VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. A incessante produção e difusão de imagens via aparelhos digitais portáteis1 A experiência do processo criativo do filme-performance “Movirtualizar-te” Claudia Elena dos Santos Rangel2 Guilherme Rezende Landim3 Resumo Pretendemos com este artigo tratar da incessante produção e difusão de imagens via aparelhos digitais móveis. Utilizamos como objeto de estudo o filme-performance “Movirtualizar-te”. Respaldamo-nos principalmente pela teoria de Guy Debord ao afirmar que “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens” (DEBORD, Guy: 1997), por Lucia Santaella em “Corpo e Comunicação”, com ênfase na abordagem do corpo nas mídias, além de Vilém Flusser, a respeito da necessidade de uma Filosofia da Fotografia. Palavras-chave Perfomance; Corpo; Subjetividade; “Movirtualizar-te”; difusão de imagens. Introdução Nada mais acontece aos humanos, é com a imagem que tudo acontece. Serge Daney Este artigo busca, através do método ensaístico, apresentar a discussão sobre o processo criativo da performance registrada no filme “Movirtualizar-te”, realizada na feira da Avenida Brasil em Juiz de Fora – MG, em dezembro de 2012. Partimos dos três conceitos “Performance, Corpo e Subjetividade” em nossa discussão, referentes ao tema do VI Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, conceitos apresentados através da leitura de autores contemporâneos como Lucia Santaella, Fernanda Bruno e André Brasil. 1 Trabalho apresentado no GT1 (Arte, Imagens, Estéticas e Tecnologias da Comunicação) do VI Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UERJ, Rio de Janeiro, outubro de 2013. 2 Graduanda em Comunicação Social pela UFJF. 3 Mestrando em Comunicação Social pela UFJF na linha de pesquisa “Estética, Redes e Tecnocultura”. www.conecorio.org 1 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. Inicialmente propusemos na inscrição deste trabalho o título “A incessante produção e difusão de imagens via aparelhos digitais móveis” e identificamos a necessidade de focar na questão da performance realizada para o filme “Movirtualizar-te”, objeto da pesquisa, desta forma o título do trabalho encontra-se como “A incessante produção e difusão de imagens via aparelhos digitais portáteis: A experiência do processo criativo do filme-performance “Movirtualizar-te”. O processo criativo engendrou uma série de questionamentos, entre eles encontra-se o que norteia e dá título ao trabalho. Este processo subdivide-se em: discussões de ideias a respeito da performance antes de ser criada, a roteirização do filme, a performance de fato e sua gravação, paralelamente à ficção, além da montagem. No decorrer do texto aprofundaremos apenas nas etapas referentes à criação da performance na Feira da Avenida Brasil. Consideramos todas estas etapas parte do processo de pesquisa e acreditamos que estas puderam suscitar diversos questionamentos referentes aos conceitos de performance, Corpo e Subjetividade, na sociedade informacional, que tem a imagem arraigada aos conteúdos da rede. Apresentação Utilizamos como objeto de análise o filme-performance “Movirtualizar-te”4, o qual trata-se de um curta-metragem de aproximadamente treze minutos de duração, em formato digital, cuja história é sobre um vírus de computador que faz os infectados filmarem e fotografarem incessantemente com seus aparelhos. É um curta experimental onde há certa multiplicidade na linguagem audiovisual: com a performance corporal, onde o performer Rene Loui, infectado pelo vírus, homônimo ao título do curta, filma constantemente Luciana Maia; com os depoimentos, a respeito da grande difusão imagética (via aparelhos como celulares, câmeras digitais e outros), que o caracterizam como mockumentary; além da ficção. A performance foi criada tendo em vista os processos comunicacionais na era da cultura digital, onde são 4 Movirtualizar-te. RANGEL, Claudia; LANDIM, Guilherme. Brasil: 2012. 13 minutos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=37msiHs0h_g Visualizado em 10 Ago. 2013. www.conecorio.org 2 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. utilizados a cada dia com maior frequência câmeras de gadgets para a difusão de imagens em diversas mídias. O filme-performance foi realizado em dezembro de 2012 para o I FAC (Festival da Artes do Corpo)5, o qual tinha como base trabalhos de reperformance. Inicialmente traríamos a releitura da performance “Good Boy Bad Boy” 6 (1985) de Bruce Nauman. Nossas investigações permeavam discussões a respeito da linguagem visual do corpo, assim como o performer norte americano o fizera em seus trabalhos na década de 60, portanto partimos para questionamentos ligados ao corpo na tela. Para tanto, devido à busca do grupo, relacionada a pesquisas anteriores ao projeto, a respeito de processos comunicacionais na era da cultura digital, partimos para investigações no que tange à difusão de aparelhos digitais móveis com a produção de “Movirtualizar-te”. De que forma se dá a relação corpo-imagem com a mediação da relação através de imagens e sua produção exacerbada? Entendemos que o processo de mediatização se diferencia de mediação, portanto nosso questionamento parte da mediação, da relação entre pessoas mediada por imagens de aparelhos digitais móveis, é cada vez mais frequente utilizar-se de redes sociais para a difusão da própria imagem, para apresentar aos outros usuários da rede o que se tem feito, quais lugares se tem ido e muitas vezes apenas fazer imagens de si para exibir na rede. “Movirtualizar-te”: A performance na Feira da Avenida Brasil O termo performance geralmente remete ao rendimento/desempenho: dos aparelhos tecnológicos como os automóveis, nos exercícios físicos, no trabalho e outras atividades. Neste artigo o termo é usado no sentido de se trabalhar o corpo para a criação de uma ação localizada em determinado tempo e espaço. 5 Festival organizado pelo grupo ILEA – Intervenções e lugares, espaços e adjacências. O grupo é formado por discentes (graduandos em mestrandos) e docentes do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora. 6 NAUMAN, Bruce. Good Boy Bad Boy, 1985. Medium: Video, 2 monitors, colour and audio (mono). Dimensions/duration: 60 min., 52 sec. Collection: Tate. Acquisition: Purchased 1994. Reference: T06853. Disponível em http://www.tate.org.uk/art/artworks/nauman-good-boy-bad-boyt06853 Acesso em 20 Jul. 2013. www.conecorio.org 3 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. A performance encontra sua gênese em 1896 com o trabalho de Ubu Rei, do poeta Alfred Jarry, no Théâtre de l’Oeuvre de Lugné-Poe. Nesta, Ubu, vestido com traje que lhe dava forma de pêra, repetia uma única palavra: “Merdre”, tal acontecimento chocou a sociedade parisiense, visto que a palavra “merda” era proibida em locais públicos. Além de Jarry, outros nomes ganham destaque na arte de performance, artistas que trabalharam o corpo como suporte na body art, embodiment, happenings ou outros trabalhos ao longo dos anos entre eles é possível citar Bruce Nauman, Marina Abramovic, Lígia Clark e diversos outros. Sobretudo nas décadas de 1960 e 1970 a performance se estabelece nos meios artísticos e configura-se como arte múltipla, hibrida, com destaque para a figura do artista, como afirma Gregory Battcock em “The Art of Performance”: “Na arte corporal e de performance a figura do artista é ferramenta para a arte. É a própria arte”. Outra característica da performance é seu caráter de ação efêmera e não reprodutível, baseia-se em conceitos. Na década de 80 os artistas trabalharam a autoperformance fotográfica e a videoperformance, houve uma tendência performativa do eu-como-imagem, dos simulacros. Amélia Jones (2000) apresenta sete tendências sobre o corpo do artista na arte: Corpos que pintam (painting bodies); Corpos em gesto (gesturing bodies); Corpos ritualísticos e transgressores (ritualistic and transgressive bodies); Fronteiras do corpo (body boundaries); Identidade em performance (performing identity); Corpos ausentes (absent bodies); Corpos expandidos e protéticos (extendet and prothetic bodies). Há que se considerar o fenômeno da globalização como possibilidade para o espectro de representação fotográfica do corpo mais visível do que nunca na medida em que “a Câmera como uma tecnologia intervém no corpo e como representa a relação do corpo com a tecnologia” (SANTAELLA, 2003: 277) como o que é proposto em “Movirtualizarte”. Hibridismos crescentes e estonteantes, presentes, por exemplo, na performance e body art, no neo-realismo francês, na op art, minimalismo, arte concreta, neoconcreta, arte comportamental e processual, nova escultura, conceptualismo, land art, instalações, ambientes, arte espacial, www.conecorio.org 4 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. arte imaterial, muitas delas efêmeras, e por isso mesmo, dependentes da documentação fotográfica” (SANTAELLA, 2003: 320). Os trechos que remetem à performance e à característica de Mockumentary em “Movirtualizar-te” podem ser interpretados como uma forma de registro videográfico da performance realizada na feira da avenida Brasil, esta entra na narrativa de ficção como a história criada pelo designer de games, Ulysses. Flusser (1985: 92) afirma que “a imagem técnica é a meta de qualquer acto”, portanto, segundo o mesmo “qualquer acto científico, artístico e político visa eternizar-se em imagem técnica, visa ser fotografado, filmado videografado.” (FLUSSER, 1985: 92). Sabemos que “tentar escrever sobre o evento indocumentável da performance é invocar as regras do documento escrito e, logo, alterar o evento em si mesmo” (PHELAM, 1997: 173). Filmar a performance em “Movirtualizar-te” juntamente ao grupo de pessoas convidadas para participarem, agindo como infectados pelo vírus, proporcionou a mudança do evento, pois o ato de ter uma equipe que também filmava potencializava o aspecto performático do acontecimento, um casal, dançando que filmava e se filmava incessantemente. A imagem abaixo ilustra esta multiplicidade de “infectados”. Fig. 1: Performance na Feira da Avenida Brasil. www.conecorio.org 5 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. O roteiro de “Movirtualizar-te” pode ser dividido em duas categorias, a ficção, que se refere aos personagens Ettore e Ullysses nas cenas do diálogo no bar e a parte da performance, a segunda subdivide-se videodança e mockumentary. No trabalho com a performance, propusemos a um grupo de pessoas (fotógrafos, realizadores audiovisuais e usuários frequentes de sites relacionados a fotografia e audiovisual como Facebook7, Instagram8 e Flickr9, Youtube e Vimeo) para comparecerem à feira da Avenida Brasil10 em Juiz de Fora - MG, a qual pensamos como um local que dialogasse com a proposta, já que são vendidos inúmeros aparelhos celulares, câmeras antigas e novas além de inúmeros outros gadgets com internet e câmera digital integrada. A performance na feira da Avenida Brasil ocorreu no dia 02 de Dezembro de 2012 com início às 08h00, com duração média seis horas. Inicialmente os performers se “aqueceram”, concomitantemente posicionamos as câmeras de filmagem da equipe principal11. A direção geral indicava os planos, previamente discutidos no processo de decupagem, e outros possíveis planos criados com a situação da performance. O primeiro local escolhido apresentava intenso fluxo de transeuntes. Os performers, ao iniciarem a movimentação de contato e improvisação, apresentavam sua movimentação corporal destoante do que se observava na movimentação local, esta diferenciação, com aspectos de dança, juntamente a pessoas filmando, atraia curiosos que observavam e outros até mesmo filmavam, sem que pedíssemos. Alguns dos convidados que foram para fotografar e filmar postaram fotos em suas redes sociais. 7 O Facebook alcançou mais de 73 milhões de usuários em Março de 2013. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/facebook-alcanca-73-milhoes-de-usuarios-no-brasil Acessado em 12 Ago. 2013. 8 O Flickr alcançou mais de 40 milhões de usuários em Março de 2013. Disponível em: http://tecnologia.terra.com.br/internet/flickr-alcanca-5-bilhoes-defotos,b7d9dceae77ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html Acessado em 12 Ago. 2013. 9 O Instagram tem uma média de 130 milhões de usuários ativos por mês. Disponível em: http://gizmodo.uol.com.br/instagram-em-numeros/ Acessado em 12 Ago. 2013. 10 Feira que vende antiguidades e artigos diversos, quinquilharias, como aparelhos eletrônicos seminovos, novos e antigos, muitos destes não funcionam. 11 Equipe composta por Claudia Rangel (Direção Geral), Guilherme Landim (Produção), Edson Rodrigues (Direção de Fotografia), Amanda Bigonha (Assitente de Direção de fotografia). A equipe responsável pela fotografia da performance se diferencia da equipe responsável pela fotografia da ficção, sendo esta a cargo de Eduardo Malvacini. www.conecorio.org 6 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. “É dança? É macumba? Olha lá, tão possuídos” afirmavam os passantes que se deparavam com os dois performers dançando, filmando e se filmando na feira da Avenida Brasil. Celulares antigos estragados, filmadoras analógicas que também não funcionavam em contraposição a aparelhos modernos como Ipod´s e câmeras de celulares e as filmadoras DSLR’s12 da equipe de filmagem se misturavam para captar a performance de dois dançarinos que também se filmavam, até mesmo uma panela de pressão e uma lata de cerveja tornaram-se metáforas de filmadoras. Luciana Maia e Rene Loui interagiram com as pessoas que filmavam, em alguns momentos pegavam as câmeras destes voyeurs e continuavam sua dança sempre centrada no ato de filmarem e se filmarem. Quando os curiosos se aproximavam, informávamos a eles que esta dança fazia parte de um filme, que tinha a performance em uma parte, a movimentação representava os infectados pelo vírus de computador “Movirtualizar-te”. O vírus fazia com que os infectados pegassem seus aparelhos e saíssem filmando e fotografando continuamente. Após a dança começamos e entrevistar as pessoas que por ali passavam e nos relatavam informações bem próximas à realidade, ao falar do vírus, como se este realmente existisse, aos poucos o vírus foi tomando proporções inesperadas com a proximidade com a realidade, apesar de que este ponto se trata da característica de mockumentary13 no filme. É notável esta característica no depoimento da estudante Gabriela Martins, a qual, no final da fala faz um gesto de pose para e câmera, ao colocar as mãos na cintura e afirmar que ao ser filmada ou fotografada já faz pose diante de fotógrafos: A gente vê uma pessoa fotografando e já quer sair fotografando também e sai infectando todo mundo, e uma amiga faz uma foto e eu já saio pra fotografar, de repente eu estou tirando foto e outra pessoa desconhecida tira também, em festas e sites só querem tirar foto, e a gente fica doido, a gente já sai fazendo pose (MARTINS, 2012: 9min. 14 seg). Complementando a fala de Gabriela, deparamos no filme com o que foi dito pela feirante que se apresentou a nossa equipe como Zezinha, a qual sempre fazendo 12 Digital Single-Lens Reflex. A mockumentary (a portmanteau of the words mock and documentary) is a type of film or television show in which fictional events are presented in documentary style to create a parody. (ROMANSKI, 2002: 343). 13 www.conecorio.org 7 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. gestos representando uma câmera afirmara: “Se tiver um cara ali em cima?! Vamos filmar. Se tiver uma pessoa bailando dançando, sambando?! Vamos filmar. (...)”. As relações sociais encontram-se cada vez mais pautadas pela difusão de imagens, o que reverbera na mediação de relações entre usuários da internet por imagens, em sites como Flickr, Facebook, Instagram, Youtube e Vimeo. “A monocultura da imagem pode ser prejudicial para a diversidade do pensamento” afirma o sociólogo Paulo Roberto Figueira Leal em depoimento ao filme e complementa que com a proliferação do vírus: Vai começar a imperar cada vez mais uma discussão daquela máxima equivocada de que uma imagem vale mais que mil palavras. Num universo em que cada vez mais as pessoas estão conectadas, o que antes pertencia a um e que demorava a pertencer a outro pertence agora rapidamente a todo mundo. Quanto mais intrincadas à rede estão, maior a velocidade com que este tipo de procedimento se espalha, se universaliza e cria efeitos portanto de contagio que não teria dado em tecnologias anteriores (LEAL, 2012: 09min. 41seg). Corpo e imagem: algumas implicações com base em Movirtualizar-te A utilização do corpo nas artes foi subdividida por Sharp em três categorias: o corpo como instrumento, o corpo como lugar e o corpo como pano de fundo, consideramos neste trabalho o corpo nas três instâncias. O corpo tem sido estudado, experimentado e interrogado em diversos campos de pesquisa, no campo artístico, humanístico e outras áreas que extrapolam as pesquisas biológicas. Santaella (2004: 141) levanta alguns questionamentos relevantes sobre a definição de corpo: O que é o corpo humano? Há, em primeiro lugar, o invólucro da pele, dentro do qual se aninha um aparato físico-fisiológico, uma espécie de caixa semifechada de carne, sangue, ossos, músculos, nervos, órgãos. Esse é o real do corpo, o corpo que o humano compartilha com o animal, um corpo que sofre as vicissitudes do tempo, sobrevive, sente dor, adoece, envelhece, morre. É o corpo de que os médicos e veterinários cuidam. Mas, quando se trata do ser humano, não somos um animal tout court. Enquanto o animal tem necessidades e as satisfaz através do alimento e do sexo reprodutor, o corpo humano, nos diz a psicanálise, é um corpo pulsional, ao mesmo tempo que é um corpo imaginário e também um corpo simbólico. As complicações psíquicas que advém disso não podem ser minimizadas (SANTAELLA, 2004: 141). www.conecorio.org 8 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. A ideia de que “a discussão em torno da arte, cultura e tecnologia parece encontrar hoje no corpo e suas imagens um núcleo para debater o tempo e o espaço contemporâneos” (NOJOSA; GARCIA, 2003) evidencia a importância das experimentações e estudos que tem o corpo como objeto de análise. Segundo Villaça Goes (1998: 32) “o corpo está em cena, sem que haja qualquer possibilidade de futuro e seus limites” assim como afirma Santaella, o corpo tem sido questionado no âmbito das “fronteiras entre o individual e social, masculino e feminino, vida e morte, natureza e cultura, natural e artificial, presença e ausência, atualidade e virtualidade” (SANTAELLA, 2004: 28) em Movirtualizar-te o corpo, é evidenciado pela atuação performática aos dispositivos, este se exibe, se filma, fotografa, o próprio ato de fotografar/fotografar-se e filmar/filmar-se pode ser considerado performático que se exibe para outros através de aparelhos com câmeras digitais acopladas. A difusão das novas tecnologias de comunicação e informação potencializada à conexão à internet via wi-fi e à frequente utilização de câmeras acopladas aos gadgets expressa transformações sociais no que se refere à exterioridade das experiências subjetivas, Feldman (2012: 1) afirma: No contexto do capitalismo contemporâneo, flexível e biopolítico, estamos vivenciando importantes transformações na maneira pela qual os indivíduos configuram e vivenciam suas experiências subjetivas, as quais deixaram de se ancorar em uma interioridade psicológica moderna para se ancorarem, epidermicamente, na exterioridade dos corpos e das imagens. Nesse panorama em que a intimidade, em deslocamento ou declínio, tornase uma questão de publicidade, proliferam de maneira crescente praticas amadoras e performativas em um contexto de novos regimes de visibilidade, como é o caso da proliferação de imagens amadoras e filmes domésticos – materiais supostamente menos mediados ou não mediados (...) (FELDMAN, 2012: 1). O potencial desta forma de produção imagética pode ser observado no modo como foram acopladas à televisão, como exemplo telejornais que se utilizam de imagens de câmeras amadoras, na arte contemporânea, em trabalhos de arte-mídia, no cinema, na fotografia e diversos outros meios. A performance corporal encontra-se pautada por novas práticas de subjetivação, com esta proliferação de imagens, assim como em “Movirtualizar-te”, onde pode-se observar na dança um movimento de avanço e recuo do corpo diante da câmera, o performer Rene Loui, contaminado pelo www.conecorio.org 9 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. vírus de computador, filma Luciana Maia de modo que esta sente-se inicialmente encabulada diante do fato de ser filmada. Momentos após ser filmada Luciana conduz Rene à dança, ao movimento que representa o processo viral de captação de imagens, ele a filma, ela o filma e os dois se filmam na cena de dança no bar. Esta relação cria um estigma da existência do vírus, de sua força, o que também pode ser explicitado no momento em que o garçom questiona, diante do noticiário sobre o vírus, se a personagem sabe da existência do mesmo, enquanto esta, sempre com o celular em mãos, o que pode suscitar dúvida sobre o fato de esta ser contaminada, já que se tornou comum a utilização frequente de aparelhos celulares em diversos ambientes. (...) a ‘ideia do eu’ entrou em uma crise que não dá mostras de ser contemporânea. As noções de indivíduo, sujeito e subjetividade a que esta ideia sempre esteve ligada foram sendo varridas por mudanças culturais que já tiveram início na segunda metade do século XIX (...) Nessa medida, no lugar do eu, proliferam agora novas imagens de subjetividade (SANTAELLA, 2004: 123). Segundo Freud apud Santaella (2004: 141) “o Eu está ligado à imagem do próprio corpo”. O sujeito, que segundo Santaella (2004: 124): (...) é signo entre signos, tradutor incessante de signos e quase-signos que dão corpo ao pensamento e que fazem a mediação para os objetos que apresentam, referenciam, aos quais se aplicam e simbolizam. Assim, o sujeito, mesmo na sua forma mais íntima, é um processo de semiose, isto é, de ação de signos (COLAPIERO 1989 apud SANTAELLA, 2004: 125). A partir da década de 60, com a obra de Foucault, procura-se pensar “o modo como o corpo – sua doença, sua sexualidade, seus prazeres, seus gestos e posturas, sua sensorialidade, sua relação com os objetos, com o espaço e com o outro – é atravessado por instituições, instrumentos, saberes, poderes, etc” (BRUNO, 1999: 101). “A gente está ficando enlouquecido com a imagem e enlouquecido com fotografar, a gente fotografa loucamente o tempo inteiro” afirma a fotógrafa Nina Mello em depoimento ao filme, a qual encontra-se enclausurada em sua primeira aparição no filme num espelho, no interior de uma gaiola, trabalho do fotógrafo Roosevelt Nina, uma metáfora do aprisionamento do corpo ao espelho, da pessoa à sua imagem. (...) as imagens da subjetividade são hoje multiformes, heróclitas, descentradas, instáveis, subversivas. Paradoxalmente, entretanto, no www.conecorio.org 10 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. momento mesmo em que essas imagens levam à decorada a ideia unificada do eu, as práticas regulatórias das instituições sociais continuam a governar os indivíduos de uma maneira que esta, mais do que nunca, ligada às antigas características que o definem como um “eu”. Enquanto, de um lado, os discursos filosóficos e sociais expõem, com todos os tipos de argumentos, as contradições e inadequações das definições estáveis e acabadas do eu, de outro lado, as mídias em geral trabalham freneticamente pela preservação da “ideia do eu” que dá fundamento às práticas regulatórias institucionais. À dispersão conceitual do “eu”, nas ciências do homem, contrapõe-se hoje uma ferrenha intensificação de sua identidade inquestionável nas mídias (SANTAELLA, 2004: 125). “Quando você fotografa loucamente, você não está vendo o que está acontecendo, você fotografa para depois quem sabe você olhar” afirma Nina Mello. Pode-se afirmar que “Movirtualizar-te” busca expressar, assim como o que é apresentado no longa-metragem Pacific (Marcelo Pedroso, 2009) “o corpo a corpo entre os sujeitos e os dispositivos” (FELDMAN, 2012: 3), imagens que encontram-se “entre o performado e o vivido” (FELDMAN, 2012: 3). O longa de Marcelo Pedroso enuncia o que é proposto na discussão de “Movirtualizar-te” ao deslocar “o índice para o performativo, ao mesmo tempo em que torna indistinguível o trabalho de invenção de si e o trabalho de criação das imagens, as performances e as mise en scènes” (FELDMAN, 2012: 2-3). Outro trabalho cuja subjetividade é exposta é o curta-metragem “Memórias externas de uma mulher serrilhada” (Eduardo Kishimoto, 2011), o qual pelo próprio título, retoma à exteriorização do sujeito e sua imagem através de dispositivos sóciotécnicos. A narrativa é sobre uma adolescente de classe média baixa de São Paulo que encontra um vídeo pornográfico com seu corpo exposto na internet. O vídeo tornou-se viral, a partir disso começa a ser fotografada e filmada por voyeurs em seu ambiente de trabalho, a personagem encontra-se sufocada com esta situação de ser filmada o tempo todo por milhares de desconhecidos e num ato de desespero sobe em um automóvel e tira a blusa para demonstrar o que aqueles que a filmavam desejavam. O curta “esgarça quais são exatamente os interesses na crescente produção e difusão de www.conecorio.org 11 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. imagens digitais, num mundo onde tudo está disponível” 14 no que se refere às imagens, principalmente ao corpo, no caso de “Memórias externas de uma mulher serrilhada” e no caso dos infectados por “Movirtualizar-te” que se filmam, uns aos outros, e a si próprios pode-se afirmar que: No contexto de um capitalismo pós-industrial e biopolítico cujo núcleo da produção econômica é a própria vida, a criatividade, o imaginário, a comunicação e as imagens, o trabalhador não se apresenta mais apenas como possuidor de uma força de trabalho, mas como um produto que continua, ele mesmo, a se produzir" (GORZ, 2005 apud FELDMAN, 2012: 3). Em “Movirtualizar-te” os performers Rene Loui e Luciana Maia filmam uns aos outros e se filmam no compasso de uma dança que pode representar a constante performatização da vida diante dos dispositivos sócio-técnicos da dinâmica neoliberal capitalista, portanto: A relação entre subjetividade e visibilidade ganha novos contornos com as tecnologias comunicacionais contemporâneas. Tais tecnologias participam de uma transformação no modo como os indivíduos constituem a si mesmos e modulam sua identidade a partir da relação com o outro, mais especificamente com o ‘olhar’ do outro (BRUNO, 2004: 1). Estes novos dispositivos dão continuidade a uma tendência inaugurada na Modernidade, a incidência do foco de visibilidade sobre o indivíduo comum, aspecto decisivo na produção de subjetividades e identidades. As experiências performáticas do corpo se multiplicam por diversas mídias, o que permite uma relação de pessoas mediada por imagens: Dos shows de realidade aos vídeos pessoais na internet, das redes sociais aos games, dos documentários às experiências de arte contemporânea, a vida ordinária é convocada, estimulada, provocada a participar e interagir, em uma constante performance de si mesma. As imagens tornam-se, assim, um lugar biopolítico, no qual se performam formas de vida. (BRASIL, 2010: 190). André Brasil (2010: 191) afirma que as formas de vida na sociedade contemporânea se criam como performance, através da exposição da vida ordinária nos espetáculos de realidade. Esta forma de exposição associa-se ao fator biopolítico 14 Disponível em http://www.revistacinetica.com.br/curtascineop2012.htm Visualizado em 10 Jul. 2013. www.conecorio.org 12 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. do capitalismo avançado, onde é possível notar o papel da imagem e da autoprodução de usuários de câmeras em aparelhos digitais assim como o é abordado em “Movirtualizar-te”: Se, ao longo da modernidade, as formas de vida se produziam no cruzamento dos poderes normativos disseminados por todo tipo de instituição, hoje, em uma sociedade dita pós-disciplinar, elas se criam em processos de autogestão, tendo a imagem como espaço de projeção e experimentação. Fora das instituições judiciais, carcerárias, psiquiátricas e educacionais, a vida se produz e se performa em dispositivos audiovisuais vocacionados à exposição da intimidade. Reality shows, webcams, blogs, fotologs, redes sociais, expande-se aquela que Ehrenberg (1995) chamou uma sociedade da desinibição. (BRASIL, 2010: 191 – grifo do autor). Conclusão No final do século XX houve uma grande difusão das Tecnologias da Informação15. O capitalismo global reestruturou-se, tornou-se globalmente integrado. A partir da relação intrínseca entre vários veículos de comunicação e com seu potencial interativo, a segunda metade da década de 90 caracterizou-se por um período onde houve um novo sistema de comunicação, o sistema multimídia. “A aliança entre computadores e redes faz surgir o primeiro sistema amplamente disseminado que dá ao usuário a oportunidade de criar, distribuir, receber e consumir conteúdo audiovisual em um só equipamento” (SANTAELLA, 2003: 20). Ao tratar das discussões de ideias a respeito da performance antes de ser criada, da roteirização do filme, da performance de fato e sua gravação, paralelamente à ficção, além da montagem do filme, no decorrer do texto, com aprofundamento na criação da performance na Feira da Avenida Brasil consideramos todas estas etapas parte do processo de pesquisa e acreditamos que estas puderam suscitar diversos questionamentos no que se refere à sociedade informacional, que tem a imagem 15 Manuel Castells inclui como “Tecnologias da Informação”, em geral, o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão, optoeletrônica e engenharia genética. www.conecorio.org 13 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. arraigada aos conteúdos da rede, ou seja, as relações sociais cada vez mais voltadas para a difusão de imagens, o que reverbera na mediação desta relação por imagens, em sites como Flickr, Facebook, Instagram, Youtube, Vimeo e outros. Referencial bibliográfico: BRASIL, André. Formas de vida na imagem: da indeterminação à inconstância. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, Vol. 17, No 3 (2010). Disponível em http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/7231 Visualizado em 10 Ago. 2013. BRUNO, Fernanda. Membranas e interfaces, in VILLAÇA, Nízia et al. (orgs.) Que corpo é esse? Rio de Janeiro, Mauad, 1999, pp. 98-133. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. p.14. FELDMAN, Ilana. A ascensão do amador: Pacific entre o naufrágio da intimidade e os novos regimes de visibilidade. Ciberlegenda (UFF. Online), v. 26, p. 179-190, 2012. FERREIRA, Pedro Henrique, 2012. Alguns rumos o presente e o futuro. O curtametragem na 7a CineOP. Disponível em http://www.revistacinetica.com.br/curtascineop2012.htm Visualizado em 10 Jul. 2013. FLUSSER, Vilém, 1985 – Filosofia da caixa preta – São Paulo : Hucitec, 1985.-92 p. JONES, Amélia. Survey: Body, splits. In Tracey Warr (org.), The Artist’s Body, Londres, Phaydon, 2000. Disponível em http://www.rae.com.pt/Amelia%20Jones%20Body%20Art%20Survey.pdf Visualizado em 20 Ago. 2013. NOJOSA, Urbano; GARCIA, Wilton. Comunicação & Tecnologia. Nojosa. 2003. PHELAN, Peggy. A ontologia da performance: representação sem reprodução. Revista de Comunicação e Linguagens, Lisboa: Edição Cosmos, n. 24, p.171-191, 1997. ROMANSKI, Philippe; Sy-Wonyu, Aïssatou (2002). Trompe (-)l'oeil: Imitation & Falsification. Publications de l'Université de Rouen 324. University of Le Havre Press. p. 343.ISBN 2877753344. www.conecorio.org 14 VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013. SANTAELLA, Lúcia. Culturas e artes do Pós-humano: Da cultura das mídias à cibercultura – São Paulo: Paulus, 2003. _______________. Corpo e comunicação: Sintoma da cultura. São Paulo, Paulus. 2004. 161p. VILLAÇA, Nízia e GÓES, Fred. Em Nome do Corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. Referencial audiovisual: Movirtualizar-te. RANGEL, Claudia; LANDIM, Guilherme. Brasil: 2012. 13 minutos. Memórias externas de uma mulher serrilhada. KISHIMOTO, Eduardo. Brasil: 2011. 15 minutos. Pacific. PEDROSO, Marcelo. Brasil: 2010. www.conecorio.org 15