Revisitando os “Milagres Econômicos” das ditaduras do Brasil e do

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Revisitando os “Milagres Econômicos” das ditaduras do Brasil e do Chile
em perspectiva comparada (1968-1982)
Tiago Francisco Monteiro*
Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar comparativamente as principais medidas político-econômicas
implementadas pelos dirigentes ditatoriais do Brasil e do Chile e que resultaram em uma fase de grande
crescimento econômico, que tem sido chamada de “Milagres Econômicos”. A perspectiva que permeará este
artigo é a de que se trataram de duas experiências que tiveram as mesmas bases estruturais, como a abertura do
mercado financeiro exterior e o controle salarial, mas que resultaram no desenvolvimento de setores econômicos
diversos em função da orientação econômica de suas elites e dos recursos internacionais disponíveis.
Palavras-chave: Milagres Econômicos. Ditaduras. Capitalismo.
1 Introdução: Os regimes ditatoriais no Brasil e no Chile
Os golpes militares do Brasil, 1º de abril de 1964, e do Chile, 11 de setembro de 1973,
foram organizados por uma ampla coalizão conservadora que envolveu parcelas das forças
armadas (FFAA), do empresariado nacional e estrangeiro, dos latifundiários, dos partidos
políticos de Direita, entre outros. Tais setores pretendiam conter a ascensão política das
classes trabalhadoras, afastar a Esquerda do sistema político, realinhar as economias nacionais
aos imperativos financeiros internacionais e alinhar-se com os Estados Unidos na Guerra Fria.
As ditaduras organizadas após as intervenções empresarial-militares foram
caracterizadas pela violência estatal contra os trabalhadores organizados, suas formas de
representação e outras camadas sociais que poderiam representar uma ameaça à ordem,
através do controle do aparelho de Estado pela instituição militar, a qual reorganizou o estado
dotando-o de órgãos guiados nos critérios corporativos castrenses, como o Conselho de
Segurança Nacional (CSN), no Brasil, e o Comité Asesor de la Junta (COAJ), no Chile, a
instituição de organismos policial-repressivos, exemplificados pelo Serviço Nacional de
Informações (SNI), Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de
Defesa Interna (DOI-CODI), todos brasileiros, e a chilena Dirección de Inteligência Nacional
(DINA).
*
Graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em História pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e doutorando em História Social pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista CAPES. Professor da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro. (E-mail:
[email protected]).
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Da mesma forma, outro grupo de poder destas ditaduras foram os tecnocratas, ou seja,
uma camada de funcionários civis geralmente associados aos grandes grupos econômicos
capitalistas, politicamente conservadores, que promoveram as reformas financeiras e
administrativas reclamadas pelos centros capitalistas mundiais.
As variantes nacionais da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) forneceram as
visões de mundo destas formas ditatoriais que pretendiam recuperar os valores nacionais, que
seus adeptos acusavam de terem sido maculados pelas esquerdas, corrigir e “refundar” seus
países seja através de políticas de incentivo à internacionalização das economias, da
despolitização das classes trabalhadoras e do culto a valores como a Ordem, o cristianismo.
Os elementos descritos nos parágrafos anteriores estiveram presentes nas ditaduras do
Brasil e do Chile, com o peso de cada um dos fatores variando em cada país. Comparando as
duas experiências ditatoriais, possivelmente perceberemos que um traço fundamental que as
distinguiu foi seus modelos econômicos. Determinados trabalhos nos informam que no Brasil
o Estado passou a assumir as mais diversas funções no aparelho produtivo nacional, enquanto
no Chile quase o contrário aconteceu, pois suas elites afastaram paulatinamente o Estado das
atividades econômicas e encontraram o caminho do desenvolvimento econômico (MUÑOZ,
2010, p. 271-273). Diante deste quadro, o objetivo do trabalho é comparar as principais
políticas públicas desenvolvidas pelas equipes econômicas ditatoriais que resultaram nos
períodos de maior crescimento econômico de ambos os países e, por isso, ficaram conhecidos
como Milagres Econômicos do Brasil (1968-1973) e do Chile (1977-1981). Em segundo
lugar, estudarei também as consequências dos Milagres e das políticas econômicas no
conjunto da sociedade, com ênfase nos trabalhadores. Finalmente, discutirei as origens das
duas experiências. As hipóteses que permearão este trabalho são as de que ambos os modelos
econômicos foram estruturados em bases semelhantes devido ao pertencimento dos dois
países na periferia do sistema capitalista. Porém, a trajetória dos tecnocratas que assumiram
os cargos decisórios, somados à composição do bloco ditatorial e à conjuntura internacional,
resultaram em duas formas de desenvolvimento do capitalismo na América Latina.
Recorrerei ao método comparativo visando evidenciar as diferenças e similitudes entre
os dois países a fim de perceber se houve um processo histórico em comum, ao mesmo tempo
em que as singularidades passaram a ter maior relevo (RAMIREZ, 2012, p. 64).
Passemos agora para o exame de dois trabalhos importantes para o tema deste artigo.
Hernan Ramirez dedicou-se a analisar os programas que embasaram as reformas econômicas
que foram aplicadas nas duas ditaduras. No Brasil, os estudos foram elaborados por membros
e simpatizantes de organizações empresariais, como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
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(IPES), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), entre outras, enquanto no Chile foi
formulado o programa El Ladrillo por professores e outros estudiosos adeptos da teoria
Monetarista, ou Neoliberal, aliados a setores reunidos em associações, como a Sociedad de
Fomento Fabril (SOFOFA) e o Centro de Estudios Socio-Económicos (CESEC). Os dois
projetos tinham em comum o desejo de promover reformas que atraíssem investidores
estrangeiros, removessem todas as barreiras comerciais, a diminuição da interferência estatal
na produção, a subordinação dos problemas sociais à lógica empresarial, o enfraquecimento
das organizações sindicais, além de outras reivindicações (RAMIREZ, 2012, p. 63-81).
Porém, enquanto este trabalho analisará as políticas ditatoriais que resultaram nos
Milagres Econômicos e suas consequências, Ramirez tinha como objeto as propostas do IPES
e dos Chicago Boys, embora tenha feito referências a algumas políticas que posteriormente
foram adotadas pelas equipes econômicas ditatoriais.
Mateus Maciel, por sua vez, comparou os Milagres Econômicos dos dois países a
partir de uma visão liberal e da tentativa de responder qual dos dois foi melhor. Advogou que
as práticas keynesianas empregadas pelos brasileiros durante os anos de ditadura militar
possuíram efeitos positivos a curto prazo, mas desastrosos ao longo do tempo, uma vez que a
intervenção do Estado na economia resultou em inflação, baixo crescimento econômico,
desemprego e endividamento externo. No Chile, por outro lado, o emprego dos métodos
neoliberais salvou a economia do país, pois, apesar de ter resultado no aumento do
desemprego, porque muitos funcionários públicos foram demitidos, reduziu as taxas de
inflação de burocratas e desonerou as empresas (MACIEL, 2014).
Por se tratar de um texto introdutório e organizado segundo a visão neoliberal, as
interpretações de Maciel possuem uma série de problemas. Entre outros elementos, tratou a
repressão policial-militar e as reformas econômicas como aspectos autônomos das Ditaduras
e, em seguida, descreveu as causas do ocaso do Milagre do Brasil no excesso de
intervencionismo, enquanto no Chile as razões principais da crise iniciada no ano de 1981
foram o aumento das taxas de juros decretadas nos EUA no ano de 1982.
A perspectiva presente neste trabalho é distinta das pesquisas citadas e propõe
evidenciar as diferenças, situar as analogias nas transformações mais gerais do capitalismo
periférico e enfatizar o papel das elites e dos modelos ditatoriais na definição dos caminhos
que as políticas econômicas percorreram.
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2 As formas ditatoriais do Brasil e do Chile
A ditadura brasileira iniciada com o golpe de abril de 1964 era inicialmente composta
por tendências que estiveram unidas na oposição contra o presidente João Goulart, mas que
disputaram a hegemonia no regime de força então instalado. O bloco político que conseguiu
exercer sua hegemonia sobre os demais e controlou o aparelho de Estado tomou forma final
em 1969, com a ascensão do general Emílio Médici, e era composto por três ramos. O
primeiro foi o setor majoritário das forças armadas sob a liderança de um grupo de oficiais
ligados à Escola Superior de Guerra (ESG), uma instituição fundada por inspiração e apoio do
Colégio Nacional de Guerra dos Estados Unidos (National War College – NWC) e outros
oficiais ligados à ESG por compartilharem da DSN, defesa da despolitização das camadas
inferiores e médias da hierarquia castrense. O outro grupo eram os Tecnocratas, que
geralmente eram recrutados entre parcelas do empresariado e/ou na direção das grandes
empresas, estavam em constante contato com as entidades empresariais como o IPES e a
FIESP e advogaram pela centralização administrativa e pela autonomia em relação às
necessidades das classes trabalhadoras. Finalmente, o grupo que denomino de Lideranças
Estaduais, o qual controlava a política nos seus estados de origem, militava no partido
político criado em 1965 para apoiar o governo no parlamento, Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), ao mesmo tempo em que influenciava órgãos federais como a Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e a Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia (SUDAM) (MONTEIRO, 2012, p. 48-50).
O regime ditatorial brasileiro buscou legitimar-se através das estabilidades social e
monetária e da contínua elevação das taxas de crescimento econômico. Os dirigentes
ditatoriais foram orientados por mais de uma corrente de pensamento econômico, mas todas
preconizavam a adoção de políticas de controle salarial, o incentivo para a instalação do maior
número possível de multinacionais no Brasil e a intervenção estatal em campos em que a
iniciativa privada não possuísse recursos e interesses. Ideologicamente, os membros do bloco
ditatorial compartilhavam dos princípios da Doutrina de Segurança Nacional e, entre eles, a
proposta de substituir futuramente a Ditadura por um regime democrático restrito. Para atingir
suas metas, patrocinaram a organização e/ou a reestruturação de órgãos repressivos destinados
a combater qualquer foco de oposição à ordem ditatorial-capitalista, tal qual o SNI, o DOICODI.
No Chile, o golpe militar de 11 de setembro de 1973 depôs o presidente Salvador
Allende, a coligação partidária que o elegeu, a Unidad Popular (UP), e o poder passou a ser
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exercido pela autodenominada Junta de Governo, composta por Augusto Pinochet, general e
comandante-em-chefe do Exército; José Toribio Merino, almirante e comandante da Armada
(Marinha de Guerra); Gustavo Leigh, general-do-ar e comandante da Força Aérea; e Cézar
Mendoza, general-diretor dos Carabineros (polícia nacional fardada e fundada em 1927). Os
militares também dividiram entre si e seus aliados civis as funções ministeriais e outros
cargos de relevo, as instituições democráticas nacionais, lideraram uma onda repressiva sobre
qualquer inimigo ou provável adversário da nascente ditadura.
O sistema ditatorial chileno teve como principais, e não únicas, as quatro seguintes
bases. Em primeiro lugar, a elevada militarização do aparelho de Estado, pois o Chile foi o
país onde mais oficiais ocuparam cargos na administração pública nas ditaduras do Cone Sul,
somada à supremacia que o general Augusto Pinochet conquistou sobre o conjunto das FFAA
após ter destituído da Junta de Governo o general-do-ar Gustavo Leigh (julho de 1978). Os
oficiais que depuseram Allende não tinham consenso em relação ao futuro político nacional e
desencadearam, na maioria das vezes de forma silenciosa e discreta, uma luta interna pela
definição da forma política ditatorial. Com apoio da oficialidade do Exército e da Armada, o
general Pinochet afastou das fileiras do Exército generais com ideias diferentes das suas ou
que politicamente poderiam ameaçar sua hegemonia dentro da arma, como os generais Oscar
Bonilla, Sérgio Arellano Stark, Javier Palacios e Manuel Torres. Em 1978, Pinochet
conseguiu concentrar em si os poderes de Estado, transformou a Junta de Governo em um
órgão consultivo e assentou seu predomínio sobre as FFAA ao alijá-las das principais
questões políticas não apenas em razão da demissão de Leigh, mas também pelas atribuições
conquistadas nos últimos cinco anos, como o controle sobre as promoções hierárquicas e o
conjunto de instituições criadas e controladas por seus aliados, por exemplo, a Central
Nacional de Informaciones (CNI), que substituiu a DINA em 1977 (MONTEIRO, 2013, p.
399-423; HUNEEUS, 2003, p. 129-347).
O segundo pilar ditatorial foi a aplicação sistemática de violência estatal somada ao
desenvolvimento de serviços de inteligência e ao cerceamento das liberdades individuais. A
DINA e o CNI, coordenados com tropas convencionais, promoveram assassinatos, prisões,
torturas e interrogatórios que enfraqueceram os partidos de esquerda e os movimentos sociais.
Essas polícias políticas recrutaram seus agentes dentro das FFAA, mas eram autônomas em
relação à cadeia de comando e lhes fora permitido criar empresas em sua propriedade ou se
associarem a outros empresários. Em terceiro lugar, o conjunto de forças conservadoras que
se reuniram na órbita do general Pinochet e aproveitaram a conjuntura favorável para fazer
valer seus interesses, como os membros do movimento Gremialista, formado por católicos
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conservadores e corporativistas liderados por Jaime Guzman, que por sua vez foi um dos mais
influentes conselheiros de Pinochet de 1973 a 1990, homens como Sergio Jarpa, Juan de Dios
Carona, Gabriel G. Videla, Jorge Alessandri e outros indivíduos oriundos do sistema político
vigente até a instalação da ditadura chilena.
Por último, as reformas econômicas concebidas e executadas pelos tecnocratas
Chicago Boys também singularizaram o modelo ditatorial chileno, pois cancelaram a tradição
oriunda da década de 1930, em que as funções estatais eram auxiliar o desenvolvimento
econômico e promover justiça social a fim de atenuar as desigualdades, e a substituíram pela
primeira experiência neoliberal do mundo. Essas reformas redefiniram o papel do Estado na
economia chilena através das privatizações de empresas públicas, dos serviços públicos e
sociais, da abertura comercial aos capitais internacionais, fomento às exportações. A ideologia
neoliberal se alastrou em outros campos sociais, por exemplo, reduziu a noção de cidadania à
de consumidor (MUÑOZ, 2010, p. 83-84; PINOCHET, 22/02/1976, p. 16; COMO SE FALA,
17/07/1977, p. 11; HUNEEUS, 2002, p. 36-46).
A existência de um sistema partidário legal, de eleições periódicas e de alternância de
ditadores na experiência brasileira são algumas das principais diferenças entre esta forma
ditatorial e a que existiu no Chile, em que, por exemplo, os partidos políticos foram proscritos
e o general Augusto Pinochet e o almirante José Merino foram membros do poder executivo
nacional ao longo dos 17 anos de ditadura.
3 Políticas econômicas e os “Milagres” do Brasil e do Chile
O conceito de Milagre Econômico tem o sentido de explicar rápidas recuperações
econômicas e constantes elevações na taxa de crescimento ao mesmo tempo em que sua
utilização é algo político-propagandista. Surgiu para elucidar as experiências da Alemanha
Ocidental e do Japão nas décadas de 1950-1960 e foi apropriado posteriormente pelos
dirigentes do Brasil e do Chile a fim de demonstrar sua eficiência (SINGER, 1982, p. 15-27).
3.1 Milagre Econômico brasileiro
O primeiro ditador do Brasil, general Humberto Castelo Branco, formou sua equipe
econômica com os seguintes estudiosos, tecnocratas e empresários: Roberto Campos,
Ministro do Planejamento; Octávio Bulhões, Ministro da Fazenda; Dênio Chagas Nogueira,
presidente do recém-fundado Banco Central e cuja função era executar e fiscalizar a condução
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da política monetária nacional; e José Garrido Torres, do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE). Esse grupo concebeu o Plano de Ação Econômica do
Governo (PAEG), destinado a pôr fim na crise econômica pela qual passava o Brasil desde o
início da década de 1960, através de medidas como o controle dos gastos estatais, a
liberalização dos preços das tarifas públicas e de produtos até então subsidiados pelo governo,
a retenção da oferta de créditos, a contenção dos salários e o incentivo ao investimento
estrangeiro e a instalação de multinacionais no Brasil. Assim, o PAEG teve o duplo objetivo
de promover a estabilização financeira e criar as condições para uma nova retomada na
acumulação capitalista.
Em paralelo a essas ações, houve a reestruturação do sistema financeiro nacional, com
a criação do Banco Central e uma reforma tributária, e foram impostas novas regras para as
remunerações das classes trabalhadoras por meio do Conselho Nacional de Política Salarial
(CNPS), o qual passou a controlar os “acordos salariais privados e os reajustamentos salariais
no serviço público” (IANNI, 1981, p. 7) e da criação do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), que substituiu o modelo de Estabilidade Decenal e as indenizações pagas
aos trabalhadores por um sistema que flexibilizou as relações trabalhistas e funcionou como
fonte de poupança compulsória, que, juntamente com as cadernetas de poupança, geraram
recursos que foram utilizados pelo Banco Nacional de Habitação (BNH). Tais medidas
subordinaram as necessidades da população assalariada ao combate à inflação e à meta do
governo militar de despolitizar os sindicatos. Foram implementadas mediante a exclusão dos
trabalhadores das decisões estatais e com maciça repressão nas representações sindicais da
cidade e do campo (IANNI, 1981, p. 7-8; PRADO; EARP, 2007, p. 213-216).
Os resultados dessas ações da equipe Campos-Bulhões, como ficou conhecida, foram
a “oligopolização” da economia nacional, pois as empresas que haviam falido eram
adsorvidas pelas suas parceiras mais sólidas (MANTEGA; MORAIS, 1979, p. 52), a redução
dos custos para a produção, pois o valor da mão de obra estava mais barato, o aumento do
endividamento externo, do processo de desnacionalização da economia brasileira e a falta de
êxito no que diz respeito à redução da inflação, a qual se manteve acima de 40%. Mesmo com
o fracasso da política anti-inflacionária e das perdas econômicas em todos os setores, os atos
da equipe do general Castelo Branco geraram bases para um novo modelo de acumulação
capitalista conservador ao criar, por exemplo, uma base tributária para o financiamento
público e privado, a criação de uma poupança nacional, pela redução dos salários e custos
trabalhistas, entre outras medidas. Porém, o PAEG recebeu a oposição de setores do
empresariado brasileiro, tal como os organizados na Confederação Nacional da Indústria
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(CNI) a partir de 1966, e de oficiais das FFAA que ameaçaram recorrer a intentonas contra o
governo. Em linhas gerais, estes segmentos protestaram contra a ausência de políticas
industrialistas e de protecionismo para as empresas brasileiras ao mesmo tempo em que o
governo se empenhava em favorecer a expansão das atividades de multinacionais no Brasil. O
pouco apoio que a equipe Campos-Bulhões contava também favoreceu a eleição do marechal
Costa e Silva como sucessor de Castelo Branco (PRADO; EARP, 2007, p. 213-216;
MARTINS FILHO, 1995, p. 77-81; SKIDMORE, 1988, p. 116-118).
Costa e Silva e seus principais conselheiros indicaram para os cargos-chave da política
econômica os economistas Antônio Delfim Neto (Fazenda), Hélio Beltrão (Planejamento),
Rui Aguiar da Silva Leme (Banco Central) e Jayme Magrassi Sá (BNDE), os quais
assumiram suas funções em um ambiente recessivo, março de 1967, consideravam que a
inflação já havia sido reduzida a patamares aceitáveis e resolveram tomar atitudes que
alavancassem o crescimento econômico por meio dos projetos Plano Decenal de
Desenvolvimento Econômico e Social e Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED),
que acarretaram a volta da atuação estatal na produção econômica através das empresas
estatais, do aumento da disponibilidade de créditos públicos e da criação de mecanismos
como o Financiamento de Máquinas e Equipamentos (FINAME), fundo responsável por
financiar a compra de equipamentos nacionais, entre outros. Em segundo lugar, foi mantida a
prática governamental de favorecimento fiscal e financeiro aos grandes monopólios, nacionais
e internacionais, além do controle salarial e da repressão aos sindicatos. Os preços passaram a
ser controlados através do Conselho Interministerial de Preços (CIP) e os investimentos
públicos eram reduzidos nas regiões mais pobres do Brasil e nas áreas sociais.
Essas providências foram tomadas em meio a diversos acontecimentos: os estudantes
ocuparam as ruas das grandes cidades exigindo democracia a partir de março de 1967; Carlos
Lacerda, Juscelino Kubitschek, João Goulart e outros líderes organizaram a Frente Ampla
para enfrentar o regime ditatorial; os grupos de guerrilha da Esquerda revolucionária
realizaram várias ações armadas; o governo decretou, em dezembro de 1968, o Ato
Institucional nº 5 (AI-5), que suspendeu o habeas-corpus em casos de crimes políticos,
facultava ao presidente fechar o Congresso Nacional, cassar os direitos políticos de qualquer
cidadão, entre outros poderes discriminatórios; e, finalmente, o general Costa e Silva foi
acometido por uma doença grave que lhe impediu de exercer as funções presidenciais. Em seu
lugar, assumiu uma Junta Militar, e sua gestão foi marcada por diversos conflitos intramilitares que resultaram na eleição do general Emílio Médici como ditador do Brasil em fins
de 1969 (AARÃO REIS, 2014, p. 66-73; MARTINS FILHO, 1995, p. 106-188).
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Médici foi chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) de Costa e Silva e
manteve boa parte do corpo ministerial anterior: Delfim Neto e Jayme Magrassi Sá foram
garantidos nos cargos, Ernane Galvêas já havia substituído Rui Leme em fevereiro de 1968,
enquanto João Paulo dos Reis Veloso substituiu Hélio Beltrão. Essas continuidades existiram
em paralelo com a montagem do aparelho repressivo para desbaratar a oposição armada,
enquadrar, desmobilizar, despolitizar o comportamento das classes populares a fim de obter a
obediência aos líderes ditatoriais e consolidar o ambiente favorável aos lucros das burguesias
nacionais e estrangeiras no Brasil. Foi o auge da repressão política no país.
A meta estabelecida por Delfim Neto, Veloso e os demais era transformar o Brasil em
uma potência industrial e retirá-lo do rol dos países subdesenvolvidos até o final do século
XX, através da manutenção das taxas de crescimento, que seriam obtidas por meio da
incorporação de tecnologias modernas; da integração entre as chamadas regiões mais
atrasadas do Brasil, dos atuais estados do Norte e do Nordeste, com as mais modernas,
estados do Sul e do Sudeste; do investimento em áreas consideradas chave da economia –
siderúrgica, petroquímica, elétrica, naval, construção civil, automobilística, eletrotécnica –;
dos financiamentos estatal e privado coordenados; do aumento do emprego de recursos nas
áreas rurais, por meio de créditos, isenção e facilidades para compra do maquinário, a fim de
expandir o cultivo de itens de grande valor no mercado internacional. Para atingir estes
objetivos, o governo executou grandes obras, como a usina nuclear em Angra dos Reis (RJ), a
estrada “Transamazônica”, que ligaria os estados do Maranhão ao Acre, acelerou as obras
para a construção dos metrôs de São Paulo e do Rio de Janeiro, concluiu a ponte Rio-Niterói
(GASPARI, 2002, p. 208-210; PRADO; EARP, 2007, p. 219-225).
Foram diversas as consequências desse conjunto de práticas. O Produto Interno Bruto
(PIB) elevou-se de 7% em 1966 e 4% em 1967 para 11% em 1968, 10% em 1970, 13,3% em
1971, 11,7% em 1972 e 14% em 1973 (CRUZ; MARTINS, 1983, p. 41; PRADO; EARP,
2007, p. 223). Por esses motivos, tal período foi chamado de Milagre Econômico, o qual
fortaleceu o otimismo governamental, que investiu em propagandas de autopromoção
simbolizadas por slogans como “Brasil, ame-o ou deixe-o” e “ninguém segura esse país”.
O formato desse modelo econômico possuía os ingredientes que resultaram em sua
crise, a partir de meados de 1974. A crise do petróleo de 1973 agravou a dependência do
Brasil em relação à importação deste produto para movimentar, por exemplo, a indústria
automobilística, elevou o endividamento externo e a dependência nacional em relação aos
centros imperialistas internacionais, cujas multinacionais com filiais no Brasil permaneceram
remetendo seus lucros para suas matrizes. O elevado volume de subvenções, isenções,
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financiamentos fornecidos aos grandes monopólios, a evasão de divisas pela prática da
remessa dos lucros e do pagamento da dívida externa retiraram mais recursos do Estado
brasileiro e os serviços públicos pioraram, aumentaram as desigualdades sociais e o
crescimento desproporcional dos setores industriais, pois o modelo econômico brasileiro
privilegiava as áreas de bens de capital e de bens de consumo duráveis em detrimento do setor
de bens de consumo não duráveis e outros voltados ao consumo popular (MANTEGA;
MORAIS, 1979, p. 52; SINGER, 1982, p. 73-97). A inflação e o desemprego aumentaram, o
ritmo de crescimento recuou e o Brasil entrou na maior crise econômica de sua história, que
se prolongou até a década de 1990, quando o emprego das práticas neoliberais reduziu as
taxas de inflação e inaugurou novas formas de acumulação capitalista.
3.2 Milagre econômico no Chile (1973-1982)
Após o golpe de 11 de setembro de 1973, a Junta de Governo liderada pelo general
Pinochet designou para os ministérios da área econômica o general Rolando González
Acevedo (Economia, Fomento e Reconstrução), o contra-almirante Tito Lorenzo Gotuzzo
Borlando (Finanças), o general Eduardo Cano Quijada (Banco Central) e o empresário e exoficial da Armada Roberto Kelly, Diretor da Oficina de Planificación Nacional (ODEPLAN),
atual ministério do Desenvolvimento Social. Contudo, a maior parte desta equipe econômica
não estava preparada para enfrentar as dificuldades pelas quais passava a economia chilena:
alta generalizada dos preços, dívida externa, infraestrutura nacional parcialmente destruída
pelos atentados orquestrados por paramilitares de Direita que visavam desestabilizar o
governo Allende. Por esses motivos, convocaram-se civis para cargos de assessoria dos
ministros-militares, e é nesse contexto que aqueles que no futuro ficaram conhecidos como
Chicago Boys ascenderam ao governo militar.
Os Chicago Boys foram um grupamento de civis politicamente conservadores, adeptos
da Teoria Monetarista e favoráveis a uma reforma geral nas relações sociais e econômicas do
Chile. Em geral, graduaram-se na Universidade Católica (UC), realizaram suas pósgraduações na Universidade de Chicago (Estados Unidos), instituições em que estudaram e
assimilaram os valores da Escola Monetarista, ou Neoliberal. Um dos seus principais
mentores foi Milton Friedman. Ao retornarem ao Chile, os laços de solidariedade criados na
UC e em Chicago fortaleceram-se quando membros mais expoentes deste grupamento
uniram-se a outras associações conservadoras, como os Gremialistas, a Cofradía Náutica del
Pacífico Austral, uma entidade oficialmente dedicada aos esportes náuticos mas que de fato
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funcionava como um centro político que reuniu empresários como Agustín Edwards, do
grupo midiático El Mercúrio e um dos principais articuladores do golpe militar, executivos de
empresas privadas, René Silva Espejo, Arturo Fontaine Aldunate, ex-oficiais da Armada que
exerciam atividades na iniciativa privada, Roberto Kelly e Hernán Cubillos, e oficiais da
ativa, como os almirantes José Toribio Merino, Patricio Carvajal e Arturo Troncoso. Através
da Cofradía, muitos Chicago Boys participaram da conspiração contra o governo Allende e
elaboraram o documento El Ladrillo, que sintetizou os valores desse grupamento e que serviu
como base para as reformas econômicas pós-1973 (VALDIVIA, 2003, p. 113).
Roberto Kelly recrutou para a ODEPLAN os primeiros Chicago Boys que
participaram do governo ditatorial, como Miguel Kast e Ernesto Silva. Sob a orientação do
almirante Merino, os Chicago Boys Sergio de Castro e José Luiz Zabala se tornaram
auxiliares dos generais Rolando González e Eduardo Cano, respectivamente. Em seguida,
Fernando Léniz, executivo do grupo El Mercúrio, substituiu o general González, manteve
Sergio de Castro como colaborador e iniciou sua política econômica de reformas graduais
para a normalização da economia. No biênio 1973-1974, esta equipe econômica decidiu
liberar gradualmente os preços, devolver paulatinamente algumas empresas nacionalizadas no
governo Allende aos antigos proprietários, aumentar os impostos e ainda manter o papel ativo
do Estado nas atividades produtivas. Essas atitudes fracassaram, pois a inflação permaneceu
elevada e a alta dos preços do petróleo resultou em forte crise da balança de pagamentos.
Diante de tal situação, em abril de 1975, a posição liderada por Sergio de Castro, que
exigia um ajuste radical no Chile através de um plano econômico neoliberal, obteve respaldo
de Pinochet e da maioria dos generais e conquistou não apenas o controle dos cargos
decisórios econômicos, mas uma maior margem de manobra para a aplicação de suas teorias,
por eles inicialmente chamado de “Economia Social de Mercado”. Castro assumiu o
Ministério da Economia, Jorge Cauas as Finanças e Pablo Baranona e Alvaro Bardón,
respectivamente, presidente e vice do Banco Central (ARRIAGADA, 1998, p. 51-58;
MOULLIAN; VERGARA, 1981, p. 391). O novo ministério iniciou a chamada “política de
tratamento de shock” para conter a inflação, enfrentar a crise do balanço de pagamentos,
estabelecer uma nova relação com o sistema financeiro internacional e “produzir uma
rearticulação profunda no quadro institucional no que tinha funcionado a economia chilena
desde o auge de [sua] industrialização”, que, em outras palavras, visava a desestatização da
economia chilena (MOULLIAN; VERGARA, 1981, p. 389).
O programa aplicado resultou na privatização de bancos e empresas públicas dos mais
diversos ramos, na diminuição dos gastos públicos – sobretudo nos setores da educação,
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saúde e previdência –, no aumento do valor das tarifas telefônicas, de eletricidade e dos
correios, na abolição do controle sobre os preços, na demissão de funcionários públicos, na
redução da taxa de câmbio e dos impostos sobre a importação, na adoção do câmbio único em
relação ao dólar, na regulação da movimentação sindical através da repressão, do risco de
demissões e do arrocho salarial. Porém, o patrimônio das FFAA não foi atingido por tais
ações e os militares ainda receberam investimentos para a organização da estrutura repressiva
simbolizada pela Dirección de Inteligência Nacional (DINA). O Chile entrou em recessão e
hiperinflação entre 1975-1977, por efeito do tratamento de shock: empresas faliram,
sobretudo as pequenas e médias, pois perderam o financiamento estatal, a repressão sobre os
trabalhadores reduziu qualquer possibilidade de oposição às ações governamentais, o aumento
dos preços atingiu o custo de vida do cidadão médio. Por conseguinte, cresceu a mortalidade
infantil, o custo de vida, o número de desabrigados e desempregados. Os salários perderam
sua capacidade aquisitiva (VYLDER, 1985, p. 8-17; ARRIAGADA, 1998, p. 68-72).
Pinochet e os Chicago Boys justificaram tal situação argumentando que o Chile estava
passando por uma modificação estrutural em que o Estado estava deixando de ser
intervencionista e que essa ausência de poder público geraria uma elite empresarial capaz de
dominar o andamento da economia nacional e transformaria cada cidadão do país em um
consumidor. Assim, imperaria no Chile a lei da oferta e da procura em que o Mercado
amenizaria as diferenças sociais, regularia as relações sociais no país, e os partidos, sindicatos
e outras entidades coletivas perderiam suas razões de existência, e o Chile se despolitizaria e
teria um desenvolvimento econômico único em sua história. Também atribuíram ao governo
Allende as gêneses do caos econômico pelo qual o país atravessava. Nas palavras de
Pinochet: “[nossa situação teve início] no desgoverno marxista e na crise internacional [que
juntos] empobreceram o país ao extremo, tal que [seriam] necessários mais 10 anos para
superar seus efeitos” (PINOCHET, 12/09/1978, p. 11). Complementaram seus argumentos
reprimindo os opositores ao projeto militar-neoliberal.
Essas decisões foram tomadas com apoio de governos e banqueiros internacionais que
emprestaram vultosos recursos ao Chile e ainda adquiriram empresas que pediram concordata
ao governo Pinochet. Os bancos e instituições financeiras tiveram suas atividades facilitadas
pela falta de regulamentação. Assim, enquanto o PIB de 1975 tinha sido de 13,3%, e o de
1976 de 3,2%, a economia voltou a crescer em 1977, e o PIB registrado foi de 8,3%. Os
valores dos anos seguintes foram: 7,8% em 1978, 7,1% em 1979, 7,7% em 1980, ano de
maior euforia dos adeptos da ditadura, e 6,7% em 1981. Por essas razões, ficou conhecido
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como “Milagre Chileno” o período entre 1977 e 1981 (ARRIAGADA, 1998, p. 289;
REFORMAS, 11/12/2006).
Os novos milionários começaram a investir numa economia que lhes garantia bons
lucros: houve expansão na indústria, destacando-se a construção civil a partir da edificação de
supermercados, restaurantes e hotéis de luxo. O país voltou a exportar significativamente
cobre, madeira, vinhos, frutas e pescado (VYLDER, 1985, p. 18-19). Em tal conjuntura,
Pinochet privatizou o sistema previdenciário, o sistema elétrico e algumas empresas estatais.
O fim da previdência pública originou a criação de fundos de pensão que eram incentivados a
adquirirem ações das empresas públicas que estavam sendo vendidas pelo governo Pinochet e
que injetaram mais recursos na economia chilena (HUNEEUS, 2002, p. 437-438). Ao mesmo
tempo, os mais ricos tiveram a oportunidade de viajar e gastar no exterior, enquanto a classe
média chilena aumentou sua cesta de consumo e adquiriu automóveis, televisores a cores e
outros produtos importados devido a fatores como o recuo da inflação, de 300% ao ano em
1974 para 30% em 1980, a política cambial e os créditos internacionais concedidos aos
banqueiros e empresários chilenos (ARRIAGADA, 1998, p. 151-159; VYLDER, 1985, p. 1819).
Porém, os constantes déficits na balança comercial, a concentração de renda, os efeitos
da segunda crise do petróleo e o crescimento da dívida externa resultaram na crise do Milagre
Econômico chileno e em um novo período de recessão até meados da década de 1980, quando
novas reformas neoliberais consolidaram essa forma de acumulação capitalista que guia os
destinos dos chilenos até os dias atuais.
4 Os “Milagres” comparados
Brasil e Chile passaram por experiências ditatoriais com pontos de similitudes e
diferenças, e o exame dos períodos de maior crescimento econômico de ambos os países, dos
Milagres Econômicos, ajuda-nos a perceber as singularidades de cada situação.
Os efeitos dos Milagres foram nefastos para a maior parte das classes populares, pois
se apoiaram firmemente na exploração dos trabalhadores, no rebaixamento dos salários, na
repressão das entidades sindicais e na retirada de determinadas conquistas históricas dos
trabalhadores, tal qual a Estabilidade Decenal (Brasil) e o sistema previdenciário (Chile). A
título de nota, no Chile, o número de famílias vivendo em situação de pobreza aumentou de
28% para 44% entre 1970 e 1980, ao mesmo tempo em que o gasto social foi reduzido e os
salários reais caíram a níveis inferiores a 1970 (ARRIAGADA, 1998, p. 86). No Brasil, por
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sua vez, em 1958 os índices dos salários-mínimos Nominal e Real no Rio de Janeiro eram Cr$
6,00; em 1973, o Nominal era de Cr$ 312,00, enquanto o salário mínimo real era de Cr$ 3,03.
Entre 1960-1970, a mortalidade infantil cresceu 90%, a falta de saneamento em São Paulo
propiciou a expansão de uma epidemia de meningite (1974) e a porcentagem de acidentes de
trabalho no setor dos derivados do petróleo em 1973 era de 44,8% (ARROYO, 1978, p. 5963).
Nos dois países aumentou o êxodo rural, motivado pela procura de melhores
condições de trabalho nas cidades ou pela expulsão do campo pelas novas culturas
mecanizadas e/ou pela manutenção dos latifúndios (agora protegidos pelas ditaduras). Parte
significativa destes migrantes encontrou trabalho em ocupações precárias e informais,
enquanto outros se tornaram desempregados. A partir das crises dos Milagres Econômicos, a
inflação deteriorou os salários e o nível de vida da população. Os serviços públicos voltados
ao atendimento das camadas populares ficaram mais precários. As crianças foram uma das
parcelas mais atingidas do efeito dos Milagres e das crises econômicas que os sucederam,
porque agravou-se o quadro de mortalidade, desnutrição infantil e multiplicou-se o número de
delinquentes juvenis (KUCINSKI; BRANFORF, 1984, p. 48-58; MARTINEZ; TIRONI,
1985, p. 158-171).
As economias dos países em questão aprofundaram sua subordinação aos mercados
internacionais uma vez que as corporações estrangeiras ampliaram suas atividades em todos
os ramos da economia e consolidaram-se como as fornecedoras dos mais caros e modernos
equipamentos utilizados pelas empresas nacionais de propriedade pública e privada. No
Brasil, entre 1967 e 1970, companhias estrangeiras como a Brazilian Land Cattle, The
Lancashire General Investment Co. Ltd., Siderúrgica Belgo-Mineira Frigorírico Anglo,
Georgia Pacific Corporation, entre outras, compraram vastas propriedades rurais à custa da
exclusão de milhares de camponeses e indígenas, com apoio do governo e em conluio com
empresários brasileiros para ampliar as pastagens, explorar as riquezas vegetal e mineral. Os
governos pós-1964 visavam modernizar e fortalecer as instituições financeiras nacionais e
facilitaram um processo de fusões e incorporações entre bancos comerciais ao mesmo tempo
em que não permitiram o funcionamento de bancos estrangeiros no Brasil, os quais, por sua
vez, aumentaram o número de representações comerciais no país, destinados a financiar a
aquisição de equipamentos para a indústria, e associaram-se com firmas brasileiras. Os grupos
que mais fecharam negócios na conjuntura do Milagre foram o Chase Manhattan Bank,
Deutsch-Südamerikanisch Bank, Citu Bank, The Nomura Securities. No setor industrial, as
multinacionais participavam dos setores que utilizavam mais tecnologia e maiores escalas de
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produção, como o eletroeletrônico, controlado pelas multinacionais como Siemens, Toshiba
Tokyo Shibaura, Hitashi, e o automobilístico, controlado pela Saab-Scania, Mercedes-Benz,
Ford, General Motors e Volkswagen. Tal processo ocorreu em várias outras áreas, como a
alimentícia, Nestlé, Coca-Cola e Pepsi Cola (BANDEIRA, 1979, p. 50-188).
O Estado era o detentor das empresas com maior capital que atuavam no Brasil entre
1973 e 1974: Petrobrás, Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA), Companhia Vale do Rio
Doce, Usiminas e Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Em 1975, a Eletrobrás entrou
nesse rol. Em comum, todas essas estatais citadas operavam em setores de infraestrutura e
indústria de base, ramos que exigem grandes somas de recursos fundamentais para o
investimento econômico (BANDEIRA, 1979, p. 187-188). A Petrobrás era o maior grupo
econômico latino-americano desde 1969, e possuía uma rede de subsidiárias que incluía a
Petrobrás Internacional (Braspetro); a Petrobrás Distribuidora, posteriormente BR
Distribuidora e maior responsável pela venda de combustíveis em postos de gasolina no país;
a Petrobrás Química (Petroquisa); a Frota Nacional de Petroleiros (Fronape), uma das maiores
do mundo. A Usiminas, CSN e a COSIPA faziam parte do conglomerado Siderbrás (A
CRONOLOGIA, 15/06/1973, p. 22-23; MULTINACIONAIS, 21/05/1975, p. 80-84; E O
PETRÓLEO, 04/10/1978, p. 107).
No Chile, a maior participação das multinacionais ocorreu principalmente nos setores
bancários, extrativistas, serviços e alimentícios. Em geral, tais empresas começaram nos
mesmos departamentos que suas matrizes e diversificaram suas atividades ao longo da
ditadura, principalmente absorvendo empresas locais. Estes foram os casos do Grupo
Schmidheiny, que ingressou no país como sócio do Banco Unido de Fomento (BUF), em
1975, e que expandiu suas atividades para outras instituições financeiras, industriais
(Sociedad Industrial Pizarreño) e através da compra de ações. O conglomerado Eternit era
inicialmente dedicado à produção de materiais de construção e chegou ao país em 1939; desde
esse período influenciava as políticas habitacionais do país e fez-se presente Compagnie
Financiére Eternit, na Sociedad Industrial Pizarreño, da Amindus Holding S.A, o grupo Royal
Dutch/Shell, inicialmente responsável pela distribuição de combustíveis e que começou a
diversificar suas atividades em 1979 no segmento da indústria química (Reactivos de
Flotación S.A), extrativista (Agricola y Florestal Copihue S.A, Bosques Chile S.A), ou a
British American Tobacco (BAT) que aplicou seus recursos no tabaco, na celulose e nos
serviços financeiros. Multinacionais como a Swedish Match, a Nestlé, a Bond, a Exxon e a
Fletcher Challenge tiveram trajetórias análogas às das empresas descritas acima (ROZAS;
MARÍN, 1988, p. 93-280).
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As maiores empresas chilenas também expandiram seus negócios em variadas esferas.
Nos meios de comunicação, atuavam os grupos Cruzat-Larrín (Radio Minéria e revistas
Ercilla e Vea), Grupo Edwards, proprietária das maiores empresas de telecomunicações do
Chile como os jornais El Mercurio e La Segunda. No financeiro, destacaram-se os grupos
Cruzat-Larrín (Banco de Santiago e Banco Hipotecario y Fomento Nacional), Vial (Sociedad
de Inversiones J.M. Carrera, Banco de Chile, entre outras sociedades) e o grupo Edwards
(International Basic Economy Coporation, Cia de Seguros La Chilena Consolidada). Na área
extrativista, o grupo Cruzat-Larrín (Sociedad Pesquera Colosso e Sociedad Minera del Prado),
entre outros (DAHSE, 1983, p. 12-32). Nessa conjuntura, o holding estatal Corporación de
Fomento a la Producción (CORFO) ainda era indispensável para o desenvolvimento
econômico nacional, pois suas subsidiárias dominavam alguns setores, como a siderurgia,
Compañía de Aceros del Pacífico (CAP), e a eletricidade, Empresa Nacional de Electricidad
(ENDESA). As instituições públicas também conservaram atribuições capazes de garantir o
capitalismo no país. Por exemplo, na década de 1980, o sistema financeiro chileno entrou em
colapso e os maiores bancos foram salvos da falência pelo governo Pinochet, que passou a
controlar quase 80% do setor financeiro nacional em meados desta década (HUNEEUS;
OLAVE, 1987; p. 293; VALDIVIA, 2003, p. 106-139; MUÑOZ, 2010, p. 160-167).
Os incentivos fiscais, a estabilidade política, a pouca possibilidade da decretação de
greves e a possibilidade de enviarem recursos para os seus países sedes foram algumas das
razões que explicaram a expansão dos negócios das transnacionais e dos monopólios
nacionais, estatal e privado, nos países em questão. Em paralelo a esta nova etapa de expansão
das multinacionais nestes territórios, acentuou-se a dependência tecnológica em relação aos
grandes centros, o envio de recursos ao exterior através de royalties e do pagamento das
exorbitantes dívidas externas, pois a brasileira mais que quadruplicou no Brasil e triplicou no
Chile em tais conjunturas. Em 1984, por reflexos das suas respectivas crises, o Chile tinha a
maior dívida per capita do mundo e o Brasil tinha quase 40% da população abaixo da linha de
pobreza (KUCINSKI; BRANFORF, 1984, p. 47-59; LOS GASTOS, 3 a 16/01/1984, p. 19).
Assim, a observação do panorama da internacionalização promovida pelas duas
ditaduras permite afirmar que as singularidades em relação às maneiras em que dirigentes
gestaram os assuntos econômicos estão localizadas nas áreas do mercado que as filiais das
multinacionais ocuparam e na participação do Estado. No Brasil, os conglomerados
estrangeiros dominaram os departamentos de bens de consumo duráveis (automobilística,
eletrodomésticos) e de serviços destinados às classes médias e altas, enquanto o Estado
assumiu as tarefas de desenvolver os ramos de infraestrutura e de bens de produção. Os
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maiores bancos eram privados (Econômico, Itaú) e estatais (Banco do Brasil e os bancos
estaduais). No Chile, por sua vez, os setores que mais prosperaram no Milagre Chileno foram
o Terciário, representado pelos monopólios dos meios de comunicação, o sistema financeiro
(sobretudo o ramo dos créditos), seguido pelo setor Primário (exploração do cobre, da pesca e
da atividade madeireira). Diferentemente do Brasil, o país passou por uma fase de
desindustrialização (VIGNOLO, 1986, p. 197-208; CYPHER, 2007). Em relação ao setor
público, o Estado chileno reduziu suas atividades produtivas, subsidiou várias privatizações,
prestou auxílio financeiro e técnico a determinadas empresas, vendeu as empresas adquiridas
pela CORFO entre 1970-1973, transformou outras em autarquias e converteu a estatal em
parceira da acumulação capitalista engendrada pelos Chicago Boys através de convênios e
assessorias técnicas (VALDIVIA, 2003, p. 125-139).
Por fim, devemos relembrar que as instituições ditatoriais de ambas as ditaduras foram
fundamentais para manter os níveis salariais baixos, os movimentos sindicais controlados e o
deslocamento de recursos das áreas sociais para a iniciativa privada.
5 As matrizes da diferença
Existem diversos fatores capazes de explicar os motivos que levaram as ditaduras do
Brasil e do Chile a adotarem as formas de acumulação capitalistas trabalhadas anteriormente,
e neste trabalho trato de dois pontos: o cenário capitalista em que as políticas foram
desenvolvidas e as características político-profissionais das suas equipes econômicas.
No primeiro caso, a deposição de Goulart ocorreu em uma conjuntura de elevado
crescimento das economias da Alemanha Ocidental e do Japão, e os conglomerados
estadunidenses persistiam em expandir suas atividades no Brasil, os preços internacionais do
petróleo estavam razoáveis e havia disponibilidade de capitais. A estes fatores externos
somaram-se a modernização da máquina administrativa por meio das ações da equipe
Bulhões-Campos e a decisão dos ministros de Costa e Silva de promoverem o crescimento do
PIB aproveitando-se destes fatores, do baixo valor da mão de obra, da capacidade ociosa da
indústria pós-1964, do apoio empresarial e dos recursos naturais presentes no Brasil
(SINGER, 1982, p. 21-97; COUTINHO, 1984, p. 41-55). Já o cenário chileno foi marcado
inicialmente pelo fim do período de expansão da economia mundial dos anos 1971-1973, o
início da crise do petróleo, a baixa dos preços internacionais do cobre e pela oposição de
grupos liberais do Primeiro Mundo que protestaram pelas violações dos direitos humanos e
que pressionavam seus governos no sentido de restringir o crédito ao governo militar. Dessa
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forma, havia grandes obstáculos, caso os dirigentes chilenos desejassem implementar políticas
de expansão industrial como os brasileiros. Por outro lado, o shock realizado pela equipe de
Sergio de Castro reorganizou o mercado financeiro nacional, atraiu investidores estrangeiros
que atuaram no setor bancário e favoreceu o aumento das exportações, mas também da
especulação financeira (COUTINHO, 1984, p. 41-55; VALDIVIA, 2003, p. 135; VYLDER,
1985, p. 13-22). Em resumo, as condições exógenas favoreceram as políticas industrialistas
no Brasil e “agro-financeiras” no Chile.
As propriedades político-profissionais das equipes econômicas de ambos os países são
o segundo elemento que este artigo trata para explicar as dissemelhanças entre os dois
modelos econômicos ditatoriais. Retomarei neste caso as conclusões de um trabalho anterior
(MONTEIRO, 2014). Os chilenos Chicago Boys surgiram como um grupo de pós-graduação
guiado pela escola Monetarista (Neoliberal) que no Chile foram acolhidos por Agustín
Edwards, Javier Vial e outros empresários que os auxiliaram na difusão de suas ideias em
entidades associativas das classes dominantes. Edwards e Vial, por sua vez, eram vinculados a
entidades de classe e políticos da Direita estadunidense, e o imperialismo “ianque” prestou
apoio logístico e financeiro aos Chicago Boys e à conspiração anti-Allende. Com a instalação
da ditadura, os Chicago Boys integraram a ODEPLAN e outras pastas da área econômica ao
mesmo tempo em que trabalharam em cargos de confiança dos grandes grupos econômicos
chilenos. Politicamente conservadores, aliaram-se aos Gremialistas e aos militares contra
Allende, para aplicar suas propostas, e dissociavam o desenvolvimento capitalista do
crescimento industrial (MONTEIRO, 2014, p. 66-79; DREIFUSS, 1987, p. 214-238).
Os ministros brasileiros, por sua vez, tinham diferentes diagnósticos acerca dos
problemas brasileiros. Campos e Bulhões desejavam subordinar o crescimento industrial à
contenção da inflação, do déficit público e da redução da importância das empresas estatais.
Delfim Neto e seus parceiros ministeriais admitiam a presença de um certo patamar de
inflação e de endividamento externo como um mal menor desde que existisse expansão da
indústria, das exportações e da integração entre as regiões do Brasil. A formação profissional
desses homens era heterogênea, pois, por exemplo, Campos era diplomata, Delfim Neto,
economista da Universidade de São Paulo (USP), Ernane Galvêas, advogado e pós-graduado
na Universidade de Yale (EUA), mas, por outro lado, foram unidos por suas experiências no
IPES, ESG, na oposição a Goulart e por solidariedade de classe, uma vez que Campos,
Bulhões, Garrido Torres e Dênio Nogueira também eram empresários ou executivos de
multinacionais. A maioria dos citados também era adepta do planejamento econômico e de
um traço das classes dominantes brasileiras, que viam a expansão industrial e a imersão no
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mercado internacional como etapas para superar o subdesenvolvimento e promover
estabilidade interna. Por fim, assim como os Chicago Boys, os homens que lideraram as
equipes econômicas ditatoriais brasileiras receberam auxílio das lideranças imperialistas
internacionais para depor o governo Goulart – o IPES, por exemplo, recebeu fundos dos EUA
para suas atividades –, e também para consolidar suas posições de poder (MONTEIRO, 2014,
p. 69-79; DREIFUSS, 1981, p. 71-568).
Além do apoio externo, os tecnocratas brasileiros e chilenos também se beneficiaram
das oscilações políticas do interior das FFAA. Os Chicago Boys obtiveram apoio de Pinochet
e do Almirante Merino, que permaneceram no poder de 1973 a 1990. No Brasil, os futuros
ministros eram articulados com os militares da ESG desde antes da ditadura, e tal grupo
castrense que governou o país por quatorze anos foi hegemônico no governo José Sarney
(1985-1990). Suas ideias econômicas também despertaram simpatias em oficiais como Costa
e Silva e Médici. Nas mãos desta aliança tecno-militar-empresarial, o Estado brasileiro
comportou-se como um investidor, financiador e dinamizador na economia. O bloco chileno,
por sua vez, criou condições para o domínio do capitalismo financeiro.
6 Considerações finais
As alianças formadas por militares, empresários e outros grupos conservadores do
Brasil e do Chile depuseram os governos de esquerda e centro-esquerda de seus países e
implantaram ditaduras com vários traços em comum. No campo econômico, muitos trabalhos
têm apontado que tais países seguiram orientações diferentes ou até mesmo antagônicas:
estatismo no Brasil e privatizações no Chile. De outra forma, este trabalho buscou demonstrar
que estas diferenças não foram desprezíveis, mas, caso levadas ao extremo, podem esconder
as linhas comuns e estruturais que guiaram tais equipes ministeriais: repressão policial-militar
que permitiu disciplinar os trabalhadores, reduzir seus salários e garantir maiores rendimentos
para as classes proprietárias, ações que promoveram a internacionalização das suas
economias, a concentração empresarial, o aumento do PIB, a diversificação de suas atividades
produtivas, entre outras. Do mesmo modo, as classes trabalhadoras foram as camadas sociais
mais prejudicadas pelas medidas: queda do nível de vida, perda da autonomia política e
sindical, morte das lideranças opositoras, privatização e deterioração dos serviços públicos.
Na parte final do artigo fiz algumas referências aos traços político-profissionais dos
indivíduos que exerceram os cargos ministeriais do Brasil e do Chile em gestões organizadas
para ampliar a acumulação capitalista sem que esta promovesse a equidade social em um
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horizonte próximo. Apontei também ao longo do texto que as reformas impulsionadas por
esses sujeitos sociais tiveram um duplo efeito: por um lado, promoveram grande aumento no
PIB, mas, por outro, suas bases possuíam fragilidades que resultaram em severas crises,
épocas de recessão agravadas por mudanças internacionais, como as crises do dólar e do
petróleo.
O exame dos resultados das políticas econômicas dos governos democráticos pósditaduras podem levar a novas críticas aos chamados êxitos econômicos das ditaduras. Por
exemplo, os índices econômicos dos governos pós-ditadura de Pinochet foram maiores do que
aqueles atingidos ao longo do Milagre Chileno e do regime militar (MUÑOZ, 2010, p. 269276; HUNEEUS, 2002, p. 391). No Brasil, as taxas de crescimento de 2002 a 2013 não
alcançaram os patamares do período 1968-1973, mas seus números relacionados aos dos
gastos sociais apontaram para uma propensão mais recente em conciliar crescimento e
redução da miséria absoluta.
Por outro lado, enquanto o Brasil foi um dos últimos exemplos da aplicação de um
projeto de acumulação capitalista baseado no crescimento industrial alavancado pelo
intervencionismo público e financiado pela aliança Estado-Multinacionais, forma esta
originada nos EUA, presente na China contemporânea e atualmente considerada obsoleta,
protecionista e inflacionária, o exemplo neoliberal chileno, por sua vez, tem servido de matriz
para diversos países desde meados dos anos 1980. As duas experiências econômicas nas
ditaduras são similares na medida em que as principais modificações que produziram nos
países em questão ainda estão vigentes passadas quase duas décadas de redemocratização. Por
exemplo, não houve revogação das privatizações das empresas públicas e do ensino superior
chileno, da reforma da previdência ou de qualquer medida implementada pelas equipes
ministeriais de Pinochet. De forma parecida, persiste na experiência brasileira o FGTS, a
monopolização e a internacionalização das áreas vitais da economia, como o sistema
bancário, o automobilístico, a construção civil. Defendidos pelo empresariado multinacionalassociado de ambos os países e por seus representantes políticos, estes pontos constituem o
maior legado ditatorial e alvos prioritários das forças sociais que desejam livrar suas
sociedades desta herança.
Recebido em outubro de 2014.
Aprovado em dezembro de 2014.
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Revisiting the “Economic Miracle” of the dictatorships in Brazil and Chile in comparative perspective (19681982)
Abstract: This study aims to make a comparative analysis of the major political and economic measures
implemented by Brazil and Chile dictatorial leaders, which resulted in a period of great economic growth called
as the “Economic Miracle”. The perspective that permeates this study is about two experiences that had the same
structural base, such as the opening of foreign financial markets and the wage control, but resulted in the
development of various economic sectors due to the economic orientation of their elites and available
international resources.
Keywords: Economic Miracles. Dictatorships. Capitalism.
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