152 Revisitando os “Milagres Econômicos” das ditaduras do Brasil e do Chile em perspectiva comparada (1968-1982) Tiago Francisco Monteiro* Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar comparativamente as principais medidas político-econômicas implementadas pelos dirigentes ditatoriais do Brasil e do Chile e que resultaram em uma fase de grande crescimento econômico, que tem sido chamada de “Milagres Econômicos”. A perspectiva que permeará este artigo é a de que se trataram de duas experiências que tiveram as mesmas bases estruturais, como a abertura do mercado financeiro exterior e o controle salarial, mas que resultaram no desenvolvimento de setores econômicos diversos em função da orientação econômica de suas elites e dos recursos internacionais disponíveis. Palavras-chave: Milagres Econômicos. Ditaduras. Capitalismo. 1 Introdução: Os regimes ditatoriais no Brasil e no Chile Os golpes militares do Brasil, 1º de abril de 1964, e do Chile, 11 de setembro de 1973, foram organizados por uma ampla coalizão conservadora que envolveu parcelas das forças armadas (FFAA), do empresariado nacional e estrangeiro, dos latifundiários, dos partidos políticos de Direita, entre outros. Tais setores pretendiam conter a ascensão política das classes trabalhadoras, afastar a Esquerda do sistema político, realinhar as economias nacionais aos imperativos financeiros internacionais e alinhar-se com os Estados Unidos na Guerra Fria. As ditaduras organizadas após as intervenções empresarial-militares foram caracterizadas pela violência estatal contra os trabalhadores organizados, suas formas de representação e outras camadas sociais que poderiam representar uma ameaça à ordem, através do controle do aparelho de Estado pela instituição militar, a qual reorganizou o estado dotando-o de órgãos guiados nos critérios corporativos castrenses, como o Conselho de Segurança Nacional (CSN), no Brasil, e o Comité Asesor de la Junta (COAJ), no Chile, a instituição de organismos policial-repressivos, exemplificados pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), todos brasileiros, e a chilena Dirección de Inteligência Nacional (DINA). * Graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e doutorando em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista CAPES. Professor da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro. (E-mail: [email protected]). Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 153 Da mesma forma, outro grupo de poder destas ditaduras foram os tecnocratas, ou seja, uma camada de funcionários civis geralmente associados aos grandes grupos econômicos capitalistas, politicamente conservadores, que promoveram as reformas financeiras e administrativas reclamadas pelos centros capitalistas mundiais. As variantes nacionais da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) forneceram as visões de mundo destas formas ditatoriais que pretendiam recuperar os valores nacionais, que seus adeptos acusavam de terem sido maculados pelas esquerdas, corrigir e “refundar” seus países seja através de políticas de incentivo à internacionalização das economias, da despolitização das classes trabalhadoras e do culto a valores como a Ordem, o cristianismo. Os elementos descritos nos parágrafos anteriores estiveram presentes nas ditaduras do Brasil e do Chile, com o peso de cada um dos fatores variando em cada país. Comparando as duas experiências ditatoriais, possivelmente perceberemos que um traço fundamental que as distinguiu foi seus modelos econômicos. Determinados trabalhos nos informam que no Brasil o Estado passou a assumir as mais diversas funções no aparelho produtivo nacional, enquanto no Chile quase o contrário aconteceu, pois suas elites afastaram paulatinamente o Estado das atividades econômicas e encontraram o caminho do desenvolvimento econômico (MUÑOZ, 2010, p. 271-273). Diante deste quadro, o objetivo do trabalho é comparar as principais políticas públicas desenvolvidas pelas equipes econômicas ditatoriais que resultaram nos períodos de maior crescimento econômico de ambos os países e, por isso, ficaram conhecidos como Milagres Econômicos do Brasil (1968-1973) e do Chile (1977-1981). Em segundo lugar, estudarei também as consequências dos Milagres e das políticas econômicas no conjunto da sociedade, com ênfase nos trabalhadores. Finalmente, discutirei as origens das duas experiências. As hipóteses que permearão este trabalho são as de que ambos os modelos econômicos foram estruturados em bases semelhantes devido ao pertencimento dos dois países na periferia do sistema capitalista. Porém, a trajetória dos tecnocratas que assumiram os cargos decisórios, somados à composição do bloco ditatorial e à conjuntura internacional, resultaram em duas formas de desenvolvimento do capitalismo na América Latina. Recorrerei ao método comparativo visando evidenciar as diferenças e similitudes entre os dois países a fim de perceber se houve um processo histórico em comum, ao mesmo tempo em que as singularidades passaram a ter maior relevo (RAMIREZ, 2012, p. 64). Passemos agora para o exame de dois trabalhos importantes para o tema deste artigo. Hernan Ramirez dedicou-se a analisar os programas que embasaram as reformas econômicas que foram aplicadas nas duas ditaduras. No Brasil, os estudos foram elaborados por membros e simpatizantes de organizações empresariais, como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 154 (IPES), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), entre outras, enquanto no Chile foi formulado o programa El Ladrillo por professores e outros estudiosos adeptos da teoria Monetarista, ou Neoliberal, aliados a setores reunidos em associações, como a Sociedad de Fomento Fabril (SOFOFA) e o Centro de Estudios Socio-Económicos (CESEC). Os dois projetos tinham em comum o desejo de promover reformas que atraíssem investidores estrangeiros, removessem todas as barreiras comerciais, a diminuição da interferência estatal na produção, a subordinação dos problemas sociais à lógica empresarial, o enfraquecimento das organizações sindicais, além de outras reivindicações (RAMIREZ, 2012, p. 63-81). Porém, enquanto este trabalho analisará as políticas ditatoriais que resultaram nos Milagres Econômicos e suas consequências, Ramirez tinha como objeto as propostas do IPES e dos Chicago Boys, embora tenha feito referências a algumas políticas que posteriormente foram adotadas pelas equipes econômicas ditatoriais. Mateus Maciel, por sua vez, comparou os Milagres Econômicos dos dois países a partir de uma visão liberal e da tentativa de responder qual dos dois foi melhor. Advogou que as práticas keynesianas empregadas pelos brasileiros durante os anos de ditadura militar possuíram efeitos positivos a curto prazo, mas desastrosos ao longo do tempo, uma vez que a intervenção do Estado na economia resultou em inflação, baixo crescimento econômico, desemprego e endividamento externo. No Chile, por outro lado, o emprego dos métodos neoliberais salvou a economia do país, pois, apesar de ter resultado no aumento do desemprego, porque muitos funcionários públicos foram demitidos, reduziu as taxas de inflação de burocratas e desonerou as empresas (MACIEL, 2014). Por se tratar de um texto introdutório e organizado segundo a visão neoliberal, as interpretações de Maciel possuem uma série de problemas. Entre outros elementos, tratou a repressão policial-militar e as reformas econômicas como aspectos autônomos das Ditaduras e, em seguida, descreveu as causas do ocaso do Milagre do Brasil no excesso de intervencionismo, enquanto no Chile as razões principais da crise iniciada no ano de 1981 foram o aumento das taxas de juros decretadas nos EUA no ano de 1982. A perspectiva presente neste trabalho é distinta das pesquisas citadas e propõe evidenciar as diferenças, situar as analogias nas transformações mais gerais do capitalismo periférico e enfatizar o papel das elites e dos modelos ditatoriais na definição dos caminhos que as políticas econômicas percorreram. Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 155 2 As formas ditatoriais do Brasil e do Chile A ditadura brasileira iniciada com o golpe de abril de 1964 era inicialmente composta por tendências que estiveram unidas na oposição contra o presidente João Goulart, mas que disputaram a hegemonia no regime de força então instalado. O bloco político que conseguiu exercer sua hegemonia sobre os demais e controlou o aparelho de Estado tomou forma final em 1969, com a ascensão do general Emílio Médici, e era composto por três ramos. O primeiro foi o setor majoritário das forças armadas sob a liderança de um grupo de oficiais ligados à Escola Superior de Guerra (ESG), uma instituição fundada por inspiração e apoio do Colégio Nacional de Guerra dos Estados Unidos (National War College – NWC) e outros oficiais ligados à ESG por compartilharem da DSN, defesa da despolitização das camadas inferiores e médias da hierarquia castrense. O outro grupo eram os Tecnocratas, que geralmente eram recrutados entre parcelas do empresariado e/ou na direção das grandes empresas, estavam em constante contato com as entidades empresariais como o IPES e a FIESP e advogaram pela centralização administrativa e pela autonomia em relação às necessidades das classes trabalhadoras. Finalmente, o grupo que denomino de Lideranças Estaduais, o qual controlava a política nos seus estados de origem, militava no partido político criado em 1965 para apoiar o governo no parlamento, Aliança Renovadora Nacional (ARENA), ao mesmo tempo em que influenciava órgãos federais como a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) (MONTEIRO, 2012, p. 48-50). O regime ditatorial brasileiro buscou legitimar-se através das estabilidades social e monetária e da contínua elevação das taxas de crescimento econômico. Os dirigentes ditatoriais foram orientados por mais de uma corrente de pensamento econômico, mas todas preconizavam a adoção de políticas de controle salarial, o incentivo para a instalação do maior número possível de multinacionais no Brasil e a intervenção estatal em campos em que a iniciativa privada não possuísse recursos e interesses. Ideologicamente, os membros do bloco ditatorial compartilhavam dos princípios da Doutrina de Segurança Nacional e, entre eles, a proposta de substituir futuramente a Ditadura por um regime democrático restrito. Para atingir suas metas, patrocinaram a organização e/ou a reestruturação de órgãos repressivos destinados a combater qualquer foco de oposição à ordem ditatorial-capitalista, tal qual o SNI, o DOICODI. No Chile, o golpe militar de 11 de setembro de 1973 depôs o presidente Salvador Allende, a coligação partidária que o elegeu, a Unidad Popular (UP), e o poder passou a ser Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 156 exercido pela autodenominada Junta de Governo, composta por Augusto Pinochet, general e comandante-em-chefe do Exército; José Toribio Merino, almirante e comandante da Armada (Marinha de Guerra); Gustavo Leigh, general-do-ar e comandante da Força Aérea; e Cézar Mendoza, general-diretor dos Carabineros (polícia nacional fardada e fundada em 1927). Os militares também dividiram entre si e seus aliados civis as funções ministeriais e outros cargos de relevo, as instituições democráticas nacionais, lideraram uma onda repressiva sobre qualquer inimigo ou provável adversário da nascente ditadura. O sistema ditatorial chileno teve como principais, e não únicas, as quatro seguintes bases. Em primeiro lugar, a elevada militarização do aparelho de Estado, pois o Chile foi o país onde mais oficiais ocuparam cargos na administração pública nas ditaduras do Cone Sul, somada à supremacia que o general Augusto Pinochet conquistou sobre o conjunto das FFAA após ter destituído da Junta de Governo o general-do-ar Gustavo Leigh (julho de 1978). Os oficiais que depuseram Allende não tinham consenso em relação ao futuro político nacional e desencadearam, na maioria das vezes de forma silenciosa e discreta, uma luta interna pela definição da forma política ditatorial. Com apoio da oficialidade do Exército e da Armada, o general Pinochet afastou das fileiras do Exército generais com ideias diferentes das suas ou que politicamente poderiam ameaçar sua hegemonia dentro da arma, como os generais Oscar Bonilla, Sérgio Arellano Stark, Javier Palacios e Manuel Torres. Em 1978, Pinochet conseguiu concentrar em si os poderes de Estado, transformou a Junta de Governo em um órgão consultivo e assentou seu predomínio sobre as FFAA ao alijá-las das principais questões políticas não apenas em razão da demissão de Leigh, mas também pelas atribuições conquistadas nos últimos cinco anos, como o controle sobre as promoções hierárquicas e o conjunto de instituições criadas e controladas por seus aliados, por exemplo, a Central Nacional de Informaciones (CNI), que substituiu a DINA em 1977 (MONTEIRO, 2013, p. 399-423; HUNEEUS, 2003, p. 129-347). O segundo pilar ditatorial foi a aplicação sistemática de violência estatal somada ao desenvolvimento de serviços de inteligência e ao cerceamento das liberdades individuais. A DINA e o CNI, coordenados com tropas convencionais, promoveram assassinatos, prisões, torturas e interrogatórios que enfraqueceram os partidos de esquerda e os movimentos sociais. Essas polícias políticas recrutaram seus agentes dentro das FFAA, mas eram autônomas em relação à cadeia de comando e lhes fora permitido criar empresas em sua propriedade ou se associarem a outros empresários. Em terceiro lugar, o conjunto de forças conservadoras que se reuniram na órbita do general Pinochet e aproveitaram a conjuntura favorável para fazer valer seus interesses, como os membros do movimento Gremialista, formado por católicos Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 157 conservadores e corporativistas liderados por Jaime Guzman, que por sua vez foi um dos mais influentes conselheiros de Pinochet de 1973 a 1990, homens como Sergio Jarpa, Juan de Dios Carona, Gabriel G. Videla, Jorge Alessandri e outros indivíduos oriundos do sistema político vigente até a instalação da ditadura chilena. Por último, as reformas econômicas concebidas e executadas pelos tecnocratas Chicago Boys também singularizaram o modelo ditatorial chileno, pois cancelaram a tradição oriunda da década de 1930, em que as funções estatais eram auxiliar o desenvolvimento econômico e promover justiça social a fim de atenuar as desigualdades, e a substituíram pela primeira experiência neoliberal do mundo. Essas reformas redefiniram o papel do Estado na economia chilena através das privatizações de empresas públicas, dos serviços públicos e sociais, da abertura comercial aos capitais internacionais, fomento às exportações. A ideologia neoliberal se alastrou em outros campos sociais, por exemplo, reduziu a noção de cidadania à de consumidor (MUÑOZ, 2010, p. 83-84; PINOCHET, 22/02/1976, p. 16; COMO SE FALA, 17/07/1977, p. 11; HUNEEUS, 2002, p. 36-46). A existência de um sistema partidário legal, de eleições periódicas e de alternância de ditadores na experiência brasileira são algumas das principais diferenças entre esta forma ditatorial e a que existiu no Chile, em que, por exemplo, os partidos políticos foram proscritos e o general Augusto Pinochet e o almirante José Merino foram membros do poder executivo nacional ao longo dos 17 anos de ditadura. 3 Políticas econômicas e os “Milagres” do Brasil e do Chile O conceito de Milagre Econômico tem o sentido de explicar rápidas recuperações econômicas e constantes elevações na taxa de crescimento ao mesmo tempo em que sua utilização é algo político-propagandista. Surgiu para elucidar as experiências da Alemanha Ocidental e do Japão nas décadas de 1950-1960 e foi apropriado posteriormente pelos dirigentes do Brasil e do Chile a fim de demonstrar sua eficiência (SINGER, 1982, p. 15-27). 3.1 Milagre Econômico brasileiro O primeiro ditador do Brasil, general Humberto Castelo Branco, formou sua equipe econômica com os seguintes estudiosos, tecnocratas e empresários: Roberto Campos, Ministro do Planejamento; Octávio Bulhões, Ministro da Fazenda; Dênio Chagas Nogueira, presidente do recém-fundado Banco Central e cuja função era executar e fiscalizar a condução Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 158 da política monetária nacional; e José Garrido Torres, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Esse grupo concebeu o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), destinado a pôr fim na crise econômica pela qual passava o Brasil desde o início da década de 1960, através de medidas como o controle dos gastos estatais, a liberalização dos preços das tarifas públicas e de produtos até então subsidiados pelo governo, a retenção da oferta de créditos, a contenção dos salários e o incentivo ao investimento estrangeiro e a instalação de multinacionais no Brasil. Assim, o PAEG teve o duplo objetivo de promover a estabilização financeira e criar as condições para uma nova retomada na acumulação capitalista. Em paralelo a essas ações, houve a reestruturação do sistema financeiro nacional, com a criação do Banco Central e uma reforma tributária, e foram impostas novas regras para as remunerações das classes trabalhadoras por meio do Conselho Nacional de Política Salarial (CNPS), o qual passou a controlar os “acordos salariais privados e os reajustamentos salariais no serviço público” (IANNI, 1981, p. 7) e da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que substituiu o modelo de Estabilidade Decenal e as indenizações pagas aos trabalhadores por um sistema que flexibilizou as relações trabalhistas e funcionou como fonte de poupança compulsória, que, juntamente com as cadernetas de poupança, geraram recursos que foram utilizados pelo Banco Nacional de Habitação (BNH). Tais medidas subordinaram as necessidades da população assalariada ao combate à inflação e à meta do governo militar de despolitizar os sindicatos. Foram implementadas mediante a exclusão dos trabalhadores das decisões estatais e com maciça repressão nas representações sindicais da cidade e do campo (IANNI, 1981, p. 7-8; PRADO; EARP, 2007, p. 213-216). Os resultados dessas ações da equipe Campos-Bulhões, como ficou conhecida, foram a “oligopolização” da economia nacional, pois as empresas que haviam falido eram adsorvidas pelas suas parceiras mais sólidas (MANTEGA; MORAIS, 1979, p. 52), a redução dos custos para a produção, pois o valor da mão de obra estava mais barato, o aumento do endividamento externo, do processo de desnacionalização da economia brasileira e a falta de êxito no que diz respeito à redução da inflação, a qual se manteve acima de 40%. Mesmo com o fracasso da política anti-inflacionária e das perdas econômicas em todos os setores, os atos da equipe do general Castelo Branco geraram bases para um novo modelo de acumulação capitalista conservador ao criar, por exemplo, uma base tributária para o financiamento público e privado, a criação de uma poupança nacional, pela redução dos salários e custos trabalhistas, entre outras medidas. Porém, o PAEG recebeu a oposição de setores do empresariado brasileiro, tal como os organizados na Confederação Nacional da Indústria Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 159 (CNI) a partir de 1966, e de oficiais das FFAA que ameaçaram recorrer a intentonas contra o governo. Em linhas gerais, estes segmentos protestaram contra a ausência de políticas industrialistas e de protecionismo para as empresas brasileiras ao mesmo tempo em que o governo se empenhava em favorecer a expansão das atividades de multinacionais no Brasil. O pouco apoio que a equipe Campos-Bulhões contava também favoreceu a eleição do marechal Costa e Silva como sucessor de Castelo Branco (PRADO; EARP, 2007, p. 213-216; MARTINS FILHO, 1995, p. 77-81; SKIDMORE, 1988, p. 116-118). Costa e Silva e seus principais conselheiros indicaram para os cargos-chave da política econômica os economistas Antônio Delfim Neto (Fazenda), Hélio Beltrão (Planejamento), Rui Aguiar da Silva Leme (Banco Central) e Jayme Magrassi Sá (BNDE), os quais assumiram suas funções em um ambiente recessivo, março de 1967, consideravam que a inflação já havia sido reduzida a patamares aceitáveis e resolveram tomar atitudes que alavancassem o crescimento econômico por meio dos projetos Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social e Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), que acarretaram a volta da atuação estatal na produção econômica através das empresas estatais, do aumento da disponibilidade de créditos públicos e da criação de mecanismos como o Financiamento de Máquinas e Equipamentos (FINAME), fundo responsável por financiar a compra de equipamentos nacionais, entre outros. Em segundo lugar, foi mantida a prática governamental de favorecimento fiscal e financeiro aos grandes monopólios, nacionais e internacionais, além do controle salarial e da repressão aos sindicatos. Os preços passaram a ser controlados através do Conselho Interministerial de Preços (CIP) e os investimentos públicos eram reduzidos nas regiões mais pobres do Brasil e nas áreas sociais. Essas providências foram tomadas em meio a diversos acontecimentos: os estudantes ocuparam as ruas das grandes cidades exigindo democracia a partir de março de 1967; Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek, João Goulart e outros líderes organizaram a Frente Ampla para enfrentar o regime ditatorial; os grupos de guerrilha da Esquerda revolucionária realizaram várias ações armadas; o governo decretou, em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suspendeu o habeas-corpus em casos de crimes políticos, facultava ao presidente fechar o Congresso Nacional, cassar os direitos políticos de qualquer cidadão, entre outros poderes discriminatórios; e, finalmente, o general Costa e Silva foi acometido por uma doença grave que lhe impediu de exercer as funções presidenciais. Em seu lugar, assumiu uma Junta Militar, e sua gestão foi marcada por diversos conflitos intramilitares que resultaram na eleição do general Emílio Médici como ditador do Brasil em fins de 1969 (AARÃO REIS, 2014, p. 66-73; MARTINS FILHO, 1995, p. 106-188). Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 160 Médici foi chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) de Costa e Silva e manteve boa parte do corpo ministerial anterior: Delfim Neto e Jayme Magrassi Sá foram garantidos nos cargos, Ernane Galvêas já havia substituído Rui Leme em fevereiro de 1968, enquanto João Paulo dos Reis Veloso substituiu Hélio Beltrão. Essas continuidades existiram em paralelo com a montagem do aparelho repressivo para desbaratar a oposição armada, enquadrar, desmobilizar, despolitizar o comportamento das classes populares a fim de obter a obediência aos líderes ditatoriais e consolidar o ambiente favorável aos lucros das burguesias nacionais e estrangeiras no Brasil. Foi o auge da repressão política no país. A meta estabelecida por Delfim Neto, Veloso e os demais era transformar o Brasil em uma potência industrial e retirá-lo do rol dos países subdesenvolvidos até o final do século XX, através da manutenção das taxas de crescimento, que seriam obtidas por meio da incorporação de tecnologias modernas; da integração entre as chamadas regiões mais atrasadas do Brasil, dos atuais estados do Norte e do Nordeste, com as mais modernas, estados do Sul e do Sudeste; do investimento em áreas consideradas chave da economia – siderúrgica, petroquímica, elétrica, naval, construção civil, automobilística, eletrotécnica –; dos financiamentos estatal e privado coordenados; do aumento do emprego de recursos nas áreas rurais, por meio de créditos, isenção e facilidades para compra do maquinário, a fim de expandir o cultivo de itens de grande valor no mercado internacional. Para atingir estes objetivos, o governo executou grandes obras, como a usina nuclear em Angra dos Reis (RJ), a estrada “Transamazônica”, que ligaria os estados do Maranhão ao Acre, acelerou as obras para a construção dos metrôs de São Paulo e do Rio de Janeiro, concluiu a ponte Rio-Niterói (GASPARI, 2002, p. 208-210; PRADO; EARP, 2007, p. 219-225). Foram diversas as consequências desse conjunto de práticas. O Produto Interno Bruto (PIB) elevou-se de 7% em 1966 e 4% em 1967 para 11% em 1968, 10% em 1970, 13,3% em 1971, 11,7% em 1972 e 14% em 1973 (CRUZ; MARTINS, 1983, p. 41; PRADO; EARP, 2007, p. 223). Por esses motivos, tal período foi chamado de Milagre Econômico, o qual fortaleceu o otimismo governamental, que investiu em propagandas de autopromoção simbolizadas por slogans como “Brasil, ame-o ou deixe-o” e “ninguém segura esse país”. O formato desse modelo econômico possuía os ingredientes que resultaram em sua crise, a partir de meados de 1974. A crise do petróleo de 1973 agravou a dependência do Brasil em relação à importação deste produto para movimentar, por exemplo, a indústria automobilística, elevou o endividamento externo e a dependência nacional em relação aos centros imperialistas internacionais, cujas multinacionais com filiais no Brasil permaneceram remetendo seus lucros para suas matrizes. O elevado volume de subvenções, isenções, Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 161 financiamentos fornecidos aos grandes monopólios, a evasão de divisas pela prática da remessa dos lucros e do pagamento da dívida externa retiraram mais recursos do Estado brasileiro e os serviços públicos pioraram, aumentaram as desigualdades sociais e o crescimento desproporcional dos setores industriais, pois o modelo econômico brasileiro privilegiava as áreas de bens de capital e de bens de consumo duráveis em detrimento do setor de bens de consumo não duráveis e outros voltados ao consumo popular (MANTEGA; MORAIS, 1979, p. 52; SINGER, 1982, p. 73-97). A inflação e o desemprego aumentaram, o ritmo de crescimento recuou e o Brasil entrou na maior crise econômica de sua história, que se prolongou até a década de 1990, quando o emprego das práticas neoliberais reduziu as taxas de inflação e inaugurou novas formas de acumulação capitalista. 3.2 Milagre econômico no Chile (1973-1982) Após o golpe de 11 de setembro de 1973, a Junta de Governo liderada pelo general Pinochet designou para os ministérios da área econômica o general Rolando González Acevedo (Economia, Fomento e Reconstrução), o contra-almirante Tito Lorenzo Gotuzzo Borlando (Finanças), o general Eduardo Cano Quijada (Banco Central) e o empresário e exoficial da Armada Roberto Kelly, Diretor da Oficina de Planificación Nacional (ODEPLAN), atual ministério do Desenvolvimento Social. Contudo, a maior parte desta equipe econômica não estava preparada para enfrentar as dificuldades pelas quais passava a economia chilena: alta generalizada dos preços, dívida externa, infraestrutura nacional parcialmente destruída pelos atentados orquestrados por paramilitares de Direita que visavam desestabilizar o governo Allende. Por esses motivos, convocaram-se civis para cargos de assessoria dos ministros-militares, e é nesse contexto que aqueles que no futuro ficaram conhecidos como Chicago Boys ascenderam ao governo militar. Os Chicago Boys foram um grupamento de civis politicamente conservadores, adeptos da Teoria Monetarista e favoráveis a uma reforma geral nas relações sociais e econômicas do Chile. Em geral, graduaram-se na Universidade Católica (UC), realizaram suas pósgraduações na Universidade de Chicago (Estados Unidos), instituições em que estudaram e assimilaram os valores da Escola Monetarista, ou Neoliberal. Um dos seus principais mentores foi Milton Friedman. Ao retornarem ao Chile, os laços de solidariedade criados na UC e em Chicago fortaleceram-se quando membros mais expoentes deste grupamento uniram-se a outras associações conservadoras, como os Gremialistas, a Cofradía Náutica del Pacífico Austral, uma entidade oficialmente dedicada aos esportes náuticos mas que de fato Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 162 funcionava como um centro político que reuniu empresários como Agustín Edwards, do grupo midiático El Mercúrio e um dos principais articuladores do golpe militar, executivos de empresas privadas, René Silva Espejo, Arturo Fontaine Aldunate, ex-oficiais da Armada que exerciam atividades na iniciativa privada, Roberto Kelly e Hernán Cubillos, e oficiais da ativa, como os almirantes José Toribio Merino, Patricio Carvajal e Arturo Troncoso. Através da Cofradía, muitos Chicago Boys participaram da conspiração contra o governo Allende e elaboraram o documento El Ladrillo, que sintetizou os valores desse grupamento e que serviu como base para as reformas econômicas pós-1973 (VALDIVIA, 2003, p. 113). Roberto Kelly recrutou para a ODEPLAN os primeiros Chicago Boys que participaram do governo ditatorial, como Miguel Kast e Ernesto Silva. Sob a orientação do almirante Merino, os Chicago Boys Sergio de Castro e José Luiz Zabala se tornaram auxiliares dos generais Rolando González e Eduardo Cano, respectivamente. Em seguida, Fernando Léniz, executivo do grupo El Mercúrio, substituiu o general González, manteve Sergio de Castro como colaborador e iniciou sua política econômica de reformas graduais para a normalização da economia. No biênio 1973-1974, esta equipe econômica decidiu liberar gradualmente os preços, devolver paulatinamente algumas empresas nacionalizadas no governo Allende aos antigos proprietários, aumentar os impostos e ainda manter o papel ativo do Estado nas atividades produtivas. Essas atitudes fracassaram, pois a inflação permaneceu elevada e a alta dos preços do petróleo resultou em forte crise da balança de pagamentos. Diante de tal situação, em abril de 1975, a posição liderada por Sergio de Castro, que exigia um ajuste radical no Chile através de um plano econômico neoliberal, obteve respaldo de Pinochet e da maioria dos generais e conquistou não apenas o controle dos cargos decisórios econômicos, mas uma maior margem de manobra para a aplicação de suas teorias, por eles inicialmente chamado de “Economia Social de Mercado”. Castro assumiu o Ministério da Economia, Jorge Cauas as Finanças e Pablo Baranona e Alvaro Bardón, respectivamente, presidente e vice do Banco Central (ARRIAGADA, 1998, p. 51-58; MOULLIAN; VERGARA, 1981, p. 391). O novo ministério iniciou a chamada “política de tratamento de shock” para conter a inflação, enfrentar a crise do balanço de pagamentos, estabelecer uma nova relação com o sistema financeiro internacional e “produzir uma rearticulação profunda no quadro institucional no que tinha funcionado a economia chilena desde o auge de [sua] industrialização”, que, em outras palavras, visava a desestatização da economia chilena (MOULLIAN; VERGARA, 1981, p. 389). O programa aplicado resultou na privatização de bancos e empresas públicas dos mais diversos ramos, na diminuição dos gastos públicos – sobretudo nos setores da educação, Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 163 saúde e previdência –, no aumento do valor das tarifas telefônicas, de eletricidade e dos correios, na abolição do controle sobre os preços, na demissão de funcionários públicos, na redução da taxa de câmbio e dos impostos sobre a importação, na adoção do câmbio único em relação ao dólar, na regulação da movimentação sindical através da repressão, do risco de demissões e do arrocho salarial. Porém, o patrimônio das FFAA não foi atingido por tais ações e os militares ainda receberam investimentos para a organização da estrutura repressiva simbolizada pela Dirección de Inteligência Nacional (DINA). O Chile entrou em recessão e hiperinflação entre 1975-1977, por efeito do tratamento de shock: empresas faliram, sobretudo as pequenas e médias, pois perderam o financiamento estatal, a repressão sobre os trabalhadores reduziu qualquer possibilidade de oposição às ações governamentais, o aumento dos preços atingiu o custo de vida do cidadão médio. Por conseguinte, cresceu a mortalidade infantil, o custo de vida, o número de desabrigados e desempregados. Os salários perderam sua capacidade aquisitiva (VYLDER, 1985, p. 8-17; ARRIAGADA, 1998, p. 68-72). Pinochet e os Chicago Boys justificaram tal situação argumentando que o Chile estava passando por uma modificação estrutural em que o Estado estava deixando de ser intervencionista e que essa ausência de poder público geraria uma elite empresarial capaz de dominar o andamento da economia nacional e transformaria cada cidadão do país em um consumidor. Assim, imperaria no Chile a lei da oferta e da procura em que o Mercado amenizaria as diferenças sociais, regularia as relações sociais no país, e os partidos, sindicatos e outras entidades coletivas perderiam suas razões de existência, e o Chile se despolitizaria e teria um desenvolvimento econômico único em sua história. Também atribuíram ao governo Allende as gêneses do caos econômico pelo qual o país atravessava. Nas palavras de Pinochet: “[nossa situação teve início] no desgoverno marxista e na crise internacional [que juntos] empobreceram o país ao extremo, tal que [seriam] necessários mais 10 anos para superar seus efeitos” (PINOCHET, 12/09/1978, p. 11). Complementaram seus argumentos reprimindo os opositores ao projeto militar-neoliberal. Essas decisões foram tomadas com apoio de governos e banqueiros internacionais que emprestaram vultosos recursos ao Chile e ainda adquiriram empresas que pediram concordata ao governo Pinochet. Os bancos e instituições financeiras tiveram suas atividades facilitadas pela falta de regulamentação. Assim, enquanto o PIB de 1975 tinha sido de 13,3%, e o de 1976 de 3,2%, a economia voltou a crescer em 1977, e o PIB registrado foi de 8,3%. Os valores dos anos seguintes foram: 7,8% em 1978, 7,1% em 1979, 7,7% em 1980, ano de maior euforia dos adeptos da ditadura, e 6,7% em 1981. Por essas razões, ficou conhecido Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 164 como “Milagre Chileno” o período entre 1977 e 1981 (ARRIAGADA, 1998, p. 289; REFORMAS, 11/12/2006). Os novos milionários começaram a investir numa economia que lhes garantia bons lucros: houve expansão na indústria, destacando-se a construção civil a partir da edificação de supermercados, restaurantes e hotéis de luxo. O país voltou a exportar significativamente cobre, madeira, vinhos, frutas e pescado (VYLDER, 1985, p. 18-19). Em tal conjuntura, Pinochet privatizou o sistema previdenciário, o sistema elétrico e algumas empresas estatais. O fim da previdência pública originou a criação de fundos de pensão que eram incentivados a adquirirem ações das empresas públicas que estavam sendo vendidas pelo governo Pinochet e que injetaram mais recursos na economia chilena (HUNEEUS, 2002, p. 437-438). Ao mesmo tempo, os mais ricos tiveram a oportunidade de viajar e gastar no exterior, enquanto a classe média chilena aumentou sua cesta de consumo e adquiriu automóveis, televisores a cores e outros produtos importados devido a fatores como o recuo da inflação, de 300% ao ano em 1974 para 30% em 1980, a política cambial e os créditos internacionais concedidos aos banqueiros e empresários chilenos (ARRIAGADA, 1998, p. 151-159; VYLDER, 1985, p. 1819). Porém, os constantes déficits na balança comercial, a concentração de renda, os efeitos da segunda crise do petróleo e o crescimento da dívida externa resultaram na crise do Milagre Econômico chileno e em um novo período de recessão até meados da década de 1980, quando novas reformas neoliberais consolidaram essa forma de acumulação capitalista que guia os destinos dos chilenos até os dias atuais. 4 Os “Milagres” comparados Brasil e Chile passaram por experiências ditatoriais com pontos de similitudes e diferenças, e o exame dos períodos de maior crescimento econômico de ambos os países, dos Milagres Econômicos, ajuda-nos a perceber as singularidades de cada situação. Os efeitos dos Milagres foram nefastos para a maior parte das classes populares, pois se apoiaram firmemente na exploração dos trabalhadores, no rebaixamento dos salários, na repressão das entidades sindicais e na retirada de determinadas conquistas históricas dos trabalhadores, tal qual a Estabilidade Decenal (Brasil) e o sistema previdenciário (Chile). A título de nota, no Chile, o número de famílias vivendo em situação de pobreza aumentou de 28% para 44% entre 1970 e 1980, ao mesmo tempo em que o gasto social foi reduzido e os salários reais caíram a níveis inferiores a 1970 (ARRIAGADA, 1998, p. 86). No Brasil, por Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 165 sua vez, em 1958 os índices dos salários-mínimos Nominal e Real no Rio de Janeiro eram Cr$ 6,00; em 1973, o Nominal era de Cr$ 312,00, enquanto o salário mínimo real era de Cr$ 3,03. Entre 1960-1970, a mortalidade infantil cresceu 90%, a falta de saneamento em São Paulo propiciou a expansão de uma epidemia de meningite (1974) e a porcentagem de acidentes de trabalho no setor dos derivados do petróleo em 1973 era de 44,8% (ARROYO, 1978, p. 5963). Nos dois países aumentou o êxodo rural, motivado pela procura de melhores condições de trabalho nas cidades ou pela expulsão do campo pelas novas culturas mecanizadas e/ou pela manutenção dos latifúndios (agora protegidos pelas ditaduras). Parte significativa destes migrantes encontrou trabalho em ocupações precárias e informais, enquanto outros se tornaram desempregados. A partir das crises dos Milagres Econômicos, a inflação deteriorou os salários e o nível de vida da população. Os serviços públicos voltados ao atendimento das camadas populares ficaram mais precários. As crianças foram uma das parcelas mais atingidas do efeito dos Milagres e das crises econômicas que os sucederam, porque agravou-se o quadro de mortalidade, desnutrição infantil e multiplicou-se o número de delinquentes juvenis (KUCINSKI; BRANFORF, 1984, p. 48-58; MARTINEZ; TIRONI, 1985, p. 158-171). As economias dos países em questão aprofundaram sua subordinação aos mercados internacionais uma vez que as corporações estrangeiras ampliaram suas atividades em todos os ramos da economia e consolidaram-se como as fornecedoras dos mais caros e modernos equipamentos utilizados pelas empresas nacionais de propriedade pública e privada. No Brasil, entre 1967 e 1970, companhias estrangeiras como a Brazilian Land Cattle, The Lancashire General Investment Co. Ltd., Siderúrgica Belgo-Mineira Frigorírico Anglo, Georgia Pacific Corporation, entre outras, compraram vastas propriedades rurais à custa da exclusão de milhares de camponeses e indígenas, com apoio do governo e em conluio com empresários brasileiros para ampliar as pastagens, explorar as riquezas vegetal e mineral. Os governos pós-1964 visavam modernizar e fortalecer as instituições financeiras nacionais e facilitaram um processo de fusões e incorporações entre bancos comerciais ao mesmo tempo em que não permitiram o funcionamento de bancos estrangeiros no Brasil, os quais, por sua vez, aumentaram o número de representações comerciais no país, destinados a financiar a aquisição de equipamentos para a indústria, e associaram-se com firmas brasileiras. Os grupos que mais fecharam negócios na conjuntura do Milagre foram o Chase Manhattan Bank, Deutsch-Südamerikanisch Bank, Citu Bank, The Nomura Securities. No setor industrial, as multinacionais participavam dos setores que utilizavam mais tecnologia e maiores escalas de Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 166 produção, como o eletroeletrônico, controlado pelas multinacionais como Siemens, Toshiba Tokyo Shibaura, Hitashi, e o automobilístico, controlado pela Saab-Scania, Mercedes-Benz, Ford, General Motors e Volkswagen. Tal processo ocorreu em várias outras áreas, como a alimentícia, Nestlé, Coca-Cola e Pepsi Cola (BANDEIRA, 1979, p. 50-188). O Estado era o detentor das empresas com maior capital que atuavam no Brasil entre 1973 e 1974: Petrobrás, Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA), Companhia Vale do Rio Doce, Usiminas e Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Em 1975, a Eletrobrás entrou nesse rol. Em comum, todas essas estatais citadas operavam em setores de infraestrutura e indústria de base, ramos que exigem grandes somas de recursos fundamentais para o investimento econômico (BANDEIRA, 1979, p. 187-188). A Petrobrás era o maior grupo econômico latino-americano desde 1969, e possuía uma rede de subsidiárias que incluía a Petrobrás Internacional (Braspetro); a Petrobrás Distribuidora, posteriormente BR Distribuidora e maior responsável pela venda de combustíveis em postos de gasolina no país; a Petrobrás Química (Petroquisa); a Frota Nacional de Petroleiros (Fronape), uma das maiores do mundo. A Usiminas, CSN e a COSIPA faziam parte do conglomerado Siderbrás (A CRONOLOGIA, 15/06/1973, p. 22-23; MULTINACIONAIS, 21/05/1975, p. 80-84; E O PETRÓLEO, 04/10/1978, p. 107). No Chile, a maior participação das multinacionais ocorreu principalmente nos setores bancários, extrativistas, serviços e alimentícios. Em geral, tais empresas começaram nos mesmos departamentos que suas matrizes e diversificaram suas atividades ao longo da ditadura, principalmente absorvendo empresas locais. Estes foram os casos do Grupo Schmidheiny, que ingressou no país como sócio do Banco Unido de Fomento (BUF), em 1975, e que expandiu suas atividades para outras instituições financeiras, industriais (Sociedad Industrial Pizarreño) e através da compra de ações. O conglomerado Eternit era inicialmente dedicado à produção de materiais de construção e chegou ao país em 1939; desde esse período influenciava as políticas habitacionais do país e fez-se presente Compagnie Financiére Eternit, na Sociedad Industrial Pizarreño, da Amindus Holding S.A, o grupo Royal Dutch/Shell, inicialmente responsável pela distribuição de combustíveis e que começou a diversificar suas atividades em 1979 no segmento da indústria química (Reactivos de Flotación S.A), extrativista (Agricola y Florestal Copihue S.A, Bosques Chile S.A), ou a British American Tobacco (BAT) que aplicou seus recursos no tabaco, na celulose e nos serviços financeiros. Multinacionais como a Swedish Match, a Nestlé, a Bond, a Exxon e a Fletcher Challenge tiveram trajetórias análogas às das empresas descritas acima (ROZAS; MARÍN, 1988, p. 93-280). Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 167 As maiores empresas chilenas também expandiram seus negócios em variadas esferas. Nos meios de comunicação, atuavam os grupos Cruzat-Larrín (Radio Minéria e revistas Ercilla e Vea), Grupo Edwards, proprietária das maiores empresas de telecomunicações do Chile como os jornais El Mercurio e La Segunda. No financeiro, destacaram-se os grupos Cruzat-Larrín (Banco de Santiago e Banco Hipotecario y Fomento Nacional), Vial (Sociedad de Inversiones J.M. Carrera, Banco de Chile, entre outras sociedades) e o grupo Edwards (International Basic Economy Coporation, Cia de Seguros La Chilena Consolidada). Na área extrativista, o grupo Cruzat-Larrín (Sociedad Pesquera Colosso e Sociedad Minera del Prado), entre outros (DAHSE, 1983, p. 12-32). Nessa conjuntura, o holding estatal Corporación de Fomento a la Producción (CORFO) ainda era indispensável para o desenvolvimento econômico nacional, pois suas subsidiárias dominavam alguns setores, como a siderurgia, Compañía de Aceros del Pacífico (CAP), e a eletricidade, Empresa Nacional de Electricidad (ENDESA). As instituições públicas também conservaram atribuições capazes de garantir o capitalismo no país. Por exemplo, na década de 1980, o sistema financeiro chileno entrou em colapso e os maiores bancos foram salvos da falência pelo governo Pinochet, que passou a controlar quase 80% do setor financeiro nacional em meados desta década (HUNEEUS; OLAVE, 1987; p. 293; VALDIVIA, 2003, p. 106-139; MUÑOZ, 2010, p. 160-167). Os incentivos fiscais, a estabilidade política, a pouca possibilidade da decretação de greves e a possibilidade de enviarem recursos para os seus países sedes foram algumas das razões que explicaram a expansão dos negócios das transnacionais e dos monopólios nacionais, estatal e privado, nos países em questão. Em paralelo a esta nova etapa de expansão das multinacionais nestes territórios, acentuou-se a dependência tecnológica em relação aos grandes centros, o envio de recursos ao exterior através de royalties e do pagamento das exorbitantes dívidas externas, pois a brasileira mais que quadruplicou no Brasil e triplicou no Chile em tais conjunturas. Em 1984, por reflexos das suas respectivas crises, o Chile tinha a maior dívida per capita do mundo e o Brasil tinha quase 40% da população abaixo da linha de pobreza (KUCINSKI; BRANFORF, 1984, p. 47-59; LOS GASTOS, 3 a 16/01/1984, p. 19). Assim, a observação do panorama da internacionalização promovida pelas duas ditaduras permite afirmar que as singularidades em relação às maneiras em que dirigentes gestaram os assuntos econômicos estão localizadas nas áreas do mercado que as filiais das multinacionais ocuparam e na participação do Estado. No Brasil, os conglomerados estrangeiros dominaram os departamentos de bens de consumo duráveis (automobilística, eletrodomésticos) e de serviços destinados às classes médias e altas, enquanto o Estado assumiu as tarefas de desenvolver os ramos de infraestrutura e de bens de produção. Os Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 168 maiores bancos eram privados (Econômico, Itaú) e estatais (Banco do Brasil e os bancos estaduais). No Chile, por sua vez, os setores que mais prosperaram no Milagre Chileno foram o Terciário, representado pelos monopólios dos meios de comunicação, o sistema financeiro (sobretudo o ramo dos créditos), seguido pelo setor Primário (exploração do cobre, da pesca e da atividade madeireira). Diferentemente do Brasil, o país passou por uma fase de desindustrialização (VIGNOLO, 1986, p. 197-208; CYPHER, 2007). Em relação ao setor público, o Estado chileno reduziu suas atividades produtivas, subsidiou várias privatizações, prestou auxílio financeiro e técnico a determinadas empresas, vendeu as empresas adquiridas pela CORFO entre 1970-1973, transformou outras em autarquias e converteu a estatal em parceira da acumulação capitalista engendrada pelos Chicago Boys através de convênios e assessorias técnicas (VALDIVIA, 2003, p. 125-139). Por fim, devemos relembrar que as instituições ditatoriais de ambas as ditaduras foram fundamentais para manter os níveis salariais baixos, os movimentos sindicais controlados e o deslocamento de recursos das áreas sociais para a iniciativa privada. 5 As matrizes da diferença Existem diversos fatores capazes de explicar os motivos que levaram as ditaduras do Brasil e do Chile a adotarem as formas de acumulação capitalistas trabalhadas anteriormente, e neste trabalho trato de dois pontos: o cenário capitalista em que as políticas foram desenvolvidas e as características político-profissionais das suas equipes econômicas. No primeiro caso, a deposição de Goulart ocorreu em uma conjuntura de elevado crescimento das economias da Alemanha Ocidental e do Japão, e os conglomerados estadunidenses persistiam em expandir suas atividades no Brasil, os preços internacionais do petróleo estavam razoáveis e havia disponibilidade de capitais. A estes fatores externos somaram-se a modernização da máquina administrativa por meio das ações da equipe Bulhões-Campos e a decisão dos ministros de Costa e Silva de promoverem o crescimento do PIB aproveitando-se destes fatores, do baixo valor da mão de obra, da capacidade ociosa da indústria pós-1964, do apoio empresarial e dos recursos naturais presentes no Brasil (SINGER, 1982, p. 21-97; COUTINHO, 1984, p. 41-55). Já o cenário chileno foi marcado inicialmente pelo fim do período de expansão da economia mundial dos anos 1971-1973, o início da crise do petróleo, a baixa dos preços internacionais do cobre e pela oposição de grupos liberais do Primeiro Mundo que protestaram pelas violações dos direitos humanos e que pressionavam seus governos no sentido de restringir o crédito ao governo militar. Dessa Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 169 forma, havia grandes obstáculos, caso os dirigentes chilenos desejassem implementar políticas de expansão industrial como os brasileiros. Por outro lado, o shock realizado pela equipe de Sergio de Castro reorganizou o mercado financeiro nacional, atraiu investidores estrangeiros que atuaram no setor bancário e favoreceu o aumento das exportações, mas também da especulação financeira (COUTINHO, 1984, p. 41-55; VALDIVIA, 2003, p. 135; VYLDER, 1985, p. 13-22). Em resumo, as condições exógenas favoreceram as políticas industrialistas no Brasil e “agro-financeiras” no Chile. As propriedades político-profissionais das equipes econômicas de ambos os países são o segundo elemento que este artigo trata para explicar as dissemelhanças entre os dois modelos econômicos ditatoriais. Retomarei neste caso as conclusões de um trabalho anterior (MONTEIRO, 2014). Os chilenos Chicago Boys surgiram como um grupo de pós-graduação guiado pela escola Monetarista (Neoliberal) que no Chile foram acolhidos por Agustín Edwards, Javier Vial e outros empresários que os auxiliaram na difusão de suas ideias em entidades associativas das classes dominantes. Edwards e Vial, por sua vez, eram vinculados a entidades de classe e políticos da Direita estadunidense, e o imperialismo “ianque” prestou apoio logístico e financeiro aos Chicago Boys e à conspiração anti-Allende. Com a instalação da ditadura, os Chicago Boys integraram a ODEPLAN e outras pastas da área econômica ao mesmo tempo em que trabalharam em cargos de confiança dos grandes grupos econômicos chilenos. Politicamente conservadores, aliaram-se aos Gremialistas e aos militares contra Allende, para aplicar suas propostas, e dissociavam o desenvolvimento capitalista do crescimento industrial (MONTEIRO, 2014, p. 66-79; DREIFUSS, 1987, p. 214-238). Os ministros brasileiros, por sua vez, tinham diferentes diagnósticos acerca dos problemas brasileiros. Campos e Bulhões desejavam subordinar o crescimento industrial à contenção da inflação, do déficit público e da redução da importância das empresas estatais. Delfim Neto e seus parceiros ministeriais admitiam a presença de um certo patamar de inflação e de endividamento externo como um mal menor desde que existisse expansão da indústria, das exportações e da integração entre as regiões do Brasil. A formação profissional desses homens era heterogênea, pois, por exemplo, Campos era diplomata, Delfim Neto, economista da Universidade de São Paulo (USP), Ernane Galvêas, advogado e pós-graduado na Universidade de Yale (EUA), mas, por outro lado, foram unidos por suas experiências no IPES, ESG, na oposição a Goulart e por solidariedade de classe, uma vez que Campos, Bulhões, Garrido Torres e Dênio Nogueira também eram empresários ou executivos de multinacionais. A maioria dos citados também era adepta do planejamento econômico e de um traço das classes dominantes brasileiras, que viam a expansão industrial e a imersão no Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 170 mercado internacional como etapas para superar o subdesenvolvimento e promover estabilidade interna. Por fim, assim como os Chicago Boys, os homens que lideraram as equipes econômicas ditatoriais brasileiras receberam auxílio das lideranças imperialistas internacionais para depor o governo Goulart – o IPES, por exemplo, recebeu fundos dos EUA para suas atividades –, e também para consolidar suas posições de poder (MONTEIRO, 2014, p. 69-79; DREIFUSS, 1981, p. 71-568). Além do apoio externo, os tecnocratas brasileiros e chilenos também se beneficiaram das oscilações políticas do interior das FFAA. Os Chicago Boys obtiveram apoio de Pinochet e do Almirante Merino, que permaneceram no poder de 1973 a 1990. No Brasil, os futuros ministros eram articulados com os militares da ESG desde antes da ditadura, e tal grupo castrense que governou o país por quatorze anos foi hegemônico no governo José Sarney (1985-1990). Suas ideias econômicas também despertaram simpatias em oficiais como Costa e Silva e Médici. Nas mãos desta aliança tecno-militar-empresarial, o Estado brasileiro comportou-se como um investidor, financiador e dinamizador na economia. O bloco chileno, por sua vez, criou condições para o domínio do capitalismo financeiro. 6 Considerações finais As alianças formadas por militares, empresários e outros grupos conservadores do Brasil e do Chile depuseram os governos de esquerda e centro-esquerda de seus países e implantaram ditaduras com vários traços em comum. No campo econômico, muitos trabalhos têm apontado que tais países seguiram orientações diferentes ou até mesmo antagônicas: estatismo no Brasil e privatizações no Chile. De outra forma, este trabalho buscou demonstrar que estas diferenças não foram desprezíveis, mas, caso levadas ao extremo, podem esconder as linhas comuns e estruturais que guiaram tais equipes ministeriais: repressão policial-militar que permitiu disciplinar os trabalhadores, reduzir seus salários e garantir maiores rendimentos para as classes proprietárias, ações que promoveram a internacionalização das suas economias, a concentração empresarial, o aumento do PIB, a diversificação de suas atividades produtivas, entre outras. Do mesmo modo, as classes trabalhadoras foram as camadas sociais mais prejudicadas pelas medidas: queda do nível de vida, perda da autonomia política e sindical, morte das lideranças opositoras, privatização e deterioração dos serviços públicos. Na parte final do artigo fiz algumas referências aos traços político-profissionais dos indivíduos que exerceram os cargos ministeriais do Brasil e do Chile em gestões organizadas para ampliar a acumulação capitalista sem que esta promovesse a equidade social em um Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 171 horizonte próximo. Apontei também ao longo do texto que as reformas impulsionadas por esses sujeitos sociais tiveram um duplo efeito: por um lado, promoveram grande aumento no PIB, mas, por outro, suas bases possuíam fragilidades que resultaram em severas crises, épocas de recessão agravadas por mudanças internacionais, como as crises do dólar e do petróleo. O exame dos resultados das políticas econômicas dos governos democráticos pósditaduras podem levar a novas críticas aos chamados êxitos econômicos das ditaduras. Por exemplo, os índices econômicos dos governos pós-ditadura de Pinochet foram maiores do que aqueles atingidos ao longo do Milagre Chileno e do regime militar (MUÑOZ, 2010, p. 269276; HUNEEUS, 2002, p. 391). No Brasil, as taxas de crescimento de 2002 a 2013 não alcançaram os patamares do período 1968-1973, mas seus números relacionados aos dos gastos sociais apontaram para uma propensão mais recente em conciliar crescimento e redução da miséria absoluta. Por outro lado, enquanto o Brasil foi um dos últimos exemplos da aplicação de um projeto de acumulação capitalista baseado no crescimento industrial alavancado pelo intervencionismo público e financiado pela aliança Estado-Multinacionais, forma esta originada nos EUA, presente na China contemporânea e atualmente considerada obsoleta, protecionista e inflacionária, o exemplo neoliberal chileno, por sua vez, tem servido de matriz para diversos países desde meados dos anos 1980. As duas experiências econômicas nas ditaduras são similares na medida em que as principais modificações que produziram nos países em questão ainda estão vigentes passadas quase duas décadas de redemocratização. Por exemplo, não houve revogação das privatizações das empresas públicas e do ensino superior chileno, da reforma da previdência ou de qualquer medida implementada pelas equipes ministeriais de Pinochet. De forma parecida, persiste na experiência brasileira o FGTS, a monopolização e a internacionalização das áreas vitais da economia, como o sistema bancário, o automobilístico, a construção civil. Defendidos pelo empresariado multinacionalassociado de ambos os países e por seus representantes políticos, estes pontos constituem o maior legado ditatorial e alvos prioritários das forças sociais que desejam livrar suas sociedades desta herança. Recebido em outubro de 2014. Aprovado em dezembro de 2014. Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 56, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://seer3.fapa.com.br/index.php/arquivos> ISSN 1808-043X – Versão eletrônica 172 Revisiting the “Economic Miracle” of the dictatorships in Brazil and Chile in comparative perspective (19681982) Abstract: This study aims to make a comparative analysis of the major political and economic measures implemented by Brazil and Chile dictatorial leaders, which resulted in a period of great economic growth called as the “Economic Miracle”. The perspective that permeates this study is about two experiences that had the same structural base, such as the opening of foreign financial markets and the wage control, but resulted in the development of various economic sectors due to the economic orientation of their elites and available international resources. Keywords: Economic Miracles. Dictatorships. Capitalism. Referências A CRONOLOGIA da sucessão. Veja, São Paulo, 15 jun. 1973, p. 22-23. AARÃO REIS, Daniel. Ditadura e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. 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