democracia eletrônica para quem? compreendendo a

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DEMOCRACIA ELETRÔNICA PARA QUEM? COMPREENDENDO A DEMANDA DO
PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS DO BRASIL
ELECTRONIC DEMOCRACY FOR WHOM? UNDERSTANDING DEMAND OF BRAZIL'S
CHAMBER OF DEPUTIES WEBSITE
MAX STABILE
MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, PESQUISADOR DO
LABORATÓRIO DE PESQUISA EM COMPORTAMENTO POLÍTICO, INSTITUIÇÕES E
POLÍTICAS PÚBLICAS − LAPCIPP E MEMBRO DO GRUPO DE PESQUISAS EM
DEMOCRACIA DIGITAL DO INSTITUTO DE CIÊNCIA POLÍTICA.
E-MAIL: [email protected]
RESUMO
Este artigo se propôs a responder em que medida todas as possibilidades de interação ofertadas pelo
Portal Web da Câmara dos Deputados do Brasil atendem às necessidades de interação política dos
cidadãos. Quem são os usuários dessas novas ferramentas? Qual a avaliação que fazem desses novos
canais? Para isso utilizou duas metodologias distintas. A primeira consistiu em analisar as estatísticas de
acesso ao Portal; a segunda, na condução de uma pesquisa on-line para coletar a opinião dos usuários. A
tese defendida é de que o ambiente on-line de interação que o Portal proporciona é um “espelho
ampliado” do ambiente de interação política tradicional, pois jovens o estão utilizando mais e usuários
com baixa escolaridade e renda buscam canais de contato e participação política. O cidadão que possui
menor possibilidade de articulação na política tradicional está utilizando a internet para se mobilizar
politicamente.
PALAVRAS-CHAVE:
Democracia eletrônica, pesquisa on-line, estatísticas de acesso Web, participação política.
ABSTRACT
This article is proposed to respond to what extent all the possibilities of interaction offered by the
Brazil’s Chamber of Deputies Website meet the needs of citizens ' policy interaction. Who are the users
of these new tools? Which the evaluation that make these new channels? For that were used two different
methodologies. The first consisted in analyzing the statistics of access to the Website; the second, in
conducting an online survey to collect the views of users. The thesis is defended that the online
environment provides Portal interaction is a "mirror magnified" traditional policy interaction
environment, because young people are using more and users with low education and income seek
contact channels and political participation. The citizen who has less possibility of articulation in
traditional policy is using the internet to mobilize politically.
KEYWORDS:
E-democracy, Websurvey, Web access statistics, political participation.
1. APRESENTAÇÃO
Este artigo visa responder em que medida o Portal
da Câmara dos Deputados do Brasil atende as
necessidades de interação política do cidadão que
utiliza o Portal como um novo canal institucional
de participação, interação e informação política.
Subentende-se por cidadão, todo e qualquer
indivíduo com acesso a internet e que acesse o
Portal da Câmara, mesmo que esporádico.
Subentende-se, por interação política, toda e
qualquer ação realizada pelo cidadão no ambiente
do Portal.
Analisando-se a oferta de conteúdo e de canais de
interação política, o Portal da Câmara é um dos
melhores da América Latina em diversos quesitos
(BRAGA, 2007). Possui ampla oferta de
informações sobre a legislação brasileira, o perfil
dos Deputados Federais e a transparência pública.
Possibilita amplo acompanhamento das atividades
legislativas, além de disponibilizar canais de
participação para o cidadão.
O foco deste artigo foi a demanda. O objetivo foi
identificar qual a interação existente nos usuários
do Portal e como eles avaliam o conteúdo, os
canais de interatividade e a participação política
ofertada. Para cumprir com esse objetivo, portanto,
três aspectos essenciais são necessários: o primeiro
deles é entender quem é o cidadão que acessa o
Portal da Câmara; o segundo aspecto trata-se de
tudo o que se relaciona com as interações feitas no
Portal, ou seja, entender o acesso e quais são os
conteúdos mais acessados pelos usuários; o
terceiro aspecto envolve a avaliação do Portal e
responder em que medida os canais ofertados e
acessados pelo cidadão o satisfaz em sua
necessidade de interação política.
de novas ferramentas e possibilidades de interação
entre cidadãos e atores políticos.
Contudo, cabe ressaltar que esses novos desenhos
institucionais aqui abordados, não estão descolados
de uma discussão teórica anterior da Ciência
Política.
Exemplos dessa ligação entre abordagens
tradicionais e desenvolvimento desses novos
desenhos institucionais seriam: ao analisar uma
ferramenta de participação direta do cidadão na
condução de políticas públicas, esse novo desenho
institucional não está dissociado das teorias
tradicionais como a participacionista; um portal
que foca principalmente na oferta de informação
(notícias) para os usuários está consoante a uma
visão shumpeteriana, que não privilegia a
participação.
Pretende-se, com este conceito/definição, adotar
uma visão multidimensional, em que se assumem
características de várias teorias de forma a agregálas ou combiná-las em todas as suas possibilidades.
O
objetivo
em
adotar
essa
definição
multidimensional é a capacidade de construir um
modelo amplo de pesquisa que possa contemplar
não só análises distintas, como soluções e
propostas factíveis.
Como Norris (2001) argumenta, se deixar-se a
cabo somente a interpretação da democracia
eletrônica participacionista, se concluirá quase
sempre que a internet tem falhado. Por outro lado,
se considerar-se apenas o ideal liberal
concorrencial ao analisar a Web, se perderá uma
parte substancial e importante que é a interação
“Web cidadão governo” de forma ampliada.
1.1 A DEMOCRACIA ELETRÔNICA
1.2 O DESAFIO DA PARTICIPAÇÃO
Entre as diversas definições de Democracia
Eletrônica (ou Democracia Digital) adotou-se,
neste artigo, a seguinte:
Para se entender a participação on-line é
necessário entender a participação política
tradicional. Quatro modelos que podem explicar o
porquê da participação política serão aqui
abordados (AVELAR, 2007).
Democracia Eletrônica é o uso das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) por qualquer ator
político – governo, sociedade civil, políticos,
candidatos, cidadãos – para aumentar as possibilidades
democráticas de um sistema político institucional
vigente. (HACKER; VAN DIJK, 2000).
Esta definição de Democracia Eletrônica abrange a
criação de novos desenhos institucionais por meio
O primeiro modelo é o da centralidade e propõe
que a intensidade da participação varie conforme a
posição social do indivíduo, pois quanto mais
central, do ponto de vista da estrutura social,
maiores a participação e o senso de agregação. Ou
seja, mesmo indivíduos em grupos de baixo nível
2
participativo, mas que são centrais em alguns
aspectos como educação e exposição de
informações terão uma tendência maior a ser um
focalizador da sua participação.
O segundo modelo, o da consciência de classe, é a
ideia de que o indivíduo só irá participar quando
tiver noção de sua condição de desigualdade social
na sociedade em que ele estiver inserido. Esse
modelo justifica ações pedagógicas por parte de
grupos minoritários que necessitam de maior
mobilização social.
O terceiro modelo é o da escolha racional. Para
esse modelo o indivíduo irá participar se o custo da
participação dele for menor que a expectativa de
benefício/utilidade que ele terá.
O quarto e último modelo trata da identidade. Por
meio da experiência da participação haveria o
processo de identificação e reconhecimento
recíproco de identidades pessoais e coletivas.
No ambiente on-line a questão motivacional ainda
é um desafio a ser superado, como bem apontou
Norris (2003), a simples concepção do incremento
instrumental está longe de representar o
consequente
incremento
à
participação
democrática. Eisenberg (2002), ainda vai mais
longe ao afirmar que:
As causas da apatia política no mundo contemporâneo
são profundas e complexas, e dificilmente a internet,
enquanto meio técnico de comunicação, será capaz de
superá-las e resolver as crises de legitimidade das
democracias atuais.
Mossberger, Tolbert e McNeal (2008) chegam à
mesma conclusão analisando surveys americanos.
Os dados confirmam que, por enquanto, a
participação política pela internet ainda tem
servido como espelho da política comum, cidadãos
mais educados e de classes mais altas estão se
beneficiando dessas possibilidades. Krueger (2006)
também afirma que a internet não tem feito com
que novos cidadãos tenham se incluído no
processo de participação política, mas, cidadãos
com maiores habilidades em internet possuem
maiores probabilidade de se mobilizarem on-line.
O temor de que as possibilidades de participação
digital poderiam exacerbar ainda mais as
diferenças parecem, aparentemente, se concretizar.
Mas há controvérsias. Alguns pesquisadores
apontam que os dois tipos de participação são
diferentes (KLING, 1999; BIMBER, 2000;
KIESLER; LUNDMARK; KRAUT, 2000). A
internet tem feito com que jovens participem mais
(QUINTELIER; VISSERS, 2008). Possivelmente,
pela maior capacidade de adotar novas tecnologias
(OWEN, 2000).
Gibson, Howard e Ward (2000) argumentam que a
internet tem expandido o número de pessoas
politicamente ativas, principalmente alcançando
grupos que são tipicamente inativos e menos ativos
no mundo off-line. Seu estudo é uma comparação
entre os Estados Unidos, o Canadá, o Reino Unido
e a Austrália.
O trabalho de Rogério Schlegel (2009), utilizando
dados do Latinobarômetro de 2007, demonstra que
a internet tende a dar vozes a quem já tem, mas vai
além. Mostra que, no Brasil, a educação teve um
peso mais relevante que outras variáveis como
renda e gênero. Peixoto (2008), com o orçamento
participativo on-line da prefeitura de Belo
Horizonte, e Grönlund (2003), que estudou o plano
de desenvolvimento de uma municipalidade na
Suécia, mostraram, em todos os estudos, que a
participação on-line foi maior do que a
participação off-line.
As discussões travadas sobre quem participa no
ambiente on-line são feitas, em sua maioria, por
pesquisas de opinião, como os exemplos mostrados
anteriormente.
Os
estudos
enfocam
as
características do usuário participativo como
possíveis variáveis explicativas.
Um enfoque sobre outro ângulo pode ajudar a
entender ainda melhor o fenômeno da participação
on-line que é o estudo da oferta disponibilizada
para que o cidadão participe. Afinal, a falta de
participação on-line pode ter como causa, a falta
de canais e ferramentas de participação.
Mas, como medir a oferta? Uma alternativa seria
medir os canais ofertados pelas instituições
políticas. Nesse sentido, estudos como o de Batista
(2003;
2006)
mostram
que
portais
de
municipalidades locais em toda a América Latina
vêm se desenvolvendo em termos de canais
ofertados, a oferta vem crescendo desde 2002.
Entretanto, a oferta participativa em termos
eleitorais ainda não é boa. Brandão (2008)
argumenta que, na campanha presidencial de 2006,
as redes sociais foram utilizadas como novos
3
palanques. Norris em Pregando para convertidos
(2003) afirma que os sites dos candidatos
americanos não estimulam o diálogo entre os
cidadãos e que, de certa forma, os sites dos
partidos eram para os já partidários. A promessa da
Web 2.0 de interação e compartilhamento de
informações, também foi pouco incentivada.
Avaliações dos portais governamentais têm sido
feitas por acadêmicos com critérios normativos
(CUNHA, 2000; SILVA, 2005; BATISTA, 2003;
2006; BRAGA, 2007) e, em todos esses estudos, a
abordagem da oferta é pela quantidade (se tem ou
não tem), em alguns casos pela importância, mas
não abordam a qualidade.
estatísticas de acesso do Portal da Câmara, pelo
Google Analytics. O período de coleta dos dados
começou em 21 de novembro de 2011 e se
encerrou em 9 de janeiro de 2012. Em ambas as
etapas, a pesquisa teve a autorização do Comitê
Gestor do Portal, órgão responsável pela
manutenção do Portal da Câmara dos Deputados
do Brasil.
2.1 A PESQUISA ON-LINE
Com base nesses estudos chega-se à conclusão que
a oferta “oficial” de canais de participação e
interação com o meio político é insuficiente e,
principalmente, não acompanha a própria evolução
da Web, como o uso das novas ferramentas
proporcionadas pela Web 2.0.
A pesquisa on-line desenvolvida não se encaixa
exclusivamente nas categorias apontadas por
Couper (2000). A pesquisa foi aberta, à medida
que não houve nenhum controle ou restrição dos
usuários em respondê-la, e foi divulgada na página
principal do Portal da Câmara. A pesquisa foi
também por lista, pois foi anunciada nos e-mails
enviados pela Câmara em três serviços distintos. A
amostra não é probabilística e não se pretende ser
uma amostra de todos os usuários do Portal.
Assim, quais são as razões para que o internauta
não utilize ou não participe mais? Um dos motivos
pode ser a dificuldade de acesso provocada pela
má qualidade nos sites. Este artigo se encaixa
justamente nesse ponto da discussão e pretende
contribuir à medida que responderá qual é a
avaliação que os usuários fazem das ofertas e,
principalmente, qual é a demanda deles por esses
novos canais de participação.
A pesquisa começou a ser divulgada no dia 21 de
novembro de 2011 no Portal e-Democracia e em
alguns serviços de e-mails que a Câmara presta aos
cidadãos, totalizando mais de 200 mil e-mails
cadastrados e, no dia 28 de novembro de 2011, na
página principal do Portal da Câmara. Além disso,
a pesquisa também foi divulgada em Rádio para
todo o Brasil, por meio da Rádio Câmara e pela
Agência Câmara de Notícias.
2. DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO1
Sendo o problema deste artigo responder em que
medida todas as possibilidades de interação
ofertadas pelo Portal da Câmara dos Deputados
atendem às necessidades de interação política dos
cidadãos, o desenho metodológico desta pesquisa
teve o desafio de encontrar formas de observar
quais são essas possibilidades, saber quem são
esses cidadãos e qual é a interação feita por eles no
ambiente do Portal.
Duas formas de coleta de dados foram utilizadas.
A primeira foi o desenvolvimento de uma pesquisa
on-line com os usuários do Portal da Câmara. A
técnica de pesquisa on-line, ou web surveys, já é
conhecida nos estudos de Opinião Pública há pelo
menos 15 anos (COUPER, 2000). A segunda
ferramenta desenvolvida foi a utilização das
A plataforma utilizada para o desenvolvimento da
pesquisa foi o pacote LimeSurvey2, que é um
software de pesquisa em formato aberto,
programado em PHP e roda em um banco de dados
MySQL, instalado em um ambiente Linux. Os
questionários da pesquisa foram adaptados a um
layout simples e leve, para que não prejudicasse
usuários de conexões mais lentas. Todas as páginas
da plataforma foram monitoradas pelo Google
Analytics, possibilitando o controle em tempo real
do andamento da pesquisa. Como medidas
preventivas, o servidor foi programado para efetuar
backups diários da pesquisa e do banco de dados,
além disso, outro servidor dedicado ficou pronto
para servir de “espelho” em caso de algum
problema com o servidor principal da pesquisa. A
pesquisa teve 1403 respostas nos 49 dias em que
ficou on-line.
1
A base de dados, os questionários e as informações detalhadas
dessa
pesquisa
estão
disponíveis
no
site:
<http://www.maxstabile.com>.
2
Mais informações sobre o LimeSurvey podem ser encontradas
no site: <www.limesurvey.org>.
4
2.2 ESTATÍSTICAS DE ACESSO
Qualquer página na internet está hospedada em um
servidor, que é uma máquina conectada 24h à rede,
com infraestrutura suficiente para receber o acesso
dos usuários. Todo servidor registra cada
movimentação que acontece em seus arquivos,
quando foi acessado e quem o acessou. Assim,
desde o começo da internet, as estatísticas de
acesso eram analisadas pelos arquivos de registro
dos servidores (log files).
Analisar as estatísticas de acesso é a forma mais
confiável, quando o objeto de estudo é um Portal
na internet e suas interações no ambiente Web. As
estatísticas de acesso são para o site o que um
extrato bancário é para um correntista, a
informação mais confiável sobre o que e quando
acontece algo em sua conta.
A ferramenta mais poderosa no registro e análise
das estatísticas on-line é o Google Analytics, da
Google. O Centro de Informática (CENIM) da
Câmara dos Deputados começou a adotá-lo para o
Portal apenas em julho de 2011, sendo que esteve
operacional somente em agosto do mesmo ano. O
autor deste artigo teve acesso completo e irrestrito
a todos os módulos do Google Analytics do Portal
da Câmara.
3. RESULTADOS
Saber quem acessa o Portal é fundamental para
entender qual a demanda que os usuários possuem.
A
literatura
tradicional
(ROSENSTONE;
HANSEN, 1996; AVELAR, 2007) argumenta que
cidadãos com posições de centralidade e, portanto,
com menores custos de participação, tendem a
participar mais. Para essa corrente, homens,
indivíduos bem escolarizados e indivíduos com
alta renda são bem posicionados socialmente e,
portanto, participam mais na política.
A análise descritiva da pesquisa indica parâmetros
semelhantes que a literatura sobre participação
tradicional cita como quem participa mais: 71,4%
da amostra são homens; 67,5% têm Ensino
Superior, seja incompleto ou em uma pósgraduação; e 31,2% possuem alta renda (mais que
R$ 4.500 mensais de renda familiar).
Quem mais acessa o Portal são Servidores Públicos
(28,8%), destes, 65% são servidores do executivo.
O dado demonstra que não é o acesso burocrático
que corresponde pela totalidade dos acessos, ou
seja, a Democracia Eletrônica aqui, não é uma
exclusivamente para burocratas e profissionais da
política já que este último representa apenas 23,6%
dos respondentes que são economicamente ativos.
Estudos em Democracia Eletrônica apontam que os
jovens estão participando mais no ambiente on-line
(QUINTELIER; VISSERS, 2008). Não é
necessariamente o que acontece quando analisadas
as estatísticas descritivas, pois 57,9% dos
respondentes têm entre 41 e 65 anos de idade e
18% dos respondentes são aposentados.
Uma possível explicação para o elevado índice de
aposentados aponta para duas peculiaridades
interessantes no Portal. A primeira delas, é que
durante o período da pesquisa esteve em pauta na
agenda da Câmara dos Deputados a Votação da
PEC 270/08, que era de interesse direto dos
aposentados. Inclusive, diversas manifestações nas
dependências da Câmara dos Deputados foram
feitas presencialmente por grupos de aposentados.
Essa possível coincidência oferece pistas para
entender a Participação do Portal como uma
espécie de “espelho” da realidade política off-line.
Afinal de contas, se um grupo de aposentados
estava protestando nas dependências da Câmara, é
de se esperar que também estivesse utilizando o
Portal e fazendo suas manifestações pelos canais
on-line disponíveis.
Uma segunda peculiaridade faz com que esse
debate seja ainda mais complexo. A pesquisa
captou também, um forte vínculo de alguns grupos
de usuários como, por exemplo, os Policiais
(Militares e Civis) e Vigias/Vigilantes de
Segurança, as duas categorias estão entre as dez
profissões mais frequentes na pesquisa. Em ambos
os casos, os dois grupos profissionais estavam
interessados em matérias na pauta da Câmara dos
Deputados e estavam se utilizando do Portal e dos
canais de interação on-line existentes para
protestarem. No caso de um Policial Militar, a
participação on-line pode ser considerada uma
forma de participação segura, à medida que a
corporação
impede
diversas
manifestações
políticas e, no Portal, ele tem a possibilidade de se
manifestar de forma anônima. Os Vigias/Vigilantes
de Segurança, em sua maioria possuem baixa renda
e escolaridade, mas também se aproveitaram das
oportunidades oferecidas pelo Portal. Esses dois
casos aparentemente mostram que a internet tem
5
sim, dado a oportunidade de participação para
pessoas e grupos que não participam ou participam
com menor frequência da política tradicional/offline.
Essas evidências empíricas demonstram que o
Portal da Câmara pode ser um “espelho” da
realidade política off-line. Entretanto, é um
“espelho ampliado” em que se veem muito mais
grupos e pessoas participando e interagindo no
ambiente político.
Norris (1999; 2011) argumenta que os cidadãos
estão se tornando cada vez mais críticos e, com
isso, avaliando mal o governo e a democracia onde
vivem. Inglehart (1999) demonstra que existe uma
mudança no comportamento político dos cidadãos
das democracias ocidentais: eles estão participando
de formas distintas, não se sentem mais
representados por partidos políticos e autoridades
tradicionais. Se todas essas explicações ajudam a
vislumbrar como o sistema político tem sido
avaliado por parte dos cidadãos, é bem possível
que ajude a entender também, como o usuário
interage com o Portal da Câmara.
As respostas dadas à pergunta “Qual a melhor
forma de influenciar e realizar mudanças na
política brasileira?“ demonstra que o usuário do
Portal acredita que seja possível influenciar e
realizar mudanças em comparação com a
população brasileira (Gráfico 1).
Além do mais, o usuário do Portal da Câmara
possui um perfil “participativo” maior. Mesmo
sendo a modalidade “Votar para eleger os que
defendem sua posição” a de maior frequência, ela
está apenas a três pontos percentuais na frente da
segunda, “Participar de movimentos de protesto e
exigir mudanças diretamente”.
Quando comparados com os dados do Brasil
(LAPOP, 2008), essa diferença cresce para 27,7
pontos percentuais.
Apesar de ser apenas uma pergunta para medir
uma dimensão extremamente complexa do
comportamento político do brasileiro, essas duas
modalidades ajudam a entender dois tipos de
cidadãos distintos: aqueles que “preferem
participar” e aqueles que “preferem votar” para
influenciar na política. Essas duas modalidades
serão utilizadas nos modelos de análise de
regressão que posteriormente serão analisados.
Outra característica que indica que o usuário do
Portal possui um perfil participativo mais ativo que
o da população brasileira é a participação em
organizações da sociedade civil.
Da amostra, 73,2% dos respondentes disseram não
fazer parte de nenhum tipo de organização. A
estatística é menor que da população brasileira.
Utilizando os dados do LAPOP, pode-se observar
que o usuário do Portal participa mais de
instituições políticas tradicionais como Sindicatos
e Partidos Políticos.
Além disso, participa em maior medida de
Organizações Governamentais, uma diferença de
22,4 pontos percentuais e, em menor medida, de
algum grupo religioso3, conforme mostra o Gráfico
2.
Além de mais participativos e engajados, conforme
já mencionado, os usuários participam de formas
distintas e em diversas organizações da sociedade
civil e, em menor medida, de grupos religiosos.
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos
Deputados; dados do Brasil provenientes do LAPOP 2008.
GRÁFICO 1
Comparativo entre a opinião dos respondentes e a dos
brasileiros em relação a melhor forma de influenciar e
realizar mudanças na política brasileira.
3 A pergunta realizada no LAPOP era: “Por favor, informe se
o(a) Sr./Sra. assiste às reuniões dessas organizações pelo menos
uma vez por semana, uma ou duas vezes ao mês, uma ou duas
vezes ao ano, ou nunca.” As estatísticas apresentadas se referem
ao percentual de respostas que afirmaram assistir pelo menos
alguma vez a alguma reunião.
6
em que parte dos usuários é participativo e
engajado. Obviamente, o Portal sozinho não é
capaz de fazer com que o cidadão melhore seu
nível de satisfação em relação ao sistema político,
mas pode vir a ser a alternativa de interação
política para cidadãos que participam mais, que
sejam mais críticos e exigentes com o sistema
político e que justamente não estão satisfeitos com
a relação política tradicional/off-line.
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos
Deputados; dados do Brasil provenientes do LAPOP 2010.
GRÁFICO 2
Comparativo entre os respondentes e os brasileiros em
relação à participação em organizações.
Esses dados reforçam o argumento de Norris
(1999; 2011) e Inglehart (1999) de que os cidadãos
críticos estão participando, mas de formas
distintas.
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos
Deputados; dados do Brasil provenientes do LAPOP 2010.
3.1 O QUE O USUÁRIO ACESSA E COMO
AVALIA
3.1.1 UTILIZAÇÃO
O questionário aplicado teve uma bateria de
questões que indagavam por quais motivos o
usuário acessava o Portal. As questões eram de
múltipla escolha e estimulavam, em suas
modalidades, as principais seções do Portal da
Câmara. Segundo os respondentes da pesquisa, o
acesso
ao
Portal
é
basicamente
para
“Acompanhamento de proposições legislativas”,
onde 70% dos usuários afirmaram utilizar a seção e
buscar “Notícias” (56%).
Em terceiro lugar, “Informações sobre legislação”
com 37,5%. “Buscar informações sobre os
parlamentares” ficou em quarto com 35,5%
seguido por “Transparência pública” 32,3%. As
duas modalidades sobre participação e interação,
“Buscar formas de entrar em contato” e “buscar
meios de participar e interagir”, ficaram em sétimo
e oitavo lugares respectivamente. Em último,
“Buscar documentos e pesquisar”, com 22,8%.
GRÁFICO 3
Comparativo entre a opinião dos respondentes e a dos
brasileiros em relação à satisfação com o funcionamento da
democracia no país.
Os usuários do Portal são mais insatisfeitos com o
funcionamento da democracia no Brasil que a
população brasileira.
O Gráfico 3 mostra que apenas 25,9% da amostra
está satisfeita ou muito satisfeita, contra 64,7% da
população brasileira (LAPOP, 2010). Esse dado
revela primeiramente que os usuários do Portal
são, em geral, mais críticos.
O Portal representa um meio de interação de uma
instituição com forte falta de confiança política
que é a Câmara dos Deputados, em um ambiente
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos
Deputados.
GRÁFICO 4
Motivos pelos quais o usuário acessa o Portal.
7
Ao analisar as respostas entre os usuários que
acessam o site com fins profissionais e aqueles que
o fazem com fins de cidadania, vislumbram-se
algumas diferenças importantes no perfil de acesso
(Gráfico 4).
Profissionais acessam em maior medida para fazer
acompanhamento
de
proposições,
acessar
informações sobre alguma legislação específica,
buscar documentos e pesquisar.
Quem acessa para fins de cidadania acessa para
buscar
informações
sobre
parlamentares,
transparência pública, buscar formas de contato ou
meios de participar e interagir.
As duas únicas categorias que não demonstraram
diferença estatística no recorte são “Notícias” e
“Agenda e pauta” 4. Portanto, começa-se a
vislumbrar que profissionais da política (assessores
parlamentares e jornalistas) e o cidadão comum
têm interesses distintos ao acessar o Portal.
Essas evidências descritivas apontam para um
achado importante de que profissionais avaliam
melhor o Portal que o cidadão comum.
TABELA 1
Avaliação das seções do Portal da Câmara (em %).
ITEM
NOTAS
5E4
62,9
Acompanhamento de Projetos de Lei
e outras proposições
Conteúdo disponível sobre a
59,6
legislação
Notícias
59,5
Documentos e pesquisas disponíveis
53,1
Agenda/Pauta da Câmara dos
48,2
Deputados
Informações sobre os Deputados
44,2
Federais
Formas de entrar em contato com os
36,4
parlamentares e/ou a Câmara dos
Deputados
Formas de participação e interação
33,0
Informações sobre transparência
30,6
Obs.: Avaliaram apenas aqueles que disseram já terem
utilizado cada seção.
O profissional é marcado, principalmente, por
aspectos processuais, enquanto o cidadão
representa, principalmente, os aspectos de
participação e interação.
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos
Deputados..
3.1.2 AVALIAÇÃO
3.1.3 ANÁLISE EXPLORATÓRIA DOS
DADOS: ANÁLISE FATORIAL
Das nove seções estimuladas, para cada uma que o
usuário disse que utilizava, foi perguntado que
nota de 1 a 5 ele daria para a seção, sendo 1 a pior
nota e 5 a melhor nota.
A Tabela 1 revela que os aspectos processuais e
informacionais são os melhores avaliados, à
exceção das informações sobre transparência
pública.
Os dados já analisados demonstraram que existem
usuários distintos para cada necessidade distinta.
Analisar a utilização do Portal apenas pela variável
“Razões do acesso” pode limitar a capacidade
analítica e explicativa deste artigo.
O acesso “Para fins profissionais” e “Fins de
cidadania” pode ser completamente distinto para
cada usuário.
Acompanhamento de projetos, além de ser o item
mais utilizado e mais disponibilizado pelo Portal, é
o item melhor avaliado, 62,9% avaliaram com nota
4 ou 5. Conteúdo sobre a legislação vem em
segundo lugar e notícias em terceiro.
Buscou-se, por meio de uma Análise de
Correspondências Múltiplas (Figura 1), “agrupar”
as variáveis dado as suas correspondências entre si.
Ou seja, será identificado como é o padrão de uso
das diferentes seções e como se comportam.
Nota-se também, que as seções com as piores
avaliações são aquelas que possuem um acesso
típico daqueles que “acessam com fins de
cidadania”.
Os objetivos dessa análise exploratória são dois:
Criar categoriais conceituais mais robustas para
o conteúdo do Portal.
Entender quais são as características dos
usuários que utilizam cada conteúdo.
4
Não há diferença estatística ao nível de significância a (p <
0,05).
8
Acesso
ativo
Grupo Interação e Contato
Grupo Informação Responsiva
Acesso
profissional
Acesso
cidadão
Grupo Documentação e Pesquisa
Grupo Informação Conjuntural
Acesso
passivo
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados.
FIGURA 1
Análise de Correspondências Múltiplas: Eixos Fatoriais da utilização das seções do Portal da Câmara.
A análise feita em um plano bidimensional das
correspondências entre as variáveis permite
agrupá-las e refiná-las conceitualmente. Esse
“salto” conceitual será útil para melhorar as
denominações utilizadas em alguns estudos
sobre
portais
governamentais
como
“procedimentais”,
“informacionais”
e
“participativas”. A vantagem é que o
agrupamento é feito pelo uso dos usuários, foco
primordial desta pesquisa.
Observe
que
a
Análise
Fatorial
de
Correspondências Múltiplas (AFCM) encontrou
pelo menos quatro grupos e uma modalidade
isolada no padrão de uso dos usuários. Os dois
eixos, apesar de possuírem uma carga fatorial
baixa, somados, explicam 22,4% da variância
nos dados e foram escolhidos por sua maior
capacidade analítica.
O Fator 2 representa o acesso profissional do
lado esquerdo e o acesso cidadão do lado direito.
Já, o Fator 3, pode demonstrar um padrão de
acesso mais ativo (o usuário necessita
escrever/buscar o conteúdo), do lado superior, e
um padrão de acesso mais passivo (o usuário
apenas lê o conteúdo) do lado inferior.
9
Acesso
ativo
Acesso
profissional
Legenda:
Variáveis ativas
Variáveis ilustrativas
Acesso
cidadão
Acesso
passivo
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara dos Deputados.
FIGURA 2
Análise Fatorial de Correspondências Múltiplas: Eixos Fatoriais da utilização das seções do Portal da Câmara com as
variáveis ilustrativas do Perfil do usuário.
A Análise Fatorial de Correspondências Múltiplas
permitiu a análise das características dos usuários
que utilizam esses grupos, por meio de variáveis
ilustrativas. Observe a Figura 2, mas com outro
conjunto de modalidades onde apenas algumas com
alta carga fatorial são ilustradas (acima de 0,16 em
pelo menos algum eixo fatorial). Observe que o
Fator 2 possui a maior dispersão entre as variáveis.
Mais uma vez, o argumento desta pesquisa de
que o Portal da Câmara é um “espelho ampliado”
da realidade política off-line é corroborado. O
acesso de alta escolaridade (Escol 6) e de alta
renda (Renda 5) é feito principalmente por
aqueles que fazem um acesso com fins
profissionais.
3.1.4 ESTATÍSTICAS DE ACESSO
O lado esquerdo é basicamente o acesso
profissional, com alta renda (Renda 5). Do lado
direito, são os usuários com baixa renda, baixa
escolaridade, mais jovens e que não confiam nas
informações divulgadas pelo Portal.
Uma das informações mais relevante nesses
dados é que o acesso cidadão é principalmente
caracterizado por usuários de renda (Renda 1) e
escolaridade baixas (Escol 1) e por mais jovens
(Idade 1). Eles são responsáveis pela demanda
por maior “interação e contato” e “informações
responsivas”.
A metodologia desenvolvida para se analisar as
estatísticas de acesso proporcionou dois dados
importantes para a pesquisa. O primeiro deles é
que a quantidade de páginas classificadas pode
ser considerada uma Proxy para a oferta do
Portal.
É interessante notar que somados, os dois grupos
notadamente marcados por acesso profissional,
“Acomp. de Proposição” e “Documentação e
Pesquisa” representam 60,5% da oferta de
conteúdo.
10
Já “Interação e Contato”, uma demanda daqueles
que acessam o portal para fins de cidadania,
representa 1,9% da oferta (Tabela 2).
TABELA 2
Quantidade de páginas indexadas na classificação
temática.
SEÇÕES
Acomp. de Proposição
Informação Conjuntural
Notícias
Agenda da Câmara
PÁGINAS
(EM
MILHARES)
75,4
41,9
39,2
2,7
(%)
42,8
23,8
22,3
1,5
3.1.5 MODELOS PARA UTILIZAÇÃO E
AVALIAÇÃO DO PORTAL DA
CÂMARA
Por meio de um conjunto de modelos de análise
de regressão linear será explicado qual é a
característica “mais determinante” que faz com
que alguns usuários utilizem mais e avaliem
melhor o Portal da Câmara dos Deputados. Para
este propósito, dois indicadores foram
desenvolvidos: o primeiro medirá a utilização do
Portal e o segundo, a avaliação que os usuários
fizeram. Para cada uma dessas duas análises,
dois modelos foram elaborados.
Documentação e Pesquisa
Documentos e Pesquisa
Legislação
31,2
19
12,2
17,7
10,8
6,9
Informação Responsiva
Inf. Deputados
Transparência
Interação e Contato
Outros
TOTAL
22
15,5
6,5
3,4
2,2
176,1
12,5
8,8
3,7
1,9
1,2
100,0
Fonte: Estatísticas de Acesso do Portal da Câmara dos
Deputados tratadas pelo autor.
A segunda vantagem da metodologia são as
estatísticas da demanda ao portal. O processo de
classificação,
que
utilizou
recursos
lexicométricos, foi capaz de classificar quase
80% das visitas ao Portal (Tabela 3).
TABELA 3
Visitas realizadas às seções do Portal da Câmara.
VISITAS
SEÇÕES
(EM
MILHARES)
Informação Conjuntural
570,7
Notícias
Agenda da Câmara
Acomp. de Proposição
Informação Responsiva
Inf. Deputados
Transparência
Documentação e
Pesquisa
Documentos e Pesquisa
Legislação
Interação e Contato
Outros
TOTAL
Fonte: Estatísticas de Acesso do
Deputados tratadas pelo autor.
Os dois grupos que geram quase 80% da
demanda
ao
Portal
são:
“Informação
Conjuntural” e “Acomp. de Proposição”. As
duas seções possuem uma “taxa” de atualizações
mais frequente, à medida que são atualizadas
várias vezes ao longo do dia. Os aspectos
informacionais ainda prevalecem na demanda ao
Portal. Por outro lado, Interação e Contato
representam apenas 1% dos acessos.
Nível de utilização (utilização) – Corresponde
ao número de seções que o respondente do
questionário afirmou que utiliza no Portal. Eram
nove itens e uma alternativa “outros” no
questionário. O indicador, portanto, vai de zero,
para aqueles que afirmaram que não acessam
nenhuma seção, até dez, para aqueles que
responderam que utilizam todas as seções e
ainda especificou outra possível (Figura 3).
(%)
45,3
562,7
8
44,6
0,6
402,6
132
118,2
13,8
31,9
10,5
9,4
1,1
107,1
8,5
49,3
3,9
57,8
4,6
13,2
1,0
35
2,8
1617
79,0
Portal da Câmara dos
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara
dos Deputados.
FIGURA 3
Diagrama de Caixa: indicador de utilização do Portal.
Avaliação média (avaliação) – Corresponde a
avaliação média do Portal dada por cada usuário.
11
No questionário on-line foi pedido para cada
respondente avaliar com uma nota de um a
cinco, cada seção que ele utiliza. O indicador,
portanto, é uma média dessas avaliações com um
intervalo de um a cinco (Figura 4).
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara
dos Deputados.
FIGURA 4
Diagrama de Caixa: Indicador de avaliação média ao
Portal da Câmara.
As Figuras 3 e 4 são dois diagramas de caixa
(boxplot) que mostram a dispersão de cada
indicador. Note que 50% dos usuários utilizam
até três seções do Portal e que 25% o avaliam
como uma nota média inferior a três.
As variáveis independentes estão organizadas em
dois blocos e são dezoito.
O primeiro bloco é composto por onze perguntas
de caráter socioeconômicas e por perguntas
sobre o perfil político dos respondentes.
O segundo bloco é composto por sete perguntas
que definem que tipo de uso o usuário faz do
Portal e qual é a sua avaliação geral.
Sendo todas as variáveis qualitativas, optou-se
por transformá-las em variáveis dicotômicas.
Escolheu-se qual modalidade de cada variável
faz mais sentido na explicação dos modelos para
assumir o valor “1”.
Por exemplo: a variável “Escolaridade” possui
sete modalidades e optou-se por transformá-la
em uma variável binária que representa apenas
“Ensino Superior” (valor “1”), agrupando três
modalidades (Ensino Superior Incompleto,
Ensino Superior Completo e Pós-graduação).
3.1.6 EXPECTATIVA EM RELAÇÃO ÀS
VARIÁVEIS DOS MODELOS
A
literatura
em
participação
política
(ROSENSTONE; HANSEN, 1996; AVELAR,
2007) afirma que quem participa mais são os
cidadãos que, de uma maneira ou de outra, estão
bem posicionados socialmente e, portanto,
possuem menos custos e mais incentivos para
participarem. Sendo assim, a expectativa
esperada no modelo é de que homens, indivíduos
bem escolarizados e com alta renda utilizem
mais e avaliem melhor o Portal. Com relação à
idade, alguns estudos na área de democracia
eletrônica (QUINTELIER; VISSERS, 2008)
afirmam que os jovens estão sendo incluídos no
processo de participação on-line. Portanto, a
expectativa adotada aqui é que esses jovens
estão também utilizando mais e avaliando
melhor o Portal.
A variável “UF” foi incluída nos modelos pelo
fato do Distrito Federal (Brasília) possuir o
maior acesso ao Portal, provavelmente pelo fato
de que grande parte dos interessados em utilizálo se encontra no DF, desde consultorias
políticas a servidores públicos federais, portanto
a expectativa é de se encontrar uma correlação
positiva tanto para a utilização quanto para a
avaliação.
A variável “Ocupação” foi transformada em duas
outras variáveis. A primeira corresponde à
modalidade “Servidores públicos” e se espera
dessa variável uma correlação positiva em
relação ao uso e a avaliação. Essa expectativa
existe porque os servidores poderiam possuir
melhor conhecimento para lidar com as
informações e, principalmente, interesse nas
informações encontradas no Portal. A segunda
variável que trata sobre a ocupação do
respondente é a variável “Aposentado”. Essa
variável foi incluída no modelo por ser a
segunda ocupação mais alta entre os
respondentes e a expectativa é de que ela tenha
relação negativa em todos os modelos. Para a
utilização, a explicação é de que aposentados
possivelmente possuem menores habilidades
com informática, logo, utilizariam em menor
quantidade as seções ofertadas pelo Portal. Com
relação à avaliação, uma possível explicação é
de que utilizam o Portal para realizar protestos, o
que recairia sobre a avaliação.
12
São quatro variáveis sobre “Opinião política”.
As duas primeiras são originárias da pergunta
sobre como o respondente considera a melhor
forma de influenciar na política. Esta pergunta é
importante quando é utilizada como Proxy para
dois tipos de usuários. O primeiro é aquele que
respondeu que a melhor forma de influenciar na
política é “Votar para eleger os que defendem
sua posição”. Com ressalvas, pode-se aferir que
esse primeiro usuário prefere o sistema
representativo tal qual é conhecido, votando. O
segundo usuário é aquele que acredita que a
melhor forma de influenciar na política é
“Participar de movimentos de protesto e exigir
mudanças diretamente”, afere-se aqui, que esse
segundo usuário prefere a participação política
mais direta (seja ela qual for) para influenciar na
política. Parte-se do pressuposto de que a
diferença de opinião entre esses dois perfis será
útil para entender a quem o Portal está
satisfazendo melhor as necessidades de interação
política.
A terceira variável sobre opinião política é a
“Insatisfação com a democracia”, onde há duas
expectativas com relação aos modelos. Se os
insatisfeitos possuírem uma correlação positiva
com o uso e a avaliação do Portal, isso indicará
que o Portal está satisfazendo a necessidade de
interação política deles. Caso contrário, o Portal
replicará a mesma insatisfação encontrada no
sistema político tradicional e, portanto,
insatisfeitos.
A quarta variável de caráter política trata se o
respondente “Faz parte de alguma organização
civil”. A expectativa aqui é de que aqueles que já
participam de organizações civis estejam
utilizando mais o Portal, portanto, possuiriam
uma correlação positiva nos dois modelos de
utilização. Entretanto, se nos dois modelos a
avaliação demonstrar uma correlação negativa,
isso demonstrará que, para esse indivíduo com
características mais participativas, o Portal não
está satisfazendo suas necessidades de interação
política.
O segundo bloco das variáveis utilizadas nos
quatro modelos desenvolvidos é composto de
sete variáveis que tratam sobre o hábito de uso
do usuário em relação ao Portal e qual avaliação
geral que ele faz. Foi perguntado ao respondente
se ele acessava o Portal primordialmente para
fins de cidadania ou fins profissionais, para cada
uma dessas modalidades foi criada uma variável
binária e a expectativa é que o sinal delas seja
inverso. Espera-se ter uma correlação positiva no
uso e na avaliação do Portal para aqueles que
acessam com fins profissionais e uma correlação
negativa para aqueles que acessam com fins de
cidadania. Afinal, as principais seções utilizadas
pelo cidadão são as piores avaliadas. A terceira
variável em relação ao hábito de uso do usuário
é se ele “Acessa diariamente” o Portal. Espera-se
uma correlação positiva nessa variável à medida
que o usuário que mais frequenta o Portal já
tenha habilidades e conhecimento para avaliá-lo
e utilizá-lo melhor.
As quatro últimas variáveis do segundo bloco
são avaliações gerais do Portal: Interatividade,
Navegabilidade, Compreensão e Confiança. O
propósito em se colocar essas variáveis de
avaliação geral neste modelo é entender qual
desses critérios “pesa mais” na avaliação e
utilização do Portal. Afinal, o que é mais
importante para que a avaliação melhore? Fazer
com que o usuário compreenda a linguagem
utilizada ou melhorar a navegabilidade do
Portal? Além disso, essas variáveis controlam o
restante do modelo, pois, pode-se argumentar
que os cidadãos insatisfeitos com a democracia,
são os mesmos que não confiam no Portal e que
o avaliam mal. Ao incluir essas variáveis,
garante-se que esses efeitos sejam isolados.
Para cada uma das duas variáveis explicativas
(Utilização e Avaliação) desenvolveu-se um
modelo que teve apenas o primeiro bloco de
informações de perfil socioeconômico e um
segundo modelo que incluiu, além do primeiro
bloco, o segundo, sobre o hábito de uso do
usuário em relação ao Portal e qual a avaliação
geral que ele faz.
4. ANÁLISES
4.1
ANÁLISE
DOS
RESULTADOS:
UTILIZAÇÃO DO PORTAL
A Tabela 4 mostra que os coeficientes das
variáveis “Ensino Superior” e “Jovens” são
significativos (p < 0,01) e positivos nos dois
modelos. O que demonstra que as expectativas
em relação a essas duas variáveis estavam
13
corretas. Indivíduos jovens e bem escolarizados
acessam mais seções do Portal.
Da mesma forma, a variável “Faz parte de
alguma organização” também é significativa e
positiva, o que demonstra que usuários que, de
certa forma, já são engajadas socialmente
utilizam mais o Portal da Câmara. O segundo
modelo revela que apenas a variável “Acessa
diariamente” é significativa da utilização do
Portal.
demonstra que são eles que estão fazendo maior
uso das ferramentas disponíveis, assim como são
aqueles com maior escolaridade e que acessam
diariamente o Portal da Câmara.
Os dois modelos concluem que os indivíduos que
participam em organizações civis, que possuem
alta escolaridade, que são jovens e que acessam
com mais frequência o Portal, tendem a utilizar
mais os canais ofertados.
4.2
TABELA 4
Análise de Regressão Linear: modelos explicativos para a
utilização do Portal da Câmara.
MOD. 1
B
Constante
2,74**
Bloco A: Perfil Social e Político
Homens
-0,01
Ensino Superior
0,42**
Jovens (Até 25 anos)
0,64*
Renda familiar alta
0,14
Respondentes do DF
0,39
Aposentados
0,22
Servidores públicos
0,05
Preferem votar
-0,06
Preferem participar
0,18
Insatisfeitos com a
-0,30
Democracia
Faz parte de alguma
0,64**
organização
MOD. 2
B
2,09**
-0,04
0,46**
0,75**
0,16
0,16
0,06
0,08
-0,12
0,15
-0,21
0,58**
Bloco B: Relação com o Portal
Acessam com fins de
cidadania
Acessam com fins
profissionais
Acessam quase
diariamente
Portal contribui com a
interação
Navegabilidade
Compreensão
Confiança
R²
0,36
-0,27
ANÁLISE
DOS
RESULTADOS:
AVALIAÇÃO DO PORTAL
A Tabela 5 mostra que, com relação à avaliação
do Portal da Câmara, os dois modelos apontam
algumas diferenças entre eles, onde apenas duas
variáveis possuem significância estatística nos
dois modelos.
A variável “Renda familiar alta” que tem uma
correlação positiva e a variável “Insatisfeitos
com a Democracia”, que tem uma correlação
negativa.
Conforme esperado, aqueles que estão
insatisfeitos com a Democracia e que acessam o
Portal não encontram “vazão” à sua insatisfação
com as oportunidades encontradas no ambiente
on-line.
No primeiro modelo as variáveis “Respondentes
do DF” e “Preferem votar” são significativas e
positivas, ou seja, quando não se incluem
variáveis que demonstram a relação do usuário
com o Portal, essas duas variáveis se encarregam
de explicar parte da variância nos dados.
1,31**
0,26
0,00
-0,25
0,15
0,12
0,04
N
1227
Análise de Regressão Linear (MQO).
** p < 0,01 e * p < 0,05.
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara
dos Deputados.
Portanto, mesmo que a maior parte dos
respondentes ao questionário não seja de jovens
(até 24 anos de idade), a análise de regressão
Entretanto, quando o segundo modelo é
analisado, tem-se que as duas variáveis
“Respondentes do DF” e “Preferem votar” não
são mais significativas, mas, a variável
“Preferem participar” é significativa e se
correlaciona negativamente. Conforme foi
argumentado, isso pode demonstrar que o Portal
é mais bem avaliado por aqueles que preferem
votar e que veem nele um instrumento de
fiscalização, transparência e accountability.
Os usuários que preferem participar o avaliam
negativamente, pois não estão vendo o Portal
como um instrumento de participação e
interação.
14
TABELA 5
Análise de Regressão Linear: modelos explicativos para a
avaliação do Portal da Câmara.
MOD. 1 MOD. 2
B
B
Constante
3,72**
2,10**
Bloco A: Perfil Social e Político
Homens
-0,10
-0,07
Ensino Superior
-0,01
-0,04
Jovens (Até 25 anos)
0,02
0,11
Renda familiar alta
0,14*
0,13*
Respondentes do DF
0,09
0,23*
Aposentados
-0,09
-0,04
Servidores públicos
0,06
-0,02
Preferem votar
0,06
0,25**
Preferem participar
-0,08
-0,17*
Insatisfeitos com a
-0,43**
-0,22**
Democracia
Faz parte de alguma
-0,02
-0,01
organização
Bloco B: Relação com o Portal
Acessa com fins de
0,07
cidadania
Acessa com fins
0,25*
profissionais
Acessa quase diariamente
0,18**
Portal contribui com a
0,37**
interação
Navegabilidade
0,20*
Compreensão
0,48**
Confiança
0,73**
0,32
0,09
R²
1154
N
Análise de Regressão Linear (MQO).
** p < 0,01 e * p < 0,05.
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara
dos Deputados.
Quase todas as variáveis do segundo bloco, que
tratam da relação do usuário com o Portal, são
significativas, sendo que apenas a variável
“Acessa com fins de cidadania” não é
significativa. Entretanto, a variável “Acessa com
fins profissionais”, oriunda da mesma pergunta
do questionário, é significativa e possui uma
correlação positiva. Ou seja, profissionais
avaliam melhor o portal, assim como aqueles que
acessam diariamente.
Com relação aos critérios de avaliação geral
(Gráfico 5), note que os quatro são significativos
e positivos, mas existe diferença entre os seus.
Em primeiro lugar, Confiança (0,73), em
segundo, Compreensão (0,48) e Interatividade
(0,37) e Navegabilidade (0,20), em terceiro e
quarto, respectivamente.
Insatisfeito com a Democracia
Prefere participar
Fonte: Pesquisa on-line realizada no Portal da Câmara
dos Deputados.
GRÁFICO 5
Coeficientes B estatisticamente significativos a p > 0,05
do Modelo 2 da avaliação do Portal da Câmara.
Isso demonstra que a variável “Confiança”
detém um grande poder explicativo sobre a
avaliação do usuário e, à medida que a Câmara
dos Deputados é uma das instituições com menor
índice de confiança no país, seu Portal
institucional carrega essa associação por parte
dos seus usuários. Fortalecer a confiança na
instituição é um problema que dificilmente o
Comitê Gestor do Portal poderá mudar.
Entretanto, a variável “Compreensão” é
importante e pode ser melhorada pelos
produtores do Portal. Os usuários que não
compreendem avaliam mal e, como foi visto, não
é uma questão de escolaridade e sim de
compreensão do conteúdo do Portal. “Interação”
também é um aspecto relevante. Conforme os
usuários perceberem que o Portal aumenta as
oportunidades de interação entre os cidadãos
com os políticos, o Portal será bem avaliado.
Em suma, os dois modelos indicam que:
indivíduos com alta renda e que acessam o Portal
com mais frequência e com fins profissionais
tendem a avaliar melhor o Portal da Câmara.
Indivíduos insatisfeitos com a Democracia e que
preferem participar como forma de influenciar
na política, avaliam pior o Portal da Câmara.
Melhorar a compreensão do conteúdo deve ser
15
um dos principais objetivos dos produtores do
Portal.
5. CONCLUSÃO
A tese defendida neste artigo é de que o
ambiente de interação on-line que o Portal da
Câmara dos Deputados proporciona é um
“espelho ampliado” do ambiente de interação
política tradicional/off-line. O cidadão que
possui menor possibilidade de articulação na
política tradicional está utilizando a internet para
se mobilizar politicamente. Mesmo que as
características socioeconômicas dos usuários do
Portal reflitam características semelhantes das
esperadas na participação política tradicional/offline, jovens estão utilizando em maior medida as
possibilidades ofertadas de interação política online e usuários com baixa escolaridade e renda
estão buscando canais de contato e participação
política disponíveis no ambiente on-line.
É importante ressaltar que ainda existem
barreiras para que o cidadão utilize toda a oferta
de interação on-line. A primeira barreira é a
própria desconfiança que o cidadão vê nesses
mecanismos formais. O cidadão normalmente
não confia nas instituições políticas, muito
menos nos políticos e qualquer iniciativa por
parte deles será possivelmente vista com
desconfiança.
A segunda barreira é a da
linguagem. O cidadão comum não compreende a
linguagem utilizada no Portal para assessores
políticos, jornalistas e burocratas, com muitos
termos técnicos e abreviações. A terceira
barreira é a falta de interação. O cidadão
conectado se acostumou a uma interação quase
que instantânea em sua rede de contatos e ao
acessar o Portal da Câmara, quer ter esse mesmo
tipo
de
interação,
quase
instantânea,
descentralizada e personalizada.
O Portal não satisfaz as necessidades de
interação política daqueles que estão insatisfeitos
com a Democracia, que preferem participar de
movimentos de protestos e exigir mudanças
diretamente para influenciarem na política. Em
comparação com a população brasileira, os
usuários do Portal são cidadãos mais críticos em
relação ao sistema político e mais participativos
no ambiente político.
Quem está satisfeito com a interação política
proporcionada pelo Portal são os “profissionais
da política” que trabalham em assessorias
parlamentares, com comunicação e que acessam
o Portal para fins profissionais. Normalmente
são indivíduos com alta renda e que acessam o
Portal com maior frequência.
Os
produtores
e
responsáveis
pelo
desenvolvimento desses novos canais de
interação política on-line,
assim
como
pesquisadores devem ter em mente que a
demanda por interação política on-line é
diferente para cada público, por isso a
necessidade de se estudar e entender qual é a
demanda para todas essas possibilidades
disponibilizadas pela Web.
Em termos gerais, a Democracia Eletrônica tem
servido mais aos profissionais da política que ao
cidadão comum, mas mesmo assim, o cidadão
comum interessado em buscar participação,
contato e interação com os atores políticos estão
procurando essas ferramentas on-line.
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17
O EFEITO DO ADVERTAINMENT NO CONSUMIDOR: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
THE ADVERTAINMENT EFFECT IN THE CONSUMERS: AN EXPLORATORY STUDY
MARÍLIA LARA MARCONDES MACHADO DE OLIVEIRA
MESTRANDA E BACHAREL EM ADMINISTRAÇÃO PELA FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E
CONTABILIDADE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FEA/USP). É PROFESSORA AUXILIAR DO PROCED
DA FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO (FIA) E DIRETORA ADMINISTRATIVA NA LDE
SOLUÇÕES EM ELETRÔNICA.
E-MAIL: [email protected]
EDSON CRESCITELLI
PÓS-DOUTORADO EM MARKETING PELA CHAPMAN GRADUATE SCHOOL OF BUSINESS/FLÓRIDA
INTERNATIONAL UNIVERSITY − FIU, DOUTOR EM MARKETING PELA FACULDADE DE ECONOMIA,
ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FEA/USP), ESPECIALIZAÇÃO
EM
BUSINESS
MANAGEMENT
PELA
ROBERT
ANDERSON
GRADUATE
SCHOOL
OF
MANAGEMENT/UNIVERSITY OF NEW MÉXICO, MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE CATÓLICA (PUC/SP), PÓS-GRADUADO EM MARKETING PELA ESCOLA SUPERIOR DE
PROPAGANDA E MARKETING, GRADUADO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL PELA FUNDAÇÃO ARMANDO
ÁLVARES PENTEADO. É PROFESSOR DA FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E
CONTABILIDADE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FEA/USP), DIRETOR ACADÊMICO DA PÓSGRADUAÇÃO DA ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING E PESQUISADOR DO CAEPM/ESPM.
E-MAIL: [email protected]
RESUMO
Atualmente os consumidores são expostos a milhares de mensagens publicitárias por dia, dessa forma, as
empresas têm tido que inovar cada vez mais para chamar a atenção de seu consumidor. É nesse contexto
que o advertainment vem ganhando força como forma de divulgação e criação de imagem de marcas.
Este artigo busca levantar a percepção dos consumidores com relação a essa ferramenta. Para tanto, foi
feita uma revisão teórica sobre o assunto, consolidando as características do advertainment, e uma
pesquisa de campo exploratória, visando entrevistar consumidores, com o apoio de dois filmes com
advertainment inserido, e entender quais as suas percepções em relação a elas ao serem expostos ao
filme. A pesquisa mostrou que os consumidores, de modo geral, possuem uma boa impressão do
advertainment, desde que a marca esteja bem entrelaçada com o roteiro do filme. Nessa condição, fica
evidente a importância do advertainment para a construção de valor de uma marca.
PALAVRAS-CHAVE:
Advertainment, brand equity, comportamento do consumidor.
ABSTRACT:
Nowadays consumers are exposed to a huge amount of publicity, that is why companies are forced to be
innovative in the ways to catch consumers attention. Is in this context that the advertainment has been
strengthening itself as a way to create brand equity. This article seeks to raise the awareness of
consumers regarding this tool. For this purpose was made a theoretical review on the subject,
consolidating features of the advertainment, and an exploratory research, aiming interview some
consumers, using two videos with advertainment in it, with the objective to understand what they think
about this issue. The research showed that consumers, in general, have a good impression of
advertainment, since the brand is well integrated with the screenplay. In this condition, it is evident the
importance of advertainment to construct a brand equity.
KEYWORDS:
Advertainment, brand equity, consumer behavior.
1. INTRODUÇÃO
Não é novidade que o mundo, cada dia mais, está
se integrando e se globalizando. Muitas pessoas,
por meio de novos meios de comunicação –
como a internet, canais de TV por assinatura e
celulares, têm tido acesso a cada vez mais
informações, inclusive em relação a novos
produtos e/ou serviços e, consequentemente,
sobre novas marcas.
Tendo isso em vista, as empresas não deixaram
de aproveitar essa oportunidade de inserção em
mais e maiores mercados, aumentando seus
investimentos em marketing e, principalmente,
em suas marcas. Até mesmo porque, caso não o
fizessem, provavelmente perderiam mercado e
poderiam até mesmo ficar fadadas ao fracasso.
As empresas nacionais enfrentam os desafios da
concorrência
internacional,
mas
também
as
oportunidades do surgimento de amplos mercados
consumidores como a China e a Índia. (HAWKINS;
MOTHERSBAUGH, 2007).
Essa preocupação e a necessidade de tornar a
marca o mais conhecida possível fizeram com
que os consumidores tivessem que conviver
atualmente com uma enxurrada de informação e
comunicação.
Walter Longo (2009) cita que Seth Godin, autor
de um dos blogs de marketing mais famosos do
mundo, afirma que somos expostos à,
aproximadamente, um milhão de mensagens
comerciais por ano, cerca de três mil por dia.
É de se imaginar que é impossível que uma
pessoa absorva esse número de mensagens
publicitárias. Por conta dessa comunicação
massiva, as empresas têm se deparado com o
desafio de prender a atenção do consumidor com
ações de comunicação cada dia mais inovadoras
e criativas.
A tecnologia, hoje, tornou-se simultaneamente
uma vilã e uma heroína para as empresas que
buscam vencer esses desafios. Ao mesmo tempo
em que ela possibilita que o consumidor evite
assistir aos comerciais televisivos, permite que
haja maior interação da marca com o usuário –
por meio da internet, por exemplo.
Dessa forma, aliando os novos meios e
tecnologias, e procurando uma forma de
diferenciação frente os concorrentes, surgiram
novos meios de comunicação, como o
advertainment.
O presente artigo objetivou entender como os
consumidores enxergam a utilização do
advertainment em filmes de curta-metragem
veiculados na internet, por meio de uma pesquisa
exploratória, entrevistando consumidores-alvo
de duas marcas que fizeram ações de
advertainment (BMW e Pirelli) e verificando se
há uma linha de tendência em suas percepções.
Para tanto, dividiu-se em duas partes principais:
a primeira é uma revisão teórica de pontos que
margeiam e influem no advertainment, bem
como a sua contextualização e definição; a
segunda constitui-se de uma pesquisa de campo,
que procurou levantar as interpretações dos
consumidores em relação a filmes que possuem
advertainment.
Já a pesquisa prática baseou-se em duas
premissas. A primeira afirma que, caso a
inserção da marca seja muito sutil ou muito
enfática, o resultado da percepção do
consumidor será nulo ou negativo: no primeiro
caso, o consumidor não irá perceber a marca e,
no segundo, ficará irritado, entendendo que a
marca está invadindo o seu entretenimento. A
segunda premissa baseia-se na ideia de que
quanto maior a integração de uma marca com o
roteiro de um filme, mais bem aceita será a ação
de advertainment pelo espectador.
A metodologia utilizada para a parte prática foi o
estudo exploratório realizado por meio de
entrevista desestruturada. Para a entrevista foi
selecionada uma amostra por conveniência de
onze homens, com o perfil do público-alvo de
duas marcas que fizeram filmes que possuíam
ações de advertainment. Esses filmes foram
mostrados para os entrevistados e exploradas
suas opiniões em relação ao que viam e
interpretavam dos filmes.
Ao final do artigo foi feita uma conclusão que
sintetiza tudo que foi levantado e estudado,
amarrando esses pontos com as conclusões
tiradas com a pesquisa de campo.
19
Pode-se dizer que a proposição é uma outra
forma de se nomear a identidade da marca.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1
CONCEITO
MARCA
E
IDENTIDADE
DE
O conceito de marca, sua abordagem e definição,
são bastante recentes, a American Marketing
Association (AMA) define-a como:
Um nome, termo, símbolo, desenho – ou uma
combinação desses elementos – que deve identificar
os bens ou serviços de uma empresa ou grupo de
empresas e diferenciá-los dos da concorrência.
(KOTLER; KELLER, 2006).
Já Kapferer (2004) afirma que a marca é
utilizada pelas empresas apoiando-se na lógica
de diferenciação da produção, buscando
responder, o melhor possível, às expectativas de
seus clientes. Para o autor, quando a marca é
conhecida e renomada, ela consegue criar uma
imagem no imaginário dos consumidores,
fazendo com que esses a associem a uma
situação ou comportamento.
Aaker (2007) afirma que a identidade da marca é
muito importante para dar sentido, finalidade,
significado a uma marca.
O conjunto de associações que a identidade
imprime é essencial para o estrategista pensar a
forma como vai se comunicar com o consumidor
e qual a mensagem que irá passar, estabelecendo
também um relacionamento entre ela e o cliente,
por meio de uma proposta de valor – que
envolve benefícios funcionais, emocionais ou de
autoexpressão.
Quando uma organização constrói uma marca,
ela deve comunicar aos consumidores quais os
benefícios racionais podem ser aceitos pelos
consumidores por meio de um raciocínio lógico
e quais os benefícios emocionais que apelam ao
lado humanitário, intuitivo, do consumidor
(ELLWOOD, 2004).
A junção desses dois benefícios, de acordo com
Ellwood (2004), pode ser chamada de proposição
da marca, que organiza o que ela oferece de
verdade, para quem e em que formato.
2.2 COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR
O estudo do comportamento do consumidor é
muito importante para a tomada de decisõeschave por parte das empresas – como decisões de
marketing ou P&D, por exemplo.
Mowen
e
Minor
(2003)
definem
o
comportamento do consumidor como “o estudo
das unidades compradoras e dos processos de
troca envolvidos na aquisição, no consumo e na
disposição de mercadorias”, ou seja, o
comportamento do consumidor estuda a relação
entre as partes de uma negociação, procurando
entender o que influencia o processo de decisão
de compra de um consumidor.
Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) afirmam
que o comportamento do consumidor é
multidimensional e complexo, para eles uma
pesquisa cuidadosa nem sempre é uma garantia
de sucesso, mas de aumento da probabilidade
dele. A Figura 1 ilustra esse conceito de
multidimensionalidade e complexidade.
Existem diversos fatores que podem influenciar
direta ou indiretamente o comportamento do
consumidor.
Dependendo do ambiente em que ele vive, a
cultura em que está inserido, seus grupos de
referência, assim como a forma como vê e
compreende o mundo, o consumidor terá um
estilo de vida e uma autoimagem diferente que
influenciará diretamente em como se dá o
processo de decisão de compra, bem como quais
são seus desejos e necessidades de consumo.
Nota-se
que
o
conceito
de
multidimensionalidade é cíclico, ou seja, as
experiências de compra influenciam na
autoimagem e estilo de vida do indivíduo e viceversa.
A individualidade do consumidor também é
explicitada nesse diagrama, que evidencia a
importância
da
influência
interna
no
comportamento do consumidor.
20
Experiências e compras
INFLUÊNCIAS EXTERNAS
PROCESSO DE DECISÃO
Cultura
Subcultura
Fatores demográficos
Status social
Situações
Grupos de referência
Reconhecimento do problema
Família
Atividades de marketing
AUTOIMAGEM
INFLUÊNCIAS INTERNAS
ESTILO DE
VIDA
Busca de informação
Necessidade
E
Desejo
Avaliação e seleção de
alternativas
Percepção
Aprendizado
Escolha da loja e compra
Memória
Razões
Processos de pós-compra
Personalidade
Emoções
Atitudes
Experiências e compras
Fonte: HAWKINS, Del I.; MOTHERSBAUGH, David L.; BEST, Roger J. Comportamento do consumidor – Construindo a
estratégia de marketing. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
FIGURA 1
Influências no comportamento do consumidor.
2.3 BRAND EQUITY
Existem diversos modelos que visam definir o
que é brand equity, neste artigo serão
apresentados brevemente três desses modelos: o
desenvolvido por Aaker (1998), o da agência de
publicidade Young & Rubricam e o
desenvolvido por Keller (2001).
De acordo com Aaker (1998), a avaliação do
brand equity se dá no nível dos ativos e passivos
ligados à marca (ao seu nome e/ou símbolo).
Segundo o autor, o conceito é influenciado pela
lealdade à marca, conhecimento do nome,
qualidade percebida e associações da marca e
ativos de outras empresas, sendo que estes
impactam positiva ou negativamente na criação
de valor da marca para com os consumidores.
Já a Young & Rubrican desenvolveu uma técnica
que mede as percepções dos consumidores com
determinadas marca, esse modelo, denominado
Brand Asset Valuator (BAV), compara as marcas
com outras similares, indicando possíveis nichos
de mercado ainda não atendidos e melhor
entendimento do comportamento do consumidor.
Essa forma de avaliação, segundo Khauaja
(2005), baseia-se em quatro pilares:
Diferenciação − Diz respeito ao que torna a
marca única, singular.
Relevância − É o que faz a marca importante.
Estima − É o respeito, a consideração que o
consumidor tem à marca;
Familiaridade − É a sua penetração no
mercado, fazendo com que seja mais
conhecida entre os consumidores potenciais.
A combinação desses quatro pilares descreve os
estágios no ciclo de desenvolvimento da marca e
sua força (KOTLER; KELLER, 2006).
Outro modelo de brand equity, desenvolvido por
Kotler e Keller (2006), é o da ressonância da
marca. Esse modelo vê a construção da marca
como uma sequência de etapas sucessivas e que
agregam cada vez mais valor.
Essas etapas são: a identidade da marca na mente
do consumidor; o significado que ela possui para
eles – tanto as associações tangíveis quanto as
intangíveis; a resposta dos consumidores em
21
relação à marca; e o relacionamento dela com o
cliente – sendo que o ideal para as empresas é
chegar à alta fidelidade.
O Quadro 1 mostra a comparação dos três
modelos, com os pontos principais comentados
em cada um dos modelos.
QUADRO 1
Comparação dos três modelos.
AAKER
Lealdade à marca
Conhecimento da marca
Qualidade percebida
Associações à marca
BRAND ASSET VALUATOR
Estima
Familiaridade
Relevância
Diferenciação
RESSONÂNCIA DA MARCA
Ressonância
Proeminência da marca
Significado (desempenho)
Resposta (julgamento)
Resposta (sensações)
Significado (imagem)
Fonte: Elaborado pelos autores.
A forma de ver o brand equity é ligeiramente
diferente entre eles, o ponto central de cada um é
diferente,
porém
muitos
termos
são
compartilhados. Todos falam da importância do
conhecimento da marca por parte do consumidor,
de sua lealdade e estima por ela, da qualidade
que ela precisa ter, como seu desempenho deve
ser percebido como superior aos concorrentes e a
importância como os consumidores enxergam a
marca (tanto emocional, quanto racionalmente).
As principais diferenças estão na forma de
abordar e medir o brand equity.
O modelo BAV propõe um questionário
quantitativo que aproxima, da melhor forma
possível, a realidade da percepção do
consumidor em relação à marca. Os outros dois
modelos são muito mais teóricos do que
aplicáveis na prática.
2.4
COMUNICAÇÃO INTEGRADA
MARKETING (CIM)
DE
A comunicação é um aspecto extremamente
importante dentro do escopo do marketing
porque é por meio dela que a empresa pode
comunicar-se com seus consumidores, mostrar
os atributos e os valores agregados às suas
marcas e influenciar para que haja o consumo do
produto.
A comunicação de marketing permite às empresas
conectar suas marcas a outras pessoas, lugares,
eventos, marcas, experiências, sensações e objetos.
Posicionando a marca na memória e criando uma
imagem de marca, a comunicação de marketing pode
contribuir para a formação do brand equity.
(KOTLER; KELLER, 2006).
Shimp (2003, p. 40) afirma que o processo da
CIM começa no cliente para, então, serem
definidas as ferramentas que serão utilizadas
para passar as mensagens para o público-alvo.
Isso porque o objetivo da CIM é influenciar ou
afetar diretamente o comportamento do públicoalvo.
Dessa forma, são considerados todos os canais
de comunicação relevantes para os clientes
atuais e potenciais do produto e a quais eles são
receptivos. Portanto, apenas após saber quais são
os clientes atuais e potenciais cria-se a estratégia
de comunicação que tem potencialmente mais
chance de trazer resultados à campanha.
Já Kotler e Keller (2006, p. 556) definem a CIM
como um conceito de planejamento de
comunicação de marketing, em que se combinam
as diversas modalidades de comunicação
(propaganda, venda pessoal, promoção de vendas
etc.), a fim de criar uma mensagem clara,
coerente, coesa e de alto impacto para o públicoalvo, aproveitando os papéis estratégicos de cada
modalidade.
A aplicação da CIM é bastante complexa, apesar
de seu conceito ser relativamente simples de ser
entendido, de acordo com Ogden e Crescitelli
(2007).
Para Ogden e Crescitelli (2007), a CIM está
baseada em três pilares:
O primeiro é chamado de tema central. É o
que integra as diferentes ferramentas
utilizadas a uma mesma mensagem.
O segundo é a forma de comunicação. Para
que haja a CIM é necessário que haja, pelo
22
menos, duas formas de comunicação sendo
usadas pela empresa, caso contrário, não faz
sentido falar-se de integração.
O terceiro pilar é o público-alvo. É quando se
considera, não apenas o público consumidor,
mas também os intermediários que podem
influenciar na decisão dos clientes.
produtores e das marcas em torno dessa parceria
entre entretenimento e propaganda.
Com a utilização correta das ferramentas de
comunicação, escolhendo a melhor opção para o
seu público-alvo e com a integração feita de
maneira eficiente, a CIM pode se tornar uma
ferramenta extremamente poderosa para agregar
valor à marca.
2.5 ADVERTAINMENT
De outro lado, por conta do crescimento das
mídias fragmentadas (blogs, DVRs, vídeos de
iPods etc.), a integração propaganda e
entretenimento tem-se mostrado uma boa
oportunidade para serem exploradas pelos
anunciantes,
proporcionando
maior
envolvimento do consumidor com a marca
(MULCAHY, 2006).
Para Pino e Olivares (2007) o brand placement e
o advertainment são formas de referência
intencional audiovisual a uma marca, ou seja, a
junção
perfeita
entre
entretenimento
e
publicidade. Nessa estratégia, o entretenimento e
as histórias atrativas que são contadas, são
fundamentais para que os espectadores
assimilem a marca de maneira positiva.
Hudson S. e Hudson D. (2006) afirmam que o
advertainment é um refinamento do product
placement, porém, apesar deles estarem inseridos
dentro do entretenimento, o que os difere é a sua
integração com a trama/conteúdo do filme ou
programa televisivo. Para tanto, desenvolveram
uma escala de evolução da integração e,
portanto, diferenciação dos dois conceitos.
Turrow (2008) entende que o advertainment é
uma associação de uma empresa, ou produto,
com atividades de mídia em um formato não tão
invasivo quanto uma propaganda tradicional;
para ele esse conceito pode ser entendido como
um guarda-chuva que abrange o marketing de
evento, o patrocínio de evento e o product
placement.
A escala desenvolvida pelos autores mostra, na
ponta esquerda, o product placement puro, em
que ocorre a integração da marca com a trama do
programa de TV ou filme. Já a ponta direita da
escala mostra o advertainment que ocorre
quando a integração é a mais entrelaçada
possível.
O’Guinn, Allen e Semenik (2008) possuem
opinião alinhada à visão de Pino e Olivares
(2007). Os autores ressaltam, contudo, que o
advertainment é uma forma criativa que as
organizações encontraram para fugir de dois
fatos:
As regulações, por parte dos órgãos
governamentais, das propagandas tradicionais
que muitas vezes impossibilitam a veiculação
de um spot publicitário.
A resistência dos consumidores em assistir a
comerciais durante as suas horas de lazer.
Mulcahy (2006) afirma que a mescla entre a
propaganda e o entretenimento ficou mais
intensa nos últimos anos, por conta de uma
convergência ainda maior dos interesses dos
De um lado, os produtores buscam novos
parceiros para financiamento e promoção de suas
produções, além de utilizar as marcas para
proporcionar maior sensação de realidade à ação.
Pode-se ver, também, que existem alguns
fatores-chave que influenciam na inserção da
marca, fazendo com que ela seja mais próxima
da ponta esquerda ou da direita, conforme a
forma que o consumidor os percebem, as
regulações
governamentais,
o
suporte
extrainserção etc.
Os próximos tópicos evidenciam esses fatores e
sua influência na inserção da marca em
programas, filmes ou qualquer outro tipo de
entretenimento.
A Figura 2 é um resumo das teorias de
advertainment apresentadas brevemente nesse
artigo e o Quadro 2 mostra o comparativo das
teorias de advertainment.
23
Fatoreschave
para
influência
efetiva do
placement
MÍDIA
UTILIZADA
CARACTERÍSTICAS DA
MARCA
SUPORTE À
ATIVIDADE
PROMOCIONAL
ATITUDE DO
CONSUMIDOR
PARA A MARCA
COLOCADA
CARACTERÍSTICAS DA
COLOCAÇÃO
(PLACEMENT)
REGULAÇÕES
Alto
nível de
integração
com a
marca
Sem
integração
com a
marca
Apenas visual
ou verbal –
placement passivo
A marca é entrelaçada
com a história (com o
storyline)
Product
placement puro
Brand entertainment/
advertainment
Fonte: HUDSON, S.; HUDSON, D. Branded enterteinment: a new advertising technique or product placement in disguise?
Journal of Marketing Management, v. 22, p. 489-504 ST – Branded enterteinment: a new adver, 2006.
FIGURA 2
Evolução do product placement ao advertainment.
QUADRO 2
Comparativo das teorias de advertainment.
O QUE É
ADVERTAINMENT
FUNÇÃO DO
ADVERTAINMENT
HUDSON S. E
HUDSON D.
(2006)
Integração da
propaganda com o
entretenimento,
onde as marcas
estão entrelaçadas
com a história de
um filme, programa
de TV ou outra
mídia de
entretenimento.
Traz uma atitude
positiva e maior
lembrança da
marca, influência
para o consumo e o
combate à fuga, por
parte dos
consumidores, dos
comerciais
tradicionais. É uma
forma de fonte de
renda para a
execução dos filmes
e programas de TV,
além de trazer
maior realismo à
cena, já que a marca
dos produtos
aparece como parte
integrante da
história e da cena.
PINO E
OLIVARES
(2006)
Toda forma de
referência
intencional
audiovisual a
uma marca.
Nessa estratégia,
o entretenimento
e as histórias
atrativas
contadas são
fundamentais
para que os
espectadores
assimilem de
maneira positiva
a marca.
TUROW
(2008)
O'GUINN
(2008)
MULCAHY
(2006)
Associação de
uma empresa, ou
produto, com
atividades de
mídia em um
formato não tão
invasivo quanto
uma propaganda
tradicional.
Estágio superior
ao product
placement, sendo
uma fusão da
promoção de
marca junto com o
entretenimento
principalmente em
filmes, músicas e
programas de TV.
Forma criativa
para fugir de dois
fatos: as
regulações, por
parte dos órgãos
do governo e a
resistência dos
consumidores em
assistir a
comerciais
durante suas horas
de lazer.
Convergência
dos interesses
dos produtores
e empresas em
torno da
parceria entre
entretenimento
e propaganda.
Guarda-chuva
que abrange o
marketing de
evento, o
patrocínio de
evento e o
product
placement.
Forma
alternativa para
financiamento
e promoção de
produções
artísticas; além
de
proporcionar
maior
envolvimento
do consumidor
com a marca.
Fonte: Elaborado pelos autores.
24
3. METODOLOGIA
Optou-se por utilizar, neste artigo, uma pesquisa
exploratória, preparada com base em duas
premissas. A primeira é a de que a marca,
quando integrada perfeitamente à cena de um
filme, ou a um roteiro, passa despercebida pelo
consumidor; mas quando se coloca maior ênfase
na sua presença o consumidor se sente invadido,
incomodado, provocando um resultado negativo
à percepção de marca – que é olhada com
desdém e incômodo. Em ambos os casos,
portanto, a marca não atinge o seu objetivo
principal: divulgação e fortalecimento da sua
imagem, com a construção de valor por meio do
filme.
A segunda premissa afirma que, para que o
advertainment tenha sucesso, a marca deve fazer
parte da história, estando integrada a uma
personagem, sem que haja muita ênfase, ou
destaque a ela. Ou seja, a marca deve aparecer de
forma despretensiosa no filme para que se tenha
um impacto positivo na lembrança e percepção
dos consumidores. O objetivo de ambas as
premissas é entender a percepção do consumidor
em relação a uma situação de advertainment,
portanto optou-se por se fazer uma entrevista
não estruturada com consumidores potenciais de
duas marcas (BMW e Pirelli).
Para a coleta de dados da pesquisa foi
selecionada uma amostra por conveniência, dado
que o que se objetivava era o levantamento de
uma tendência de percepção por parte dos
consumidores e não um levantamento de dados
conclusivos. Tal amostra foi composta por onze
homens, maiores de vinte anos, com formação
acadêmica
mínima
de
ensino
superior
incompleto e que tivessem, pelo menos, domínio
intermediário da língua inglesa.
A entrevista foi feita entre os dias 15 e 25 de
novembro de 2009, em locais isolados de
distrações externas e individualmente. Cada
entrevistado assistiu a dois filmes selecionados,
que são um exemplo de advertainment, e
veiculados exclusivamente pela internet. Após a
exibição, os entrevistados responderam as
perguntas, o que teve uma duração média de 15
minutos.
A escolha das características da amostra foi feita
porque esse grupo faz parte do público-alvo de
ambas as marcas apresentadas nos curtasmetragens.
Para que todos os pontos importantes fossem
discutidos, o entrevistador seguiu um roteiro que
tinha a função de nortear o desenvolvimento das
conversas.
3.1 FILMES APRESENTADOS
3.1.1 PIRELLI – “THE CALL”
O filme da Pirelli, “The Call”, mostra a eterna
luta entre o bem e o mal; onde um padre
exorcista (John Malkovich) é chamado para
exorcizar um carro que está possuído por um
espírito do mal (Naomi Campbell). O filme foi
dirigido por Antoine Fuqua (“Dia de
treinamento” e “Rei Arthur”).
A presença da marca Pirelli em “The Call” pode
ser classificada como advertainment, pois, além
de integrar o entretenimento (filme de ação) com
a marca do pneu, os consumidores são
convidados a assistir a um filme estrelado por
John Malkovich e Naomi Campbell, e não para
assistir a mais nova propaganda da marca Pirelli.
Ou seja, o objetivo principal do filme,
aparentemente, é entreter o espectador e não
divulgar a marca Pirelli. Além disso, a marca
aparece como responsável pela resolução do
problema retratado no filme, o que mostra a sua
relação intrínseca com o roteiro do filme. Se esse
filme for colocado dentro da escala de Hudson S.
e Hudson D. (2006) ele estará localizado, assim
como o filme da Lacta, na ponta direita da linha.
3.1.2 BMW – “THE HOSTAGE”
Dirigido pelo diretor de Hollywood, John Woo
(“O pagamento”, “Missão Impossível 2”, “A
outra face”), o filme “Hostage”, da BWM,
gravado em 2001, mostra o salvamento de uma
vítima de sequestro, presa em um porta-malas de
um carro que está afundando em um rio. O
salvador (Clive Owen), após falar com o
sequestrador, descobre que a vítima está com um
telefone celular e que a única forma de salvá-la é
falar com ela e buscar informações que o façam
chegar ao automóvel.
25
Assim como no filme da Pirelli, o consumidor
foi convidado pela empresa para assistir a um
curta estrelado por Clive Owen e dirigido por
John Woo, e não ao mais novo comercial da
BMW. Dessa forma, pode-se dizer que, na
classificação de Hudson S. e Hudson D. (2006),
esse filme também está na ponta direita da linha.
Nesse caso a marca também está bastante
integrada ao roteiro da história do filme, o que
faz com que seja um exemplo de advertainment.
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
Durante as entrevistas objetivou-se entender
como os consumidores enxergam a presença do
advertainment dentro de filmes curtasmetragens, bem como se, para eles, essa
ferramenta é tida como uma invasão de sua
privacidade. Para tanto se buscou investigar se
os espectadores, ao assistirem um filme em que a
marca esteja muito integrada à cena não
percebem sua presença e se quando está em clara
evidência, se incomodam com sua presença.
Outro objetivo das entrevistas foi entender se há
a necessidade da marca estar integrada à marca
para que ela tenha um impacto positivo na
lembrança dos consumidores. Além disso, foi de
interesse da pesquisa analisar temas levantados
na discussão teórica sob a ótica da relação do
espectador e da marca em uma situação de
advertainment.
A seguir, são apresentados dois quadros com o
resumo dos levantamentos feitos na pesquisa de
campo.
QUADRO 3
Pontos principais levantados pelos entrevistados durante as entrevistas.
IMAGEM DA
MARCA
CONHECIMENTO
DA MARCA
COMPORTAMENTO
DO CONSUMIDOR
MOTIVAÇÃO DE
COMPRA
SENTIMENTO EM
RELAÇÃO AO
ADVERTAINMENT
A marca aparece escondida durante os filmes.
O filme é complexo, a marca é o menos visado.
A marca está velada, estão tentando vender associando-a a fatores psicológicos
externos.
Para empresas que estão começando não é efetivo.
Cria o conhecimento de marca, mostra-a para o consumidor.
Os filmes serviram como uma lembrança da marca; não sei se o pneu Pirelli
dura mais ou se uma BMW é mais segura, o que sei é que as marcas estavam
lá.
Fixa a marca, assim como a propaganda, mas de forma mais efetiva e sutil.
Tem que instigar a pessoa ao máximo e correr o risco de ela não conhecer o
produto que quer consumir.
Com o nome do diretor/ator prestaria mais atenção, mas para a maioria das
pessoas isso não faria diferença.
A envergadura dos diretores e atores torna o filme mais interessante.
Inicialmente não entendeu a associação marca-filme.
Não encarou o filme como filme, porque as marcas aparecem de cara.
Não teve vontade de comprar.
É uma alternativa à propaganda, com a mesma função.
Não dá vontade de consumir, mas faz pensar na marca com respeito.
Não mostra os benefícios de se comprar a marca.
Não se incomodou com a presença da marca, pois estava inserida em um
contexto.
Não é invasivo, não está forçando a venda.
BMW: para alguns apareceu de mais, para outros de menos.
Um filme com a marca inserida (não), propaganda com linguagem de filme
(ok).
Se a história for bem feita e o roteiro bem escrito faz com que goste de assistir
ao filme e que não se sinta incomodado.
A invasão depende do equilíbrio (da aparição da marca).
Fonte: elaborado pelos autores.
26
O Quadro 3 mostra os pontos levantados pelos
entrevistados em relação aos questionamentos
que lhes foram feitos durante a entrevista. O
Quadro 4 elenca os principais pontos levantados
pela análise crítica das repostas obtidas dos
entrevistados, em comparação com a teoria
levantada na primeira parte da pesquisa.
A pesquisa prática foi norteada por duas
premissas que estão apresentadas no Quadro 5.
QUADRO 4
Pontos importantes levantados por meio da análise crítica da entrevista.
IMAGEM DA
MARCA
CONHECIMENTO
DA MARCA
COMPORTAMENTO
DO CONSUMIDOR
MOTIVAÇÃO DE
COMPRA
SENTIMENTO EM
RELAÇÃO AO
ADVETAINMENT
Dificuldade por parte do espectador para entender a mensagem pode fazer
com que o propósito do filme caia por terra.
A marca estando velada no filme pode tornar a mensagem mais complexa,
dificultando o seu entendimento pelo público em geral.
Se a marca não é conhecida é mais fácil passar despercebida, principalmente
quando está bem integrada com o roteiro do filme.
A forma como os filmes são apresentados ajuda na construção do brand
equity, na lembrança da marca.
O cuidado da empresa com a qualidade e reconhecimento dos profissionais
que estão no filme influi diretamente no nível de atenção que ele conseguirá
reter do espectador.
A associação marca-filme, quando pouco clara causa estranhamento e
incômodo por parte do espectador.
Quando percebem a marca envolvida, os espectadores passam a encarar o
filme de outra forma.
O filme não estimula a compra do produto.
Provavelmente o estímulo se dê no mesmo nível que o de uma propaganda.
O consumidor não ver os benefícios da marca pode ser prejudicial para a
marca, dependendo do objetivo da campanha.
De forma geral a marca inserida no filme foi bem aceita pelos
espectadores/consumidores.
É importante que não seja dada muita ênfase para a presença da marca.
Entrevistados que acharam que a marca apareceu demais ficaram irritados
com a presença dela.
Entrevistados que acharam que a marca apareceu na medida certa gostaram
da abordagem.
O foco dos espectadores é o filme e não a marca.
Fonte: Elaborado pelos autores.
QUADRO 5
Resumo das hipóteses levantadas para a pesquisa exploratória.
P1
Percepção do consumidor quando a inserção é muito sutil ou quando há forte ênfase na marca
inserida.
Integração com o filme, de forma a não parecer uma venda do produto, faz com que o advertainment
seja bem aceito.
Fonte: Elaborado pelos autores.
P2
Pode-se perceber que ambas as premissas foram
confirmadas durante a pesquisa prática.
A marca, ao fazer uma campanha que envolva o
advertainment,
visa ser lembrada pelo
consumidor após sua exposição em um filme e
que essa lembrança tenha um impacto positivo
na sua memória.
A primeira premissa abordada afirma que a
marca não conseguirá esse intuito em duas
ocasiões: quando a inserção da marca for sutil
demais, dificultando que o espectador perceba a
sua presença; ou quando a ênfase que lhe for
dada for demasiadamente forte, chegando a
incomodar o consumidor que está assistindo ao
advertainment.
27
Durante as entrevistas foi possível verificar que
há indício de que essa premissa esteja correta,
dado que alguns consumidores tiveram
dificuldade para identificar uma das marcas em
um dos filmes, sugerindo que ela estava
integrada demais com a história.
Em outro caso, os consumidores acharam que foi
dada ênfase demais à marca, fazendo com que o
filme deixasse de ser puro entretenimento para
virar uma propaganda mais longa que a
convencional.
Já a segunda premissa afirma que, ao estar bem
integrada ao roteiro/enredo do filme a marca não
incomoda o espectador, que a vê como parte
natural da cena.
Conforme foi levantado nas entrevistas, essa
premissa também se mostrou com probabilidade
de estar correta, visto que os entrevistados
afirmaram
estarem
confortáveis
quando
assistiram aos filmes em que, para eles, a marca
estava bem integrada.
A Figura 3 mostra, de forma ilustrativa, a
importância da integração da marca no filme.
PONTO DE EQUILÍBRIO
Sutil a ponto do espectador não se incomodar com sua
presença e intenso o suficiente para, ao final do filme,
lembrar-se da marca
-
+
Intensidade da aparição da marca no filme
BAIXA INTENSIDADE
ALTA INTENSIDADE
Efeito:
O espectador não percebe
a marca
Efeito:
O espectador sente-se invadido
pela marca
Fonte: Elaborado pelos autores.
FIGURA 3
Ponto de equilíbrio da intensidade da inserção de uma marca em um filme.
Pode-se ver que, quanto maior a intensidade da
aparição da marca no filme, mais o espectador
sente-se invadido por ela, ao passo que, quando
essa intensidade é muito baixa, o espectador não
a percebe.
O ponto ideal é a mediana, em que a integração é
sutil a ponto de não invadir a privacidade do
espectador, mas suficientemente intensa para ser
percebida por ele.
A pesquisa de campo mostrou que as premissas,
aparentemente, são verdadeiras, porém, são
necessários outros estudos que comprovem essa
veracidade, além disso, ainda há de se
compreender
algumas
características
do
advertainment e levantar o que pode ser mais
efetivo em termos de influência do público-alvo.
Sugere-se que algumas pesquisas sejam feitas
para: entender que tipo de mídia é mais eficaz
para que o advertainment seja desenvolvido;
28
saber qual o nível de integração ideal para que a
marca seja divulgada de forma eficaz sem,
contudo, invadir a privacidade do espectador;
verificar se a imagem da marca passada pelo
filme perdura na mente do consumidor, ou seja,
se após certo tempo de sua exposição ele ainda
se lembra da marca.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema central do artigo apresentado foi
entender a utilização do advertainment como
forma de fortalecer a imagem e a mensagem da
marca, bem como a reação dos consumidores
quando expostos a uma situação em que ele
ocorre. Para tanto, buscou-se, primeiramente,
entender o que é o conceito de advertainment
frente aos acadêmicos da área, bem como quais
são os fatores da teoria de marketing que o
influenciam.
Depois disso, foi feita uma pesquisa prática com
o intuito de levantar as possíveis reações dos
consumidores ao serem submetidos a uma
situação onde ocorre o advertainment.
De acordo com o levantamento feito, assim
como o product placement, o advertainment é a
inserção de uma marca dentro de um contexto de
entretenimento (como um filme ou um programa
de TV, por exemplo). Porém, enquanto o
primeiro não possui relação alguma com o
enredo do filme ou programa, o segundo possui
grande integração com ele, fazendo, portanto,
parte da história que está sendo contada ou do
programa mostrado.
Apesar da inserção de marcas em programas de
entretenimento existir a muito tempo, ela
intensificou-se nos últimos anos. Isso porque as
formas tradicionais de publicidade têm se
mostrado menos eficientes, dado o grande
número de mensagens comerciais a que as
pessoas são expostas diariamente.
Por conta da dificuldade em chamar a atenção
dos consumidores, que inclusive fogem das
propagandas tradicionais, as empresas passaram
a buscar novas formas de divulgação de suas
marcas. Ao mesmo tempo, produtores de filmes
e programas televisivos têm procurado novas
formas de financiamento e de trazer a realidade
mais próxima da ficção.
A junção dessas necessidades de publicitários e
produtores constituiu o advertainment, que vem
se mostrando uma saída lucrativa e de boa
aceitação pelos espectadores, sendo uma forma
tanto de se divulgar uma marca e trabalhar os
seus valores, quanto angariar fundos para
produções cinematográficas, séries de TV etc. e
trazer a realidade mais próxima delas.
Dessa forma pôde-se verificar que o
advertainment é um conceito que vem crescendo
em importância em relação às outras ferramentas
de Comunicação Integrada de Marketing,
tornando-se uma saída rentável e de bom
impacto sobre os consumidores.
Pela pesquisa de campo, verificou-se uma
tendência de impacto positivo dessa ferramenta
frente ao público.
Dentre os entrevistados, a maioria preferiu o
filme da BMW que mostrava a marca de forma
sutil, pois o carro estava colocado em linha com
o seu uso habitual, ao contrário dos pneus, no
filme da Pirelli, que, para os entrevistados,
tiveram a sua presença forçada na história, ou
seja, a integração aparentemente não estava
muito boa e clara.
Portanto, este artigo mostrou a importância do
advertainment para a construção das marcas, já
que é uma ferramenta que hoje possui impacto
positivo nos consumidores e ainda não é evitada
por eles. Contudo, de acordo com o que foi
apurado, os consumidores são bastante sensíveis
a ela, ou seja, a organização deve tomar cuidado
com a intensidade que a marca será mostrada em
suas inserções, pois há uma linha tênue que
separa a não percepção da percepção positiva e
da percepção de invasão do momento de
entretenimento do consumidor.
A diferença de percepção dos consumidores
pode ser entendida, conforme mostrado na
análise
da
pesquisa,
pela
ótica
do
comportamento do consumidor, por exemplo.
Dependendo das experiências e formas de ver o
mundo de uma pessoa, uma campanha com o uso
29
de advertainment pode lhe parecer boa ou ruim.
Para diminuir esse impacto é importante que a
empresa conheça o perfil do público-alvo, para
que a campanha seja feita da forma mais
direcionada possível.
O advertainment também pode colaborar com a
criação de valor de uma marca, pois por meio de
sua inserção a empresa pode evidenciar
importantes atributos e benefícios da marca, bem
como fortalecer uma imagem na mente do
consumidor em relação a ela. Por exemplo, ao
fazer um filme de ação, a BMW passou a
imagem de ser um carro esportivo, confiável e de
rendimento superior aos outros – a mensagem do
filme é de que quem usa uma BMW é uma
pessoa mais confiante e bem-sucedida.
Conforme
abordado
anteriormente,
o
advertainment é um conceito bastante novo,
portanto diversas pesquisas ainda podem ser
feitas com esse tema. É interessante, por
exemplo, que se levante qual é o nível ideal de
intensidade da inserção para que haja uma
percepção agradável da marca por parte do
espectador. Além disso, seria conveniente que se
mostrasse que tipo de impacto essas inserções
causam, se são duradouros ou se, pouco depois
de assistir à inserção, o espectador já se
esqueceu da marca. Outro ponto interessante é
entender qual a influência do impacto, quando
negativo, na imagem da marca.
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32
NOVOS ARRANJOS FAMILIARES: O CONSUMO DOS CASAIS DINC (DUPLA RENDA,
NENHUMA CRIANÇA)
NEW FAMILIES ARRENGEMENS: THE CONSUME OF COUPLES DINC (DUAL INCOME, NO
CHILDREN)
IARA SILVA DA SILVA
DOUTORA EM COMUNICAÇÃO SOCIAL E MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE CATÓLICA/RS, PROFESSORA DA ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA
E MARKETING/SUL E PESQUISADORA NAS ÁREAS DE MARKETING E COMUNICAÇÃO.
E-MAIL: [email protected]
LILIANE ROHDE
MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL,
PROFESSORA DA ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING/SUL E
CONSULTORA DE EMPRESAS.
E-MAIL: [email protected]
RESUMO
Na contemporaneidade surgem novas configurações familiares, dentre as quais, os casais com Dupla
Renda, Nenhuma Criança (DINC), objeto deste artigo. Investiga-se como ocorre o consumo desses casais
e as diferenças entre os gêneros, por meio da triangulação que pressupõe o cruzamento dos dados
coletados nas duas fases da pesquisa qualitativa e quantitativa. Como evidências destacam-se: consumo
hedônico - atende aos interesses individuais e/ou do casal; preferência pelo consumo de bens culturais,
serviços de lazer e entretenimento e pouca disparidade nos comportamentos dos homens e das mulheres,
nos seus gostos e práticas de consumo.
PALAVRAS-CHAVE:
Novos arranjos familiares, casais DINC, gênero, consumo.
ABSTRACT
In contemporary times new family configuration comes, among which, the dual Income couples, no
children (DINC), object of this article. Investigates how the consumption of these couples and the
differences between the genres, by means of triangulation which assumes a cross-check of data collected
in two phases of qualitative and quantitative research. As evidence: hedonic-consumption meets the
individual interests and/or couple; preference for the consumption of culture, leisure and entertainment
services and little differences in the behavior between men and women: in their tastes and consumer
practices.
KEYWORDS:
New family arrangements, couples DINC, gender, consumption.
1. INTRODUÇÃO
A contemporaneidade congrega novas formas de
organizar as famílias, por meio de agrupamentos
por afinidade, laços de sangue, em que há pai,
mãe e filhos de casamentos distintos; mãe e
filhos; pai e filhos; pai, mãe e filhos frutos de
um único casamento, casais homossexuais e
heterossexuais sem filhos, este último objeto
deste artigo. O casal sem filhos, denominado
DINC, dupla renda, nenhuma criança, constituise em um novo arranjo familiar que, em geral, é
formado por pessoas das classes A e B, com
elevados níveis de escolaridade e renda, e com
mais tempo para cuidar de si e consumir.
Segundo a pesquisa Síntese de Indicadores
Sociais do IBGE, o grupo dos casais DINC,
composto por casais sem filhos e aqueles cujos
filhos não moram mais consigo, de todas as
classes sociais, representavam 18,1% dos
arranjos familiares em 2001; em 2010 passaram
para 27,1%. No Sudeste, esse percentual se
aproximou de um quarto dos casais (24,8%), em
2011. No nordeste, esse arranjo foi menos
frequente, com 17,7%. O grupo dos casais com
filhos sofreu declínio entre 2001 e 2011, de
53,3% para 46,3% (SOARES, 2012).
Os estudos específicos sobre casais DINC ainda
são escassos, e a maioria restringe-se a análises
econômicas, de natureza demográfica, sem
abranger a complexidade do comportamento de
consumo desse grupo.
Há estudos de pensadores brasileiros, dentre os
quais os de pesquisadores do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), Barros, Alves
e Cavagni (2008), cuja vertente predominante é a
quantitativa,
com
ênfase
nos
perfis
socioeconômicos desses casais.
No campo da psicologia, em geral, os autores
Rios e Gomes (2009) discutem os motivos que
levam os casais DINC a não ter filhos e as
pressões sociais decorrentes dessa decisão.
Em nível internacional, o cenário não difere,
predominam as pesquisas que buscam avaliar as
condições socioeconômicas dos casais de dupla
renda, sem filhos, entre as quais a de Paul (2001)
para a American Demographics, cujos resultados
envolvem indicadores do padrão de consumo dos
DINC nos Estados Unidos, no início daquela
década. Na Europa, destaca-se o estudo de
Delgado e Sevilla (2006) que apresenta os casais
sem filhos como um novo segmento de mercado,
discute as implicações para o marketing e a
comunicação e aponta as marcas que melhor se
comunicam com esse público. No entanto, esse
estudo está embasado somente em dados
secundários. A partir dessas referências
confirma-se que, tanto em âmbito nacional
quanto internacional, há uma carência de estudos
sobre casais DINC, especialmente quando se
considera a presença de dados primários e que
privilegiem,
simultaneamente,
abordagens
qualitativas e quantitativas.
Os casais sem filhos, uma forma de arranjo
familiar não tradicional, parece ser um segmento
que ainda necessita de mais conhecimento por
parte dos pesquisadores em diversos campos, e o
marketing é um deles, pois o seu objeto de
estudo são os consumidores, em especial a
família, espaço relevante para o consumo,
como um processo essencialmente cultural que reproduz e
estabelece mediações entre estruturas de significados e o
fluxo da vida social, através dos quais, identidades,
relações e instituições sociais são formadas, mantidas
e mudadas no decorrer do tempo. (BARBOSA, 2004,
p. 13).
A partir dessa concepção busca-se compreender,
aqui, a forma com que os bens são incorporados
à vida dos casais DINC, como sujeitos sociais,
agentes que dialogam com o mundo, cujas
identidades estão em constante construção.
Por se tratar de um casal é necessário considerar
as diferenças de gênero, pois o casamento abriga
duas individualidades e uma conjugalidade que
contém dois sujeitos, dois desejos, duas histórias
de vida, duas identidades que, na relação
amorosa, vivem uma conjugalidade, um desejo
conjunto, uma história de vida conjugal, um
projeto de vida, uma identidade conjugal
(FÉRES-CARNEIRO, 2001).
Sabe-se, também, que as questões de gênero,
diferenças nas formas de pensar, sentir e agir
entre homens e mulheres são construções sociais
que
influenciam
o
seu
cotidiano
e,
consequentemente, suas práticas de consumo.
Seguindo essa lógica, entende-se que um dos
valores centrais da sociedade contemporânea ou
de “consumo” é a liberdade de escolha mediante
a exposição dos produtos ao indivíduo.
O consumo oferece o significado e a identidade
que o indivíduo busca e nessa atividade ele
combate o sentimento de insegurança ontológica
(CAMPBELL, 2001). Sob esse enfoque, o
universo do consumo tem papel relevante na
produção dos mundos possíveis que os
indivíduos podem, eventualmente, se apropriar.
Entende-se,
portanto,
que
o
consumo
contemporâneo ancora-se na cultura, como um
processo de construção dos sujeitos, mediante a
busca de significado de mundo e a obtenção de
sentido das formas sociais e materiais e das
instituições que o integram (MILLER, 2001).
Nesse contexto, se inserem os novos arranjos
familiares e a questão de pesquisa que, neste
artigo, procurou-se responder: De que modo
ocorre o consumo dos casais DINC das classes A
e B porto-alegrenses?
Essa questão fragmenta-se nos objetivos geral e
específico: analisar de que modo ocorre o
consumo dos casais DINC das classes A e B
porto-alegrenses e identificar as diferenças entre
os hábitos de consumo dos membros do casal,
considerando-se as questões de gênero.
2. PESQUISA SOBRE CONSUMO DOS
NOVOS ARRANJOS FAMILIARES –
CASAIS COM DUPLA RENDA E SEM
FILHOS (MÉTODOLOGIA)
Este artigo ancorou-se na triangulação de
métodos que pressupõe um conjunto de esforços
para reunir, em uma investigação, diferentes
métodos de busca e análise de dados. Nele
aplicam-se os quatro tipos de triangulação: de
dados, de investigador, teórica e metodológica,
propostos por Denzin (1989). Para tanto, vale-se
de dois tipos de pesquisa: exploratória e
descritiva.
Segundo
Andrade
(2002),
a
pesquisa
exploratória propicia mais informações sobre um
assunto, facilita delimitar o tema, fornece
subsídios para a etapa posterior ou identifica
novo enfoque para o tema. Essa abordagem
contribui para descobrir as percepções dos casais
DINC, suas práticas de consumo, segmentá-las e
interpretá-las
considerando-se
eventuais
diferenças
mulher.
entre seus
membros:
homem e
A adoção desses dois tipos de pesquisa converge
para as vertentes de pesquisa qualitativa e
quantitativa. Para Silverman (2009), a essência
da pesquisa qualitativa está na imersão dos
pesquisadores
em
um
conjunto
de
acontecimentos e eventos dos quais extraem
mais conhecimento e relações, à medida que
busca compreender os porquês do consumo dos
casais DINC (BAUER; GASKEL, 2002).
Já, a pesquisa quantitativa é particularmente útil
para descrever grupos relevantes (MALHOTRA,
2006), como é o caso dos casais com dupla renda
e sem filhos, gaúchos, cujas práticas de consumo
constituem-se em variáveis que podem ser
medidas objetivamente.
Neste artigo, empregou-se a escala proposta por
Likert, com cinco pontos, um para discordo
totalmente e cinco para concordo totalmente
(MALHOTRA, 2006). A partir dessas escalas, os
entrevistados
indicam
quão
fortemente
concordam ou discordam das afirmativas
desenvolvidas (ZIKMUND; BABIN, 2011).
No que se refere às unidades de estudo
(entrevistados), na primeira fase – qualitativa,
analisaram-se sete casais heterossexuais sem
filhos, das classes1 A e B, entre 35 e 57 anos de
idade, residentes em Porto Alegre e região
metropolitana,
com
profissões
diversas:
professores, gestores de ensino superior,
profissionais liberais e funcionários públicos e
que estão juntos há 10, 15, 20 e 30 anos. Foram
realizadas 14 entrevistas com sete casais, homem
e mulher entrevistados separadamente.
A seleção desses entrevistados ocorreu em função
dos relacionamentos dos pesquisadores. Entre esses
casais predominam pessoas com mais de 50 anos,
devido ao filtro definido a partir do objetivo deste
estudo – ouvir casais que optaram por não ter filhos.
A inclusão de pessoas mais jovens talvez implicasse
a impossibilidade de o casal efetivamente ter essa
1
Critério Brasil é uma forma de segmentação das populações
brasileiras urbanas, realizada pela Associação Brasileira de
Empresas de Pesquisa (ABEP), que está embasada na posse de
alguns itens de conforto: geladeiras, banheiros e, também, no
nível de escolaridade do chefe da família.
35
decisão tomada, pois ainda poderiam ter filhos se
assim o desejassem.
filhos, da família e das suas práticas de consumo
cotidianas.
Na etapa quantitativa, a amostra contemplou 75
casais que, por opção, não têm filhos, ao todo
150 pessoas que se enquadram nas classes A e B,
conforme o Critério Brasil. Essa amostra
estruturou-se a partir da técnica de snow ball, em
que indivíduos com as características necessárias
ao estudo são abordados e indicam outros com
características semelhantes. Em função disso, os
dados não podem ser generalizados porque não
se configura uma amostra probabilística e o erro
amostral não pode ser realmente determinado
(MALHOTRA, 2006). Mas, apesar disso, há
condições de traçar conclusões acerca dos dados
coletados.
As observações diretas ocorreram durante essas
visitas e buscou-se identificar as características
arquitetônicas, a decoração das residências; as
fotografias do casal, de familiares e dos amigos, a
presença de biblioteca e/ou escritório, obras de arte,
o uso que o casal faz dos espaços disponíveis no
imóvel e aquele que tem a preferência do casal; a
cozinha, os hábitos alimentares do casal, mediante a
observação dos armários, da geladeira, a
identificação dos produtos e das marcas preferidas.
A amostra não probabilística aplica-se a casos em
que a população inteira não está disponível para ser
sorteada (MATTAR, 2000) e também, quando se
deseja facilitar o acesso a determinada população e
garantir agilidade a esse processo. Esse
procedimento é utilizado com frequência nas
pesquisas no campo do marketing (MALHOTRA,
2006). A agilidade no processo de seleção da
amostra e a facilidade de acesso aos casais DINC
são os motivos da adoção dessa prática neste
estudo.
No que se refere às técnicas para a coleta dos dados
na etapa qualitativa, empregaram-se três técnicas
distintas:
A pesquisa bibliográfica.
As entrevistas em profundidade.
A observação direta.
As entrevistas em profundidade com os casais
DINC foram realizadas, entre os meses de abril e
maio de 2011, nas residências dos entrevistados. As
entrevistas foram realizadas individualmente,
duraram entre 50 minutos e 1h30min, e foram
gravadas e transcritas para que não se perdesse
nenhuma informação.
Os casais foram escolhidos por conveniência, as
entrevistas foram agendadas por telefone e o
pesquisador dirigiu-se até suas residências para
aplicá-las. Para tanto, adotou-se um roteiro
semiestruturado que contemplou as visões dos
casais DINC acerca do casamento, da ausência de
A coleta dos dados da pesquisa quantitativa
ocorreu nos meses de setembro e outubro de
2011, nos locais de trabalho e/ou residências dos
casais DINC. Para isso, procedeu-se a agenda
dos encontros por e-mail e telefone, estruturouse o questionário e, posteriormente, efetuou-se o
pré-teste e o treinamento dos pesquisadores que
realizaram as entrevistas – aplicaram os
questionamentos e registraram as respostas. Os
questionários preenchidos foram encaminhados
para digitação e preparação para as análises.
O próximo passo envolveu a análise dos dados,
seguindo as vertentes de pesquisa qualitativa e
quantitativa. Para analisar os dados coletados da
pesquisa qualitativa utilizou-se a análise de
conteúdo, que propõe desagregar o texto em
fragmentos para, então, reorganizá-lo por temas
(BAUER; GASKEL, 2002). A partir daí,
determinam-se as categorias a priori, que são o
ponto de partida dos pesquisadores e que
precedem a análise e, a posteriori, que emergem
da leitura e reflexão durante o tratamento dos
dados. Como categorias e subcategorias a priori
têm-se: os casais sem filhos – DINC, o consumo,
considerando-se as diferenças de gênero e, a
posteriori, as categorias de produtos consumidos
por esse grupo: consumo de alimentos, consumo
de produtos culturais, lazer, entretenimento e
gastronomia e consumo de moda (vestuário e
calçados). Posteriormente, para interpretar os
dados da pesquisa quantitativa, adotou-se a
estatística descritiva, cuja finalidade é mapear e
caracterizar as respostas dos entrevistados
quanto aos tópicos pesquisados.
Na fase quantitativa, para estruturar o
questionário empregaram-se as afirmativas com
36
a avaliação do nível de concordância, por meio
da escala de Likert, perguntas de escolha simples
e múltipla (MATTAR, 2000). Adotou-se,
também, o índice de concordância que resulta do
agrupamento das opções de concordo totalmente
e concordo. Com isso, alterou-se a configuração
da escala de Likert — de cinco opções passou-se
a contar com apenas três (HAYES, 1995).
Especificamente para investigar as marcas de
alimentação preferidas utilizou-se uma pergunta
aberta, adequada aos momentos em que se deseja
deixar o entrevistado livre para responder a
questão proposta (MALHOTRA, 2006). Assim,
procurou-se identificar as percepções de cada um
dos membros do casal, considerando-se as
diferenças de gênero, que podem ser captadas
por meio do emprego de técnicas univariadas,
com foco na análise individual de cada variável
sem levar em conta as relações entre elas; os
resultados se expressaram em médias e
medianas.
Finalmente, contrapõem-se os métodos no intuito
de buscar a convergência dos resultados e
fornecer um retrato mais completo das práticas
de consumo dos casais com dupla renda e sem
filhos, pois, conforme assinala Denzin (1989), a
triangulação é um processo que envolve o
confronto de métodos para maximizar a sua
validade e facilitar a compreensão da
complexidade do fenômeno em estudo.
3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS
RESULTADOS
Para realizar a apresentação e a discussão dos
resultados segmentam-se os dados coletados,
considerando-se o método, as técnicas e as
categorias de análise definidas a priori e a
posteriori. Para tanto, analisam-se as práticas de
consumo dos casais DINC em relação aos
alimentos, aos produtos culturais, lazer
entretenimento e gastronomia e a moda
(vestuário e calçados).
3.1 CONSUMO DE ALIMENTOS
O consumo de alimentos para abastecer as
residências dos casais DINC restringe-se ao café
da manhã e aos lanches, o que se confirma ao
observar a cozinha, os armários e a geladeira
desses indivíduos, nos quais armazenam sucos,
iogurtes, alimentos prontos ou semiprontos. Para
as refeições principais, almoço e jantar, recorrem
aos serviços de restaurantes. Quando há
necessidade de cozinhar algo preferem comidas
rápidas que não envolvam tempo em sua
elaboração, conforme assinala a esposa do casal
1: “Cozinha é uma escravidão (....), quando eu
cozinho, faço um strogonoff, (...) nada que
demore”.
Essa preferência se confirma na fase
quantitativa, quando os entrevistados apontam as
marcas de alimentos da sua preferência: a Nestlé,
com 22% das citações, a Sadia, com 20% e a
Perdigão, com 6,7%. Essa postura converge para
a concepção de marca, como um nome, termo,
sinal que tem o propósito de identificar bens ou
serviços de um vendedor e diferenciá-los, é
portadora de sentidos, incorpora a missão da
organização, tem capacidade de atração, informa
e é perene (PEREZ, 2004). Dessa forma,
entende-se que as marcas agregam significados
aos produtos que produzem nesse caso a comida
rápida e fácil de preparar, atendendo as
necessidades dos casais DINC.
Sob a ótica do brand equity compreende-se que
as marcas que têm a preferência dos
entrevistados são top of mind no setor de
alimentos. Em função disso, esse comportamento
de consumo dos casais DINC sinaliza que eles
gostam de consumir produtos que lhes são
familiares e que têm o reconhecimento da
sociedade (AAKER, 1998).
Por outro lado, o interesse por produtos prontos
− a dieta frugal − mostra-se afinado com os
valores dos casais entrevistados: a liberdade, a
autonomia, o individualismo, ideologia que
orienta
as
relações
sociais
na
contemporaneidade.
Afinal, o individualismo parte do princípio de
que o homem, na condição de indivíduo, é a
medida de todas as coisas, é a substância que
existe por si próprio – uma totalidade, em que
cada um sozinho é dotado de importância. Essa é
a ideologia reinante na sociedade ocidental
contemporânea, à medida que os princípios de
referência são a liberdade e a igualdade
(DUMONT,1985). A liberdade, nesse caso,
vincula-se à ideia de o indivíduo viver como
37
bem quiser, ter várias opções, ser livre para
escolher (CHAVES, 2004).
Essa concepção aplicada às marcas, evoca a
relevância da publicidade2 no processo de
construção de marcas, porque ela estimula os
desejos humanos e reforça a noção de que, por
meio do consumo, os indivíduos podem ter uma
vida plena. E as marcas top of mind são
exemplos desse tipo de investimento, pois, para
gerar lembrança os gestores das marcas de
alimentos investem em comunicação, de forma
ampla, não somente em publicidade, mas em
promoção de vendas e merchandising.
Mas, se por um lado os casais DINC buscam
alimentos prontos, observa-se, também, a
preocupação com a alimentação saudável,
especialmente entre as mulheres, 66,7%, contra
52% dos homens ouvidos. Essa preocupação
parece estar associada aos cuidados para a
manutenção do peso, assinalada por 61,3% das
entrevistadas e somente por 44% dos homens.
Essas diferenças entre os gêneros, no que se
refere aos cuidados com a aparência, são objeto
de estudo de diversos autores, dentre os quais
Lipovetsky (1997) que, em A terceira mulher,
assevera que as mulheres investem tempo e
dinheiro para se manterem belas e seguirem o
ideal propalado nos editoriais de moda.
3.2 CONSUMO DE PRODUTOS CULTURAIS,
LAZER,
ENTRETENIMENTO
E
GASTRONOMIA
Os casais entrevistados são ávidos por produtos
culturais e os indicadores de leitura confirmam
esse interesse: com a média de 1,5 livro/mês, o
que corresponde a 180 livros/ano, com um
pequeno predomínio das mulheres, 62% leem
entre um a dois livros por mês, contra 50% dos
homens. Esse dado indica que os casais DINC
leem em três meses o correspondente ao ano dos
demais brasileiros – em média 4,7 livros,
segundo pesquisa realizada pelo Ministério da
Cultura, “Retratos da Leitura no Brasil”, em sua
terceira edição. Conforme a mesma fonte, a
leitura entre os brasileiros aumentou 150% nos
últimos dez anos, no entanto, ainda está muito
2
Publicidade: assume o papel central na criação,
desenvolvimento e expansão das marcas, face à ausência de
diferenciais nos produtos (PINHO, 2002).
aquém dos países desenvolvidos (ACESSO A
CULTURA, 2009). Essa prática de consumo,
entre os casais DINC, se traduz em distintivo de
classe, à medida que reflete os gostos desse
grupo, com escolaridade e renda elevadas e
tempo disponível para leitura (BORDIEU, 2009).
Entre os casais DINC, a leitura volta-se
principalmente às temáticas vinculadas às suas
profissões, pois alguns são professores
universitários – uma atividade que exige
atualização constante.
O consumo de música também é um invariante
entre os entrevistados. Durante a observação em
suas residências, notou-se que ela ocupa um
lugar privilegiado, dos clássicos aos populares.
Em alguns casos, essa atividade está associada a
momentos especiais na vida do casal,
evidenciada nas verbalizações a seguir: “Música
instrumental, eu gostava muito do Michel
Jackson e até tenho DVDs dele, o cara é um
talento, Eric Clapton, Shakira, que é um show,
gosto de música que é show” (homem, casal 2);
“Adoro música, tem vinil, tem CD, tem fita
cassete” (homem, casal 6). “Ah! O tango.
Sempre gostei de música, foi ela que nos
aproximou” (mulher, casal 1). Os estilos
musicais são diversos, no entanto, o consumo de
música associa-se à contemporaneidade e,
também, ao fato de que uma das marcas do
Brasil, em âmbito internacional, é a
musicalidade do seu povo (PETIT, 2003).
Embora as referências da fase qualitativa sejam
internacionais, o prazer no consumo desse
produto cultural pode estar vinculado às
características do brasileiro. Essa prática se
confirma, a partir dos resultados da fase
quantitativa, quando 21,3% dos casais afirmam
que frequentam shows mensalmente, e 9,3%,
quinzenalmente. Esses dados são relevantes,
especialmente, quando se considera que o preço
médio desses espetáculos no Brasil costuma ser
elevado. Atentas a esse interesse crescente do
público, e à crise na Europa e nos Estados
Unidos, as empresas produtoras de espetáculos
têm facilitado o acesso a artistas nacionais e
internacionais. Dentre os estrangeiros que
marcaram presença no Brasil, e que têm a
preferência dos DINCs, destacam-se Erick
Clapton, Paul McCartney, Ringo Star e Bob
Dylan (ANEXO, WIKIPÉDIA, 2012).
38
O cinema também é um produto que os casais
DINC apreciam e 28% deles dizem frequentar as
salas de exibição uma vez ao mês. O consumo
dessa categoria de produto também traz implícita
a noção de tempo para frequentar o cinema, para
leitura, ouvir música, espetáculos etc. Ao se
comparar os novos arranjos familiares — casais
sem filhos — com os tradicionais, para os
últimos essas atividades são mais restritas ou até
inviáveis, porque os programas são estruturados
segundo os interesses dos filhos. Além disso, os
recursos financeiros para investir nessas práticas
de consumo são menores entre os casais com
filhos, pois, conforme o estudo “Tendências de
Mercado”, realizado, em âmbito nacional pela
consultoria Melo e Seabra, em 2011, para o
SEBRAE baiano – a renda dos casais DINC é
70% superior à dos casais com filhos, a taxa de
emprego com carteira assinada nesse grupo é de
50%, enquanto a média no Brasil é de 35%. A
partir desses dados pode-se pensar que o
consumo de produtos culturais é uma prática
consolidada entre os DINC, prática que se
respalda em uma renda mais elevada e que,
também, expressa os seus gostos — a maneira
com que esses indivíduos se posicionam frente
aos demais (BORDIEU, 2009).
As atividades de lazer e entretenimento inseremse no cotidiano dos entrevistados. As viagens, os
passeios, a frequência ao shopping center estão
entre as suas preferências e, em grande parte, são
realizadas em conjunto pelo casal e/ou na
companhia de amigos. Em função disso, não se
identificam diferenças entre os gêneros, em
relação aos serviços de lazer e entretenimento.
As viagens
se constituem em um fenômeno social porque faz parte
das necessidades criadas pelo mundo moderno (...) na
atualidade, fazer turismo tornou-se uma aspiração de
todos os incluídos na sociedade global de consumo.
(BANDUCCI; BARRETO, 2003, p. 8).
Seguindo essa lógica, as viagens internacionais
estão entre os destinos preferidos dos
entrevistados, destacando-se Buenos Aires que,
pela proximidade e similaridade entre as
culturas, torna-se uma opção interessante para as
férias de inverno e/ou feriados mais
prolongados, conforme se observa nas falas a
seguir: “A gente adora ir para Buenos Aires,
acho que já fomos umas dez vezes. Todo ano a
gente vai” (mulher, casal 5). “No inverno vamos
a Buenos Aires, adoramos lá, nos sentimos em
casa. Gosto de tudo, da comida, da música, das
livrarias temáticas, do lugar, onde se sai à noite
se ouve uma boa música. Lá, passamos a nossa
lua de mel. Lá, é o nosso destino no inverno”
(mulher do casal 1). Outro destino que atrai os
casais DINC é a Europa: Portugal, Espanha e,
em especial, Paris, como se evidencia no
discurso do homem do casal 2 “Tudo, tu respira
cultura, civilização, é um lugar, assim, não existe
lugar perfeito, tudo funciona, o metrô chegou na
hora, é diferente de ouvir falar e estar vendo lá,
eles têm um cuidado com as coisas, e as pessoas,
os próprios cidadãos, cuidam daquilo, e isso se
chama cultura, se chama esclarecimento,
consciência.”
Pode-se pensar também que essas práticas de
consumo denotam o habitus, como um sistema
de pensamento e comportamento que expressa,
sob a forma de preferências sistemáticas, que se
constitui em uma ação propulsora de esquemas
de
percepção
construídos
socialmente
(BORDIEU, 2009). Há, ainda, aqueles casais que
buscam
destinos
diferenciados
e
que
proporcionam uma dose de aventura − “A gente
foi num lugar muito bacana chamado
‘Antártida’, de navio, e foi uma viagem
fantástica, e essa aí, até agora, se não a melhor, a
mais diferente (....) fomos num navio quebragelo, com 120 passageiros, todo mundo de fora,
só nós do Brasil” (homem, casal 3).
As viagens, além da aventura, podem ser uma
forma de fazer amigos: “nas expedições eu faço
boas e grandes amizades, e algumas perduram
por anos”. “A gente tem um grupo que nasceu de
uma expedição, quase todos os anos passamos a
virada do ano juntos” (homem, casal 7). Embora
privilegiem destinos diversos, em seus relatos é
perceptível a importância desse tipo de consumo
para os casais DINC, dada a riqueza de
conhecimentos, o acesso a outras culturas e
práticas sociais. Nesse sentido, o turismo, as
viagens parecem ser essenciais para a educação e
a formação dos indivíduos contemporâneos,
especialmente quando se consideram os desafios
e a incerteza que permeiam a sociedade na
atualidade.
39
Outro espaço que tem lugar privilegiado entre os
casais entrevistados é o shopping center, templo
de consumo que promove o encontro coletivo e
propicia um equilíbrio razoável entre a
satisfação, a liberdade e a segurança dos
consumidores. Em função disso, adquire o
status de show room de experiências empacotadas
para o consumo self (ou shelf) service ou para
delivery, oferecendo aos consumidores o sentimento
de identidade comum. (PECHLIVANIS, 2011, p. 39).
As falas a seguir expressam esses sentimentos de
identidade comum, de templo de consumo, um
espaço múltiplo no qual o consumidor tem
acesso a diversos produtos e serviços: “Somos
frequentadores assíduos do Shopping Bourbon
(...) o nosso ponto de encontro, íamos almoçar
todo o dia (...), éramos figurinhas carimbadas. O
shopping tem novidade” (mulher, casal 1);
“Lavo o carro lá, uso o salão de beleza, faço
bainha/costura”
(mulher,
casal
1).
A
multiplicidade de ofertas alude à noção de
hedonismo, proposta por Campbell (2001),
porque os novos produtos servem de inspiração
para fantasias que giram em torno da gratificação
que eles podem oferecer. No templo do
consumo, shopping center, o desconhecido, ao
invés de causar receio é fonte de estímulo, pois
suas possibilidades são infinitas.
Ainda como parte do consumo de serviços
voltados ao lazer e entretenimento destaca-se a
gastronomia. A frequência ao shopping ou,
ainda, o consumo de bens culturais, em geral,
são motivadores das refeições fora do lar. Dos
casais ouvidos, 56% almoçam em restaurantes
mais de uma vez por semana, 13,3%,
semanalmente, e 12%, quinzenalmente; 24,7%
mensalmente. No caso dos jantares a situação é
similar: 24,7% adotam essa prática mais de uma
vez por semana; 28%, semanalmente; 16,7%,
quinzenalmente. O hábito de fazer as refeições
fora de casa denota o estilo de vida3 desses
casais que têm dupla renda e mais tempo
3
Estilo de vida: “é basicamente como a pessoa vive;
influencia nos seus hábitos de consumo, em função de
características individuais inerentes que foram moldadas e
formadas por meio da interação social, à medida que a
pessoa evolui ao longo do ciclo de vida” (HOWKINS;
MOTHERSBAUGH; BEST, 2007, p. 233).
disponível para investir nesse tipo de consumo.
Os almoços são realizados em shoppings centers
ou em locais próximos ao trabalho, na
companhia de colegas ou, também do cônjuge.
Os jantares envolvem o casal, na companhia de
amigos, à medida que é uma atividade
complementar à frequência ao cinema, a teatro e
a shows.
3.3 CONSUMO DE MODA (VESTUÁRIO,
CALÇADOS)
A moda é uma forma de o indivíduo expressar-se,
comunicar-se, e, dizem Garcia e Miranda (2005),
“moda é comunicação”. A partir dessa concepção
percebe-se que os casais DINC priorizam o
conforto, pensam nos momentos em que
determinada peça será usada. Algumas declarações
na etapa qualitativa indicam essa postura. Durante a
entrevista, a mulher do casal 1 faz uma alusão aos
sapatos usados pela entrevistadora: “bonita, a sua
sandália, mas eu não posso usar algo assim, preciso
de um calçado baixo, não muito sofisticado porque
eu trabalho de pé e com crianças e famílias de baixa
renda”. Outra entrevistada destaca que não se
interessa por moda ou beleza, mas utiliza acessórios
relacionados a esses temas: “não sou ligada nem em
moda, nem muito em beleza, mas compro algumas
maquiagens assim, mas o que eu gosto mesmo é de
joias” (mulher, casal 5). Afinal, o uso de acessórios
(joias) constitui-se uma das formas mais
tradicionais de embelezar-se e exibir-se e, porque
não dizer, reforçar a identidade da consumidora.
Conforme assevera D’Angelo (2004, p. 91-92), o
consumo de produtos de luxo constitui-se em um
retrato do consumidor,
um indicativo das suas características e, em última
instância, um indicativo das suas virtudes (...) é um valor
que diz respeito essencialmente a pessoa, na sua relação
com terceiros e consigo mesma.
Os produtos de luxo agregam à aparência dos
consumidores qualidades que lhes permitem
apresentarem-se adequadamente em situações
sociais e profissionais. Observa-se, também, uma
queixa das mulheres em relação à indústria da moda
– vestuário que, na avaliação das entrevistadas, na
etapa qualitativa “não produzem peças que se
adaptem ao seu perfil (....) é complicado por causa
do meu biótipo, eles fazem somente para mulheres
magras, então eu tento me adaptar às lojas que
dispõem de coisas que se adaptam ao meu perfil”
40
(mulher, casal 1); “(.....) não é muito fácil no caso
das mais cheinhas (mulher, casal 2)”. Essa situação
se evidencia na fase quantitativa quando se observa
que as mulheres não dão importância à marca. Essa
ausência de relevância das marcas revela que há
pouco brand equity, situações em que os
consumidores compram segundo as características
de preço e conveniência. Esse comportamento das
entrevistadas tem impacto sobre a lealdade à marca,
que é o cerne o brand equity (AAKER, 1998). No
segmento de moda, esse comportamento é
estimulado pela diversidade de oferta que o
indivíduo tem à sua disposição, distribuídas em
coleções ou minicoleções que, muitas vezes, não se
atêm à tradicional divisão por estações – primavera,
verão, outono, inverno. Ao adotar essa estratégia a
indústria da moda busca reforçar a noção de
inovação constante que, por sua vez, contribui para
a infidelidade do consumidor (LIPOVETSKY,
2007). Essa fragilidade do brand equity vem à tona
quando os entrevistados assinalam a sua
concordância com algumas afirmativas sobre a
importância e notoriedade das marcas: 53% dos
homens e 47% das mulheres afirmam que não
costumam dar-lhes importância. Com isso, pode-se
pensar que a importância das marcas na vida dos
casais DINC é relativa, pelo menos em alguns
segmentos como é o caso da moda.
Especificamente sobre o vestuário, os dados são
dispersos e não apontam o comportamento das
entrevistadas frente à moda nesse segmento. No
âmbito dos calçados, embora restritos, os dados
apontam a preferência por algumas marcas de
varejo e, dentre as lojas em que as entrevistadas
realizam as suas compras, está a Arezzo com 24%
das afirmações. Esse comportamento mostra-se
afinado com o posicionamento da marca que dispõe
de produtos exclusivos para esse público. A sua
estratégia se traduz na escolha das endossantes da
marca. Em sua última campanha publicitária, por
exemplo, a Arezzo reuniu diversas celebridades,
dentre as quais a modelo Aline Weber e as atrizes
globais Juliana Paes, Maitê Proença e Sophie
Charlote (MODA TERRA, 2012). A seleção desse
elenco assinala a preocupação da marca em refletir,
nas suas ações de comunicação, a diversidade
brasileira, com a presença de mulheres jovens,
maduras, loiras e morenas e, assim, atingir um
amplo espectro de consumidoras.
Outra marca de calçados lembrada pelas
entrevistadas é a Datelli que oferece produtos para
ambos os sexos e é citada por 15% das mulheres
ouvidas.
Os homens, por sua vez, não fazem nenhuma alusão
a problemas com a indústria da moda, eles são mais
objetivos e buscam peças que se adaptem ao seu
estilo de vida. Identifica-se a preferência por roupas
e calçados casuais ou esportivos, notadamente
naqueles casos em que as atividades profissionais
permitem o seu uso. Dentre as marcas de calçados
mais lembradas está a Ferracini, com 25% das
citações, e a Democrata, com 21%. Essas marcas
dispõem de produtos voltados exclusivamente aos
homens e têm presença forte nas lojas
especializadas e, também, nas seções de roupas
masculinas, pois, o calçado é um acessório e o
consumidor, ao adquiri-lo, busca conveniência, ou
seja, que esteja disponível nesse mesmo espaço. Os
homens também enfatizam a sua relação com as
marcas de varejo “compro muita coisa na Richards,
uma loja que eu gosto, compro muito no Rio, nessa
loja, e agora tem aqui, e o resto eu compro onde eu
acho melhor, não tenho preferência ou não (...) tem
mais estilo” (homem, casal 3).
Embora o entrevistado destaque que não tem
preferência, consome sempre da Richards, em
Estados diferentes, o que denota o comportamento
de um cliente leal à marca. A lealdade à marca
constitui-se em um dos pilares do marketing, pois
reflete a ligação do consumidor com a marca, diante
da possibilidade de ele aderir à oferta da
concorrente (AAKER, 1998). Além disso, a
preferência por roupas e calçados esportivos,
presente nas duas fases da pesquisa, converge para
as tendências assinaladas por Lipovetsky (2007), ao
afirmar que, na sociedade de hiperconsumo, os
indivíduos buscam o conforto e o bem-estar e isso
se reflete nas suas práticas de consumo de moda.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo é um recorte de uma pesquisa mais
ampla e teve o objetivo de analisar de que modo
ocorre o consumo dos casais heterossexuais sem
filhos das classes A e B porto-alegrenses e seus
hábitos, considerando-se as questões de gênero.
Observou-se que esses casais, em suas práticas
de consumo, revelam os seus valores, a
importância que dão à liberdade para escolher o
41
que efetivamente interessa a cada um de seus
membros, o que lhes dá mais prazer. Essas
características remetem ao individualismo
pautado na escolha de uma identidade autônoma
e de um projeto individual que lhes possibilitou
escolher um destino diverso dos de seus pais,
amigos e familiares, a não maternidade e
paternidade.
função das suas escolhas, eles encontram bases
sobre as quais podem assentar a sua percepção
da realidade e, ainda, retirar seu objetivo de
vida. E como alternativas de consumo, os
indivíduos dispõem de uma gama de marcas,
produtos diversos, inclusive os de luxo, afinal,
foram socializados em uma cultura de consumo.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Os casais heterossexuais sem filhos têm níveis
de escolaridade e renda superiores. A maioria
tem terceiro grau completo, alguns pósgraduação, muitos são profissionais liberais e/ou
exercem funções executivas que lhes garantem
autonomia e acesso a uma renda mensal mais
elevada do que a média nacional e têm gostos e
habitus típicos desse grupo: preferência por
residir em casa própria, dieta frugal, refeições
fora de casa, interesse por produtos culturais:
livros, cinema, música, teatro; a busca por novas
formas de lazer e entretenimento, viagens,
frequência aos shoppings centers, passeios pelos
parques fazem parte do seu cotidiano.
As diferenças de gênero e os seus impactos no
consumo são sutis, pois se trata de um grupo
com percepções bastante similares. Isso talvez se
explique pelo tempo de convívio, mais de dez
anos, ou, ainda, pelas mudanças no contexto
sociocultural que aproxima cada vez mais
homens e mulheres. Afinal, o feminismo, a
pílula anticoncepcional, o ingresso no mercado
de trabalho reduziram as diferenças entre os
gêneros, os papéis sociais se alteraram, as
atividades que eram do apanágio exclusivo de
homens são exercidas por mulheres e vice-versa.
As evidências apontadas neste artigo têm
implicações na gestão das empresas em diversos
âmbitos, no caso da indústria da construção civil,
por exemplo: como conceber imóveis adequados
a esse perfil? Afinal, a casa é um dos espaços
mais valorizados por esse público. Em âmbito
dos bens de consumo, o processo de compra, o
ambiente de loja, a publicidade talvez possa
desenvolver apelos diferenciados, porque o
indivíduo que faz as compras pode ser o homem
ou a mulher sem filhos.
Ao longo dos relatos dos entrevistados percebese que o consumo pós-moderno propicia
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44
A POSIÇÃO SOCIAL, SUA INFLUÊNCIA NO CONSUMO DA BASE DA PIRÂMIDE E A
ADOÇÃO DE UM NOVO MODELO DE ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL
SOCIAL POSITION, ITS INFLUENCE ON CONSUMPTION AT THE BOTTOM OF THE
PYRAMID AND THE ADOPTION OF A NEW MODEL FOR SOCIAL STRATIFICATION
CECÍLIA LIMA DE QUEIRÓS MATTOSO
DOUTORA E MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE
JANEIRO – COPPEAD; PÓS-GRADUADA EM MARKETING PELO IAG DA PUC/RJ E PELA
ECOLE SUPERIÉURE DES SCIENCES ECONOMIQUES ET COMMERCIALE – ESSEC;
BACHAREL EM ADMINISTRAÇÃO PELA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – EBAPE/RJ. É
CONSULTORA, PESQUISADORA E PROFESSORA DA PUC/RIO E DA UNIVERSIDADE
ESTÁCIO DE SÁ.
E-MAIL: [email protected]
RESUMO
O presente artigo teve como objetivo provocar as seguintes discussões: (1) O sistema adotado no Brasil
pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) para estratificação social atende às
necessidades de marketing, comunicação e mídia? (2) Em caso negativo, o que precisa ser mudado ou
melhorado? Este artigo evidencia algumas ligações entre classes sociais e consumo, especificamente
algumas escolhas e percepções das classes mais baixas. Pretendeu-se aqui apenas listar alguns aspectos
específicos do consumo na base da pirâmide com o propósito de discutir a necessidade da criação de um
esquema classificatório que atenda às novas necessidades do mercado como, por exemplo, separar a
emergente e crescente classe C da base da pirâmide. Defende-se aqui a adoção do modelo de Mattar
(1997), com algumas adaptações, por ser de fácil aplicação e apresentar maior correspondência com o
Critério Brasil.
PALAVRAS-CHAVE:
Consumo popular, classes sociais, classificações sociais e escalas de posição social.
ABSTRACT
This article aimed to provoke the following discussions: (1) the system adopted in Brazil by the Brazilian
Association of Research Companies (ABEP) to social stratification meets the needs of marketing,
communication and media? (2) if not, what needs to be changed or improved? This article highlights a
few links between social classes and consumption, specifically some choices and perceptions of the lower
classes. Intended to only list some specific aspects of consumption at the bottom of the pyramid with the
purpose of discussing the need for the creation of a classification scheme that meets the changing needs
of the market as, for example, separate the emerging and growing class C at the bottom of the pyramid.
It is here the adoption of Mattar (1997), with some adaptations, because it is easy to apply and provide
greater correspondence with the Brazil Criterion.
KEYWORDS:
Popular consumption, social classes, social classification and scales of social position.
1. INTRODUÇÃO
A discussão sobre a importância de se estudar a
base da pirâmide parece desnecessária, pois um
consenso começa a se formar na academia de
administração com relação à necessidade de se
estudar essa base, não só por ter sido um tema
finalmente valorizado em termos globais
(PRAHALAD, 2005; VISWANATHAN; ROSA;
HARRIS, 2005; VACHANI; CRAIG, 2008), mas
também pela questão econômica, uma vez que,
no Brasil, em 2012, a classe C ficou composta de
103 milhões de pessoas ou 54% da população
brasileira, que tiveram sua renda aumentada de
R$ 1.338 para R$ 1.450 do ano de 2010 para
2011 (GUINOZA, 2012).
Hoje, a questão parece estar mais focada nos
seguintes aspectos: Como se dá esse consumo?
Que referências esse segmento adota? Qual o
papel do consumo na formação das múltiplas
identidades dos pertencentes à base da pirâmide?
Como a posição social influencia o consumo?
Para responder essas questões faz-se necessário
estudar antes os determinantes de classes sociais
e suas ligações com o consumo.
2. DISCUSSÕES DOS CLÁSSICOS
Os estudos seminais de Marx (EDGELL, 1993) e
(WEBER, 1976), mostram as classes sociais
como determinantes para a apropriação dos
meios de produção e para as oportunidades de
vida, respectivamente. A contribuição de Marx
para o entendimento dos elementos estruturantes
das classes sociais não se deu de forma clara,
uma vez que aponta para apenas duas classes e
sua preocupação maior era mostrar a natureza
destrutiva do capitalismo, embasado no aumento
do proletariado, que se oporia naturalmente à
classe capitalista e, desta oposição, emergiria
uma nova sociedade caracterizada pela ausência
de classes (EDGELL, 1993). Já Weber (1976)
contribuiu não só com a descrição dos elementos
formadores de classe como também introduziu a
ideia de estilo de vida. As camadas sociais se
expressam também por “estilos de vida” que
variam de acordo com seus valores honoríficos.
As sociedades se segregam em diferentes grupos
de reputação com base, não apenas em posições
econômicas, mas também em critérios não
econômicos como moral, cultural e de estilo de
vida, que seriam sustentados por meio da
interação das pessoas com seus pares. Ao
contrário das outras duas dimensões, econômica
e poder, o prestígio era visto como um recurso
cuja distribuição deveria ser necessariamente
desigual para que o mesmo pudesse existir
(WEBER, 1976; JOHNSON, 1997). Weber
(1976) começou a difundir as ideias de que as
classes têm valores e estilos próprios que se
distinguem dos demais.
A influência das classes no consumo, apesar de
não ser o foco do trabalho de Weber [1920,
(1978)], aparece em seu seguidor Warner [1949,
(1960)]. Seus estudos contêm elementos
importantes do modelo de classes sociais de
Weber (1976), como, por exemplo, a tendência
de as pessoas se associarem e se identificarem
com outras da mesma origem social e a
constatação de que a maioria das pessoas seria
capaz de se posicionar e de posicionar os outros
socialmente (HARRIS, 2002).
Warner (1960) começa a fazer correlações
diretas entre classe e consumo chegando mesmo
a fazer constatações como a de que o
comportamento de compra era uma das mais
importantes expressões de determinada posição
de status em uma comunidade. Cada classe
social tinha motivações e comportamentos de
compra únicos e distintos das demais classes. As
classes, por serem grupos motivacionais e
categorias de status, não estavam apenas
correlacionadas, mas eram a causa da escolha no
consumo. O autor deu exemplos de produtos
consumidos por classes distintas e sugeriu que a
variável “classe social” fosse uma forma de
predizer o consumo. O foco era a classe como
determinante direta de consumo de objetos
específicos, ideia esta que foi criticada mais
tarde.
Ainda dentro da visão de consumo como
marcador social, são seminais os trabalhos de
Veblen (1994) e Simmel (1957) mostrando o
papel do consumo nas distinções sociais e não
apenas na visão utilitária do discurso
economicista. Veblen (1994), com sua ideia de
consumo conspícuo mostra o prestígio social e o
poder político “obrigando” os cidadãos a “gastos
suntuários de representação” e a uma acirrada
luta em torno de signos distintivos. Simmel
(1957) traz a ideia da lógica da imitação e da
diferenciação com a conhecida teoria trickledown que explica a necessidade de diferenciação
por parte das elites em relação às massas e estas
46
de imitar as elites. Essa teoria trouxe uma
importante contribuição na análise da difusão de
moda onde os grupos socialmente abaixo das
elites buscariam status adotando as roupas dos
socialmente acima. Posteriormente essa teoria
foi enfraquecida por reduzir o consumo a apenas
demarcador social e também com a ideia do
trickle-up, quando as camadas populares criaram
modas como o rip-rop e o funk, e estas foram
copiadas nas camadas superiores, com a devida
adaptação, num movimento de cooptação,
mostrando consumidores com um papel ativo e
não apenas um receptáculo de modas.
Bourdieu (1979; 1999) também teve contribuição
marcante na visão do consumo como distinção
social. O autor concebeu o mundo do consumo
como o campo das relações de poder. Esse
campo seria um espaço multidimensional de
posições e localizações, nas quais as
coordenadas das pessoas seriam determinadas
pela quantidade de “capital” que elas
possuíssem,
capital
econômico
(recursos
financeiros), capital social (recursos de
relacionamentos) e capital cultural (recursos de
origem social, com a formação educacional
formal). Os membros de uma classe social se
envolveriam deliberada ou objetivamente em
relações simbólicas com indivíduos de outras
classes e, com isso, exprimiriam diferenças de
situação e de posição, que seriam as marcas de
distinção (BOURDIEU, 1979). As classes mais
desfavorecidas jamais interviriam no jogo da
divulgação e da distinção, pois o jogo se
organizaria em relação a elas. O jogo das
distinções simbólicas se realizaria, segundo
Bourdieu (1979), no interior dos limites estreitos
definidos pelas coerções econômicas e, por esse
motivo, permaneceria um jogo de privilegiados.
Uma diferença marcante da relação entre posição
social e consumo entre Warner (1976) e
Bourdieu (1979) seria a de que, para o primeiro
autor os indivíduos de diferentes classes
escolheriam produtos e marcas distintos para se
diferenciarem (HOLT, 1998). Já para o segundo
autor, a distinção se daria pela maneira pela qual
os objetos seriam consumidos de forma
inacessível àqueles com menos capital cultural.
Para Bourdieu (1979), fornecer ao sistema de
classificação dominante o conteúdo mais
adequado para valorizar o que se tem é uma
forma de criar uma identidade social que
valorize quem determinou a classificação.
Apesar de toda a crítica a esses autores, suas
contribuições foram fundamentais ao começarem
a colocar o consumo como uma espécie de
código ou gramática, trazendo a ideia do
consumo simbólico que se consolida com a
contribuição
da
cultura
do
consumo
(MCCRACKEN,
1988;
DOUGLAS;
ISHERWOOD, 1996; BAUDRILLARD, 1973;
SLATTER, 2002).
Os objetos são “a parte visível da cultura”
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 1996, p. 38) e, por
meio deles, é possível construir-se fronteiras
simbólicas,
estabelecendo-se
teias
de
significados e isso não seria diferente para os
menos abastados.
Uma vez que a posição social influencia o
consumo, a seguir será feito um breve
levantamento de diversas formas dessa
influência na base da pirâmide.
3. PECULIARIDADES NO CONSUMO DA
BASE DA PIRÂMIDE
Os antropólogos (ZALUAR, 1985; SARTI,
1996; BARBOSA, 2004), preocupados em evitar
o etnocentrismo, sempre alertaram para o perigo
de se olhar para as camadas populares como uma
cultura isolada e estanque, como a tão criticada
“cultura da pobreza” nos anos de 1960. A
proposta aqui, ao se buscar peculiaridades no
consumo da base da pirâmide, não é mostrar uma
cultura reificadora, criada no vácuo e estanque.
Ao contrário, ao se conhecer melhor essa camada
percebe-se, como bem apontaram Castilhos e
Rossi (2009, p. 73), que:
Há uma matriz de disposições e percepções comum
que organiza as preferências dos indivíduos e legitima
socialmente inclusive as práticas e o consumo
demarcatório.
Essas escolhas são influenciadas pela sociedade
mais ampla e estão constantemente sendo
revistas e modificadas. Estes autores ao
discutirem o habitus (coletivo ou não) reforçam
a ideia de percepções comuns originadas por
condições estruturantes semelhantes, como
proposto primeiramente por Weber (1976).
Isso posto, é de extrema importância para o
marketing, evidenciar as respostas peculiares
para que se possa servir a essas camadas de
forma mais eficiente como propuseram Rocha e
47
Silva (2009), lembrando que ainda é muito
pequeno o conhecimento disponível sobre o
comportamento dos consumidores pobres e sobre
a eficácia e adequação dos instrumentos de
marketing na base da pirâmide. Negar uma
alteridade é negar uma forma melhor e mais
específica de atender às necessidades desses
consumidores.
A seguir serão expostos alguns achados
interessantes que evidenciam algumas formas
específicas de consumo na base da pirâmide.
Não se pretendeu fazer um levantamento
exaustivo, ou mesmo buscar algum critério
relevante de escolha, foram simplesmente
pinçados exemplos emblemáticos por suas
diferenças em relação à classe média ou por
expor o ainda grande desconhecimento da
academia com relação a esses consumidores.
Um exemplo dessa falta de conhecimento é a
suposição de que as camadas inferiores copiam
as superiores, quando os estudos de campo
mostram que os pobres usam como referência
seus pares (BARROS, 2006).
O estudo de Mattoso (2005) e o de Barros (2006)
revelam as formas sutis de distinção entre os
iguais, como “emprestar o nome” para mostrar
que “estou podendo mais que o vizinho” e a
adoção de costumes da patroa pelas empregadas
domésticas com a finalidade de se distinguir
dentro de seu meio social. Essa estratégia remete
à ideia de pobreza como uma noção relativa.
O pobre é sempre o outro ao qual eu me
comparo. Sarti (1996) diz que, em seu estudo de
campo, não encontrou ninguém que se definisse
como pobre. Nos bairros da periferia de São
Paulo os pobres eram os que moravam na favela;
já na favela os pobres eram os que moravam
embaixo da ponte.
A autora afirma não ter entrevistado os
moradores de debaixo da ponte, mas que
certamente se o fizesse estes achariam alguém
“inferior” a quem se comparar. Ainda dentro
desse contexto de relatividade, Barbosa e Giglio
(2005) comentam que os pobres só se referiam a
si mesmos como pobres quando isso estava
vinculado - e era compensado - por uma posição
superior em um sistema de classificação social
ou moral. "Sou pobre, mas honesta", "Sou pobre,
mas limpa" ou "Sou pobre, mas abençoada por
Deus". Os autores criticam o desconhecimento
dos pesquisadores que lidam com essas camadas
e usam metodologias inadequadas, que não
captam a lógica e o ponto de vista do
entrevistado.
Chauvel e Mattos (2008) analisaram diversos
estudos brasileiros sobre consumidores de baixa
renda e chamaram a atenção para o discurso
racional dos informantes de diversos estudos
(MATTOSO, 2005; BARROS, 2007; MATTOS,
2007). É interessante perceber que, por trás de
declarações como “Eu não estou nem aí para
marcas, eu quero é preço”, escondem-se
consumidores extremamente leais a marcas. Na
verdade, este discurso racional revela uma
preocupação dos entrevistados em mostrar que
fazer render o dinheiro é importante e a dona de
casa que atinge esse objetivo é bastante
valorizada.
O trabalho de Parente, Barki e Kato (2005), onde
estudaram a motivação do consumidor de baixa
renda para escolha do varejo, mostra como a
ideia de que essa camada busca somente preço é
equivocada. O atendimento e o trabalho de
visual
merchandising
são
extremamente
importantes na construção de valor. Esses fatores
podem ser tão ou mais importantes do que os
preços dos produtos, o que é comprovado pela
preferência dos consumidores na região de
estudo, pelo supermercado que pratica os
maiores preços, mas que elabora um trabalho
exaustivo, competente e sinérgico nos outros
componentes do mix de marketing.
No tocante ao orçamento doméstico, Chauvel e
Mattos (2008) perceberam que diversos estudos
tinham a escassez de recursos como um dos
eixos em torno dos quais se organizam a gestão
do orçamento e as escolhas de compra e
consumo. Entretanto, percebe-se que a variável
“renda”, isoladamente, não é suficiente para
explicar a alocação de recursos.
O estudo de Silva e Parente (2007), sobre
orçamento familiar, focou em famílias com a
mesma faixa de renda, ou seja, renda bruta
mensal familiar que estivesse entre dois e cinco
salários mínimos, e o resultado mostrou uma
heterogeneidade enorme dentro desse mesmo
segmento em termos de alocação de recursos, o
que levou os pesquisadores a criarem cinco
novos subsegmentos.
48
Mattoso e Barros (2008), em pesquisa na
Baixada Fluminense com famílias evangélicas e
católicas, perceberam que havia diferenças
substanciais na alocação de recursos das famílias
evangélicas. Estas primavam por um rigor em
seus gastos, chegando mesmo a desdenhar dos
que eram apegados a marcas e gastos supérfluos.
Os gastos com escolaridade também pareceram
ter mais prioridade do que junto às famílias
católicas. A influência dos pastores na gestão do
orçamento era tão direta que, em alguns casos,
era comum ter cursos de planejamento de vida de
cinco anos com estratégias de metas financeiras.
Um informante disse ter quebrado seus cartões
depois que ouviu seu pastor dizer que “cartão é
ilusão e o Senhor não gosta de endividados”.
É importante ressalvar que este estudo foi de
natureza interpretativa, com apenas nove
famílias em um bairro do município de Duque de
Caxias, Estado do Rio de Janeiro.
Outro aspecto interessante dessa pesquisa de
Mattoso e Barros (2008) foi a orientação
temporal, com o núcleo das famílias evangélicas
mostrando um horizonte de tempo bem mais
longo que no núcleo católico. Barros (2006) já
havia percebido a influência da religião em seu
estudo com empregadas domésticas, lembrando
que, no ethos protestante, aqueles que
alcançaram riqueza material por meio do
trabalho árduo podem considerar-se eleitos de
Deus. Essa moral weberiana explica, em parte, a
distância do fatalismo, muitas vezes presente no
discurso dos católicos: “Deus quis assim”.
Rocha e Silva (2009) também fizeram uma
revisão sobre o consumo de pobres na literatura
internacional e na brasileira evidenciando
diversos aspectos reveladores como o significado
das marcas, os gastos familiares, o uso do
crédito e o significado dos bens. Os autores
abrem uma seção com esta pergunta: Quem são
os consumidores pobres? E sugerem algumas
formas de classificação dos pobres como a
proposta por Sachs (2005) e Castilhos (2007).
As seções quatro e cinco deste trabalho fazem
uma revisão na literatura internacional e depois
brasileira sobre esquemas classificatórios com o
intuito de levantar subsídios para a defesa de um
novo modelo brasileiro.
4. ESQUEMAS CLASSIFICATÓRIOS NA
LITERATURA INTERNACIONAL
Para auxiliar na discussão sobre que modelo
utilizar para classificar os consumidores segundo
suas
classes
sociais,
serão
expostos,
primeiramente alguns critérios utilizados em
outros países e, em seguida, serão discutidos
alguns dos critérios mais utilizados no Brasil.
Nos estudos de classes sociais de Warner (1960),
a identificação de status era obtida por meio de
extensas entrevistas numa comunidade, sobre a
reputação individual e de grupos. A isso era
somada a elaboração de quadros formais e
informais de padrões de interação, por meio da
participação avaliatória e de medidas de
associação ou sociométricas, que contavam o
número e a natureza dos contatos pessoais das
pessoas em seus relacionamentos informais
(BLACKWELL et al., 2008). O índice de
Warner (1994) considerava quatro fatores
socioeconômicos: ocupação, fonte de renda, tipo
de moradia e local da moradia. Uma crítica a
esse esquema classificatório foi posteriormente
levantada por Coleman (1983), que argumentou
que a metodologia de Warner (1960) só podia ser
utilizada em pequenas comunidades e com
fundos ilimitados. No mundo real, de orçamento
limitado, os pesquisadores teriam que se
contentar com menos, dependendo do objetivo
da pesquisa.
Coleman e Rainwater (1978) introduziram um
esquema de posições para as classes onde o
status econômico teria o papel mais importante,
entretanto, na prática, ele era baseado na
ocupação e afiliações sociais e se dividia em três
grupos distintos: 1 – a classe alta; 2 – a classe
média (70%), que se dividia em classe média
propriamente dita, constituída por trabalhadores
manuais e não manuais, de renda média com
moradia em bairros melhores, e classe operária,
composta também por trabalhadores manuais
com renda média, mas que tinham um “estilo de
vida proletário”; e 3 – a classe baixa, que estava
dividida em dois grupos, um dos quais vivia
apenas um pouco acima do nível de pobreza,
sendo o outro, visivelmente miserável. Percebese, ao analisar o esquema de três níveis, que o
elemento estruturante principal é a ocupação.
49
Gilbert e Kahl (1982) usaram uma abordagem
“funcional”, dando maior atenção à propriedade
capitalista e à divisão ocupacional do trabalho
para variável de definição, e consideraram
prestígio, valores e associações como fatores
derivados.
As divisões de classes de Warner (1960), Gilbert
e Kahl (1982) e Coleman e Rainwater (1978)
apesar de partirem de pontos diferentes,
chegaram à divisão em três classes sociais bem
próximas. A distribuição da população
americana que mais se diferenciou foi a de
Warner (1960), o que é atribuível a diferenças
metodológicas e distância no tempo. Portanto,
pode-se dizer que, apesar de não se conseguir
uma padronização das métricas, com alguns
parâmetros sendo comuns, chega-se a resultados
semelhantes.
Coleman (1983) reconheceu que o tipo de
instrumento e pontuação utilizados pelas
pesquisas de massa não conseguiam captar as
nuanças necessárias para uma classificação mais
fidedigna. Sugeriu que se utilizasse medida
aproximada, como por exemplo, o Computerized
Status Index (CSI) ou Índice de Status
Computadorizado, que é composto pelas
variáveis: educação (do chefe da família e do
cônjuge); prestígio ocupacional do chefe da
família (declarado pelo entrevistado, mas
julgado e ajustado pelo entrevistador); área de
residência e renda familiar total.
O autor sugeriu também que, se o objetivo da
pesquisa fosse um estudo profundo da relação
entre classes sociais e escolhas de consumo, a
distribuição dos grupos em classes deveria ser
feita de forma qualitativa com o julgamento de
um especialista.
Para Wright (1978), um autor neomarxista, a
base para a diferenciação das classes seria o
conceito de controle sobre investimentos ou
processo de acumulação, meios de produção e
força de trabalho. A burguesia teria os três
controles e o proletariado nenhum. Os gerentes,
pequenos
empregadores
e
trabalhadores
autônomos teriam algum controle, mais do que o
proletariado, mas menos que a burguesia. Wright
(1985) criou um mapa de classes, com 12
classes, que é muito utilizado em estudos de
sociologia e que tem por base, as medidas socioocupacionais.
Outro autor que também contribuiu para a
criação de mapas de classes foi Goldthorpe
(1987) que desenvolveu um esquema de classes
com sete categorias em que a ocupação e o status
do tipo de emprego eram utilizados para a
diferenciação das categorias. As categorias
desenvolvidas
por
Goldthorpe
(1987)
combinavam diferentes ocupações que seriam
comparáveis em termos de nível de renda,
segurança econômica e oportunidades de avanço
econômico e, também, em termos da sua
localização no sistema de controle e autoridade
sobre os meios de produção.
5. ESQUEMAS
CLASSIFICATÓRIOS
PARA ESTUDO DE CLASSES SOCIAIS
NO BRASIL
Para Zaluar (1985) e Sarti (1996), a utilização da
renda como critério de demarcação de classes
sociais foi considerada insatisfatória, por
confinar a classificação a um único eixo,
reduzindo seu significado social. Sociólogos
como Pastore (1979) buscaram um ponto de
apoio para o estudo da estratificação por meio
das ocupações e da posição na ocupação,
distribuída pelos diferentes setores de atividade
– agricultura, indústria e comércio e serviços.
Figueiredo Santos (2002), em seu estudo sobre a
estrutura de posições de classe no Brasil,
constatou não haver, na sociologia brasileira,
tradição de investigação empírica voltada para a
construção de “mapas de classe”. O autor
percebeu que a estrutura de classe no Brasil era
diferente
daquela
existente
em
países
desenvolvidos e propôs um esquema de classes
com base no modelo de Wright (1978), cujas
determinações da posição de classe na vida dos
indivíduos viriam do acesso aos meios de
produção ou aos recursos materiais, um esquema
socio-ocupacional, como descrito anteriormente
neste artigo.
Sua proposta de mapeamento da disposição
estrutural e dos perfis específicos das posições e
segmentos de classe no Brasil recorreu à base de
microdados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD) do IBGE, e a uma
tipologia adaptada do esquema de classes de
Wright (1978). O mapeamento de Figueiredo
Santos (2002), por seu cuidado na classificação
das camadas populares, chamadas por ele de
trabalhadores, poderia ser uma boa base para a
50
escolha de critérios a serem adotados para
pesquisas de marketing.
Em função destas e outras críticas, Mattar (1995,
p. 67) considerou que:
Além do mapeamento das posições de classes
feito por sociólogos brasileiros, profissionais de
marketing também buscaram classificações para
mapear a população visando muito mais o poder
aquisitivo do que critérios estruturantes. Esse
seria o caso do Critério Brasil. Até 1970 não
havia no Brasil um critério de estratificação
único que permitisse às empresas adotar
determinadas práticas de marketing como a
segmentação. Para tanto, a Associação Brasileira
de Anunciantes (ABA) estabeleceu o primeiro
critério
padronizado
de
classificação
socioeconômica no Brasil. Esse sistema-padrão
de classificação baseava-se no cômputo de
pontos calculados a partir da posse de itens. O
sistema foi adotado até que, quatro anos após sua
adoção, começaram a surgir críticas de que as
classes mais altas apresentavam, pelo critério,
uma dimensão maior do que seu real tamanho.
As pressões por aprimoramento cresciam, mas
também aumentava a argumentação de que, com
uma mudança, poderia se perder a continuidade e
a possibilidade de comparação no tempo.
Seria necessário e urgente o desenvolvimento de
um novo método compreendendo variáveis mais
estáveis e precisas – não somente reformulações em
um método que já se mostrou inadequado.
Essa discussão permanece até hoje, embora o
critério venha sendo revisado frequentemente. O
problema, como bem colocou Mattar (1995) ao
fazer uma análise crítica sobre esse critério, hoje
conhecido como Critério Brasil, é que a
definição de classe utilizada foi o poder
aquisitivo das famílias, operacionalizado como
renda familiar.
A justificativa para essa escolha, ainda segundo
Mattar (1995), foi a de que a variável “aptidão
para consumo” implicava ter poder aquisitivo,
mas implicava também condições culturais e de
estilo de vida que predispusessem ao consumo.
Entretanto, como essas variáveis eram de difícil
operacionalização, o critério limitou-se à renda
estimada por meio dos itens de posse.
Essa escolha, segundo Mattar (1995), peca na
essência, referindo-se a determinados problemas
metodológicos, como, por exemplo, os
indicadores de posse de bens utilizados, que
teriam perdido seu valor com o passar do tempo
e também porque os testes realizados por Mattar
mostraram não haver correlação entre as classes,
conforme estabelecido por meio do Critério
Brasil e a renda.
Mattar (1997) propôs um novo modelo de
estratificação social que deveria possuir
estabilidade, precisão, comparabilidade, validade
e facilidade de aplicação.
A proposta
compreendia as seguintes variáveis: escolaridade
do chefe da família, renda mensal do chefe da
família, categoria ocupacional do chefe da
família e moradia. A distribuição dos indivíduos
seria em um contínuo de 0 a 140 pontos, com
pontos de corte fixos para a delimitação dos
estratos. A divisão seria em cinco estratos, o que
ficaria de acordo com os principais estudos de
sociologia e marketing e também ajudaria a
estabelecer relação entre os estratos que já são
utilizados na prática no Brasil.
Outra contribuição significativa em termos de
proposta foi a classificação das ocupações
brasileiras em cinco estratos de Jannuzzi (2003).
Esse autor argumenta que a representação
operacional
do
construto
“status
socioeconômico” envolve escolhas pragmáticas e
preferências subjetivas, mas é apoiado por uma
larga tradição anglo-saxônica como as de Wright
(1978) e Goldthorpe (1987), descritas neste
artigo, que refletem empiricamente diferenciais
socioeconômicos expressivos de rendimentos,
escolaridade, qualidade e segurança no posto de
trabalho. O tipo de medida proposta por Jannuzzi
(2003) hierarquiza as ocupações em estratos por
meio de um índice baseado na distância
socioeconômica entre as ocupações, medida por
métodos multivariados. Diferenças grandes entre
índices refletem distanciamentos significativos
entre renda e escolaridade.
“Ainda que operacionalmente mais complexas,
essas escalas são mais robustas às variações
conjunturais.” (JANNUZZI, 2003, p .253). A
ocupação é entendida como critério básico e
estruturante da inserção social dos indivíduos na
sociedade urbano-industrial. A metodologia
proposta por Jannuzzi (2003) levou em
consideração diferenças e similaridades das
ocupações em relação ao caráter urbano/rural,
manual/não manual, aos setores de atividade,
nível de qualificação, controle e autonomia.
51
Baseou-se também na PNAD para propor sua
escala sócio-ocupacional de agregação das
ocupações brasileiras em cinco grandes estratos.
6. PROPOSTA PARA ADOÇÃO DE UM
MODELO
DE
ESTRATIFICAÇÃO
SOCIOECONOMICA
Para marketing, comunicação e mídia, por tudo o
que foi exposto anteriormente, parece clara a
necessidade de um esquema classificatório
específico para suas necessidades. Como medir o
tamanho de um mercado sem uma métrica
adequada? Como estabelecer fronteiras entre as
classes D e C, por exemplo?
O Critério Brasil tem tido cada vez menos
precisão devido à massificação dos bens, além
de ser um índice com baixa estabilidade, uma
vez que os bens ficam rapidamente obsoletos.
Néri (2010) traz algumas análises interessantes
com relação ao acesso a bens de consumo,
lembrando que, com base na PNAD de 2010,
geladeira e televisão estão presentes em mais de
90% dos lares brasileiros, enquanto o freezer é o
menos presente, mesmo nas classes A e B ele
atinge apenas 35,9% de seus componentes. Estes
exemplos de Néri de posse de eletrodomésticos,
todas constantes do Critério Brasil, ilustram bem
a incapacidade dos bens de discriminar as
classes. Portanto, defende-se aqui a adoção de
um novo esquema classificatório. Duas propostas
parecem igualmente satisfatórias: a escala
ocupacional de Jannuzzi (2003) e o modelo de
Mattar (1997). Optou-se por sugerir a proposta
de Mattar (1997), mas com algumas sugestões de
alterações.
O modelo de Mattar tem como vantagem em
relação ao de Jannuzzi o fato de ter maior
correlação com o principal modelo vigente, o
Critério Brasil, além de estar em consonância
com o modelo de Coleman (1983), também
mencionado neste artigo.
O modelo aqui proposto segue as mesmas
variáveis e ponderações de Mattar (1997),
conforme mostra a Tabela 1.
TABELA 1
Modelo de classificação.
VARIÁVEL
PONDERAÇÃO (%)
Renda
40
Escolaridade
30
Ocupação
20
Habitação
10
Fonte: MATTAR, F. Novo modelo de estratificação socioeconômica para marketing e pesquisas de marketing. 2º SEMEAD.
Anais... São Paulo, 21 e 22 out. 1997 .
Esta ponderação deve ser utilizada para distribuir
os 140 pontos sugeridos por Mattar, que propôs
que a renda tivesse o maior peso. Esta
ponderação foi uma das diversas por ele
sugeridas, após vários testes estatísticos. Veja a
seguir como ficariam as variáveis:
Renda: teria 56 pontos (40% dos 140 pontos)
que seriam distribuídos não pelos intervalos
propostos por Mattar (1997), mas sim pelos de
Néri (2010).
Apesar de Mattar (1997) ter alertado para a
dificuldade de se utilizar a renda per capita, essa
é a opção sugerida. A variável renda do chefe de
família não se adapta bem à base da pirâmide,
uma vez que, nesses estratos, a renda familiar é o
que conta e não a renda do chefe de família.
Nessas camadas as famílias são mais numerosas
e tendem a contar com a renda de avós, filhos e
agregados (NÉRI, 2010; FERRARIO; CUNHA,
2012; ARAÚJO; DIAS, 2010). A não utilização
da renda familiar per capita esconderia um
potencial de consumo muito grande.
Néri (2010) defende a renda familiar per capita,
como variável de corte, devido ao vasto
instrumental e literatura existente e por entender
que, na família, há uma solidariedade interna na
transformação dos proventos em consumo. É
importante lembrar que a estratificação de Néri
(2010) com base na renda foi feita com base nos
dados da PNAD para analisar séries históricas de
potencial de consumo, correlações com
educação, ocupação e outras medidas de
desenvolvimento. Seu propósito não foi criar um
instrumento para que fosse possível classificar
sujeitos em pesquisas de mercado, como é o caso
discutido aqui. Os intervalos de renda de Néri
(2010) encontram-se na Tabela 2.
52
TABELA 2
Renda domiciliar per capita a partir do total das fontes familiares.
CLASSE
INFERIOR SUPERIOR
E
0
751
D
751
1.200
C
1.200
5.174
B
5.174
6.745
A
6.745
Fonte: NERI, M. A nova classe média: o lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2010.
Os 56 pontos seriam distribuídos pelos cinco
intervalos de renda do modelo de Néri.
Mattar utilizou a fórmula de Coleman e
Rainwater (MATTAR, 1995) que relaciona renda
e status por meio da fórmula: Status = (renda)
elevada à potência (0,6) dividida por 2,5.
TABELA 3
Intervalos de renda familiar per capita e pontuações atribuídas.
INTERVALOS DE
RENDA (R$)
Até 751
Acima de 751 até 1.200
Acima de 1.200 até
5.174
Acima de 5.174 até
6.745
Acima de 6.745
Fonte: Elaborado pela autora.
Escolaridade: utilizou-se o critério de Mattar
(1997) alocando-se um total de 42 pontos (30%
de 140), assim distribuídos: analfabeto 0 ponto,
4ª série do primeiro grau 13 pontos, 1º grau
completo 27 pontos, 2º grau completo 40 pontos
e superior completo 42 pontos.
Utilizando-se a mesma fórmula nos valores
centrais de cada intervalo chega-se à pontuação
da Tabela 3.
Entretanto, esses valores são meramente
ilustrativos, com propósito apenas didático, pois
não foram testados empiricamente.
PONTUAÇÃO
0
17
36
52
56
Ocupação: para essa variável foram utilizados
os estratos sócio-ocupacionais de Jannuzzi
(2003). O Quadro 1 mostra as ocupações típicas
dos estratos sócio-ocupacionais.
QUADRO 1
Ocupações típicas dos estratos sócio-ocupacionais.
ESTRATO SOCIOOCUPAÇÕES TÍPICAS
OCUPACIONAL
Médico, Engenheiro, Professor Universitário, Empresários, Gerentes e postos
Alto
superiores na Administração Pública (Juízes, Promotores, Delegados, Oficiais das
Forças Armadas etc.)
Técnicos de contabilidade e administração, Mestre e Contramestres na indústria,
Médio-alto
Professores de ensino fundamental e médio, Corretores de Imóveis, Inspetores de
Polícia, Carteiros, Comerciantes (proprietários) e Agricultores
Torneiro Mecânico, Montadores de Equipamentos Elétricos, Vendedores, Operadores
de caixa, Comerciantes conta-própria, Professores de ensino pré-escolar, Motoristas,
Médio
Inspetores de alunos, Auxiliares de enfermaria, Auxiliares administrativos e de
escritório, Policiais e Praças das Forças Armadas.
Ocupações da indústria de alimentos, ocupações da indústria têxtil, Pedreiros,
Médio-baixo
Pintores, Garçons, Vigias, Porteiros, Estivadores, Vendedores ambulantes.
Trabalhadores rurais na condição de empregados ou autônomos (produtores meeiros
Baixo
ou parceiros), além das ocupações urbanas de baixo status como de Serventes de
Pedreiro, Lavadeiras, Empregados domésticos e Lixeiros.
Fonte: JANNUZZI, P. Estratificação socio-ocupacional para estudos de mercado e pesquisa social no Brasil. São Paulo em
Perspectiva, v. 17 (3-4): p. 247-254, 2003.
4
Dos 140 pontos propostos por Mattar (1997)
para o total da escala, a ocupação responde por
um peso de 20%, resultando numa pontuação
máxima de 28 pontos. A atribuição de pontos
sugerida para cada estrato sócio-ocupacional
encontra-se na Tabela 4. Esses pontos são
também meramente ilustrativos, pois não foram
testados empiricamente.
TABELA 4
Estratos socio-ocupacionais e pontuações atribuídas.
ESTRATO
SOCIOOCUPACIONAL
Alto
Médio-alto
Médio
Médio-baixo
Baixo
PONTUAÇÃO
28
21
15
6
0
Fonte: Elaborado pela autora.
Habitação: esta variável seguiu o modelo de
Mattar (1997) que utilizou o número de
dormitórios para estimá-la. Habitação responde
por apenas 10% dos 140 pontos, resultando em
uma pontuação máxima de 14 pontos. As
pontuações atribuídas à variável habitação
encontram-se na Tabela 5.
TABELA 5
Variável habitação e pontuações atribuídas.
NÚMERO DE
DORMITÓRIO
PONTUAÇÃO
S
0
0
1
2
2
5
3
7
4
10
5 ou mais
14
Fonte: MATTAR, F. Novo modelo de estratificação socioeconômica para marketing e pesquisas de marketing. 2º SEMEAD.
Anais... São Paulo, 21 e 22 out. 1997.
A classificação dos sujeitos pela soma do
número de pontos obtidos em cada variável
ficaria sujeita a pontuação de Mattar conforme
mostra a Tabela 6.
TABELA 6
Pontos de definição dos estratos sociais.
ESTRATOS
NÚMERO DE
SOCIOECONOMICOS
PONTOS
A – alto
118 ou mais
B – médio alto
67 a 118
C – médio
33 a 66
D – médio baixo
16 a 32
E – baixo
0 a 15
Fonte: MATTAR, F. Novo modelo de estratificação socioeconômica para marketing e pesquisas de marketing. 2º SEMEAD.
Anais... São Paulo, 21 e 22 out. 1997.
O modelo proposto neste artigo não foi testado
empiricamente, o propósito aqui foi reapresentar
o modelo de Mattar com algumas atualizações e
modificações para que o mesmo voltasse a ser
discutido por sua importância e adequação às
necessidades dos profissionais de marketing.
7. CONCLUSÃO
A posição social parece ter influência
determinante no consumo. O consumo da base da
pirâmide mostra-se rico em aspectos específicos
e peculiares, entretanto, onde estão as fronteiras?
12
Propõe-se a discussão de um modelo que possa
discriminar novos estratos, que são de grande
importância para o mercado.
BLACKWELL, R.; MINIARD, P., ENGEL, J.
Comportamento do consumidor. São Paulo:
Cengage Learning, 2008.
A adoção de uma escala sócio-ocupacional,
também traria melhorias em relação ao Critério
Brasil. É facilmente aplicável, por conter apenas
uma variável, mas ficaria muito distante do
critério atual, portanto sugere-se a adoção do
modelo de Mattar (1997) que poderia vir a ser o
Índice Computadorizado de Status do Brasil.
BOURDIEU, P. A economia das trocas
simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1999.
O presente artigo deu sua contribuição no
sentido de mostrar a urgência em se distinguir as
camadas da base da pirâmide e também ao reunir
alguns dos principais critérios e elementos
estruturantes encontrados na literatura nacional e
internacional. Não se pretendeu aqui esgotar a
análise do modelo sugerido ou testar
estatisticamente um novo modelo, mas apenas
sensibilizar para a questão e apontar possíveis
caminhos.
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