Complacência - Cometários sobre o livro de Giambiagi e

Propaganda
PROTAGONISMO COMPLACENTE: OS PARADOXOS DO INTERVENCIONISMO
ECONÔMICO
ACQUIESCENT PROTAGONISM: THE PARADOXES OF ECONOMIC INTERVENTIONISM
Gilson Wessler Michels
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina. Professor de Direito Tributário e Direito Processual
Civil no Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina –
CESUSC. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e
Delegado da Receita Federal do Brasil de Julgamento em
Florianópolis/SC.
RESENHA DO LIVRO:
GIAMBIAGI, Fábio; SCHWARTSMAN, Alexandre. Complacência. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2014.
RESUMO: Trata o presente trabalho de uma resenha crítica do livro Complacência, de Fabio
Giambiagi e Alexandre Schwartsman (Editora Elsevier, 2014). Os autores analisam de forma
crítica a política econômica intervencionista adotada pelo governo petista ao longo de seu
ciclo de poder, ressaltando a inexistência de medidas estruturais destinadas ao incremento de
produtividade e ao crescimento sustentável do país.
ABSTRACT: This paper is a critical review of the book Complacência, written by Fabio
Giambiagi and Alexandre Schwartsman (Elsevier, 2014). The authors critically analyze the
interventionist economic policy adopted by the Worker’s Party government during twelve
years in power, highlighting the absence of structural measures to increase productivity and
sustainable growth.
Revista da Receita Federal: estudos tributários e aduaneiros, Brasília-DF, v.01, n.01, p. 423-430, ago./dez. 2014.
Gilson Wessler Michels
424
Complacência, o mais novo livro de Fabio Giambiagi e Alexandre Schwartsman,1 é
uma obra que pode ser lida de um fôlego só, mesmo pelos não iniciados nos domínios da
economia. É que, apesar de ser um texto sobre economia, destina-se também – e de forma
bem sucedida – a não economistas. Pode-se até não concordar com a visão liberal dos autores
e com a mordaz crítica que fazem ao que se poderia chamar de protagonismo complacente dos
governos petistas em matéria econômica, mas o intencional didatismo fez com que o texto
adquirisse ares de narrativa, ganhando fluidez por meio da hábil conjunção de informações
econômicas abordadas sem o costumeiro excesso de tecnicalidades com um sem-número de
citações de autores de variada ordem e origem (filósofos, estadistas, escritores, economistas
etc.).
O que se tem com a obra, ao final, é um texto breve, acessível e que, apesar de não
abordar de forma extensiva os problemas econômicos, serve como uma importante ferramenta
de inserção, também dos leigos, nos debates acerca das políticas econômicas engendradas
pelo poder público. Assim, independentemente da identificação que se tenha com as ideias
dos autores, o livro é meritório porque traz, para a seara da economia, uma iniciativa de há
muito experimentada em outras áreas de conhecimento: a abordagem de temas técnicos de
modo inclusivo, tendente à disseminação da informação para além dos restritos círculos dos
especialistas. E isso é especialmente importante pelos óbvios efeitos que as opções de política
econômica têm sobre a vida do país e das pessoas. Ademais, em ano eleitoral, uma obra desta
natureza é oportuna pelos subsídios que traz à discussão mais ampla das diferentes opções de
política econômica colocadas à apreciação da sociedade (o que é particularmente relevante em
face não apenas do cenário político-eleitoral, mas também das recentes projeções de que, em
2014, o Brasil terá uma taxa de crescimento de menos de 1% e a inflação baterá a meta de
6,5% estabelecida pelo governo).2
Mas, antes de se falar sobre a estrutura da obra e do seu conteúdo propriamente dito, é
importante contextualizar a convicção que permeia todo o texto. Neste sentido, o que fica
muito claro desde as linhas iniciais é que os autores, coerentemente com suas trajetórias
1
Alexandre Schwartsman é doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), ex-diretor de
assuntos internacionais do Banco Central, ex-economista-chefe de dois importantes bancos – o Santander e o
ABN Amro – e articulista dos jornais Folha de São Paulo e Valor Econômico. Fábio Giambiagi é doutor em
Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e economista do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social; durante o período de 2004 a 2007, foi coordenador do Grupo de Análise Conjuntural do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA.
2
Informação disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pela-primeira-vez-no-ano-projecaode-crescimento-em-2014-fica-abaixo-de-1,1531805. Acesso em: 21/07/2014.
Protagonismo Complacente: os paradoxos do intervencionismo econômico
425
intelectuais e profissionais,3 combatem com veemência o excesso de protagonismo do poder
público nas decisões econômicas e a conseqüente colocação dos agentes privados na condição
de meros reivindicadores de benefícios públicos e proteção jurídica, afastando-os de uma de
suas vocações precípuas: a busca por inovação e incremento de produtividade. Não negam
que este tipo de protagonismo é endêmico no Brasil, marcando a atuação de muitos que
ascendem ao poder (independentemente de filiação partidária ou ideológica), mas centram
suas críticas sobre a forma de atuação adotada pelo governo petista ao longo de seu ciclo de
quase doze anos no poder. Para os autores, o exacerbado protagonismo petista,
excessivamente associado a uma política de centralização do poder, acabou por subestimar –
ou ao menos deixar em segundo plano, em nome da busca por apoio político e da sacralização
da ideia do Estado intervencionista – importantes mudanças no cenário econômico, dando
gênese a uma “complacente” atuação na esfera econômica.
A ideia do Estado que tudo provê, engessando a busca por competitividade pelos
agentes privados é, na visão dos autores, o grande freio para o desenvolvimento do país, pois,
do ponto de vista empresarial, os ganhos com os esforços para intensificar a eficiência
produtiva acabam sendo menores do que os que podem ser obtidos com uma desoneração
tributária ou com uma medida protecionista, por exemplo. Além disso, o excesso de confiança
no poder do Estado de bem regular o crescimento econômico faria com que importantes
decisões no âmbito da educação, da infraestrutura e do estabelecimento de um ambiente de
segurança institucional, não fossem tomadas, mitigando muito as possibilidades de
incremento de produtividade e de investimentos.
Este cenário, apesar de contextualmente distinto, faz lembrar, em certa medida, o que
ocorria até a década de 90 do século XX: àquela época, em razão da inflação galopante, as
empresas não se dedicavam à contabilidade de custos e à busca por ganhos de produtividade
em suas linhas fabris, pelo simples fato de que a ciranda financeira gerava ganhos mais fáceis
e imediatos; ganhos de produtividade de 2 ou 3%, difíceis de se obter no plano da otimização
dos processos produtivos, eram facilmente suplantados pela mera ampliação dos preços dos
produtos por percentuais maiores, sob a desculpa genérica da inflação galopante (em outras
palavras, os aumentos tinham seus impactos obscurecidos por conta da espiral inflacionária).
Atualmente, as empresas continuam sem o foco no aumento de produtividade, mas agora por
3
Os dois autores, em seus escritos e atuações profissionais, reiteradamente adotam um tom crítico acerca da
política econômica conduzida pelos governos petistas. Na condição de articulista dos jornais Folha de São Paulo
e Valor Econômico, por exemplo, Alexandre Schwartsman traça críticas contundentes à condução da economia
pelos governos vinculados ao Partido dos Trabalhadores. Fábio Giambiaggi, dono de uma significativa produção
de livros sobre economia, igualmente centra suas discordâncias contra a gestão econômica petista.
Gilson Wessler Michels
426
razão distinta: não há incremento de eficiência produtiva, porque a proteção e os benefícios
públicos, corolários que são do intenso protagonismo estatal, tornam desestimulantes os
esforços para obtê-lo.
A obsessão dos autores é, portanto, a produtividade; e isso fica claro desde o início do
livro, quando traçam um diagnóstico da economia brasileira, com o fim de deixar evidenciado
que o marco teórico que sustenta o ideário do PT tornava previsível o cenário que hoje se tem,
depois de passado o período de contexto internacional favorável que marcou o período de
2002 a 2013. Os autores não negam que tenha havido conquistas ao longo deste tempo, mas
mostram, com os números que Giambiagi costuma ofertar em seus trabalhos, que não houve
uma mudança de comportamento na economia brasileira em 2003. O que houve foi a
continuidade de um processo que começou bem antes, ao final da década de 1980, e que se
intensificou com as reformas dos anos 1990. E, associado a isto, houve circunstâncias
internacionais extremamente favoráveis: primeiro, um incremento expressivo dos termos de
troca, resultante da elevação dos preços das commodities; e, segundo, uma redução
igualmente importante dos juros internacionais. Com a herança de um processo interno de
estabilização e reformas bem-sucedido (apesar de em curso) e com um ambiente externo
favorável, entendem os autores que o governo petista não precisou ficar refém de suas
próprias ideias, já que os efeitos típicos que delas se poderia esperar acabaram parcialmente
compensados pelo período de bonança. De qualquer modo, insistem os autores que há méritos
na administração petista: apesar de o Brasil ter hoje um dos menores índices de crescimento
da América do Sul, não foi levado a situações como as hoje enfrentadas por Argentina e
Venezuela, que gozaram das mesmas circunstâncias internacionais favoráveis no período, mas
optaram por políticas públicas desastrosas e isolacionistas.
Depois deste rápido diagnóstico inicial, o livro traz vários capítulos que tratam
daqueles que seriam os principais obstáculos para a retomada do crescimento: baixa
poupança, excesso de gasto público, problemas no balanço de pagamentos, baixa
produtividade, falta de infraestrutura e deficiências na educação. Apesar de sucessivos, os
capítulos se interpenetram em face das intensas relações entre seus temas; e tais temas, de
certo modo, são recorrentes na bibliografia econômica. O que muda de uma fonte para outra,
porém, é a composição da lista: alguns economistas a limitam, outros a ampliam e outros,
ainda, atribuem maior ou menor peso a cada um dos temas, disso resultando um sem-número
de variações metodológicas. De qualquer modo, a posição dos autores não é incompatível
com análises que levam em conta, por exemplo, um menor número de variáveis.
Protagonismo Complacente: os paradoxos do intervencionismo econômico
427
Numa abordagem mais sumarizada, pode-se, por exemplo, fazer a confrontação entre
poupança interna, gasto público e produtividade: se a opção é pela poupança baixa e por um
estado de bem-estar, é preciso alta produtividade; já no caso de uma opção aquiescente com a
baixa produtividade, a poupança interna passa a ter de ser alta e o estado de bem-estar social
se inviabiliza. O exemplo é singelo, mas evidencia de modo didático a ideia dos autores de
que o Brasil não pode querer manter um estado de bem-estar social esquecendo-se de que esta
opção tem um custo: afinal, se o que se quer é poupar pouco e ter um governo que gaste
muito, tudo indica que se quer, também, ser muito produtivo.
Mas aí é que estaria o
problema: o governo petista intentaria gerir um estado assistencialista, mostrando-se
aquiescente – ou melhor, complacente – com um ambiente que deixa em segundo plano
questões intrinsecamente relacionadas com o incremento de produtividade.
Não cabe, nos limites de uma resenha, o resumo de todas as questões abordadas nos
vários capítulos do livro, mas impõe-se a abordagem de algumas delas.
Há um capítulo, por exemplo, que desmistifica várias ideias associadas às
importações. Depois de demonstrarem, sempre com números, o fato pouco difundido de que o
Brasil é um dos países mais fechados do mundo em termos de trocas comerciais4, discorrem
os autores sobre a falaciosa noção - na visão deles - de que as importações furtam empregos
internos e inviabilizam a atividade produtiva. Afirmam que os efeitos mais contundentes da
restrição às importações são os da indução a níveis de produtividade e taxas de crescimento
mais baixas (não seria por outra razão que os países mais abertos ao comércio apresentam,
como característica típica, taxas de crescimento elevadas). Neste sentido, o Brasil não teria
incorporado aquela noção básica da teoria do comércio internacional, segundo a qual as
nações devem se engajar em trocas porque ganham ao se especializar naquilo que são, pelo
menos relativamente, mais produtivas.
Um outro capítulo trata de outra questão fundamental: a falta de estabilidade das
regras, assunto que está associado à questão mais ampla da falta de estabilidade das
instituições. Previsibilidade, segurança jurídica e estabilidade do ambiente de negócios são
fundamentais para o desenvolvimento, como reverbera reiteradamente a farta bibliografia
recente sobre “direito e desenvolvimento”. Por óbvio que a estabilidade das instituições
envolve o universo mais amplo da garantia da manutenção das regras que protegem a
4
Do ponto de vista do fechamento do país, a afirmativa dos autores é corroborada por um outro dado que não
está no livro, mas é bastante conhecido: no âmbito da Organização Mundial do Comércio, o Brasil, apesar de
participar de 10% dos litígios comerciais internacionais levados ao mecanismo de solução de controvérsias
daquela organização, tem participação de menos de 1% no comércio internacional. O país, assim, tornou-se
internacionalmente conhecido por sua combatividade e, ao mesmo tempo, por seu hermetismo em termos de
comércio internacional.
Gilson Wessler Michels
428
propriedade, os contratos e o ambiente institucional de um modo geral, mas no livro os
autores se atêm aos aspectos mais econômicos (apesar da dificuldade de separá-los). Neste
âmbito, concentram esforços no sentido de demonstrar que a visão liberal não exclui a
intervenção estatal, apenas exige que ela se dê por meio de regras relativamente estáveis. E
afirmam que não há regras estáveis no Brasil, justamente em face da desconfiança profunda
do governo no papel do mercado e na confiança exagerada na capacidade de intervenção do
Estado. Com isso, e com a tendência a combater problemas macroeconômicos com
instrumentos microeconômicos, a política econômica perderia seu sentido estratégico e tático,
passando a ser pautada pela lógica do ataque pontual a dificuldades não muito bem avaliadas
em conteúdo e extensão, bem como pela excessiva ênfase no retorno político das decisões
econômicas.
A política de desonerações tributárias é um exemplo citado pelos autores para ilustrar
o quão inócuo – ou inconveniente – é o excesso de intervencionismo estatal. As isenções e
reduções de tributos, de tão largo uso na gestão petista, não resolveriam os problemas que lhes
dão causa, apenas adiariam seus efeitos, como bem o ilustrariam as isenções concedidas por
largos prazos a determinados produtos: depois de algum tempo, o incentivo que traziam ao
consumo se reduz muito, mas o fraco desempenho industrial – que, em muitos casos, dá causa
ao benefício tributário – mantém-se incólume.
O problema maior dos ataques pontuais típicos dos regimes estatais intervencionistas
é, entretanto, justamente o do déficit de estabilidade que trazem para o ambiente de negócios,
em particular, e para o cenário econômico, de modo mais geral. Como as decisões não são
tomadas a partir da lógica de funcionamento do sistema econômico, os agentes privados
acabam atuando em constante ambiente de imprevisibilidade; e imprevisibilidade pode
representar aumento de incertezas em níveis insuportáveis até para quem exerce atividades
que, por sua própria natureza, envolve a assunção de riscos.
Em outro capítulo, os autores mencionam a “grande maldição” associada aos países
detentores de amplos recursos naturais, para fins de defender a ideia de que, no Brasil, o
problema assume proporções preocupantes. Um dos exemplos analisados é o da descoberta do
petróleo do pré-sal. Longe de qualquer preocupação com a exploração racional das eventuais
jazidas e da preservação de parte delas para as gerações futuras, a descoberta teria servido, na
gestão petista, para eliminar qualquer vestígio de senso de urgência em relação à necessidade
de reformas estruturais. A noção de que o petróleo garantiria nosso futuro, impregnada nos
pronunciamentos oficias a partir de 2007, teria dado o mote para a renovação da complacência
para com fatores amplamente corrosivos da competitividade nacional.
Protagonismo Complacente: os paradoxos do intervencionismo econômico
429
E a jornada segue com a abordagem de um tema cuja presença, em um livro de tom
tão crítico, era inevitável: o da previdência social. Em capítulo próprio, os autores ressaltam a
emergência de reformas no sistema previdenciário e destacam a falta de ênfase petista em
relação ao assunto. E associam esta falta de ênfase, primeiro, ao próprio ideário
intervencionista do PT; e, segundo, às condições extremamente favoráveis da década 20022012, que permitiram adiar o ataque à questão. Entretanto, as mudanças demográficas existem
(ampliação da expectativa de vida, por exemplo), a aritmética se complica a cada ano e a
tarefa de enfrentar o desafio, que caberia ao Poder Executivo capitanear, jamais foi
empreendida. Aqui, a complacência se mostraria na forma de aquiescência para com uma
ideia que de certo modo contraria o modus operandi governamental, mas que no contexto em
questão cai como uma luva para o governo: a de que, para reformar a previdência, seria
preciso uma agenda de consenso; mas, como afirmam os autores, “é preciso ter claro que não
sairá do Congresso nenhuma proposta para mudar o status quo e nem haverá passeatas
pedindo para as pessoas trabalharem por mais tempo”, o que faz com que se esteja diante de
um tema em relação ao qual o consenso não seja provável. Aqui, portanto, o protagonismo do
Poder Executivo, tão presente na afirmação de políticas intervencionistas, mostrar-se-ia
mitigado e amplamente complacente para com uma situação insustentável.
No último capítulo, os autores produzem um quadro geral reunindo todas as questões
abordadas nos capítulos precedentes, tudo com o fim de reafirmar a necessidade da busca
obsessiva por produtividade. Sob o título sugestivo de “O Fim da Vida Fácil”, o capítulo
repisa os desafios e a emergência de enfrentá-los a partir de uma lógica diferente daquela que,
apesar de até aqui seguida pela gestão petista, só teve sobrevida em face das circunstâncias
favoráveis da primeira década do ciclo de poder estabelecido. Passado o período de contexto
internacional favorável, a regressão atual dos índices de performance da economia sinaliza a
emergência de um novo rumo, destinado a reverter os prejuízos daquilo que os autores
poderiam chamar, se tivessem recorrido a Marco Antonio Villa, de a “década perdida”.5
Destacam os autores que a competição sempre se mostrou como o mecanismo mais
eficiente de promoção do progresso econômico, e que só a expectativa do lucro é que tem
produzido, historicamente, inovações hábeis à sustentação de incrementos de produtividade e,
5
Referência à expressão que dá título ao livro de Marco Antonio Villa. Esta obra se destina a desnudar padrões,
revelar modelos de comportamento, fixar estilos de conduta, enfim, dissecar o modus operandi do PT no poder.
O autor, historiador, outro crítico da política petista, faz, no âmbito das ciências humanas, crítica de teor
semelhante à produzida pelos autores na esfera econômica (VILLA, Marco Antonio. Década Perdida – Dez
Anos de PT no Poder. São Paulo: Record, 2013).
Gilson Wessler Michels
430
consequentemente, à criação de condições materiais para o crescimento. Esta é, segundo os
autores, mais uma das lições ainda não assimiladas pelo petismo.
Ao final da leitura do livro, não se pode dizer que reste amplamente facilitada a tarefa
do leitor de firmar posições em relação a quais sejam – ou deveriam ser – os objetivos e
prioridades nacionais e quais são os caminhos para viabilizá-los; estão em jogo posições
ideológicas e visões econômicas diferenciadas, que exigirão esforço complementar daquele
que, com este livro, obtém subsídios para a compreensão do tema e de sua extensão. Definir
qual o equilíbrio ideal entre competitividade e solidariedade ou entre o intervencionismo
estatal e a liberdade de mercado, por exemplo, é tarefa difícil porque cada país tem seu
contexto, o que impede a formulação de respostas que valham para todos. O que não se pode,
porém, é querer apenas o melhor de cada alternativa. Decisões difíceis são inevitáveis,
especialmente em matéria econômica; é preciso ter em conta que se está, aqui, nos domínios
da “ciência da escassez ou das escolhas”, no âmbito da qual o pressuposto é o de que os
recursos são limitados e as necessidades humanas ilimitadas.
Dentro deste contexto, o livro, que presumivelmente desagradará petistas e adeptos do
intervencionismo estatal, deve ser tomado como um meritório esforço de explicitação de
alguns dos grandes dilemas obscurecidos pela excessiva generalidade e superficialidade da
retórica político-econômica. Afora as questões ideológicas, obras como essa representam um
importante auxílio para o esforço descomunal de tentar fazer retornar para os domínios da
sociedade civil o poder de definir seus destinos. De que o Estado é necessário não parece
haver dúvidas, mas qual deve ser seu papel: o de gestor máximo ou o de regulador mínimo?
Ao final e ao cabo, o livro aqui resenhado reapresenta esta questão, já tão esquadrinhada em
tantas outras disciplinas. Em outras palavras, trata-se do velho dilema: que tipo de Estado se
quer e qual a extensão do mandato que se aceita conceder a quem o titulariza, mesmo que
transitoriamente.
Como dizem os autores ao final do livro, “o país tem a palavra”.
Download