia e outro, seu comparsa, que julga
ter chegado a um “Seminário sobre a Verdade da Filosofia”, em que catequiza
alunos para a ideia de que a metafísica é um mero jogo gramatical e
semântico. Não bastasse isso, ainda conheci um professor que a cada cinco
minutos interrompia a aula para dizer, em alto e bom tom, que havia feito
doutorado no Canadá, sendo inclusive objeto de risos entre alunas num
coletivo. Há ainda o caso de um filósofo do Direito, orgulhoso de seu
doutoramento na França, dedicado a desenhar símbolos fálicos em trabalhos
de alunos de mestrado. Poderia falar sobre isso e muito mais, muito mais
mesmo, mas por respeito a você me detenho aqui.
Assim, penso que é preocupante que a Filosofia esteja em mãos tão
sujas e cretinas. Que tipo de ensino poderá advir da obrigatoriedade da
Filosofia quando um sem-número de desequilibrados estão à solta com um giz
na mão e teorias monstruosas na cabeça? Há filósofos suficientes para suprir a
demanda exigida pela lei? Não havendo professores suficientes, delegaremos
a função para um ex-padre? Qual outro renegado social assumiria a nobre
tarefa de espiritualizar (e não simplesmente a de intelectualizar) nossos
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estudantes? Você sabia que professores de todas as áreas - em razão da
carência de profissionais específicos e das economias do Estado - estão
lecionando Filosofia nas escolas públicas? Você não se preocupa que seu filho
esteja aprendendo equívocos e que esteja sendo objeto de molestadores
ideológicos?
Todas essas questões se somam a outras, como a da surreal
obrigatoriedade do ensino da Religião em escolas da rede pública. A atual
obrigatoriedade do ensino da Filosofia mais parece ser um expediente de
massa de manobra política e cabide de emprego de partidários do que a
vontade de fazer os outros pensar.
Tudo que penso o faço por minhas capacidades próprias, interesses e
leituras, e não porque sou mestre em Filosofia. Minha graduação e meu
mestrado, aliás, de nada me servem, e hoje, seis anos e meio após a
conclusão da pós-graduação, já desisti de procurar emprego como professor.
Por quê? Porque só são empregados professores de Filosofia segundo um dos
seguintes critérios, às vezes os dois juntos: ser da mesma religião da
instituição de ensino, de preferência ex-padre; ter ficha partidária igual aos que
tomam conta dos redutos universitários. Quem porventura arruma emprego
numa instituição privada desvinculada de alguma religião - e há pouquíssimas
no Rio Grande do Sul - não apenas ganha pouco para viver, como ainda é
objeto de deboche entre os doutos universitários, os supremos donos da
verdade e do saber, cujos salários e regalias pagamos a preço de ouro pelos
altos impostos cobrados.
Afora os dois critérios de empregabilidade citados, há ainda o caso dos
filósofos competidores patológicos e sacerdotais, cuja bizarra e monstruosa
produção amealha recursos governamentais para as universidades
confessionais, nas quais são tolerados como professores e ostentados como
símbolos precários de um ensino falsamente secular.
Com quase três décadas e meia de vida, sinto-me com cara de otário,
objeto de estelionato. Objetivamente falando, fiz papel de palhaço ao ter
estudado Filosofia. Em primeiro lugar, porque não encontrei na Filosofia uma
fábrica de instrução e nem de espiritualidade e de ideias. Deparei-me apenas
com um covil de sectários e fanáticos intelectuais, bandidos sem a mínima
honestidade nem moral, tampouco apreço ao hábito de trabalhar. Em segundo
lugar, fiz papel de palhaço porque a obrigatoriedade da lei não favorece a
quem merece, até porque não há pessoas suficientes para suprir a exigida
demanda.
Descrevi parte do retrado do ensino brasileiro. Em especial, do ensino
da Filosofia. Seria ótimo se a Filosofia fosse ensinada com equilíbrio nas
escolas e nas universidades sem interferências religiosas, ideológicas,
fanatismos intelectuais e dogmas de governos. Porém, a contar o que sei,
estamos à deriva de um marulho terrível e desesperador. Pior: nossas futuras
gerações estão ameaçadas.
Que se abram os olhos. Eu tenho autoridade para dizer o que digo e não
tenho nada a perder, pois já me furtaram a chance e o ânimo de trabalhar
como professor. Perdi essa batalha, mas quixotescamente lutarei para ganhar
a guerra de oferecer a verdade aos outros. Não tenho compromisso com
ninguém; a não ser, é claro, com a verdade dos fatos e a espiritualidade
profunda, jamais com o intelectualismo rasteiro.
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Questione, não aceite qualquer coisa para você e para o seu filho. Leia,
moralize-se, espiritualize-se. Supere o intelectualismo, o partidarismo e a
ignorância.
No Brasil, o ensino da Filosofia é um ERRO.
No mais, salvo a hipótese de enorme evolução a ser alcançada, nosso
país é uma QUIMERA.
O autor:
* Daniel Aço é filósofo não acadêmico, revisor e escritor.
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