A incessante produção e difusão de imagens via - coneco puc

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VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz
Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.
A incessante produção e difusão de imagens via aparelhos digitais portáteis1
A experiência do processo criativo do filme-performance “Movirtualizar-te”
Claudia Elena dos Santos Rangel2
Guilherme Rezende Landim3
Resumo
Pretendemos com este artigo tratar da incessante produção e difusão de imagens via
aparelhos digitais móveis. Utilizamos como objeto de estudo o filme-performance
“Movirtualizar-te”. Respaldamo-nos principalmente pela teoria de Guy Debord ao
afirmar que “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social
entre pessoas, mediatizada por imagens” (DEBORD, Guy: 1997), por Lucia Santaella
em “Corpo e Comunicação”, com ênfase na abordagem do corpo nas mídias, além de
Vilém Flusser, a respeito da necessidade de uma Filosofia da Fotografia.
Palavras-chave
Perfomance; Corpo; Subjetividade; “Movirtualizar-te”; difusão de imagens.
Introdução
Nada mais acontece aos humanos, é com a imagem
que tudo acontece.
Serge Daney
Este artigo busca, através do método ensaístico, apresentar a discussão sobre o
processo criativo da performance registrada no filme “Movirtualizar-te”, realizada na
feira da Avenida Brasil em Juiz de Fora – MG, em dezembro de 2012. Partimos dos
três conceitos “Performance, Corpo e Subjetividade” em nossa discussão, referentes
ao tema do VI Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação,
conceitos apresentados através da leitura de autores contemporâneos como Lucia
Santaella, Fernanda Bruno e André Brasil.
1
Trabalho apresentado no GT1 (Arte, Imagens, Estéticas e Tecnologias da Comunicação) do VI
Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UERJ, Rio
de Janeiro, outubro de 2013.
2
Graduanda em Comunicação Social pela UFJF.
3
Mestrando em Comunicação Social pela UFJF na linha de pesquisa “Estética, Redes e Tecnocultura”.
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Inicialmente propusemos na inscrição deste trabalho o título “A incessante
produção e difusão de imagens via aparelhos digitais móveis” e identificamos a
necessidade de focar na questão da performance realizada para o filme
“Movirtualizar-te”, objeto da pesquisa, desta forma o título do trabalho encontra-se
como “A incessante produção e difusão de imagens via aparelhos digitais portáteis: A
experiência do processo criativo do filme-performance “Movirtualizar-te”.
O processo criativo engendrou uma série de questionamentos, entre eles
encontra-se o que norteia e dá título ao trabalho. Este processo subdivide-se em:
discussões de ideias a respeito da performance antes de ser criada, a roteirização do
filme, a performance de fato e sua gravação, paralelamente à ficção, além da
montagem. No decorrer do texto aprofundaremos apenas nas etapas referentes à
criação da performance na Feira da Avenida Brasil. Consideramos todas estas etapas
parte do processo de pesquisa e acreditamos que estas puderam suscitar diversos
questionamentos referentes aos conceitos de performance, Corpo e Subjetividade, na
sociedade informacional, que tem a imagem arraigada aos conteúdos da rede.
Apresentação
Utilizamos como objeto de análise o filme-performance “Movirtualizar-te”4, o
qual trata-se de um curta-metragem de aproximadamente treze minutos de duração,
em formato digital, cuja história é sobre um vírus de computador que faz os
infectados filmarem e fotografarem incessantemente com seus aparelhos. É um curta
experimental onde há certa multiplicidade na linguagem audiovisual: com a
performance corporal, onde o performer Rene Loui, infectado pelo vírus, homônimo
ao título do curta, filma constantemente Luciana Maia; com os depoimentos, a
respeito da grande difusão imagética (via aparelhos como celulares, câmeras digitais e
outros), que o caracterizam como mockumentary; além da ficção. A performance foi
criada tendo em vista os processos comunicacionais na era da cultura digital, onde são
4
Movirtualizar-te. RANGEL, Claudia; LANDIM, Guilherme. Brasil: 2012. 13 minutos. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=37msiHs0h_g Visualizado em 10 Ago. 2013.
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utilizados a cada dia com maior frequência câmeras de gadgets para a difusão de
imagens em diversas mídias.
O filme-performance foi realizado em dezembro de 2012 para o I FAC
(Festival da Artes do Corpo)5, o qual tinha como base trabalhos de reperformance.
Inicialmente traríamos a releitura da performance “Good Boy Bad Boy” 6 (1985) de
Bruce Nauman. Nossas investigações permeavam discussões a respeito da linguagem
visual do corpo, assim como o performer norte americano o fizera em seus trabalhos
na década de 60, portanto partimos para questionamentos ligados ao corpo na tela.
Para tanto, devido à busca do grupo, relacionada a pesquisas anteriores ao projeto, a
respeito de processos comunicacionais na era da cultura digital, partimos para
investigações no que tange à difusão de aparelhos digitais móveis com a produção de
“Movirtualizar-te”.
De que forma se dá a relação corpo-imagem com a mediação da relação
através de imagens e sua produção exacerbada? Entendemos que o processo de
mediatização se diferencia de mediação, portanto nosso questionamento parte da
mediação, da relação entre pessoas mediada por imagens de aparelhos digitais
móveis, é cada vez mais frequente utilizar-se de redes sociais para a difusão da
própria imagem, para apresentar aos outros usuários da rede o que se tem feito, quais
lugares se tem ido e muitas vezes apenas fazer imagens de si para exibir na rede.
“Movirtualizar-te”: A performance na Feira da Avenida Brasil
O termo performance geralmente remete ao rendimento/desempenho: dos
aparelhos tecnológicos como os automóveis, nos exercícios físicos, no trabalho e
outras atividades. Neste artigo o termo é usado no sentido de se trabalhar o corpo para
a criação de uma ação localizada em determinado tempo e espaço.
5
Festival organizado pelo grupo ILEA – Intervenções e lugares, espaços e adjacências. O grupo é
formado por discentes (graduandos em mestrandos) e docentes do Instituto de Artes e Design da
Universidade Federal de Juiz de Fora.
6
NAUMAN, Bruce. Good Boy Bad Boy, 1985. Medium: Video, 2 monitors, colour and audio
(mono). Dimensions/duration: 60 min., 52 sec. Collection: Tate. Acquisition: Purchased 1994.
Reference: T06853. Disponível em http://www.tate.org.uk/art/artworks/nauman-good-boy-bad-boyt06853 Acesso em 20 Jul. 2013.
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A performance encontra sua gênese em 1896 com o trabalho de Ubu Rei, do
poeta Alfred Jarry, no Théâtre de l’Oeuvre de Lugné-Poe. Nesta, Ubu, vestido com
traje que lhe dava forma de pêra, repetia uma única palavra: “Merdre”, tal
acontecimento chocou a sociedade parisiense, visto que a palavra “merda” era
proibida em locais públicos.
Além de Jarry, outros nomes ganham destaque na arte de performance, artistas
que trabalharam o corpo como suporte na body art, embodiment, happenings ou
outros trabalhos ao longo dos anos entre eles é possível citar Bruce Nauman, Marina
Abramovic, Lígia Clark e diversos outros. Sobretudo nas décadas de 1960 e 1970 a
performance se estabelece nos meios artísticos e configura-se como arte múltipla,
hibrida, com destaque para a figura do artista, como afirma Gregory Battcock em
“The Art of Performance”: “Na arte corporal e de performance a figura do artista é
ferramenta para a arte. É a própria arte”.
Outra característica da performance é seu caráter de ação efêmera e não
reprodutível, baseia-se em conceitos. Na década de 80 os artistas trabalharam a
autoperformance fotográfica e a videoperformance, houve uma tendência
performativa do eu-como-imagem, dos simulacros. Amélia Jones (2000) apresenta
sete tendências sobre o corpo do artista na arte: Corpos que pintam (painting bodies);
Corpos em gesto (gesturing bodies); Corpos ritualísticos e transgressores (ritualistic
and transgressive bodies); Fronteiras do corpo (body boundaries); Identidade em
performance (performing identity); Corpos ausentes (absent bodies); Corpos
expandidos e protéticos (extendet and prothetic bodies). Há que se considerar o
fenômeno da globalização como possibilidade para o espectro de representação
fotográfica do corpo mais visível do que nunca na medida em que “a Câmera como
uma tecnologia intervém no corpo e como representa a relação do corpo com a
tecnologia” (SANTAELLA, 2003: 277) como o que é proposto em “Movirtualizarte”.
Hibridismos crescentes e estonteantes, presentes, por exemplo, na
performance e body art, no neo-realismo francês, na op art, minimalismo,
arte concreta, neoconcreta, arte comportamental e processual, nova
escultura, conceptualismo, land art, instalações, ambientes, arte espacial,
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arte imaterial, muitas delas efêmeras, e por isso mesmo, dependentes da
documentação fotográfica” (SANTAELLA, 2003: 320).
Os trechos que remetem à performance e à característica de Mockumentary em
“Movirtualizar-te” podem ser interpretados como uma forma de registro videográfico
da performance realizada na feira da avenida Brasil, esta entra na narrativa de ficção
como a história criada pelo designer de games, Ulysses. Flusser (1985: 92) afirma que
“a imagem técnica é a meta de qualquer acto”, portanto, segundo o mesmo “qualquer
acto científico, artístico e político visa eternizar-se em imagem técnica, visa ser
fotografado, filmado videografado.” (FLUSSER, 1985: 92). Sabemos que “tentar
escrever sobre o evento indocumentável da performance é invocar as regras do
documento escrito e, logo, alterar o evento em si mesmo” (PHELAM, 1997: 173).
Filmar a performance em “Movirtualizar-te” juntamente ao grupo de pessoas
convidadas para participarem, agindo como infectados pelo vírus, proporcionou a
mudança do evento, pois o ato de ter uma equipe que também filmava potencializava
o aspecto performático do acontecimento, um casal, dançando que filmava e se
filmava incessantemente. A imagem abaixo ilustra esta multiplicidade de
“infectados”.
Fig. 1: Performance na Feira da Avenida Brasil.
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O roteiro de “Movirtualizar-te” pode ser dividido em duas categorias, a ficção,
que se refere aos personagens Ettore e Ullysses nas cenas do diálogo no bar e a parte
da performance, a segunda subdivide-se videodança e mockumentary. No trabalho
com a performance, propusemos a um grupo de pessoas (fotógrafos, realizadores
audiovisuais e usuários frequentes de sites relacionados a fotografia e audiovisual
como Facebook7, Instagram8 e Flickr9, Youtube e Vimeo) para comparecerem à feira
da Avenida Brasil10 em Juiz de Fora - MG, a qual pensamos como um local que
dialogasse com a proposta, já que são vendidos inúmeros aparelhos celulares, câmeras
antigas e novas além de inúmeros outros gadgets com internet e câmera digital
integrada.
A performance na feira da Avenida Brasil ocorreu no dia 02 de Dezembro de
2012 com início às 08h00, com duração média seis horas. Inicialmente os performers
se “aqueceram”, concomitantemente posicionamos as câmeras de filmagem da equipe
principal11. A direção geral indicava os planos, previamente discutidos no processo de
decupagem, e outros possíveis planos criados com a situação da performance. O
primeiro local escolhido apresentava intenso fluxo de transeuntes. Os performers, ao
iniciarem a movimentação de contato e improvisação, apresentavam sua
movimentação corporal destoante do que se observava na movimentação local, esta
diferenciação, com aspectos de dança, juntamente a pessoas filmando, atraia curiosos
que observavam e outros até mesmo filmavam, sem que pedíssemos. Alguns dos
convidados que foram para fotografar e filmar postaram fotos em suas redes sociais.
7
O Facebook alcançou mais de 73 milhões de usuários em Março de 2013. Disponível em:
http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/facebook-alcanca-73-milhoes-de-usuarios-no-brasil
Acessado em 12 Ago. 2013.
8
O Flickr alcançou mais de 40 milhões de usuários em Março de 2013. Disponível em:
http://tecnologia.terra.com.br/internet/flickr-alcanca-5-bilhoes-defotos,b7d9dceae77ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html Acessado em 12 Ago. 2013.
9
O Instagram tem uma média de 130 milhões de usuários ativos por mês. Disponível em:
http://gizmodo.uol.com.br/instagram-em-numeros/ Acessado em 12 Ago. 2013.
10
Feira que vende antiguidades e artigos diversos, quinquilharias, como aparelhos eletrônicos seminovos, novos e antigos, muitos destes não funcionam.
11
Equipe composta por Claudia Rangel (Direção Geral), Guilherme Landim (Produção), Edson
Rodrigues (Direção de Fotografia), Amanda Bigonha (Assitente de Direção de fotografia). A equipe
responsável pela fotografia da performance se diferencia da equipe responsável pela fotografia da
ficção, sendo esta a cargo de Eduardo Malvacini.
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“É dança? É macumba? Olha lá, tão possuídos” afirmavam os passantes que
se deparavam com os dois performers dançando, filmando e se filmando na feira da
Avenida Brasil. Celulares antigos estragados, filmadoras analógicas que também não
funcionavam em contraposição a aparelhos modernos como Ipod´s e câmeras de
celulares e as filmadoras DSLR’s12 da equipe de filmagem se misturavam para captar a
performance de dois dançarinos que também se filmavam, até mesmo uma panela de
pressão e uma lata de cerveja tornaram-se metáforas de filmadoras.
Luciana Maia e Rene Loui interagiram com as pessoas que filmavam, em
alguns momentos pegavam as câmeras destes voyeurs e continuavam sua dança
sempre centrada no ato de filmarem e se filmarem. Quando os curiosos se
aproximavam, informávamos a eles que esta dança fazia parte de um filme, que tinha
a performance em uma parte, a movimentação representava os infectados pelo vírus
de computador “Movirtualizar-te”. O vírus fazia com que os infectados pegassem
seus aparelhos e saíssem filmando e fotografando continuamente. Após a dança
começamos e entrevistar as pessoas que por ali passavam e nos relatavam
informações bem próximas à realidade, ao falar do vírus, como se este realmente
existisse, aos poucos o vírus foi tomando proporções inesperadas com a proximidade
com a realidade, apesar de que este ponto se trata da característica de mockumentary13
no filme. É notável esta característica no depoimento da estudante Gabriela Martins, a
qual, no final da fala faz um gesto de pose para e câmera, ao colocar as mãos na
cintura e afirmar que ao ser filmada ou fotografada já faz pose diante de fotógrafos:
A gente vê uma pessoa fotografando e já quer sair fotografando também e
sai infectando todo mundo, e uma amiga faz uma foto e eu já saio pra
fotografar, de repente eu estou tirando foto e outra pessoa desconhecida
tira também, em festas e sites só querem tirar foto, e a gente fica doido, a
gente já sai fazendo pose (MARTINS, 2012: 9min. 14 seg).
Complementando a fala de Gabriela, deparamos no filme com o que foi dito
pela feirante que se apresentou a nossa equipe como Zezinha, a qual sempre fazendo
12
Digital Single-Lens Reflex.
A mockumentary (a portmanteau of the words mock and documentary) is a type of film or television
show in which fictional events are presented in documentary style to create a parody. (ROMANSKI,
2002: 343).
13
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gestos representando uma câmera afirmara: “Se tiver um cara ali em cima?! Vamos
filmar. Se tiver uma pessoa bailando dançando, sambando?! Vamos filmar. (...)”.
As relações sociais encontram-se cada vez mais pautadas pela difusão de
imagens, o que reverbera na mediação de relações entre usuários da internet por
imagens, em sites como Flickr, Facebook, Instagram, Youtube e Vimeo. “A
monocultura da imagem pode ser prejudicial para a diversidade do pensamento”
afirma o sociólogo Paulo Roberto Figueira Leal em depoimento ao filme e
complementa que com a proliferação do vírus:
Vai começar a imperar cada vez mais uma discussão daquela máxima
equivocada de que uma imagem vale mais que mil palavras. Num universo
em que cada vez mais as pessoas estão conectadas, o que antes pertencia a
um e que demorava a pertencer a outro pertence agora rapidamente a todo
mundo. Quanto mais intrincadas à rede estão, maior a velocidade com que
este tipo de procedimento se espalha, se universaliza e cria efeitos portanto
de contagio que não teria dado em tecnologias anteriores (LEAL, 2012:
09min. 41seg).
Corpo e imagem: algumas implicações com base em Movirtualizar-te
A utilização do corpo nas artes foi subdividida por Sharp em três categorias: o
corpo como instrumento, o corpo como lugar e o corpo como pano de fundo,
consideramos neste trabalho o corpo nas três instâncias. O corpo tem sido estudado,
experimentado e interrogado em diversos campos de pesquisa, no campo artístico,
humanístico e outras áreas que extrapolam as pesquisas biológicas. Santaella (2004:
141) levanta alguns questionamentos relevantes sobre a definição de corpo:
O que é o corpo humano? Há, em primeiro lugar, o invólucro da pele,
dentro do qual se aninha um aparato físico-fisiológico, uma espécie de
caixa semifechada de carne, sangue, ossos, músculos, nervos, órgãos. Esse
é o real do corpo, o corpo que o humano compartilha com o animal, um
corpo que sofre as vicissitudes do tempo, sobrevive, sente dor, adoece,
envelhece, morre. É o corpo de que os médicos e veterinários cuidam.
Mas, quando se trata do ser humano, não somos um animal tout court.
Enquanto o animal tem necessidades e as satisfaz através do alimento e do
sexo reprodutor, o corpo humano, nos diz a psicanálise, é um corpo
pulsional, ao mesmo tempo que é um corpo imaginário e também um
corpo simbólico. As complicações psíquicas que advém disso não podem
ser minimizadas (SANTAELLA, 2004: 141).
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A ideia de que “a discussão em torno da arte, cultura e tecnologia parece
encontrar hoje no corpo e suas imagens um núcleo para debater o tempo e o espaço
contemporâneos” (NOJOSA; GARCIA, 2003) evidencia a importância das
experimentações e estudos que tem o corpo como objeto de análise. Segundo Villaça
Goes (1998: 32) “o corpo está em cena, sem que haja qualquer possibilidade de futuro
e seus limites” assim como afirma Santaella, o corpo tem sido questionado no âmbito
das “fronteiras entre o individual e social, masculino e feminino, vida e morte,
natureza e cultura, natural e artificial, presença e ausência, atualidade e virtualidade”
(SANTAELLA, 2004: 28) em Movirtualizar-te o corpo, é evidenciado pela atuação
performática aos dispositivos, este se exibe, se filma, fotografa, o próprio ato de
fotografar/fotografar-se e filmar/filmar-se pode ser considerado performático que se
exibe para outros através de aparelhos com câmeras digitais acopladas.
A difusão das novas tecnologias de comunicação e informação potencializada
à conexão à internet via wi-fi e à frequente utilização de câmeras acopladas aos
gadgets expressa transformações sociais no que se refere à exterioridade das
experiências subjetivas, Feldman (2012: 1) afirma:
No contexto do capitalismo contemporâneo, flexível e biopolítico, estamos
vivenciando importantes transformações na maneira pela qual os
indivíduos configuram e vivenciam suas experiências subjetivas, as quais
deixaram de se ancorar em uma interioridade psicológica moderna para se
ancorarem, epidermicamente, na exterioridade dos corpos e das imagens.
Nesse panorama em que a intimidade, em deslocamento ou declínio, tornase uma questão de publicidade, proliferam de maneira crescente praticas
amadoras e performativas em um contexto de novos regimes de
visibilidade, como é o caso da proliferação de imagens amadoras e filmes
domésticos – materiais supostamente menos mediados ou não mediados
(...) (FELDMAN, 2012: 1).
O potencial desta forma de produção imagética pode ser observado no modo
como foram acopladas à televisão, como exemplo telejornais que se utilizam de
imagens de câmeras amadoras, na arte contemporânea, em trabalhos de arte-mídia, no
cinema, na fotografia e diversos outros meios. A performance corporal encontra-se
pautada por novas práticas de subjetivação, com esta proliferação de imagens, assim
como em “Movirtualizar-te”, onde pode-se observar na dança um movimento de
avanço e recuo do corpo diante da câmera, o performer Rene Loui, contaminado pelo
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vírus de computador, filma Luciana Maia de modo que esta sente-se inicialmente
encabulada diante do fato de ser filmada. Momentos após ser filmada Luciana conduz
Rene à dança, ao movimento que representa o processo viral de captação de imagens,
ele a filma, ela o filma e os dois se filmam na cena de dança no bar. Esta relação cria
um estigma da existência do vírus, de sua força, o que também pode ser explicitado
no momento em que o garçom questiona, diante do noticiário sobre o vírus, se a
personagem sabe da existência do mesmo, enquanto esta, sempre com o celular em
mãos, o que pode suscitar dúvida sobre o fato de esta ser contaminada, já que se
tornou comum a utilização frequente de aparelhos celulares em diversos ambientes.
(...) a ‘ideia do eu’ entrou em uma crise que não dá mostras de ser
contemporânea. As noções de indivíduo, sujeito e subjetividade a que esta
ideia sempre esteve ligada foram sendo varridas por mudanças culturais
que já tiveram início na segunda metade do século XIX (...) Nessa medida,
no lugar do eu, proliferam agora novas imagens de subjetividade
(SANTAELLA, 2004: 123).
Segundo Freud apud Santaella (2004: 141) “o Eu está ligado à imagem do
próprio corpo”. O sujeito, que segundo Santaella (2004: 124):
(...) é signo entre signos, tradutor incessante de signos e quase-signos que
dão corpo ao pensamento e que fazem a mediação para os objetos que
apresentam, referenciam, aos quais se aplicam e simbolizam. Assim, o
sujeito, mesmo na sua forma mais íntima, é um processo de semiose, isto
é, de ação de signos (COLAPIERO 1989 apud SANTAELLA, 2004: 125).
A partir da década de 60, com a obra de Foucault, procura-se pensar “o modo
como o corpo – sua doença, sua sexualidade, seus prazeres, seus gestos e posturas,
sua sensorialidade, sua relação com os objetos, com o espaço e com o outro – é
atravessado por instituições, instrumentos, saberes, poderes, etc” (BRUNO, 1999:
101). “A gente está ficando enlouquecido com a imagem e enlouquecido com
fotografar, a gente fotografa loucamente o tempo inteiro” afirma a fotógrafa Nina
Mello em depoimento ao filme, a qual encontra-se enclausurada em sua primeira
aparição no filme num espelho, no interior de uma gaiola, trabalho do fotógrafo
Roosevelt Nina, uma metáfora do aprisionamento do corpo ao espelho, da pessoa à
sua imagem.
(...) as imagens da subjetividade são hoje multiformes, heróclitas,
descentradas, instáveis, subversivas. Paradoxalmente, entretanto, no
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momento mesmo em que essas imagens levam à decorada a ideia unificada
do eu, as práticas regulatórias das instituições sociais continuam a
governar os indivíduos de uma maneira que esta, mais do que nunca,
ligada às antigas características que o definem como um “eu”. Enquanto,
de um lado, os discursos filosóficos e sociais expõem, com todos os tipos
de argumentos, as contradições e inadequações das definições estáveis e
acabadas do eu, de outro lado, as mídias em geral trabalham
freneticamente pela preservação da “ideia do eu” que dá fundamento às
práticas regulatórias institucionais. À dispersão conceitual do “eu”, nas
ciências do homem, contrapõe-se hoje uma ferrenha intensificação de sua
identidade inquestionável nas mídias (SANTAELLA, 2004: 125).
“Quando você fotografa loucamente, você não está vendo o que está
acontecendo, você fotografa para depois quem sabe você olhar” afirma Nina Mello.
Pode-se afirmar que “Movirtualizar-te” busca expressar, assim como o que é
apresentado no longa-metragem Pacific (Marcelo Pedroso, 2009) “o corpo a corpo
entre os sujeitos e os dispositivos” (FELDMAN, 2012: 3), imagens que encontram-se
“entre o performado e o vivido” (FELDMAN, 2012: 3). O longa de Marcelo Pedroso
enuncia o que é proposto na discussão de “Movirtualizar-te” ao deslocar “o índice
para o performativo, ao mesmo tempo em que torna indistinguível o trabalho de
invenção de si e o trabalho de criação das imagens, as performances e as mise en
scènes” (FELDMAN, 2012: 2-3).
Outro trabalho cuja subjetividade é exposta é o curta-metragem “Memórias
externas de uma mulher serrilhada” (Eduardo Kishimoto, 2011), o qual pelo próprio
título, retoma à exteriorização do sujeito e sua imagem através de dispositivos sóciotécnicos. A narrativa é sobre uma adolescente de classe média baixa de São Paulo que
encontra um vídeo pornográfico com seu corpo exposto na internet. O vídeo tornou-se
viral, a partir disso começa a ser fotografada e filmada por voyeurs em seu ambiente
de trabalho, a personagem encontra-se sufocada com esta situação de ser filmada o
tempo todo por milhares de desconhecidos e num ato de desespero sobe em um
automóvel e tira a blusa para demonstrar o que aqueles que a filmavam desejavam. O
curta “esgarça quais são exatamente os interesses na crescente produção e difusão de
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imagens digitais, num mundo onde tudo está disponível”
14
no que se refere às
imagens, principalmente ao corpo, no caso de “Memórias externas de uma mulher
serrilhada” e no caso dos infectados por “Movirtualizar-te” que se filmam, uns aos
outros, e a si próprios pode-se afirmar que:
No contexto de um capitalismo pós-industrial e biopolítico cujo
núcleo da produção econômica é a própria vida, a criatividade, o
imaginário, a comunicação e as imagens, o trabalhador não se
apresenta mais apenas como possuidor de uma força de trabalho,
mas como um produto que continua, ele mesmo, a se produzir"
(GORZ, 2005 apud FELDMAN, 2012: 3).
Em “Movirtualizar-te” os performers Rene Loui e Luciana Maia filmam uns
aos outros e se filmam no compasso de uma dança que pode representar a constante
performatização da vida diante dos dispositivos sócio-técnicos da dinâmica neoliberal
capitalista, portanto:
A relação entre subjetividade e visibilidade ganha novos contornos com as
tecnologias comunicacionais contemporâneas. Tais tecnologias participam
de uma transformação no modo como os indivíduos constituem a si
mesmos e modulam sua identidade a partir da relação com o outro, mais
especificamente com o ‘olhar’ do outro (BRUNO, 2004: 1).
Estes novos dispositivos dão continuidade a uma tendência inaugurada na
Modernidade, a incidência do foco de visibilidade sobre o indivíduo comum, aspecto
decisivo na produção de subjetividades e identidades. As experiências performáticas
do corpo se multiplicam por diversas mídias, o que permite uma relação de pessoas
mediada por imagens:
Dos shows de realidade aos vídeos pessoais na internet, das redes sociais
aos games, dos documentários às experiências de arte contemporânea, a
vida ordinária é convocada, estimulada, provocada a participar e interagir,
em uma constante performance de si mesma. As imagens tornam-se,
assim, um lugar biopolítico, no qual se performam formas de vida.
(BRASIL, 2010: 190).
André Brasil (2010: 191) afirma que as formas de vida na sociedade
contemporânea se criam como performance, através da exposição da vida ordinária
nos espetáculos de realidade. Esta forma de exposição associa-se ao fator biopolítico
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do capitalismo avançado, onde é possível notar o papel da imagem e da autoprodução de usuários de câmeras em aparelhos digitais assim como o é abordado em
“Movirtualizar-te”:
Se, ao longo da modernidade, as formas de vida se produziam no
cruzamento dos poderes normativos disseminados por todo tipo de
instituição, hoje, em uma sociedade dita pós-disciplinar, elas se
criam em processos de autogestão, tendo a imagem como espaço de
projeção e experimentação. Fora das instituições judiciais,
carcerárias, psiquiátricas e educacionais, a vida se produz e se
performa em dispositivos audiovisuais vocacionados à exposição da
intimidade. Reality shows, webcams, blogs, fotologs, redes sociais,
expande-se aquela que Ehrenberg (1995) chamou uma sociedade da
desinibição. (BRASIL, 2010: 191 – grifo do autor).
Conclusão
No final do século XX houve uma grande difusão das Tecnologias da
Informação15. O capitalismo global reestruturou-se, tornou-se globalmente integrado.
A partir da relação intrínseca entre vários veículos de comunicação e com seu
potencial interativo, a segunda metade da década de 90 caracterizou-se por um
período onde houve um novo sistema de comunicação, o sistema multimídia. “A
aliança entre computadores e redes faz surgir o primeiro sistema amplamente
disseminado que dá ao usuário a oportunidade de criar, distribuir, receber e consumir
conteúdo audiovisual em um só equipamento” (SANTAELLA, 2003: 20).
Ao tratar das discussões de ideias a respeito da performance antes de ser
criada, da roteirização do filme, da performance de fato e sua gravação, paralelamente
à ficção, além da montagem do filme, no decorrer do texto, com aprofundamento na
criação da performance na Feira da Avenida Brasil consideramos todas estas etapas
parte do processo de pesquisa e acreditamos que estas puderam suscitar diversos
questionamentos no que se refere à sociedade informacional, que tem a imagem
15
Manuel Castells inclui como “Tecnologias da Informação”, em geral, o conjunto convergente de
tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão,
optoeletrônica e engenharia genética.
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arraigada aos conteúdos da rede, ou seja, as relações sociais cada vez mais voltadas
para a difusão de imagens, o que reverbera na mediação desta relação por imagens,
em sites como Flickr, Facebook, Instagram, Youtube, Vimeo e outros.
Referencial bibliográfico:
BRASIL, André. Formas de vida na imagem: da indeterminação à inconstância.
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Referencial audiovisual:
Movirtualizar-te. RANGEL, Claudia; LANDIM, Guilherme. Brasil: 2012. 13
minutos.
Memórias externas de uma mulher serrilhada. KISHIMOTO, Eduardo. Brasil: 2011.
15 minutos.
Pacific. PEDROSO, Marcelo. Brasil: 2010.
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