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J. Bras. Nefrol. 1996; 18(1): 44-46
V. R. Mello - Revisão/Atualização em Nefrologia Pediátrica
Revisão/Atualização em Nefrologia Pediátrica: Etiopatogenia da
síndrome nefrótica
Valderez Raposo de Mello
Diciplina de Nefrologia - Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São Paulo
Endereço para correspondência: Profª Dra. Valderez Raposo de Mello
Rua Dr. Cesário Motta Jr., 112 - CEP 01277-900 - Sta Cecília - São Paulo, SP
Tel. (011) 224-0122
A excreção de grande quantidade de proteína na
urina, principal característica da síndrome nefrótica
(SN), é decorrente de alteração da per meabilidade da
membrana basal glomerular (MBG).
Em animais de laboratório, estuda-se a filtração
de macromoléculas, empregando o dextran. Trata-se
de substância eletricamente inerte, não secretada ou
absor vida pelas células renais e cujo peso molecular
(PM) e carga elétrica, podem ser manipulados numa
ampla escala pelo experimentador.
Bohrer e colaboradores estudaram em ratos a
permeabilidade da MBG usando dextran de vários PM
e diferentes cargas elétricas. Verificaram que para uma
mesma carga, a filtração caía à medida que o PM aumentava, e que a MBG tinha afinidade maior pelo
dextran catiônico. 1
Estes experimentos mostraram que a seletividade
da MBG está na dependência de duas variantes, PM
e carga elétrica das partículas a serem filtradas.
A negatividade da MBG decorre da presença em
suas estruturas de:
Ácido siálico - uma glicoproteína que é responsável pela manutenção da integridade dos processos
podais das células epiteliais e de outros constituintes
da parede glomerular.
Heparan sulfato - um proteoglicano, mais diretamente ligado à função de barreira eletrostática do
glomérulo.
Investigadores como Robson, 2 Carrier 3 e colaboradores, levantaram a hipótese da ocorrência na SN
de uma provável alteração da negatividade da MBG.
A neutralização destas cargas aniônicas permitiria a
filtração exagerada de albumina, que ao pH do sangue é aniônica, tendo portanto em indivíduos nor-
mais, sua filtração restringida.
Levin 4 e cols demonstraram que estes fenômenos
de neutralização de cargas elétricas estendem-se também às hemácias e plaquetas. Encontraram ainda uma
proteína fortemente catiônica no plasma e urina de
nefróticos. Estes trabalhos sofrem contestação por
serem de difícil reprodução e o papel desta proteína
circulante em relação à SN é discutível.
Numerosas pesquisas vêm, nas últimas duas décadas, procurando correlacionar alterações imunológicas
à etiopatogenia da SN.
Em 1974, Shalhoub propôs que a SN por lesões
histológicas mínimas (LHM), onde praticamente faltam
alterações morfológicas, representasse mais um distúrbio generalizado do sistema imune, com manifestações renais, do que uma patologia renal primária. 5
Sua suposição baseou-se nas seguintes observações:
· Associação ocasional com doença de Hodgkin,
um linfoma das células T.
· Remissão com corticóides e ciclofosfamida, drogas que atuam sobre a imunidade celular.
· Remissão após infecção por sarampo, virose na
qual o agente se replica e sobrevive nos linfócitos T,
determinando depressão das reações imunitárias do
hospedeiro.
· Aumento da suceptibilidade às infecções
bacterianas, particularmente pneumocócicas, por defeitos adquiridos da imunidade humoral e retardada.
Várias outras anormalidades da imunidade celular
vêm sendo observadas nestes doentes tais como, diminuição das reações cutâneas de hipersensibilidade,
diminuição in vitro da blastogênese linfocitária e aumento de atividade das células supressoras.
Todavia, estas alterações não são privativas de SN
por LHM e poderiam ser mais consequência da SN
nefrótica do que sua causa.
Considerando essa possibilidade verificou-se que
linfócitos normais colocados em plasma nefrótico não
respondem aos estímulos mitogênicos, e um trabalho
mostrou estreita correlação entre a deficiência de
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transferrina que ocorre em SN e as respostas
proliferativas anormais. 6
Garin e col, nesta mesma linha, sugerem que o
aumento de produção de prostaciclina, encontrado na
SN, possa ser uma das causas da resposta inadequada
aos mitógenos. 7
Para Lenarsky e col, a hiperlipidemia seria a causa
das alterações imunitárias pois após remoção da fração lipoproteica, normalizam-se completamente. 8
Kobayashi, investigando anor malidades das células T em SN, estudou linfócitos de crianças com LHM
e outras glomerulopatias, encontrou subclasses de
linfócitos T alteradas nas duas variedades de lesões e
postulou que estas alterações
seriam mais conseqüência do estado nefrótico que causa etiológica. 9
Apesar da etiopatogenia imunológica da SN ser
genericamente aceita, há poucas evidências in vivo de
sua comprovação.
Ensaios realizados em crianças
portadoras de SN detectaram níveis elevados de SIL 2R, um receptor solúvel de interleucina 2 (IL - 2),
tanto na urina como no soro, o que demonstra que
não se trata apenas de um aumento da produção
intrarenal, e fala a favor da imunopatogênese da SN. 10
Outras pesquisas envolvendo o receptor SIL - 2R,
consideram que representa o fator inibidor da resposta mitogênica presente no soro de pacientes com
SN.11
Na SN descompensada, existem ainda alterações
nos níveis séricos das imunoglobulinas. Estão muito
diminuídas a IgG e a IgA enquanto que as dosagens
de IgM são muito elevadas, podendo persistir altas
mesmo nos períodos de remissão.
In vitro culturas de células B e T de criança com
LHM, mostraram que a produção de IgG e IgM é controlada por linfócitos T CD4+, e que as células B de
nefróticos, associadas a células T CD4+ de indivíduos
normais, produzem quantidades nor mais de IgG. 12
As dosagens séricas de IgE também são altas em
LHM, provavelmente como resultado da tendência
para atopia (entre 30 - 60%) presente nestes doentes
e seus parentes de 1º grau. Atualmente tem sido proposto que a elevação de IL4 que vem sendo demonstrada no soro destes doentes, em associação à IgE aumentada poderia ter papel patogenético na SN. 13
O complemento sérico apresenta-se dentro dos
valores normais e às vezes aumentado nos nefróticos
descompensados, todavia pode haver perda urinária
dos fatores I e B 14 que participam da via alternativa;
o que naturalmente tem repercussão no estado imune
tornando os doentes extremamente suceptíveis às in-
fecções, inclusive peritonites.
Dentre os fatores catiônicos com capacidade de
interferir in vivo na negatividade do MBG, está o PAF
(fator de atividade plaquetária) o qual em animais de
laboratório induz proteinúria e perda de cargas
aniônicas. 15
Foi Shalhoub quem primeiro sugeriu que as células
T dos pacientes com SN liberassem um fator com
potencialidade para lesar a MBG. 16
Lagrue 17 localizou um proteína 12 K Da produzida por linfócitos do sangue periférico de nefróticos
com LHM, após estimulação por concanavalina A. Esta
proteína seria um fator de permeabilidade vascular
(VPF). O VPF pode ser obtido de pacientes com outros
padrões de SN e de portadores de vários tumores.
Alguns
pesquisadores
demonstraram
que
sobrenadentes destas mesmas células, retiradas do soro
de nefróticos descompensados, têm capacidade de remover ou neutralizar o polianion glomerular. 18
Koyama e col, utilizando híbridomas de células T
originárias de linfócitos T do sangue de nefróticos
descompensados, conseguiram causar em ratos
proteinúria prolongada e fusão parcial dos podócitos,
sem outras alterações histológicas importantes, ou depósitos imunes. O exame à microscopia eletrônica foi
sugestivo de modificação de negatividade da MBG.
Este fator de permeabilidade glomerular (GPF) aumenta a proliferação dos linfócitos induzida pela
concanavalina A. 19
Uma outra linfocina solúvel supressora da resposta imune (SIRS) foi obtida do soro de um nefrótico
córtico-dependente por Schnaper e col. 20 Tem PM 110
a 150 K Da e é composta por subunidades de 10 a
15 K Da. É produzida por células T CD8+, e requer
ativação por macrófagos e imunoglobulinas produzidas por células B.
A terapia com esteróides diminui a produção de
SIRS in vivo e sua concentração no sangue e urina
decresce antecedendo a remissão da SN.
Não se acredita que o SIRS tenha ação na perda
do polianion glomerular mas sim, na diminução das
respostas imunitárias que acompanha a nefrose, pois
possuem atividade supressora sobre a formação de
anticorpos e sobre as respostas de hipersensibilidade.
Provavelmente nos próximos anos, novos estudos, per mitirão avaliar a importância real de todos
estes conceitos que vêm sendo acumulados, a um
bom conhecimento da etiopatogenia de SN e a condutas mais adequadas e eficazes no tratamento dos
pacientes.
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