Editora Ferreira Projeto Redação sob Medida Aula 10 – Usos recomendados pela norma culta da língua escrita: os aspectos gramaticais e textuais Nesta aula, concluímos nossa recapitulação sobre as principais recomendações da norma culta para o emprego da modalidade escrita da nossa língua, abordando tópicos de natureza gramatical e textual. Vejamos a seguir, de maneira sumária, quais são os itens dignos de atenção. Aspectos gramaticais I. Morfologia 1. Emprego adequado dos tempos verbais A norma letrada valoriza tempos simples como o pretérito perfeito e o futuro do presente, observando com rigor a correlação entre as diversas formas e a pertinência do tempo utilizado: conforme se alertou acima, prefira “amanhã sairemos” à fórmula “amanhã vamos sair”. Evite a correlação entre o presente do indicativo e o futuro do subjuntivo (“Se analisamos este caso, veremos que...”) e outras similares, optando sempre pelo que prescreve a tradição culta (“Se analisarmos este caso,...”). 2. Uso da voz passiva pronominal ou sintética Inúmeras construções que a língua coloquial considera casos típicos de sujeito indeterminado, em face da posposição do sujeito (que ocupa o lugar habitualmente reservado ao objeto), são, para a chamada língua culta, autênticas construções de voz passiva pronominal. Em sendo assim, favor observar a flexão verbal: vendem-se produtos, fazem-se planos mirabolantes, fixam-se metas inatingíveis, etc. 3. Emprego preciso dos conectivos Não adote formas desautorizadas pela norma letrada, como a locução proporcional “na medida que” (variante coloquial de à medida que), nem confunda o valor semântico de certas conjunções (porquanto é causal, posto que é concessiva, assim como conquanto, ao passo que contanto que é condicional). Cuidado também com o pronome relativo onde, que só pode ser usado na função de adjunto adverbial: é comum que ele apareça erradamente em referências de tempo (“Uma era onde os sonhos eram únicos”) ou em construções sem nenhum valor locativo (“Eis um projeto onde todos os governos investem”). Atente ainda para o significado das locuções prepositivas: em vez de = “em lugar de”; ao invés de = “ao contrário de”; etc. II. Sintaxe 4. Obediência estrita às prescrições da regência oficial Verbos de movimento pedem preposição a / até / para (Chego à conclusão de que... / Vou à festa) e verbos de repouso regem prep. em (Moro em Vila Isabel). Verbos de duplo complemento regem um termo com preposição e outro não preposicionado, com eventual alternância de objetos (Informo-os de que... / Cientifico-lhes que...), havendo, porém, algumas exceções, como queixar-se (Queixou-se do fiscal ao diretor) e resultar (Graves prejuízos resultarão dessa medida ao governo), que aceitam dois objetos regidos de preposição. 5. Cuidados básicos no uso dos pronomes átonos Os pronomes retos exercem funções típicas do caso nominativo no latim, ou seja, atuam como sujeito ou predicativo da oração que integram. Cf.: Eu sou mais eu. Esse problema é para eu resolver. Os pronomes oblíquos atuam como complemento verbal (objeto direto/indireto) ou complemento nominal. No caso da 3ª pessoa, porém, há uma clara divisão de funções entre as formas que atuam como complementos verbais: o(s)/a(s) exercem o papel de objeto direto e lhe(s) funciona como objeto indireto. Cf.: Para mim, será fácil resolver isto. Ela o adora, mas não lhe perdoará essa falta. Quando equivalerem a um pronome possessivo adjetivo, as formas oblíquas átonas exercerão o papel de um adjunto adnominal. Cf.: Ele roubou-me a carteira. [=Ele roubou a minha carteira.] Quando complementam verbos causativos (mandar, fazer, deixar...) ou sensitivos (ver, ouvir, sentir) seguidos de infinitivo, as formas átonas atuam como sujeito da oração seguinte (neste caso, é inadmissível o uso dos pronomes retos!). Cf.: Mandei-o sair. [= Mandei que ele saísse.] / Ela não me viu sair. [= Ela não viu que eu saía] Os pronomes pessoais de tratamento deverão sempre enunciar-se com as formas verbais e os demais pronomes que a eles se referem na 3ª pessoa. Cf.: Vossa Excelência deveria preocupar-se um pouco mais com seus eleitores, Senhor Deputado. III. Pontuação 6. Uso da vírgula O emprego dos sinais de pontuação, sob o ponto de vista gramatical, obedece a preceitos essencialmente sintáticos – as eventuais pausas para “respiração” jamais poderão desrespeitar as normas básicas de estruturação dos termos na oração, segundo a sequência tradicional da nossa língua, ou seja: SUJEITO – VERBO – COMPLEMENTO VERBAL– ADJUNTO ADVERBIAL SUJEITO – VERBO DE LIGAÇÃO – PREDICATIVO – ADJUNTO ADVERBIAL Por força desse princípio, é inadmissível em uma oração o uso da vírgula entre o sujeito e o verbo, entre o verbo e seus complementos, assim como entre o verbo de ligação e o predicativo. Cf.: Os candidatos estudavam os últimos tópicos às vésperas da prova. Os candidatos estavam nervosos às vésperas da prova. Obs.: Se o adj. adverbial vier antecipado, justifica-se a presença da vírgula, sobretudo se o termo for de médio ou grande corpo (isto é, composto por três ou mais palavras): Às vésperas da prova, os candidatos estudavam os últimos tópicos. O preceito acima também se aplica à estruturação análoga do período composto por subordinação, ou seja, torna-se inviável a ocorrência de vírgula entre uma oração principal e uma oração subordinada substantiva (com exceção das apositivas, normalmente precedidas de dois-pontos). Cf.: A União deseja que as Secretarias de Estado se unam à iniciativa. É necessário que tal integração se dê em curto prazo de tempo. Exceção: Nossa expectativa é apenas esta: que o convênio seja assinado neste ano. IV. Semântica & Estilística 7. Rigorosa seleção lexical Prefira sempre as formas de maior prestígio, pois, como já se disse, as gírias são inadmissíveis (adulto x “marmanjo”; capital x “grana”; rosto / face x “cara”; etc.). 8. Cuidados estilísticos Evite as redundâncias, sobretudo a repetição de vocábulos cognatos no mesmo período ou parágrafo ou o uso dos chamados pleonasmos viciosos, que não possuem qualquer valor estilístico. Cf.: O Governo decidiu adotar essa decisão em 2010. [Sugestão de reescritura: O Governo decidiu adotar essa medida em 2010.] “Eu nasci há dez mil anos atrás” *pleonasmo vicioso+ Ao novo Governo, coube-lhe promover a reforma política. [pleonasmo aceito] Jamais empregue expressões que formam cacófatos (“como a concebo” [= como-a com sebo], “essa cana” [= é sacana], “a vez passada” [= a vespa assada], etc.) e o uso de termos vagos ou imprecisos. Ignore os pronomes coloquiais, tais como “a gente”, “dele” e outras formas recém-criadas, utilizando sempre os equivalentes do padrão dito culto (“nós”, “seu/sua”, etc.). V. Coesão Textual 9. Observância do princípio do paralelismo As construções deverão manter total coerência em sua estrutura sintática e lexical. Assim, na enumeração dos itens ilustrativos de um tópico, ou na enunciação dos incisos de um artigo, não se devem alternar núcleos nominais e verbais. Por isso, em um texto sobre “o impacto dos distintos marcos regulatórios no desenvolvimento das indústrias brasileiras de petróleo e telecomunicações” (tema do concurso para Analista do MPOG em 2010), o redator seria severamente penalizado, se acaso enunciasse as atribuições das agências oficiais dessas áreas sob a seguinte forma: “São tarefas precípuas das instâncias reguladoras: o incentivo a investimentos; a definição de responsabilidades e compromissos; avaliar os riscos geológicos e de mercado.” Observe que, após o emprego de dois substantivos na explicitação das duas primeiras tarefas, o terceiro item é conceituado por meio de um infinitivo verbal, forma apta a cumprir essa função, porém inadequada à frase construída. Neste caso, a sugestão de reescritura mais recomendável seria: “[...] o incentivo a investimentos; a definição de responsabilidades e compromissos; a avaliação dos riscos geológicos e de mercado.” 10. Extensão e quantidade de períodos e parágrafos Na estruturação e desenvolvimento de seu texto dissertativo, construa sempre parágrafos com dois ou mais períodos e um número proporcional de linhas. Para um limite de 30 linhas, por exemplo, devem-se elaborar no mínimo cinco parágrafos, entre cinco e sete linhas (em média!), o que não impede a eventual enunciação de um número abaixo ou acima desses limites. É claro que esta é uma recomendação específica para a elaboração de uma prova discursiva de certames oficiais. Em realidade, se consultarmos um mestre da matéria, como o saudoso professor Othon M. Garcia, veremos que são admissíveis parágrafos de um único período. Contudo, as bancas oficiais não têm acatado essa observação do autor feita na célebre obra Comunicação em Prosa Moderna – e, por isso, reafirmamos para o(a) candidato(a) que se guie pelo princípio enunciado logo acima.