UNIVERSIDADE GAMA FILHO - Centro de Documentação do

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UNIVERSIDADE GAMA FILHO
CENTRO DE CIÊNCI AS HUMANAS
DE P ART AME NT O DE FI LO S O FI A
Aquiles Côrtes Guimarães
A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO
FILOSÓFICO BRASILEIRO
Tese de doutorado apresentada
ao Departamento de Filosofia
da Universidade Gama Filho
como requisito parcial para a
obtenção do grau de Doutor em
Filosofia.
Orientador: Prof. Antônio Paim
Rio de Janeiro, dezembro de 1981
1
RESUMO
A formação do pensamento filosófico brasileiro está
marcada pela preocupação com o homem. Daí a questão
da consciência assumir relevo no itinerário da meditação,
podendo-se mesmo afirmar que é ela o centro para onde
convergem os esforços mais significativos dos filósofos
brasileiros. No seu curso histórico, os pensadores pátrios
assumiram uma postura crítica frente à filosofia em geral,
o que constitui outra característica marcante da nossa
formação. O ecletismo, o positivismo e o naturalismo são
exemplos de correntes que sofreram, no Brasil, ataques
semelhantes àqueles de que foram alvos nos espaços onde
floresceram. Não foi nossa pretensão analisar os diversos
modos com os quais conduziram o pensamento a
totalidade daqueles que se dedicaram à filosofia entre
nós. A intenção foi surpreender em determinados
pensadores a motivação nuclear das suas investigações. E
concluímos que a filosofia no Brasil surge e se afirma
preocupada com o homem enquanto consciência e,
consequentemente, enquanto liberdade.
2
ABSTRACT
The formation of Brazilian philosophical thinking shows
a constant preocupation with man. Therefore, it is not
surprising that the theme of consciousness appears along
the course of inquiries with so strong an emphasis. One
may assert that consciousness is a real center of
convergence – the goal of the most relevant efforts made
by Brazilian thinkers. In their histprical setting, theu
have adopted a critical attitude before Philosophy in
general. This critical disposition is another significant
mark of our formation. Eclecticism, positivism and
naturalism may be cited as examples of some trends
which suffered critical remarks in the context of our
thinking – remarks that ressemble those ones which had
appeared in the European context where they had
flourished. We had not the intention to make a detailed
analysis of all important Brazilian thinkers. Our intention
was to pick up some philosophers and try to show the
nuclear motivation of their investigation. Having done it
so, we came to the conclusion that the philosophical
thinking in Brazil comes upp and make its roots always
turned to man viewed as a conscious being and,
therefore, approached as a being determined to male
choices in order to manifest his freedom.
3
SUMÁRIO
CAPÍTULO I
A ILUSTRAÇÃO BRASILEIRA EM FACE
DA HERANÇA PORTUGUESA ............................................... 00
1. O Significado da Herança Jesuítica ........................................ 00
2. As Reformas Pombalinas ....................................................... 00
3. Os Inícios da Ilustração Brasileira .......................................... 00
4. Os Indicadores da Ilustração Brasileira ................................... 00
CAPÍTULO II
O PAPEL DO ECLETISMO NA FORMAÇÃO DO
PENSAMENTO BRASILEIRO
1. Idéia do ecletismo .................................................................. 00
2. O Ecletismo no Pensamento Francês do Século XIX .............. 00
3. A Contextualização do Ecletismo no Brasil ............................ 00
CAPÍTULO III
A MATURAÇÃO DO PENSAMENTO
FILOSÓFICO BRASILEIRO .................................................... 00
1. O Positivismo como Instrumento de Combate ........................ 00
2. O Anglo-germanismo como Tentativa de Reconstrução .......... 00
CAPÍTULO IV
A MATURIDADE DA MEDITAÇÃO BRASILEIRA ............... 000
1. O Momento de Farias Brito .................................................... 000
2. O Momento de Miguel Reale ................................................. 000
CONCLUSÃO .......................................................................... 000
BIBLIOGRAFIA ....................................................................... 000
4
CAPÍTULO I
A ILUSTRAÇÃO BRASILEIRA EM FACE
DA HERANÇA PORTUGUESA
1. O Significado da Herança Jesuítica
A descoberta do Brasil coincidiu com a expansão
da Companhia de Jesus, fundada para servir de
instrumento de combate à reforma protestante. Uma das
suas missões básicas era a de disseminar a doutrina
católica, à luz dos princípios aristotélico -tomistas. Mas
é preciso deixar claro, desde logo, que as preocupações
dos jesuítas não estavam voltadas para questões
doutrinárias e, sim, para os problemas catequéticos. Era
preciso levar avante a tarefa de conquistar os povos para
a cristandade. Com este intuito, a Companhia de Jesus
se instalou em Portugal. Ali não encontrou maiores
dificuldades para desenvolver os seus misteres, uma vez
que Portugal foi um dos países em que a reforma
protestante não penetrou.
A Companhia de Jesus, a partir dos inícios do
século XVI espalha suas missões por vários países da
Europa, como Itália, França, Portugal e outros. Suas
aspirações eram universais e para levar a cabo o seu
desideratum começou por estabelecer uma rígida
organização configurada nas suas Constituições que
eram as diretivas formais a serem obedecidas por tantos
quantos nela ingressassem. Não se pode negar os êxitos
5
da Companhia no plano da evangelização. Obstáculos de
ordem institucional foram sendo superados e as nações
católicas recebiam sempre de bom grado a presença dos
inacianos que, certamente, contribuíram com um
importante ingrediente da própria estabilidade política.
Não seria gratuitamente que os governos
emprestavam todo apoio à Companhia, os vários países
em que ela penetrava. Estamos vivendo o momento de
lutas religiosas cristalizadas na contra-reforma que, de
certa maneira, causavam preocupações de ordem
político-institucional nos espaços nacionais de tradição
católica.
A impossibilidade de converter os
reformados ou de extirpá -los pela
força obrigada a tolerá -las e a assinar
pactos de paz em religião.
....................................................
Os príncipes escolhiam livremente sua
religião, mas os súditos eram forçados
a dotar a religião do seu príncipe
(cujus regio, ejos religio), pois não se
acreditava que um Estado pudesse
subsistir contendo em seu seio
religiões diferentes.
MOUSIER, Roland. Os Séculos XVI e
XVII.
In
História
Geral
das
Civilizações. Trad. de Vitor Ramos e
outros, São Paulo, Difusão Européia
do Livro, 1973, v. 9, T. IV, p. 91.
6
Ora, a força espiritual e moral que a Companhia
representava não poderia ser olvidada pelos príncipes de
confissão católica, até porque se tratava de uma
instituição devidamente legitimada pelo poder papal. O
vasto plano catequético e educativo dos inacianos
funcionava como uma espécie de instrumento ideológico
que, acreditava-se, poderia conter os ímpetos de
reformismo protestante.
Para cumprir plenamente a sua missão, sentiram,
desde logo, os adeptos de Santo Inácio de Loyola,
juntamente com seu líder, que a educação era o caminho
mais seguro para o empreendimento da regeneração da
humanidade. E é nesta tarefa que a Companhia vai
dispensar todos os esforços, em estreita articulação com
a missão maior que é a de inocular nos espíritos a
doutrina expressa nas Sagradas Escrituras, segundo a
interpretação dos Doutores da Igreja. Com isto, durante
cera de dois séculos, a presença dos jesuítas no ensino
se constitui num dos fenômenos mais notáveis da
história da educação da humanidade. Proliferavam os
colégios por todas as partes do mundo onde chegavam
os mensageiros de cristianismo. Uma disciplina de tra balho inspirada nos princípios da hierarquia eclesiástica
era seguida com todos os rigores e isto contribuía para
que a empresa fosse sempre se agigantando sem as
ameaças da vulnerabilidade.
A Universidade de Coimbra foi um dos centros
mais importantes de ensino dominado pelos jesuítas. Ali
se pretendeu articular uma sistemática de formação
humanística, com um acentuado privilégio às línguas
latina, grega e hebraica, através d e autores devidamente
7
selecionados pelo critério da coerência com os
princípios da doutrina católica. Aos poucos, a educação
portuguesa vai sendo dominada pelos jesuítas em todos
os níveis, acabando por assumir uma preponderância
absoluta.
Parece que a Universidade de Coimbra foi o
padrão de ensino da Companhia ao longo de todo o seu
magistério em Portugal. Pelo menos em relação ao
Brasil, a tradicional Universidade ditava as regras no
plano dos estudos superiores. Aliás, para ser mais
preciso, os mestres de Coimbra transmitiam ao Brasil as
normas estabelecidas no Ratio Studiorum de que
falaremos mais tarde. Tudo isto provém da necessidade
de estabelecer um elo de permanência do aristotelismo tomista, contra a vaga de inovações que assolava a
Europa. Aristóteles e Santo Tomás de Aquino deveriam
ser preservados, a despeito de todas as novas
descobertas científicas e dos novos caminhos abertos
pela indagação filosófica. A Companhia de Jesus
representa o esforço de permanência frente a quaisquer
tentativas de transformações da mundividência do
homem alarmado com tantas descobertas e previsões.
A cosmovisão do homem medieval se orienta
pelos princípios da sabedoria recebida dos gregos
antigos, adaptada aos parâmetros do cristianismo. Os
elementos de Euclides, o Timeu de Platão e as obras de
Aristóteles eram as autoridades indiscutíveis do ensino
medieval. Quando da instituição da Universidade de
Paris, no século XIII, todas as obras de Aristóteles se
achavam traduzidas. E Santo Tomás considerou-as como
o exemplarismo da razão natural. Toda ciência estava
8
em Aristóteles, o que significa dizer: toda razão natural
está em Aristóteles.
Il en fut ainsi jusqu’à diffusion de
l’oeuvre complète d’Aristote en
Occident, au XIII e siècle. Albert de
Grand et Thomas d’Aquin voient dans
l’oeuvre synthétique du Stagirite la
somme définitive de toutes les verités
naturelles que l’esprit humain peut
acquérir par ses propres forces: la
science n’est plus à faire, elle est déjà
faite, elle est purement livresque, et,
pour la parfaire, il n’est que de
déduire des principes de philosophie
naturelle formulés par Aristote lasérie
ordonné
de
leurs
conséquences
particulières. Le contenu de la raison
s’identifie avec Péripatétisme: pour
concilier la raison et la révelation, il
suffit d’accorder le fondateur du
Lycés avec Möise et le Christ.
ROUGIER, Louis. La Scolastique et
le Thomisme. Paris, Gauthier-Villars,
1955, p. 19.
A questão das influências do pensamento grego
antigo na formação do saber medieval comporta, ao
longo da história, várias discussões. Pacífica é, todavia,
essa influência. Werner Jaeger, por exemplo, chega a
afirmar que, não fora a existência do pensamento grego
9
e não teríamos os alicerces da cultura medieval, tendo
em vista a originariedade de uma meditação que se
enraizou definitivamente no âmbito da ocidentalidade.
(Cf. Werner Jaeger. Cristianismo Primitivo y Paideia
Griega. Trad. de Elsa Frost, México, F.C.E., 1965).
No caso específico da chamada cultura universitária formada no século XIII, a despeito da
respeitável opinião de Louis Rougier, há que ter em
vista o que ensina M.D. Chenu, O.P., dentre outros.
Ce prestige d’Augustin ne nous parait
donc pas seulement l’effet d’une
permanente et quelque peu antique
vénération; il s’alimente, croyonsneus, d’une nouvele ferveur par le
mouvement évangelique qui, pendant
ce siècle, comme nous l’avons vu,
transforme la Chrétianité. Toutes les
réformes de l’Église, a -t-on dit,
trouvèrent éveil et appui dans
Augustin. Ainsi en fut’íl au XIII e
siècle: ce fut pas par une option
institucionnelle improvisée que plu sieurs formes religiouses du renou veau de la “vie apostolique” – entre
autres
les Frères Prêcheurs
–
recoururent à la règle de saint
Augustin, mais bien en communion
avec une résurgence de l’esprit même
du grand docteur dans les aspiration et
les mentalités contemporaines.
10
M.D. Chenu, O.P. Introduction a
L’Étude de Saint Thomas D’Aquin.
Paris, J. Vrin, 1950, p. 46.
Significativas são ainda as afirmações do mesmo
autor na obra acima indicada, no sentido da
predominância – ou de equilíbrio – da influência do
platonismo agostiniano no espaço do ensino medieval:
Il n’est point surprenant alors que,
passant au domaine technique et
pedagogique, nous observions que
pour tous Augustin est, non point um
maitre, mais le maitre de la culture
chrétienne. Il en fournit les cadres et
les méthodes, le matérial et les
ambitions; il en marque d’avance les
lacunes. Op. cit., p. 50.
Afirma, ainda, adiante, com a mesma convicç ão:
Ainsi les uns fabriquaient une escolastique vidés d’Augustin, tandis que
les autre, dans leur archéologisme,
incriminaient la scolastique au non
d’Augustin. Saint Thomas, lui, est
proprement um ecelastique authentiquament nourri d’Augustin.
Op. cit., p. 51.
11
De qualquer forma, estas considerações são
oportunas para salientar as controvérsias vigentes entre
os historiadores acerca da progressiva assimilação do
pensamento grego no contexto da formação da cultura
medieval que culmina, em última análise, com a
instituição da Universidade de Paris, tornando -se esta
uma espécie de modelo para as outras que vão surgir. A
crise que a afeta é que nos conduz a acreditar na
predominância do aristotelismo, pois foi este um dos
motivos de combate por parte daqueles que desejavam
fugir de um tipo de ensino intelectualista. As
divergências em torno da questão ficam por conta
daqueles que se dedicam ou se dedicaram a ela.
A Universidade de Paris exerceu um papel de alta
importância na formação das gerações européias durante
alguns séculos. Mas, voltada para um ensino distanciado
da realidade, acaba por enfraquecer sua própria
estrutura, provocando a primeira greve estudantil da
história, incitada pelos chamamentos operacionais da
Universidade de Oxford, em cujo espaço predominava o
espírito do empirismo. Houve uma considerável retira da
dos estudantes parisienses para a Universidade de
Oxford. Aristóteles ali era relegado a segundo plano. O
que importava era preparar o homem para o domínio da
natureza. A física medieval estava centrada no
sentimento e na descrição dos seres da natureza,
segundo as lições de Aristóteles. Ao contrário, a física
moderna deixa de ser uma física das qualidades para ser
uma física das quantidades. O Universo da modernidade
é caótico, cabendo à razão ordená-lo e construí-lo. O
cosmos está aberto ao infinito. O homem constrói o
12
mundo. O mistério do Universo é um desafio à razão. O
cosmos passa a ser a matéria-prima da razão
construtora. Não há mais lugar para a simples
observação passiva. O homem assume o seu posto na
perspectiva ativista, fabricadora. Tudo isto assusta aos
jesuítas que lembram sempre a necessidade de manter a
tradição aristotélico -tomista, tomando como inimigas
quaisquer orientações sustentadas em desacordo com a
tradição católica vigente.
Dentro deste quadro é que se desenvolve a
educação portuguesa, a partir do século XVI. A
Companhia de Jesus foi fundada em 1539 e legitimada
em Portugal em 27 de setembro de 1540, através da bula
Regimini Militantis Eclesias, do Papa Paulo III, em
estreita consonância política com D. João III. Em
Portugal, no Brasil e nas demais colônias, escolas são
fundadas em todos os lugarejos mais importantes e aos
poucos a Companhia domina inteiramente o ensino
português. Empreende-se, desde logo, a elaboração de
um estatuto que contivesse o conjunto de normas rígidas
a serem obedecidas por toda a comunidade docente,
discente e administrativa.
Após exaustivas discussões chega-se à redação
final e aprovação deste instrumento que tomou o nome
de Ratio Studiorum. Nele, as normas do ensino são
minuciosamente estabelecidas.
A disciplina merece especiais cuidados, de forma
que a conduta moral dos inacianos fosse considerada
irreprovável em quaisquer circunstâncias, valendo tais
normas para os “de fora”, no que coubessem. Os “de
13
fora” eram os alunos leigos, não membros da
Companhia.
Santo Tomás era a autoridade em matéria de
saber:
Lembre-se de modo muito especial
que às cadeiras de teologia não devem
ser promovidos senão os que são bem
afeiçoados a Santo Tomás; os que lhe
são adversos ou menos zelosos da
doutrina, deverão ser afastados do
magistério.
Ratio Studiorum. Regra do Provincial.
Trad. de Leonel Franca. Rio de
Janeiro, Agir, 1952, p. 121.
Ainda nas mesmas Regras do Provincial encontramos o seguinte preceito:
Os professores de Filosofia (exceto
caso de gravíssima necessidade) não
só deverão ter concluído o curso de
teologia senão ainda consagrado dois
anos à sua revisão, a fim de que a
doutrina lhes seja mais segura e mais
útil à teologia. Os que forem inclinados a novidades ou demasiado
livres nas suas opiniões deverão, sem
hesitações, ser afastados do magis tério.
14
Trad. cit., p. 122-123.
Mas o primor das restrições à liberdade de pensar
vem nas Regras do Professor de Teologia.
... em teologia escolástica sigam os
nossos religiosos a doutrina de Santo
Tomás; considerem-no como seu
Doutor próprio, e concentrem todos os
esforços para que os alunos lhe
cobrem a maior estima. Entendam, porém, que se não devem adstringir de
tal modo a Santo Tomás, que lhes não
seja permitido em cousa alguma apar tar-se dele, uma vez que os que de
modo especial se professam tomistas
por vezes dele se afastam e não seja
justo se liguem os nossos religiosos a
Santo Tomas mais estreitamente do
que os próprios tomistas.
Trad. cit., 152.
A regra era seguir Santo Tomás, abandonando
quaisquer doutrinas que viessem contrariá-lo. Em
matéria de interpretação da sua doutrina, entretanto, era
permitido aproximar-se daqueles tomistas que num
ponto ou noutro dele discordassem. Entretanto, nas
mesmas Regras do Professor de Teologia lê -se: “Não
basta referir as opiniões dos doutores e calar a própria;
defenda, como se disse, a opinião de Santo Tomás ou
omita a questão”. Trad. cit., p. 156.
15
No ensino da Filosofia a situação não era
diferente. Rigorosos mandamentos são prescritos ao pro fessor de Filosofia, no sentido de situá-lo nos estritos
limites do pensamento aristotélico -tomista.
Não se filie nem a si nem a seus
alunos em seita alguma filosófica
como a dos Averroístas, dos Alexandristas e semelhantes; nem dissimule
os erros de Averrois, de Alexandr e e
outros, antes daí tire ensejo para com
maior rigor diminuir -lhes a autoridade. De Santo Tomás, pelo contrário, fale sempre com respeito; seguindo-o de boa vontade todas as
vezes que possível, dele divergindo,
com pesar e reverência, quando não
for plausível a sua opinião.
Trad. cit., p. 159.
Dentro deste clima, pode-se inferir que não era
possível despertar vocações filosóficas que viessem
lançar ressonância sobre as futuras gerações em
Portugal e no Brasil.
O espírito da educação jesuítica provo cou uma
espécie de sustação do processo cultural em Portugal e
nas colônias, marcadamente no Brasil, por cerca de dois
séculos. Não vamos cair na ingenuidade de omitir os
seus méritos. O ensino ministrado pelos jesuítas através
da Companhia de Jesus ensejo u uma rigorosa formação
humanística em várias gerações. Mas, tendo sido ela um
16
verdadeiro exército a serviço da salvação das almas,
olvidou o papel da liberdade no fluxo da criação
cultural, deixando de considerar o homem como
consciência para vê-lo na simples perspectiva do dever
de obediência.
2. As Reformas Pombalinas
Com a ascensão do Marquês de Pombal ao cargo
de Ministro de D. José I, Portugal passaria por uma fase
de modernização tão marcante que poderíamos afirmar
ter sido esse fator o ensaio decisivo de inserção daquele
país na modernidade. No plano da educação, como
medida saneadora, em 1759 a Companhia de Jesus é
radicalmente despojada dos seus privilégios e os jesuítas
são expulsos de Portugal e das colônias sem a menor
contemplação. Imediatamente foram criadas as aulas
régias de latim, hebraico, grego e retórica, para
preencherem, provisoriamente, o espaço educativo
deixado pelos inacianos. Começam desde logo os
estudos para a reforma da Universidade de Coimbra,
aprovada em 1772. Toda a sistemática de ensino deveria
passar por uma transformação, de molde a erradicar da
cultura portuguesa os malefícios deixados pelos jesuítas.
Não se trata, obviamente, de combater o cristianismo.
Pelo contrário, busca-se fortalecê-lo através de uma
nova orientação.
O problema da expulsão dos jesuítas suscitou um
debate histórico que se prolonga até aos nossos dias.
Pena é que tal debate traga subjacente a marca da paixão
17
a viciar a sua importância científica. As diatribes se
desenrolam entre os historiadores ocup ando os espaços
em termos de defesa e acusação. Para uns, a atitude de
Pombal frente aos jesuítas foi a mais acertada que se
poderia tomar, uma vez que os inacianos foram os
grandes responsáveis pelo estado de estagnação da
cultura lusitana. Para outros, entretanto, Pombal teria
agido atrabiliariamente e até mesmo contra a fé cristã.
No calor dos acontecimentos, os ataques mútuos
ganhavam o público de parte a parte.
Nas publicações antijesuíticas da
administração do Marquês de Pombal,
transparece claramente a preocupação
de atribuir aos inacianos a principal
responsabilidade pela decadência em
que se encontrava os estudos em
Portugal.
O Compêndio Histórico do Estado da
Universidade de Coimbra no tempo da
invasão dos denominados jesuítas e
dos estragos feitos nas ciências, nos
professor3es e diretores que a regiam
pelas maquinações e publicações de
novos estatutos por eles fabricados,
aparecido em 1772, constitui, em suas
linhas essenciais, apesar das parcialidades notórias, um programa de
alta significação pedagógico-cultural,
pois nele se encontra, ainda hoje, o
melhor documento que do ponto de
18
vista crítico, se fez em Portugal sobre
a situação em que se encontrava a
Universidade de Coimbra até a promulgação dos estatutos pombalinos. A
erudição histórica posterior retificou
muitos dos erros contidos nesta pu blicação, mas estas emendas de ma neira alguma alteram a própria
substância do programa educacional
traçado pela Junta de Providência
Literária. É preciso lembrar que o
Compêndio foi redigido num momento
em que a questão dos jesuítas,
transformada num problema político
dos governos da Espanha, França e
Portugal ainda não se resolvera.
Devido ao prestígio que gozava a
Companhia de Jesus, junto à Cúria
Romana, os delegados dos governos
que se empenhavam na luta contra os
jesuítas não tinham vencido até aquela
data as últimas resistências de
Ganganelli e alcançado, desta forma,
o objetivo comum: a extinção da
ordem.
Compreende-se, portanto, que a refor ma da Universidade se transformasse
em mais um documento da política
antijesuítica que há dezesseis anos se
tornara uma das principais preocu pações da administração pombalina.
19
No Compêndio Histórico, todos os
elementos úteis à justificação doutrinária do pombalismo foram aproveitados: desde a entrega do Colégio
das Artes à Companhia de Jesus, com
os episódios que se lhe seguiram, até
à análise minuciosa dos acontecimentos políticos em que os inacianos
tiveram uma parcela, mínima que
fosse, de responsabilidade. Todos os
fatos referentes à ação dos jesuítas
foram invocados para demonstrar,
num quadro de tintas sombrias, que,
até mesmo no setor do ensino, a
decadência da nação era sobretudo
obra dos padres da Companhia de
Jesus. O Compêndio Histórico constitui, desta forma, a conseqüência
natural da doutrina da Dedução
Cronológica e Analítica, de 1765,
como esta representa também o
corolário generalizado e minucioso da
Relação abreviada da República que
os religiosos jesuítas das províncias
de Portugal e Espanha estabeleceram
nos domínios ultramarinos das duas
monarquias e das guerras que neles
tem movido e sustentada contra os
exércitos espanhóis e portugueses, de
1756.
20
RAMOS DE CARVALHO, Laerte. As
Reformas Pombalinas da Instrução
Pública. São Paulo, EDUSP-SARAIVA, 1978, pp. 39-40.
O que importa em tudo isto é verificar os motivos
inspiradores da nova política pombalina no plano da
educação.
Antes da efetivação das reformas educacionais,
um grupo de estudiosos já se insurgira contra a ação dos
jesuítas e seus métodos, em cujo seio é relevante a
figura de Luiz Antônio Verney. Exilado na Itália, de
Roma escreve uma série de dezesseis cartas, sob
pseudônimo, reunidas mais tarde no volume O
Verdadeiro Método de Estudar. Nestas cartas, Verney
propõe uma nova pedagogia para o ensino português, de
molde a livrar o País da decadência cultural em que se
encontrava. Por trás dessas discussões está a tentativa
de assimilar e espírito da modernidade, abandonando o
apego à Escolástica e voltando os olhos para a grande
revolução científica que estava sendo operada nos
outros países europeus, principalmente no espaço do
saber físico-matemático.
Em matéria de Filosofia, as fontes dos ins piradores de Pombal eram Descartes e o empirismo
inglês, de Bacon a Hume. A pedagogia de Hume é
lembrada por vários estudiosos anti-jesuítas. No
Verdadeiro Método de Estudar, são copiosos os recursos
a Descartes, a Hume, a Bacon e aos demais destacados
pensadores que davam o suporte de autoridade às
proposições de Verney. Instaura-se uma verdadeira
21
batalha anti-escolástica com categorias epistemológicas
hauridas do espírito de “Iluminismo” em geral. No afã
de afastar da mentalidade portuguesa a atitude
especulativa disseminada através de um aristotelismo
ultrapassado, Verney chega a confundir ciência com
filosofia, cometendo vários equívocos nas suas
digressões sobre os filósofos que combatia. Seu
Verdadeiro Método de Estudar é mais um instrumento
de combate do que mesmo um esforço de reflexão em
torno dos grandes problemas da filosofia e das ciências
que estavam merecendo a atenção da crítica dos seus
contemporâneos.
É nesse ambiente intelectual já formado que
Pombal vai iniciar suas reformas.
Os jesuítas procuravam o autor das Cartas por
toda parte e exigiam para ele a mais pesada condenação.
Como não conseguiram identificá-lo, e até que isto fosse
possível, não faltaram as réplicas e tréplicas em torno
das Cartas, todas elas fruto de uma paixão que
obscurece qualquer atitude científica e deslustra a
tradição intelectual de qualquer País. Pombal entra em
cena e, a fortiori apóia Verney, adotando as linhas
gerais do seu pensamento pedagógico. Mas Verney, per
via dubitationis, continua exilado e se nega a assumir a
autoria das Cartas. (Cf. O Nascimento da Moderna
Pedagogia. Verney, Rio de Janeiro, PUC-Rio, 1979.
Obra Coletiva).
De qualquer forma, Pombal não se valeu
simplesmente do Verdadeiro Método de Estudar, mas
socorreu-se também de outras fontes que pudessem
servir de orientação aos seus impulsos reformistas. É
22
inegável que houve um considerável avanço no ensino
da Filosofia, com a introdução de novos compêndios ou
tratados nas escolas em substituição aos inúmeros
Cursus philosophicus e outros textos que eram impostos
aos alunos pelos jesuítas. Em Lógica, por exemplo,
adotou-se As Instituições da Lógica, de Genovese. Esta
obra foi elaborada dentro de uma visão que poderíamos
chamar de eclética, pois procura salientar as categorias
mais relevantes do pensamento moderno, principalmente
do empirismo, sem aquele desprezo a Aristóteles e
outros, tão em voga ao seu tempo. É preciso incorporar
ao ensino as descobertas da modernidade, sem contudo
cair no equívoco de ignorar a herança do passado. Mas o
Marquês de Pombal não perdeu a oportunidade para
fazer os seus reparos:
Sobre a orientação filosófica, é opor tuno lembrar aqui o oficio enviado
pelo Marquês de Pombal ao Reitor da
Universidade de Coimbra, em 23 de
setembro de 1773, sobre as emendas a
serem feitas na edição de Antonio
Genovese. Sinal característico da exa gerada preocupação de combater Aris tóteles são os termos do referido
documento: “Logo no Parágrafo Terceiro, escreve o Marquês de Pombal
referindo-se às Instituições da Lógica
e da Metafísica de Genovese, dos
Prolegômenos se contem as palavras
que vão canceladas por Mim; e que
23
creio se podem, e devem omitir na
impressão, que novamente se fizer.
Porque ainda que vejo que neste
Compêndio se trata somente da Lógica, e não da Metafísica, em que o
Estatuto da Universidade impugnou
Aristóteles; sempre o nome de um
filósofo tão abominável se deve procurar que antes esqueça nas Lições de
Coimbra do que se presente aos olhos
dos Acadêmicos como um atendível
Corifeu da Filosofia. Além de que não
é tão certo, como Genovese o diz, que
Aristóteles desse as mais Completas
Regras desta Arte. Nem isto se pode
dizer no tempo de hoje, no qual as
regras mais seguras são as que mais se
apartaram do mesmo Aristóteles.”
RAMOS DE CARVALHO, Laerte. As
Reformas Pombalinas de Instrução
Pública. São Paulo, EDUSP-GRIJALBO, 1978.
Reconheçamos, desde logo, que as reformas
pombalinas, no que diz respeito ao ensino da Fi losofia,
representam apenas uma tentativa de contextuar este
universo do saber aos novos tempos. A rigor, Pombal
não estava interessado no ensino da Filosofia e muito
menos na produção do pensamento filosófico. Mas,
necessariamente, tinha que conviver com todas as
instâncias do saber por força do próprio espírito das
24
reformas e pela necessidade que assumiu de combater
por todos os meios a educação jesuítica. Seu interesse
maior está voltado para o ensino operatório que deveria
redundar no soerguimento econô mico de Portugal.
Não era um filósofo, um metafísico,
Sebastião José de Carvalho. Era um
homem prático. Em matéria ideológica não possuía uma orientação segura. Andou sempre ao sabor de cor rentes vindas da França, da Inglaterra
e de Portugal antigo. Ao contrário,
quanto à parte executiva da administração, nunca utilizou nem planos
nem práticas que não fossem os que
ele próprio concebia.
Visconde de Carnaxide. O Brasil na
Administração Pombalina. São Paulo,
Companhia Editora Nacional-Instituto
Nacional do Livro, 1979, 2ª ed., p. 4.
Em posição de inferioridade econômica, lutou
Pombal em primeiro plano para restabelecer sua
independência em relação à Inglaterra com cujo país
mantinha antigos compromissos que implicavam, na
prática, uma verdadeira submissão da própria soberania
lusitana. Nas tentativas gerais de reforma e moder nização da administração portuguesa, uma das metas
fundamentais do Marquês é livrar-se do jugo inglês.
Felizmente, o ouro do Brasil em muito ajudava no
equilíbrio da balança comercial...
25
Como se vê, a reforma pombalina também não dá
ensejo à emergência de uma consciência filosófica em
Portugal, pois seria quase impossível conciliar o
estímulo à produção do pensamento com o espírito
pragmatista infundido no ensino e na administração.
Consequentemente, o Brasil em nada se beneficiou do
processo cultural, se é que assim podemos nos
expressar, vigente em Portugal no século XVIII.
Não obstante os esforços de Alcides Bezerra no
sentido de mostrar que houve entre nós uma “Filosofia
na Fase Colonial”, parece inconteste a fragilidade dos
seus argumentos no que diz respeito à produção do
pensamento. Falar de Filosofia não é o mesmo que ser
filósofo. E é nesse equívoco que incorre Alcides Bezerra
ao arrolar alguns nomes de intelectuais do período
colonial como filósofos pelo simples fato de terem
abordado alguns temas de ordem filosófica, sempre à
margem das suas eventuais ocupações. (Cf. BEZERRA,
Alcides. A Philosofia na Phase Colonial. Rio de
Janeiro, Arquivo Nacional, 1955).
3. Os Inícios da Ilustração Brasileira
Ficou claro, em linhas gerais, que o Brasil sob o
“domínio” da cultura portuguesa, desde a longa
pregação jesuítica até às reformas pombalinas, em nada
prosperou em termos de uma instauração da cultura
nacional. Figuras esparsas apareceram no cenário intelectual compondo apenas o quadro da pobreza cultural
em que vivíamos, nada representando para a Filosofia.
26
O retoricismo que encontrou campo fértil na
cultura portuguesa lançou seus reflexos diretamente
sobre os nossos raríssimos intelectuais do século XVIII.
Era o beletrismo na sua mais cabal representação. O
exemplo do barroquismo do Padre Antonio Vieira foi
largamente imitado, não se limitando apenas ao século
XVIII mas difundindo o espírito retoricista ao longo de
todas as posteriores tentativas de afirmação do espírito
nacional. E até homens que granjearam fama no presente
século como intelectuais se deixaram levar pelo
verbalismo, como é o caso de Rui Barbosa. Destas
questões trataremos mais tarde. O que imp orta agora é
verificar como se formou aquilo a que chamamos de
ilustração brasileira, tomando este termo para significar
as primeiras tentativas no sentido de instaurar uma
cultura nacional, isto é, a brasilidade do nosso pensar.
É do consenso dos historiadores que a nossa
emancipação cultural começa a ensaiar seus primeiros
passos com a chegada da Corte de D. João VI ao Brasil,
em 1808, transposta por circunstâncias por demais
conhecidas. Aí teria início, concomitantemente, a
aceleração do processo de independência polít ica a qu e
D. Pedro I se viu mais tarde obrigado a se submeter.
Com a fundação de algumas escolas superiores,
tais como a de medicina, a naval, a militar, etc., D. João
VI tem a oportunidade de iniciar uma verdadeira
campanha no sentido de modernizar a nossa vida
cultural. Combatido por muitos por ter-se preocupado
apenas com o ensino das elites, não se pode negar o
valor do seu trabalho, assessorado por homens de larga
visão que se colocaram a seu serviço durante os anos em
27
que aqui permaneceu. Livre da interferênc ia dos
jesuítas, o monarca tinha o espaço aberto às suas
aspirações e parece que soube conciliar bem as
necessidades de um ensino técnico, de que tanto carecia
o Brasil, com aquelas de um ensino humanístico que
levasse à formação integral do homem.
A idéia da criação de uma universidade foi
relegada a segundo plano, optando -se pelos estabelecimentos isolados de ensino superior. Aliás, esse
espírito de desprezo pela Universidade vai ser
fermentado com o advento da mentalidade positivista,
francamente hostil a tal forma de organização do ensino.
No caso de D. João VI, o que houve foi uma espécie de
bloqueio por parte dos seus auxiliares diretos, quase
todos comprometidos com a preservação do prestígio da
Universidade de Coimbra, da qual eram egressos.
É elucidativo o que escreve Oliveira Lima:
Somente gorou o projeto de uma universidade – projeto acariciado pelo
Rei, que chegou a convidar José
Bonifácio para diretor dela, mas não
igualmente favorecido por todos os
seus ministros – pela tenaz oposição
do ainda preponderante elemento por tuguês, o qual assim receava ver desa parecer uma das principais bases
sobre que a metrópole assentava a sua
superioridade. Na colônia existiam
capacidades, bem se sabia no velho
Reino, tanto melhor quanto o século
28
XVIII português fora intelectualmente
de metade brasileiro. O que faltava
em absoluto era universalidade de
educação, justamente o que aquele
desígnio aspirava a introduzir no
nosso meio espiritual.
Em compensação D. João VI e o Conde da Barca, inimigo político de L inhares e seu digno êmulo na inteligência e na cultura, deram princípio a
uma Academia de Belas Artes...
LIMA, Oliveira. Dom João VI no
Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio
Editora, 1945. 1º volume, p. 262.
É plenamente admissível que a ilustração
brasileira encontre suas origens nos inícios do século
XIX, motivada pelo trabalho realizado pela Corte de D.
João VI, interessada em se desvencilhar da vasta
tradição legada pelos jesuítas que, apesar de afastados
do campo educativo, ainda contavam com as
ressonâncias do seu legado cultural. Hypólito da Costa,
Evaristo da Veiga e outros acompanharam esses fatos.
Hypólito, o primeiro grande jornalista a influenciar
decisivamente os destinos nacionais através do seu
Correio Brasiliense, não era um intelectual no sentido
vigente do termo. Homem be m informado e estudioso
dos problemas nacionais e internacionais, mantinha o
Brasil a par dos temas mais palpitantes em debate,
escudado no seu exílio na Inglaterra. Diga -se, aliás, de
passagem, que apesar das perseguições sofridas em
29
Portugal, entre nós o primeiro assíduo leitor do seu
jornal era o próprio D. João VI. De resto, suas
publicações tinham curso livre em todas as partes do
Brasil.
Tolerado a princípio, proibido depois,
o Correio Brasiliense se difundiu não
obstante no Brasil, penetrando a fundo
na opinião dos homens instruídos.
Cada número trazia comentários políticos e econômicos, informações sobre
o progresso técnico e científico, noti ciário amplo de política internacional,
análise dos acontecimentos do Brasil.
No conjunto, é o maior documento da
nossa Ilustração e o mais agudo comentário à política joanina, equiva lendo como valor informativo, no pla no do pensamento, ao que são, no
plano de puro registro dos fatos, às
caras de Luiz José dos Santos Marrocos. Do refúgio de Londres, encas telado na cidadania inglesa, Hypólito
educou as elites brasileiras segundo
os princípios do liberalismo ilustrado,
moderado, mas firme.
CÂNDIDO, Antônio. Formação da
Literatura Brasileira. São Paulo,
Livraria Martins Editora, 1964, v. 1,
2ª ed., p. 259.
30
Não obstante a respeitável opinião de Antônio
Cândido, não cremos que o interesse de Hypólito
estivesse voltado para a formação da cultura nacional e
muito menos para as questões filosóficas propriamente
ditas.
4. Os Indicadores da Ilustração Brasileira
É necessário retomar os temas esboçados
anteriormente para fixar melhor alguns aspectos do
processo cultural luso-brasileiro no sentido de verificar
em que consiste a “instauração” da brasilidade dos
nossos ilustrados. Já verificamos que o “iluminismo”
pombalino está voltado para a assimilação e
incorporação das ciências ao contexto do espírito de
renovação, com a nítida intenção operatória. Formou
toda uma geração dentro desse espírito de pragmatismo
cientificista. Com isto, é intuitivo que a especulação
metafísica só poderia ser considerada como “divagação
cerebrina”, como diria mais tarde Augusto Comte.
No caso concreto da “ilustração” portuguesa, as
questões fundamentais da filosofia eram inscritas no
universo daquilo que se chamou de saber ornamental. O
entendimento de filosofia era outro. Talvez o inverso
daquilo que se coloca nos horizontes de trabalho milenar
dos filósofos. As ciências naturais é que vão compor o
quadro das disciplinas filosóficas, dentro da nova
orientação imposta por Pombal, a partir da reforma da
Universidade de Coimbra. A Faculdade de Filosofia,
juntamente com a de Matemática, estava incumbida de
31
formar naturalistas, metalurgistas, botânicos e outros
especialistas ligados aos estritos domínios da natureza.
(Cf. PAIM, Antônio. O Estudo do Pensamento
Filosófico Brasileiro. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,
1979).
É interessante notar que essa diretriz traçada pelo
pombalismo destoa inteiramente de todas as orientações
universitárias européias da época, já que estamos
vivendo um período de intensa produção filosófica, no
verdadeiro sentido do termo, nas instituições de ensino
superior que marcaram de maneira grandiosa o espírito
da ocidentalidade. Possivelmente, os pensadores ale mães e ingleses, para ficarmos apenas com dois
exemplos, não tomaram conhecimento da inusitada
atitude de Pombal frente à Filosofia. Um Kant,
certamente, ficaria estarrecido diante da coragem do
Marquês de Pombal... Entretanto, o confronto é
dispensável, pois o poderoso Ministro tinha suas razões.
Queria um Portugal modernizado e não um Portugal
pensante. E, para tanto, bastaria uma espécie de
ecletismo que conduzisse à realização do seu
desideratum.
Sob a educação pombalina é que se forma grande
parte da elite que vai assumir a r esponsabilidade pela
emancipação do Brasil. Dizemos grande parte porque
uma pequena, mas poderosa elite, embora respirando o
clima pombalino, não se deixará influenciar pela me trópole, buscando em outros países uma formação mais
sólida.
Embora seja impossível dissociar totalmente o
processo político das tentativas de se estabelecer a
32
autonomia do pensamento brasileiro, cremos que a
criação do Estado Nacional pode ser considerada como
fato secundário em relação às questões filosóficas que
vão ganhar espaço entre nós. Entretanto, essa questão
não pode ser ignorada inteiramente, uma vez que os
ilustrados brasileiros estão engajados no processo da
independência política e, de certa forma, comprometidos
com o mais amplo plano de emancipação cultural.
Embora ligados aos laços de uma educação importada,
os integrantes da chamada elite brasileira se voltam
muito mais para os problemas políticos de premente
solução do que para os temas intelectuais. Aí vemos a
passagem, ou a transição para a instauração de um
pensamento nacional independente. Não por obra
daqueles que ainda estão comprometidos com a tradição
portuguesa, como é o caso de José Bonifácio de
Andrada e Silva, mas graças ao esforço de um grupo
paralelo constituído de autênticos nacionalistas,
decididamente voltados para a afirmação do pensamento
brasileiro e, até certo ponto, alheios às querelas que se
desenvolviam na ordem da afirmação do Estado
Nacional. De tal forma eram esp acializadas as
discussões em torno da independência política entre as
elites formadas pelas mais diversas correntes, num
misto de lusitanismo e brasileirismo, que os verdadeiros
intelectuais iam-se afastando do palco para se dedicarem
à criação do espírito. Haja vista aos exemplos de Torres
Homem, Araújo Porto Alegre, Gonçalves de Maga lhães
e outros. Eis porque poderíamos afirmar que a bra silidade dos nossos ilustrados se afirmou independente
do processo de debates em torno na emancipação
33
política, sem excluir a importância global dos acontecimentos que foram levados na devida conside ração
pelos arautos da nossa cultura.
Para entender esta questão, basta verificar que o
profissionalismo político é incompatível com a vida
intelectual. Não é excludente, obviamente. Todo
indivíduo age, de uma forma ou de outra, polit icamente,
mas no sentido mais puro do termo, diferentemente
daquele que faz da política uma profissão, conforme
aconteceu com muitos patrícios no calor da criação do
Estado Nacional.
No sentido estrito da Filosofia, os “fundadores do
Império brasileiro” não trouxeram nenhuma co ntribuição. Mas nem por isso mesmo poderíamos afirmar
estarem eles distanciados da ilustração brasileira. Eram
ilustrados políticos, apegados, quase todos, aos pre ceitos de uma educação adquirida em Portugal, não só
sob a égide das reformas pombalinas m as também
arraigadas na tradição jesuítica que não deixou de
continuar exercendo sua influência sobre os espíritos
esclarecidos.
O movimento intelectual que assinala uma
tomada de posição em face da necessidade de se
instaurar a autonomia da vida intelectu al brasileira é de
inspiração romântica e o seu momento se inscreve no
mesmo instante dos debates em torno da questão
política. Movida pelo ideal romântico, a vida intelectual
brasileira começa, basicamente, pelo apego à literatura.
O mais forte indicador dos inícios da nossa ilustração é
a intensificação da produção literária nesse período.
Refletindo a universalidade da concretização dos ideais
34
românticos nas artes em geral, os brasileiros caminham
no sentido de produzir uma literatura que espelhasse o
espírito nacional nas suas mais variadas manifestações,
como de resto ocorria em outros países. A Filosofia é
tratada como se fosse também uma das direções da
literatura, isto é, o literato e o filósofo se confundiam.
Exemplo importante dessa atitude encontramos em
Gonçalves de Magalhães, do qual ainda falaremos. Para
os historiadores da literatura ele é o introdutor do
romantismo no Brasil, com os seus Suspiros Poéticos e
Saudades (1836); para os historiadores da filosofia, uma
das mais destacadas figuras da corrente eclética entre
nós. (Cf. PAIM, Antonio. História das Idéias
Filosóficas no Brasil. São Paulo, EDUSP-GRIJALBO,
1974, 2ª ed.).
Muito se tem discutido em torno do surgimento
da nossa literatura. Em que momento se instaura a
literatura brasileira? Sabe-se, desde logo, que ao longo
do período colonial as escassas manifestações literárias
dos brasileiros refletiam, basicamente, as diferentes
tendências estéticas vigentes em Portugal. Muitos histo riadores negam a existência de uma literatura brasileira
nesse período. Os primeiros a defenderem tal posição
são os historiadores portugueses, com seu velho espírito
de paternalismo colonizador. Encontramos várias his tórias da literatura colocando autores portugueses e
brasileiros na mesma ordem de análise como se todos
pertencessem à literatura portuguesa. Tomam, geralmente, como referência a língua e não a nacionalidade.
O que caracterizaria uma literatura seria a língua na
35
qual ela é corporificada e não o território em que é
produzida.
A outra corrente de historiadores e críticos é
formada pelos nacionalistas brasileiros que defendem a
existência de uma literatura autenticamente nacional.
Toda essa discussão se trava com a emergência do
romantismo. E é natural que assim seja, uma vez que as
chamadas ciências históricas começam a ganhar corpo
no momento em que o espírito romântico se traduz no
sentimento de afirmação da nacionalidade.
La moderna ciencia histórica es una
planta joven. Surgió, como sabemos,
por los estudios de Ernst Troeltsch y
Friedrich Meinecke, a finales del siglo
XVIII, de la oposición al concepto de
historia propio de la Ilustración. Si
hasta entonces habia dominado un
tratamiento generalizador y pragmá tico del pasado, constituyendo al objeto essencial de la historia el progreso
de la humanidade hasta el alto nivel
alcanzado, ahora surgió del movimiento alemán, sobre todo del
pensamiento de Herder, en el terreno
del imperio recién fenecido, un nuevo
sentido histórico.
VOGT, Joseph. El Concepto de la
Historia de Ranke a Toynben. Trad.
de Justo Pérez Coral. Madrid, Ediciones Guadarrama, 1974, p. 19.
36
A historiografia agora está voltada para a
descoberta e interpretação de sentido e da destinação da
nacionalidade, reduzindo o seu âmbito de interesses à
problemática interna de cada país. Era preciso
intensificar o esforço no sentido de penetrar a fundo nas
origens e na evolução de cada povo, emergindo daí os
grandes monumentos de históricas nacionais, os tratados
que se erigiam em verdadeiras empresas que ocupavam
a vida inteira de diversos estudiosos.
Nesse contexto, era natural o interesse pela
discussão em torno da existência ou não de uma
literatura brasileira. Do problema trataram principalmente autores estrangeiros.
O primeiro historiador a se referir à literatura
brasileira foi Friedrich Bouterwek (1765-1828) na sua
História da Poesia e da Eloqüência Portuguesa. Assim
mesmo só fala de Antonio José e Claudio Manoel da
Costa. A este último faz referências altamente positivas
ao apreciar os seus Sonetos.
Mas, em conjunto, nenhum português,
nos últimos cem anos, conseguira
escrever sonetos como os de Costa, os
quais se assemelham, de maneira mais
encantadora, aos de Petrarca. Nos
demais poemas desse brasileiro, as
qualidades positivas mais agradáveis
sobrepujam também amplamente os
seus defeitos. Os sonetos recolhidos
às suas Obras Completas são em
37
número de cem, entre os quais se
encontram alguns em língua italiana,
mas nenhum na espanhola. O estilo de
seus sonetos, que quase todos celebram o amor, não é exatamente o de
Petrarca. O autor tem algo de picante,
em correspondência com o gosto da
época.
Mas os sonetos de Costa possuem rara
expressividade e naturalidade poética
sem quaisquer exageros e enf eites
extravagantes; casam-se com a profundidade de sentimentos de Petrarca,
e isso de modo tão feliz, em linguagem tão elegante e sincera, que
tais sonetos podem ser considerados
os mais perfeitos da literatura
portuguesa.
BOUTERWEK, F. História da Poesia
e da Eloqüência Portuguesa. Trad. de
Walter Koch. Citado por Guilhermino
César in Historiadores e Críticos do
Romantismo. São Paulo, EDUSP,
1978, p. 23.
Aparecem outros autores tratando da literatura
brasileira, tais como Ferdinand Denis com o seu Resumo
da História Literária de Portugal, seguido do Resumo
da História Literária do Brasil (1826), Ferdinand Wolf
com o seu O Brasil Literário – História da Literatura
38
Brasileira (1863) e outros, como Almeida Garrett e
Alexandre Herculano.
Toda essa incipiente historiografia buscava, em
ultima análise, estabelecer os quadros de referência de
uma literatura consignada numa única língua e
pertencente a dois países.
O tema já foi exaustivamente tratado por Afrânio
Coutinho no seu livro A Tradição Afortunada. Para o
versado crítico e historiador da literatura brasileira, tudo
aquilo que foi produzido por autores brasileiros pertence
à literatura brasileira, não importando a fase histórica
do seu aparecimento, contrariando, assim, a historio grafia literária portuguesa.
... Para ela, a literatura brasileira, é a
literatura da era nacional, relegando a
que surgiu durante a fase colonial
para a literatura portuguesa, ou então,
considerando-a, não como constituindo uma literatura, mas apenas
manifestações literárias isoladas. Essa
corrente é a da historiografia literária
portuguesa, falando, compreensi velmente, em nome do interesse e segundo a perspectiva do povo colonizador, e de um grupo de brasileiros
lusófilos que, influenciados pelo
pensamento português, não tiveram a
audácia de romper com essa tradição.
39
COUTINHO, Afrânio. A Tradição
Afortunada. Rio de Janeiro, José
Olympio Editora, 1968, p. 9.
De qualquer forma, a originalidade da nossa
produção literária não está subordinada aos critérios
valorativos da historiografia. Ela se afirma por si
mesma, na medida em que os quadros da nacionalidade
são definidos dentro de um espaço territorial. Não se
pode confundir vida literária com os mecanismos do
processo político. Uma apreciação serena das discussões
nos levaria a encontrar subjacentes aos problemas
suscitados as seqüelas deixadas pelo processo da
independência.
É o conjunto da alma nacional que rompe com a
longa tradição colonial em todos os planos e se lança à
tarefa de auto-afirmação. É claro que a literatura entra
nesse processo como um dos fatores – senão o principal
– da afirmação da nacionalidade. Mas isto não é razão
para se afirmar que ela só aparece com a independência.
O que ocorre é a intensificação do instinto de
nacionalidade.
Com a emergência da historiografia literária
preocupada com a expressão da língua portuguesa,
vamos encontrar um progressivo interesse da intelectualidade brasileira pela valorização do processo
cultural como uma tarefa merecedora de toda a atenção.
Quando o historiador realça a importância da
atividade do espírito, certamente está prestando um
serviço de incentivo a um país que se encontra ainda na
sua infância cultural, caminhando os primeiros passos
40
no sentido de contextuar-se no universo da atividade
criadora. Gonçalves de Magalhães, Francisco Adolfo
Varnhagen e outros trouxeram, à época, contribuições
importantes à nossa historiografia literária. Gonçalves
de Magalhães funda em Paris a revista Niterói, ao lado
de outros brasileiros, em cujas páginas aparecem os
primeiros documentos mais importantes relacionados
com a nossa historiografia literária, a partir do seu
Discurso sobre a História da Literatura do Brasil,
publicado em 1836, no qual encontramos uma franca
inclinação pela autonomia da literatura brasileira. Antes
de Magalhães aparece o Florilégio da Poesia Brasileira,
em 1850, de Varnhagen, tido por muit os como o
verdadeiro fundador da historiografia brasileira. Suas
posições são também voltadas para o sentido de
autonomia da nossa literatura.
Em meio a todos esses movimentos de caráter
literário e historiográfico, a filosofia vai lançando
também suas sementes, embora possamos adiantar,
desde logo, que se a emancipação literária alcançou
pleno êxito, como se sabe, a filosofia terá que passar por
vários momentos até chegar a um corpus refletidor do
pensamento nacional, como veremos adiante.
41
CAPÍTULO II
O PAPEL DO ECLETISMO NA FORMAÇÃO DO
PENSAMENTO BRASILEIRO
1. Idéia do Ecletismo
O ecletismo, ou atit ude eclética, se caracteriza
pela intenção selecionadora das várias opiniões ou
categorias de pensar surgidas ao longo da história da
Filosofia. Não se trata de posições assumidas na
modernidade ocidental, mas de um fenômeno que lança
suas raízes na antiguidade grega, mais precisamente, no
período helenístico-romano. Cícero, os neo-platônicos e
tantos outros foram chamados de ecléticos, na medida
em que buscavam assimilar parte das doutrinas dos
filósofos, incorporando-as ao seu próprio discurso,
legitimando, assim, aquilo que julgavam não poder ser
abandonado simplesmente, ou relegado a segundo plano.
Discordam-se das orientações dos filósofos, mas sempre
encontram uma ou outra idéia que pode ser integrada ao
modo de pensar, sem desfigurá-lo.
Esta atitude percorre toda a história da filosofia,
trazendo sempre a crença de que em cada sistema
filosófico existem posturas importantes a serem
aproveitadas. Aliás, é apenas uma questão de realce do
termo que, muitas vezes, é substituído pelo de
sincretismo.
42
Ao iniciar um itinerário filosófico, nenhum
pensador pode desconhecer o passado daquilo que
pretende fazer. Interrogando sobre uma questão, é
necessária uma vigilância em torno do conjunto de
problemas e circunstâncias que a envolvem. Assim,
quase sempre nessa perquirição encontramos vestígios
acentuados do pensamento já produzido. Daí a constante
afirmação de que há uma corrente de influências em
todo o movimento da história da filosofia, determinando
a sinuosidade dos caminhos traçados no desenvolvimento da doutrina dos filósofos.
Considerando o ecletismo de maneira radical,
poderíamos afirmar que todos os filósofos são ecléticos,
na medida em que, de uma forma ou de outra, estão
sempre comprometidos com a herança da meditação.
En toda la vida del espiritu, y especialmente en la cultura y la inves tigación cientifica, no se conservan
las adquisiciones realizadas sino manteniendo su vida activa, vale decir,
desarrollándolas continuamente.
MONDOLFO, Rodolfo. Problemas y
Metodos de Investigación en la Histo ria de la Filosofia. Buenos Aires,
EUDEBA, 1963, p. 15.
Não pode existir filosofia sem história da
filosofia, assim como não haveria história da filosofia
sem filosofia. Ambas as atividades – do historiador e do
filósofo – são indissociáveis. O discurso do historiador
43
das idéias é elaborado sobre a teia de problemas que
inquietam os pensadores no jogo constante das
categorias elaboradas com vistas à ampliação do campo
operatório do saber. Desta forma, não há como negar
que o historiador da filosofia é também filósofo. Esta é
uma tese que, parece, já ganhou o consenso de tantos
quantos trabalham com a filosofia e, por isso mesmo,
sentimo-nos dispensados de aprofundar a questão.
Bastaria citar mais uma referência para que fique bem
documentado o que pretendemos desenvolver, em
rápidas palavras.
Y aqui precisamente nos encontramos
con el principio estabelecido por G.B.
Vico, al afirmar que “la naturaleza de
las cosas es su nacimiento”, o sea que
la constitución y essencia de qualquier realidad se encuentra y se revela
sobre todo en el proceso de sua
formación. Aplicado a la filosofia y a
sus problemas, este principio nos
orienta en el reconocimiento de la
vinculación constante de la filosofia
com su propria historia, que cons tituye el proceso de su formación y
desarrollo. Toda investigación teórica,
por lo tanto, que quiera encontrar con
mayor seguridad su camino, supone y
exige como condición previa una investigación historica referente al problema, a su desarrollo, a las solu 44
ciones que se han intentado del
mismo.
MONDOLFO, Rodolfo. Op. cit., p.
28.
De uma leitura mais aprofundada destas observações podemos inferir que os movimentos ecléticos se
delineiam no desenrolar do contexto global da filosofia,
embora se aflorem salientemente apenas em de terminados momentos históricos. A rigor, toda filosofia
é eclética, distinguindo -se apenas pela direção assumida
com maior intensidade. Quem pode negar a influência
da física newtoniana exercida sobre Kant? Ou das
ciências da natureza em geral sobre Augusto Comte? Ou
da fenomenologia sobre os existencialismos? Seria
infindável a rede de exemplos, desde a Grécia antiga até
aos nossos dias.
É interessante salientar que não se pode confundir
a subjacência do espírito eclético ao longo da história da
filosofia com as chamadas “seitas ecléticas” com
configurações definidas e assumidas. As seitas ou
escolas ecléticas têm uma caracterização própria que se
resume na adesão ou assimilação de todas as formas de
pensar que traduzam um consenso no plano da busca da
verdade.
Para ficarmos apenas com um exemplo que nos
parece importante, seriam oportunos os indicadores do
pensamento escolástico, no qual as disputas são férteis
em matéria de recurso às mais variadas “autoridades” do
saber, culminando com a agregação de inúmeras
orientações filosóficas quando da instituição da
45
Universidade de Paris, no século XIII. As doutrinas de
São Tomás e de Santo Agostinho são predominantes,
mas formam aí uma verdadeira escola eclética, muitas
vezes demandando a interferência das autoridades
eclesiásticas para dirimir conflitos de interpretação ou
de condução de problemas mais intrincados na estrutura
do ensino.
On se trompe complètement lorsqu’on
pense que les philosophes scolastiques
ont ignoré le problème de la systematisation scientifique. On a parfois
évoqué, a propos de la pensés
médiévale, l’image du cercle ou du
système fermé: chaque point de la
doctrine supposerait tous les autres,
sans qu’on puisse assignar au système
un point de départ ou une entrés.
Cette conception est due à l’ignorance
de la littérature philosophique du
moyen âge. Jusqu’à la fin du siècle
dernier, la pensés médiévale a eté
connue surtout à travers la littérature
théologique des commentaires sur les
Sentences de Pierre Lombard, des
sommes théologiques et des disputes
scolaires.
Or cette littérature ne traite pas ex
professe de philosophie; elle se borne
à utiliser, solon ses méthodes propes,
les thèmes philosophiques qui l’inté46
ressent; tout au plus y trouve-t-on
l’élaboratio philosophique de certaine
problèmes déterminés; la systématisa tion, dans la mesure aú elle existe, Y
est d’ordre théologique.
STEENBERGHEN, Fernand Van. La
Philosophie au XIIIe Siècle. Louvain,
Publications Universitaires, 1966, pp.
120-121.
Na ordem geral da filosofia nascida e desenvolvida sob a inspiração do cristianismo durante vários
séculos encontramos uma tensão persistente entre as
várias doutrinas e, principalmente, em torno do modo
pelo qual a herança grega é recebida e assimilada no
processo de formação da cultura medieval, por sinal
riquíssima e pouco explorada pelos pensadores de língua
portuguesa.
Também na trajetória do pensamento moderno
vamos encontrar várias seitas ecléticas, a par tir do
movimento renascentista, em cujo cerne se tenta
conciliar as doutrinas de Platão e de Aristóteles, entre
outros, com a instituição de academias destinadas à
aglutinação das diversas tendências no sentido de
instaurar o novo humanismo, isto é, os studia
humanitatis.
Como se vê, para muitos filósofos pode parecer
uma atitude um tanto dispersiva aquela assumida pelos
ecléticos, já que, implicitamente, fica descaracterizada a
tentativa de criação do saber com a predominância de
novos referenciais teórico s. Reunir as categorias mais
47
importantes dos vários filósofos e com elas operar,
independente de um impulso renovador que conduza a
um sistema próprio, pode parecer uma atitude bastante
cômoda frente à filosofia. Em todo caso, trata-se de um
fato constatável que ensejaria muito mais uma análise
diacrônica do que um aprofundamento nas razões da sua
emergência. As “seitas ecléticas” insinuam a super posição de um modo de pensar meramente coordenante
em relação aos sistemas filosóficos, operando o campo
comum das temáticas aprofundadas pelos filósofos. Elas
formam como que um espírito de consenso, de aceitação
daquilo que julgam melhor no conjunto do pensamento
filosófico, e nunca uma doutrina. O próprio termo
“seita”, largamente utilizado pelos historiadores d a
filosofia no tratamento do ecletismo, denuncia o sentido
de crença em certos princípios norteadores da conduta
do pensamento.
2. O Ecletismo no Pensamento Francês do Século XIX
O ecletismo francês foi o único movimento desta
natureza a ganhar considerável repercussão na história
da filosofia.
Por longos anos exerceu o papel de uma
verdadeira corrente filosófica, disseminada em alguns
países, valendo-se de um momento histórico em que os
modos de pensar não encontravam uma saída para os
seus vários impasses.
De um lado, a forte predominância do naturalismo
e do cientificismo trazia para o campo da discussão a
48
temática da valorização da razão advinda do ilu minismo, conjugada com as aporias surgidas nas
posições assumidas pelos empiristas que pareciam
interditar os caminhos de uma doutrina moral consistente. Por outro lado, a um enfraquecimento dos
impulsos do pensamento racional-operatório, levando o
homem a um estado de ceticismo egóico, “ensimesmado”, que resultaria numa espécie de apatia e
desencanto com a realidade, num clima de “tempestade
e ímpeto” (Sturm und Drang).
O espírito do século XIX reflete a perplexidade
do homem posto num complexo de encruzilhadas e não
muito disposto a enfrentar as opções.
O progresso da razão kantiana encontraria em
Hegel um artificioso edifício do progresso da idéia em
busca do absoluto, mas com categorias distintas e
sempre voltado para a objetivação, encerrando a trilha
histórica dos sistemas filosóficos. De Kant a Hegel
encontramos, no plano da filosofia, um itinerár io
marcado pela preocupação com o processo histórico,
com o vivido de uma Europa tumultuada. A liberdade, a
dignidade e a grandeza do homem são impulsos
subjacentes ou explícitos no pensamento kantiano,
levando-o a uma constante preocupação com a inserção
do homem na vida social e histórica.
A verdade consubstanciada na própria história é
uma das convicções básicas do hegelianismo, muitas
vezes relegada a segundo plano por alguns historiadores
da filosofia. Homem do século XVIII, amadurecido no
século XIX, Hegel deixa transparecer constantemente na
sua obra a influência de Rousseau, de Montesquieu e da
49
linha de pensadores responsáveis imediatos pelos mais
diversificados traços que caracterizaram o espaço de
pensar a partir da ordem da subjetividade. Mas não se
deixa levar pela generalizada atitude de isolamento, de
“interiorização”, como um estado de espírito incapaz de
arriscar-se ao jogo imprevisível da História.
Es posible preguntarse de quién tomó
Hegel expresiones como espiritu y
genio de un pueblo. Ant e todo se
piensa en Montesquieu, a quién Hegel
habia estudiado particularmente y al
que se refiere muchas veces. En
Montesquieu la búsqueda de las leyes
generales no excluye el estudio de las
diferencias y de las especificaciones.
Buscando el espiritu de las leyes
Montesquieu quere descubrir las
relaciones que tienen las leyes con el
medio geográfico o con “el espiritu
general de una nación”.
…………………………......................
Pero de hecho no es el contrato, como
contrato, lo que impresionó sobre todo
a Hegel, sino la idea de voluntad general sobre las voluntades individuales, y el echo de considerar al
Estado como voluntad es, para Hegel,
el gran descubrimiento de Rousseau.
HYPPOLITE, Jean. Introducción a la
Filosofia de la Historia de Hegel.
50
Trad. de Alberto Drazul. Buenos
Aires, ediciones CALDEN, 1970, pp.
25-26.
Depreende-se de tudo isto que o chamado
idealismo hegeliano não perde o contato com a
concretude da existência histórica, haurindo das fontes
do iluminismo a inspiração para a reto mada do sentido
de totalidade. Mas não nos esqueçamos de que Hegel,
como homem da primeira metade do século XIX, está
vivendo também a efervescência do espírito do
nacionalismo manifestado nos diversos Estados. A ânsia
em torno das origens da nacionalidade acompanha o
processo de formação das ciências históricas que
buscam sedimentar-se com recursos à filologia, à
etnologia, às produções literárias primitivas e outras
manifestações culturais de cada povo. Hegel está atento
à necessidade de uma articulação das idéias como frutos
da liberdade, com o movimento oscilante da história,
certo de que a guerra é uma constância e ao mesmo
tempo uma necessidade. Influência de Heráclito ou
excessiva admiração por Napoleão Bonaparte, cujos
feitos e vitórias aplaude incondicionalmente? O espírito
objetivo encontra a sua realização no direito, na
moralidade e na eticidade. É uma presença que se
desarticula da subjetividade, isto é, uma presença sem
sujeito, embora com a característica de espírito.
O itinerário da filosofia hegeliana nos mostra
uma constância de preocupações com o cristianismo e
com a tradição judaica desde os inícios de sua formação,
salientando a distinção entre uma religião natural e uma
51
religião positiva. A religião natural, vivida pelos povos
antigos privilegiava a harmonia do homem com a polis,
esvaziando o seu apego à propriedade privada e
colocando-o como inserção na órbita da vida pública, no
exercício da filia comprometida com a liberdade. A
religião positiva, ao contrário, oprime os indivíduos
através de leis e princípios rígidos, descaracterizando o
verdadeiro sentido da religião, fato que marca a
emergência do cristianismo. É no seio da tradição cristã
que vamos encontrar a assimilação do binômio senhor escravo, não em virtude da condição finita do homem
frente à infinitude, mas em face de uma relação que se
estabelece entre um ser decaído e um Deus situado
acima de todas as coisas, diante do qual nós somos
reduzidos à impotência e à escravidão.
También el joven Hegel – como mostraremos detalladamente a continuación – ha visto en la antigua cuidadestado (polis) no un fenómeno social
pasado y caducado, surgido en determinadas condiciones concretas y
desaparecido en otras, sino el modelo
eterno, el prototipo inalcanzado de
una modificación actual de la
sociedad y del Estado.
LUKACS, Georg. El Joven Hegel.
Trad. de Manuel Sacristan. Ediciones
Grijalbo, S.A., Barcelona-México, D.F.,
1972, p. 37.
52
Estas considerações podem dar a ente nder que
Hegel foi um ardoroso adversário do cristianismo. Mas
isto não ocorre, ao que se infere do conjunto dos seus
escritos sobre o cristianismo e sobre a religião em geral.
O destino da religião é a edificação do reino de Deus
através de uma ação moral, até certo ponto des comprometida com a crença e mais ligada à história
concreta do homem, como autoconsciência.
Según la concepción del joven Hegel,
este período del despotismo dura
hasta el presente y penetra todas las
manifestaciones de la vida social y de
la ideologia. El joven Hegel enjuicia
la decadencia del hombre principalmente según la medida en que el
hombre se ha adaptado a la pérdida de
la libertad, según la medida en la cual
las cuestiones ideológicas se resuelven en dirección hacia la libertad o
hacia el sometimiento bajo la
positividad.
LUKACS, Georg. Op. cit., p. 50.
O problema da liberdade para Hegel se transforma no objeto central da filosofia da histó ria. A
filosofia da história é nada mais nada menos do que a
história do surgimento da idéia de liberdade encarnada
no processo histórico. A religião é libertadora e a sua
positividade “limitadora” deve ser substituída pela idéia
de destino, em cujo lugar poderá ser encontrada a
53
reconciliação. A religião positiva está circunscrita à
moralidade individual, como sedimento da sua for mação, mas acima desta se encontra a “religião de um
povo”, como movimento de reconciliação do indivíduo
com a totalidade e com a liberdade.
O espiritualismo ou ecletismo se desenvolve
nessa atmosfera histórico-filosófica, cuja riqueza de
sugestões parece ter passado desapercebida aos olhos
dos seus mais dotados representantes que bem poderiam
ter aprofundado o diálogo com Hegel e outros pensadores importantes da época, no sentido de colocar em
plano firme as indagações inspiradas no espiritualismo
cristão.
É verdade que o sistema hegeliano nã o encontrou
“retumbância” na sua época, principalmente na França,
Ficou, de certa forma, esquecido durante muitos anos
por parte de muitos pensadores e profissionais da
filosofia. O que houve foi uma reação contra o seu
sistema, a começar por Kierkegaard, Schopenhauer e
Nietzsche. Mas não faltaram aqueles que desejavam
encontrar um ponto de partida para combater
radicalmente a religião, principalmente a doutrina cristã.
Dentre estes, o mais importante é Feuerbach. Na sua
obra A Essência do Cristianismo acaba por reduzir a
teologia à antropologia, concebendo Deus como homem
e o homem como Deus. O que distingue a postura de
Feuerbach da de Nietzsche, neste sentido, é o caráter de
rigor e de busca de coerência sistemática nas analises
das categorias do cristianismo, talvez em virtude da
influência imediata do pensamento de Hegel. Ao invés
de tomá-lo como objeto de combate, pura e sim54
plesmente, Feuerbach aprofunda as questões ligadas à
religião, tirando suas conclusões no plano daquilo a que
se propunha.
O ecletismo francês também não deixa de ser uma
reação ao absolutismo dos sistemas, inspirada no
tradicionalismo dos filósofos católicos que se insurgem
contra o racionalismo iluminista, frente à necessidade de
restaurar os valores destruídos pela Revolução. Po deríamos afirmar, desde logo, que se trata de um
movimento em torno de ideais religiosos e que as
indagações filosóficas constituem apenas o pano de
fundo cuja missão pré-determinada é sustentar teoricamente a vigência do espiritualismo. Daí a busca das
“verdades” onde quer que elas se encontrem, formando
um redil em que são acolhidas quaisquer idéias que não
colidam com as verdades estabelecidas pelo cris tianismo. Mas é preciso deixar claro que não se trata de
exclusivismo em relação ao espiritualismo cat ólico.
Trata-se de um amplo combate ao materialismo, ao
empirismo, ao positivismo e a todas as demais formas
que privilegiam a matéria em detrimento do espírito.
Assim, ao lado daqueles pensadores engajados e
comprometidos com a ortodoxia católica encontra mos
vários outros defendendo idéias semelhantes mas alheias
ao dever de fidelidade à doutrina cristã. A interioridade
é colocada como a fonte de onde emanam as categorias
do pensamento. Da intimidade irradia o conhecimento,
pois aí se situa o espírito como autoconsciência imune
aos apelos da matéria que pode levar o homem à
insegurança e desviá-lo do verdadeiro conhecimento.
55
As duas figuras apontadas pelos historiadores
como mais importantes do ecletismo francês são
representadas por Maine de Biran (1766-1824) e Victor
Cousin (1792-1867).
Maine de Biran desenvolve um pensamento
caracterizado pela fragmentação – como de resto não é
fato isolado – mas coerente com o espiritualismo cuja
fonte originária se encontra no plano da interioridade.
Com esta atitude, acaba por influenciar as filosofias
intuicionistas, de Bergson a Farias Brito, embora este
último pensador não tenha mantido contato direto com o
conjunto da sua obra que vem a público entre 1920 e
1940, em 14 volumes, sob os cuidados de P. Tisserand e
H. Gouhier. Preocupou-se basicamente com a psicologia
e com a moral, disciplinas por ele tratadas a partir da
sua vivência interior. Nesse sentido ele se aproxima de
Kierkegaard, uma vez que o seu pensamento é uma
espécie de auto-biografia, de testemunho vivo daquilo
que se origina na sua consciência como intimidade a
partir da qual o saber é construído.
Combatendo o sensualismo dos ideólogos em
geral, Maine de Biran afirma o primado do esforço
revelador do eu consciente que exerce uma ação
constante sobre a oposição da corporeidade. Esta luta do
eu acaba por se transformar em liberdade fundante do
próprio eu, enquanto ação plena de sentimento.
Pues bien, si empezamos por concentrarnos dentro de los limites de la
observación interior, o de los datos
del sentido intimo, el pensamiento
56
primitivo no es otra cosa que la
conciencia de la individualidad per sonal expresada por el vocabulo yo.
Ese pensamiento admite dos elementos diferentes que no se dejan
llevar a la unidad absoluta, si no es
saliéndonos del punto de vista de la
experiencia interior, para entrar en el
campo de las abstracciones o de los
sistemas aprioristas, es decir, par tiendo de creencias necesarias o de
nociones intelectuales dadas, como de
principios generadores de la ciencia
humana.
BIRAN, Maine de. Autobiografia.
Trad. de Juan Segura Ruiz e outro.
Aguilar Argentina, Buenos Aires,
1967.
A atividade do pensamento se exerce sobre a
passividade do não-eu, como espaço da exterioridade.
Daí a dualidade entre hábitos passivos e hábitos ativos.
Os atos perceptivos não podem ser reduzidos à sensação, na linha da tradição empirista, já que existe uma
espécie de energia interior que impõe seu exercício
sobre a realidade, como liberdade criadora. É inte ressante observar que Maine de Biran, nos seus estud os
de psicologia e de antropologia, identifica a metafísica
com a psicologia, no esforço de privilegiar a inte rioridade geradora das idéias, cuja concreção espa cializada se transforma em força.
57
Y al meditar así en que la conciencia,
es decir, el sentimiento idéntico que
invariablemente experimentamos de
nuestra existencia particular, o de
nuestro yo, deberia alterarse más que
las restantes modificaciones sensibles,
si no tuviese un caráter essencialmente distinto del de las sensaciones transformadas, llegaba ya
entonces con toda naturalidad a la
conclusión de que el yo, la persona,
tenia su fundamento, o su manera de
se5r primera, en la atividad esencial
al alma humana; afirmaba que el yo
no era otra cosa que el sentimiento de
la fuerza activa y actuant e en cada
momento para imprimir al cuerpo los
movimientos de traslación encaminados a desplazarlo, a transportarlo en
el espacio, a situar sus distintas partes
al alcance de los objetos o de las
causas de sansaciones; en una palabra,
a servir en muchos casos de instrumentos necesarios de estas mismas
sensaciones.
BIRAN, Maine de. Op. cit.
O pensamento de Biran parece a mais séria
indagação em torno dos fundamentos do espiritualismo
aparecido no seio do ecletismo francês, acentuando
58
questões relevantes e originais, dentro de uma
argumentação sistemática contra o sensualismo dos
ideólogos e contra todas as formas de empirismo. A
questão dos fundamentos da moral com a qual se viam
envolvidos os pensadores mais representativos da sua
época encontra nele os alicerces mais sólidos e
consistentes, se levarmos em conta os pressupostos
cristãos na elaboração do discurso ético. Nesta ordem de
pensar, Maine de Biran trouxe uma contribuição
importante que muito se aproxima daquela empreendida
por Henri Bergson, mais t arde, no sentido de restaurar
os fios condutores da metafísica, com uma meditação
da qual tiraram proveitos os pensadores cristãos das
primeiras décadas do nosso século.
A rigor, Maine de Biran não pode ser rotulado de
eclético. O seu pensamento se desenvolve num plano
autônomo, com um percurso de indagações que não pode
ser confundido com as frágeis posições daqueles que
assumiram conscientemente o ecletismo como universo
de legitimação do discurso filosófico.
O verdadeiro fundador do chamado ecletismo
espiritualista é Victor Cousin. Para ele não existe ao
longo de toda a história da filosofia qualquer sistema
filosófico que possa ser rejeitado in totum. Em cada um
dos sistemas pode ser encontrado sempre um conjunto
de verdades “aproveitáveis”, o que o leva a acreditar
que todas as veredas da filosofia já foram esgotadas.
Trata-se, como se vê, de uma cômoda atitude frente ao
desafio da realidade histórica, no interior da qual via o
pensador francês a possibilidade de articular as
categorias da Filosofia com as mais variadas tendências
59
políticas, principalmente no plano dos governos mo nárquicos, concebendo a meditação filosófica como
indissociável da ação política. A Filosofia consistiria,
basicamente, no espiritualismo, mas o ecletismo é o seu
princípio fundamental no caminho da praxis. É a diretriz
que deverá orientar a ampla atividade do homem como
inserção na história, em busca de alicerces para uma
ordem política, moral, religiosa e cultural, numa
sistemática de poder vigente. A análise da interioridade
deve contar com o instrumento da razão que garantiria a
cientificidade da própria metafísica, adotando proce dimentos no sentido de chegar ao estabelecimento de
leis tão precisas como as da física. Situando a psicologia
em plano tão ambicioso, Cousin acaba reduzindo os
fundamentos da metafísica ao espaço da articulação
rigorosa do discurso psicológico. A razão emerge da
consciência como seu fruto imediato, apreende a
realidade no seu sentido de totalidade, partindo dos
dados imediatos da própria consciência .
Há em Cousin um constante recurso a Deus
quando a racionalidade se surpreende em dificuldades
para clarificar certas instâncias da ordem psicológica na
sua tentativa de atingir o espaço da ontologia, como se a
idéia de Deus pudesse justificar todas as su as incoerências. A sua idéia de Deus não é aceita pela
ortodoxia cristã, pois ela assume diversos papéis e
momentos distintos. Sob a influência de Hegel, Cousin
às vezes faz de Deus a unidade dos contrários, não se
apercebendo das inúmeras implicações de tal procedimento em relação às instâncias de saber que
pretende atingir.
60
Eivado de equívocos e incoerências, o espiritualismo eclético de Cousin será muito mais o suporte
da sua retórica a serviço da política da filosofia do que
mesmo uma contribuição à reorientação do discurso
filosófico. Com efeito, os seus escritos filosóficos estão
estreitamente articulados com a sua prática política. E,
enquanto político da filosofia, seu êxito é inegável,
conseguindo transformar o ecletismo espiritualista em
filosofia oficial da França durante longos anos, até à
década de quarenta do século passado, quando começa a
ser combatido em várias frentes, acabando por cair no
descrédito, atingindo as raias do ridículo.
Durante o seu “império”, conseguiu manter um
controle rigoroso do pensamento filosófico, mormente
quando, de posto em posto, chega ao cargo de Ministro
da Instrução Pública. A atividade filosófica se trans forma no ingrediente do nacionalismo exacerbado que o
pensador francês assume através de uma prática efetiva
fermentada pelo seu notável estilo oratório.
Numa obra escrita sobre a filosofia da Idade
Média, tece longas considerações laudatórias a Pierre
Abélard, deixando um espaço reduzido para Roger
Bacon. A propósito desse período da história da
filosofia trata apenas dos dois pensadores citados. E
começa:
Nous avons fixé ailleurs le caractère
gènèral, marqué les diverses périodes,
signalé les grands noms, esquissé les
principaux systèmes de la philosophie
scolastique. Cette philosophie est
61
particulièrement l’oeuvre de la France, qui produisit, forma ou attira les
docteurs les plus. L’Université de
Paris est au moyen âge la grande
école de l’Europe. Or, l’homme qui
par ses qualités et par ses défauts, par
la hardiesse de ses opinions, l’eclat de
sa vie, la passion innés de la
polémique et um rare talent d’enseignement, concourut le plus à
accroîte et a répandre le goût des
études et ce mouvement intellectuel
d’où est sortis au treizième siècle
l’Université de Paris, cet homme est
Pierre Abélard.
COUSIN, Victor. Philosophie du
Moyen Age. Durand-Didier, Paris,
1865, p. 1.
De um modo geral, todos os escritos de Cousin
são formulados numa linguagem em que predomina o
espírito do retoricismo e a intenção de exaltar os valores
nacionais, ignorando, propositadamente, quaisquer figuras que se coloquem acima da tradição do pensamento
francês. Não se pode creditar nenhum indício de
serenidade a essa atitude. Ao contrário, a embriaguez do
nacionalismo e a volúpia do poder fazem de Cousin
muito mais um “arauto de novos t empos” escudado em
idéias inconsistentes do que um espírito voltado para a
especulação filosófica. Parece-nos, por isto mesmo, que
o seu esquecimento e o de seus discípulos por parte dos
62
historiadores da filosofia não é injusto, valendo
salientar que isto ocorre mais acentuadamente na sua
própria pátria do que em outros países onde teve
influência destacada no momento em que assegurava à
França o predomínio das duas idéias.
Do interior do ecletismo espiritualista o que teve
maior ressonância foi o retoricis mo inflamado, inteiramente incompatível com a atitude filosófica. O gosto
pela sublimidade de um estilo abstrato se descomprometia com a razão, espalhando -se das severas
cátedras universitárias aos auditórios onde eram
debatidos os problemas políticos, com o mesmo ardor
triunfante adequado ao passionalismo das massas.
Estranhamente, o coração substitui a razão e a
serenidade em todos os espaços do discurso eclético; e
Victor Cousin não foge à regra, tanto nos seus escritos
supostamente filosóficos quanto nas suas atitudes
políticas semeadas numa nação ávida de afirmação e de
hegemonia.
Apesar de toda a parcialidade que caracteriza a
obra de H. Taine sobre o ecletismo, não podemos negar,
em grande parte, aquilo que escreve sobre Victor
Cousin. Cita Taine um texto elucidativo dos seus
argumentos contra o ecletismo:
Mon âme m’échappe malgré moi, et je
ne puis consentir à garder les biensèances que m’inspire ma faiblesse,
au point d’oublier que je suis Français. C’est à ceux de vous dont l’âge
se rapproche du mien que j’ose
63
m’adresser en ce moment; à vous
l’unique soutien, la dernière espérance de notre cher et malheureux
pays. Messieurs, vous aimez ardemment la patrie. Si vous voulez la
sauver,
embrassez
nos
belles
doctrines. Assez long-temps nous
avons poursuivi la liberté à travers les
voies de la servitude. Nous voulions
être libres avec la morale des
esclaves. Non, la statue de la liberté
n’a point l’intérêt pour base, et ce
n’est pas à la philosophie de la
sensation et à ses petites maximes
qu’il appartient de faire les grands
peuples. Soutenez la liberté française
encore mal assurée et chacelante au
milieu des tombeaux et des débris qui
nous enviornnent, par une morale que
l’affermisse à jamais; et cette forte
morale, demandons-la à jamais à cette
philosophie généreuse, si honorable
pour l’humanité, qui, professant les
plus nobles maximes, les trouve dans
notre nature, et qui nous appelle à
l’honneur par la voix du simple bon
sens. – Sorti du sein des tempétes,
nourri dans le berceau d’une révolution, élevé sous la mâle discipline
du génie de la guerre, le dix -neuvième
siècle ne peut en verité contempler
64
son imagem et retrouver ses instincts
dans une philosophie nés à l’ombre
des délices de Versailles, admira blement faite pour la décrépitude
d’une monarchie arbitraire, ais non
pour la vie laborieuse d’une jeune
liberté environnée de périls.
COUSIN, Victor. Cours de l’Histoire
de la Philosophie. T. II, p. 233. In
TAINE, Hyppolite. Les Philosophes
Classiques du XIXe Siècle. Hachette,
Paris, 1910.
É quase irresistível o apelo à concordância com a
opinião segundo a qual a “oratória filosófica” de Cousin
seria hoje considerada um repertório de ilações voltadas
para interesses imediatos que só encontraria ressonância
entre ingênuos letrados de províncias bem distanciadas
dos centros de produção do saber da filosofia. Qualquer
indivíduo de mediana cultura filosófica não conseguiria
avançar na leitura do seu Cours de l’Histoire de la
Philosophie ao se deparar com o texto acima transcrito,
a não ser por mera curiosidade. E se aceitarmos a tese
de que a necessidade do redimensionamento do espírito
da nacionalidade francesa frente à instabilidade política
o teria levado à prática da filosofia a serviço do Estado,
estaremos negando o sentido da própria Filosofia. Heg el
também viveu os instantes de uma Europa fragmentada e
é proverbial a sua admiração por Napoleão. Mas nem
por isto se deixou envolver, no trato das questões
filosóficas, pelas mesmas paixões que arrebataram
65
Cousin na sua França particularmente mergulhada em
crise. A Filosofia é o caminho da praxis, como a entendeu Hegel, e não o discurso movediço que se
confunde com os mais variados níveis do fluxo da
consciência para se transformar num instrumento de
salvação do Estado, dentro dos princípios cristãos, c omo
a entendeu Victor Cousin.
É inegável, no entanto, a existência de uma parte
positiva na atividade desenvolvida por Cousin, prin cipalmente aquela que diz respeito à exaltação da
liberdade e dos princípios morais. Por outro lado, foi ele
um incansável lutador no plano das reedições das obras
importantes de filósofos representativos do passado, tais
como Descartes, Platão e outros, cujos critérios de
escolha obedeciam sempre aos interesses da sua visão
dos problemas.
De qualquer forma, não vemos como incluir
Cousin na tradição do pensamento filosófico. O sig nificado do seu ecletismo poderia ser encontrado nos
estritos limites do contexto histórico em que viveu, não
tendo deixado raízes aprofundadas que pudessem levar a
uma continuidade das investigações r elativas à sua
escola.
O tratamento histórico do espiritualismo é muito
escasso e começa a desaparecer com a morte do seu
líder e com a dispersão dos seus discípulos. São raras as
páginas dedicadas a esse movimento pelos grandes
historiadores da filosofia, quando não ocorre estarem
ausentes de importantes tratados de crítica diacrônica
das idéias. Dir-se-ia que isto se deve ao impulso da
orientação positivista que combatia radicalmente o
66
espiritualismo e qualquer forma de especulação
metafísica. Mas não foram os positivistas os únicos
responsáveis pela destruição do ecletismo. De um modo
geral, houve uma espécie de desprezo generalizado ao
ecletismo, em virtude da sua insignificância para a
filosofia, por parte de todos os pensadores cujas obras
sobreviveram ao tempo, exceto no que diz respeito aos
pensadores católicos que sempre encontram algo de
interessante nesse movimento, obviamente em função do
espiritualismo.
3. A Contextualização do Ecletismo no Brasil
As circunstâncias históricas por que passava o
Brasil na primeira metade do século XIX, envolvido
com o processo de independência que implicava, num
amplo sentido, a formação de uma nova mentalidade,
tanto no plano administrativo quanto no universo do
processo cultural, ensejou a necessidade de encont rar,
em outros países, um quadro de categorias que
pudessem contribuir na elaboração de um pensamento
nacional.
A intelectualidade brasileira era formada no
estrangeiro, com ênfase, na primeira fase, em Portugal
e, na segunda, na França. Portugal, nos primeiros
momentos de efervescência do Romantismo, exercia
grande atração sobre os jovens. O processo de nossa
emancipação fermenta nos nossos intelectuais o espírito
de hostilidade à cultura portuguesa, decorrendo, desse
67
fato, a minimização da influência da cultura lusitana
sobre a cultura brasileira.
Saídos de um longo período de colonização, era
natural que os brasileiros se mantivessem arredios a
fontes de saber situadas no próprio solo da dominação.
E nem haveria razão para continuarem ligados aos
mesmos laços, já que pouca ou nenhuma contribuição a
mãe-pátria havia dispensado aos nossos patrícios. Por
outro lado, a tradição do pensamento francês era um
chamado irresistível. Inúmeros brasileiros passam a
estudar e a viver por períodos intermitentes na França,
de lá orientando a vida cultural do Brasil que atinge sua
independência literária em pleno Romantismo. Vige,
então, na França, o espiritualismo eclético de Victor
Cousin, como filosofia oficial.
Oficializar a filosofia significa abastardá-la,
desviá-la do seu caminho, destruí-la, finalmente. Pois é
nesse círculo que o pensamento francês se desenvolve
até à década de quarenta do século passado. E é nesse
momento que ali se encontram alguns brasileiros
aficcionados da Filosofia, dentre os quais se coloca a
figura de Domingos José Gonçalves de Magalhães
(1811-1882).
Na sua História das Idéias Filosóficas no Brasil.
Antônio Paim afirma:
A filosofia de Cousin foi relegada a
um plano inteiramente secundário pela
posteridade. Emile Brehier resume do
seguinte modo a opinião que dele fa zem os filósofos contemporâneos:
68
“Cousin é mais orador que filósofo e
seu pensamento é o fruto natural desta
educação puramente foral e humanista, quase estranha à cultura científica
que se dava nos liceus imperiais”.
Essa circunstância parece haver dis pensado os estudiosos do pensamento
filosófico brasileiro de uma análise
mais profunda do significado da
influência de Cousin na formação da
cultura brasileira. É impossível entretanto ignorar essa profunda identificação do ecletismo com o espírito
nacional em processo de estruturação.
A Escola Eclética, além da primeira
corrente plenamente configurada em
nossa terra, revela uma vitalidade
inusitada.
PAIM, Antonio. História das Idéias
Filosóficas
no
Brasil.
EDUSPGRIJALBO, 1974, 2ª ed., p. 207.
Note-se que Antônio Paim está falando da
influência do ecletismo no Brasil, o que não pode nos
levar à aceitação dos seus fundamentos. Nem isto é
sugerido no texto acima. A Escola Eclética conseguiu
estruturar-se no Brasil, indiferente aos seus pressupostos de ordem estritamente filosóficos. Não seria
apressado afirmar que o espírito retoricista e o
espiritualismo foram os principais ingredientes que
determinaram a adesão ao ecletismo entre nós. Em
69
geral, tomaram a parte pelo todo. Quem po de afirmar ter
sido o padre Monte Alverne um filósofo? Conhecido
pela sua eloqüência oratória, foi o pregador oficial da
Corte, e como tal festejado. Como professor de
filosofia, deixou inédito um Compêndio de Filosofia,
publicado mais tarde, em 1859, como fruto de suas
anotações de aulas, no qual se coloca francamente na
dependência do ecletismo, sem qualquer contribuição
original.
Vocacionado para a oratória, nada mais natural do
que seguir o exemplarismo de Cousin, com a vantagem
de, como sacerdote, contar com os indicadores do
espiritualismo, tão caros ao líder francês. Após dezoito
anos afastado do púlpito, em virtude de cegueira, não
resistiu ao pedido de D. Pedro II para, no dia 19 de
outubro de 1854, pronunciar o panegírico de São Pedro
de Alcântara. É conhecida a sua falta de modéstia
expressa no exórdio do seu discurso que vale a pena
transcrever.
Não, não poderei terminar o quadro
que acabei de bosquejar: compelido
por uma força irresistível a encetar de
novo a carreira que percorri vinte e
seis anos, quando a imaginação está
extinta, quando a robustez da inteligência está enfraquecida por tantos
esforços, quando não vejo as galas do
santuário, e eu mesmo pareço estranho
àqueles que me escutam, como desempenhar esse passado tão fértil em
70
reminiscência? Como reproduzir esses
transportes, esse enlevo, com que
realcei as festas da religião e da
pátria: É tarde: ... É muito tarde! ...
Seria impossível reconhecer um carro
de triunfo neste púlpito que há dezoito
anos é para mim um pensamento sinistro, uma recordação aflitiva, um
fantasma infenso e importuno, a pira
em que arderam meus olhos e cujos
degraus desci só e silencioso para
esconder-me no retiro do claustro. Os
bardos do Tabor, os cantores de
Hermon e do Sinai, batidos da tribu lação, devorados dos pesares, não
ouvindo mais os ecos repetirem as
estrofes dos seus cânticos nas quebradas de suas montanhas pitorescas,
não escutando a voz do deserto que
levava ao longe a melodia dos seus
hinos, perduraram os seus alaúdes nos
salgueiros que bordavam o rio da
escravidão: e, quando os homens que
apreciavam as suas composições,
quando aqueles que se deleitaram com
os perfumes de seu estilo e a beleza
de suas imagens vinham pedir -lhes a
reprodução dessas epopéias em que se
perpetuavam as memórias de seus
antepassados, e as maravilhas do Todo
Poderoso, – elas cobriam suas faces
71
umedecidas do pranto e abandonavam
as cordas frouxas e desafinadas de
seus instrumentos músicos ao vento
das tempestades.
Religião divina, misteriosa e encantadora, tu que dirigiste seus passos na
vereda escabrosa da eloqüência, tu a
quem devo todas as minhas inspirações, tu minha estrela, minha consolação, meu único refúgio, toma esta
coroa... Se dos espinhos que a cercam
rebentar alguma flor, se das silvas que
a enlaçam reverdecerem algumas
folhas, se um enfeite, se um adorno
renascer destas vergônteas já secas; –
deposita-as nas mãos do imperador
para que as suspenda como um troféu
sobre o altar do grande homem a
quem ele deve seu nome e o Brasil a
proteção mais decidida”.
Citado por PINHEIRO, Fernandes,
Cônego. In Curso de Literatura
Nacional. Rio de Janeiro, CátedraINL, 1978, pp. 460-461.
Parece que a aceitação e assimilação do ecletismo
no Brasil se justifica a partir do ponto de vista do
contexto histórico. Os pensadores bra sileiros mais
relevantes desse período recebem sua formação superior
na França como berço do ecletismo. Não há como fugir
a esta constatação, se levarmos em consideração a
72
profundidade da penetração do ideário cousiniano em
toda a estrutura do ensino francês. Por outro lado,
interessava ao Brasil, jovem nação católica, preservar -se
contra a disseminação das idéias cientificistas em geral.
E o instrumento eficaz desse interesse não poderia ser
mais adequado do que o espiritualismo, já com tantas
mostrar de triunfo na França. Sem assumir caráter
oficial, o ecletismo lançou suas sementes no processo
educacional brasileiro, contribuindo para isto a crença
na perfectibilidade infinita do homem abrigada pelos
seus seguidores.
É importante assinalar que a assimilaç ão do
ecletismo entre nós se dá numa fase em que este já se
encontrava me franca decadência no seu país de origem.
As obras mais importantes dos ecléticos brasileiros
aparecem no momento em que o positivismo penetra no
seio da nossa cultura, encontrando ta mbém seus adeptos
e adversários.
Apenas no decênio de cinqüenta, pu blicaram-se: Os Fatos do Espírito Humano (1858), do mais importante representante da Escola, Domingos de
Magalhães, o Visconde de Araguaia;
as Investigações de Psicologia (1854),
em dois volumes, de Eduardo Ferreira
França, professor da Faculdade de
Medicina da Bahia; o Compêndio de
Filosofia (1851), em dois volumes, de
Moraes e Vale; e, em 1859, o Com73
pêndio de Filosofia de Monte Alverne, escrito em 1833...
PAIM, Antonio. Op. cit., p. 208.
Sabemos que o positivismo foi uma espécie de
batismo pelo qual passaram vários intelectuais bra sileiros, embora poucos tenham entendido a obra de
Augusto Comte na sua integralidade, ao que se deduz do
que aparece escrito na época em que as discussões se
tornaram relevantes em torno da doutrina comteana.
Sylvio Romero, no seu ensaio A Filosofia no
Brasil (Deutsche Zeitung, Porto Alegre, 1878), que se
constitui na primeira história das idéias filosóficas no
Brasil, combate o ecletismo brasileiro de modo impiedoso e apaixonado, com uma linguagem ferina e in compatível com a serenidade que deve caracterizar a
atividade filosófica, encontrando apenas pontos nega tivos em todos os seus representantes. Mas quando fala
do positivismo não encontra medidas p ara exaltá-lo,
afirmando ser a corrente filosófica mais importante do
seu tempo; o confronto visível em relação aos ecléticos.
São posições opostas – espiritualismo e positivismo –
uma excluindo radicalmente a outra. Assim, o ecletismo
espiritualista emerge no Brasil em meio a um ambiente
cultural que ia sendo dominado pelo positivismo que
teria influência muito mais duradoura e acabaria por
dominar os espaços educacionais assumidos pelos
ecléticos num curto período de tempo, em virtude da sua
maior penetração como doutrina original e cuida dosamente elaborada por Comte.
74
Tem razão Sylvio Romero quando afirma que os
ecléticos se acomodaram numa miscelânea de idéias
infundadas, pretendendo inserir -se na modernidade
ignorando pensadores como Hegel, Schopenhauer ,
Darwin, dentre outros. Como autores de um saber
aprofundado e sistemático, não seriam, certamente, as
melhores fontes para os nossos pensadores, quase todos
comprometidos com o estilo literário e não com as
idéias.
Gonçalves de Magalhães, a figura central do
ecletismo brasileiro, passa à filosofia quando realiza um
considerável trabalho no plano literário, como poeta,
crítico literário e historiador da literatura, cabendo a ele
a glória de ter sido o introdutor do romantismo no
Brasil, assim consagrado pela historiografia literária,
como já dissemos alhures. Entretanto, ao que se deduz
de uma leitura atenta de sua obra Fatos do Espírito
Humano, essa circunstância em nada influiu no seu
pensamento filosófico. Trata-se de um exercício de
meditação que reflet e a natureza de um espírito bem
formado e familiarizado com as questões mais
fundamentais da filosofia. Seu diálogo com a tradição
filosófica é amplo, vazado num estilo elegante sem
prejudicar a precisão dos conceitos desenvolvidos.
Percorre o seu discurso, do princípio ao fim, o combate
ao sensualismo e a defesa do espiritualismo, socorrendo se de vários argumentos para justificar as convicções
arraigadas no seu pensamento.
Não podemos afirmar ter sido Gonçalves de
Magalhães um epígono do espiritualismo ec lético de
Victor Cousin. Eventualmente, há coincidências no
75
modo de pensar de ambos, sendo a mais acentuada
aquela que diz respeito à defesa do espiritualismo e ao
ataque ao sensualismo em geral. Mas isto não nos
autoriza dizer que o pesador pátrio aderiu ao ecletismo
como corrente filosófica pelo fato de ter convivido com
alguns dos seus representantes e de se ter formado
dentro da atmosfera de pensamento dominada por essa
linha de investigação na França. Magalhães está muito
mais influenciado por Maine de Biran. Quanto aos
demais, o que existe é a apontada coincidência de
interesses epistemológicos sincronizados com um misto
de amizade e admiração pelos pensadores franceses em
geral, com os quais partilharam suas preocupações. Por
outro lado, o nosso pensador estava profundamente
imbuído do espírito religioso, tratando as questões
filosóficas como se fossem indissociáveis da sua
conhecida mundividência cristã.
Não acontece porém o mesmo com as
verdades filosóficas, as quais têm
íntima relação com a ordem r eligiosa,
a ordem moral, a ordem política, enfim com todos os elementos do mundo
social.
MAGALHÃES, D.J.G. de. Fatos do
Espírito Humano. Rio de Janeiro,
Garnier, 1865, p. 17.
Em todo caso, o seu cristianismo já estava
afastado da tradição escolástica, em nada interferindo na
liberdade de pensar que exercita da maneira mais ampla,
76
no plano estritamente filosófico. Jamais manifestou
qualquer apreço pelo escolasticismo em voga, tendo, ao
contrário, criticado essa doutrina numa linguagem e com
citações que no s lembram a mesma atitude assumida
pela ilustração pombalina.
Esse processo cético, adotado muito a
propósito por Descartes, a quem se
confere hoje o título de criador da
filosofia moderna, merece todos os
nossos aplausos em atenção ao tempo
e às circunstâncias em que apareceu
esse pensador profundo, no meio do
século décimo-sete, no auge da geral
ceticismo que sucedeu à reforma de
Lutero, e no descrédito e queda da
filosofia escolástica, a qual nasceu,
viveu, subtilisou-se, amesquinhou-se,
definhou, e expirou nos claustros, em
serviço da fé, e debaixo da tutela da
teologia.
MAGALHÃES, Op. cit., p. 32.
Depois de rejeitar sumariamente a escolástica,
aceitando a sua virtual decadência, Magalhães exalta a
tradição filosófica deixada pelos grandes pensadores
modernos, da qual não se poderá afastar, reconhecendo
o seu papel na inquirição da verdade. Cita Malebranche,
Locke, Leibniz, Reid, Kant e outros.
77
Ainda numa outra passagem significativa em
relação ao seu desprezo pela escolástica, afirma o autor
de Fatos do Espírito Humano:
Não admira que os escolásticos, esses
filósofos claustrais, mais ocupados em
silogisar segundo as regras da dia lética, do que estudar a natureza, não
se entendessem, ou não se quisessem
entender, para melhor sustentar com
argúcias as suas teses, quase sempre
estabelecidas por um princípio de
autoridade. Muitos dos seus argumentos e sofismas nos fariam hoje rir.
MAGALHÃES, Op. cit., p. 219.
À primeira vista podem parecer despropositadas
essas críticas tão exacerbadas à escolástica feitas por um
piedoso cristão, cujos esforços no plano da meditação
filosófica estão voltados para a sustentação dos
princípios do espiritualismo, em consonância com a sua
fé. Mas não nos esqueçamos de que Magalhães era um
médico formado pela Universidade de Coimbra, em
plena vigência da reforma de 1772, inspirada no espírito
da modernidade em cujo seio não havia mais lugar para
a versão jesuítica do escolasticismo no plano pedagógico.
Magalhães jamais se aprofundou nos estudos da
escolástica. E nem poderia fazê-lo, uma vez que às suas
mãos só apareciam os compêndios de divulgação do
aristotelismo-tomista que acabaram por formar uma
78
imagem negativa de um dos momentos mais fecundos de
produção intelectual. Só mais tarde é que os estudiosos
começariam um trabalho de reavaliação da escolástica e
de toda a meditação filosófica medieval, ensejando uma
visão precisa de intensidade do trabalho intelectual
operado nessa fase. E um dos fatores que contribuíram
para esse retorno à Idade Média foi exatamente o
espírito do romantismo de cuja atmosfera é legítimo
representante o próprio Magalhães. Como o cristianismo
católico se tornou possível independente de Aristóteles
e Santo Tomás, ao contrário do que pensavam os
inacianos, Magalhães se sentiu à vontade para criticar a
escolástica sem conhecer os seus fundamentos, englo bando no mesmo objeto de ódio a cultura portuguesa e
suas seqüelas.
De qualquer forma, a atitude do pensador
brasileiro frente à escolástica é um fato que se explica
somente a partir do contexto em que ela foi assumida,
não denunciando superficialismo no seu trabalho
filosófico.
Logo nas primeiras páginas de Fatos do Espírito
Humano, somos chamados à atenção para o fato de que
“a filosofia, como todas as ciências, deve ser estudada
profundamente para ser entendida”, com uma crítica
àqueles que se julgam competentes para apreciar “as
verdades filosóficas, e o mérito de Platão, de Aris tóteles, de Descartes, ou de Locke” sem se aperceberem
de que o mesmo não poderia suceder em relação às
verdades matemáticas e físicas, nem quanto ao mérito de
Newton e Cuvier.
79
Magalhães situa a psicologia como fundamento
da filosofia:
A base e ponto de partida de todas as
ciências filosóficas é a psicologia, da
qual elas são ampliações e aplicações.
A psicologia lhes dá o elemento
subjetivo, e reconhece as condições
necessárias e absolutas da razão,
objetos da metafísica. As leis gerais
dos fenômenos e de suas relações lhe
são fornecidas pelas ciências empíricas. Se a filosofia só se ocupasse do
ideal absoluto, ela seria uma ideologia
abstrata, uma pura metafísica. Por
outro lado, a psicologia seria toda a
filosofia, se o sujeito pensante não
saísse da contemplação de si mesmo
se o eu espontaneamente não se dis tinguisse do não eu, se ao subjetivo
não se opusesse o objetivo.
MAGALHÃES, Op. cit., p. 29.
A importância atribuída à psicologia pelo
pensador pátrio está relacionada com os atributos da
consciência, da interioridade que funda toda a possibilidade do conhecimento. Considerados a alma e o
corpo como uma dualidade, na clássica visão cartesiana,
e tendo esta última como espírito puro, o lugar da
interioridade se situa no centro do binômio corpo -alma,
como força vital. Ao subjetivo se opõe o objetivo, mas é
80
no plano da subjetividade que toda a realidade é
construída, isto é, as idéia constroem a realidade.
Como a modificação, o ato, a qualidade, a faculdade de um sujeito
qualquer, é esse mesmo sujeito modificado, em ação, em exercício, e fora
dele nada para ele será, não existe
realmente; como o movimento de uma
corda é essa corda, em movimento, e
fora da corda, e de qualquer outra
cousa que se mova, não é nada, não
existe realmente, e apenas será uma
abstração do espírito, uma lei abstrata
não executada por ninguém, e que só
estará na inteligência de quem a
pensou; segue-se que nada neste mundo se distingue do que o constitui; que
nenhum ser se pode distinguir do seu
modo de ser; que nenhuma faculdade
do ser se pode distinguir do seu próprio modo de operar; porque esse
modo de operar é uma modificação
sua; é ele mesmo modificado.
MAGALHÃES, Op. cit.
A consciência é uma faculdade idêntica ao saber
que antes de mais nada sabe de si mesma e no ato de
percepção percebe-se a si mesma. A percepção enriquece o saber, na medida em que assimila algo que está
fora de si. Mas é preciso distinguir o que está na
81
consciência daquilo que se situa fora dela. É nessa
distinção que o ato de conhecer se torna claro. A
memória retém a imagem dos fatos percebidos, na sua
identidade com o eu consciente. Da mesma forma, “a
imaginação nada mais é do que a memória das coisas
sensíveis que está na consciência”. Magalhães esta belece o princípio de que as sensações são a priori, no
sentido de enfatizar o primado da interioridade sobre a
exterioridade.
É incontestável, segundo acabamos de
ver, que todas as sensações estão a
priori na faculdade de sentir, como no
gérmen preexiste o tipo do seu futuro
indivíduo, ou como estava a Ilíada na
mente de Homero, antes que ele a
produzisse; e só carecem de um estímulo para manifestar-se.
MAGALHÃES, Op. cit., p. 151.
As sensações, como algo a priori, são os diversos
modos da sensibilidade provocada pelos movimentos
dos nervos. A sensação é em ato. O que vem de fora, na
atividade perceptiva, é decorrência deste primeiro
princípio a partir do qual é instaurada a estrutura do
real. Quando os empiristas afirmam que os primeiros
princípios são sensações primeiras, estão estabelecendo
o primado do real sobre a consciência na representação
do mundo. Em Magalhães, ao contrário, as sensações
primeiras são os próprios modos de sentir.
82
O eu humano cônscio de si, e ciente
ao mesmo tempo de alguma coisa, é o
verdadeiro eu, o único ponto de par tida de uma boa psicologia; e não um
eu abstrato, ou uma sensação, que não
é uma modificação do eu que percebe,
e que toma como um sinal da coisa
percebida.
MAGALHÃES, Op. cit., p. 183.
Nesta linha de raciocínio o eu fica sempre a salvo
na sua missão de irradiar a energia perceptiva,
independente de todos os impulsos provocados pela
realidade exterior. As sensações estão em nós, em n osso
corpo e o espírito as sente “porque esse é o modo
natural de recebê-las imediatamente, pelo contato, por
assim dizer, imediato em que está com elas, como
simples sinais das coisas”.
Magalhães crítica Kant quando este separa a
sensibilidade da perceptibilidade, censurando também
Victor Cousin quando este opera a mesma crítica ao
mestre de Koenigsberg, de maneira incompleta “porque
ele mesmo (Cousin) considera a sensibilidade como uma
faculdade da alma e a sensação como um fenômeno da
consciência; como se a sensação fosse uma modificação
do espírito humano” que nos levaria a reconhecer as
oscilações imprevisíve is do próprio espírito como único
fator que é, do conhecimento, de acordo com o modo de
pensar do filósofo brasileiro.
Estamos vendo, até aqui, que Gonçalves de
Magalhães está interessado em aprofundar os problemas
83
da psicologia da natureza humana, articulando -os com a
questão dos fundamentos do conhecimento, numa
orientação nitidamente idealista. Por várias vezes, em
Fatos do Espírito Humano, ele faz digressões em torno
da anatomia e da neurofisiologia, sem se deixar
influenciar pelo naturalismo, como poderíamos imaginar
à primeira vista. Suas preocupações estão dirigidas para
os caminhos obscuros dos mecanismos do pensamento e
suas posições são sempre sustentadas a partir da
tradição filosófica.
Outras questões que suscitam detida atenção do
filósofo pátrio dizem respeito à liberdade e à moral.
Inteligência, liberdade e vida futura são condições
indispensáveis à compreensão do homem enquanto
sujeito de vícios e virtudes, do bem e do mal. A
inteligência faz com que o homem possa distinguir o
vício da virtude e o bem do mal. A liberdade e a vida
futura são co-naturais ao homem. A inteligência abre o
caminho da liberdade que será sempre um indicador da
vida futura.
Supondo porém uma sociedade de
entes sem liberdade, sem virtudes nem
vícios, sem bens nem males, todos de
acordo e uniformes obedecendo a uma
só vontade sempre justa; uma tal
sociedade é possível, e talvez exista
em qualquer outro sistema planetário;
mas sendo também possível uma sociedade de homens livres, que não
exclui a outra, nem é por ela excluída,
84
esta sociedade existe de fato no nosso
planeta, e dele somos membros, livres
graças a Deus, a fim de que sejamos
justos por nós mesmos, virtu osos e
sábios pelos nossos próprios esforços,
e não um rebanho de máquinas, obedecendo cegamente a uma vontade
soberana.
MAGALHÃES, Op. cit., p. 370.
A ordem social assume uma perspectiva providencialista, uma vez que “Deus está presente à ordem
social; ele não a deixou entregue à mercê da vontade
caprichosa de alguns homens; ele previu tudo, e
deixando toda a liberdade ao espírito humano para
pensar e determinar-se como quisesse, obrigou-o pela
razão e pelo corpo a conformar-se à ordem providencial
dos seus infalíveis planos, para o maior bem das suas
criaturas, filhos da sua predileção em que reflete os seus
pensamentos”. Em decorrência da sua característica de
sociabilidade, o homem é um ente moral. É moral
porque é social; é social porque é moral. Sociabilidade e
moralidade são relações indissociáveis.
Das considerações ligeiramente esboçadas acima,
podemos chegar à conclusão de que Gonçalves de
Magalhães, ao contrário de ter aderido plenamente ao
ecletismo, situou-se no mesmo plano de independência
em relação aos seus contemporâneos mais notáveis.
Suas investigações e o desdobramento do seu pensamento não se subordinam a qualquer seita filosófica, e
muito menos à eclética. As coincidências de pontos
85
doutrinários sempre existiram ao longo da história d a
filosofia, conforme já afirmamos. O tom de seriedade da
sua meditação faz com que ele ainda mais se distancie
do estilo declamatório e vazio de Victor Cousin e seus
discípulos. Ele próprio faz uma explícita restrição ao
ecletismo quando afirma:
Sem que professemos o ecletismo com
a pretensão de conciliar sistemas, não
podemos deixar de reconhecer, pela
comparação das doutrinas diversas,
antigas e modernas, que há muitos fatos e princípios em que todas elas
estão de acordo, e muitas teorias que
não são tão opostas, e disparatadas
como parecem aos seus contraditores.
MAGALHÃES, op. cit., pp. 35-36.
Tratando com originalidade os problemas psicológicos, epistemológicos e morais, no bojo do espiritualismo, Gonçalves de Magalhães se coloca no limiar
da instauração do pensamento filosófico brasileiro,
sendo o passo mais importante desta tentativa. Embora
não podendo ser considerado um filósofo independente,
cujo exemplo, a rigor, só encontramos no nascimento da
filosofia grega, ele inicia no Brasil a longa trajetória da
afirmação do pensamento nacional.
O ecletismo no Brasil teve aceitação generalizada
principalmente em virtude da sua adequação ao espírito
de uma época nacional carente de valores teóricos
fundados em doutrinas filosóficas que não fossem de
86
encontro à dogmática do catolicismo. Estávamos como
que perdidos entre uma escolástica rançosa e desa creditada, em face de um tratamento abusivo e incompetente a ela dispensado pelos jesuítas, e a invasão das
idéias positivistas e materialistas que começa vam a
assumir destaque entre os intelectuais de um modo
geral. O ecletismo, como seita filosófica, colocava em
plano secundário o saber operatório, embora exaltasse o
valor das ciências, sem muita coragem para enfrentar
seus argumentos, naquilo que contrar iavam os princípios
do espiritualismo. De certa forma, as ciências eram
ignoradas porque os ecléticos não dispunham de uma
formação científica para criticá-las nos seus fundamentos. Da mesma forma, precária era a sua formação
filosófica, levando -se em conta as críticas lançadas
contra alguns filósofos do passado.
Como já foi dito em vários momentos, os
ecléticos primavam pela sublimidade do estilo, pelo
retoricismo vazio, sem se darem conta de que filosofia
não se faz com discurso vazio surgido espontaneamente
da superficialidade do imaginário. A penetração do
positivismo no Brasil pode ser associada à in consistência das palavras dos ecléticos, com o progressivo
exaurimento da sua oratória que de forma alguma
poderia agradar uma parcela da intelectualidad e voltada
para os problemas científicos e para as indagações mais
aprofundadas das questões filosóficas. O positivismo de
Augusto Comte era uma doutrina nova, estruturada a
partir dos substratos das ciências, com um corpus
philosophicus inovador. Seu plano era organizar
cientificamente a humanidade, tirando -a do estado
87
metafísico em que se encontrava, com todos os males
daí decorrentes para lançá-la à busca do estado positivo
ou científico, na esperança de que um dia o progresso
das ciências conduzisse a uma tecnologia capaz de
substituir os políticos na condução da racionalidade
social... Subordinar a imaginação à observação é
caminhar em sentido inverso do ecletismo.
O espírito romântico e seus reflexos na literatura
em geral propiciou uma atmosfera favorá vel ao ecletismo no Brasil. Ecletismo e romantismo se entre laçaram em grande parte dos seus propósitos e da sua
ação. As “razões do coração” e os sentimentos
religiosos e patrióticos em ambas as instâncias se
harmonizam perfeitamente. Fuga do real, considerado
impuro por parte dos românticos; fuga do real com
objeto da experiência e garantia do conhecimento, em
benefício da interioridade, por parte dos ecléticos.
Coincidentemente, o ecletismo no Brasil teve a mesma
duração do romantismo e como fator de de saparecimento os mesmos opositores, isto é, os positivistas
que, agindo no plano literário acabam por desencadear o
realismo-naturalismo como novo estilo de época,
marcado pela descrição dos fatos da vida cotidiana
incorporados nos personagens dos romanc es e dos
contos.
Declarados ecléticos brasileiros foram Monte
Alverne, Antônio Pedro de Figueiredo, Eduardo Ferreira
França e outros de menor representatividade.
Monte Alverne, já vimos, destacou-se na oratória
sacra, reunindo em torno de si milhares de ad miradores
no auge do seu prestígio junto à Corte. Como filósofo,
88
não passou de um simples repetidor e fiel discípulo de
Victor Cousin. Dele nos fala Leonel França:
Mais tarde, quando lhe vieram às
mãos as primeiras obras do ecletismo
francês, que se ufana va de restaurar a
verdadeira
filosofia
espiritualista
sobre as ruínas do materialismo.
Monte Alverne exutou. Orador e
retórico, remirou-se com prazer nas
frases sonoras e nos períodos
grandiloquos de V. Cousin. O que era
musica de palavras e harmonia de
eloqüência pareceu-lhe solidez e
profundidade de pensamento.
FRANCA, Leonel. Noções de História
da Filosofia. Rio de Janeiro, Agir,
1969, ed. 20, p. 264.
O retrato de Leonel Franca, além de não merecer
reparos, se aplica também a vários outros seguidores do
ecletismo entre nós. O ilustre orador sacro, em cujo
plano não encontrou rival, talvez jamais tenha pre tendido ser filósofo, não indo suas aspirações além do
magistério desta disciplina, não nos restando nenhuma
noticia acerca do seu poder de aglutinar d iscípulos.
Talvez seja um mero equívoco da historiografia
filosófica brasileira ocupar-se de Monte Alverne.
Estaria muito melhor colocado na história da eloqüência
sagrada no Brasil.
89
Quanto a Eduardo Ferreira França, trata-se de um
convertido ao pensamento de Maine de Biran. Envolvido
com os problemas das ciências médicas, após o seu
doutoramento em Paris, começa, já aqui no Brasil, a
inquietar-se com a reflexão filosófica. “No que se refere
àquela parcela da elite mais diretamente familiarizada
com a filosofia, o elemento catalizador há de ter sido a
solução empirista do problema da liberdade, ensejada
por Maine de Biran, de que é um exemplo eloqüente a
meditação de Eduardo Ferreira França”. E prossegue o
autor da História das Idéias Filosóficas no Brasil:
No Brasil e não em Paris é que
Eduardo Ferreira França descobriu o
espiritualismo francês. Relata em seu
livro: “Materialista, encontrava em
mim um vazio, andava inquieto, aflito
até: comecei então a refletir e minhas
reflexões me fizeram duvidar de
muitas coisas que tinha como ver dades demonstradas e, pouco a pouco,
fui reconhecendo que não éramos só
matéria, mas que éramos principalmente uma coisa diferente dela. Procurava nas minhas reflexões examinar
o que eu era na realidade, observava
que muitos fenômenos não eram
explicáveis pela única existência da
matéria; e assim progressivamente fui
examinando as minhas opiniões até
que passados alguns anos, e tornando
90
aos estudos dos filósofos, fui lendo
aqueles que ao princípio me haviam
desgostado, e encontrei um prazer
indefinível, e o profundo Maine de
Biran contribuiu especialmente para
esclarecer a minha inteligência.”
PAIM, Antônio. História das Idéias
Filosóficas no Brasil. São Paulo,
EDUSP GRIJALBO, 1974.
É de se salientar que o mentor da conversão ao
espiritualismo de Eduardo Ferreira França foi Maine de
Biran e não as idéias ecléticas de Victor Cousin, o que
indica, desde logo, um certo caminho para a
independência do filosofar do mestre baiano. Afinal, é
notória também a influência que Biran exerc e sobre
Bergson. E nem por isto alguém ousou englobar o
bergsonismo no ecletismo, embora a comparação possa
parecer despropositada. Mas Bergson toma como tarefa
fundamental restaurar o prestígio da metafísica frente
aos ataques do positivismo. E não são po ucos os
historiadores da filosofia que o intitulam de
espiritualista, valendo-se, também, da sua doutrina,
como sustentáculo da renovação da teologia, da mesma
forma sob as investidas do cientificismo em geral.
O ecletismo de Antônio Pedro de Figueiredo já
foi exaustivamente estudado por Tiago Adão Lara no
seu livro As Raízes Cristãs do Pensamento de Antônio
Pedro de Figueiredo. Minas Gerais, Faculdade Dom
Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, 1977.
91
Antônio Pedro de Figueiredo foi um fiel seguidor
de Victor Cousin, tendo até mesmo sido apelidado de
Cousin Fusco pelo fato de ser mulato. Professor do
Colégio Pernambucano, traduziu o Curso de História da
Filosofia Moderna de Victor Cousin, em três volumes.
Jornalista por excelência e voltado para as questões
políticas e sociais da sua época, enfrenta as mais
diversas perseguições, mas não perde de vista a sua
missão de ilustrado num meio carente de receptividade a
quaisquer empreendimentos do espírito. As idéias
ecléticas que divulgava só encontravam ressonância em
pequenos círculos formados por seguidores dos mesmos
princípios; o contrário de um Figueiredo combativo no
plano político e jornalístico. As contribuições mais
importantes por ele prestadas ao espiritualismo eclético
estão basicamente no difícil trabalho de tradução e
edição do Curso de Victor Cousin e no seu magistério. É
difícil vislumbrar qualquer traço de originalidade no seu
pensamento, talvez em virtude de sua propagada adesão
ao ecletismo cousiniano, no qual pouco ou nada de
original se encontra.
O ecletismo no Brasil representa mais um estado
de espírito caracterizado pela atitude espiritualista do
que mesmo um esforço em torno de idéias. Esse estado
de espírito proliferou em várias províncias, provocando
discussões entre os partidários do cient ificismo e os
adeptos do espiritualismo. As polêmicas não se
restringiam a estes dois pólos, estendendo-se também
aos católicos que, por sua vez, também combatiam
várias idéias defendidas pelos ecléticos. Um retrato da
penetração dessas discussões pelo int erior do país
92
encontramos numa pesquisa realizada pelos professores
Ana Maria Moog Rodrigues, Florinda Conde, Tiago
Adão Lara e Vera Brandão, publicada pela PUC -RJ, sob
o título Corrente Eclética na Bahia, com uma
introdução de Antônio Paim. Os textos ali publicados
indicam que tanto no magistério quanto na publicística o
ecletismo esteve presente. Não se pode negar esse fato.
O Brasil sempre teve vocação para discutir e assimilar o
que vinha e ainda vem da França.
93
CAPÍTULO III
A MATURAÇÃO DO PENSAMENTO
FILOSÓFICO BRASILEIRO
1. O Positivismo como Instrumento de Combate
Não se pode negar a importância do movimento
positivista desencadeado por Augusto Comte (1798 1857) na França, com larga repercussão no Brasil. Por
mais que tenha sido combatido e por ma is frágeis que
sejam os seus argumentos, o positivismo é uma corrente
de pensamento devidamente estruturada, com propósitos
definidos e pacientemente trabalhados pelo seu fun dador. A obra de Comte reflete o espírito de um
autêntico pensador que, antes de mais nada, acreditava
no seu projeto e na vitória dos seus ideais. Parte ele do
princípio de que era necessário organizar cientificamente a humanidade, de molde a conduzi-la à sua
plena realização no plano político -social. Estava o
pensador francês vivendo a turbulência de uma Europa
desarticulada em todos os planos. Em razão dessa
circunstância, tomou a si a tarefa de formular um
ambicioso plano de “regeneração da humanidade”. Por
aí se vê que as ambições comteanas se situam muito
mais no espaço do ordenamento político, no seu amplo
sentido, do que mesmo no universo da indagação
filosófica.
Como secretário de Saint -Simon, não deixou de
sofrer, numa primeira fase, a influência do socialismo
94
francês. Mas a solidez do pensamento imaginava Comte
encontrar nos visíveis resultados das ciências naturais. É
nesta região da construção do saber que ele antevia a
possibilidade de extrair as categorias mais precisas para
a elaboração de um método capaz de progredir
firmemente na missão de ordenar o espírito humano.
Para tanto, era necessário subordinar a imaginação à
observação. Este é o primado que deve orientar toda a
órbita do saber, com a atenção voltada exclusivamente
para a observação e descrição dos fatos da natureza, na
sua manifestação imediata, a fim de chegar às suas leis,
não como simples curiosidade do espírito, mas como
condição necessária ao bem-estar individual e coletivo.
Todo sentido real e inteligível da linguagem se reduz à
enunciação dos fatos. Com esta orientação chegaremos a
uma constante interligação dos fenômenos, já que existe
entre eles uma articulação necessária, nas suas relações
de semelhança e sucessão. As leis constituem a própria
ciência, na medida em que constatam, no seu caráter de
previsibilidade racional, as relações constantes exis tentes entre os fenômenos. Os fatos são referências a
partir das quais a racionalidade elabora as leis; são a
matéria-prima sobre a qual o espírito humano trabalha
no sentido de ver o que é agora para prever o que será
no futuro. Neste momento Comte está influenciado pela
lógica indutiva de Stuart Mill, na qual parece encontrar
suporte teórico para combater o empirismo, sobretudo
quando afirma o caráter de previsibilidade das leis.
No Discurso Sobre o Espírito Positivo, publicado
como uma espécie de introdução ao seu Tratado
Filosófico de Astronomia Popular, chega a afirmar:
95
Importa, pois, bem compreender que o
genuíno espírito positivo se acha tão
afastado, no fundo, do empirismo, como do misticismo; é entre estas duas
aberrações, igualmente funestas, que
deve caminhar: a necessidade de semelhante reserva continua, tão difícil
como importante, bastaria, além disso,
para verificar, de acordo com as
nossas explicações iniciais, quanto a
verdadeira positividade deve ser
maduramente preparada, e não pode,
de forma alguma, convir ao estado
nascente da Humanidade.
COMTE, Augusto. Discurso Sobre o
Espírito Positivo. Trad. de Renato
Barbosa Rodrigues Pereira, Porto
Alegre, Globo-EDUSP, 1976, pp. 1920.
O fundador do positivismo não esclarece a que
pensamento empirista está combatendo, comparando
esta orientação epistemológica com o misticismo em
geral.
Augusto Comte não se preocupou com os fundamentos do conhecimento e, sim, com a sua eficácia
que seria verificada ao longo das constatações e
descrições das leis da natureza. Essa tarefa seria
desenvolvida por Stuart Mill, mais preocupado com
questões epistemológicas. Mas nem por isto deixa de ser
96
o positivismo uma forma de empirismo, se levarmos em
conta os postulados básicos por ele seguidos na tarefa
de reconstrução do saber. De qualquer forma, é preciso
ter em vista que o pensador francês é oriundo das
ciências da natureza, com um acentuado pendor para o
saber físico-matemático. Sua incursão no domínio da
filosofia se dá a partir de uma rigorosa formação
científica, mesclada de leituras no campo da realidade
histórica e econômica, através da influência dos
socialistas e fisiocratas franceses.
Já afirmamos acima que Comte começa a fazer
filosofia a partir da atração que sobre ele exercem os
problemas sociais, ou melhor, a sociedade, a
Humanidade como um todo. A filosofia só tem sentido
se for considerada como o reflexo do estado geral do
espírito humano. Assim, o nascimento da filosofia é
explicado socialmente como a emergência de um
conjunto de idéias vagas que brot am espontaneamente
entre os grupos sociais, de forma desordenada, frente
aos inúmeros fenômenos que os indivíduos presenciam e
não podem explicar. Desta impossibilidade de
explicação advém o espanto, a admiração, que conduz
os homens a uma tentativa de est abelecer uma certa
ordem no conjunto de idéias. Este conjunto de imagens,
idéias e impressões constitui aquilo que Comte chamou
de sabedoria universal. É o primeiro momento da
filosofia que surge da própria realidade social e não de
um indivíduo isoladamente. Ao indivíduo se opõe o
conceito de Humanidade, o que conduz a crer que tanto
a ciência quanto a filosofia têm sua fonte na totalidade
histórico-social, refletindo cada uma destas instâncias
97
do saber o espírito de um estado histórico. A filosofia é
a conseqüência natural das categorias operantes no
plano da sabedoria natural das categorias operantes no
plano da sabedoria universal, no sentido de colocar
ordem nas idéias, como mero desdobramento destas.
Surgem, então, os conceitos de estado e ordem.
A idéia de estado histórico é o núcleo da filosofia
da história de Comte. Para ele, como mostra no seu
Discurso Sobre o Espírito Positivo acima referido, a
humanidade evolui em três amplos ciclos históricos,
desde a sua infância até atingir a maturidade. Seriam os
estados teológico, metafísico e positivo. O conceito de
estado equivale no positivismo ao de ordem. Um estado
histórico se caracteriza por uma certa ordem es tabelecida nas instituições, nos costumes e em todos os
modos de manifestação dos indivíduos considerados
sempre coletivamente. A passagem de um estado a
outro, portanto, a passagem de uma ordem a outra ordem
significa o progresso. Ordem e progresso são fatores
determinantes do processo histórico, enquanto refe rências do mecanismo de aperfeiçoamento da humanidade. Em tudo existe uma ordem progressiva e um
progresso ordenado. A filosofia representa o regime
intelectual dos estados, inferindo -se daí que não existe
uma única filosofia, mas distintos modos de refletir a
problemática de cada estado histórico. Portanto, a
filosofia acompanhará sempre as sucessivas mudanças
do processo global da história, na sua passagem de um
estado a outro estado. Ela é a lei fundamental do
espírito humano, na medida em que reflete essa
estrutura através da qual um estado procede de outros e
98
conduz a outros, numa combinação harmônica. Em
última análise, a filosofia deixa de ser sabedoria
universal para assumir o papel de coordenadora dos
fatos, como lei estrutural da ordem e do progresso.
Coordenando os fatos, ela nos instala num determinado
estado, isto é, usando uma linguagem que não agrada a
Comte, a filosofia nos leva às diversas mundividências,
à totalidade do espírito de uma época.
O estado teológico ou religioso corresponde à
fase primitiva da humanidade que, por sua vez, evolui
do fetichismo, caracterizado pelo animismo, ao po liteísmo, caracterizado pela imaginação especulativa em
torno dos deuses, ao monoteísmo, em cujo momento a
razão unifica os deuses. No politeísmo e no monoteísmo
Comte encontra uma atitude intelectual que perdurou no
curso de toda a história, principalmente entre raças
negras e parte de raças brancas.
O estado metafísico ou abstrato representa um
rompimento com o teológico, já que há nele um avanço
considerável do espírito humano, substituindo as
divindades pelas coisas, pela natureza em geral, sem
recurso a entidades alheias ao mundo. O apelo no estado
metafísico é à natureza, vista essa como objeto de
especulação intrínseca, isto é, o caminho da atividade
intelectual é explicitar a natureza dos seres da natureza
na sua relação íntima com o Criador. Trata -se de um
estado de trânsito entre o teológico e o positivo. No
fundo, continua a mesma atitude especulativa, com a
diferença acima apontada. A teologia e a metafísica são
as categorias mais criticadas por Comte, em virtude da
sua firme sobrevivência por tantos séculos.
99
Como a Teologia, a Metafísica tenta
de fato explicar sobretudo a natureza
íntima dos seres, a origem e o destino
de todas as coisas, o modo essencial
de produção dos fenômenos: mas, em
vez de empregar para isso os agentes
sobrenaturais
propriamente
ditos,
substitui-os cada vez mais por
entidades ou abstrações personifica das, cujo uso, verdadeiramente carac terístico, amiúde permitiu designá -la
sob a denominação de Ontologia.
.......................................................
Radicalmente inconseqüente, este es pírito equívoco conserva todos os
princípios fundamentais do sistema
teológico, tirando-lhe, porém, cada
vez mais o vigor e a fixidez indis pensáveis à sua autoridade efetiva; é
nesta alteração que consiste, de fato e
a todos os respeitos, sua principal
utilidade passageira, que se manifesta
quando o regime antigo, por muito
tempo progressivo, para o conjunto da
evolução humana, atinge inevitavelmente aquele grau de prolongamento
abusivo que tende a perpetuar de
modo indefinido o estado de infância
que ele dirigira antes dom tanta
felicidade. COMTE, op. cit., p. 12.
100
O estado positivo ou científico corresponde ao
abandono das duas primeiras fases. Todos os estados
históricos são ciclos pelos quais passa a humanidade no
seu curso natural de progresso. Mas o estado positivo
parece ser para Comte a fase de maturidade definitiva,
na qual se dá, em princípio, a inteira subordinação da
imaginação à observação. Em cada um de sses estados
encontramos delineado um regime. No estado teológico
predomina o regime dos deuses, no estado metafísico a
vigência é do regime das entidades e, finalmente, no
estado positivo se instaura o regime dos fatos. Aí Comte
se apega definitivamente às ciências naturais como
parâmetros para a construção de uma ciência social. A
“naturalização” da realidade histórico -social encontra
nele um defensor tão ardoroso que muitas vezes dá a
impressão de encontrar no progresso científico advindo
do século XVII maior eficácia do que aquela vista pelos
próprios cientistas.
Eis, pois, a grande lacuna – embora
seja, evidentemente, a única que importa preencher para acabar de cons tituir a filosofia positiva. Agora que o
espírito humano fundou a física celes te, a física terrestre, tanto mecânica
como química, e a física orgânica,
vegetal e animal, falta -lhe concluir o
sistema das ciências de observações,
fundando a física social. Tal é, hoje,
sob vários aspectos fundamentais, a
101
maior e mais premente necessidade da
nossa inteligência; tal é, ouso dizê-lo,
o primeiro objetivo deste curso, o seu
objetivo especial.
.......................................................
Porque o princípio filosófico do espí rito da física social se reduz, necessariamente, segundo as ex plicações
precedentes, a conceber sempre os
fenômenos sociais como inevitavelmente submetidos a verdadeiras leis
naturais que comportam, regulamente,
uma previsão acional, trata-se pois de
fixar aqui, em geral, quais devem ser
o objeto e o caráter próprio destas leis
(cuja exposição efetiva virá contida
na continuação deste volume), tanto
quanto o permite o estado nascente da
ciência que me esforço por criar.
COMTE, Augusto. Curso de Filosofia
Positiva. A Filosofia positiva e o
estudo da sociedade. In GAR DINER,
Patrick. Teorias da História. Trad. de
Vitor Matos de Sá. Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1974, p. 95.
Até mesmo os termos da física são transpostos
para a ciência social que recebe o nome de física social,
compreendendo uma estática e uma dinâmica social. São
fortíssimas as ressonâncias do espírito do positivismo
nas tentativas de se encontrar um estatuto teórico para
102
as ciências sociais que permeiam toda a história das
idéias sociais, desde os discípulos imediatos de Comte
às mais variadas orientações epistemológicas vigentes
ainda hoje.
No plano estrito das ciências históricas, o pensador francês se aproxima claramente de Hegel, prin cipalmente na sua visão de história como totalidade,
excluindo radicalmente o papel do indivíduo isolado
como “figura” da história e privilegiando a Humanidade
como um todo.
O romantismo e a filosofia idealista são os gran des responsáveis pelo atraso no processo de organização
científica da humanidade, em virtude da sua natural
tendência à fuga da realidade, co mo lugar natural da
realização da história. Esse era o momento vivido pelo
pai do positivismo. Nele fermentou um modo de pensar,
cujas linhas gerais tentamos traçar, que jamais pode ser
desprezado, sob pena de se perder de vista ou deixar
viciada a própria história intelectual da segunda metade
do século dezenove.
Após delinear o seu projeto científico, Comte
acaba por entender que se a natureza e Deus não podem
ser objetos de culto, desejável seria que a própria
Humanidade fosse colocada nesse lugar. Cria, então, a
Religião da Humanidade, cuja trindade é o Grande Ser
(a humanidade), o Grande Meio (o espaço) e o Grande
Fetiche (a terra). Estabelece um novo calendário no qual
os dias, as semanas e os meses recebem seus respectivos
patronos
nomeados
dentre
as
figuras
mais
representativas da história. Nada menos do que oitenta e
quatro dias por ano são dedicados a festividades em
103
memória dos mais variadas personagens que exerceram
papéis relevantes no processo de afirmação da
humanidade. O dogma nuclear da Relig ião Positiva é
amor por princípio, ordem por base e progresso por
fim. Os rituais litúrgicos são semelhantes aos modelos
do catolicismo, não faltando a figura dos sacerdotes com
os processos de iniciação e consagração, templos, cultos
e outros componentes do universo simbólico religioso.
Essa nova atitude de Augusto Comte acabaria por
causar, como é intuitivo, uma profunda dissidência entre
os seguidores da doutrina positivista. Parte dos seus
discípulos não adere à Religião da Humanidade, for mando a ala heterodoxa do movimento, cujo representante mais expressivo é Émile Littré (1801-1881),
dissidente convicto que preservou a linha científica do
pensamento positivista, recusando -se ao envolvimento
com o misticismo da ortodoxia comteana – que formava
a outra ala.
É a partir da década de sessenta do século
passado que começa a penetração das idéias positivistas
no Brasil. O ambiente intelectual parecia propício à
receptividade do pensamento comteano em virtude do
acentuado declínio que já se verificava nas va gas
posições defendidas pelos ecléticos na França, embora
encontrássemos, à mesma época, sob a influência desse
conjunto de princípios de que já tratamos no capítulo
anterior.
O positivismo no Brasil é recebido como um
instrumento de combate a todas as for mas de
especulação metafísica, fortalecido pelas categorias do
cientificismo que serviu de alento triunfante àqueles que
104
se encontravam mergulhados na indecisão quanto ao
destino global da nacionalidade. Era a emergência da
esperança na precisão das ciências físico-matemáticas
como dados irrefutáveis na operacionalidade da
organização racional da sociedade, segundo os preceitos
de Augusto Comte. Moralista por excelência, os
seguidores do Sacerdote da Humanidade acabam por
tentar substituir a moral católica então vigente por um
novo tipo de moral fundada em rígidas diretrizes
orgânicas articuladas no espaço da vigência positiva,
cujo apelo se dirigia aos parâmetros das ciências
naturais.
Logo nos inícios da disseminação do positivismo
no Brasil começa a luta entre aqueles que aceitavam a
totalidade da doutrina comteana e os chamados
heterodoxos que se inclinavam a ficar apenas com os
ensinamentos estritamente científicos expendidos pelo
mestre parisiense antes de realizar o projeto de uma
Religião da Humanidade e encetar a sua fase
catequética.
Os adeptos da ortodoxia positivista, liderados por
Miguel Lemos e Teixeira Mendes, exerceram muito
maior influência entre nós, sobretudo em razão da sua
pregação moral, do que aqueles que preferiram se
restringir ao espírito cientificista subjacente às suas
pretensões globais. Que fique claro, no entanto, que
todos eles começaram pelo positivismo científico,
muitos dos quais tiveram a oportunidade de freqüentar
aulas de Comte em Paris.
105
Sem esses positivistas independent es
(muitos dos quais ingressaram no
magistério superior e secundário, militaram no imprensa, participaram do
Governo Provisório, da constituinte e
das assembléias e governos estaduais,
além de ocuparem importantes postos
no Exército e na Marinha, no alto
funcionalismo, na diplomacia e na
magistratura) quase nula teria sido a
influência política do Apostolado,
freqüentemente envolvido em problemas de ortodoxia e cerimônias litúr gicas, assim como se foi tornando
imperceptível, em nosso cenário cívico, depois de escassearem entre nós
os discípulos de Comte alheios ao
grêmio de Miguel Lemos e Teixeira
Mendes.
LINS, Ivan. História do Positivismo
no Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1964.
Valendo-se do mesmo historiador do positivismo
no Brasil, Cruz Costa nos informa que “já a partir de
1837, vários brasileiros seguiam, em Paris, na Escola
Politécnica, os cursos livres de Augusto Comte, entre
eles, como indica Ivan Lins, J.P. de Almeida, Patrício
d’Almeida e Silva, Agostinho Roiz Cunha, Antônio
Campos Belos e Antônio machado Dias – este mais
tarde professor de matemática do Colégio Pedro II – e
106
Felipe Ferreira de Araújo Pinho que, no Império, foi
deputado geral, presidente da província de Sergipe, e, na
República, governador da Bahia”. E continua : “É,
porém, de 1844, a primeira conferência à obra de
Augusto Comte, no Brasil. Na tese sustentada pelo Dr.
Justiniano da Silva Gomes – Plano e Método de um
Curso de Fisiologia – referia-se ele a Comte, ao método
positivo e à lei dos três estados". (Cf. COSTA, João
Cruz. Contribuição à História das Idéias no Brasil. Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967)
O mesmo não ocorreria com o catolicismo entre
nós, cujas idéias eram recebidas através da catequese
legitimada pelo aparelho Igreja-Estado, sem nenhuma
preocupação com as questões envolvidas na longa
tradição das doutrinas teológicas. Por muitas décadas os
problemas da justificação teórica da religiosidade
permaneceram obnubilados por uma espécie de consenso
com forte vigência entre as mulheres e as massas
incultas em geral. Todos os problemas relacionados com
a salvação estavam como que resguardadas dos
“perigos” da tematização, pairando a fé como
sustentáculo único das convicções dessa imensa maioria.
Mesmo entre os intelectuais católicos, o que se verifica
é uma completa insensibilidade frente aos problemas
teológicos, com exceção da corrente tomista que,
também, foi pouco além da mera repetição dos conceitos
tradicionais desta ordem de pensamento.
Quanto ao positivismo, como dissemos, a
iniciação se dá através do corpus científico estruturado
107
pelo pensador francês e tido por ele mesmo como
definitivo.
É mister não esquecer que, em carta a
Hutton, Augusto Comte escrevia: não
posso reconhecer como verdadeiros
discípulos senão aqueles que, renunciando a fundar eles próprios uma
síntese, consideram a que eu construí
como essencialmente suficiente e ra dicalmente preferível a qualquer
outra. O dever deles é então propagá la e aplicá-la, sem pretender criticála, ou mesmo aperfeiçoá -la. Primeira
Circular do Apostolado Positivista no
Brasil. In Cruz Costa, op. cit.
Desta forma, embora advindos da mesma orientação cientificista arquitetada por Augusto Comte, os
dois caminhos assumidos pelos positivistas bra sileiros
convergem para um objetivo comum: o combate ao
espírito especulativo e a instauração do estado po sitivo,
com a organização racional do Estado brasileiro. Ambas
as orientações – a ortodoxa e a heterodoxa – iniciam
suas atividades ao mesmo tempo. Os Elementos de
Matemática de Antônio Ferrão Muniz de Aragão,
segundo os historiadores, teria sido a primeira obra de
tendência heterodoxa publicada entre nós, em 1858.
Teixeira Mendes nos dá notícia de que “o movimento
em prol dos oprimidos havia determinado em 77 (1865)
da parte de um discípulo do Positivismo, o cidadão
108
Francisco Antônio Brandão, a publicação de um
opúsculo” que, “apesar de imperfeitamente traduzir os
ensinos de Augusto Comte, este trabalho constitui a
primeira manifestação social do Positivismo entre nós,
de que tenhamos notícia” (Cf. MENDES, R. Teixeira,
Benjamin Constant. Rio de Janeiro, Igreja Positivista no
Brasil, 1913).
O opúsculo a que se refere Teixeira Mendes é
intitulado A Escravatura no Brasil, publicado em
Bruxelas no ano de 1865. Um dos temas que mais
preocupavam os seguidores da Religião da Humanidade
era a questão social e uma das suas linhas de combate
era a escravatura que representava um lamentável atraso
no progresso das práticas políticas.
Constava dos planos de Augusto Comte a “incorporação do proletariado à sociedade moderna”, no
sentido de unir a humanidade como um todo, guardando,
entretanto, os princípios de hierarquia na sua orga nização científica.
Miguel Lemos e Teixeira Mendes foram os grandes líderes do movimento religioso positivista. A fun dação da Sociedade Positivista em 1876 que levou
naturalmente à instituição da Igreja Positivista, pouco
mais tarde, colocaria Miguel Lemos na liderança dessa
via de ação preconizado pelo mestre francês. Na França,
Pierre Lafitte se investira no cargo de sacerdote da
humanidade, com a morte de Augusto Comte. O jovem
Miguel Lemos, indo a Paris, recebe as unções de
aspirante ao sacerdócio no Brasil, fortalecendo, assim, a
sua posição entre o grupo que constituía a linha de
fidelidade à religião positiva. Enfrenta os mais variados
109
atritos no seio da pequena comunidade em virtude de
divergências de opiniões em relação àqueles cujas
tendências estavam mais voltadas para a heterodoxia,
isto é, para a aceitação apenas da doutrina científica
positivista, acabando por perder a adesão de várias
figuras importantes do movimento, dentre as quais a de
Benjamin Constant, cujo espírito esteve sempre voltado
para as questões das ciências e não para os rituais
litúrgicos da seita que se desejava implantar.
Semelhantes controvérsias se davam também em
Paris entre os grupos de Littré e de Lafitte. Desde o
início do seu apostolado, Miguel Lemos combate Littré,
pelo seu espírito passivo, pelo seu eruditismo estéril de
dicionarista, tendo-o como uma espécie de homem
acomodado que em nada contribuía para as lutas que
deveriam ser travadas em busca da consolidação do
espírito positivo, sem nos referirmos à condição de
heterodoxo de Littré. Mas não ficam aí as querelas de
Miguel Lemos. Aos poucos começa ele a desconfiar da
fidelidade e da competência do próprio Pierre Lafitte,
culminando com o rompimento também com este.
Dentre os positivistas que passaram a manter uma
certa distância das questões diretamente ligadas à
Religião da Humanidade destaca-se a figura de Luiz
Pereira Barreto (1840-1932) que, pela primeira vez entre
nós, traça as diretrizes de uma filosofia da história
brasileira, segundo o modelo geral elaborado pelo
mestre de Montpellier. Esse quadro fica delineado na
sua obra As Três filosofias publicada em dois volumes,
entre 1874 e 1876.
110
O plano primitivo da obra de Pereira
Barreto consistia, a partir da questão
religiosa, em “apresentar sucessiva mente à apreciação do intelecto bra sileiro a filosofia teológica, a filosofia
metafísica e a filosofia positiva”,
plano este que não se completou em
virtude de ter Teófilo Braga publicado
um volume a respeito do último dos
assuntos programados, volume que
Barreto acreditou poder substituir o
seu, dispensando-se, portanto, de escrevê-lo. Estas três filosofias, escla rece Barreto, se referem, a primeira
“aos conservadores, aos representantes do antigo passado; a segunda aos
liberais, os representantes do passado
moderno; a terceira aos contemporâneos efetivos da ciência atual, os representantes do presente e do futuro”,
vale dizer, aos positivistas.
BARROS, Roque Spencer Maciel de.
A Evolução do pensamento de Pereira
Barreto. São Paulo, EDUSP-GRIJALBO, 1967.
Pereira Barreto cuida nesta obra, fundamentalmente, de problemas político-sociais, procurando
encontrar os momentos básicos da evolução da nossa
história e colocando em plano secundário os problemas
da filosofia, até porque, talvez, isto fosse julgado
111
irrelevante para o nosso pensador, já que Comte
trouxera as diretrizes modelares com caráter de
terminalidade. Com isto, torna-se difícil uma análise
aprofundada das categorias filosóficas operantes nas
Três Filosofias, não só pela superficialidade que encerra
esta obra como também em face do pressuposto teórico
do positivismo que a transforma em repetição do
pensamento comteano no sent ido de adequá-lo à nossa
realidade histórica. Segundo Roque Spencer Maciel de
Barros, na obra acima indicada, a grande preocupação
de Pereira Barreto está voltada para o projeto
educacional em cuja realização se colocaria o êxito do
progresso, a caminho do estado positivo. Tem razão o
ilustre especialista das idéias educacionais no Brasil,
quando enfoca pedagogicamente o pensamento de
Pereira Barreto, mostrando o seu significado educativo.
Só mesmo nesta perspectiva teríamos a oportunidade de
realçar o pensamento do positivista pátrio. Mas esta
importância atribuída à educação não é privilégio
exclusivo de um único positivista entre nós. Pedagogos
pro excelência foram também Pedro Lessa e Benjamin
Constant, entre outros. O magistério da filosofia do
Direito, exercido por Pedro Lessa, desencadeou uma
acentuada influência na formação dos bacharéis,
contrariando a opinião daqueles que afirmam ter o
cientificismo positivista proliferado em torno das
academias que manipulavam as ciências naturais,
esquecendo-se da sua ressonância nas Faculdades de
Direito.
No prefácio à primeira edição de seus Estudos de
Filosofia do Direito, Pedro Lessa lamenta:
112
Outro fenômeno, que exprime outro
mau sintoma social, é este que se nota
freqüentemente em nossos dias: reconhecida a inanidade das doutrinas
teológicas e metafísicas, em vez do
esforço pela formação de uma teoria
jurídica, baseada na rigorosa obser vação dos fatos, de acordo com o
método científico, o que se tem dado,
é um tal desvairamento dos espíritos,
não rato aguilhoados pelo vão desejo
de originalidade, que nada há hoje
mais comum do que vermos doutrinadores que, a pretexto de explicarem
filosoficamente o direito, a este des troem todo o fundamento, negam toda
a razão de ser.
LESSA, Pedro. Estudos de Filosofia
do Direito. Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 1916, p. 10.
Nesta mesma linha há de ser lembrada a obra
jurídica de Clóvis Beviláqua representada pelo
anteprojeto do nosso código civil que vige desde o dia
primeiro de janeiro de 1917 aos nossos dias. O
magistério e a doutrina de Beviláqua, espalhada em
livros e no referido anteprojeto, refletem o espírito de
um positivista convicto.
Benjamin Constant também foi, sobretudo,
professor. Ficou o seu magistério, a sua força moral e
113
intelectual exercida entre os jovens que abraçavam a
carreira das armas.
Tudo isso estava explícito na doutrina de Comte e
não encontramos nenhum pensador original nesse
espaço. No fundo, predomina o espírito doutrinário, no
sentido de divulgação e contextualização de um sistema
devidamente articulado.
Como instrumento de combate ao espiritualismo
eclético e a todas as formas de elocubrações ima ginárias, o positivismo foi a corrente filosófica mais
importante aparecida entre nós na segunda metade do
século XIX. Mas em nada contribuiu para a formação do
pensamento filosófico brasileiro. Ao contrário, valendo se de uma sólida doutrina, acabou desestimulando as
consciências no itinerário da indagação científica e
filosófica em demanda de outros caminhos. Nem poderia
ocorrer o contrário. O ideal de organização científica da
humanidade trazia subjacente o progresso racional em
demanda de uma sociedade industrial. Nessa tarefa, o
espírito positivista continua presente ainda em nossos
dias, em cujo espaço o aparelho estatal tem o domínio
absoluto, interferindo em todas as esferas da vida dos
indivíduos, com uma progressiva laicização da própria
privacidade. Teorias “científicas” altamente sofisticadas
justificam quaisquer desmandos do Estado, na sua
operacionalidade tecnicista. Política é mera divag ação e,
por isso mesmo, os políticos devem apenas ser tolerados
numa engrenagem que só comporta a racionalidade
aparente, por mais irracional que seja. Dentro deste
clima parece não haver lugar para a filosofia. As
racionalidades do Estado são mais imperio sas do que a
114
dignidade da razão e da pessoa humana, emergindo
deste estado de coisas a constante substituição da
verdade pelas falácias artificiosamente engendradas nos
gabinetes para conter as multidões massacradas pelo
complexo poder industrial. É a huma nidade cientificamente organizada; é o estado positivo de Augusto
Comte.
Esta é a síntese do legado positivista no Brasil,
que longe de ser coisa do passado, é uma presença que
se fortalece a cada dia, embora hoje os seus
representantes estejam emancipado s, falecendo-lhes
tempo e vocação moral e intelectual para uma meditação
aprofundada sobre as raízes próximas da nossa
contemporaneidade.
2. O Anglo-germanismo como Tentativa de Reconstrução
Na formação do pensamento brasileiro teve contribuição importante o pensamento anglo-germânico
representado por algumas figuras que aqui foram
largamente estudadas, não deixando de receber
combates e adesões. Poderíamos colocar em primeiro
plano o evolucionismo biológico de Charles Darwin
(1809-1882) pelo caráter revolucionário das suas
teorias, embora algumas delas tenham sido tomadas de
outros naturalistas.
A Origem das Espécies (1859) e A Descendência
do Homem (1871) são trabalhos lidos e discutidos pelos
nossos intelectuais da segunda metade do século
115
dezenove, principalmente por aqueles que se deixaram
influenciar nos primeiros momentos pela voga do
positivismo de Augusto Comte. Darwin procura mostrar
na primeira obra, através de minuciosas análises, o
processo evolutivo das espécies nos reinos vegetal e
animal, dentro de uma visão mecanicista, tendo como
causa a lei por ele formulada, segundo a qual as
variações acidentais e a seleção natural se dão em
virtude da luta pela existência. Não há separação fixa e
invariável na totalidade das espécies, mas uma
seqüência de transições entre elas, o que faz com que
umas se transformem em outras através do processo de
seleção natural.
Na segundo obra aqui indicada, Darwin
generaliza a sua tese, estendendo ao homem o fato
evolutivo, com o conseqüente abandono da idéia de
Deus como o seu criador manifestada em A Origem das
Espécies. Dentro da mesma concepção mecanicista,
afirma que a formação do homem decorre de uma
evolução obedecendo às mesmas causas naturais
vigentes nas demais ordens das espécies. O homem
descenderia de um tronco comum de simianos do Antigo
Continente, existindo distintas raças ou subespécies,
dentre as quais se situam os povos africanos e as raças
da Oceania. A tendência natural é o extermínio das raças
inferiores ou selvagens, como as da Oceania e as
africanas por parte dos povos civilizados, na cadeia
implacável da seleção natural.
Outra figura importante do evolucionismo bio lógico bastante divulgada entre nós é Ernst Haeckel
(1834-1919), seguidor de Darwin na Alemanha. A partir
116
das idéias do naturalista inglês, cria aquilo que ele
mesmo intitulou de monismo, em oposição a todas as
formas de dualismo, com a concepção de que o Universo
é uma única substância, cujos dois elementos básicos
são a matéria e a força. Com isto chegará ne cessariamente ao panteísmo como cosmovisão. Funda a
religião monista, cujo objeto de adoração é a trindade –
Verdadeiro-Belo-Bom. Essa religião deveria operar a
fusão entre o cristianismo e a ciência, estabelecendo um
culto constante ao progresso da ciência, com a união dos
indivíduos em torno dos ideais do saber. Até mesmo
uma Sociedade Monista Alemã é fundada em 1906, com
a finalidade não só de propagar o ideário monista mas
também de difundir a ciência moderna que seria o
suporte da concepção do mundo, em substituição à
mundividência cristã.
Pensador de marcante influência no Brasil foi
também Herbert Spencer que viveu entre 1820 e 1903,
na Inglaterra. Spencer representa o ponto mais alto do
evolucionismo que recebe sua roupagem filosófica como
verdadeira filosofia da evolução. Influenciado pelo ideal
romântico de progresso, o pensador inglês concebe uma
lei da evolução que preside à totalidade do real
cognoscível, abrangendo até mesmo a realidade
espiritual. Todo o conhecimento é relativo, sendo o
absoluto incognoscível, tal qual apregoava o positivismo
de Augusto Comte. Para Spencer, a filosofia é também o
conhecimento de maior grau de generalidade. O
princípio dos princípios é a noção de força que engendra
toda a possibilidade de conhecer a realidade que a
manifesta. Sua sociologia é uma verdadeira apologia da
117
liberdade e um veemente ataque ao Estado, contrariando
o ditatorialismo estatal de Comte, contra o qual se
insurge neste campo.
Spencer recebe influência de vários naturalistas
que estabeleceram a fermentação do cientificismo na
segunda metade do século dezenove, incorporando ao
seu pensamento algumas linhas do positivismo
comteano no espaço geral das categorias com as quais
opera na edificação da sua mundividência. Era a ânsia
de instauração de uma crença consolidada no progresso
das ciências que constituía o espírito da época, contra o
qual se insurgiriam os vários indicadores do espiritualismo.
Já ao seu tempo aparecem alguns pensadores de
formação naturalista que buscam atenuar o desprezo
pela metafísica e pela religião, a partir das investigações
científicas. Tais são os exemplos de Gustavo Fechner
que, a partir da lei do paralelismo psicofísico passa do
pampsiquismo ao panteísmo como religião; de Eduardo
Hartmann que, partindo do panteísmo procura desenvolver uma metafísica do inconsciente; de Rudolf
Lotze, envolvido no mesmo ambiente e interessado na
construção de um discurso de inspiração pampsiquista.
Estes são apenas alguns exemplos de investigadores que
exerceram um papel importante no pensamento europeu
e que foram divulgados entre nós na fase de maturação
do pensamento brasileiro.
Diríamos que o pano de fundo do naturalismo
anglo-germânico foi uma fonte inolvidada pela in telectualidade pátria, tais são os apelos a ela dirigidos
pelos nossos escritores de um modo geral, quer para
118
combatê-la, quer para aderi-la. Não se trata de uma
discussão isolada, restrita ao Brasil. Ao contrário, o
fenômeno se universalizou, ganhando penetração nos
principais centros pensantes do mundo, com muito
maior entusiasmo do que a doutrina positivista de
Augusto Comte. As teses naturalistas permeiam o
ambiente intelectual europeu e despertam a reação das
diversas tendências filosóficas e científicas que enfrentavam o debate em torno da necessidade de se
encontrar um caminho viável à reconstrução do discurso
metafísico.
Entretanto, podemos tentar encontrar
em algum denominador comum dou trinário o correlato daquele núcleo e
de suas relações com a periferia do
grupo. O fato, aliás, é que mesmo
entre os dois fundadores da Escola
não havia identidade de vistas nem de
posição filosófica: em Tobias Barreto
encontramos um definido credo monístico, em Sylvio Romero um predomínio do spencerismo. Parece certo,
pelo caso dos fundadores e para além
dele, que o monismo e o evolu cionismo constituíram as concepções
gerais mais características do grupo. E
talvez possamos tomar o evolu cionismo como a concepção mais
difundida entre seus integrantes,
aparecendo o monismo como espécie
119
de contraste no caso de Tobias, como
contrapartida e complemento em outros casos.
Se fizéssemos um corte longitudinal
no acervo das produções da Escola,
pondo à vista as idéias básicas de
cada um de seus componentes (desde
os iniciadores aos continuadores finais), encontraríamos sempre presente
a idéia de evolução. O que será
perfeitamente compreensível, já que
esta idéia foi própria de todas as
grandes filosofias do século dezenove,
sobretudo em sua segunda metade, e
sobretudo nas filosofias sociais.
SALDANHA, Nelson. A “Escola do
Recife” na Evolução do Pensamento
Brasileiro. In CRIPPA, Adolpho. As
Idéias Filosóficas no Brasil – Séculos
XVIII e XIX. São Paulo, Editora
Convivio, 1978, p. 90. Obra Coletiva.
Como se vê, na segura afirmação de Nelson
Saldanha, o monismo e o evolucionismo anglo -germânicos não foram movimentos ignorados ou mesmo
considerados de importância relativa mas, como temáticas emergentes no contexto do século XIX, não
puderam deixar de preocupar os espíritos pensantes.
Tais orientações pela primeira vez no Brasil se erigiram
em indicadores cujos alicerces, considerados sólidos ao
tempo, atravessaram décadas e entusiasmaram gerações,
120
até que seus argumentos começassem a ser minados no
mesmo solo onde foram produzidos.
Sylvio Romero acaba por abandonar sua afeição
para com as doutrinas positivistas, lançando-se no
universo do evolucionismo spencerista, tão logo assimilou os postulados da obra do pensador britânico. Nada
de novo nessa atitude, Romero passava de uma a outra
orientação, sem jamais ter criado coisa alguma de
original. Como crítico de idéias, saliente-se o seu
pendor para o trabalho intelectual, sem perder de vista a
dose de ódio que espalha onde quer que lance sua pena.
A crítica para ele é mais um pretexto para combater os
seus adversários e não um instrumento pedagógico a
serviço da contextualização de idéias. No caso específico de que estamos nos ocupando, serve o discurso do
historiador da literatura brasileira como um exemplo da
penetração do evolucionismo entre nós.
Na sua A Filosofia no Brasil, afirma Romero:
Entre os úteis serviços prestados por
Comte à filosofia destacam-se, a meu
ver, os seguintes:
A excelente classificação das ciências, superior às propostas por Ampère e por Spencer. O grande pensador classificou-as pela ordem
natural, a ordem do desenvolvimento.
Três são os princípios fundamentais
de tal trabalho: 1º) os fenômenos se
desenvolvem na ordem de sua complexidade crescente, e de sua gene121
ralidade decrescente; 2º) cada ordem
de fenômenos, exigindo induções que
lhe são próprias, só pode tornar -se
sistemática sob o impulso dedutivo
resultante de todas as ordens menos
complicadas; 3º) as ciências mais
especiais e mais complexas requerem
não só as verdades das ciências mais
simples, como também seus métodos.
Firmado nestas bases, o sábio francês
classificou as ciências em matemática,
astronomia, física, química, biologia e
sociologia. Tudo é bem deduzido; há
porém aí um pequeno defeito de
detalhe. Comte desdenhou inteira mente dos trabalhos psicológicos e
estabeleceu um hiato entre a biologia,
como ele a encarava, e os estudos
sociológicos. Foi levado a este passo
pelo modo anti-científico porque foi
tratada até seu tempo a ciência dos
fenômenos cerebrais.
.......................................................
É também um grande mérito do positivismo o ter abraçado, e a judado a
desenvolver e a propagar, os quatro
princípios fundamentais do monismo
contemporâneo: a relatividade, a ima nência, a evolução e a unidade dos
seres. Estes elementos indispensáveis
à ciência de nossos dias não foram
122
descobertos por Comte. Ele os a ceitou
e é, por isso, um benemérito do
pensamento livre.
ROMERO, Sylvio. A Filosofia no
Brasil.
Porto
Alegre,
Deutsche
Zeitung, 1878, pp. 69-71.
Ainda é visível o apreço do crítico literário pelas
idéias de Augusto Comte, embora já manifeste as não
menos visíveis tendências à passagem para o evo lucionismo spencerista que se daria irremediavelmente.
Sem qualquer justificação de que porventura seria
merecedora a memória do seu antigo mestre e nos
deixando soltos em relação aos momentos de avanço das
suas filiações doutrinárias, Romero afirma em seguida:
Se fosse preciso, poderíamos encher
vinte páginas com as incongruências
do sistema de Comte.
Sua lei da evolução das ciências é tão
insustentável, que, para seguir o seu
exemplo, deixando de lado, arbitrariamente, grande porção de fatos,
seria possível, com muita plausibilidade, apresentar exatamente a hipótese oposta à sua.
ROMERO, Sylvio. Doutrina Contra
Doutrina. Rio de Janeiro, Livraria
Clássica de Alves, 1893, 2ª ed., p.
115.
123
Mas não ficam aí as invectivas do inventariante
do folclore nacional.
Quanto a Spencer, teve sempre o su premo bom senso de evitar a idiotificação sistemática, e por isso exatamente é querido de todos os amigos
da verdadeira cultura, ao lado dos
primeiros espíritos do nosso tempo,
Tudo quanto há de verdadeiramente
ilustre na filosofia e na ciência em
nosso século é adversário declarado
dessa doutrina mofenta, talhada para a
mediania submissa e rasteira, que
ainda não produziu um só homem
superior. Aqui mesmo no Brasil, o que
há de mais distinto nos domínios da
inteligência, em todos os ramos da
atividade pensante, anda afastado
dessa malária espiritual. O mandismo,
fórmula do positivismo brasileiro, é
uma lazeira que há de passar.
ROMERO, op. cit., pp. 122 -123.
Como confiar nesse tipo de crítica? Porventura o
mandismo – ou as idéias de Teixeira Mendes –
constituem a formula do positivismo brasileiro?
De qualquer forma, o que fica patente é a
ausência de formação filosófica em Sylvio Romero. Sua
grande contribuição à vida intelectual do país se situa
no plano da historiografia literária, em cujo campo
124
produziu a obra mais respeitável, ainda hoje não
superada. Também seria ingenuidade negar o seu
magistério crítico. Pelo menos foi um homem que
acompanhou o seu tempo, exercendo influência no seu
acanhado meio, como polarização de debates em torno
da vida intelectual. Neste sentido, o anglo -germanismo
encontra nele um dos seus maiores representantes no
Brasil, no caminho da sua vulgarização. A sua
pedagogia crítica, embora viciada pelo sectarismo,
serviu como exemplo de como se pode manipular as
idéias sem nada de sólido construir.
O naturalismo de que se ocuparam os intelectuais
brasileiros da segunda metade do século XIX foi um
valioso instrumento de afirmação das nossas tendências
pensantes, não podendo ser confundido com afirmações
eivadas de passionalismo. A obra de Romero sobrevive
graças à generosa absolvição da história e à necessidade
de preservar o que nela existe de esforço de trabalho.
Apesar de carente de serenidade, confor me já afirmamos
alhures, o juízo de Sylvio Rabelo sobre Romero é
bastante adequado: “Necessariamente Sylvio Romero
teria de ceder à vaidade de contribuir com algum
conceito “original” para o acervo das doutrinas e das
idéias gerais. Ele não passaria por ne nhum domínio,
fosse do pensamento ou fosse da ação, sem deixar
vestígio pessoal – uma direção nova, um esclarecimento
ou uma retificação a erros ou falhas que sempre via por
toda parte. Nada se fechava à sua intemperança crítica.
Mas a nenhum domínio Sylvio Romero trouxe soluções
mais inconsistentes e mais ingênuas do que ao da
filosofia”.
125
E prossegue o ferino crítico pernambucano:
Folheando-se hoje os livros em que a
sua crítica se acende em polêmica,
sente-se a precariedade de uma inteligência que esteve mais a serviço da
paixão pessoal do que a serviço da
verdade literária. A distância que nos
separa do seu tempo e a ausência de
solidariedade que nos poderia ligar
aos seus movimentos, como escritor, e
aos seus interesses, como homem,
reduzem esses livros a uma proporção
mínima. Entretanto, a Sylvio Romero
eles pareciam feitos com o sopro da
eternidade – obras que se destinavam
a atravessar os tempos pela força da
verdade que encarnavam. Basta considerar os seus juízos sobre autores
que lhe mereceram a mais completa
condenação e repulsa.
RABELLO, Sylvio. Itinerário de
Sylvio Romero. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1967, pp. 88 89.
Em todo caso, como já deixamos implícito, a obra
do polemista pátrio, embora não merecendo a que nela
nos detenhamos com instrumentos e categorias
filosóficas, teve o destino de chamar a atenção para a
necessidade de se lançar com maior seriedade sobre os
126
grandes problemas que envolvem a interpretação da
nossa cultura.
Companheiro inseparável de Romero foi Tobias
Barreto (1839-1889), seguramente a figura mais importante da meditação que ganha corpo a partir dos anos
setenta do novecentismo. Tobias se assemelha a Romero
no espírito polêmico, mas dele se separa radicalmente
na inteligência, na capacidade de percepção dos
problemas, no sentido da universalidade. O primeiro é
impetuoso, mas profundo; o segundo é arrogante e
superficial. Tobias é sincero e imparcial, contendo suas
mágoas quando os temas exigiam reflexão mais séria;
Romero é injusto para com os seus inimigos, negandolhes valor que ele próprio não tinha condições de
perceber... O primeiro viveu na miséria e no isolamento,
enquanto o segundo desfrutou do fausto e das benesses
do Estado.
Tobias Barreto inicia sua participação na vida
intelectual brasileira sob a influência do ecletismo,
passando por um ligeiro apreço pelo positivismo para,
em seguida, encontrar abrigo no germanismo. Haeckel
será seu grande inspirador num determinado momento,
encontrando o pensador pátrio na orientação monista
articulada pelo mestre alemão a sua porta de entrada
para um outro universo de pensamento, muito mais por
razões geográficas do que mesmo em virtude da
consistência de idéias. Tobias Barreto estava interessado
no deslocamento do eixo de irradiação de idéias que
atingiam a nossa formação, isto é, desejava ele que a
França perdesse a sua hegemonia.
127
Com o exaurimento da discussão em torno do
positivismo e do ecletismo, continua Tobias se in vestindo contra a metafísica clássica e defendendo o
monismo evolucionista. Entretanto, o pe nsamento
haeckeliano continha um elemento inconciliável na
opinião do nosso pensador: era a concepção mecanicista
do universo. A ausência da concepção teleológica
poderia interditar uma série de questões compreendidas
no âmbito da filosofia em cujo campo s e dava o
combate.
Temos assim que a rejeição do positivismo foi o resultado da busca por
uma solução da questão que se propunha a si mesmo já nos primórdios
do seu contato com a doutrina de
Augusto Comte, isto é, a determinação dos limites em que se po deria
aceitar a metafísica – entendida esta
como a discussão de problemas propriamente filosóficos – expurgada, de
antemão, do que dissesse respeito à
“causa primeira”. Este o objetivo a
que se propôs Tobias Barreto, segundo se pode deduzir das restrições
opostas ao positivismo no estudo A
Religião Natural de Jules Simon,
escrito em 1869.
PAIM, Antônio. A Filosofia da Escola
do Recife. Rio de Janeiro, Saga, 1966.
128
Assumida a posição a favor de um diálogo mais
aprofundado com os temas da filosofia, Tobias acaba
por abandonar o haeckelismo e adotar uma atitude de
franca adesão à volta à Kant, no momento em que o
neokantismo iniciava os seus primeiros passos. É
interessante observar que no seu trabalho intitulado
Notas a Lapis sobre a Evolução Emocional e Mental do
Homem já é citado o nome de Otto Liebmann.
Se a justiça da história e da crítica
científica se regulasse pelo direito dos
lapônios, segundo o qual o urso não
pertence a quem o mata, mas a quem
lhe descobriu a pista, Darwin ficaria
fora de questão na contenda pela
glória. Basta lembrar os nomes de
Geoffroy, Saint-Hilaire, Lamarck,
Goethe, e até Kant e Herder, na
opinião de Otto Liebmann, para saber
entre quem então a disputa seria
travada.
MENEZES, Tobias Barreto de. Estudos de Filosofia. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1966, v. 2, p. 7.
A aproximação dos neokantianos da primeira fase
será uma etapa decisiva no percurso intelectual de
Tobias Barreto. Daí em diante, as questões da filosofia
se consolidam no seu espírito, ganhando uma diretriz
que irá facultar a firmação de algumas teses que serão
incorporadas como conquistas do pensamento brasileiro.
129
Essa aproximação não se dá em termos de “escolas”,
como poderia ser entendida à primeira vista, frente à
importância dos grupos de Marburgo e de Baden. A
volta de Kant, de um modo geral, começa na década de
sessenta, conforme se sabe. E o prosseguimento dessa
atitude vai coincidir com a trajetória intelectual de
Tobias Barreto.
Na sua obra intitulada Questões Vigentes, de
1888, aparecem dois capítulos que demonstram claramente a predileção do pensador pátrio pelo kantismo.
Isto se verifica nos capítulos Glosas Heterodoxas a um
dos Motes do Dia, ou Variações Anti-Sociológicas e
Recordação de Kant aos quais voltaremos mais tarde.
Assim que conseguiu domina a língua alemã,
Tobias abandonou todas as linhas do pensamento
francês que sempre se manifestaram como favoritas da
intelectualidade brasileira.
Combatendo o positivismo de Augusto Comte,
Tobias afirma:
Bem pode parecer que, assim me
exprimindo, eu obedeça à minha velha
predileção pela Alemanha e a um tal
ou qual desagrado que em geral me
causam os produtos do espírito francês. Completo engano.
É certo que não faço segredo do meu
germanismo. Na questão suscitada por
Lord Dunsany, se gaulês ou teutônico
– não duvidaria tomar, em todo caso,
130
o partido do nobre inglês e pronunciar-me pela preferência do segundo.
Mas isto não me veda reconhecer que
a Alemanha também pagou a sua
quota de papel e tinta à mania da
época. Os seus positivistas, que aliás
contam-se nos dedos, não me são menos antipáticos do que os franceses,
posto que sinta-me obrigado a confessar-lhes um pouco de gratidão, por
haverem eles indiretamente, com a
maior robustez dos seus argumentos e
a maior profundeza das suas indaga ções, melhor assentado a insustenta bilidade do positivismo e sobretudo a
inanidade da sociologia.
MENEZES, op. cit., p. 60.
Assim, Tobias representa no Recife o momento
mais importante da maturação do pensamento filosófico
brasileiro. A assimilação do pensamento kantiano será
para ele a via de acesso à discussão em torno dos
problemas relacionados com a cultura e com a
metafísica em cujos campos ele terá oportunidade de
levantar a possibilidade de contribuições originais. Não
é de se estranhar o seu germanismo. Muitos dos seus
críticos vêem nessa atitude uma espécie de
descompromisso com a realidade brasileira, numa forma
de alienação. Nada mais equivocado. Deve -se até
mesmo entender o contrário, tendo -se presente que a
volta a Kant representou o momento de aprofundamento
131
do diálogo do jovem Brasil com aquilo que havia de
mais representativo no pensamento universal.
Significativa é a afirmação de Paulo Mercadante:
Para nós, a volta a Kant significava a
exposição e a divulgação de uma filosofia quase que desconhecida. O
idealismo clássico, em virtude do seu
sentido revolucionário, sobretudo no
que representou quanto à velha meta física, encontrara fraca ressonância no
Brasil. De Kant o que se conhecia era
a exposição de sua doutrina pela
superficialidade eclética. Por isso, a
volta a Kant iria representar para nós
o indispensável degrau para o combate à velha metafísica, constituindo,
na história do pensamento brasileiro,
um passo adiante, tendo-se em conta o
caráter descolorido de nossa filosofia
tradicional. O papel que desempenharia ia ligar-se a todo um formidável embate.
MERCADANTE, Paulo. O Germanismo de Tobias Barreto. In MERCADANTE, Paulo e PAIM, Antônio.
Tobias Barreto na Cultura Brasileira.
São Paulo, EDUSP-GRIJALBO, 1972,
p. 156.
132
Já no seu trabalho intitulado Deve a Metafísica
ser Considerada Morta?, de 1875, Tobias Barreto deixa
clara a sua posição frente à metafísica. Não se trata de
combatê-la pura e simplesmente. Trata-se de buscar um
caminho para recolocar os seus problemas, expurgando
deles o dogmatismo como procedera Kant. Não há como
negar o valor da metafísica no seio mesmo da própria
atividade científica. O problema das relações da
metafísica com as ciências, tão discutido em nossos
dias, aparece claramente delineada no pensador de
Recife.
Basta mencionar as concepções fundamentais e realmente indispensáveis
da filosofia natural que trata dos
átomos e das forças, ou as da atração
considerada como ação que se exerce
em distância, ou as da energia potencial, ou as antinomias de um vácu o
ou não vácuo, para lembrar o fundo
metafísico da física e da química, ao
passo que no tocante às ciências
biológicas, o caso ainda é mais grave.
Que é um indivíduo entre as plantas e
os animais inferiores? Os gêneros e as
espécies são realidades ou abstrações?
Há uma coisa que se chama força
vital? Ou este nome denota apenas
uma relíquia do velho fetichismo
metafísico? A teoria das causas finais
é legítima ou ilegítima? Eis aí alguns
133
dos assuntos metafísicos sugeridos
pelo mais elementar estudo dos fatos
biológicos.
MENEZES, op. cit., v. 1, p. 138.
Eis um outro momento em que Tobias atribui à
metafísica, mais uma vez, o papel de questionadora dos
fundamentos da ciência:
Ou será porventura o matemático um
fato menos real do que as suas
figuras, o físico menos real do que os
corpos, que ele observa, a experiência
enfim menos real do que os seus
objetos? As ciências exatas não
podem negar que elas têm uma
existência,
cujo
reconhecimento
aumenta de dia em dia. Estes fatos
seriam os únicos que não necessitam
de uma explicação? Não deve portanto
haver uma ciência,
que faça da
explicação deles o seu alvo: uma
ciência, que considere a matemática, a
física, a experiência, como seus
objetos, da mesma forma que a
matemática tem por objeto as grandezas, a física os corpos, a experiência as coisas em geral? Ou dá -se
porventura que a matemática, a física,
a experiência, expliquem-se a si mesmas? Se não se explicam, deve haver
134
então uma ciência distinta e autônoma
que esteja para a matemática como
esta para as grandezas, que esteja para
a física, como esta para os corpos, que
esteja enfim para toda experiência
como esta para os fenômenos dados.
Esta ciência, tão necessária como as
outras, é a filosofia crítica, é a metafísica, no bom sentido da expressão.
MENEZES, op. cit., v. 2, p. 91.
Afastando-se de Augusto Comte que faz da
filosofia um mero instrumento de coordenação dos fatos
científicos em cujo campo o sentido da positividade
fenomênica se coloca acima de quaisquer pretensões da
metafísica, o pensador brasile iro está certo de que o
papel do filósofo jamais poderá se restringir ao de um
contemplador do artificialismo da criação científica.
Estão aí postas as questões mais relevantes
suscitadas por grande parte dos cientistas contemporâneos, muitos dos quais lançam na dúvida o próprio
valor do seu trabalho e buscam constantemente um
diálogo mais aproximado com a filosofia.
Ora, Tobias Barreto estava vivendo um momento
em que o progresso das ciências trazia implícita a idéia
de que a razão filosófica era uma atmo sfera nebulosa
que aos poucos deveria desaparecer dos horizontes do
saber. Bem mais tarde é que começam a aparecer
trabalhos significativos que progressivamente vão
tentando mostrar que essa mentalidade cientificista não
era tão consistente conforme se apr egoava. Bastaria
135
citar os nomes de Henri Poincaré, Émile Boutroux, Léon
Brunschvicg e outros para darmos conta das dimensões
que o problema dos fundamentos das ciências assu miriam logo mais tarde, acentuando -se cada vez mais
em nossos dias. Era esta a dir etriz que o pensador pátrio
já ensaiava imprimir à filosofia, como tarefa mais alta
do espírito. Versando os temas com precisão e segurança, ele se coloca na vanguarda de muitas
discussões que surgiriam do espaço do cientificismo e,
notadamente, do kantismo.
Outra questão com a qual se defronta o nosso
filósofo é a relacionada com a cultura. Miguel Reale e
Antoni Paim já levaram a análise do problema ao seu
exaurimento. Certamente, sua importância decorre, em
grande parte, do fato de ter Tobias Barreto se insurgido
contra o conceito rousseauniano de cultura, chamando a
atenção para o papel da consciência na elaboração do
mundo humano.
Rousseau deixou escrito que em as sunto de educação, - tout consiste à ne
pas gâter l’homme de la nature en
l’appropriant à la societé. Neste princípio, que se lê na quinta carta do 4º
livro da Nouvelle Héloise, culmina-se
o edifício de suas idéias reformadoras.
Entretanto a verdade está do lado
contrário. O processo da cultura geral
deve consistir precisamente em gastar,
em desbastar, por assim dizer, o homem
da natureza, adaptando-o à sociedade.
136
MENEZES, op. cit., p. 45.
Pela primeira vez entre nós a abordagem da
temática da cultura é feita com o aparato conceptual da
filosofia, embora devamos lamentar a ausência do seu
aprofundamento por parte do pensador pátrio. Trata da
questão a propósito de combater a sociologia como
ciência, negando radicalmente a esta o seu próprio
objeto. Era natural que não visse nessa ordem do saber
qualquer manifestação que pudesse despertar o se u
interesse, já que o seu espaço ignorava a tessitura
operatória da filosofia crítica. Daí chegar ao problema
da cultura com os instrumentos da meditação filosófica.
Diz Antônio Paim:
O interesse pela consideração da cultura do ângulo filosófico remonta a
Tobias Barreto. O pensador brasileiro
considerou-a como o elemento chave
para refutar a idéia de determinismo
social posta em circulação pelo positivismo. No período contemporâneo,
suas teses são retomadas e aprofundadas.
PAIM, Antônio. Problemática do
Culturalismo. Rio de Janeiro, PUC,
1977, p. 43.
Ao suscitar a discussão em torno dos valores do
espírito, Tobias Barreto está longe, pensamos nós, de
imaginar que tais problemas seriam os indicadores
137
básicos das preocupações dos neokantianos da escola de
Baden, liderados por Windelband, que apregoava a
distinção entre os valores da natureza e os valores do
espírito, postulando, consequentemente, uma ordem de
pensar que deixasse clara a separação entre ciências
nomotéticas e ciências ideográficas. Não era possível,
por um lado, continuar aplicando os parâmetros das
ciências naturais na explicitação de fenômenos a eles
refratários e, por outro lado, deixar de reconhecer a
existência de tais fenômenos. Assim, enquanto as
ciências nomotéticas cuidariam das leis da natureza, em
última análise, as ciências ideográficas cuidariam do
reino do espírito, com ênfase na questão dos valores e
da história referenciados ao indivíduo. Ficariam, assim,
abertas as possibilidades para o conhecimento de uma
realidade até então objeto de abandono ou de equívocos.
Os marburguenses radicalizaram a volta a Kant,
reduzindo a filosofia a uma teoria do conhecimento
científico e excluindo, ipso lato, qualquer possibilidade
de instauração das chamadas ciências ideográficas.
138
CAPÍTULO IV
A MATURIDADE DA MEDITAÇÃO BRASILEIRA
1. O Momento de Farias Brito
Tentamos mostrar, nos capítulos anteriores, as
feições características da assimilação do pensamento
europeu por parte dos nossos patrícios, salientando as
instâncias mais relevantes que emergiram em meio ao
confronto de idéias. Torna-se necessário, agora, situar
os dois momentos que nos parecem capitais no
desdobramento do processo de formação das idéias
filosóficas no Brasil. Tais momentos são representados
por Farias Brito e Miguel Reale.
Raymundo de Farias Brito (1862-1917) é formado
no seio do movimento de idéias oriundo do Recife.
Embora começando o debate no mesmo campo, não
encontramos na sua obra nenhuma filiação definida a
esse movimento tão representativo do pensamento
pátrio. É verdade que acompanha Tobias Barreto no seu
combate ao naturalismo mecanicista e ao determinismo
histórico do positivismo, ambas posições inconciliáveis
com as aspirações da liberdade (Cf. BRITO, Raymundo
de Farias. Finalidade do Mundo. Fortaleza, Tipografia
Universal, 1895, v. 1, pp. 145-163). Aí aparece claramente a concordância do pensador cearense com o
mestre de Recife, não só na interpretação do pensamento
de Noiré, como também na exaltação do pensamento
139
kantiano. Mas Farias Brito segue um caminho autônomo
após trazer sua contribuição à crítica do pensamento
francês e anglo-germânico que fermentaram a luta de
idéias na segunda metade do século passado.
Clóvis Beviláqua foi ainda mais ex plícito ao assinalar que, entre a série
da Finalidade do Mundo e a dos
Ensaios sobre a Filosofia do Espírito,
se opera “um desvio na orientação
filosófica de Farias Brito. O natu ralismo não o satisfaz para o desenvolvimento do seu pensamento funda mental e volta-se para o espiritualismo que a esse tempo pretendia
tomar a sua desforra do positivismo,
do evolucionismo e do monis mo dominantes”. A afirmação de Clóvis Beviláqua é até certo ponto justa. Farias
Brito trocou, de fato, o naturalismo
pelo espiritualismo.
RAMOS DE CARVALHO, Laerte. A
Formação Filosófica de Farias Brito.
São Paulo, EDUSP-Saraiva, 1977, pp.
14-15.
Equivoca-se o saudoso mestre da Universidade de
São Paulo, ao encampar a opinião do jurista pátrio sobre
o itinerário do pensamento britiano. Mas tal equívoco,
entretanto, milita a favor de Farias Brito. De fato, ele
passa, não da adesão ao naturalismo, mas da discussão
140
com este à construção de uma filosofia do espírito,
buscando na análise da consciência a garantia para a
restauração da metafísica. O que se pretende insinuar,
ao que se infere das afirmações acima, é o caráter
religioso do espiritualismo britiano, esquecendo -se de
que o pensador de que tratamos sempre se situou além
das preocupações místicas que poderiam obstaculizar a
sua confessada e decidida vocação para a busca da
verdade.
Na realidade, a partir da publicação da Base
Física do Espírito (Rio de Janeiro, Francisco Alves,
1912) e de O Mundo Interior (Rio de Janeiro, Revista
dos Tribunais, 1914), Farias Brito imprime uma nova
direção ao seu pensamento, julgando -se já amadurecido
para tentar uma via autônoma na tarefa de restauração
do prestígio da metafísica. As suas investigações
constituem “um esforço doloroso e triste” no sentido de
retomar os problemas da filosofia e recolocá -los numa
perspectiva distanciada da tradição. Nem volta a Kant,
nem volta a Santo Tomás ou a tudo mais que já foi
objeto de debate. Volta à consciência, ao espírito, como
órgão capaz de conduzir a um encontro radical com a
realidade. Espírito e consciência se identificam em
Farias Brito.
O espírito não é somente a base do
edifício do pensamento, o princípio
dos princípios: é também fato que
resiste a toda a dúvida, verdade que
desafia o capricho mais desordenado
dos céticos. E negá -lo é coisa que, só
141
por si, envolve absurdo, porque negar
é ato da consciência e a consciência é
fenômeno do espírito. Negar o espírito
é negar-se, e negar-se é dizer: eu sou
e não sou. O espírito é pois, o princípio dos princípios e a verdade das
verdades, o fundamento de toda a
realidade e a base de todo o conhecimento.
BRITO, Raymundo de Farias. O Mundo Interior. Rio de Janeiro, Instituto
Nacional do Livro, 1951. 2ª ed., p. 16.
Logo adiante afirma o pensador pátrio:
O materialismo, entretanto, não conhecendo, ou não pretendendo conhecer das coisas, senão o aspecto exterior, só admite corpos. Mas como afir mar ou negar qualquer coisa, sem reconhecer-se a si próprio como espírito, aquele que nega ou afirma, uma
vez que só um espírito, isto é, uma
consciência, pode afirmar ou negar?
BRITO, op. cit., p. 48.
Assim, se o espírito é consciência, como se vê
expressamente afirmado acima, não há como interpretar
as posições do filósofo pátrio dentro de um amplo
contexto do espiritualismo religioso, já que a consciência é o espaço de articulação dos saberes e não a via
142
de acesso ao plano da fabulação mística ou da fé
raciocinada.
O itinerário filosófico de Farias Brito determina a
fermentação de um momento distinto na meditação
brasileira, na medida em que os seus passos vão se
firmando num lento processo de ultrapassagem. Espa lhando o diálogo, ele vai conscientemente superando
suas próprias contradições, tão frequentemente apontadas como pontos a descaracterizar a importância do
seu pensamento.
Em todo pesador encontramos uma natural
evolução das idéias que percorre a totalidade d as suas
preocupações, nos horizontes do possível, em busca de
objetivos para cuja tarefa é necessário ter em vista até
mesmo as limitações existenciais inelutavelmente
impostas a cada um. Daí a razão pela qual a obra
britiana ainda é interpretada por alguns como sendo uma
espécie de fragmentação dentro da qual seria arriscada a
missão de explicitar o seu fio condutor.
O momento de Farias Brito se caracteriza pela
passagem do ciclo polêmico dominante no grupo de
Recife a uma atitude de deliberado afastamento dos
exaltados confrontos de idéias que em muito
prejudicaram a formação do pensamento brasileiro.
A trajetória biográfica de Tobias
Barreto,
bastante
conhecida,
é
relevante para o estudo das idéias da
Escola pelo fato de que algumas de
suas posições teór icas se relacionam
com atitudes pessoais. Este é, aliás,
143
um aspecto que se encontra em outros
membros da Escola – a começar por
Silvio Romero. Muitos dos ressentimentos de Tobias Barreto se refletiram em sua visão dos homens, da
vida e do mundo; e esses ressentimentos nasceram do conflito que
teve de manter desde cedo com seu
tempo e seu meio: mulato, pobre, feio,
pretensioso, pertinaz, agressivo.
SALDANHA, Nelson. A “Escola do
Recife” na Evolução do Pensamento
Brasileiro. In CRIPPA, Adolpho. As
Idéias Filosóficas no Brasil. São
Paulo, Convívio, 1978, Séculos XVIII
e XIX, p. 84.
Falando da “Escola do Recife”, Nelson Saldanha
está dando apenas uma idéia de como o passionalismo
polêmico dominava os meios intelectuais do grupo,
notadamente as figuras apontadas como as mais
representativas e até mesmo como “chefes” de Escola.
Felizmente, Farias Brito buscou sempre uma certa
distância dessas diatribes. Suas críticas ao ideário da
época foram sempre serenas, fazendo predominar a
instância da razão e aceitando a realidade existencial tal
qual recebida, certo de que se tratava de um mundo
impiedoso, dramático e existencialmente injustificável.
Sua vida é o exemplo de resignação a todo tipo de
sofrimento, de brandura e de solidariedade frente à dor
inexorável que a todos atinge.
144
É com esta visão da existência humana que ele
consegue isolar-se na sua fragilidade e seguir o seu
itinerário, alheio ao ódio e às contendas que se
situassem aquém das idéias. O seu desejo não era lutar
contra o mundo e, sim, compreendê-lo naquilo que ele é,
como o lugar do sofrimento que a ninguém deve ser
atribuído senão à própria natureza das coisas. As
paixões, as emoções e os sentimentos em geral se
articulam na interioridade do próprio indivíduo, cabendo
a ele a tentativa de conviver co m a mundaneidade e não
a instigação do ímpeto e da revolta. Talvez por isso
mesmo Farias Brito tenha sido visto como um mártir da
filosofia, tal era a sua indiferença para com o sofrimento
e o seu apego à vida do pensamento.
Tobias Barreto, seu ex-professor, já havia
manifestado sua preocupação com o problema da
consciência e com os mecanismos de distinção entre a
natureza e os objetos culturais, estabelecendo o
princípio de que natureza e cultura são realidades
distintas e como tais devem ser consideradas. O mundo
natural constitui a matéria-prima sobre a qual trabalho o
pensamento, decorrendo deste fato o constante artefazer
da esfera habitacional do homem, num movimento de
re-arranjo como fruto da liberdade. O mundo da cultura
espelha valores, mas reflete, acima de tudo, os
horizontes do homem aprisionado nos fatos brutos e ao
mesmo tempo ansioso por ultrapassá-los.
Farias Brito não retoma estas discussões nos
mesmos termos em que as havia colocado seu antigo
mestre. Na sua luta em torno da fundamentação r igorosa
do conhecimento, ele assume o princípio de que
145
consciência e realidade se colocam no plano da
absolutização.
Há, pois, de toda a forma, pelo menos
dois absolutos: a consciência ou o
espírito em nós, e as coisas ou a
matéria fora de nós. O que há d e
relativo é somente o conhecimento, o
laço que se estabelece entre estes dois
absolutos.
As duas operações fundamentais do
entendimento no ato de julgar são a
afirmação e a negação e é daí que
derivam as duas grades categorias a
que tudo pode ser reduzido no nosso
sistema de idéias: o ser e o não-ser, a
existência e o nada. Pois bem: o nada
é o pólo negativo; e o espírito e a
matéria, ou, para falar em linguagem
mais precisa e adequada, o sujeito e o
objeto, ou a consciência e o movimento, como termos essenciais e necessários do conhecimento, são os
dois pólos positivos da existência.
Mas esses dois últimos princípios, o
sujeito e o objeto ou a consciência e o
movimento, não são simples relações.
São, pelo contrário, duas posições
absolutas. O que quer dizer: são realidades, existências fenomenais, ou
146
“alucinações verdadeiras”, segundo a
palavra célebre de Taine.
BRITO, Raymundo de Farias. O Mundo Interior. Rio de Janeiro, Instituto
Nacional do Livro, 1951. p. 264.
Aí se vê esboçada pelo filósofo pátrio a diretriz
essencial de uma teoria do conhecimento, já não tanto
comprometida com a discussão em torno do clássico
problema da relação sujeito-objeto, mas enfatizando a
questão da interação consciência-movimento, ou
consciência-mundo. Essa atitude denuncia que não lhe
satisfazem nem o racionalismo nem o empirismo, cujas
posições procura combater.
O pensador cearense jamais erigiu a razão como
instrumento de garantia do conhecimento nem como
fonte da construção da realidade, como que pressentindo
os desvios teleológicos das racionalidades subjacentes
aos processos culturais e às civilizações, responsáveis
em grande parte por um mundo marcado pela incerteza.
A razão britiana não é a razão do racionalismo
emergente das “revoluções científicas” que vêm re fabricando o mundo com visíveis ameaças à potencialidade de realização do homem como liberdade.
Por seu turno, a via empirista interditara a
solução de um dos mais preocupantes problemas postos
à meditação de Farias Brito, qual seja a questão da
moral. É quase certo que esta questão o tenha levado a
conceber a filosofia, num determinado momento, como
sendo, na prática, a religião, como fator de orientação
moral.
147
A todas as ciências ou grupos de
ciências de que temos até aqui
tratado, é preciso ainda acrescentar a
psicologia transcendente ou metafísica. A esta corresponde na prática a
religião.
BRITO, op. cit., p. 34.
Páginas adiante o pensador cearense retoma o
tema, na sua angústia em torno da clareza das idéias:
... o que significa que a religião não é
ciência, mas tem por fundamento a
ciência; não a ciência da matéria,
destinada a servir como instrumento
da ação sobre os elementos exteriores,
ou segundo uma fórmula mais precisa,
destinada a estabelecer o domínio do
homem sobre a natureza; mas a
ciência do espírito ou a filosofia
moral destinada a orientar-nos na vida
e a estabelecer o domínio do homem
sobre si mesmo.
BRITO, op. cit., p. 88.
Claro está, mais uma vez, que na ordem do
pensamento britiano não há lugar para uma visão
mística da existência humana e do universo. A religião
que preconiza é a articulação da moralidade com os
padrões teóricos da especulação metafísica. É a ação
148
refletida que conduziria o homem, não ao culto de
qualquer entidade, mas ao abrigo da verdade como
teleologia permanente do espírito.
Desse modo, a teoria britiano do conhecimento se
distância a cada passo da epistemologia naturalista em
busca de um outro ponto de reflexão que não tomasse
como pressuposto aquelas categorias comprometidas
com o cientificismo em geral. Existe explícito em Farias
Brito o propósito de fundar as ciências em alicerces
rigorosos, distintos daqueles que sustentavam o espaço
das investigações com as quais ele entrou em contato no
seu processo de formação.
O reducionismo naturalista fazia do discurso
físico-matemático e da observação das diversas regiões
da natureza as únicas atitudes compatíveis com o
processo global do conhecimento.
As ciências do espírito eram relegadas a segundo
plano ou simplesmente rejeitadas as suas aspirações, por
força de um apego generalizado ao observacionismo e
ao experimentalismo. O que transcende a órbita do
universo corpóreo fica por conta das “divagações
cerebrinas”, na linguagem de Augusto Comte,
subjacente ao triunfo momentâneo do materialismo em
geral.
Farias Brito levanta sua voz contra essa atitude,
afirmando que
Não é necessário insistir para tornar
patente a verdade desta conclusão: a
psicologia é essencialmente diferente
de todas as outras ciências. Em outros
149
termos: a ciência do espírito difere
radicalmente das ciências da matéria e
jamais poderá ser como estas, redu zida a sistematizações rigorosas e a
fórmulas precisas Além disto, difere
também essencialmente das mesmas,
por sua significação prática. Com
relação às ciências da matéria pode
dizer-se que o conhecimento é generalizado em conceitos e sistematizado
em leis, e ao mesmo tempo consolidado em livros. A ciência é assim
uma espécie de arquivo do pensa mento, e bem coordenados os docu mentos, compreende-se que não é
difícil determinar a posição precisa de
cada idéia, ou fazer a interpretação
rigorosa e segura de cada fato.
BRITO, op. cit., p. 25.
No movimento do pensamento britiano fixado
nestas e em outras passagens, não podemos negar a
influência de Bergson. E é natural que isto ocorra, uma
vez que o pensador francês também mantinha preocupações idênticas relacionadas com o universo da
atitude científica, distinguindo desta a atitude filosófica,
na mesma tentativa de restaurar o valor da metafísica,
minado pelos ataques do materialismo em geral e,
principalmente, pelo positivismo. Mas na mesma ordem
de influência poderíamos colocar W. Windelband que,
em 1894, no seu célebre discurso reitoral intitulado
150
História e Ciência Natural, propõe a divisão das
ciências em nomotéticas e ideográficas, estabelecendo a
distinção entre o reino da natureza e o reino do espírito
nos procedimentos do conhecimento, distinção que deve
ser vista apenas a estrutura lógica dos atos
epistemológicos e não nos objetos, já que ambas as
ciências são empíricas. As ciências nomotéticas a bordam a natureza com a finalidade de penetrar na sua
estrutura legal, constatando suas leis e explicitando o
curso das suas transformações, enquanto as ciências
ideográficas ou históricas tratam do indivíduo e dos
valores por ele produzidos, na sua espec ificidade.
Não diria que Farias Brito, ao manifestar suas
preocupações com o problema, estivesse diretamente
influenciado pelos neo-kantianos de Baden, mas que
houve uma simples coincidência de pontos de vista.
De qualquer forma, trata-se de orientações
assumidas com o nítido caráter de inconformismo frente
às categorias de pensar que não conseguiam ultrapassar
as aporias surgidas no percurso das tentativas de
reconstruir o discurso da metafísica.
O momento de Farias Brito no pensamento
brasileiro é marcado pelo aprofundamento da
problemática epistemológica que atinge a sua
importância na medida em que a volta ao sujeito se
coloca no cerne das suas preocupações. Esta volta ao
sujeito é que vai possibilitar a retomada do caminho
originante do pensar, a partir da reflexão centrada em
torno da consciência.
151
A consciência é, pois, o fato primordial da natureza, espécie de ponto
de contato entre dois mundos de que
um é a imagem do outro. Realidade de
um lado e conhecimento do outro
como imagem da realidade – eis tudo
o que existe, poder -se-á, pois, dizer.
Mas no fundo dessa dupla manifes tação será necessário reconhecer a
consciência, sem a qual não se
poderia compreender, nem uma nem
outra cousa. De maneira que, além da
realidade exterior que se desenvolve
no espaço e no tempo, impõe-se a
existência de uma realidade interna,
de uma atividade de ordem psíquica,
cuja essência consiste exatamente
nessa consciência que é o princípio
mesmo produtor do conhecimento.
BRITO, op. cit., pp. 278-79.
A consciência colocada como o princípio
produtor do conhecimento faz com que Farias Brito
suscite a discussão mais importante que deveria ser
travada em nossos dias em torno da primazia do sujeito
humano na reelaboração do caminho através do qual se
possa encontrar o lugar da vivência do real.
A volta ao sujeito, preconizada por Farias Brito,
determinaria o rompimento com a operacionalidade de
vários conceitos e um retorno à consciência como o
152
tema capital a partir do qual a questão do conhecimento
seria inteiramente reformulada.
Eis o que vimos acentuando como sendo a
característica fundamental da contribuição britiana à
afirmação do pensamento brasileiro.
Parece-nos que o pensar pátrio da contemporaneidade se articula com a universalidade, a partir da
sua decidida vocação para a inserção nos debates
relacionados com as inúmeras circunstâncias que assinalam a presença do homem no mundo. Por isto mesmo,
a volta ao sujeito, à consciência, é o acontecimento mais
importante a ser acentuado no pensamento brasileiro
contemporâneo, a partir de Farias Brito,pelo menos nas
camadas mais representativas da meditação filosófica.
Mas este retorno não se dá em condições semelhantes
àquelas verificadas a partir do século dezesseis, por
demais conhecida entre os trabalhadores da filosofia.
Pelo contrário, trata-se de erigir a consciência como
único privilégio do conhecimento e como a instância
suprema de garantia da evidência.
Por outro lado, não há como negar a importância
que assumem os intrincados problemas da liberdade,
quando os pensadores contemporâneos buscam dirigir
suas investigações no espaço do fluxo do sujeito. Toda a
problemática filosófica é redimensionada nesta perspectiva, com a finalidade de trazer soluções capazes de
expressar o sentido e o significado de um dos temas que
há milênios inquietam o homem. A análise viável e o
suporte epistemológico dos seus resultados estão
situados do lado do sujeito e não do objeto.
153
Parto deste princípio: o fundamento
real, o critério último de toda a
verdade é o testemunho direto da
consciência, de modo que para mim
quando qualquer conhecimento estiver
de acordo com esse testemunho, é
verdadeiro; quando em desacordo com
ele, é falso. E é o que não depende de
prova, porque não se ignora que a
consciência é o órgão mesmo do
conhecimento, sendo que nenhum
conhecimento pode haver que não seja
transmitido por esse órgão, nem pode
ser verdadeiro sem que esteja em
conformidade com ele. Isto poderia
ser dito ainda mais claramente afir mando-se que fora dos limites da
consciência nenhum conhecimento é
possível, sendo evidente que não
podemos conhecer uma cousa de que
não temos ou não podemos ter representação na consciência.
BRITO,
Raymundo
de
Farias.
Finalidade do Mundo. Rio de Janeiro,
Instituto Nacional do Livro, 1957, v.
1, 2ª ed., p. 35.
Note-se que quanto a esta posição o pensador
pátrio se mostra seguro desde os inícios da sua produção
filosófica. O primeiro volume da obra acima citada, na
sua primeira edição, data de 1895. E nenhuma mudança
154
encontramos na sua última obra O Mundo Interior, de
1914, largamente citada neste trabalho.
Tal filosofia do espírito ou da consciência traz
explícitas as categorias de uma nova diretriz
epistemológica e nunca a intenção de sustentar
doutrinariamente o espiritualismo, conforme durante
tanto tempo vinha Farias Brito sendo interpretado.
Talvez pelo fato de ter sido ele um dos mais autorizados
críticos do materialismo no seu tempo, restou-lhe a
equívoca atribuição de espiritualista. Esquece a maioria
dos seus críticos do fato de que a filosofia do espírito
resulta de uma atitude crítica e não implica a inserção
do homem no reino das crenças na sobrevivência do
espírito... Por outro lado, nada impede que o pensador,
ao se deter na análise de um problema, possa operar com
categorias hauridas daquilo que vulgarmente se c hama
de materialismo, sem ferir as suas convicções religiosas.
Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a
dicotomia materialismo -espiritualismo tem pouca ou
nenhuma significação no contexto geral das inves tigações filosóficas. Tais expressões são freq üentes nos
espíritos leigos em matéria de filosofia e denotam
sempre e em primeiro plano as preocupações de ordem
religiosa. O materialista é visto como aquele que só
acredita no Universo corpóreo como existência concreta.
Neste sentido, Farias Brito não foi materialista. Já o
espiritualista representa a figura daquele que coloca o
espírito enquanto vida triunfante como existência
verdadeira e guardiã da perenidade que, em última
instância, ultrapassa a própria condição humana.
155
Também nesta perspectiva o pensador cearense não foi
espiritualista.
Seriam ociosas estas considerações e até des propositadas as incursões em torno de problemas já tão
discutidos e incorporados à ordem do senso comum.
Mas não nos iludamos. É exatamente esta perspectiva
que foi tomada pelos críticos de formação católica, no
calor do momento de renovação espiritual, para
“propagar” a obra britiana. Felizmente, estudos recentes
vêm mostrando o equívoco dessa orientação, situando o
itinerário intelectual do mestre cearense como um dos
instantes mais salientes da afirmação da maturidade do
pensamento nacional.
2. O Momento de Miguel Reale
Miguel Reale (1910-) representa a fase mais
significativa de toda a história do pensamento brasileiro.
Não se trata de afirmação gratuita como poderia parecer
à primeira vista, já que a crítica assim se tem
reiteradamente manifestado em relação à obra do
pensador paulista.
De fato, todo o esforço da meditação brasileira,
desde a sua proto-história, encontra em Reale a
configuração que expressa claramente a amplitude de
uma problemática que sempre esteve presente, de uma
forma ou de outra, nos seus momentos mais relevantes:
o homem como consciência.
A sua caminhada de pensador emerge de
preocupações com o universo das indagações jurídicas
156
já no alvorecer da juventude, enquanto ainda estudante
de Direito. Aos poucos, a inquietude do pensar vai
afastando-o das questões meramente dogmáticas para
conduzi-lo ao campo da indagação sobre os fundamentos
do Direito, o que redundaria no seu coroamento como o
primeiro grande jus-filósofo brasileiro reconhecido
internacionalmente.
Do plano das indagações jurídico -filosóficas, o
itinerário do pensamento realeano caminha decisiva mente para uma concentração nos problemas
estritamente filosóficos. A ensaística especulativa que
num determinado momento parecia se constituir num
derivativo de diletante, à margem de uma intensa
preocupação com a temática jurídica, vem cedendo o
lugar para um trabalho delineado no campo operacional
ditado pela inquietação filosófica. Esta atitud e, segundo
nos parece, pode ser verificada, como momento referência, no seu livro Experiência e Cultura (São
Paulo, EDUSP-GRIJALBO, 1977).
O incentivo e a dedicação ao estudo do pensamento brasileiro por parte de Miguel Reale, a partir da
fundação do Inst ituto Brasileiro de Filosofia, sugere
desde logo a intenção de estabelecer o diálogo com o
universo do discurso intelectual pátrio, como um meio
de distanciamento da subserviência aos padrões da
cultura alienígena e sem prejuízo do caráter universalista da construção do saber. Esta face da atividade
do nosso pensador caracteriza nitidamente o seu apreço
pelos problemas ligados às raízes da cultura brasileira,
como o solo de descoberta dos horizontes da histo 157
ricidade do destinar da brasilidade, não perdend o de
vista a sua condição de homem situado.
É o próprio Reale que explicita esta posição:
Essa compreensão plural do processo
histórico, segundo distintos plexos de
estimativas, denominei-a “historicismo axiológico”, muito embora o
termo “historicismo” possa dar lugar a
equívocas interpretações, tão forte é a
pressão ideológica exercida pelo
materialismo histórico. Desde que
admito a historicidade radical do ser
do homem, cuja pessoa emerge como
fonte de todos os valores, por ser o
homem o único ente que, de maneira
originária, é e deve ser porque é, não
vejo como se possa empregar outra
palavra que não seja “historicismo”.
REALE, Miguel. Experiência e cultura. São Paulo, EDUSP-GRIJALBO,
1977, p. 227.
Falando expressamente da cultura brasileira,
afirma o pensador:
É certo que, há bem poucas décadas,
nossa experiência cultural consistia
mais em uma atitude de perplexidade
e de indagação perante os resultados
oferecidos pela especulação européia,
158
do que em uma atitude de perplexidade e de indagação perant e problemas postos pos nós mesmos. Por tal
motivo, tornamo-nos extremamente
sensíveis a cada novo surto do pensamento europeu, participando dele
tão intensamente que cada geração só
tomava contato com a problemática
vivida em seu país pela geração
anterior, em virtude de um movimento
reflexo, ou como efeito de uma
“espelhação” alienígena. Essa forma
sutil de alienação impediu, durante
muito tempo, que se constituísse no
Brasil uma correspondência direta e
fecundante entre os próprios brasileiros, os quais, sem o perceber cla ramente, iam, todavia, assumindo
posição mais ou menos distinta
perante seus modelos preferidos.
REALE, Miguel. O Homem e seus
Horizontes. São Paulo, Convívio,
1980, pp. 114-15.
Assim, no processo de formação do pensamento
brasileiro, encontramos certas atitudes que se caracterizam por um verdadeiro maniqueísmo. De um
lado, apropriação pura e simples do pensamento
europeu, como a mais autêntica fonte de toda a
possibilidade de elaboração do conhecimento. De outro
lado, estabelecimento de fronteiras geográficas que
159
levassem à produção de um saber verdadeiramente
“tupiniquim”. Estas posturas contribuem, em grande
parte, para a ainda generaliza da intolerância ou
desprezo em relação à meditação brasileira, na medida
em que poucos se dedicam a um confronto de idéias
capaz de estabelecer os rumos da articulação do saber
com a ordem da universalidade.
Pode-se afirmar que é privilégio de Miguel Reale
o delineamento das instâncias do filosofar brasileiro,
com a delimitação dos problemas e a enfatização do
tema da consciência como a preocupação básica que
percorre o discurso da nossa especulação. (Cf. O
Culturalismo na “Escola do Recife”, in Anais do I
Congresso Brasileiro de Filosofia, São Paulo, Instituto
Brasileiro de Filosofia, 1950, v. 1, pp. 209-228). E ele
próprio representa a característica que teve a
oportunidade de acentuar como a marca dominante da
contribuição brasileira à filosofia. Com efeito, podemos
tomar como referência a obra acima indicada
(Experiência e Cultura) e outros escritos posteriores
para darmos conta de que o movimento do pensamento
de Reale caminha decisivamente para uma aproximação
cada vez mais clara das categorias do pensamento
fenomenológico.
Já nos seus primeiros trabalhos de natureza
filosófica, manifesta o seu apreço por Kant e pelo
kantismo em geral, cujas categorias de pensar permeiam
constantemente o seu lavor intelectual.
O desenvolvimento coerente da pers pectiva transcendental tem sido preo160
cupação diuturna de Miguel Reale,
notadamente a partir do ensa io “Para
um cr iticismo ontognosiológico”
(1953). Não se trata de restaurar pura
e simplesmente as teses kantianas.
Mas de descobrir o que têm de du radouro e, ao mesmo tempo, enriquecê-la à luz da meditação posterior
nelas inspirada.
PAIM, Antônio. Problemática do Culturalismo. Rio de Janeiro, PUC, 1977,
p. 31.
Ora, a perspectiva transcendental haurida das
posições kantianas vai ter um desenvolvimento
autônomo na caminhada do pensar realeano, até chegar à
noção de consciência transcendental, agora já
nitidamente inspirado em Husserl. Esta noção haveria de
conduzi-lo a um diálogo fecundo com a problemática do
conhecimento, no qual ainda são visíveis os seus
recursos ao kantismo, apesar de todo o esforço no
sentido de superá-lo. O caráter de dialeticidade do
conhecimento por ele defendido intransigentemente
parece o ponto de divergência mais relevante em relação
à atitude fenomenológica.
Com efeito, para Husserl, o conhecimento, em
última instância, é fruto da intencionalidade da
consciência que permite a doação originária do sentido
do mundo da vida. Mas o conhecimento tem como
garantia de sua evidência o plano da consciência como
ser absoluto. Portanto, fica claro o privilégio do sujeito
161
na elaboração dos processos do saber, embora a palavra
de ordem seja a volta às coisas mesmas, “em carne e
osso”. A objetividade será sempre constituída na
consciência, embora a priori material esteja na
realidade, cuja matéria-prima será sempre o solo próprio
da intuição do eidos do mundo da vida. Não é sem razão
que o próprio Husserl se confessa idealista, na quinta
das suas Meditations Cartésiennes. Constituir o mundo
na consciência e atribuir a esta a condição de
garantidora do conhecimento, implica a indagação sobre
o modo pelo qual o âmbito inteiro da realidade encontr a
nela a sua origem fundante.
Il faut donc faire comprendre
comment, sur um plan supérieur et
fondé sur ce premier, s’effectue
l’attribution à un objet du sens de
transcendence objectiva proprement
dite, seconde dans l’ordre de la
constitution; il ne s’agit pas ici de
mettre en lumière une genèse
s’accomplissant dans le temps, mais
d’une “anlyse statique”. Le monde
objectif est toujours déjà lá, tout fait;
il est uma donnés de mon expèrience
objective que se déroule actuelle et
vivante; et ce qui n’est plu s objet le
l’expèrience garde sa valeur sous
forme d’habitus. Il s’agit d’interroger
cette
expèrience
elle-même
et
d’élucider,
par
l’analyse
de
162
l’intentionalité, la manière dont elle
“confère le sens”, la manière dont elle
peut apparaitre comme expèrience et
se justifier comme évidence d’un être
réel et avant une essence propre,
susceptible d’explicitation, comme
évidence d’un être qui n’est pas mon
être propre et n’en est pas une partie
intégrante, bien qu’il ne puisse
acquérir de sens ni de justification
qu’à partir de mon être à moi.
HUSSERL,
Edmund.
Méditations
Cartésiennes. Trad. de Gabrielle
Pfeiffer e Emmanuel Levinas. Paris, J.
Vrin, 1953, p. 89.
A gênese em Husserl assume dois aspectos ou
modos que se desenvolvem em estreita articulação,
dentro daquilo que se denominou de gênese passiva e
gênese ativa. A gênese passiva compreende a
interioridade do meu próprio universo, com as suas
emoções, sentimentos, volições, hábitos e tudo mais que
emerge da estrutura do meu corpo. A gênese ativa
envolve a operância da atividade perceptiva da
exterioridade, isto é, todo o fluxo da consciência
intencional voltando para a busca do sentido, da
estrutura eidética da objetividade, como um dado que já
está aí, na envolvência do âmbito inteiro da experiência.
A interação consciência-mundo parece implicar
uma dialeticidade específica que supera as restrições de
Miguel Reale quando afirma:
163
Abstração de outros possíveis valores,
o criticismo ontognoseológico poderia
ser visto, de certa forma, como um
desenvolvimento a utônomo dado à fenomenologia husserliana, em virtude
de não me parecer que a experiência
cognoscitiva se verticaliza na subjetividade transcendental, tal como
ocorre na orientação conclusivamente
idealista do autor das Investigações
Lógicas, por ser só possível como
processo ontognoseológico, no qual
sujeito e objeto se co-implicam, um
supondo o outro e cada um deles irredutível ao outro, ambos tendo plenitude de sentido na unidade dialética
em que concretamente se insere.
REALE, Miguel. Experiência e Cultura. São Paulo, EDUSP-GRIJALBO,
1977, p. 107.
Ao contrário do que afirma o pensador paulista, a
experiência cognoscitiva não se verticaliza na
subjetividade transcendental, segundo a itinerante
investigação husserliana, dado que não exclui a co implicação sujeito-objeto nem a irredutibilidade de um
ao outro.
É claro que Husserl repele a substancialização do
sujeito, entendendo-se como simples lugar ideal onde se
instaura a possibilidade de vivenciação evidenciadora de
164
toda realidade, a partir do fluxo intencional da
consciência.
A divergência suscitada por Reale parece ser mais
o fruto do seu apego à idéia de uma res cogitans que
marcou profundamente a tradição do pensamento
ocidental do que mesmo a seqüência natural das suas
aproximações do universo fenomenológico. A sua tão
estimada “dialética da complementaridade” – haurida da
física, diga-se de passagem – traduz esta ânsia no
sentido de polarizar o processo epistemológico,
buscando nessa “polaridade-implicação” o momento da
contradição.
Ora, o sentido da contradição em Husserl é
esvaziado pela própria idéia de evidência. Vejo que algo
é contraditório porque tenho a evidência da sua contradição. É desta forma que o sentido da transcendentalidade husserliana se incompatibiliza com o
logicismo kantiano ao qual ainda se vê ligado, de certa
maneira, o pensamento de Reale.
Seja como for, não há como deixar de reconhecer
que a sua ontognoseologia vem demonstrando sucessivamente uma tendência a entrelaçar o âmbito das
categorias nela implicadas com a atitud e epistemológica
assumida em todo o seu rigor pela fenomenologia.
Poder-se-ía afirmar que para aqueles
que optaram, como é o meu caso pela
prévia indagação ontognoseológica, o
que se impõe é principiar (no duplo
sentido desta palavra densa de significados) pela análise fenomenológica
165
do ato intencional que correlaciona
um sujeito a um objeto, ou, mais
genericamente, a subjetividade à
objetividade, na co-implicação EuMundo.
REALE, Miguel. O Homem e seus
Horizontes. São Paulo, Convívio,
1980, p. 69.
Nada mais próximo da atitude fenomenológica do
que as peremptórias afirmações de Reale no seu último
livro.
Ao longo da leitura de suas últimas obras, o
pensador paulista nos deixa a impressão de um espírito
que se encontrou definitivamente com Husserl e seus
discípulos mas não quer se declarar na mesma área de
confluência. Com tal atitude, naturalmente deseja man ter as categorias próprias por ele consolidadas ao correr
da sua meditação filosófica e incorporadas ao espaço da
compreensão das gerações que já se d ebruçaram sobre a
sua produção intelectual. Trata-se apenas de uma
hipótese contida nesta afirmação, cujo limiar da pro babilidade nem sequer nos arriscamos a descortinar nos
horizontes de um trabalho que espelha esforço e
pertinácia. Em todo caso, quando percebemos o
pensamento realeano esmiuçando a problemática do
conhecimento e se defrontando com questões já tratadas
exaustivamente pelos fenomenólogos, o desacordo
momentâneo parece mais um exercício contra a
evidência do que a tentativa de superar a próp ria
fenomenologia.
166
Não à guisa de conclusão, mas como
simples projeção na linha do horizonte, diria que, enquanto no universo
da cultura o centro está em toda parte
e a circunferência até onde possa
atingir nossa energia perquiridora, o
centro da cogitação metafísica se situa
em cada consciência intencional e a
circunferência em nenhuma, o que nos
leva a crer sermos uma ilha de problemas circundada por um oceano de
mistérios.
REALE, op. cit., p. 73.
Está aí configurado o caráter de infinitude da
órbita do filosofar e a permanência da incompletude do
saber, por mais que a caminhada do espírito abrigue o
desejo insaciável de encontrar pontos claros, espaços
precisos na vivência originária do real. A apoditicidade
é apenas um alvo a ser atingido, um possíve l lançado à
atividade eidética que conduziria à estruturação do
mundo na consciência como ser absoluto.
A nossa modesta tentativa nestas considerações
sobre o papel de Reale no pensamento brasileiro é
mostrar, como já dissemos, a maneira pela qual a trilha
da meditação pátria atinge nela o exemplarismo da
busca ou “centralização” da consciência como atmosfera
ensejadora de toda leitura da realidade. Os seus debates
com a filosofia moderna e, recentemente, com o
pensamento fenomenológico-existencial confirma m se167
guramente esta tendência que se tornou inexorável a
partir do diálogo estabelecido com Kant, de cujo
pensamento é respeitável conhecedor. A linha ascen dente da sua trajetória culmina com uma preocupação
fecunda em torno da interação consciência -mundo e da
historicidade do homem.
Desse modo, nem o “real em si”, nem
o “sujeito em si” são concebíveis
separadamente: o que marca a finitude
do homem são a ambivalência e a
provisoriedade de tudo aquilo que ele
constrói, sendo a cultura o grande
envolvente, ou, como digo, empres tando ao termo significado diverso
predominantemente gnoseológico que
lhe dá Husserl, o horizonte global do
homem na totalidade de sua experiência histórica, sempre in fieri.
REALE, op. cit., p. 37.
O problema da cultura concebida como “horizonte global” do homem está presente em cada passo
das cogitações do nosso pensador, dentro da ampla
esfera das categorias filosóficas, fato que, necessariamente, levou seus intérpretes a situá-lo como a
mais representativa figura do culturalismo no Brasil, em
virtude da sua ânsia em torno da explicitação da
ontologia do mundo da vida na visão husserliana. Não é
nosso propósito tratar dessa questão que comportaria
longas disquisições e um debate extrapolante do intuito
168
que vimos percorrendo, assim como desejo nosso não é
também penetrar na sua densa obra de jus -filósofo. O
que objetivamos deixar patente é o expressivo
significado da presença de um pensador que representa,
em termos de esforços meditativo, a maturidade de
produção filosófica brasileira, abrindo novos horizontes
no plano da expressão espiritual pátria que assume nos
nossos dias o seu papel mais elevado.
169
CONCLUSÃO
A nossa incursão em torno dos caminhos da
formação do pensamento filosófico brasileiro, desde a
sua proto-história até os dias atuais, teve como objetivo
essencial trazer à luz as etapas decisivas que vêm
marcando as aberturas ou mostrações de problemas
subordinados a uma preocupação dominante com a
questão do homem. Tentamos deixar claro que as
correntes filosóficas estrangeiras foram contextualizadas
no Brasil com uma certa cautela e, por isto mesmo, não
podem ser consideradas como simples transposição de
categorias que ganharam foros de escolas ou sistemas na
Europa.
Ao situar os pensadores, escolhemos aqueles que
nos parecem mais representativos dos seus momentos,
com vistas à elucidação do modo pelo qual as vigências
intelectuais européias foram assimiladas na ambiência
pensante formada pela nossa intelectualidade e buscando caracterizar o alcance dos seus esfo rços no
sentido de desdobrar os problemas filosóficos dentro de
uma certa autonomia.
Nesta perspectiva, chegamos à convicção de que
no ecletismo a figura de Gonçalves de Magalhães
representa o momento inicial da autonomia do pensamento brasileiro, uma vez que, não obstante influenciado por essa frágil corrente filosófica, o pensador
brasileiro contra ela se insurge em vários momentos,
mantendo suas posições próprias e contribuindo de
170
modo original para a solução de questões importantes
postas ao espiritualismo em geral.
Por outro lado, tentamos salientar a insig nificância do positivismo em termos de produção
filosófica entre nós, o que ao se constitui em nenhuma
novidade, já que o projeto de Augusto Comte previa o
papel secundário que a filosofia iria exercer.
O mesmo não se pode dizer do anglo -germanismo
que teve vasta repercussão nos nossos meios, acentuadamente no grupo de Recife.
O espírito do cientificismo propagado pelos
naturalistas ingleses e alemães foi a primeira influência
mais forte assimilada pelos intelectuais brasileiros, não
só pela repercussão que teve na Europa, como também
em virtude de incorporar um conjunto de categorias
marcadas pela fixação na matéria como objeto único do
qual promanariam todas as fontes do saber. Saber é
saber da matéria. Daí o impasse surgido no campo das
ciências do espírito e na vasta área das investigações
metafísicas em geral. Era impossível – como de resto
continua sendo – conciliar o fluxo da consciência com o
espírito de objetivação propagado pelo cientificismo de
maneira enfática, produzindo um sucesso inusitado ao
longo de toda a segunda metade do século dezenove.
Os problemas da psicologia e da metafísica
acabam por se transformar numa espécie de resíduo
especulativo oscilante e meio à positividade que se
constituía no núcleo das discussões do momento.
Quanto à psicologia, era necessário incorporá-la ao
âmbito do naturalismo o que iria determinar a formação
do experimentalismo dos “psicólogos de gabinete” como
171
diria Farias Brito, ou dos “psicólogos de escrivaninha”,
na expressão de Edmund Husserl. Duramente criticadas,
as discussões em torno da chamada psicologia científica
em muito contribuíram para o avanço das investigações
acerca da consciência, advindo daí a convicção cada vez
mais assentada entre nós de que o homem como
consciência é que deve ser considerado o centro da
meditação filosófica. É o que ocorre com Tobias
Barreto, Farias Brito e Miguel Reale, indicando apenas
os momentos mais expressivos no desenvolvimento
desta linha de pensar.
Os problemas metafísicos são enfrentados levando em conta os mesmos pressupostos, notadamente
no que diz respeito aos requisitos implícitos de uma
teoria do conhecimento.
A contribuição brasileira ao combate do cientificismo está no mesmo plano de igualdade em relaç ão
às demais que surgiram em várias partes do mundo. Para
constatar esta afirmação bastaria um confronto sumário
entre O Mundo Interior, de Farias Brito, e A Filosofia
como Ciência de Rigor, de Edmund Husserl, o mais
autorizado crítico do naturalismo.
A universalidade do pensamento brasileiro nem
sequer foi colocada em discussão, uma vez que a
meditação filosófica não comporta fronteiras geo gráficas e os nossos pensadores emergem exatamente do
âmbito dos debates que ressoam na inteligência da
ocidentalidade.
A brasilidade dos ilustrados pátrios jamais
implicou a ruptura com as categorias universais da
filosofia e, por isso mesmo, não poderia imaginar um
172
pensamento cujo objeto estivesse centrado no “pau brasil” ou na exoticidade das tribos indígenas. Soube ram os filósofos brasileiros dialogar com o espírito
europeu em geral, mantendo sua linha de independência
e trazendo contribuições efetivas à solução de
problemas inquietantes em torno dos quais se debatiam
os grandes centros pensantes do mundo.
Com isto, a linha dominante na formação do
pensamento filosófico brasileiro, caracterizada pela
preocupação com o homem enquanto consciência, acaba
por ser uma espécie de vanguarda dos grandes pro blemas metafísicos emergentes na nossa contemporaneidade, todos eles voltados, de uma forma ou de
outra, para a mesma questão.
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