DEMOCRACIA ELETRÔNICA PARA QUEM? COMPREENDENDO A DEMANDA DO PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS DO BRASIL ELECTRONIC DEMOCRACY FOR WHOM? UNDERSTANDING DEMAND OF BRAZIL'S CHAMBER OF DEPUTIES WEBSITE MAX STABILE MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, PESQUISADOR DO LABORATÓRIO DE PESQUISA EM COMPORTAMENTO POLÍTICO, INSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS − LAPCIPP E MEMBRO DO GRUPO DE PESQUISAS EM DEMOCRACIA DIGITAL DO INSTITUTO DE CIÊNCIA POLÍTICA. E-MAIL: [email protected] RESUMO Este artigo se propôs a responder em que medida todas as possibilidades de interação ofertadas pelo Portal Web da Câmara dos Deputados do Brasil atendem às necessidades de interação política dos cidadãos. Quem são os usuários dessas novas ferramentas? Qual a avaliação que fazem desses novos canais? Para isso utilizou duas metodologias distintas. A primeira consistiu em analisar as estatísticas de acesso ao Portal; a segunda, na condução de uma pesquisa on-line para coletar a opinião dos usuários. A tese defendida é de que o ambiente on-line de interação que o Portal proporciona é um “espelho ampliado” do ambiente de interação política tradicional, pois jovens o estão utilizando mais e usuários com baixa escolaridade e renda buscam canais de contato e participação política. O cidadão que possui menor possibilidade de articulação na política tradicional está utilizando a internet para se mobilizar politicamente. PALAVRAS-CHAVE: Democracia eletrônica, pesquisa on-line, estatísticas de acesso Web, participação política. ABSTRACT This article is proposed to respond to what extent all the possibilities of interaction offered by the Brazil’s Chamber of Deputies Website meet the needs of citizens ' policy interaction. Who are the users of these new tools? Which the evaluation that make these new channels? For that were used two different methodologies. The first consisted in analyzing the statistics of access to the Website; the second, in conducting an online survey to collect the views of users. The thesis is defended that the online environment provides Portal interaction is a "mirror magnified" traditional policy interaction environment, because young people are using more and users with low education and income seek contact channels and political participation. The citizen who has less possibility of articulation in traditional policy is using the internet to mobilize politically. KEYWORDS: E-democracy, Websurvey, Web access statistics, political participation. 1. APRESENTAÇÃO Este artigo visa responder em que medida o Portal da Câmara dos Deputados do Brasil atende as necessidades de interação política do cidadão que utiliza o Portal como um novo canal institucional de participação, interação e informação política. Subentende-se por cidadão, todo e qualquer indivíduo com acesso a internet e que acesse o Portal da Câmara, mesmo que esporádico. Subentende-se, por interação política, toda e qualquer ação realizada pelo cidadão no ambiente do Portal. Analisando-se a oferta de conteúdo e de canais de interação política, o Portal da Câmara é um dos melhores da América Latina em diversos quesitos (BRAGA, 2007). Possui ampla oferta de informações sobre a legislação brasileira, o perfil dos Deputados Federais e a transparência pública. Possibilita amplo acompanhamento das atividades legislativas, além de disponibilizar canais de participação para o cidadão. O foco deste artigo foi a demanda. O objetivo foi identificar qual a interação existente nos usuários do Portal e como eles avaliam o conteúdo, os canais de interatividade e a participação política ofertada. Para cumprir com esse objetivo, portanto, três aspectos essenciais são necessários: o primeiro deles é entender quem é o cidadão que acessa o Portal da Câmara; o segundo aspecto trata-se de tudo o que se relaciona com as interações feitas no Portal, ou seja, entender o acesso e quais são os conteúdos mais acessados pelos usuários; o terceiro aspecto envolve a avaliação do Portal e responder em que medida os canais ofertados e acessados pelo cidadão o satisfaz em sua necessidade de interação política. de novas ferramentas e possibilidades de interação entre cidadãos e atores políticos. Contudo, cabe ressaltar que esses novos desenhos institucionais aqui abordados, não estão descolados de uma discussão teórica anterior da Ciência Política. Exemplos dessa ligação entre abordagens tradicionais e desenvolvimento desses novos desenhos institucionais seriam: ao analisar uma ferramenta de participação direta do cidadão na condução de políticas públicas, esse novo desenho institucional não está dissociado das teorias tradicionais como a participacionista; um portal que foca principalmente na oferta de informação (notícias) para os usuários está consoante a uma visão shumpeteriana, que não privilegia a participação. Pretende-se, com este conceito/definição, adotar uma visão multidimensional, em que se assumem características de várias teorias de forma a agregálas ou combiná-las em todas as suas possibilidades. O objetivo em adotar essa definição multidimensional é a capacidade de construir um modelo amplo de pesquisa que possa contemplar não só análises distintas, como soluções e propostas factíveis. Como Norris (2001) argumenta, se deixar-se a cabo somente a interpretação da democracia eletrônica participacionista, se concluirá quase sempre que a internet tem falhado. Por outro lado, se considerar-se apenas o ideal liberal concorrencial ao analisar a Web, se perderá uma parte substancial e importante que é a interação “Web cidadão governo” de forma ampliada. 1.1 A DEMOCRACIA ELETRÔNICA 1.2 O DESAFIO DA PARTICIPAÇÃO Entre as diversas definições de Democracia Eletrônica (ou Democracia Digital) adotou-se, neste artigo, a seguinte: Para se entender a participação on-line é necessário entender a participação política tradicional. Quatro modelos que podem explicar o porquê da participação política serão aqui abordados (AVELAR, 2007). Democracia Eletrônica é o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) por qualquer ator político – governo, sociedade civil, políticos, candidatos, cidadãos – para aumentar as possibilidades democráticas de um sistema político institucional vigente. (HACKER; VAN DIJK, 2000). Esta definição de Democracia Eletrônica abrange a criação de novos desenhos institucionais por meio O primeiro modelo é o da centralidade e propõe que a intensidade da participação varie conforme a posição social do indivíduo, pois quanto mais central, do ponto de vista da estrutura social, maiores a participação e o senso de agregação. Ou seja, mesmo indivíduos em grupos de baixo nível 2 participativo, mas que são centrais em alguns aspectos como educação e exposição de informações terão uma tendência maior a ser um focalizador da sua participação. O segundo modelo, o da consciência de classe, é a ideia de que o indivíduo só irá participar quando tiver noção de sua condição de desigualdade social na sociedade em que ele estiver inserido. Esse modelo justifica ações pedagógicas por parte de grupos minoritários que necessitam de maior mobilização social. O terceiro modelo é o da escolha racional. Para esse modelo o indivíduo irá participar se o custo da participação dele for menor que a expectativa de benefício/utilidade que ele terá. O quarto e último modelo trata da identidade. Por meio da experiência da participação haveria o processo de identificação e reconhecimento recíproco de identidades pessoais e coletivas. No ambiente on-line a questão motivacional ainda é um desafio a ser superado, como bem apontou Norris (2003), a simples concepção do incremento instrumental está longe de representar o consequente incremento à participação democrática. Eisenberg (2002), ainda vai mais longe ao afirmar que: As causas da apatia política no mundo contemporâneo são profundas e complexas, e dificilmente a internet, enquanto meio técnico de comunicação, será capaz de superá-las e resolver as crises de legitimidade das democracias atuais. Mossberger, Tolbert e McNeal (2008) chegam à mesma conclusão analisando surveys americanos. Os dados confirmam que, por enquanto, a participação política pela internet ainda tem servido como espelho da política comum, cidadãos mais educados e de classes mais altas estão se beneficiando dessas possibilidades. Krueger (2006) também afirma que a internet não tem feito com que novos cidadãos tenham se incluído no processo de participação política, mas, cidadãos com maiores habilidades em internet possuem maiores probabilidade de se mobilizarem on-line. O temor de que as possibilidades de participação digital poderiam exacerbar ainda mais as diferenças parecem, aparentemente, se concretizar. Mas há controvérsias. Alguns pesquisadores apontam que os dois tipos de participação são diferentes (KLING, 1999; BIMBER, 2000; KIESLER; LUNDMARK; KRAUT, 2000). A internet tem feito com que jovens participem mais (QUINTELIER; VISSERS, 2008). Possivelmente, pela maior capacidade de adotar novas tecnologias (OWEN, 2000). Gibson, Howard e Ward (2000) argumentam que a internet tem expandido o número de pessoas politicamente ativas, principalmente alcançando grupos que são tipicamente inativos e menos ativos no mundo off-line. Seu estudo é uma comparação entre os Estados Unidos, o Canadá, o Reino Unido e a Austrália. O trabalho de Rogério Schlegel (2009), utilizando dados do Latinobarômetro de 2007, demonstra que a internet tende a dar vozes a quem já tem, mas vai além. Mostra que, no Brasil, a educação teve um peso mais relevante que outras variáveis como renda e gênero. Peixoto (2008), com o orçamento participativo on-line da prefeitura de Belo Horizonte, e Grönlund (2003), que estudou o plano de desenvolvimento de uma municipalidade na Suécia, mostraram, em todos os estudos, que a participação on-line foi maior do que a participação off-line. As discussões travadas sobre quem participa no ambiente on-line são feitas, em sua maioria, por pesquisas de opinião, como os exemplos mostrados anteriormente. Os estudos enfocam as características do usuário participativo como possíveis variáveis explicativas. Um enfoque sobre outro ângulo pode ajudar a entender ainda melhor o fenômeno da participação on-line que é o estudo da oferta disponibilizada para que o cidadão participe. Afinal, a falta de participação on-line pode ter como causa, a falta de canais e ferramentas de participação. Mas, como medir a oferta? Uma alternativa seria medir os canais ofertados pelas instituições políticas. Nesse sentido, estudos como o de Batista (2003; 2006) mostram que portais de municipalidades locais em toda a América Latina vêm se desenvolvendo em termos de canais ofertados, a oferta vem crescendo desde 2002. Entretanto, a oferta participativa em termos eleitorais ainda não é boa. Brandão (2008) argumenta que, na campanha presidencial de 2006, as redes sociais foram utilizadas como novos 3 palanques. Norris em Pregando para convertidos (2003) afirma que os sites dos candidatos americanos não estimulam o diálogo entre os cidadãos e que, de certa forma, os sites dos partidos eram para os já partidários. A promessa da Web 2.0 de interação e compartilhamento de informações, também foi pouco incentivada. Avaliações dos portais governamentais têm sido feitas por acadêmicos com critérios normativos (CUNHA, 2000; SILVA, 2005; BATISTA, 2003; 2006; BRAGA, 2007) e, em todos esses estudos, a abordagem da oferta é pela quantidade (se tem ou não tem), em alguns casos pela importância, mas não abordam a qualidade. estatísticas de acesso do Portal da Câmara, pelo Google Analytics. O período de coleta dos dados começou em 21 de novembro de 2011 e se encerrou em 9 de janeiro de 2012. Em ambas as etapas, a pesquisa teve a autorização do Comitê Gestor do Portal, órgão responsável pela manutenção do Portal da Câmara dos Deputados do Brasil. 2.1 A PESQUISA ON-LINE Com base nesses estudos chega-se à conclusão que a oferta “oficial” de canais de participação e interação com o meio político é insuficiente e, principalmente, não acompanha a própria evolução da Web, como o uso das novas ferramentas proporcionadas pela Web 2.0. A pesquisa on-line desenvolvida não se encaixa exclusivamente nas categorias apontadas por Couper (2000). A pesquisa foi aberta, à medida que não houve nenhum controle ou restrição dos usuários em respondê-la, e foi divulgada na página principal do Portal da Câmara. A pesquisa foi também por lista, pois foi anunciada nos e-mails enviados pela Câmara em três serviços distintos. A amostra não é probabilística e não se pretende ser uma amostra de todos os usuários do Portal. Assim, quais são as razões para que o internauta não utilize ou não participe mais? Um dos motivos pode ser a dificuldade de acesso provocada pela má qualidade nos sites. Este artigo se encaixa justamente nesse ponto da discussão e pretende contribuir à medida que responderá qual é a avaliação que os usuários fazem das ofertas e, principalmente, qual é a demanda deles por esses novos canais de participação. A pesquisa começou a ser divulgada no dia 21 de novembro de 2011 no Portal e-Democracia e em alguns serviços de e-mails que a Câmara presta aos cidadãos, totalizando mais de 200 mil e-mails cadastrados e, no dia 28 de novembro de 2011, na página principal do Portal da Câmara. Além disso, a pesquisa também foi divulgada em Rádio para todo o Brasil, por meio da Rádio Câmara e pela Agência Câmara de Notícias. 2. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO1 Sendo o problema deste artigo responder em que medida todas as possibilidades de interação ofertadas pelo Portal da Câmara dos Deputados atendem às necessidades de interação política dos cidadãos, o desenho metodológico desta pesquisa teve o desafio de encontrar formas de observar quais são essas possibilidades, saber quem são esses cidadãos e qual é a interação feita por eles no ambiente do Portal. Duas formas de coleta de dados foram utilizadas. A primeira foi o desenvolvimento de uma pesquisa on-line com os usuários do Portal da Câmara. A técnica de pesquisa on-line, ou web surveys, já é conhecida nos estudos de Opinião Pública há pelo menos 15 anos (COUPER, 2000). A segunda ferramenta desenvolvida foi a utilização das A plataforma utilizada para o desenvolvimento da pesquisa foi o pacote LimeSurvey2, que é um software de pesquisa em formato aberto, programado em PHP e roda em um banco de dados MySQL, instalado em um ambiente Linux. Os questionários da pesquisa foram adaptados a um layout simples e leve, para que não prejudicasse usuários de conexões mais lentas. Todas as páginas da plataforma foram monitoradas pelo Google Analytics, possibilitando o controle em tempo real do andamento da pesquisa. Como medidas preventivas, o servidor foi programado para efetuar backups diários da pesquisa e do banco de dados, além disso, outro servidor dedicado ficou pronto para servir de “espelho” em caso de algum problema com o servidor principal da pesquisa. A pesquisa teve 1403 respostas nos 49 dias em que ficou on-line. 1 A base de dados, os questionários e as informações detalhadas dessa pesquisa estão disponíveis no site: <http://www.maxstabile.com>. 2 Mais informações sobre o LimeSurvey podem ser encontradas no site: <www.limesurvey.org>. 4 2.2 ESTATÍSTICAS DE ACESSO Qualquer página na internet está hospedada em um servidor, que é uma máquina conectada 24h à rede, com infraestrutura suficiente para receber o acesso dos usuários. Todo servidor registra cada movimentação que acontece em seus arquivos, quando foi acessado e quem o acessou. Assim, desde o começo da internet, as estatísticas de acesso eram analisadas pelos arquivos de registro dos servidores (log files). Analisar as estatísticas de acesso é a forma mais confiável, quando o objeto de estudo é um Portal na internet e suas interações no ambiente Web. As estatísticas de acesso são para o site o que um extrato bancário é para um correntista, a informação mais confiável sobre o que e quando acontece algo em sua conta. A ferramenta mais poderosa no registro e análise das estatísticas on-line é o Google Analytics, da Google. O Centro de Informática (CENIM) da Câmara dos Deputados começou a adotá-lo para o Portal apenas em julho de 2011, sendo que esteve operacional somente em agosto do mesmo ano. O autor deste artigo teve acesso completo e irrestrito a todos os módulos do Google Analytics do Portal da Câmara. 3. RESULTADOS Saber quem acessa o Portal é fundamental para entender qual a demanda que os usuários possuem. A literatura tradicional (ROSENSTONE; HANSEN, 1996; AVELAR, 2007) argumenta que cidadãos com posições de centralidade e, portanto, com menores custos de participação, tendem a participar mais. Para essa corrente, homens, indivíduos bem escolarizados e indivíduos com alta renda são bem posicionados socialmente e, portanto, participam mais na política. A análise descritiva da pesquisa indica parâmetros semelhantes que a literatura sobre participação tradicional cita como quem participa mais: 71,4% da amostra são homens; 67,5% têm Ensino Superior, seja incompleto ou em uma pósgraduação; e 31,2% possuem alta renda (mais que R$ 4.500 mensais de renda familiar). Quem mais acessa o Portal são Servidores Públicos (28,8%), destes, 65% são servidores do executivo. O dado demonstra que não é o acesso burocrático que corresponde pela totalidade dos acessos, ou seja, a Democracia Eletrônica aqui, não é uma exclusivamente para burocratas e profissionais da política já que este último representa apenas 23,6% dos respondentes que são economicamente ativos. Estudos em Democracia Eletrônica apontam que os jovens estão participando mais no ambiente on-line (QUINTELIER; VISSERS, 2008). Não é necessariamente o que acontece quando analisadas as estatísticas descritivas, pois 57,9% dos respondentes têm entre 41 e 65 anos de idade e 18% dos respondentes são aposentados. Uma possível explicação para o elevado índice de aposentados aponta para duas peculiaridades interessantes no Portal. A primeira delas, é que durante o período da pesquisa esteve em pauta na agenda da Câmara dos Deputados a Votação da PEC 270/08, que era de interesse direto dos aposentados. Inclusive, diversas manifestações nas dependências da Câmara dos Deputados foram feitas presencialmente por grupos de aposentados. Essa possível coincidência oferece pistas para entender a Participação do Portal como uma espécie de “espelho” da realidade política off-line. Afinal de contas, se um grupo de aposentados estava protestando nas dependências da Câmara, é de se esperar que também estivesse utilizando o Portal e fazendo suas manifestações pelos canais on-line disponíveis. Uma segunda peculiaridade faz com que esse debate seja ainda mais complexo. A pesquisa captou também, um forte vínculo de alguns grupos de usuários como, por exemplo, os Policiais (Militares e Civis) e Vigias/Vigilantes de Segurança, as duas categorias estão entre as dez profissões mais frequentes na pesquisa. Em ambos os casos, os dois grupos profissionais estavam interessados em matérias na pauta da Câmara dos Deputados e estavam se utilizando do Portal e dos canais de interação on-line existentes para protestarem. No caso de um Policial Militar, a participação on-line pode ser considerada uma forma de participação segura, à medida que a corporação impede diversas manifestações políticas e, no Portal, ele tem a possibilidade de se manifestar de forma anônima. Os Vigias/Vigilantes de Segurança, em sua maioria possuem baixa renda e escolaridade, mas também se aproveitaram das oportunidades oferecidas pelo Portal. Esses dois casos aparentemente mostram que a internet tem 5 sim, dado a oportunidade de participação para pessoas e grupos que não participam ou participam com menor frequência da política tradicional/offline. Essas evidências empíricas demonstram que o Portal da Câmara pode ser um “espelho” da realidade política off-line. Entretanto, é um “espelho ampliado” em que se veem muito mais grupos e pessoas participando e interagindo no ambiente político. Norris (1999; 2011) argumenta que os cidadãos estão se tornando cada vez mais críticos e, com isso, avaliando mal o governo e a democracia onde vivem. Inglehart (1999) demonstra que existe uma mudança no comportamento político dos cidadãos das democracias ocidentais: eles estão participando de formas distintas, não se sentem mais representados por partidos políticos e autoridades tradicionais. Se todas essas explicações ajudam a vislumbrar como o sistema político tem sido avaliado por parte dos cidadãos, é bem possível que ajude a entender também, como o usuário interage com o Portal da Câmara. As respostas dadas à pergunta “Qual a melhor forma de influenciar e realizar mudanças na política brasileira?“ demonstra que o usuário do Portal acredita que seja possível influenciar e realizar mudanças em comparação com a população brasileira (Gráfico 1). Além do mais, o usuário do Portal da Câmara possui um perfil “participativo” maior. Mesmo sendo a modalidade “Votar para eleger os que defendem sua posição” a de maior frequência, ela está apenas a três pontos percentuais na frente da segunda, “Participar de movimentos de protesto e exigir mudanças diretamente”. Quando comparados com os dados do Brasil (LAPOP, 2008), essa diferença cresce para 27,7 pontos percentuais. Apesar de ser apenas uma pergunta para medir uma dimensão extremamente complexa do comportamento político do brasileiro, essas duas modalidades ajudam a entender dois tipos de cidadãos distintos: aqueles que “preferem participar” e aqueles que “preferem votar” para influenciar na política. Essas duas modalidades serão utilizadas nos modelos de análise de regressão que posteriormente serão analisados. Outra característica que indica que o usuário do Portal possui um perfil participativo mais ativo que o da população brasileira é a participação em organizações da sociedade civil. Da amostra, 73,2% dos respondentes disseram não fazer parte de nenhum tipo de organização. A estatística é menor que da população brasileira. Utilizando os dados do LAPOP, pode-se observar que o usuário do Portal participa mais de instituições políticas tradicionais como Sindicatos e Partidos Políticos. Além disso, participa em maior medida de Organizações Governamentais, uma diferença de 22,4 pontos percentuais e, em menor medida, de algum grupo religioso3, conforme mostra o Gráfico 2. Além de mais participativos e engajados, conforme já mencionado, os usuários participam de formas distintas e em diversas organizações da sociedade civil e, em menor medida, de grupos religiosos. Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados; dados do Brasil provenientes do LAPOP 2008. GRÁFICO 1 Comparativo entre a opinião dos respondentes e a dos brasileiros em relação a melhor forma de influenciar e realizar mudanças na política brasileira. 3 A pergunta realizada no LAPOP era: “Por favor, informe se o(a) Sr./Sra. assiste às reuniões dessas organizações pelo menos uma vez por semana, uma ou duas vezes ao mês, uma ou duas vezes ao ano, ou nunca.” As estatísticas apresentadas se referem ao percentual de respostas que afirmaram assistir pelo menos alguma vez a alguma reunião. 6 em que parte dos usuários é participativo e engajado. Obviamente, o Portal sozinho não é capaz de fazer com que o cidadão melhore seu nível de satisfação em relação ao sistema político, mas pode vir a ser a alternativa de interação política para cidadãos que participam mais, que sejam mais críticos e exigentes com o sistema político e que justamente não estão satisfeitos com a relação política tradicional/off-line. Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados; dados do Brasil provenientes do LAPOP 2010. GRÁFICO 2 Comparativo entre os respondentes e os brasileiros em relação à participação em organizações. Esses dados reforçam o argumento de Norris (1999; 2011) e Inglehart (1999) de que os cidadãos críticos estão participando, mas de formas distintas. Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados; dados do Brasil provenientes do LAPOP 2010. 3.1 O QUE O USUÁRIO ACESSA E COMO AVALIA 3.1.1 UTILIZAÇÃO O questionário aplicado teve uma bateria de questões que indagavam por quais motivos o usuário acessava o Portal. As questões eram de múltipla escolha e estimulavam, em suas modalidades, as principais seções do Portal da Câmara. Segundo os respondentes da pesquisa, o acesso ao Portal é basicamente para “Acompanhamento de proposições legislativas”, onde 70% dos usuários afirmaram utilizar a seção e buscar “Notícias” (56%). Em terceiro lugar, “Informações sobre legislação” com 37,5%. “Buscar informações sobre os parlamentares” ficou em quarto com 35,5% seguido por “Transparência pública” 32,3%. As duas modalidades sobre participação e interação, “Buscar formas de entrar em contato” e “buscar meios de participar e interagir”, ficaram em sétimo e oitavo lugares respectivamente. Em último, “Buscar documentos e pesquisar”, com 22,8%. GRÁFICO 3 Comparativo entre a opinião dos respondentes e a dos brasileiros em relação à satisfação com o funcionamento da democracia no país. Os usuários do Portal são mais insatisfeitos com o funcionamento da democracia no Brasil que a população brasileira. O Gráfico 3 mostra que apenas 25,9% da amostra está satisfeita ou muito satisfeita, contra 64,7% da população brasileira (LAPOP, 2010). Esse dado revela primeiramente que os usuários do Portal são, em geral, mais críticos. O Portal representa um meio de interação de uma instituição com forte falta de confiança política que é a Câmara dos Deputados, em um ambiente Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados. GRÁFICO 4 Motivos pelos quais o usuário acessa o Portal. 7 Ao analisar as respostas entre os usuários que acessam o site com fins profissionais e aqueles que o fazem com fins de cidadania, vislumbram-se algumas diferenças importantes no perfil de acesso (Gráfico 4). Profissionais acessam em maior medida para fazer acompanhamento de proposições, acessar informações sobre alguma legislação específica, buscar documentos e pesquisar. Quem acessa para fins de cidadania acessa para buscar informações sobre parlamentares, transparência pública, buscar formas de contato ou meios de participar e interagir. As duas únicas categorias que não demonstraram diferença estatística no recorte são “Notícias” e “Agenda e pauta” 4. Portanto, começa-se a vislumbrar que profissionais da política (assessores parlamentares e jornalistas) e o cidadão comum têm interesses distintos ao acessar o Portal. Essas evidências descritivas apontam para um achado importante de que profissionais avaliam melhor o Portal que o cidadão comum. TABELA 1 Avaliação das seções do Portal da Câmara (em %). ITEM NOTAS 5E4 62,9 Acompanhamento de Projetos de Lei e outras proposições Conteúdo disponível sobre a 59,6 legislação Notícias 59,5 Documentos e pesquisas disponíveis 53,1 Agenda/Pauta da Câmara dos 48,2 Deputados Informações sobre os Deputados 44,2 Federais Formas de entrar em contato com os 36,4 parlamentares e/ou a Câmara dos Deputados Formas de participação e interação 33,0 Informações sobre transparência 30,6 Obs.: Avaliaram apenas aqueles que disseram já terem utilizado cada seção. O profissional é marcado, principalmente, por aspectos processuais, enquanto o cidadão representa, principalmente, os aspectos de participação e interação. Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados.. 3.1.2 AVALIAÇÃO 3.1.3 ANÁLISE EXPLORATÓRIA DOS DADOS: ANÁLISE FATORIAL Das nove seções estimuladas, para cada uma que o usuário disse que utilizava, foi perguntado que nota de 1 a 5 ele daria para a seção, sendo 1 a pior nota e 5 a melhor nota. A Tabela 1 revela que os aspectos processuais e informacionais são os melhores avaliados, à exceção das informações sobre transparência pública. Os dados já analisados demonstraram que existem usuários distintos para cada necessidade distinta. Analisar a utilização do Portal apenas pela variável “Razões do acesso” pode limitar a capacidade analítica e explicativa deste artigo. O acesso “Para fins profissionais” e “Fins de cidadania” pode ser completamente distinto para cada usuário. Acompanhamento de projetos, além de ser o item mais utilizado e mais disponibilizado pelo Portal, é o item melhor avaliado, 62,9% avaliaram com nota 4 ou 5. Conteúdo sobre a legislação vem em segundo lugar e notícias em terceiro. Buscou-se, por meio de uma Análise de Correspondências Múltiplas (Figura 1), “agrupar” as variáveis dado as suas correspondências entre si. Ou seja, será identificado como é o padrão de uso das diferentes seções e como se comportam. Nota-se também, que as seções com as piores avaliações são aquelas que possuem um acesso típico daqueles que “acessam com fins de cidadania”. Os objetivos dessa análise exploratória são dois: Criar categoriais conceituais mais robustas para o conteúdo do Portal. Entender quais são as características dos usuários que utilizam cada conteúdo. 4 Não há diferença estatística ao nível de significância a (p < 0,05). 8 Acesso ativo Grupo Interação e Contato Grupo Informação Responsiva Acesso profissional Acesso cidadão Grupo Documentação e Pesquisa Grupo Informação Conjuntural Acesso passivo Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados. FIGURA 1 Análise de Correspondências Múltiplas: Eixos Fatoriais da utilização das seções do Portal da Câmara. A análise feita em um plano bidimensional das correspondências entre as variáveis permite agrupá-las e refiná-las conceitualmente. Esse “salto” conceitual será útil para melhorar as denominações utilizadas em alguns estudos sobre portais governamentais como “procedimentais”, “informacionais” e “participativas”. A vantagem é que o agrupamento é feito pelo uso dos usuários, foco primordial desta pesquisa. Observe que a Análise Fatorial de Correspondências Múltiplas (AFCM) encontrou pelo menos quatro grupos e uma modalidade isolada no padrão de uso dos usuários. Os dois eixos, apesar de possuírem uma carga fatorial baixa, somados, explicam 22,4% da variância nos dados e foram escolhidos por sua maior capacidade analítica. O Fator 2 representa o acesso profissional do lado esquerdo e o acesso cidadão do lado direito. Já, o Fator 3, pode demonstrar um padrão de acesso mais ativo (o usuário necessita escrever/buscar o conteúdo), do lado superior, e um padrão de acesso mais passivo (o usuário apenas lê o conteúdo) do lado inferior. 9 Acesso ativo Acesso profissional Legenda: Variáveis ativas Variáveis ilustrativas Acesso cidadão Acesso passivo Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados. FIGURA 2 Análise Fatorial de Correspondências Múltiplas: Eixos Fatoriais da utilização das seções do Portal da Câmara com as variáveis ilustrativas do Perfil do usuário. A Análise Fatorial de Correspondências Múltiplas permitiu a análise das características dos usuários que utilizam esses grupos, por meio de variáveis ilustrativas. Observe a Figura 2, mas com outro conjunto de modalidades onde apenas algumas com alta carga fatorial são ilustradas (acima de 0,16 em pelo menos algum eixo fatorial). Observe que o Fator 2 possui a maior dispersão entre as variáveis. Mais uma vez, o argumento desta pesquisa de que o Portal da Câmara é um “espelho ampliado” da realidade política off-line é corroborado. O acesso de alta escolaridade (Escol 6) e de alta renda (Renda 5) é feito principalmente por aqueles que fazem um acesso com fins profissionais. 3.1.4 ESTATÍSTICAS DE ACESSO O lado esquerdo é basicamente o acesso profissional, com alta renda (Renda 5). Do lado direito, são os usuários com baixa renda, baixa escolaridade, mais jovens e que não confiam nas informações divulgadas pelo Portal. Uma das informações mais relevante nesses dados é que o acesso cidadão é principalmente caracterizado por usuários de renda (Renda 1) e escolaridade baixas (Escol 1) e por mais jovens (Idade 1). Eles são responsáveis pela demanda por maior “interação e contato” e “informações responsivas”. A metodologia desenvolvida para se analisar as estatísticas de acesso proporcionou dois dados importantes para a pesquisa. O primeiro deles é que a quantidade de páginas classificadas pode ser considerada uma Proxy para a oferta do Portal. É interessante notar que somados, os dois grupos notadamente marcados por acesso profissional, “Acomp. de Proposição” e “Documentação e Pesquisa” representam 60,5% da oferta de conteúdo. 10 Já “Interação e Contato”, uma demanda daqueles que acessam o portal para fins de cidadania, representa 1,9% da oferta (Tabela 2). TABELA 2 Quantidade de páginas indexadas na classificação temática. SEÇÕES Acomp. de Proposição Informação Conjuntural Notícias Agenda da Câmara PÁGINAS (EM MILHARES) 75,4 41,9 39,2 2,7 (%) 42,8 23,8 22,3 1,5 3.1.5 MODELOS PARA UTILIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DO PORTAL DA CÂMARA Por meio de um conjunto de modelos de análise de regressão linear será explicado qual é a característica “mais determinante” que faz com que alguns usuários utilizem mais e avaliem melhor o Portal da Câmara dos Deputados. Para este propósito, dois indicadores foram desenvolvidos: o primeiro medirá a utilização do Portal e o segundo, a avaliação que os usuários fizeram. Para cada uma dessas duas análises, dois modelos foram elaborados. Documentação e Pesquisa Documentos e Pesquisa Legislação 31,2 19 12,2 17,7 10,8 6,9 Informação Responsiva Inf. Deputados Transparência Interação e Contato Outros TOTAL 22 15,5 6,5 3,4 2,2 176,1 12,5 8,8 3,7 1,9 1,2 100,0 Fonte: Estatísticas de Acesso do Portal da Câmara dos Deputados tratadas pelo autor. A segunda vantagem da metodologia são as estatísticas da demanda ao portal. O processo de classificação, que utilizou recursos lexicométricos, foi capaz de classificar quase 80% das visitas ao Portal (Tabela 3). TABELA 3 Visitas realizadas às seções do Portal da Câmara. VISITAS SEÇÕES (EM MILHARES) Informação Conjuntural 570,7 Notícias Agenda da Câmara Acomp. de Proposição Informação Responsiva Inf. Deputados Transparência Documentação e Pesquisa Documentos e Pesquisa Legislação Interação e Contato Outros TOTAL Fonte: Estatísticas de Acesso do Deputados tratadas pelo autor. Os dois grupos que geram quase 80% da demanda ao Portal são: “Informação Conjuntural” e “Acomp. de Proposição”. As duas seções possuem uma “taxa” de atualizações mais frequente, à medida que são atualizadas várias vezes ao longo do dia. Os aspectos informacionais ainda prevalecem na demanda ao Portal. Por outro lado, Interação e Contato representam apenas 1% dos acessos. Nível de utilização (utilização) – Corresponde ao número de seções que o respondente do questionário afirmou que utiliza no Portal. Eram nove itens e uma alternativa “outros” no questionário. O indicador, portanto, vai de zero, para aqueles que afirmaram que não acessam nenhuma seção, até dez, para aqueles que responderam que utilizam todas as seções e ainda especificou outra possível (Figura 3). (%) 45,3 562,7 8 44,6 0,6 402,6 132 118,2 13,8 31,9 10,5 9,4 1,1 107,1 8,5 49,3 3,9 57,8 4,6 13,2 1,0 35 2,8 1617 79,0 Portal da Câmara dos Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados. FIGURA 3 Diagrama de Caixa: indicador de utilização do Portal. Avaliação média (avaliação) – Corresponde a avaliação média do Portal dada por cada usuário. 11 No questionário on-line foi pedido para cada respondente avaliar com uma nota de um a cinco, cada seção que ele utiliza. O indicador, portanto, é uma média dessas avaliações com um intervalo de um a cinco (Figura 4). Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados. FIGURA 4 Diagrama de Caixa: Indicador de avaliação média ao Portal da Câmara. As Figuras 3 e 4 são dois diagramas de caixa (boxplot) que mostram a dispersão de cada indicador. Note que 50% dos usuários utilizam até três seções do Portal e que 25% o avaliam como uma nota média inferior a três. As variáveis independentes estão organizadas em dois blocos e são dezoito. O primeiro bloco é composto por onze perguntas de caráter socioeconômicas e por perguntas sobre o perfil político dos respondentes. O segundo bloco é composto por sete perguntas que definem que tipo de uso o usuário faz do Portal e qual é a sua avaliação geral. Sendo todas as variáveis qualitativas, optou-se por transformá-las em variáveis dicotômicas. Escolheu-se qual modalidade de cada variável faz mais sentido na explicação dos modelos para assumir o valor “1”. Por exemplo: a variável “Escolaridade” possui sete modalidades e optou-se por transformá-la em uma variável binária que representa apenas “Ensino Superior” (valor “1”), agrupando três modalidades (Ensino Superior Incompleto, Ensino Superior Completo e Pós-graduação). 3.1.6 EXPECTATIVA EM RELAÇÃO ÀS VARIÁVEIS DOS MODELOS A literatura em participação política (ROSENSTONE; HANSEN, 1996; AVELAR, 2007) afirma que quem participa mais são os cidadãos que, de uma maneira ou de outra, estão bem posicionados socialmente e, portanto, possuem menos custos e mais incentivos para participarem. Sendo assim, a expectativa esperada no modelo é de que homens, indivíduos bem escolarizados e com alta renda utilizem mais e avaliem melhor o Portal. Com relação à idade, alguns estudos na área de democracia eletrônica (QUINTELIER; VISSERS, 2008) afirmam que os jovens estão sendo incluídos no processo de participação on-line. Portanto, a expectativa adotada aqui é que esses jovens estão também utilizando mais e avaliando melhor o Portal. A variável “UF” foi incluída nos modelos pelo fato do Distrito Federal (Brasília) possuir o maior acesso ao Portal, provavelmente pelo fato de que grande parte dos interessados em utilizálo se encontra no DF, desde consultorias políticas a servidores públicos federais, portanto a expectativa é de se encontrar uma correlação positiva tanto para a utilização quanto para a avaliação. A variável “Ocupação” foi transformada em duas outras variáveis. A primeira corresponde à modalidade “Servidores públicos” e se espera dessa variável uma correlação positiva em relação ao uso e a avaliação. Essa expectativa existe porque os servidores poderiam possuir melhor conhecimento para lidar com as informações e, principalmente, interesse nas informações encontradas no Portal. A segunda variável que trata sobre a ocupação do respondente é a variável “Aposentado”. Essa variável foi incluída no modelo por ser a segunda ocupação mais alta entre os respondentes e a expectativa é de que ela tenha relação negativa em todos os modelos. Para a utilização, a explicação é de que aposentados possivelmente possuem menores habilidades com informática, logo, utilizariam em menor quantidade as seções ofertadas pelo Portal. Com relação à avaliação, uma possível explicação é de que utilizam o Portal para realizar protestos, o que recairia sobre a avaliação. 12 São quatro variáveis sobre “Opinião política”. As duas primeiras são originárias da pergunta sobre como o respondente considera a melhor forma de influenciar na política. Esta pergunta é importante quando é utilizada como Proxy para dois tipos de usuários. O primeiro é aquele que respondeu que a melhor forma de influenciar na política é “Votar para eleger os que defendem sua posição”. Com ressalvas, pode-se aferir que esse primeiro usuário prefere o sistema representativo tal qual é conhecido, votando. O segundo usuário é aquele que acredita que a melhor forma de influenciar na política é “Participar de movimentos de protesto e exigir mudanças diretamente”, afere-se aqui, que esse segundo usuário prefere a participação política mais direta (seja ela qual for) para influenciar na política. Parte-se do pressuposto de que a diferença de opinião entre esses dois perfis será útil para entender a quem o Portal está satisfazendo melhor as necessidades de interação política. A terceira variável sobre opinião política é a “Insatisfação com a democracia”, onde há duas expectativas com relação aos modelos. Se os insatisfeitos possuírem uma correlação positiva com o uso e a avaliação do Portal, isso indicará que o Portal está satisfazendo a necessidade de interação política deles. Caso contrário, o Portal replicará a mesma insatisfação encontrada no sistema político tradicional e, portanto, insatisfeitos. A quarta variável de caráter política trata se o respondente “Faz parte de alguma organização civil”. A expectativa aqui é de que aqueles que já participam de organizações civis estejam utilizando mais o Portal, portanto, possuiriam uma correlação positiva nos dois modelos de utilização. Entretanto, se nos dois modelos a avaliação demonstrar uma correlação negativa, isso demonstrará que, para esse indivíduo com características mais participativas, o Portal não está satisfazendo suas necessidades de interação política. O segundo bloco das variáveis utilizadas nos quatro modelos desenvolvidos é composto de sete variáveis que tratam sobre o hábito de uso do usuário em relação ao Portal e qual avaliação geral que ele faz. Foi perguntado ao respondente se ele acessava o Portal primordialmente para fins de cidadania ou fins profissionais, para cada uma dessas modalidades foi criada uma variável binária e a expectativa é que o sinal delas seja inverso. Espera-se ter uma correlação positiva no uso e na avaliação do Portal para aqueles que acessam com fins profissionais e uma correlação negativa para aqueles que acessam com fins de cidadania. Afinal, as principais seções utilizadas pelo cidadão são as piores avaliadas. A terceira variável em relação ao hábito de uso do usuário é se ele “Acessa diariamente” o Portal. Espera-se uma correlação positiva nessa variável à medida que o usuário que mais frequenta o Portal já tenha habilidades e conhecimento para avaliá-lo e utilizá-lo melhor. As quatro últimas variáveis do segundo bloco são avaliações gerais do Portal: Interatividade, Navegabilidade, Compreensão e Confiança. O propósito em se colocar essas variáveis de avaliação geral neste modelo é entender qual desses critérios “pesa mais” na avaliação e utilização do Portal. Afinal, o que é mais importante para que a avaliação melhore? Fazer com que o usuário compreenda a linguagem utilizada ou melhorar a navegabilidade do Portal? Além disso, essas variáveis controlam o restante do modelo, pois, pode-se argumentar que os cidadãos insatisfeitos com a democracia, são os mesmos que não confiam no Portal e que o avaliam mal. Ao incluir essas variáveis, garante-se que esses efeitos sejam isolados. Para cada uma das duas variáveis explicativas (Utilização e Avaliação) desenvolveu-se um modelo que teve apenas o primeiro bloco de informações de perfil socioeconômico e um segundo modelo que incluiu, além do primeiro bloco, o segundo, sobre o hábito de uso do usuário em relação ao Portal e qual a avaliação geral que ele faz. 4. ANÁLISES 4.1 ANÁLISE DOS RESULTADOS: UTILIZAÇÃO DO PORTAL A Tabela 4 mostra que os coeficientes das variáveis “Ensino Superior” e “Jovens” são significativos (p < 0,01) e positivos nos dois modelos. O que demonstra que as expectativas em relação a essas duas variáveis estavam 13 corretas. Indivíduos jovens e bem escolarizados acessam mais seções do Portal. Da mesma forma, a variável “Faz parte de alguma organização” também é significativa e positiva, o que demonstra que usuários que, de certa forma, já são engajadas socialmente utilizam mais o Portal da Câmara. O segundo modelo revela que apenas a variável “Acessa diariamente” é significativa da utilização do Portal. demonstra que são eles que estão fazendo maior uso das ferramentas disponíveis, assim como são aqueles com maior escolaridade e que acessam diariamente o Portal da Câmara. Os dois modelos concluem que os indivíduos que participam em organizações civis, que possuem alta escolaridade, que são jovens e que acessam com mais frequência o Portal, tendem a utilizar mais os canais ofertados. 4.2 TABELA 4 Análise de Regressão Linear: modelos explicativos para a utilização do Portal da Câmara. MOD. 1 B Constante 2,74** Bloco A: Perfil Social e Político Homens -0,01 Ensino Superior 0,42** Jovens (Até 25 anos) 0,64* Renda familiar alta 0,14 Respondentes do DF 0,39 Aposentados 0,22 Servidores públicos 0,05 Preferem votar -0,06 Preferem participar 0,18 Insatisfeitos com a -0,30 Democracia Faz parte de alguma 0,64** organização MOD. 2 B 2,09** -0,04 0,46** 0,75** 0,16 0,16 0,06 0,08 -0,12 0,15 -0,21 0,58** Bloco B: Relação com o Portal Acessam com fins de cidadania Acessam com fins profissionais Acessam quase diariamente Portal contribui com a interação Navegabilidade Compreensão Confiança R² 0,36 -0,27 ANÁLISE DOS RESULTADOS: AVALIAÇÃO DO PORTAL A Tabela 5 mostra que, com relação à avaliação do Portal da Câmara, os dois modelos apontam algumas diferenças entre eles, onde apenas duas variáveis possuem significância estatística nos dois modelos. A variável “Renda familiar alta” que tem uma correlação positiva e a variável “Insatisfeitos com a Democracia”, que tem uma correlação negativa. Conforme esperado, aqueles que estão insatisfeitos com a Democracia e que acessam o Portal não encontram “vazão” à sua insatisfação com as oportunidades encontradas no ambiente on-line. No primeiro modelo as variáveis “Respondentes do DF” e “Preferem votar” são significativas e positivas, ou seja, quando não se incluem variáveis que demonstram a relação do usuário com o Portal, essas duas variáveis se encarregam de explicar parte da variância nos dados. 1,31** 0,26 0,00 -0,25 0,15 0,12 0,04 N 1227 Análise de Regressão Linear (MQO). ** p < 0,01 e * p < 0,05. Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados. Portanto, mesmo que a maior parte dos respondentes ao questionário não seja de jovens (até 24 anos de idade), a análise de regressão Entretanto, quando o segundo modelo é analisado, tem-se que as duas variáveis “Respondentes do DF” e “Preferem votar” não são mais significativas, mas, a variável “Preferem participar” é significativa e se correlaciona negativamente. Conforme foi argumentado, isso pode demonstrar que o Portal é mais bem avaliado por aqueles que preferem votar e que veem nele um instrumento de fiscalização, transparência e accountability. Os usuários que preferem participar o avaliam negativamente, pois não estão vendo o Portal como um instrumento de participação e interação. 14 TABELA 5 Análise de Regressão Linear: modelos explicativos para a avaliação do Portal da Câmara. MOD. 1 MOD. 2 B B Constante 3,72** 2,10** Bloco A: Perfil Social e Político Homens -0,10 -0,07 Ensino Superior -0,01 -0,04 Jovens (Até 25 anos) 0,02 0,11 Renda familiar alta 0,14* 0,13* Respondentes do DF 0,09 0,23* Aposentados -0,09 -0,04 Servidores públicos 0,06 -0,02 Preferem votar 0,06 0,25** Preferem participar -0,08 -0,17* Insatisfeitos com a -0,43** -0,22** Democracia Faz parte de alguma -0,02 -0,01 organização Bloco B: Relação com o Portal Acessa com fins de 0,07 cidadania Acessa com fins 0,25* profissionais Acessa quase diariamente 0,18** Portal contribui com a 0,37** interação Navegabilidade 0,20* Compreensão 0,48** Confiança 0,73** 0,32 0,09 R² 1154 N Análise de Regressão Linear (MQO). ** p < 0,01 e * p < 0,05. Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados. Quase todas as variáveis do segundo bloco, que tratam da relação do usuário com o Portal, são significativas, sendo que apenas a variável “Acessa com fins de cidadania” não é significativa. Entretanto, a variável “Acessa com fins profissionais”, oriunda da mesma pergunta do questionário, é significativa e possui uma correlação positiva. Ou seja, profissionais avaliam melhor o portal, assim como aqueles que acessam diariamente. Com relação aos critérios de avaliação geral (Gráfico 5), note que os quatro são significativos e positivos, mas existe diferença entre os seus. Em primeiro lugar, Confiança (0,73), em segundo, Compreensão (0,48) e Interatividade (0,37) e Navegabilidade (0,20), em terceiro e quarto, respectivamente. Insatisfeito com a Democracia Prefere participar Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados. GRÁFICO 5 Coeficientes B estatisticamente significativos a p > 0,05 do Modelo 2 da avaliação do Portal da Câmara. Isso demonstra que a variável “Confiança” detém um grande poder explicativo sobre a avaliação do usuário e, à medida que a Câmara dos Deputados é uma das instituições com menor índice de confiança no país, seu Portal institucional carrega essa associação por parte dos seus usuários. Fortalecer a confiança na instituição é um problema que dificilmente o Comitê Gestor do Portal poderá mudar. Entretanto, a variável “Compreensão” é importante e pode ser melhorada pelos produtores do Portal. Os usuários que não compreendem avaliam mal e, como foi visto, não é uma questão de escolaridade e sim de compreensão do conteúdo do Portal. “Interação” também é um aspecto relevante. Conforme os usuários perceberem que o Portal aumenta as oportunidades de interação entre os cidadãos com os políticos, o Portal será bem avaliado. Em suma, os dois modelos indicam que: indivíduos com alta renda e que acessam o Portal com mais frequência e com fins profissionais tendem a avaliar melhor o Portal da Câmara. Indivíduos insatisfeitos com a Democracia e que preferem participar como forma de influenciar na política, avaliam pior o Portal da Câmara. Melhorar a compreensão do conteúdo deve ser 15 um dos principais objetivos dos produtores do Portal. 5. CONCLUSÃO A tese defendida neste artigo é de que o ambiente de interação on-line que o Portal da Câmara dos Deputados proporciona é um “espelho ampliado” do ambiente de interação política tradicional/off-line. O cidadão que possui menor possibilidade de articulação na política tradicional está utilizando a internet para se mobilizar politicamente. Mesmo que as características socioeconômicas dos usuários do Portal reflitam características semelhantes das esperadas na participação política tradicional/offline, jovens estão utilizando em maior medida as possibilidades ofertadas de interação política online e usuários com baixa escolaridade e renda estão buscando canais de contato e participação política disponíveis no ambiente on-line. É importante ressaltar que ainda existem barreiras para que o cidadão utilize toda a oferta de interação on-line. A primeira barreira é a própria desconfiança que o cidadão vê nesses mecanismos formais. O cidadão normalmente não confia nas instituições políticas, muito menos nos políticos e qualquer iniciativa por parte deles será possivelmente vista com desconfiança. A segunda barreira é a da linguagem. O cidadão comum não compreende a linguagem utilizada no Portal para assessores políticos, jornalistas e burocratas, com muitos termos técnicos e abreviações. A terceira barreira é a falta de interação. O cidadão conectado se acostumou a uma interação quase que instantânea em sua rede de contatos e ao acessar o Portal da Câmara, quer ter esse mesmo tipo de interação, quase instantânea, descentralizada e personalizada. O Portal não satisfaz as necessidades de interação política daqueles que estão insatisfeitos com a Democracia, que preferem participar de movimentos de protestos e exigir mudanças diretamente para influenciarem na política. Em comparação com a população brasileira, os usuários do Portal são cidadãos mais críticos em relação ao sistema político e mais participativos no ambiente político. Quem está satisfeito com a interação política proporcionada pelo Portal são os “profissionais da política” que trabalham em assessorias parlamentares, com comunicação e que acessam o Portal para fins profissionais. Normalmente são indivíduos com alta renda e que acessam o Portal com maior frequência. Os produtores e responsáveis pelo desenvolvimento desses novos canais de interação política on-line, assim como pesquisadores devem ter em mente que a demanda por interação política on-line é diferente para cada público, por isso a necessidade de se estudar e entender qual é a demanda para todas essas possibilidades disponibilizadas pela Web. Em termos gerais, a Democracia Eletrônica tem servido mais aos profissionais da política que ao cidadão comum, mas mesmo assim, o cidadão comum interessado em buscar participação, contato e interação com os atores políticos estão procurando essas ferramentas on-line. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS AVELAR, L. Participação política. In: AVELAR, L.; CINTRA, A. O. (Org.). Sistema político brasileiro: uma introdução. São Paulo: Unesp, 2007. BATISTA, C. M. ICTs and good governance: the contribution of information and communication technologies to local governance in Latin America. UNESCO. Paris. 2003. ______. 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XI, p. 450468, 2005. 17 O EFEITO DO ADVERTAINMENT NO CONSUMIDOR: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO THE ADVERTAINMENT EFFECT IN THE CONSUMERS: AN EXPLORATORY STUDY MARÍLIA LARA MARCONDES MACHADO DE OLIVEIRA MESTRANDA E BACHAREL EM ADMINISTRAÇÃO PELA FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FEA/USP). É PROFESSORA AUXILIAR DO PROCED DA FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO (FIA) E DIRETORA ADMINISTRATIVA NA LDE SOLUÇÕES EM ELETRÔNICA. E-MAIL: [email protected] EDSON CRESCITELLI PÓS-DOUTORADO EM MARKETING PELA CHAPMAN GRADUATE SCHOOL OF BUSINESS/FLÓRIDA INTERNATIONAL UNIVERSITY − FIU, DOUTOR EM MARKETING PELA FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FEA/USP), ESPECIALIZAÇÃO EM BUSINESS MANAGEMENT PELA ROBERT ANDERSON GRADUATE SCHOOL OF MANAGEMENT/UNIVERSITY OF NEW MÉXICO, MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA (PUC/SP), PÓS-GRADUADO EM MARKETING PELA ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING, GRADUADO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL PELA FUNDAÇÃO ARMANDO ÁLVARES PENTEADO. É PROFESSOR DA FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FEA/USP), DIRETOR ACADÊMICO DA PÓSGRADUAÇÃO DA ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING E PESQUISADOR DO CAEPM/ESPM. E-MAIL: [email protected] RESUMO Atualmente os consumidores são expostos a milhares de mensagens publicitárias por dia, dessa forma, as empresas têm tido que inovar cada vez mais para chamar a atenção de seu consumidor. É nesse contexto que o advertainment vem ganhando força como forma de divulgação e criação de imagem de marcas. Este artigo busca levantar a percepção dos consumidores com relação a essa ferramenta. Para tanto, foi feita uma revisão teórica sobre o assunto, consolidando as características do advertainment, e uma pesquisa de campo exploratória, visando entrevistar consumidores, com o apoio de dois filmes com advertainment inserido, e entender quais as suas percepções em relação a elas ao serem expostos ao filme. A pesquisa mostrou que os consumidores, de modo geral, possuem uma boa impressão do advertainment, desde que a marca esteja bem entrelaçada com o roteiro do filme. Nessa condição, fica evidente a importância do advertainment para a construção de valor de uma marca. PALAVRAS-CHAVE: Advertainment, brand equity, comportamento do consumidor. ABSTRACT: Nowadays consumers are exposed to a huge amount of publicity, that is why companies are forced to be innovative in the ways to catch consumers attention. Is in this context that the advertainment has been strengthening itself as a way to create brand equity. This article seeks to raise the awareness of consumers regarding this tool. For this purpose was made a theoretical review on the subject, consolidating features of the advertainment, and an exploratory research, aiming interview some consumers, using two videos with advertainment in it, with the objective to understand what they think about this issue. The research showed that consumers, in general, have a good impression of advertainment, since the brand is well integrated with the screenplay. In this condition, it is evident the importance of advertainment to construct a brand equity. KEYWORDS: Advertainment, brand equity, consumer behavior. 1. INTRODUÇÃO Não é novidade que o mundo, cada dia mais, está se integrando e se globalizando. Muitas pessoas, por meio de novos meios de comunicação – como a internet, canais de TV por assinatura e celulares, têm tido acesso a cada vez mais informações, inclusive em relação a novos produtos e/ou serviços e, consequentemente, sobre novas marcas. Tendo isso em vista, as empresas não deixaram de aproveitar essa oportunidade de inserção em mais e maiores mercados, aumentando seus investimentos em marketing e, principalmente, em suas marcas. Até mesmo porque, caso não o fizessem, provavelmente perderiam mercado e poderiam até mesmo ficar fadadas ao fracasso. As empresas nacionais enfrentam os desafios da concorrência internacional, mas também as oportunidades do surgimento de amplos mercados consumidores como a China e a Índia. (HAWKINS; MOTHERSBAUGH, 2007). Essa preocupação e a necessidade de tornar a marca o mais conhecida possível fizeram com que os consumidores tivessem que conviver atualmente com uma enxurrada de informação e comunicação. Walter Longo (2009) cita que Seth Godin, autor de um dos blogs de marketing mais famosos do mundo, afirma que somos expostos à, aproximadamente, um milhão de mensagens comerciais por ano, cerca de três mil por dia. É de se imaginar que é impossível que uma pessoa absorva esse número de mensagens publicitárias. Por conta dessa comunicação massiva, as empresas têm se deparado com o desafio de prender a atenção do consumidor com ações de comunicação cada dia mais inovadoras e criativas. A tecnologia, hoje, tornou-se simultaneamente uma vilã e uma heroína para as empresas que buscam vencer esses desafios. Ao mesmo tempo em que ela possibilita que o consumidor evite assistir aos comerciais televisivos, permite que haja maior interação da marca com o usuário – por meio da internet, por exemplo. Dessa forma, aliando os novos meios e tecnologias, e procurando uma forma de diferenciação frente os concorrentes, surgiram novos meios de comunicação, como o advertainment. O presente artigo objetivou entender como os consumidores enxergam a utilização do advertainment em filmes de curta-metragem veiculados na internet, por meio de uma pesquisa exploratória, entrevistando consumidores-alvo de duas marcas que fizeram ações de advertainment (BMW e Pirelli) e verificando se há uma linha de tendência em suas percepções. Para tanto, dividiu-se em duas partes principais: a primeira é uma revisão teórica de pontos que margeiam e influem no advertainment, bem como a sua contextualização e definição; a segunda constitui-se de uma pesquisa de campo, que procurou levantar as interpretações dos consumidores em relação a filmes que possuem advertainment. Já a pesquisa prática baseou-se em duas premissas. A primeira afirma que, caso a inserção da marca seja muito sutil ou muito enfática, o resultado da percepção do consumidor será nulo ou negativo: no primeiro caso, o consumidor não irá perceber a marca e, no segundo, ficará irritado, entendendo que a marca está invadindo o seu entretenimento. A segunda premissa baseia-se na ideia de que quanto maior a integração de uma marca com o roteiro de um filme, mais bem aceita será a ação de advertainment pelo espectador. A metodologia utilizada para a parte prática foi o estudo exploratório realizado por meio de entrevista desestruturada. Para a entrevista foi selecionada uma amostra por conveniência de onze homens, com o perfil do público-alvo de duas marcas que fizeram filmes que possuíam ações de advertainment. Esses filmes foram mostrados para os entrevistados e exploradas suas opiniões em relação ao que viam e interpretavam dos filmes. Ao final do artigo foi feita uma conclusão que sintetiza tudo que foi levantado e estudado, amarrando esses pontos com as conclusões tiradas com a pesquisa de campo. 19 Pode-se dizer que a proposição é uma outra forma de se nomear a identidade da marca. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 CONCEITO MARCA E IDENTIDADE DE O conceito de marca, sua abordagem e definição, são bastante recentes, a American Marketing Association (AMA) define-a como: Um nome, termo, símbolo, desenho – ou uma combinação desses elementos – que deve identificar os bens ou serviços de uma empresa ou grupo de empresas e diferenciá-los dos da concorrência. (KOTLER; KELLER, 2006). Já Kapferer (2004) afirma que a marca é utilizada pelas empresas apoiando-se na lógica de diferenciação da produção, buscando responder, o melhor possível, às expectativas de seus clientes. Para o autor, quando a marca é conhecida e renomada, ela consegue criar uma imagem no imaginário dos consumidores, fazendo com que esses a associem a uma situação ou comportamento. Aaker (2007) afirma que a identidade da marca é muito importante para dar sentido, finalidade, significado a uma marca. O conjunto de associações que a identidade imprime é essencial para o estrategista pensar a forma como vai se comunicar com o consumidor e qual a mensagem que irá passar, estabelecendo também um relacionamento entre ela e o cliente, por meio de uma proposta de valor – que envolve benefícios funcionais, emocionais ou de autoexpressão. Quando uma organização constrói uma marca, ela deve comunicar aos consumidores quais os benefícios racionais podem ser aceitos pelos consumidores por meio de um raciocínio lógico e quais os benefícios emocionais que apelam ao lado humanitário, intuitivo, do consumidor (ELLWOOD, 2004). A junção desses dois benefícios, de acordo com Ellwood (2004), pode ser chamada de proposição da marca, que organiza o que ela oferece de verdade, para quem e em que formato. 2.2 COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR O estudo do comportamento do consumidor é muito importante para a tomada de decisõeschave por parte das empresas – como decisões de marketing ou P&D, por exemplo. Mowen e Minor (2003) definem o comportamento do consumidor como “o estudo das unidades compradoras e dos processos de troca envolvidos na aquisição, no consumo e na disposição de mercadorias”, ou seja, o comportamento do consumidor estuda a relação entre as partes de uma negociação, procurando entender o que influencia o processo de decisão de compra de um consumidor. Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) afirmam que o comportamento do consumidor é multidimensional e complexo, para eles uma pesquisa cuidadosa nem sempre é uma garantia de sucesso, mas de aumento da probabilidade dele. A Figura 1 ilustra esse conceito de multidimensionalidade e complexidade. Existem diversos fatores que podem influenciar direta ou indiretamente o comportamento do consumidor. Dependendo do ambiente em que ele vive, a cultura em que está inserido, seus grupos de referência, assim como a forma como vê e compreende o mundo, o consumidor terá um estilo de vida e uma autoimagem diferente que influenciará diretamente em como se dá o processo de decisão de compra, bem como quais são seus desejos e necessidades de consumo. Nota-se que o conceito de multidimensionalidade é cíclico, ou seja, as experiências de compra influenciam na autoimagem e estilo de vida do indivíduo e viceversa. A individualidade do consumidor também é explicitada nesse diagrama, que evidencia a importância da influência interna no comportamento do consumidor. 20 Experiências e compras INFLUÊNCIAS EXTERNAS PROCESSO DE DECISÃO Cultura Subcultura Fatores demográficos Status social Situações Grupos de referência Reconhecimento do problema Família Atividades de marketing AUTOIMAGEM INFLUÊNCIAS INTERNAS ESTILO DE VIDA Busca de informação Necessidade E Desejo Avaliação e seleção de alternativas Percepção Aprendizado Escolha da loja e compra Memória Razões Processos de pós-compra Personalidade Emoções Atitudes Experiências e compras Fonte: HAWKINS, Del I.; MOTHERSBAUGH, David L.; BEST, Roger J. Comportamento do consumidor – Construindo a estratégia de marketing. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. FIGURA 1 Influências no comportamento do consumidor. 2.3 BRAND EQUITY Existem diversos modelos que visam definir o que é brand equity, neste artigo serão apresentados brevemente três desses modelos: o desenvolvido por Aaker (1998), o da agência de publicidade Young & Rubricam e o desenvolvido por Keller (2001). De acordo com Aaker (1998), a avaliação do brand equity se dá no nível dos ativos e passivos ligados à marca (ao seu nome e/ou símbolo). Segundo o autor, o conceito é influenciado pela lealdade à marca, conhecimento do nome, qualidade percebida e associações da marca e ativos de outras empresas, sendo que estes impactam positiva ou negativamente na criação de valor da marca para com os consumidores. Já a Young & Rubrican desenvolveu uma técnica que mede as percepções dos consumidores com determinadas marca, esse modelo, denominado Brand Asset Valuator (BAV), compara as marcas com outras similares, indicando possíveis nichos de mercado ainda não atendidos e melhor entendimento do comportamento do consumidor. Essa forma de avaliação, segundo Khauaja (2005), baseia-se em quatro pilares: Diferenciação − Diz respeito ao que torna a marca única, singular. Relevância − É o que faz a marca importante. Estima − É o respeito, a consideração que o consumidor tem à marca; Familiaridade − É a sua penetração no mercado, fazendo com que seja mais conhecida entre os consumidores potenciais. A combinação desses quatro pilares descreve os estágios no ciclo de desenvolvimento da marca e sua força (KOTLER; KELLER, 2006). Outro modelo de brand equity, desenvolvido por Kotler e Keller (2006), é o da ressonância da marca. Esse modelo vê a construção da marca como uma sequência de etapas sucessivas e que agregam cada vez mais valor. Essas etapas são: a identidade da marca na mente do consumidor; o significado que ela possui para eles – tanto as associações tangíveis quanto as intangíveis; a resposta dos consumidores em 21 relação à marca; e o relacionamento dela com o cliente – sendo que o ideal para as empresas é chegar à alta fidelidade. O Quadro 1 mostra a comparação dos três modelos, com os pontos principais comentados em cada um dos modelos. QUADRO 1 Comparação dos três modelos. AAKER Lealdade à marca Conhecimento da marca Qualidade percebida Associações à marca BRAND ASSET VALUATOR Estima Familiaridade Relevância Diferenciação RESSONÂNCIA DA MARCA Ressonância Proeminência da marca Significado (desempenho) Resposta (julgamento) Resposta (sensações) Significado (imagem) Fonte: Elaborado pelos autores. A forma de ver o brand equity é ligeiramente diferente entre eles, o ponto central de cada um é diferente, porém muitos termos são compartilhados. Todos falam da importância do conhecimento da marca por parte do consumidor, de sua lealdade e estima por ela, da qualidade que ela precisa ter, como seu desempenho deve ser percebido como superior aos concorrentes e a importância como os consumidores enxergam a marca (tanto emocional, quanto racionalmente). As principais diferenças estão na forma de abordar e medir o brand equity. O modelo BAV propõe um questionário quantitativo que aproxima, da melhor forma possível, a realidade da percepção do consumidor em relação à marca. Os outros dois modelos são muito mais teóricos do que aplicáveis na prática. 2.4 COMUNICAÇÃO INTEGRADA MARKETING (CIM) DE A comunicação é um aspecto extremamente importante dentro do escopo do marketing porque é por meio dela que a empresa pode comunicar-se com seus consumidores, mostrar os atributos e os valores agregados às suas marcas e influenciar para que haja o consumo do produto. A comunicação de marketing permite às empresas conectar suas marcas a outras pessoas, lugares, eventos, marcas, experiências, sensações e objetos. Posicionando a marca na memória e criando uma imagem de marca, a comunicação de marketing pode contribuir para a formação do brand equity. (KOTLER; KELLER, 2006). Shimp (2003, p. 40) afirma que o processo da CIM começa no cliente para, então, serem definidas as ferramentas que serão utilizadas para passar as mensagens para o público-alvo. Isso porque o objetivo da CIM é influenciar ou afetar diretamente o comportamento do públicoalvo. Dessa forma, são considerados todos os canais de comunicação relevantes para os clientes atuais e potenciais do produto e a quais eles são receptivos. Portanto, apenas após saber quais são os clientes atuais e potenciais cria-se a estratégia de comunicação que tem potencialmente mais chance de trazer resultados à campanha. Já Kotler e Keller (2006, p. 556) definem a CIM como um conceito de planejamento de comunicação de marketing, em que se combinam as diversas modalidades de comunicação (propaganda, venda pessoal, promoção de vendas etc.), a fim de criar uma mensagem clara, coerente, coesa e de alto impacto para o públicoalvo, aproveitando os papéis estratégicos de cada modalidade. A aplicação da CIM é bastante complexa, apesar de seu conceito ser relativamente simples de ser entendido, de acordo com Ogden e Crescitelli (2007). Para Ogden e Crescitelli (2007), a CIM está baseada em três pilares: O primeiro é chamado de tema central. É o que integra as diferentes ferramentas utilizadas a uma mesma mensagem. O segundo é a forma de comunicação. Para que haja a CIM é necessário que haja, pelo 22 menos, duas formas de comunicação sendo usadas pela empresa, caso contrário, não faz sentido falar-se de integração. O terceiro pilar é o público-alvo. É quando se considera, não apenas o público consumidor, mas também os intermediários que podem influenciar na decisão dos clientes. produtores e das marcas em torno dessa parceria entre entretenimento e propaganda. Com a utilização correta das ferramentas de comunicação, escolhendo a melhor opção para o seu público-alvo e com a integração feita de maneira eficiente, a CIM pode se tornar uma ferramenta extremamente poderosa para agregar valor à marca. 2.5 ADVERTAINMENT De outro lado, por conta do crescimento das mídias fragmentadas (blogs, DVRs, vídeos de iPods etc.), a integração propaganda e entretenimento tem-se mostrado uma boa oportunidade para serem exploradas pelos anunciantes, proporcionando maior envolvimento do consumidor com a marca (MULCAHY, 2006). Para Pino e Olivares (2007) o brand placement e o advertainment são formas de referência intencional audiovisual a uma marca, ou seja, a junção perfeita entre entretenimento e publicidade. Nessa estratégia, o entretenimento e as histórias atrativas que são contadas, são fundamentais para que os espectadores assimilem a marca de maneira positiva. Hudson S. e Hudson D. (2006) afirmam que o advertainment é um refinamento do product placement, porém, apesar deles estarem inseridos dentro do entretenimento, o que os difere é a sua integração com a trama/conteúdo do filme ou programa televisivo. Para tanto, desenvolveram uma escala de evolução da integração e, portanto, diferenciação dos dois conceitos. Turrow (2008) entende que o advertainment é uma associação de uma empresa, ou produto, com atividades de mídia em um formato não tão invasivo quanto uma propaganda tradicional; para ele esse conceito pode ser entendido como um guarda-chuva que abrange o marketing de evento, o patrocínio de evento e o product placement. A escala desenvolvida pelos autores mostra, na ponta esquerda, o product placement puro, em que ocorre a integração da marca com a trama do programa de TV ou filme. Já a ponta direita da escala mostra o advertainment que ocorre quando a integração é a mais entrelaçada possível. O’Guinn, Allen e Semenik (2008) possuem opinião alinhada à visão de Pino e Olivares (2007). Os autores ressaltam, contudo, que o advertainment é uma forma criativa que as organizações encontraram para fugir de dois fatos: As regulações, por parte dos órgãos governamentais, das propagandas tradicionais que muitas vezes impossibilitam a veiculação de um spot publicitário. A resistência dos consumidores em assistir a comerciais durante as suas horas de lazer. Mulcahy (2006) afirma que a mescla entre a propaganda e o entretenimento ficou mais intensa nos últimos anos, por conta de uma convergência ainda maior dos interesses dos De um lado, os produtores buscam novos parceiros para financiamento e promoção de suas produções, além de utilizar as marcas para proporcionar maior sensação de realidade à ação. Pode-se ver, também, que existem alguns fatores-chave que influenciam na inserção da marca, fazendo com que ela seja mais próxima da ponta esquerda ou da direita, conforme a forma que o consumidor os percebem, as regulações governamentais, o suporte extrainserção etc. Os próximos tópicos evidenciam esses fatores e sua influência na inserção da marca em programas, filmes ou qualquer outro tipo de entretenimento. A Figura 2 é um resumo das teorias de advertainment apresentadas brevemente nesse artigo e o Quadro 2 mostra o comparativo das teorias de advertainment. 23 Fatoreschave para influência efetiva do placement MÍDIA UTILIZADA CARACTERÍSTICAS DA MARCA SUPORTE À ATIVIDADE PROMOCIONAL ATITUDE DO CONSUMIDOR PARA A MARCA COLOCADA CARACTERÍSTICAS DA COLOCAÇÃO (PLACEMENT) REGULAÇÕES Alto nível de integração com a marca Sem integração com a marca Apenas visual ou verbal – placement passivo A marca é entrelaçada com a história (com o storyline) Product placement puro Brand entertainment/ advertainment Fonte: HUDSON, S.; HUDSON, D. Branded enterteinment: a new advertising technique or product placement in disguise? Journal of Marketing Management, v. 22, p. 489-504 ST – Branded enterteinment: a new adver, 2006. FIGURA 2 Evolução do product placement ao advertainment. QUADRO 2 Comparativo das teorias de advertainment. O QUE É ADVERTAINMENT FUNÇÃO DO ADVERTAINMENT HUDSON S. E HUDSON D. (2006) Integração da propaganda com o entretenimento, onde as marcas estão entrelaçadas com a história de um filme, programa de TV ou outra mídia de entretenimento. Traz uma atitude positiva e maior lembrança da marca, influência para o consumo e o combate à fuga, por parte dos consumidores, dos comerciais tradicionais. É uma forma de fonte de renda para a execução dos filmes e programas de TV, além de trazer maior realismo à cena, já que a marca dos produtos aparece como parte integrante da história e da cena. PINO E OLIVARES (2006) Toda forma de referência intencional audiovisual a uma marca. Nessa estratégia, o entretenimento e as histórias atrativas contadas são fundamentais para que os espectadores assimilem de maneira positiva a marca. TUROW (2008) O'GUINN (2008) MULCAHY (2006) Associação de uma empresa, ou produto, com atividades de mídia em um formato não tão invasivo quanto uma propaganda tradicional. Estágio superior ao product placement, sendo uma fusão da promoção de marca junto com o entretenimento principalmente em filmes, músicas e programas de TV. Forma criativa para fugir de dois fatos: as regulações, por parte dos órgãos do governo e a resistência dos consumidores em assistir a comerciais durante suas horas de lazer. Convergência dos interesses dos produtores e empresas em torno da parceria entre entretenimento e propaganda. Guarda-chuva que abrange o marketing de evento, o patrocínio de evento e o product placement. Forma alternativa para financiamento e promoção de produções artísticas; além de proporcionar maior envolvimento do consumidor com a marca. Fonte: Elaborado pelos autores. 24 3. METODOLOGIA Optou-se por utilizar, neste artigo, uma pesquisa exploratória, preparada com base em duas premissas. A primeira é a de que a marca, quando integrada perfeitamente à cena de um filme, ou a um roteiro, passa despercebida pelo consumidor; mas quando se coloca maior ênfase na sua presença o consumidor se sente invadido, incomodado, provocando um resultado negativo à percepção de marca – que é olhada com desdém e incômodo. Em ambos os casos, portanto, a marca não atinge o seu objetivo principal: divulgação e fortalecimento da sua imagem, com a construção de valor por meio do filme. A segunda premissa afirma que, para que o advertainment tenha sucesso, a marca deve fazer parte da história, estando integrada a uma personagem, sem que haja muita ênfase, ou destaque a ela. Ou seja, a marca deve aparecer de forma despretensiosa no filme para que se tenha um impacto positivo na lembrança e percepção dos consumidores. O objetivo de ambas as premissas é entender a percepção do consumidor em relação a uma situação de advertainment, portanto optou-se por se fazer uma entrevista não estruturada com consumidores potenciais de duas marcas (BMW e Pirelli). Para a coleta de dados da pesquisa foi selecionada uma amostra por conveniência, dado que o que se objetivava era o levantamento de uma tendência de percepção por parte dos consumidores e não um levantamento de dados conclusivos. Tal amostra foi composta por onze homens, maiores de vinte anos, com formação acadêmica mínima de ensino superior incompleto e que tivessem, pelo menos, domínio intermediário da língua inglesa. A entrevista foi feita entre os dias 15 e 25 de novembro de 2009, em locais isolados de distrações externas e individualmente. Cada entrevistado assistiu a dois filmes selecionados, que são um exemplo de advertainment, e veiculados exclusivamente pela internet. Após a exibição, os entrevistados responderam as perguntas, o que teve uma duração média de 15 minutos. A escolha das características da amostra foi feita porque esse grupo faz parte do público-alvo de ambas as marcas apresentadas nos curtasmetragens. Para que todos os pontos importantes fossem discutidos, o entrevistador seguiu um roteiro que tinha a função de nortear o desenvolvimento das conversas. 3.1 FILMES APRESENTADOS 3.1.1 PIRELLI – “THE CALL” O filme da Pirelli, “The Call”, mostra a eterna luta entre o bem e o mal; onde um padre exorcista (John Malkovich) é chamado para exorcizar um carro que está possuído por um espírito do mal (Naomi Campbell). O filme foi dirigido por Antoine Fuqua (“Dia de treinamento” e “Rei Arthur”). A presença da marca Pirelli em “The Call” pode ser classificada como advertainment, pois, além de integrar o entretenimento (filme de ação) com a marca do pneu, os consumidores são convidados a assistir a um filme estrelado por John Malkovich e Naomi Campbell, e não para assistir a mais nova propaganda da marca Pirelli. Ou seja, o objetivo principal do filme, aparentemente, é entreter o espectador e não divulgar a marca Pirelli. Além disso, a marca aparece como responsável pela resolução do problema retratado no filme, o que mostra a sua relação intrínseca com o roteiro do filme. Se esse filme for colocado dentro da escala de Hudson S. e Hudson D. (2006) ele estará localizado, assim como o filme da Lacta, na ponta direita da linha. 3.1.2 BMW – “THE HOSTAGE” Dirigido pelo diretor de Hollywood, John Woo (“O pagamento”, “Missão Impossível 2”, “A outra face”), o filme “Hostage”, da BWM, gravado em 2001, mostra o salvamento de uma vítima de sequestro, presa em um porta-malas de um carro que está afundando em um rio. O salvador (Clive Owen), após falar com o sequestrador, descobre que a vítima está com um telefone celular e que a única forma de salvá-la é falar com ela e buscar informações que o façam chegar ao automóvel. 25 Assim como no filme da Pirelli, o consumidor foi convidado pela empresa para assistir a um curta estrelado por Clive Owen e dirigido por John Woo, e não ao mais novo comercial da BMW. Dessa forma, pode-se dizer que, na classificação de Hudson S. e Hudson D. (2006), esse filme também está na ponta direita da linha. Nesse caso a marca também está bastante integrada ao roteiro da história do filme, o que faz com que seja um exemplo de advertainment. 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS Durante as entrevistas objetivou-se entender como os consumidores enxergam a presença do advertainment dentro de filmes curtasmetragens, bem como se, para eles, essa ferramenta é tida como uma invasão de sua privacidade. Para tanto se buscou investigar se os espectadores, ao assistirem um filme em que a marca esteja muito integrada à cena não percebem sua presença e se quando está em clara evidência, se incomodam com sua presença. Outro objetivo das entrevistas foi entender se há a necessidade da marca estar integrada à marca para que ela tenha um impacto positivo na lembrança dos consumidores. Além disso, foi de interesse da pesquisa analisar temas levantados na discussão teórica sob a ótica da relação do espectador e da marca em uma situação de advertainment. A seguir, são apresentados dois quadros com o resumo dos levantamentos feitos na pesquisa de campo. QUADRO 3 Pontos principais levantados pelos entrevistados durante as entrevistas. IMAGEM DA MARCA CONHECIMENTO DA MARCA COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR MOTIVAÇÃO DE COMPRA SENTIMENTO EM RELAÇÃO AO ADVERTAINMENT A marca aparece escondida durante os filmes. O filme é complexo, a marca é o menos visado. A marca está velada, estão tentando vender associando-a a fatores psicológicos externos. Para empresas que estão começando não é efetivo. Cria o conhecimento de marca, mostra-a para o consumidor. Os filmes serviram como uma lembrança da marca; não sei se o pneu Pirelli dura mais ou se uma BMW é mais segura, o que sei é que as marcas estavam lá. Fixa a marca, assim como a propaganda, mas de forma mais efetiva e sutil. Tem que instigar a pessoa ao máximo e correr o risco de ela não conhecer o produto que quer consumir. Com o nome do diretor/ator prestaria mais atenção, mas para a maioria das pessoas isso não faria diferença. A envergadura dos diretores e atores torna o filme mais interessante. Inicialmente não entendeu a associação marca-filme. Não encarou o filme como filme, porque as marcas aparecem de cara. Não teve vontade de comprar. É uma alternativa à propaganda, com a mesma função. Não dá vontade de consumir, mas faz pensar na marca com respeito. Não mostra os benefícios de se comprar a marca. Não se incomodou com a presença da marca, pois estava inserida em um contexto. Não é invasivo, não está forçando a venda. BMW: para alguns apareceu de mais, para outros de menos. Um filme com a marca inserida (não), propaganda com linguagem de filme (ok). Se a história for bem feita e o roteiro bem escrito faz com que goste de assistir ao filme e que não se sinta incomodado. A invasão depende do equilíbrio (da aparição da marca). Fonte: elaborado pelos autores. 26 O Quadro 3 mostra os pontos levantados pelos entrevistados em relação aos questionamentos que lhes foram feitos durante a entrevista. O Quadro 4 elenca os principais pontos levantados pela análise crítica das repostas obtidas dos entrevistados, em comparação com a teoria levantada na primeira parte da pesquisa. A pesquisa prática foi norteada por duas premissas que estão apresentadas no Quadro 5. QUADRO 4 Pontos importantes levantados por meio da análise crítica da entrevista. IMAGEM DA MARCA CONHECIMENTO DA MARCA COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR MOTIVAÇÃO DE COMPRA SENTIMENTO EM RELAÇÃO AO ADVETAINMENT Dificuldade por parte do espectador para entender a mensagem pode fazer com que o propósito do filme caia por terra. A marca estando velada no filme pode tornar a mensagem mais complexa, dificultando o seu entendimento pelo público em geral. Se a marca não é conhecida é mais fácil passar despercebida, principalmente quando está bem integrada com o roteiro do filme. A forma como os filmes são apresentados ajuda na construção do brand equity, na lembrança da marca. O cuidado da empresa com a qualidade e reconhecimento dos profissionais que estão no filme influi diretamente no nível de atenção que ele conseguirá reter do espectador. A associação marca-filme, quando pouco clara causa estranhamento e incômodo por parte do espectador. Quando percebem a marca envolvida, os espectadores passam a encarar o filme de outra forma. O filme não estimula a compra do produto. Provavelmente o estímulo se dê no mesmo nível que o de uma propaganda. O consumidor não ver os benefícios da marca pode ser prejudicial para a marca, dependendo do objetivo da campanha. De forma geral a marca inserida no filme foi bem aceita pelos espectadores/consumidores. É importante que não seja dada muita ênfase para a presença da marca. Entrevistados que acharam que a marca apareceu demais ficaram irritados com a presença dela. Entrevistados que acharam que a marca apareceu na medida certa gostaram da abordagem. O foco dos espectadores é o filme e não a marca. Fonte: Elaborado pelos autores. QUADRO 5 Resumo das hipóteses levantadas para a pesquisa exploratória. P1 Percepção do consumidor quando a inserção é muito sutil ou quando há forte ênfase na marca inserida. Integração com o filme, de forma a não parecer uma venda do produto, faz com que o advertainment seja bem aceito. Fonte: Elaborado pelos autores. P2 Pode-se perceber que ambas as premissas foram confirmadas durante a pesquisa prática. A marca, ao fazer uma campanha que envolva o advertainment, visa ser lembrada pelo consumidor após sua exposição em um filme e que essa lembrança tenha um impacto positivo na sua memória. A primeira premissa abordada afirma que a marca não conseguirá esse intuito em duas ocasiões: quando a inserção da marca for sutil demais, dificultando que o espectador perceba a sua presença; ou quando a ênfase que lhe for dada for demasiadamente forte, chegando a incomodar o consumidor que está assistindo ao advertainment. 27 Durante as entrevistas foi possível verificar que há indício de que essa premissa esteja correta, dado que alguns consumidores tiveram dificuldade para identificar uma das marcas em um dos filmes, sugerindo que ela estava integrada demais com a história. Em outro caso, os consumidores acharam que foi dada ênfase demais à marca, fazendo com que o filme deixasse de ser puro entretenimento para virar uma propaganda mais longa que a convencional. Já a segunda premissa afirma que, ao estar bem integrada ao roteiro/enredo do filme a marca não incomoda o espectador, que a vê como parte natural da cena. Conforme foi levantado nas entrevistas, essa premissa também se mostrou com probabilidade de estar correta, visto que os entrevistados afirmaram estarem confortáveis quando assistiram aos filmes em que, para eles, a marca estava bem integrada. A Figura 3 mostra, de forma ilustrativa, a importância da integração da marca no filme. PONTO DE EQUILÍBRIO Sutil a ponto do espectador não se incomodar com sua presença e intenso o suficiente para, ao final do filme, lembrar-se da marca - + Intensidade da aparição da marca no filme BAIXA INTENSIDADE ALTA INTENSIDADE Efeito: O espectador não percebe a marca Efeito: O espectador sente-se invadido pela marca Fonte: Elaborado pelos autores. FIGURA 3 Ponto de equilíbrio da intensidade da inserção de uma marca em um filme. Pode-se ver que, quanto maior a intensidade da aparição da marca no filme, mais o espectador sente-se invadido por ela, ao passo que, quando essa intensidade é muito baixa, o espectador não a percebe. O ponto ideal é a mediana, em que a integração é sutil a ponto de não invadir a privacidade do espectador, mas suficientemente intensa para ser percebida por ele. A pesquisa de campo mostrou que as premissas, aparentemente, são verdadeiras, porém, são necessários outros estudos que comprovem essa veracidade, além disso, ainda há de se compreender algumas características do advertainment e levantar o que pode ser mais efetivo em termos de influência do público-alvo. Sugere-se que algumas pesquisas sejam feitas para: entender que tipo de mídia é mais eficaz para que o advertainment seja desenvolvido; 28 saber qual o nível de integração ideal para que a marca seja divulgada de forma eficaz sem, contudo, invadir a privacidade do espectador; verificar se a imagem da marca passada pelo filme perdura na mente do consumidor, ou seja, se após certo tempo de sua exposição ele ainda se lembra da marca. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O tema central do artigo apresentado foi entender a utilização do advertainment como forma de fortalecer a imagem e a mensagem da marca, bem como a reação dos consumidores quando expostos a uma situação em que ele ocorre. Para tanto, buscou-se, primeiramente, entender o que é o conceito de advertainment frente aos acadêmicos da área, bem como quais são os fatores da teoria de marketing que o influenciam. Depois disso, foi feita uma pesquisa prática com o intuito de levantar as possíveis reações dos consumidores ao serem submetidos a uma situação onde ocorre o advertainment. De acordo com o levantamento feito, assim como o product placement, o advertainment é a inserção de uma marca dentro de um contexto de entretenimento (como um filme ou um programa de TV, por exemplo). Porém, enquanto o primeiro não possui relação alguma com o enredo do filme ou programa, o segundo possui grande integração com ele, fazendo, portanto, parte da história que está sendo contada ou do programa mostrado. Apesar da inserção de marcas em programas de entretenimento existir a muito tempo, ela intensificou-se nos últimos anos. Isso porque as formas tradicionais de publicidade têm se mostrado menos eficientes, dado o grande número de mensagens comerciais a que as pessoas são expostas diariamente. Por conta da dificuldade em chamar a atenção dos consumidores, que inclusive fogem das propagandas tradicionais, as empresas passaram a buscar novas formas de divulgação de suas marcas. Ao mesmo tempo, produtores de filmes e programas televisivos têm procurado novas formas de financiamento e de trazer a realidade mais próxima da ficção. A junção dessas necessidades de publicitários e produtores constituiu o advertainment, que vem se mostrando uma saída lucrativa e de boa aceitação pelos espectadores, sendo uma forma tanto de se divulgar uma marca e trabalhar os seus valores, quanto angariar fundos para produções cinematográficas, séries de TV etc. e trazer a realidade mais próxima delas. Dessa forma pôde-se verificar que o advertainment é um conceito que vem crescendo em importância em relação às outras ferramentas de Comunicação Integrada de Marketing, tornando-se uma saída rentável e de bom impacto sobre os consumidores. Pela pesquisa de campo, verificou-se uma tendência de impacto positivo dessa ferramenta frente ao público. Dentre os entrevistados, a maioria preferiu o filme da BMW que mostrava a marca de forma sutil, pois o carro estava colocado em linha com o seu uso habitual, ao contrário dos pneus, no filme da Pirelli, que, para os entrevistados, tiveram a sua presença forçada na história, ou seja, a integração aparentemente não estava muito boa e clara. Portanto, este artigo mostrou a importância do advertainment para a construção das marcas, já que é uma ferramenta que hoje possui impacto positivo nos consumidores e ainda não é evitada por eles. Contudo, de acordo com o que foi apurado, os consumidores são bastante sensíveis a ela, ou seja, a organização deve tomar cuidado com a intensidade que a marca será mostrada em suas inserções, pois há uma linha tênue que separa a não percepção da percepção positiva e da percepção de invasão do momento de entretenimento do consumidor. A diferença de percepção dos consumidores pode ser entendida, conforme mostrado na análise da pesquisa, pela ótica do comportamento do consumidor, por exemplo. Dependendo das experiências e formas de ver o mundo de uma pessoa, uma campanha com o uso 29 de advertainment pode lhe parecer boa ou ruim. Para diminuir esse impacto é importante que a empresa conheça o perfil do público-alvo, para que a campanha seja feita da forma mais direcionada possível. O advertainment também pode colaborar com a criação de valor de uma marca, pois por meio de sua inserção a empresa pode evidenciar importantes atributos e benefícios da marca, bem como fortalecer uma imagem na mente do consumidor em relação a ela. Por exemplo, ao fazer um filme de ação, a BMW passou a imagem de ser um carro esportivo, confiável e de rendimento superior aos outros – a mensagem do filme é de que quem usa uma BMW é uma pessoa mais confiante e bem-sucedida. Conforme abordado anteriormente, o advertainment é um conceito bastante novo, portanto diversas pesquisas ainda podem ser feitas com esse tema. É interessante, por exemplo, que se levante qual é o nível ideal de intensidade da inserção para que haja uma percepção agradável da marca por parte do espectador. Além disso, seria conveniente que se mostrasse que tipo de impacto essas inserções causam, se são duradouros ou se, pouco depois de assistir à inserção, o espectador já se esqueceu da marca. Outro ponto interessante é entender qual a influência do impacto, quando negativo, na imagem da marca. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AAKER, David A. Construindo marcas fortes. Porto Alegre: Bookman, 2007. trabajadores sociales. 7. ed. Buenos Aires: Humanitas, 1978. Parte III. ASSOCIATION OF NATIONAL ADVERTISERS. Disponível em: <http://www.ana.net/>. Acessado em: 20 out. 2009. AUTOR DESCONHECIDO. Logotipo do Shoptime. 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DVD, 143 min. color. son. 32 NOVOS ARRANJOS FAMILIARES: O CONSUMO DOS CASAIS DINC (DUPLA RENDA, NENHUMA CRIANÇA) NEW FAMILIES ARRENGEMENS: THE CONSUME OF COUPLES DINC (DUAL INCOME, NO CHILDREN) IARA SILVA DA SILVA DOUTORA EM COMUNICAÇÃO SOCIAL E MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA/RS, PROFESSORA DA ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING/SUL E PESQUISADORA NAS ÁREAS DE MARKETING E COMUNICAÇÃO. E-MAIL: [email protected] LILIANE ROHDE MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, PROFESSORA DA ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING/SUL E CONSULTORA DE EMPRESAS. E-MAIL: [email protected] RESUMO Na contemporaneidade surgem novas configurações familiares, dentre as quais, os casais com Dupla Renda, Nenhuma Criança (DINC), objeto deste artigo. Investiga-se como ocorre o consumo desses casais e as diferenças entre os gêneros, por meio da triangulação que pressupõe o cruzamento dos dados coletados nas duas fases da pesquisa qualitativa e quantitativa. Como evidências destacam-se: consumo hedônico - atende aos interesses individuais e/ou do casal; preferência pelo consumo de bens culturais, serviços de lazer e entretenimento e pouca disparidade nos comportamentos dos homens e das mulheres, nos seus gostos e práticas de consumo. PALAVRAS-CHAVE: Novos arranjos familiares, casais DINC, gênero, consumo. ABSTRACT In contemporary times new family configuration comes, among which, the dual Income couples, no children (DINC), object of this article. Investigates how the consumption of these couples and the differences between the genres, by means of triangulation which assumes a cross-check of data collected in two phases of qualitative and quantitative research. As evidence: hedonic-consumption meets the individual interests and/or couple; preference for the consumption of culture, leisure and entertainment services and little differences in the behavior between men and women: in their tastes and consumer practices. KEYWORDS: New family arrangements, couples DINC, gender, consumption. 1. INTRODUÇÃO A contemporaneidade congrega novas formas de organizar as famílias, por meio de agrupamentos por afinidade, laços de sangue, em que há pai, mãe e filhos de casamentos distintos; mãe e filhos; pai e filhos; pai, mãe e filhos frutos de um único casamento, casais homossexuais e heterossexuais sem filhos, este último objeto deste artigo. O casal sem filhos, denominado DINC, dupla renda, nenhuma criança, constituise em um novo arranjo familiar que, em geral, é formado por pessoas das classes A e B, com elevados níveis de escolaridade e renda, e com mais tempo para cuidar de si e consumir. Segundo a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, o grupo dos casais DINC, composto por casais sem filhos e aqueles cujos filhos não moram mais consigo, de todas as classes sociais, representavam 18,1% dos arranjos familiares em 2001; em 2010 passaram para 27,1%. No Sudeste, esse percentual se aproximou de um quarto dos casais (24,8%), em 2011. No nordeste, esse arranjo foi menos frequente, com 17,7%. O grupo dos casais com filhos sofreu declínio entre 2001 e 2011, de 53,3% para 46,3% (SOARES, 2012). Os estudos específicos sobre casais DINC ainda são escassos, e a maioria restringe-se a análises econômicas, de natureza demográfica, sem abranger a complexidade do comportamento de consumo desse grupo. Há estudos de pensadores brasileiros, dentre os quais os de pesquisadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Barros, Alves e Cavagni (2008), cuja vertente predominante é a quantitativa, com ênfase nos perfis socioeconômicos desses casais. No campo da psicologia, em geral, os autores Rios e Gomes (2009) discutem os motivos que levam os casais DINC a não ter filhos e as pressões sociais decorrentes dessa decisão. Em nível internacional, o cenário não difere, predominam as pesquisas que buscam avaliar as condições socioeconômicas dos casais de dupla renda, sem filhos, entre as quais a de Paul (2001) para a American Demographics, cujos resultados envolvem indicadores do padrão de consumo dos DINC nos Estados Unidos, no início daquela década. Na Europa, destaca-se o estudo de Delgado e Sevilla (2006) que apresenta os casais sem filhos como um novo segmento de mercado, discute as implicações para o marketing e a comunicação e aponta as marcas que melhor se comunicam com esse público. No entanto, esse estudo está embasado somente em dados secundários. A partir dessas referências confirma-se que, tanto em âmbito nacional quanto internacional, há uma carência de estudos sobre casais DINC, especialmente quando se considera a presença de dados primários e que privilegiem, simultaneamente, abordagens qualitativas e quantitativas. Os casais sem filhos, uma forma de arranjo familiar não tradicional, parece ser um segmento que ainda necessita de mais conhecimento por parte dos pesquisadores em diversos campos, e o marketing é um deles, pois o seu objeto de estudo são os consumidores, em especial a família, espaço relevante para o consumo, como um processo essencialmente cultural que reproduz e estabelece mediações entre estruturas de significados e o fluxo da vida social, através dos quais, identidades, relações e instituições sociais são formadas, mantidas e mudadas no decorrer do tempo. (BARBOSA, 2004, p. 13). A partir dessa concepção busca-se compreender, aqui, a forma com que os bens são incorporados à vida dos casais DINC, como sujeitos sociais, agentes que dialogam com o mundo, cujas identidades estão em constante construção. Por se tratar de um casal é necessário considerar as diferenças de gênero, pois o casamento abriga duas individualidades e uma conjugalidade que contém dois sujeitos, dois desejos, duas histórias de vida, duas identidades que, na relação amorosa, vivem uma conjugalidade, um desejo conjunto, uma história de vida conjugal, um projeto de vida, uma identidade conjugal (FÉRES-CARNEIRO, 2001). Sabe-se, também, que as questões de gênero, diferenças nas formas de pensar, sentir e agir entre homens e mulheres são construções sociais que influenciam o seu cotidiano e, consequentemente, suas práticas de consumo. Seguindo essa lógica, entende-se que um dos valores centrais da sociedade contemporânea ou de “consumo” é a liberdade de escolha mediante a exposição dos produtos ao indivíduo. O consumo oferece o significado e a identidade que o indivíduo busca e nessa atividade ele combate o sentimento de insegurança ontológica (CAMPBELL, 2001). Sob esse enfoque, o universo do consumo tem papel relevante na produção dos mundos possíveis que os indivíduos podem, eventualmente, se apropriar. Entende-se, portanto, que o consumo contemporâneo ancora-se na cultura, como um processo de construção dos sujeitos, mediante a busca de significado de mundo e a obtenção de sentido das formas sociais e materiais e das instituições que o integram (MILLER, 2001). Nesse contexto, se inserem os novos arranjos familiares e a questão de pesquisa que, neste artigo, procurou-se responder: De que modo ocorre o consumo dos casais DINC das classes A e B porto-alegrenses? Essa questão fragmenta-se nos objetivos geral e específico: analisar de que modo ocorre o consumo dos casais DINC das classes A e B porto-alegrenses e identificar as diferenças entre os hábitos de consumo dos membros do casal, considerando-se as questões de gênero. 2. PESQUISA SOBRE CONSUMO DOS NOVOS ARRANJOS FAMILIARES – CASAIS COM DUPLA RENDA E SEM FILHOS (MÉTODOLOGIA) Este artigo ancorou-se na triangulação de métodos que pressupõe um conjunto de esforços para reunir, em uma investigação, diferentes métodos de busca e análise de dados. Nele aplicam-se os quatro tipos de triangulação: de dados, de investigador, teórica e metodológica, propostos por Denzin (1989). Para tanto, vale-se de dois tipos de pesquisa: exploratória e descritiva. Segundo Andrade (2002), a pesquisa exploratória propicia mais informações sobre um assunto, facilita delimitar o tema, fornece subsídios para a etapa posterior ou identifica novo enfoque para o tema. Essa abordagem contribui para descobrir as percepções dos casais DINC, suas práticas de consumo, segmentá-las e interpretá-las considerando-se eventuais diferenças mulher. entre seus membros: homem e A adoção desses dois tipos de pesquisa converge para as vertentes de pesquisa qualitativa e quantitativa. Para Silverman (2009), a essência da pesquisa qualitativa está na imersão dos pesquisadores em um conjunto de acontecimentos e eventos dos quais extraem mais conhecimento e relações, à medida que busca compreender os porquês do consumo dos casais DINC (BAUER; GASKEL, 2002). Já, a pesquisa quantitativa é particularmente útil para descrever grupos relevantes (MALHOTRA, 2006), como é o caso dos casais com dupla renda e sem filhos, gaúchos, cujas práticas de consumo constituem-se em variáveis que podem ser medidas objetivamente. Neste artigo, empregou-se a escala proposta por Likert, com cinco pontos, um para discordo totalmente e cinco para concordo totalmente (MALHOTRA, 2006). A partir dessas escalas, os entrevistados indicam quão fortemente concordam ou discordam das afirmativas desenvolvidas (ZIKMUND; BABIN, 2011). No que se refere às unidades de estudo (entrevistados), na primeira fase – qualitativa, analisaram-se sete casais heterossexuais sem filhos, das classes1 A e B, entre 35 e 57 anos de idade, residentes em Porto Alegre e região metropolitana, com profissões diversas: professores, gestores de ensino superior, profissionais liberais e funcionários públicos e que estão juntos há 10, 15, 20 e 30 anos. Foram realizadas 14 entrevistas com sete casais, homem e mulher entrevistados separadamente. A seleção desses entrevistados ocorreu em função dos relacionamentos dos pesquisadores. Entre esses casais predominam pessoas com mais de 50 anos, devido ao filtro definido a partir do objetivo deste estudo – ouvir casais que optaram por não ter filhos. A inclusão de pessoas mais jovens talvez implicasse a impossibilidade de o casal efetivamente ter essa 1 Critério Brasil é uma forma de segmentação das populações brasileiras urbanas, realizada pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), que está embasada na posse de alguns itens de conforto: geladeiras, banheiros e, também, no nível de escolaridade do chefe da família. 35 decisão tomada, pois ainda poderiam ter filhos se assim o desejassem. filhos, da família e das suas práticas de consumo cotidianas. Na etapa quantitativa, a amostra contemplou 75 casais que, por opção, não têm filhos, ao todo 150 pessoas que se enquadram nas classes A e B, conforme o Critério Brasil. Essa amostra estruturou-se a partir da técnica de snow ball, em que indivíduos com as características necessárias ao estudo são abordados e indicam outros com características semelhantes. Em função disso, os dados não podem ser generalizados porque não se configura uma amostra probabilística e o erro amostral não pode ser realmente determinado (MALHOTRA, 2006). Mas, apesar disso, há condições de traçar conclusões acerca dos dados coletados. As observações diretas ocorreram durante essas visitas e buscou-se identificar as características arquitetônicas, a decoração das residências; as fotografias do casal, de familiares e dos amigos, a presença de biblioteca e/ou escritório, obras de arte, o uso que o casal faz dos espaços disponíveis no imóvel e aquele que tem a preferência do casal; a cozinha, os hábitos alimentares do casal, mediante a observação dos armários, da geladeira, a identificação dos produtos e das marcas preferidas. A amostra não probabilística aplica-se a casos em que a população inteira não está disponível para ser sorteada (MATTAR, 2000) e também, quando se deseja facilitar o acesso a determinada população e garantir agilidade a esse processo. Esse procedimento é utilizado com frequência nas pesquisas no campo do marketing (MALHOTRA, 2006). A agilidade no processo de seleção da amostra e a facilidade de acesso aos casais DINC são os motivos da adoção dessa prática neste estudo. No que se refere às técnicas para a coleta dos dados na etapa qualitativa, empregaram-se três técnicas distintas: A pesquisa bibliográfica. As entrevistas em profundidade. A observação direta. As entrevistas em profundidade com os casais DINC foram realizadas, entre os meses de abril e maio de 2011, nas residências dos entrevistados. As entrevistas foram realizadas individualmente, duraram entre 50 minutos e 1h30min, e foram gravadas e transcritas para que não se perdesse nenhuma informação. Os casais foram escolhidos por conveniência, as entrevistas foram agendadas por telefone e o pesquisador dirigiu-se até suas residências para aplicá-las. Para tanto, adotou-se um roteiro semiestruturado que contemplou as visões dos casais DINC acerca do casamento, da ausência de A coleta dos dados da pesquisa quantitativa ocorreu nos meses de setembro e outubro de 2011, nos locais de trabalho e/ou residências dos casais DINC. Para isso, procedeu-se a agenda dos encontros por e-mail e telefone, estruturouse o questionário e, posteriormente, efetuou-se o pré-teste e o treinamento dos pesquisadores que realizaram as entrevistas – aplicaram os questionamentos e registraram as respostas. Os questionários preenchidos foram encaminhados para digitação e preparação para as análises. O próximo passo envolveu a análise dos dados, seguindo as vertentes de pesquisa qualitativa e quantitativa. Para analisar os dados coletados da pesquisa qualitativa utilizou-se a análise de conteúdo, que propõe desagregar o texto em fragmentos para, então, reorganizá-lo por temas (BAUER; GASKEL, 2002). A partir daí, determinam-se as categorias a priori, que são o ponto de partida dos pesquisadores e que precedem a análise e, a posteriori, que emergem da leitura e reflexão durante o tratamento dos dados. Como categorias e subcategorias a priori têm-se: os casais sem filhos – DINC, o consumo, considerando-se as diferenças de gênero e, a posteriori, as categorias de produtos consumidos por esse grupo: consumo de alimentos, consumo de produtos culturais, lazer, entretenimento e gastronomia e consumo de moda (vestuário e calçados). Posteriormente, para interpretar os dados da pesquisa quantitativa, adotou-se a estatística descritiva, cuja finalidade é mapear e caracterizar as respostas dos entrevistados quanto aos tópicos pesquisados. Na fase quantitativa, para estruturar o questionário empregaram-se as afirmativas com 36 a avaliação do nível de concordância, por meio da escala de Likert, perguntas de escolha simples e múltipla (MATTAR, 2000). Adotou-se, também, o índice de concordância que resulta do agrupamento das opções de concordo totalmente e concordo. Com isso, alterou-se a configuração da escala de Likert — de cinco opções passou-se a contar com apenas três (HAYES, 1995). Especificamente para investigar as marcas de alimentação preferidas utilizou-se uma pergunta aberta, adequada aos momentos em que se deseja deixar o entrevistado livre para responder a questão proposta (MALHOTRA, 2006). Assim, procurou-se identificar as percepções de cada um dos membros do casal, considerando-se as diferenças de gênero, que podem ser captadas por meio do emprego de técnicas univariadas, com foco na análise individual de cada variável sem levar em conta as relações entre elas; os resultados se expressaram em médias e medianas. Finalmente, contrapõem-se os métodos no intuito de buscar a convergência dos resultados e fornecer um retrato mais completo das práticas de consumo dos casais com dupla renda e sem filhos, pois, conforme assinala Denzin (1989), a triangulação é um processo que envolve o confronto de métodos para maximizar a sua validade e facilitar a compreensão da complexidade do fenômeno em estudo. 3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Para realizar a apresentação e a discussão dos resultados segmentam-se os dados coletados, considerando-se o método, as técnicas e as categorias de análise definidas a priori e a posteriori. Para tanto, analisam-se as práticas de consumo dos casais DINC em relação aos alimentos, aos produtos culturais, lazer entretenimento e gastronomia e a moda (vestuário e calçados). 3.1 CONSUMO DE ALIMENTOS O consumo de alimentos para abastecer as residências dos casais DINC restringe-se ao café da manhã e aos lanches, o que se confirma ao observar a cozinha, os armários e a geladeira desses indivíduos, nos quais armazenam sucos, iogurtes, alimentos prontos ou semiprontos. Para as refeições principais, almoço e jantar, recorrem aos serviços de restaurantes. Quando há necessidade de cozinhar algo preferem comidas rápidas que não envolvam tempo em sua elaboração, conforme assinala a esposa do casal 1: “Cozinha é uma escravidão (....), quando eu cozinho, faço um strogonoff, (...) nada que demore”. Essa preferência se confirma na fase quantitativa, quando os entrevistados apontam as marcas de alimentos da sua preferência: a Nestlé, com 22% das citações, a Sadia, com 20% e a Perdigão, com 6,7%. Essa postura converge para a concepção de marca, como um nome, termo, sinal que tem o propósito de identificar bens ou serviços de um vendedor e diferenciá-los, é portadora de sentidos, incorpora a missão da organização, tem capacidade de atração, informa e é perene (PEREZ, 2004). Dessa forma, entende-se que as marcas agregam significados aos produtos que produzem nesse caso a comida rápida e fácil de preparar, atendendo as necessidades dos casais DINC. Sob a ótica do brand equity compreende-se que as marcas que têm a preferência dos entrevistados são top of mind no setor de alimentos. Em função disso, esse comportamento de consumo dos casais DINC sinaliza que eles gostam de consumir produtos que lhes são familiares e que têm o reconhecimento da sociedade (AAKER, 1998). Por outro lado, o interesse por produtos prontos − a dieta frugal − mostra-se afinado com os valores dos casais entrevistados: a liberdade, a autonomia, o individualismo, ideologia que orienta as relações sociais na contemporaneidade. Afinal, o individualismo parte do princípio de que o homem, na condição de indivíduo, é a medida de todas as coisas, é a substância que existe por si próprio – uma totalidade, em que cada um sozinho é dotado de importância. Essa é a ideologia reinante na sociedade ocidental contemporânea, à medida que os princípios de referência são a liberdade e a igualdade (DUMONT,1985). A liberdade, nesse caso, vincula-se à ideia de o indivíduo viver como 37 bem quiser, ter várias opções, ser livre para escolher (CHAVES, 2004). Essa concepção aplicada às marcas, evoca a relevância da publicidade2 no processo de construção de marcas, porque ela estimula os desejos humanos e reforça a noção de que, por meio do consumo, os indivíduos podem ter uma vida plena. E as marcas top of mind são exemplos desse tipo de investimento, pois, para gerar lembrança os gestores das marcas de alimentos investem em comunicação, de forma ampla, não somente em publicidade, mas em promoção de vendas e merchandising. Mas, se por um lado os casais DINC buscam alimentos prontos, observa-se, também, a preocupação com a alimentação saudável, especialmente entre as mulheres, 66,7%, contra 52% dos homens ouvidos. Essa preocupação parece estar associada aos cuidados para a manutenção do peso, assinalada por 61,3% das entrevistadas e somente por 44% dos homens. Essas diferenças entre os gêneros, no que se refere aos cuidados com a aparência, são objeto de estudo de diversos autores, dentre os quais Lipovetsky (1997) que, em A terceira mulher, assevera que as mulheres investem tempo e dinheiro para se manterem belas e seguirem o ideal propalado nos editoriais de moda. 3.2 CONSUMO DE PRODUTOS CULTURAIS, LAZER, ENTRETENIMENTO E GASTRONOMIA Os casais entrevistados são ávidos por produtos culturais e os indicadores de leitura confirmam esse interesse: com a média de 1,5 livro/mês, o que corresponde a 180 livros/ano, com um pequeno predomínio das mulheres, 62% leem entre um a dois livros por mês, contra 50% dos homens. Esse dado indica que os casais DINC leem em três meses o correspondente ao ano dos demais brasileiros – em média 4,7 livros, segundo pesquisa realizada pelo Ministério da Cultura, “Retratos da Leitura no Brasil”, em sua terceira edição. Conforme a mesma fonte, a leitura entre os brasileiros aumentou 150% nos últimos dez anos, no entanto, ainda está muito 2 Publicidade: assume o papel central na criação, desenvolvimento e expansão das marcas, face à ausência de diferenciais nos produtos (PINHO, 2002). aquém dos países desenvolvidos (ACESSO A CULTURA, 2009). Essa prática de consumo, entre os casais DINC, se traduz em distintivo de classe, à medida que reflete os gostos desse grupo, com escolaridade e renda elevadas e tempo disponível para leitura (BORDIEU, 2009). Entre os casais DINC, a leitura volta-se principalmente às temáticas vinculadas às suas profissões, pois alguns são professores universitários – uma atividade que exige atualização constante. O consumo de música também é um invariante entre os entrevistados. Durante a observação em suas residências, notou-se que ela ocupa um lugar privilegiado, dos clássicos aos populares. Em alguns casos, essa atividade está associada a momentos especiais na vida do casal, evidenciada nas verbalizações a seguir: “Música instrumental, eu gostava muito do Michel Jackson e até tenho DVDs dele, o cara é um talento, Eric Clapton, Shakira, que é um show, gosto de música que é show” (homem, casal 2); “Adoro música, tem vinil, tem CD, tem fita cassete” (homem, casal 6). “Ah! O tango. Sempre gostei de música, foi ela que nos aproximou” (mulher, casal 1). Os estilos musicais são diversos, no entanto, o consumo de música associa-se à contemporaneidade e, também, ao fato de que uma das marcas do Brasil, em âmbito internacional, é a musicalidade do seu povo (PETIT, 2003). Embora as referências da fase qualitativa sejam internacionais, o prazer no consumo desse produto cultural pode estar vinculado às características do brasileiro. Essa prática se confirma, a partir dos resultados da fase quantitativa, quando 21,3% dos casais afirmam que frequentam shows mensalmente, e 9,3%, quinzenalmente. Esses dados são relevantes, especialmente, quando se considera que o preço médio desses espetáculos no Brasil costuma ser elevado. Atentas a esse interesse crescente do público, e à crise na Europa e nos Estados Unidos, as empresas produtoras de espetáculos têm facilitado o acesso a artistas nacionais e internacionais. Dentre os estrangeiros que marcaram presença no Brasil, e que têm a preferência dos DINCs, destacam-se Erick Clapton, Paul McCartney, Ringo Star e Bob Dylan (ANEXO, WIKIPÉDIA, 2012). 38 O cinema também é um produto que os casais DINC apreciam e 28% deles dizem frequentar as salas de exibição uma vez ao mês. O consumo dessa categoria de produto também traz implícita a noção de tempo para frequentar o cinema, para leitura, ouvir música, espetáculos etc. Ao se comparar os novos arranjos familiares — casais sem filhos — com os tradicionais, para os últimos essas atividades são mais restritas ou até inviáveis, porque os programas são estruturados segundo os interesses dos filhos. Além disso, os recursos financeiros para investir nessas práticas de consumo são menores entre os casais com filhos, pois, conforme o estudo “Tendências de Mercado”, realizado, em âmbito nacional pela consultoria Melo e Seabra, em 2011, para o SEBRAE baiano – a renda dos casais DINC é 70% superior à dos casais com filhos, a taxa de emprego com carteira assinada nesse grupo é de 50%, enquanto a média no Brasil é de 35%. A partir desses dados pode-se pensar que o consumo de produtos culturais é uma prática consolidada entre os DINC, prática que se respalda em uma renda mais elevada e que, também, expressa os seus gostos — a maneira com que esses indivíduos se posicionam frente aos demais (BORDIEU, 2009). As atividades de lazer e entretenimento inseremse no cotidiano dos entrevistados. As viagens, os passeios, a frequência ao shopping center estão entre as suas preferências e, em grande parte, são realizadas em conjunto pelo casal e/ou na companhia de amigos. Em função disso, não se identificam diferenças entre os gêneros, em relação aos serviços de lazer e entretenimento. As viagens se constituem em um fenômeno social porque faz parte das necessidades criadas pelo mundo moderno (...) na atualidade, fazer turismo tornou-se uma aspiração de todos os incluídos na sociedade global de consumo. (BANDUCCI; BARRETO, 2003, p. 8). Seguindo essa lógica, as viagens internacionais estão entre os destinos preferidos dos entrevistados, destacando-se Buenos Aires que, pela proximidade e similaridade entre as culturas, torna-se uma opção interessante para as férias de inverno e/ou feriados mais prolongados, conforme se observa nas falas a seguir: “A gente adora ir para Buenos Aires, acho que já fomos umas dez vezes. Todo ano a gente vai” (mulher, casal 5). “No inverno vamos a Buenos Aires, adoramos lá, nos sentimos em casa. Gosto de tudo, da comida, da música, das livrarias temáticas, do lugar, onde se sai à noite se ouve uma boa música. Lá, passamos a nossa lua de mel. Lá, é o nosso destino no inverno” (mulher do casal 1). Outro destino que atrai os casais DINC é a Europa: Portugal, Espanha e, em especial, Paris, como se evidencia no discurso do homem do casal 2 “Tudo, tu respira cultura, civilização, é um lugar, assim, não existe lugar perfeito, tudo funciona, o metrô chegou na hora, é diferente de ouvir falar e estar vendo lá, eles têm um cuidado com as coisas, e as pessoas, os próprios cidadãos, cuidam daquilo, e isso se chama cultura, se chama esclarecimento, consciência.” Pode-se pensar também que essas práticas de consumo denotam o habitus, como um sistema de pensamento e comportamento que expressa, sob a forma de preferências sistemáticas, que se constitui em uma ação propulsora de esquemas de percepção construídos socialmente (BORDIEU, 2009). Há, ainda, aqueles casais que buscam destinos diferenciados e que proporcionam uma dose de aventura − “A gente foi num lugar muito bacana chamado ‘Antártida’, de navio, e foi uma viagem fantástica, e essa aí, até agora, se não a melhor, a mais diferente (....) fomos num navio quebragelo, com 120 passageiros, todo mundo de fora, só nós do Brasil” (homem, casal 3). As viagens, além da aventura, podem ser uma forma de fazer amigos: “nas expedições eu faço boas e grandes amizades, e algumas perduram por anos”. “A gente tem um grupo que nasceu de uma expedição, quase todos os anos passamos a virada do ano juntos” (homem, casal 7). Embora privilegiem destinos diversos, em seus relatos é perceptível a importância desse tipo de consumo para os casais DINC, dada a riqueza de conhecimentos, o acesso a outras culturas e práticas sociais. Nesse sentido, o turismo, as viagens parecem ser essenciais para a educação e a formação dos indivíduos contemporâneos, especialmente quando se consideram os desafios e a incerteza que permeiam a sociedade na atualidade. 39 Outro espaço que tem lugar privilegiado entre os casais entrevistados é o shopping center, templo de consumo que promove o encontro coletivo e propicia um equilíbrio razoável entre a satisfação, a liberdade e a segurança dos consumidores. Em função disso, adquire o status de show room de experiências empacotadas para o consumo self (ou shelf) service ou para delivery, oferecendo aos consumidores o sentimento de identidade comum. (PECHLIVANIS, 2011, p. 39). As falas a seguir expressam esses sentimentos de identidade comum, de templo de consumo, um espaço múltiplo no qual o consumidor tem acesso a diversos produtos e serviços: “Somos frequentadores assíduos do Shopping Bourbon (...) o nosso ponto de encontro, íamos almoçar todo o dia (...), éramos figurinhas carimbadas. O shopping tem novidade” (mulher, casal 1); “Lavo o carro lá, uso o salão de beleza, faço bainha/costura” (mulher, casal 1). A multiplicidade de ofertas alude à noção de hedonismo, proposta por Campbell (2001), porque os novos produtos servem de inspiração para fantasias que giram em torno da gratificação que eles podem oferecer. No templo do consumo, shopping center, o desconhecido, ao invés de causar receio é fonte de estímulo, pois suas possibilidades são infinitas. Ainda como parte do consumo de serviços voltados ao lazer e entretenimento destaca-se a gastronomia. A frequência ao shopping ou, ainda, o consumo de bens culturais, em geral, são motivadores das refeições fora do lar. Dos casais ouvidos, 56% almoçam em restaurantes mais de uma vez por semana, 13,3%, semanalmente, e 12%, quinzenalmente; 24,7% mensalmente. No caso dos jantares a situação é similar: 24,7% adotam essa prática mais de uma vez por semana; 28%, semanalmente; 16,7%, quinzenalmente. O hábito de fazer as refeições fora de casa denota o estilo de vida3 desses casais que têm dupla renda e mais tempo 3 Estilo de vida: “é basicamente como a pessoa vive; influencia nos seus hábitos de consumo, em função de características individuais inerentes que foram moldadas e formadas por meio da interação social, à medida que a pessoa evolui ao longo do ciclo de vida” (HOWKINS; MOTHERSBAUGH; BEST, 2007, p. 233). disponível para investir nesse tipo de consumo. Os almoços são realizados em shoppings centers ou em locais próximos ao trabalho, na companhia de colegas ou, também do cônjuge. Os jantares envolvem o casal, na companhia de amigos, à medida que é uma atividade complementar à frequência ao cinema, a teatro e a shows. 3.3 CONSUMO DE MODA (VESTUÁRIO, CALÇADOS) A moda é uma forma de o indivíduo expressar-se, comunicar-se, e, dizem Garcia e Miranda (2005), “moda é comunicação”. A partir dessa concepção percebe-se que os casais DINC priorizam o conforto, pensam nos momentos em que determinada peça será usada. Algumas declarações na etapa qualitativa indicam essa postura. Durante a entrevista, a mulher do casal 1 faz uma alusão aos sapatos usados pela entrevistadora: “bonita, a sua sandália, mas eu não posso usar algo assim, preciso de um calçado baixo, não muito sofisticado porque eu trabalho de pé e com crianças e famílias de baixa renda”. Outra entrevistada destaca que não se interessa por moda ou beleza, mas utiliza acessórios relacionados a esses temas: “não sou ligada nem em moda, nem muito em beleza, mas compro algumas maquiagens assim, mas o que eu gosto mesmo é de joias” (mulher, casal 5). Afinal, o uso de acessórios (joias) constitui-se uma das formas mais tradicionais de embelezar-se e exibir-se e, porque não dizer, reforçar a identidade da consumidora. Conforme assevera D’Angelo (2004, p. 91-92), o consumo de produtos de luxo constitui-se em um retrato do consumidor, um indicativo das suas características e, em última instância, um indicativo das suas virtudes (...) é um valor que diz respeito essencialmente a pessoa, na sua relação com terceiros e consigo mesma. Os produtos de luxo agregam à aparência dos consumidores qualidades que lhes permitem apresentarem-se adequadamente em situações sociais e profissionais. Observa-se, também, uma queixa das mulheres em relação à indústria da moda – vestuário que, na avaliação das entrevistadas, na etapa qualitativa “não produzem peças que se adaptem ao seu perfil (....) é complicado por causa do meu biótipo, eles fazem somente para mulheres magras, então eu tento me adaptar às lojas que dispõem de coisas que se adaptam ao meu perfil” 40 (mulher, casal 1); “(.....) não é muito fácil no caso das mais cheinhas (mulher, casal 2)”. Essa situação se evidencia na fase quantitativa quando se observa que as mulheres não dão importância à marca. Essa ausência de relevância das marcas revela que há pouco brand equity, situações em que os consumidores compram segundo as características de preço e conveniência. Esse comportamento das entrevistadas tem impacto sobre a lealdade à marca, que é o cerne o brand equity (AAKER, 1998). No segmento de moda, esse comportamento é estimulado pela diversidade de oferta que o indivíduo tem à sua disposição, distribuídas em coleções ou minicoleções que, muitas vezes, não se atêm à tradicional divisão por estações – primavera, verão, outono, inverno. Ao adotar essa estratégia a indústria da moda busca reforçar a noção de inovação constante que, por sua vez, contribui para a infidelidade do consumidor (LIPOVETSKY, 2007). Essa fragilidade do brand equity vem à tona quando os entrevistados assinalam a sua concordância com algumas afirmativas sobre a importância e notoriedade das marcas: 53% dos homens e 47% das mulheres afirmam que não costumam dar-lhes importância. Com isso, pode-se pensar que a importância das marcas na vida dos casais DINC é relativa, pelo menos em alguns segmentos como é o caso da moda. Especificamente sobre o vestuário, os dados são dispersos e não apontam o comportamento das entrevistadas frente à moda nesse segmento. No âmbito dos calçados, embora restritos, os dados apontam a preferência por algumas marcas de varejo e, dentre as lojas em que as entrevistadas realizam as suas compras, está a Arezzo com 24% das afirmações. Esse comportamento mostra-se afinado com o posicionamento da marca que dispõe de produtos exclusivos para esse público. A sua estratégia se traduz na escolha das endossantes da marca. Em sua última campanha publicitária, por exemplo, a Arezzo reuniu diversas celebridades, dentre as quais a modelo Aline Weber e as atrizes globais Juliana Paes, Maitê Proença e Sophie Charlote (MODA TERRA, 2012). A seleção desse elenco assinala a preocupação da marca em refletir, nas suas ações de comunicação, a diversidade brasileira, com a presença de mulheres jovens, maduras, loiras e morenas e, assim, atingir um amplo espectro de consumidoras. Outra marca de calçados lembrada pelas entrevistadas é a Datelli que oferece produtos para ambos os sexos e é citada por 15% das mulheres ouvidas. Os homens, por sua vez, não fazem nenhuma alusão a problemas com a indústria da moda, eles são mais objetivos e buscam peças que se adaptem ao seu estilo de vida. Identifica-se a preferência por roupas e calçados casuais ou esportivos, notadamente naqueles casos em que as atividades profissionais permitem o seu uso. Dentre as marcas de calçados mais lembradas está a Ferracini, com 25% das citações, e a Democrata, com 21%. Essas marcas dispõem de produtos voltados exclusivamente aos homens e têm presença forte nas lojas especializadas e, também, nas seções de roupas masculinas, pois, o calçado é um acessório e o consumidor, ao adquiri-lo, busca conveniência, ou seja, que esteja disponível nesse mesmo espaço. Os homens também enfatizam a sua relação com as marcas de varejo “compro muita coisa na Richards, uma loja que eu gosto, compro muito no Rio, nessa loja, e agora tem aqui, e o resto eu compro onde eu acho melhor, não tenho preferência ou não (...) tem mais estilo” (homem, casal 3). Embora o entrevistado destaque que não tem preferência, consome sempre da Richards, em Estados diferentes, o que denota o comportamento de um cliente leal à marca. A lealdade à marca constitui-se em um dos pilares do marketing, pois reflete a ligação do consumidor com a marca, diante da possibilidade de ele aderir à oferta da concorrente (AAKER, 1998). Além disso, a preferência por roupas e calçados esportivos, presente nas duas fases da pesquisa, converge para as tendências assinaladas por Lipovetsky (2007), ao afirmar que, na sociedade de hiperconsumo, os indivíduos buscam o conforto e o bem-estar e isso se reflete nas suas práticas de consumo de moda. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo é um recorte de uma pesquisa mais ampla e teve o objetivo de analisar de que modo ocorre o consumo dos casais heterossexuais sem filhos das classes A e B porto-alegrenses e seus hábitos, considerando-se as questões de gênero. Observou-se que esses casais, em suas práticas de consumo, revelam os seus valores, a importância que dão à liberdade para escolher o 41 que efetivamente interessa a cada um de seus membros, o que lhes dá mais prazer. Essas características remetem ao individualismo pautado na escolha de uma identidade autônoma e de um projeto individual que lhes possibilitou escolher um destino diverso dos de seus pais, amigos e familiares, a não maternidade e paternidade. função das suas escolhas, eles encontram bases sobre as quais podem assentar a sua percepção da realidade e, ainda, retirar seu objetivo de vida. E como alternativas de consumo, os indivíduos dispõem de uma gama de marcas, produtos diversos, inclusive os de luxo, afinal, foram socializados em uma cultura de consumo. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Os casais heterossexuais sem filhos têm níveis de escolaridade e renda superiores. A maioria tem terceiro grau completo, alguns pósgraduação, muitos são profissionais liberais e/ou exercem funções executivas que lhes garantem autonomia e acesso a uma renda mensal mais elevada do que a média nacional e têm gostos e habitus típicos desse grupo: preferência por residir em casa própria, dieta frugal, refeições fora de casa, interesse por produtos culturais: livros, cinema, música, teatro; a busca por novas formas de lazer e entretenimento, viagens, frequência aos shoppings centers, passeios pelos parques fazem parte do seu cotidiano. As diferenças de gênero e os seus impactos no consumo são sutis, pois se trata de um grupo com percepções bastante similares. Isso talvez se explique pelo tempo de convívio, mais de dez anos, ou, ainda, pelas mudanças no contexto sociocultural que aproxima cada vez mais homens e mulheres. Afinal, o feminismo, a pílula anticoncepcional, o ingresso no mercado de trabalho reduziram as diferenças entre os gêneros, os papéis sociais se alteraram, as atividades que eram do apanágio exclusivo de homens são exercidas por mulheres e vice-versa. As evidências apontadas neste artigo têm implicações na gestão das empresas em diversos âmbitos, no caso da indústria da construção civil, por exemplo: como conceber imóveis adequados a esse perfil? Afinal, a casa é um dos espaços mais valorizados por esse público. Em âmbito dos bens de consumo, o processo de compra, o ambiente de loja, a publicidade talvez possa desenvolver apelos diferenciados, porque o indivíduo que faz as compras pode ser o homem ou a mulher sem filhos. Ao longo dos relatos dos entrevistados percebese que o consumo pós-moderno propicia significância e identidade aos indivíduos. Em AAKER, D. Marcas. Brand equity: gerenciando o valor da marca. Rio de Janeiro: Campus, 1998. ACESSO À CULTURA. Futura. 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(2) Em caso negativo, o que precisa ser mudado ou melhorado? Este artigo evidencia algumas ligações entre classes sociais e consumo, especificamente algumas escolhas e percepções das classes mais baixas. Pretendeu-se aqui apenas listar alguns aspectos específicos do consumo na base da pirâmide com o propósito de discutir a necessidade da criação de um esquema classificatório que atenda às novas necessidades do mercado como, por exemplo, separar a emergente e crescente classe C da base da pirâmide. Defende-se aqui a adoção do modelo de Mattar (1997), com algumas adaptações, por ser de fácil aplicação e apresentar maior correspondência com o Critério Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Consumo popular, classes sociais, classificações sociais e escalas de posição social. ABSTRACT This article aimed to provoke the following discussions: (1) the system adopted in Brazil by the Brazilian Association of Research Companies (ABEP) to social stratification meets the needs of marketing, communication and media? (2) if not, what needs to be changed or improved? This article highlights a few links between social classes and consumption, specifically some choices and perceptions of the lower classes. Intended to only list some specific aspects of consumption at the bottom of the pyramid with the purpose of discussing the need for the creation of a classification scheme that meets the changing needs of the market as, for example, separate the emerging and growing class C at the bottom of the pyramid. It is here the adoption of Mattar (1997), with some adaptations, because it is easy to apply and provide greater correspondence with the Brazil Criterion. KEYWORDS: Popular consumption, social classes, social classification and scales of social position. 1. INTRODUÇÃO A discussão sobre a importância de se estudar a base da pirâmide parece desnecessária, pois um consenso começa a se formar na academia de administração com relação à necessidade de se estudar essa base, não só por ter sido um tema finalmente valorizado em termos globais (PRAHALAD, 2005; VISWANATHAN; ROSA; HARRIS, 2005; VACHANI; CRAIG, 2008), mas também pela questão econômica, uma vez que, no Brasil, em 2012, a classe C ficou composta de 103 milhões de pessoas ou 54% da população brasileira, que tiveram sua renda aumentada de R$ 1.338 para R$ 1.450 do ano de 2010 para 2011 (GUINOZA, 2012). Hoje, a questão parece estar mais focada nos seguintes aspectos: Como se dá esse consumo? Que referências esse segmento adota? Qual o papel do consumo na formação das múltiplas identidades dos pertencentes à base da pirâmide? Como a posição social influencia o consumo? Para responder essas questões faz-se necessário estudar antes os determinantes de classes sociais e suas ligações com o consumo. 2. DISCUSSÕES DOS CLÁSSICOS Os estudos seminais de Marx (EDGELL, 1993) e (WEBER, 1976), mostram as classes sociais como determinantes para a apropriação dos meios de produção e para as oportunidades de vida, respectivamente. A contribuição de Marx para o entendimento dos elementos estruturantes das classes sociais não se deu de forma clara, uma vez que aponta para apenas duas classes e sua preocupação maior era mostrar a natureza destrutiva do capitalismo, embasado no aumento do proletariado, que se oporia naturalmente à classe capitalista e, desta oposição, emergiria uma nova sociedade caracterizada pela ausência de classes (EDGELL, 1993). Já Weber (1976) contribuiu não só com a descrição dos elementos formadores de classe como também introduziu a ideia de estilo de vida. As camadas sociais se expressam também por “estilos de vida” que variam de acordo com seus valores honoríficos. As sociedades se segregam em diferentes grupos de reputação com base, não apenas em posições econômicas, mas também em critérios não econômicos como moral, cultural e de estilo de vida, que seriam sustentados por meio da interação das pessoas com seus pares. Ao contrário das outras duas dimensões, econômica e poder, o prestígio era visto como um recurso cuja distribuição deveria ser necessariamente desigual para que o mesmo pudesse existir (WEBER, 1976; JOHNSON, 1997). Weber (1976) começou a difundir as ideias de que as classes têm valores e estilos próprios que se distinguem dos demais. A influência das classes no consumo, apesar de não ser o foco do trabalho de Weber [1920, (1978)], aparece em seu seguidor Warner [1949, (1960)]. Seus estudos contêm elementos importantes do modelo de classes sociais de Weber (1976), como, por exemplo, a tendência de as pessoas se associarem e se identificarem com outras da mesma origem social e a constatação de que a maioria das pessoas seria capaz de se posicionar e de posicionar os outros socialmente (HARRIS, 2002). Warner (1960) começa a fazer correlações diretas entre classe e consumo chegando mesmo a fazer constatações como a de que o comportamento de compra era uma das mais importantes expressões de determinada posição de status em uma comunidade. Cada classe social tinha motivações e comportamentos de compra únicos e distintos das demais classes. As classes, por serem grupos motivacionais e categorias de status, não estavam apenas correlacionadas, mas eram a causa da escolha no consumo. O autor deu exemplos de produtos consumidos por classes distintas e sugeriu que a variável “classe social” fosse uma forma de predizer o consumo. O foco era a classe como determinante direta de consumo de objetos específicos, ideia esta que foi criticada mais tarde. Ainda dentro da visão de consumo como marcador social, são seminais os trabalhos de Veblen (1994) e Simmel (1957) mostrando o papel do consumo nas distinções sociais e não apenas na visão utilitária do discurso economicista. Veblen (1994), com sua ideia de consumo conspícuo mostra o prestígio social e o poder político “obrigando” os cidadãos a “gastos suntuários de representação” e a uma acirrada luta em torno de signos distintivos. Simmel (1957) traz a ideia da lógica da imitação e da diferenciação com a conhecida teoria trickledown que explica a necessidade de diferenciação por parte das elites em relação às massas e estas 46 de imitar as elites. Essa teoria trouxe uma importante contribuição na análise da difusão de moda onde os grupos socialmente abaixo das elites buscariam status adotando as roupas dos socialmente acima. Posteriormente essa teoria foi enfraquecida por reduzir o consumo a apenas demarcador social e também com a ideia do trickle-up, quando as camadas populares criaram modas como o rip-rop e o funk, e estas foram copiadas nas camadas superiores, com a devida adaptação, num movimento de cooptação, mostrando consumidores com um papel ativo e não apenas um receptáculo de modas. Bourdieu (1979; 1999) também teve contribuição marcante na visão do consumo como distinção social. O autor concebeu o mundo do consumo como o campo das relações de poder. Esse campo seria um espaço multidimensional de posições e localizações, nas quais as coordenadas das pessoas seriam determinadas pela quantidade de “capital” que elas possuíssem, capital econômico (recursos financeiros), capital social (recursos de relacionamentos) e capital cultural (recursos de origem social, com a formação educacional formal). Os membros de uma classe social se envolveriam deliberada ou objetivamente em relações simbólicas com indivíduos de outras classes e, com isso, exprimiriam diferenças de situação e de posição, que seriam as marcas de distinção (BOURDIEU, 1979). As classes mais desfavorecidas jamais interviriam no jogo da divulgação e da distinção, pois o jogo se organizaria em relação a elas. O jogo das distinções simbólicas se realizaria, segundo Bourdieu (1979), no interior dos limites estreitos definidos pelas coerções econômicas e, por esse motivo, permaneceria um jogo de privilegiados. Uma diferença marcante da relação entre posição social e consumo entre Warner (1976) e Bourdieu (1979) seria a de que, para o primeiro autor os indivíduos de diferentes classes escolheriam produtos e marcas distintos para se diferenciarem (HOLT, 1998). Já para o segundo autor, a distinção se daria pela maneira pela qual os objetos seriam consumidos de forma inacessível àqueles com menos capital cultural. Para Bourdieu (1979), fornecer ao sistema de classificação dominante o conteúdo mais adequado para valorizar o que se tem é uma forma de criar uma identidade social que valorize quem determinou a classificação. Apesar de toda a crítica a esses autores, suas contribuições foram fundamentais ao começarem a colocar o consumo como uma espécie de código ou gramática, trazendo a ideia do consumo simbólico que se consolida com a contribuição da cultura do consumo (MCCRACKEN, 1988; DOUGLAS; ISHERWOOD, 1996; BAUDRILLARD, 1973; SLATTER, 2002). Os objetos são “a parte visível da cultura” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 1996, p. 38) e, por meio deles, é possível construir-se fronteiras simbólicas, estabelecendo-se teias de significados e isso não seria diferente para os menos abastados. Uma vez que a posição social influencia o consumo, a seguir será feito um breve levantamento de diversas formas dessa influência na base da pirâmide. 3. PECULIARIDADES NO CONSUMO DA BASE DA PIRÂMIDE Os antropólogos (ZALUAR, 1985; SARTI, 1996; BARBOSA, 2004), preocupados em evitar o etnocentrismo, sempre alertaram para o perigo de se olhar para as camadas populares como uma cultura isolada e estanque, como a tão criticada “cultura da pobreza” nos anos de 1960. A proposta aqui, ao se buscar peculiaridades no consumo da base da pirâmide, não é mostrar uma cultura reificadora, criada no vácuo e estanque. Ao contrário, ao se conhecer melhor essa camada percebe-se, como bem apontaram Castilhos e Rossi (2009, p. 73), que: Há uma matriz de disposições e percepções comum que organiza as preferências dos indivíduos e legitima socialmente inclusive as práticas e o consumo demarcatório. Essas escolhas são influenciadas pela sociedade mais ampla e estão constantemente sendo revistas e modificadas. Estes autores ao discutirem o habitus (coletivo ou não) reforçam a ideia de percepções comuns originadas por condições estruturantes semelhantes, como proposto primeiramente por Weber (1976). Isso posto, é de extrema importância para o marketing, evidenciar as respostas peculiares para que se possa servir a essas camadas de forma mais eficiente como propuseram Rocha e 47 Silva (2009), lembrando que ainda é muito pequeno o conhecimento disponível sobre o comportamento dos consumidores pobres e sobre a eficácia e adequação dos instrumentos de marketing na base da pirâmide. Negar uma alteridade é negar uma forma melhor e mais específica de atender às necessidades desses consumidores. A seguir serão expostos alguns achados interessantes que evidenciam algumas formas específicas de consumo na base da pirâmide. Não se pretendeu fazer um levantamento exaustivo, ou mesmo buscar algum critério relevante de escolha, foram simplesmente pinçados exemplos emblemáticos por suas diferenças em relação à classe média ou por expor o ainda grande desconhecimento da academia com relação a esses consumidores. Um exemplo dessa falta de conhecimento é a suposição de que as camadas inferiores copiam as superiores, quando os estudos de campo mostram que os pobres usam como referência seus pares (BARROS, 2006). O estudo de Mattoso (2005) e o de Barros (2006) revelam as formas sutis de distinção entre os iguais, como “emprestar o nome” para mostrar que “estou podendo mais que o vizinho” e a adoção de costumes da patroa pelas empregadas domésticas com a finalidade de se distinguir dentro de seu meio social. Essa estratégia remete à ideia de pobreza como uma noção relativa. O pobre é sempre o outro ao qual eu me comparo. Sarti (1996) diz que, em seu estudo de campo, não encontrou ninguém que se definisse como pobre. Nos bairros da periferia de São Paulo os pobres eram os que moravam na favela; já na favela os pobres eram os que moravam embaixo da ponte. A autora afirma não ter entrevistado os moradores de debaixo da ponte, mas que certamente se o fizesse estes achariam alguém “inferior” a quem se comparar. Ainda dentro desse contexto de relatividade, Barbosa e Giglio (2005) comentam que os pobres só se referiam a si mesmos como pobres quando isso estava vinculado - e era compensado - por uma posição superior em um sistema de classificação social ou moral. "Sou pobre, mas honesta", "Sou pobre, mas limpa" ou "Sou pobre, mas abençoada por Deus". Os autores criticam o desconhecimento dos pesquisadores que lidam com essas camadas e usam metodologias inadequadas, que não captam a lógica e o ponto de vista do entrevistado. Chauvel e Mattos (2008) analisaram diversos estudos brasileiros sobre consumidores de baixa renda e chamaram a atenção para o discurso racional dos informantes de diversos estudos (MATTOSO, 2005; BARROS, 2007; MATTOS, 2007). É interessante perceber que, por trás de declarações como “Eu não estou nem aí para marcas, eu quero é preço”, escondem-se consumidores extremamente leais a marcas. Na verdade, este discurso racional revela uma preocupação dos entrevistados em mostrar que fazer render o dinheiro é importante e a dona de casa que atinge esse objetivo é bastante valorizada. O trabalho de Parente, Barki e Kato (2005), onde estudaram a motivação do consumidor de baixa renda para escolha do varejo, mostra como a ideia de que essa camada busca somente preço é equivocada. O atendimento e o trabalho de visual merchandising são extremamente importantes na construção de valor. Esses fatores podem ser tão ou mais importantes do que os preços dos produtos, o que é comprovado pela preferência dos consumidores na região de estudo, pelo supermercado que pratica os maiores preços, mas que elabora um trabalho exaustivo, competente e sinérgico nos outros componentes do mix de marketing. No tocante ao orçamento doméstico, Chauvel e Mattos (2008) perceberam que diversos estudos tinham a escassez de recursos como um dos eixos em torno dos quais se organizam a gestão do orçamento e as escolhas de compra e consumo. Entretanto, percebe-se que a variável “renda”, isoladamente, não é suficiente para explicar a alocação de recursos. O estudo de Silva e Parente (2007), sobre orçamento familiar, focou em famílias com a mesma faixa de renda, ou seja, renda bruta mensal familiar que estivesse entre dois e cinco salários mínimos, e o resultado mostrou uma heterogeneidade enorme dentro desse mesmo segmento em termos de alocação de recursos, o que levou os pesquisadores a criarem cinco novos subsegmentos. 48 Mattoso e Barros (2008), em pesquisa na Baixada Fluminense com famílias evangélicas e católicas, perceberam que havia diferenças substanciais na alocação de recursos das famílias evangélicas. Estas primavam por um rigor em seus gastos, chegando mesmo a desdenhar dos que eram apegados a marcas e gastos supérfluos. Os gastos com escolaridade também pareceram ter mais prioridade do que junto às famílias católicas. A influência dos pastores na gestão do orçamento era tão direta que, em alguns casos, era comum ter cursos de planejamento de vida de cinco anos com estratégias de metas financeiras. Um informante disse ter quebrado seus cartões depois que ouviu seu pastor dizer que “cartão é ilusão e o Senhor não gosta de endividados”. É importante ressalvar que este estudo foi de natureza interpretativa, com apenas nove famílias em um bairro do município de Duque de Caxias, Estado do Rio de Janeiro. Outro aspecto interessante dessa pesquisa de Mattoso e Barros (2008) foi a orientação temporal, com o núcleo das famílias evangélicas mostrando um horizonte de tempo bem mais longo que no núcleo católico. Barros (2006) já havia percebido a influência da religião em seu estudo com empregadas domésticas, lembrando que, no ethos protestante, aqueles que alcançaram riqueza material por meio do trabalho árduo podem considerar-se eleitos de Deus. Essa moral weberiana explica, em parte, a distância do fatalismo, muitas vezes presente no discurso dos católicos: “Deus quis assim”. Rocha e Silva (2009) também fizeram uma revisão sobre o consumo de pobres na literatura internacional e na brasileira evidenciando diversos aspectos reveladores como o significado das marcas, os gastos familiares, o uso do crédito e o significado dos bens. Os autores abrem uma seção com esta pergunta: Quem são os consumidores pobres? E sugerem algumas formas de classificação dos pobres como a proposta por Sachs (2005) e Castilhos (2007). As seções quatro e cinco deste trabalho fazem uma revisão na literatura internacional e depois brasileira sobre esquemas classificatórios com o intuito de levantar subsídios para a defesa de um novo modelo brasileiro. 4. ESQUEMAS CLASSIFICATÓRIOS NA LITERATURA INTERNACIONAL Para auxiliar na discussão sobre que modelo utilizar para classificar os consumidores segundo suas classes sociais, serão expostos, primeiramente alguns critérios utilizados em outros países e, em seguida, serão discutidos alguns dos critérios mais utilizados no Brasil. Nos estudos de classes sociais de Warner (1960), a identificação de status era obtida por meio de extensas entrevistas numa comunidade, sobre a reputação individual e de grupos. A isso era somada a elaboração de quadros formais e informais de padrões de interação, por meio da participação avaliatória e de medidas de associação ou sociométricas, que contavam o número e a natureza dos contatos pessoais das pessoas em seus relacionamentos informais (BLACKWELL et al., 2008). O índice de Warner (1994) considerava quatro fatores socioeconômicos: ocupação, fonte de renda, tipo de moradia e local da moradia. Uma crítica a esse esquema classificatório foi posteriormente levantada por Coleman (1983), que argumentou que a metodologia de Warner (1960) só podia ser utilizada em pequenas comunidades e com fundos ilimitados. No mundo real, de orçamento limitado, os pesquisadores teriam que se contentar com menos, dependendo do objetivo da pesquisa. Coleman e Rainwater (1978) introduziram um esquema de posições para as classes onde o status econômico teria o papel mais importante, entretanto, na prática, ele era baseado na ocupação e afiliações sociais e se dividia em três grupos distintos: 1 – a classe alta; 2 – a classe média (70%), que se dividia em classe média propriamente dita, constituída por trabalhadores manuais e não manuais, de renda média com moradia em bairros melhores, e classe operária, composta também por trabalhadores manuais com renda média, mas que tinham um “estilo de vida proletário”; e 3 – a classe baixa, que estava dividida em dois grupos, um dos quais vivia apenas um pouco acima do nível de pobreza, sendo o outro, visivelmente miserável. Percebese, ao analisar o esquema de três níveis, que o elemento estruturante principal é a ocupação. 49 Gilbert e Kahl (1982) usaram uma abordagem “funcional”, dando maior atenção à propriedade capitalista e à divisão ocupacional do trabalho para variável de definição, e consideraram prestígio, valores e associações como fatores derivados. As divisões de classes de Warner (1960), Gilbert e Kahl (1982) e Coleman e Rainwater (1978) apesar de partirem de pontos diferentes, chegaram à divisão em três classes sociais bem próximas. A distribuição da população americana que mais se diferenciou foi a de Warner (1960), o que é atribuível a diferenças metodológicas e distância no tempo. Portanto, pode-se dizer que, apesar de não se conseguir uma padronização das métricas, com alguns parâmetros sendo comuns, chega-se a resultados semelhantes. Coleman (1983) reconheceu que o tipo de instrumento e pontuação utilizados pelas pesquisas de massa não conseguiam captar as nuanças necessárias para uma classificação mais fidedigna. Sugeriu que se utilizasse medida aproximada, como por exemplo, o Computerized Status Index (CSI) ou Índice de Status Computadorizado, que é composto pelas variáveis: educação (do chefe da família e do cônjuge); prestígio ocupacional do chefe da família (declarado pelo entrevistado, mas julgado e ajustado pelo entrevistador); área de residência e renda familiar total. O autor sugeriu também que, se o objetivo da pesquisa fosse um estudo profundo da relação entre classes sociais e escolhas de consumo, a distribuição dos grupos em classes deveria ser feita de forma qualitativa com o julgamento de um especialista. Para Wright (1978), um autor neomarxista, a base para a diferenciação das classes seria o conceito de controle sobre investimentos ou processo de acumulação, meios de produção e força de trabalho. A burguesia teria os três controles e o proletariado nenhum. Os gerentes, pequenos empregadores e trabalhadores autônomos teriam algum controle, mais do que o proletariado, mas menos que a burguesia. Wright (1985) criou um mapa de classes, com 12 classes, que é muito utilizado em estudos de sociologia e que tem por base, as medidas socioocupacionais. Outro autor que também contribuiu para a criação de mapas de classes foi Goldthorpe (1987) que desenvolveu um esquema de classes com sete categorias em que a ocupação e o status do tipo de emprego eram utilizados para a diferenciação das categorias. As categorias desenvolvidas por Goldthorpe (1987) combinavam diferentes ocupações que seriam comparáveis em termos de nível de renda, segurança econômica e oportunidades de avanço econômico e, também, em termos da sua localização no sistema de controle e autoridade sobre os meios de produção. 5. ESQUEMAS CLASSIFICATÓRIOS PARA ESTUDO DE CLASSES SOCIAIS NO BRASIL Para Zaluar (1985) e Sarti (1996), a utilização da renda como critério de demarcação de classes sociais foi considerada insatisfatória, por confinar a classificação a um único eixo, reduzindo seu significado social. Sociólogos como Pastore (1979) buscaram um ponto de apoio para o estudo da estratificação por meio das ocupações e da posição na ocupação, distribuída pelos diferentes setores de atividade – agricultura, indústria e comércio e serviços. Figueiredo Santos (2002), em seu estudo sobre a estrutura de posições de classe no Brasil, constatou não haver, na sociologia brasileira, tradição de investigação empírica voltada para a construção de “mapas de classe”. O autor percebeu que a estrutura de classe no Brasil era diferente daquela existente em países desenvolvidos e propôs um esquema de classes com base no modelo de Wright (1978), cujas determinações da posição de classe na vida dos indivíduos viriam do acesso aos meios de produção ou aos recursos materiais, um esquema socio-ocupacional, como descrito anteriormente neste artigo. Sua proposta de mapeamento da disposição estrutural e dos perfis específicos das posições e segmentos de classe no Brasil recorreu à base de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, e a uma tipologia adaptada do esquema de classes de Wright (1978). O mapeamento de Figueiredo Santos (2002), por seu cuidado na classificação das camadas populares, chamadas por ele de trabalhadores, poderia ser uma boa base para a 50 escolha de critérios a serem adotados para pesquisas de marketing. Em função destas e outras críticas, Mattar (1995, p. 67) considerou que: Além do mapeamento das posições de classes feito por sociólogos brasileiros, profissionais de marketing também buscaram classificações para mapear a população visando muito mais o poder aquisitivo do que critérios estruturantes. Esse seria o caso do Critério Brasil. Até 1970 não havia no Brasil um critério de estratificação único que permitisse às empresas adotar determinadas práticas de marketing como a segmentação. Para tanto, a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) estabeleceu o primeiro critério padronizado de classificação socioeconômica no Brasil. Esse sistema-padrão de classificação baseava-se no cômputo de pontos calculados a partir da posse de itens. O sistema foi adotado até que, quatro anos após sua adoção, começaram a surgir críticas de que as classes mais altas apresentavam, pelo critério, uma dimensão maior do que seu real tamanho. As pressões por aprimoramento cresciam, mas também aumentava a argumentação de que, com uma mudança, poderia se perder a continuidade e a possibilidade de comparação no tempo. Seria necessário e urgente o desenvolvimento de um novo método compreendendo variáveis mais estáveis e precisas – não somente reformulações em um método que já se mostrou inadequado. Essa discussão permanece até hoje, embora o critério venha sendo revisado frequentemente. O problema, como bem colocou Mattar (1995) ao fazer uma análise crítica sobre esse critério, hoje conhecido como Critério Brasil, é que a definição de classe utilizada foi o poder aquisitivo das famílias, operacionalizado como renda familiar. A justificativa para essa escolha, ainda segundo Mattar (1995), foi a de que a variável “aptidão para consumo” implicava ter poder aquisitivo, mas implicava também condições culturais e de estilo de vida que predispusessem ao consumo. Entretanto, como essas variáveis eram de difícil operacionalização, o critério limitou-se à renda estimada por meio dos itens de posse. Essa escolha, segundo Mattar (1995), peca na essência, referindo-se a determinados problemas metodológicos, como, por exemplo, os indicadores de posse de bens utilizados, que teriam perdido seu valor com o passar do tempo e também porque os testes realizados por Mattar mostraram não haver correlação entre as classes, conforme estabelecido por meio do Critério Brasil e a renda. Mattar (1997) propôs um novo modelo de estratificação social que deveria possuir estabilidade, precisão, comparabilidade, validade e facilidade de aplicação. A proposta compreendia as seguintes variáveis: escolaridade do chefe da família, renda mensal do chefe da família, categoria ocupacional do chefe da família e moradia. A distribuição dos indivíduos seria em um contínuo de 0 a 140 pontos, com pontos de corte fixos para a delimitação dos estratos. A divisão seria em cinco estratos, o que ficaria de acordo com os principais estudos de sociologia e marketing e também ajudaria a estabelecer relação entre os estratos que já são utilizados na prática no Brasil. Outra contribuição significativa em termos de proposta foi a classificação das ocupações brasileiras em cinco estratos de Jannuzzi (2003). Esse autor argumenta que a representação operacional do construto “status socioeconômico” envolve escolhas pragmáticas e preferências subjetivas, mas é apoiado por uma larga tradição anglo-saxônica como as de Wright (1978) e Goldthorpe (1987), descritas neste artigo, que refletem empiricamente diferenciais socioeconômicos expressivos de rendimentos, escolaridade, qualidade e segurança no posto de trabalho. O tipo de medida proposta por Jannuzzi (2003) hierarquiza as ocupações em estratos por meio de um índice baseado na distância socioeconômica entre as ocupações, medida por métodos multivariados. Diferenças grandes entre índices refletem distanciamentos significativos entre renda e escolaridade. “Ainda que operacionalmente mais complexas, essas escalas são mais robustas às variações conjunturais.” (JANNUZZI, 2003, p .253). A ocupação é entendida como critério básico e estruturante da inserção social dos indivíduos na sociedade urbano-industrial. A metodologia proposta por Jannuzzi (2003) levou em consideração diferenças e similaridades das ocupações em relação ao caráter urbano/rural, manual/não manual, aos setores de atividade, nível de qualificação, controle e autonomia. 51 Baseou-se também na PNAD para propor sua escala sócio-ocupacional de agregação das ocupações brasileiras em cinco grandes estratos. 6. PROPOSTA PARA ADOÇÃO DE UM MODELO DE ESTRATIFICAÇÃO SOCIOECONOMICA Para marketing, comunicação e mídia, por tudo o que foi exposto anteriormente, parece clara a necessidade de um esquema classificatório específico para suas necessidades. Como medir o tamanho de um mercado sem uma métrica adequada? Como estabelecer fronteiras entre as classes D e C, por exemplo? O Critério Brasil tem tido cada vez menos precisão devido à massificação dos bens, além de ser um índice com baixa estabilidade, uma vez que os bens ficam rapidamente obsoletos. Néri (2010) traz algumas análises interessantes com relação ao acesso a bens de consumo, lembrando que, com base na PNAD de 2010, geladeira e televisão estão presentes em mais de 90% dos lares brasileiros, enquanto o freezer é o menos presente, mesmo nas classes A e B ele atinge apenas 35,9% de seus componentes. Estes exemplos de Néri de posse de eletrodomésticos, todas constantes do Critério Brasil, ilustram bem a incapacidade dos bens de discriminar as classes. Portanto, defende-se aqui a adoção de um novo esquema classificatório. Duas propostas parecem igualmente satisfatórias: a escala ocupacional de Jannuzzi (2003) e o modelo de Mattar (1997). Optou-se por sugerir a proposta de Mattar (1997), mas com algumas sugestões de alterações. O modelo de Mattar tem como vantagem em relação ao de Jannuzzi o fato de ter maior correlação com o principal modelo vigente, o Critério Brasil, além de estar em consonância com o modelo de Coleman (1983), também mencionado neste artigo. O modelo aqui proposto segue as mesmas variáveis e ponderações de Mattar (1997), conforme mostra a Tabela 1. TABELA 1 Modelo de classificação. VARIÁVEL PONDERAÇÃO (%) Renda 40 Escolaridade 30 Ocupação 20 Habitação 10 Fonte: MATTAR, F. Novo modelo de estratificação socioeconômica para marketing e pesquisas de marketing. 2º SEMEAD. Anais... São Paulo, 21 e 22 out. 1997 . Esta ponderação deve ser utilizada para distribuir os 140 pontos sugeridos por Mattar, que propôs que a renda tivesse o maior peso. Esta ponderação foi uma das diversas por ele sugeridas, após vários testes estatísticos. Veja a seguir como ficariam as variáveis: Renda: teria 56 pontos (40% dos 140 pontos) que seriam distribuídos não pelos intervalos propostos por Mattar (1997), mas sim pelos de Néri (2010). Apesar de Mattar (1997) ter alertado para a dificuldade de se utilizar a renda per capita, essa é a opção sugerida. A variável renda do chefe de família não se adapta bem à base da pirâmide, uma vez que, nesses estratos, a renda familiar é o que conta e não a renda do chefe de família. Nessas camadas as famílias são mais numerosas e tendem a contar com a renda de avós, filhos e agregados (NÉRI, 2010; FERRARIO; CUNHA, 2012; ARAÚJO; DIAS, 2010). A não utilização da renda familiar per capita esconderia um potencial de consumo muito grande. Néri (2010) defende a renda familiar per capita, como variável de corte, devido ao vasto instrumental e literatura existente e por entender que, na família, há uma solidariedade interna na transformação dos proventos em consumo. É importante lembrar que a estratificação de Néri (2010) com base na renda foi feita com base nos dados da PNAD para analisar séries históricas de potencial de consumo, correlações com educação, ocupação e outras medidas de desenvolvimento. Seu propósito não foi criar um instrumento para que fosse possível classificar sujeitos em pesquisas de mercado, como é o caso discutido aqui. Os intervalos de renda de Néri (2010) encontram-se na Tabela 2. 52 TABELA 2 Renda domiciliar per capita a partir do total das fontes familiares. CLASSE INFERIOR SUPERIOR E 0 751 D 751 1.200 C 1.200 5.174 B 5.174 6.745 A 6.745 Fonte: NERI, M. A nova classe média: o lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2010. Os 56 pontos seriam distribuídos pelos cinco intervalos de renda do modelo de Néri. Mattar utilizou a fórmula de Coleman e Rainwater (MATTAR, 1995) que relaciona renda e status por meio da fórmula: Status = (renda) elevada à potência (0,6) dividida por 2,5. TABELA 3 Intervalos de renda familiar per capita e pontuações atribuídas. INTERVALOS DE RENDA (R$) Até 751 Acima de 751 até 1.200 Acima de 1.200 até 5.174 Acima de 5.174 até 6.745 Acima de 6.745 Fonte: Elaborado pela autora. Escolaridade: utilizou-se o critério de Mattar (1997) alocando-se um total de 42 pontos (30% de 140), assim distribuídos: analfabeto 0 ponto, 4ª série do primeiro grau 13 pontos, 1º grau completo 27 pontos, 2º grau completo 40 pontos e superior completo 42 pontos. Utilizando-se a mesma fórmula nos valores centrais de cada intervalo chega-se à pontuação da Tabela 3. Entretanto, esses valores são meramente ilustrativos, com propósito apenas didático, pois não foram testados empiricamente. PONTUAÇÃO 0 17 36 52 56 Ocupação: para essa variável foram utilizados os estratos sócio-ocupacionais de Jannuzzi (2003). O Quadro 1 mostra as ocupações típicas dos estratos sócio-ocupacionais. QUADRO 1 Ocupações típicas dos estratos sócio-ocupacionais. ESTRATO SOCIOOCUPAÇÕES TÍPICAS OCUPACIONAL Médico, Engenheiro, Professor Universitário, Empresários, Gerentes e postos Alto superiores na Administração Pública (Juízes, Promotores, Delegados, Oficiais das Forças Armadas etc.) Técnicos de contabilidade e administração, Mestre e Contramestres na indústria, Médio-alto Professores de ensino fundamental e médio, Corretores de Imóveis, Inspetores de Polícia, Carteiros, Comerciantes (proprietários) e Agricultores Torneiro Mecânico, Montadores de Equipamentos Elétricos, Vendedores, Operadores de caixa, Comerciantes conta-própria, Professores de ensino pré-escolar, Motoristas, Médio Inspetores de alunos, Auxiliares de enfermaria, Auxiliares administrativos e de escritório, Policiais e Praças das Forças Armadas. Ocupações da indústria de alimentos, ocupações da indústria têxtil, Pedreiros, Médio-baixo Pintores, Garçons, Vigias, Porteiros, Estivadores, Vendedores ambulantes. Trabalhadores rurais na condição de empregados ou autônomos (produtores meeiros Baixo ou parceiros), além das ocupações urbanas de baixo status como de Serventes de Pedreiro, Lavadeiras, Empregados domésticos e Lixeiros. Fonte: JANNUZZI, P. Estratificação socio-ocupacional para estudos de mercado e pesquisa social no Brasil. São Paulo em Perspectiva, v. 17 (3-4): p. 247-254, 2003. 4 Dos 140 pontos propostos por Mattar (1997) para o total da escala, a ocupação responde por um peso de 20%, resultando numa pontuação máxima de 28 pontos. A atribuição de pontos sugerida para cada estrato sócio-ocupacional encontra-se na Tabela 4. Esses pontos são também meramente ilustrativos, pois não foram testados empiricamente. TABELA 4 Estratos socio-ocupacionais e pontuações atribuídas. ESTRATO SOCIOOCUPACIONAL Alto Médio-alto Médio Médio-baixo Baixo PONTUAÇÃO 28 21 15 6 0 Fonte: Elaborado pela autora. Habitação: esta variável seguiu o modelo de Mattar (1997) que utilizou o número de dormitórios para estimá-la. Habitação responde por apenas 10% dos 140 pontos, resultando em uma pontuação máxima de 14 pontos. As pontuações atribuídas à variável habitação encontram-se na Tabela 5. TABELA 5 Variável habitação e pontuações atribuídas. NÚMERO DE DORMITÓRIO PONTUAÇÃO S 0 0 1 2 2 5 3 7 4 10 5 ou mais 14 Fonte: MATTAR, F. Novo modelo de estratificação socioeconômica para marketing e pesquisas de marketing. 2º SEMEAD. Anais... São Paulo, 21 e 22 out. 1997. A classificação dos sujeitos pela soma do número de pontos obtidos em cada variável ficaria sujeita a pontuação de Mattar conforme mostra a Tabela 6. TABELA 6 Pontos de definição dos estratos sociais. ESTRATOS NÚMERO DE SOCIOECONOMICOS PONTOS A – alto 118 ou mais B – médio alto 67 a 118 C – médio 33 a 66 D – médio baixo 16 a 32 E – baixo 0 a 15 Fonte: MATTAR, F. Novo modelo de estratificação socioeconômica para marketing e pesquisas de marketing. 2º SEMEAD. Anais... São Paulo, 21 e 22 out. 1997. O modelo proposto neste artigo não foi testado empiricamente, o propósito aqui foi reapresentar o modelo de Mattar com algumas atualizações e modificações para que o mesmo voltasse a ser discutido por sua importância e adequação às necessidades dos profissionais de marketing. 7. CONCLUSÃO A posição social parece ter influência determinante no consumo. O consumo da base da pirâmide mostra-se rico em aspectos específicos e peculiares, entretanto, onde estão as fronteiras? 12 Propõe-se a discussão de um modelo que possa discriminar novos estratos, que são de grande importância para o mercado. BLACKWELL, R.; MINIARD, P., ENGEL, J. Comportamento do consumidor. São Paulo: Cengage Learning, 2008. A adoção de uma escala sócio-ocupacional, também traria melhorias em relação ao Critério Brasil. É facilmente aplicável, por conter apenas uma variável, mas ficaria muito distante do critério atual, portanto sugere-se a adoção do modelo de Mattar (1997) que poderia vir a ser o Índice Computadorizado de Status do Brasil. BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1999. O presente artigo deu sua contribuição no sentido de mostrar a urgência em se distinguir as camadas da base da pirâmide e também ao reunir alguns dos principais critérios e elementos estruturantes encontrados na literatura nacional e internacional. Não se pretendeu aqui esgotar a análise do modelo sugerido ou testar estatisticamente um novo modelo, mas apenas sensibilizar para a questão e apontar possíveis caminhos. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Cristina; DIAS, Cristina. Avós guardiões de baixa renda. Pesquisas e práticas psicossociais. 4(2), São João del-Rei, Jul. 2010. BARBOSA, L.; GIGLIO. E. Marketing etnográfico. Revista HSM Management, nº 19, abril, 2005. ______. 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