saídas possíveis

Propaganda
AGRONEGÓCIO
C A P I TA L A B E R T O • A N O 1 2 • N Ú M E R O 1 3 3 • S E T E M B R O 2 0 1 4
OFERTAS DE CRA
EVOLUEM, MAS RATING
E GARANTIAS AINDA
SÃO ENTRAVES
SAÍDAS
POSSÍVEIS
ECONOMISTAS
E GESTORES DE
RECURSOS ANALISAM
OS EFEITOS DA POLÍTICA
ECONÔMICA SOBRE O
MERCADO DE CAPITAIS
E SUGEREM CAMINHOS
PARA A RETOMADA
ISENTOS DE CULPA
DECISÃO DO TCU SOBRE
PETROBRAS ENSEJA
DISCUSSÃO SOBRE
ATIVIDADE DO CONSELHO
Editorial
Outros
caminhos
ANO 12 - NÚMERO 133 - SETEMBRO 2014
A Capital Aberto é uma publicação
mensal da Editora Capital Aberto Ltda.
Endereço Rua Wisard, 305 – sala 54 – Vila
Madalena – São Paulo, SP – CEP 05434-080
Contatos: (11) 3775-1600 – fax (11) 3775-1604
[email protected]
No ano passado, Delfim Netto cravou 2014 como o ano da tempestade
perfeita para a economia brasileira. Os raios e trovoadas seriam desencadeados pela combinação das fragilidades já existentes com duas más notícias
previstas: o rebaixamento do rating do País (que aconteceu em março, pela
S&P) e a alta da taxa de juro americana, decorrente da desaceleração do
programa de estímulos monetários (esta, ainda bem, foi adiada). A catástrofe não aconteceu exatamente como imaginada, mas a economia vai mal
mesmo assim: o cenário de estagflação se instalou.
Se não é perfeita para colapsar toda a conjuntura, a tempestade que cai é
suficiente para, no mínimo, fazer murchar o mercado de capitais. Os ventos
fortes o atingem de várias maneiras. O descontrole dos gastos públicos gera
mais dependência do juro alto, que, por sua vez, ofusca os investimentos
de maior risco e desencoraja a diversificação. Do lado da oferta, o risco
do intervencionismo, o baixo crescimento e a falta de confiança minam o
apetite do empresário para levantar recursos.
Quais as perspectivas, então, para o mercado de capitais retomar seu
dinamismo? O incentivo fiscal para a listagem de pequenas e médias companhias em bolsa terá algum efeito prático? Como ativar uma agenda positiva,
em que empresas abram o capital e investidores busquem diversificar suas
aplicações de forma responsável?
Para refletir sobre essas e outras questões, convidamos seis economistas
e gestores de recursos a visualizar outros caminhos para o Brasil. As entrevistas adornam esta edição de aniversário com pensamentos interessantes
e deixam clara a angústia por mudança: se mantido o formato atual de
condução da atividade econômica, afirmam, são grandes as chances de uma
nuvem negra se instalar sobre o mercado de capitais.
Novo tempo — Neste setembro, ao completar seu 11o aniversário, a
capital aberto estreia duas novidades em sua produção editorial.
A primeira é a realização de reportagens com o apoio dos Grupos de Discussão (fóruns em que reuniremos agentes do mercado para debater assuntos
relevantes e apontar tendências). Além disso, faremos publicações diárias
de conteúdo em nosso site, antecipando os temas que serão abordados na
edição impressa. Confira!
Editora executiva
Simone Azevedo
[email protected]
Editora
Luciana Tanoue
[email protected]
Editor de texto e produção
Bruno Rodrigues
[email protected]
Repórteres
Bruna Maia Carrion
[email protected]
Yuki Yokoi
[email protected]
Colaboradores
João Carlos de Oliveira
Luciana Del Caro
Mariana Segala
Marianna Aragão
Colunistas
Alexandre Di Miceli da Silveira
Marta Barcellos
Ney Carvalho
Peter Jancso
Articulistas desta edição
Ana Paula Martinez
Olavo Chinaglia
Roberto Teixeira da Costa
Projeto e direção de arte
Beto Nejme e Marco Mancini
Grau 180
Diagramação
Grau 180
Rodrigo Auada
Ilustrações
Beto Nejme
Eric Peleias
Marco Mancini
Impressão
Duograf Gráfica e Editora
Circulação
DPA Consultores Editoriais Ltda.
[email protected]
Fone: (11) 3935-5524
Distribuição nacional
Fernando Chinaglia Comercial
e Distribuidora
Tiragem desta edição
5.000 exemplares
Data de fechamento
26/8/2014
Marketing e circulação
Roberta Palma
Publicidade
Débora Manzano (11) 3775-1619 Eliani Prado (11) 3775-1623
International sales
Sales Multimedia, Inc. (USA)
+1-407-903-5000 – [email protected]
Assinaturas
(11) 3775-1603
[email protected]
Simone Azevedo
Circulação
auditada:
04 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Sumário
Setembro 2014
16
Pisando em ovos
20
Eles acreditam demais
26
Quase lá
31
44
48
Episódio envolvendo Santander mostra
relutância dos bancos em desagradar governo
Decisão do TCU no caso de Pasadena levanta
reflexão sobre a atuação dos conselhos
Emissões de CRA aceleram, mas dificuldades ainda inibem ofertas
CAPA
Economistas analisam caminhos para o
mercado de capitais voltar a crescer
Círculo de Debates
Especialistas discutem como fomentar
ofertas de debêntures de infraestrutura
Encrenca das grandes
Os desafios de Zeinal Bava para entregar
a CorpCo que prometeu aos investidores
SEÇÕES
4
Editorial
6
Mural do Leitor
8
capital aberto n@ Web
9
+ n@ Web
10
Relevo
12
Seletas
52
Ricardo Florence
Alta&Baixa
Azul: Cetip
Vermelho: BR Brokers
54
Notas Internacionais
56
Antítese
58
Artigo
60
Governança
61
Histórias
62
Retrato
65
Prateleira
66
Cabe ao BC julgar fusões bancárias?
Os limites da CVM
“Outsider system” vs. “insider system”
Greve-relâmpago na Bovespa
Amélia Gonzaga Carvalho Silva
A saga do mercado de capitais no Brasil
Saideira
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 05
Mural do Leitor
B o l sa de va l o res
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
Bo l sa de va l ores
16 C APITAL A BERTO Julho 2014
26 C APITAL A BERTO Agosto 2014
Carlos Antonio Rocca, sócio da
consultoria CFO Consulting
ESTÍMULO PARA PMES
Estudo do Centro de Estudos do Ibmec
(Cemec) publicado em 2013 também
mostra que os efeitos da isenção fiscal ao
investidor em ações de PMEs são de médio e longo prazo, entre outras razões por
limitações de demanda no mercado doméstico (“Sem milagre”, ed. 132, agosto).
A análise do ciclo de IPOs de 2006-2007,
induzido por forte redução do custo de
capital próprio, mostra que mais de 70%
das ações foram ofertadas para investidores estrangeiros e embutiam custos de
distribuição elevados, somente justificáveis em grandes emissões. As empresas
que abriram seu capital naquele ciclo
eram ainda maiores que as companhias
abertas já existentes.
06 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Arthur Barrionuevo, professor da FGV-SP,
especialista em concorrência e regulação
DEPENDE DE OUTUBRO
Os investidores apostam nas eleições presidenciais como indicador das perspectivas da
Petrobras, pois o controle de preços destruiu
o valor da companhia, como mostra a matéria “À espera de outubro” (ed. 131, julho).
Valeria a pena prosseguir na análise, pois a
intervenção deste governo também protege
a empresa. Alguns tópicos que merecem
reflexão: nunca houve ataque a seu monopólio de fato nos mercados de derivados de
petróleo e gás; o controle de dutos e portos
impede a entrada de concorrentes; não há
exploração do gás de xisto.
Francisco Medeiros, via site da
capital aberto
BLOG DA REDAÇÃO
Sim, infelizmente boa parte dos brasileiros não conhece o “mercado” (“Em época
de eleição, relatórios de análise entram
na mira de partidos políticos”, 28 de julho). Invisto no mercado de ações desde o
início de 2010 e de lá para cá li relatórios
de várias casas de análise. Alguns deles,
muitos bons; outros, muitos fracos. Nesse
pouco tempo como investidor, posso dizer que sei do que trata um relatório de
análise. E a nota publicada pelo banco
espanhol está longe de ser um.
QUEM CONHECE,
CONHECE BDO
Uma das Big 5
Líder no middle market
20 escritórios no Brasil
Audit | Tax | Advisory
www.facebook.com/bdobrazil
www.twitter.com/bdobrazil
Visite nosso site
www.instagram.com/bdo_brazil
Aplicativo BDO BRAZIl
www
www.bdobrazil.com.br
CAPITAL ABERTO n@ Web
Por Yuki Yokoi
Blogs
Redação
http://bit.ly/1lk1gvZ
Vacas magras
A BHG, terceira maior rede hoteleira do País,
anunciou no mês passado que fechará seu
capital. A companhia se junta a Brookfield,
Autometal e Café Iguaçu, que tomaram a
mesma decisão. Além delas, Santander e
Cremer estão reduzindo de tal forma sua
liquidez que é como se também estivessem
de saída da bolsa. “O último apaga a luz?”, perguntou Luis
Rodolfo Creuz, pelo Facebook.
Eliseu Martins
http://bit.ly/1roNomF
Os Estados Unidos precisam se mexer
Em clima de eleições, o professor Eliseu Martins escreveu,
no mês passado, o post “Quem vai ganhar”. Mas, em vez
de tratar o pleito no Brasil, abordou as dificuldades da
convergência mundial a um único padrão contábil. Para
ele, a parcimônia americana, que restringe o uso dos IFRS
às empresas estrangeiras que apresentam balanços à SEC,
ajuda a frear o interesse de diversos países em adotar o
padrão. Diante disso, a saída poderia ser uma implantação
em etapas nos Estados Unidos; primeiro, de forma apenas
opcional. “Realmente é preciso muita determinação para
incorporar num país as regras internacionais”, observou
Luís Leonardo Cantidiano, em comentário.
Roberto Teixeira da Costa
http://bit.ly/1s6prw4
Frases para lembrar
A campanha eleitoral também inspirou Roberto Teixeira
da Costa. Logo após a morte de Eduardo Campos (PSB),
o clima de incerteza tomou conta do mercado. “Achei
oportuno lembrar algumas declarações ligadas à política. É uma mistura de boa fundamentação com algum
humor”, justificou. Do general francês Charles de Gaulle,
a citação foi: “Em política, se trai o país ou o eleitorado.
Prefiro trair o eleitorado!”. O jornalista e humorista Millôr
Fernandes foi lembrado com a frase: “É melhor ser pessimista do que otimista. O pessimista fica feliz quando
acerta e quando erra”.
08 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Artigos
http://bit.ly/1p93YPD
Etiqueta para o ativismo
Em artigo exclusivo para o site, Fabiane
Goldstein, sócia da MBS Value Partners e da
Ricca RI, comenta os “dez do’s e don’ts” sobre ativismo.
http://bit.ly/1vnFScv
Banalidade do bem
Responsável por comandar dezenas de
investigações de crimes no mercado
corporativo, Barry Wolfe explica, em
seu artigo, a diferença entre compliance e “compliance paranoide”, doença
psicocorporativa que estaria contaminado
com certa predileção multinacionais do exterior com
braços no Brasil.
http://bit.ly/1kYXwiR
Moribunda
O fim da Laep está cada vez mais próximo. Em agosto, a
CVM cancelou seu registro de companhia aberta porque
a inadimplência na entrega de informações periódicas
superou um ano. A negociação das ações já estava suspensa desde setembro. O assunto foi abordado no Blog
da Redação e despertou a atenção dos leitores. O post
tornou-se o mais popular nos perfis do Facebook e do
Linkedin da capital aberto, atraindo comentários de
investidores. “Foi o maior golpe aplicado na bolsa de
valores no Brasil!”, comentou Marcone Shion.
http://bit.ly/1mrrF5Y
Incentivo bem-vindo
A MP 651, que isenta de imposto de renda os lucros de
pessoas físicas com a venda de ações de empresas médias,
agradou os investidores. Na enquete de agosto, 71% dos
participantes se mostraram favoráveis à concessão do
benefício para estimular o mercado de capitais.
+ n@ Web
Por Bruna Maia Carrion
http://on.fb.me/1ARyAOh http://bzfd.it/1pZrlAn Rentável e produtiva?
Os melhores na queda
A Petrobras está se
esforçando para melhorar sua imagem no
Facebook. No dia 22
de agosto, publicou
uma foto da famigerada refinaria de Pasadena, nos Estados
Unidos, cuja compra acarretou um
prejuízo de US$ 792 milhões para a
empresa. “Tem capacidade de refino de
100 mil barris por dia e, no momento,
opera de forma rentável”, escreveu,
fazendo um link para um texto do blog
Fatos e Dados com a cronologia do empreendimento e a versão da companhia
sobre a polêmica. Quase 1.100 pessoas
curtiram a postagem, que gerou reações
diversas. Enquanto uns resguardavam a
petroleira, xingando os que reclamavam
da aquisição, outros a achincalhavam,
ofendendo seus defensores.
Desde que Bill Ackman começou a fazer campanha pública para derrubar as ações
da Herbalife, os chamados short-selling activists (algo como ativistas de posição
vendida) ganharam evidência nos Estados Unidos. O trabalho deles é investir
apostando na queda das ações, anunciar a posição e começar um movimento para
mostrar ao público que a empresa é um mau negócio. O popular site Buzzfeed
aproveitou a atenção que vem sendo dada a esses investidores para fazer uma lista
dos short-selling activists mais e menos bem-sucedidos. Apesar de os papéis da
Herbalife não terem cedido às pressões de Ackman, sua gestora Pershing Square
aparece no quinto lugar entre as melhores casas de investimento que adotam a
estratégia. No grupo das piores está a Greenlight Capital, de David Einhorn, famosa
por comprar títulos podres da Argentina.
http://bit.ly/1nvkmua
Olha quem está falando
O magnata australiano Rupert Murdoch, dono da Fox e de mais de cem
publicações impressas espalhadas pelo
mundo, entre elas o prestigiado Wall
Street Journal, resolveu usar a sua conta pessoal no Twitter para reclamar.
“A Amazon está brigando com os
editores de livros para ter margens
maiores. Isso pode até resultar em livros mais baratos, mas teremos o fim
de todas as outras livrarias. Monopólio
da Amazon”, escreveu ele. Ainda que
a sua empresa de mídia, a NewsCorp,
não domine o mercado, Murdoch é
visto como um monopolista, devido a
sua atitude expansionista. “Não é você
que está tentando uma fusão com a
TimeWarner?”, alfinetou um usuário.
Teve gente, entretanto, que cobrou do
empresário uma atitude generosa para
evitar o fim das livrarias, como comprar
uma concorrente. “Faça alguma coisa e
compre a Barnes&Noble.”
http://bit.ly/1t7y9hN
Ataque aos ativistas
O Dealbook, site do jornal New York Times, chamou os três investidores individuais que mais lançaram propostas em assembleias (leia mais na página 55)
de moscas varejeiras (“gadflies”). O apelido deve-se à insistência deles em fazer
propostas que, na visão do blog, acabam gerando discussões custosas para as
companhias. No Twitter, vários acadêmicos, investidores e profissionais que
discutem governança corporativa com a hashtag #corpgov se manifestaram
contra o texto. Nell Minow, da consultoria GMI Ratings, foi dura: “Trata-se de
uma vergonhosa distorção do papel das propostas de acionistas”, proclamou.
James McRitchie, um dos ativistas criticados, também se manifestou. “Os conselhos ganham simpatia; nós somos atacados”, escreveu.
http://on.fb.me/1onHb2w
Ampliando a discussão A Anbima usa sua página no Facebook para
divulgar projeções de índices de inflação,
eventos e cursos. Em agosto, porém, inaugurou uma fórmula diferente ao tentar engajar
os seguidores num assunto sério. A associação publicou na rede sua contribuição para a
audiência pública da Instrução 409 da CVM, que trata
da definição de investidor qualificado e de outros
temas. A postagem teve pouca repercussão — até o
fechamento desta edição, apenas dez pessoas haviam
curtido e não havia nenhum comentário. Porém, a
iniciativa é promissora como forma de atrair mais
opiniões para as audiências da CVM.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 09
Foto: divulgação
Relevo
Ricardo Florence
Mais previsibilidade
para o investidor
Há um ano e meio, a produtora de alimentos
Marfrig iniciou um processo de reestruturação
que agora começa a dar frutos. Ainda não dá
para dizer que a casa esteja totalmente em
ordem — a empresa registra prejuízo e suas
ações valem menos que no IPO —, mas muita
coisa melhorou. Tanto que, em 2014, até 21
de agosto, seu papel sinalizou o bom humor
dos investidores: subiu 64,75%. Foi a terceira
maior alta na bolsa entre as companhias com
volume médio diário de negociação acima
de R$ 1 milhão. Na entrevista a seguir, o CFO
da companhia, Ricardo Florence, fala sobre o
momento atual da Marfrig.
Endividamento
Por Luciana Tanoue
IPOs no exterior
Reestruturação
“Desde o início de 2013, a Marfrig vem
executando um plano de reestruturação,
com o objetivo de melhorar o balanço
e voltar a ter uma estrutura mais simples. Acima de tudo, pretendemos dar
previsibilidade ao investidor sobre o
que esperar da companhia. O mercado
gosta das empresas que praticam o seu
discurso. Por isso, no balanço de cada
trimestre passamos a incluir as seguintes
informações: o que a companhia disse
que faria, o que foi feito e o que entregou.
Também passamos a fazer projeções de
alguns indicadores financeiros. É um
risco que assumimos. Para engajar os
executivos a cumprir as metas, alinhamos a compensação variável deles com
o guidance.”
10 C APITAL A BERTO Setembro 2014
“A relação entre dívida líquida e Ebitda
da Marfrig é hoje de 3,7 vezes. Almejamos chegar a menos de 3. Porém, mais
importante do que esse indicador, é
quanto você paga de juros pela dívida.
Em outubro de 2013, nós emitimos
‘senior notes’ no exterior pagando juros
de 11,25% ao ano. Após isso, fizemos
uma sequência de emissões cada vez
mais baratas. Na de maio, captamos
£ 200 milhões com uma taxa de 6,25%.
Em oito meses, portanto, o custo da dívida diminuiu em 5 pontos percentuais
para ofertas com quase o mesmo prazo.”
“A queda drástica da taxa de juros nas
emissões de senior notes mostra a
confiança do investidor estrangeiro no
futuro da Marfrig. O mercado de dívida
internacional percebeu, inclusive antes
do de ações, a mudança no perfil da empresa. Dado o cenário internacional favorável, a Marfrig vem estudando abrir
o capital de suas subsidiárias no exterior
[Moy Park e Keystone]. Queremos ter a
opção de essas unidades receberem, em
algum momento, uma injeção de equity,
embora não precisem atualmente.”
Diferente da concorrência
“A Marfrig previu para este ano um
capex de R$ 600 milhões. O valor, obviamente, não contempla aquisições.
Uma lição que aprendemos é: para
ser saudável, uma empresa precisa ter
estrutura coesa, ordenada, e um fluxo
de caixa equilibrado. É nesse estágio
que estamos. A Marfrig tem um posicionamento global muito forte, e isso
continuará mesmo sem aquisições.”
Confiança no setor
“Em meio ao mau humor com o Brasil
e às incertezas eleitorais, atuamos num
setor cuja confiança não foi abalada.
O agronegócio é um dos principais pilares da balança comercial. O segmento
de proteína animal, por sua vez, é um
grande alavancador do PIB. Em 2013,
sua fatia na atividade econômica foi de
7,1%. E este ano não deve ser diferente,
apesar do crescimento projetado para o
País entre 0,6% e 0,8%. Nesse cenário, a
questão mais sensível talvez seja o câmbio. Uma desvalorização seria favorável
ao setor.”
Brasil é o mais difícil
“O mercado interno apresenta mais desafios para a companhia que o internacional [Estados Unidos, Europa e Ásia].
Na Europa, atuamos por meio da Moy
Park, com sede na Irlanda do Norte.
O frango é uma proteína básica [a Moy
Park é produtora de carne de aves], e na
Inglaterra detemos 27% desse mercado.
Vemos grandes chances de avançar
por lá nos segmentos de ‘food service’
[mercado de alimentação fora do lar]
e processados.”
A CAPITAL ABERTO completa 11 anos inaugurando uma nova forma de produzir
conteúdo jornalístico: os GRUPOS DE DISCUSSÃO (GDs)
Espaço de reflexão e debate, os GDs nascem com a proposta de confrontar perspectivas
sobre os mais importantes temas do mercado de capitais.
Discuta
Integre
Conecte-se
Estreia 24 de setembro de 2014 | Horário 8h30 às 11h00 | Local Octavio Café - Av. Brig. Faria Lima, 2996 - São Paulo
Grupo de Discussão M&A e private equity
Tema do encontro Missão delicada: o desafio de lidar com a informação privilegiada nas fusões e aquisições
Inscreva-se em www.capitalaberto.com.br/gd ou ligue para (11) 3775.1608/1600
Faça parte do melhor conteúdo do mercado de capitais.
Seletas
Por Yuki Yokoi
Novo título imobiliário será isento de imposto
Melhorias na
governança dos FIIs
O fundo de investimento
imobiliário (FII) está cada
vez mais parecido com uma
companhia aberta. Não apenas pelo porte dos negócios
que mantém em carteira, mas também pelo
número de investidores que atrai. Para aproximar as regras aplicáveis ao FII da realidade
do mercado, a CVM colocou em revisão a
Instrução 472. Na minuta, sugere aperfeiçoamentos na governança desses fundos.
Para aumentar o poder de fiscalização do
investidor, a CVM propõe que, nos fundos com
até cem cotistas, quem possuir 1% das cotas
tenha o direito de eleger um representante —
cargo que se assemelha ao de conselheiro fiscal
na empresa aberta. Nos FIIs com maior dispersão, a participação mínima exigida será de 5%.
A minuta também busca garantir o equilíbrio dos direitos patrimoniais e políticos do
investidor. Para isso, pretende vetar qualquer
dispositivo que limite o exercício do voto dos
cotistas. Sugere, ademais, a ampliação das normas sobre conflito de interesses. Hoje, apenas
operações entre o fundo e o administrador ou
empreendedor dependem de aval em assembleia. Com a mudança, entram no rol transações com o gestor ou com cotistas que conservem mais de 10% do patrimônio do fundo.
As assembleias dos FIIs também sofrerão
mudanças. Atualmente, matérias como a
alteração da política de investimentos estão
sujeitas à aprovação de quórum qualificado:
metade, no mínimo, das cotas emitidas. Para
evitar que a baixa participação em assembleias
impeça a tomada de decisões relevantes, a CVM
propõe a redução do quórum mínimo para 25%
das cotas nos fundos com até cem cotistas —
normalmente, essas carteiras são voltadas a
investidores qualificados.
O investidor também deve ficar mais bem
informado com as mudanças. A minuta prevê
aprimoramentos nos informes periódicos e no
regime de informações prestadas nas ofertas
públicas. Comentários sobre as novas regras
podem ser enviados até 3 de novembro.
12 C APITAL A BERTO Setembro 2014
No dia 20 de agosto, o ministro da Fazenda Guido Mantega anunciou
a criação da letra imobiliária garantida, título lastreado em financiamentos de imóveis. Para atrair o investidor, inclusive o estrangeiro,
o governo prometeu isenção do imposto de renda e dupla garantia: o
banco emissor dará cobertura ao papel e a carteira imobiliária que lhe
serve de lastro será separada dos demais ativos do banco, protegendo os
investidores em caso de liquidação da instituição financeira.
O anúncio foi feito em meio à divulgação de um pacote de medidas
de estímulo à concessão de crédito imobiliário e de melhorias do marco
regulatório do segmento. O novo título promete competir com a letra
de crédito imobiliário (LCI), que oferece isenção fiscal apenas para o
investidor pessoa física. A criação do produto ainda depende da publicação de uma medida provisória.
Crise argentina chega ao Postalis
O impasse da Argentina com os credores de sua dívida pública já afeta investidores brasileiros. No mês passado, o Brasil
Sovereign II, fundo que investe exclusivamente em títulos de
dívida externa e tem como cotista único o Postalis, informou, por meio
de fato relevante, a retração de seu patrimônio líquido (PL) em 51,48%.
Até o encerramento de julho, o PL do fundo era de R$ 383,4 milhões.
O impacto negativo resulta da suspensão do pagamento dos títulos da dívida externa argentina — parte do passivo está nas mãos de
fundos abutre (ou “vulture funds”), que não toparam as propostas de
renegociação. A compra dos papéis teria sido feita pela Atlântica, antiga
gestora do fundo, à revelia do Postalis. Para garantir sua indenização, o
fundo de pensão dos Correios conseguiu, na Justiça, bloquear os bens
do administrador do Brasil Sovereign II, o BNY Mellon DTVM. O banco,
por sua vez, conduz uma investigação interna para apurar a compra de
ativos superavaliados.
Mercado quer parâmetro menos elevado para qualificar investidor
Por mais de um ano, a CVM conversou com o mercado para
elaborar uma proposta de reforma do arcabouço regulatório
da indústria de fundos. O diálogo evidenciou a necessidade de
atualizar os parâmetros que definem a qualificação do investidor e, por consequência, limitar seu acesso a produtos inadequados. A sugestão apresentada pelo regulador na audiência pública da Instrução 539, no entanto, não agradou.
Na avaliação do mercado, a autarquia foi rígida demais.
Atualmente, recebe o carimbo de investidor qualificado
aquele que possui, ao menos, R$ 300 mil em aplicações financeiras. Pela sugestão da CVM, o valor subirá para R$ 1 milhão.
O posto de investidor profissional, uma novidade da regra,
será ainda mais restrito: caberá somente aos donos de mais
de R$ 20 milhões em investimentos no mercado financeiro.
Os participantes da consulta pública argumentam que o
sarrafo ficou tão alto que poucos aplicadores atenderão aos
novos critérios. Por isso, a reivindicação geral é que os valores
de corte sejam reduzidos. A Anbima propôs que o patamar
caia pela metade no caso dos investidores profissionais, para
R$ 10 milhões.
Segundo a associação, apenas 3.900 clientes de seus associados se encaixam no perfil de investidor profissional
sugerido pela CVM. O universo é significativamente menor
do que os 131 mil investidores atualmente classificados como
superqualificados (com mais de R$ 1 milhão investidos) — essa
designação será extinta após a reforma, mas atualmente é a
que mais se aproxima da nova categoria. Se o valor diminuir
para R$ 10 milhões, como sugere a entidade, o número de
profissionais aumentará para 9 mil.
Para a definição do investidor qualificado, a maior parte
das sugestões aponta para um corte em R$ 700 mil. Com
a régua nesse ponto, a
quantidade de aplicadores que integrarão a
categoria passaria dos
atuais 644 mil para 221
mil, conforme a Anbima.
A proposta traz ainda
restrições, como, por
exemplo, a aplicável aos
fundos exclusivos. Essas
carteiras passariam a ser
obtidas somente por investidores profissionais
— hoje, elas são acessíveis aos qualificados.
Na mesma direção segue
a limitação à compra de
valores mobiliários ofertados pela Instrução 476:
a CVM sugere que apenas investidores profissionais possam
fazer operações do gênero.
Na visão da Associação Brasileira de Bancos de Investimentos (ABBI), esse será um retrocesso por “excluir da modalidade parcela significativa de investidores já familiarizados
com o mecanismo e com os riscos inerentes”. A reivindicação
tem um pano de fundo importante. A Instrução 476 está
sendo reformada e, em breve, regulará, além das emissões
de títulos de dívida, as ofertas de ações. Quanto maior o
público, argumentam, mais chances de sucesso terão essas
operações. A previsão é de que a nova regra seja promulgada
ainda este ano.
Orientações para notas mais explicativas
Em agosto, a CVM e o Comitê de
Pronunciamentos Contábeis (CPC) lançaram atualizações das normas brasileiras que seguem o padrão internacional,
estabelecido pelos IFRS. No pacote, foi
emitido o OCPC 7,
sobre a elaboração
de notas explicativas.
O documento
agrega todas as regras
que já tratam do tema
e traz orientações a
respeito. Com isso,
pretende ajudar a re-
solver um problema antigo, que veio a
se acentuar após a adoção das normas
contábeis internacionais: as notas são
compridas demais e não focam nos
dados realmente interessantes ao leitor.
O CPC recomenda que as
notas explicativas comecem
pelos itens relativos ao contexto operacional
e à declaração
de conformi-
dade e, em seguida, tratem os assuntos
de acordo com a relevância. Dados
que influenciam a tomada de decisão
de investidores e credores devem ser
evidenciados. O uso de linguagem
simples e sem terminologias técnicas é
recomendado.
Além disso, a orientação é retirar do
documento informações com potencial de desviar a atenção do usuário,
como a reprodução de textos de atos
normativos. Comentários e sugestões
sobre o OCPC 7 podem ser enviados até
15 de setembro.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 13
Seletas
Transparência do rebate divide opiniões
A CVM publicou, no mês passado,
os comentários recebidos durante a
audiência pública que reformará a
Instrução 409, sobre fundos de investimentos. Apesar dos elogios à iniciativa,
a regulação do rebate — apelido dado
à remuneração que gestores pagam a
quem distribui seus fundos — é polêmica. A recompensa ajuda na disseminação dos produtos, mas pode gerar
conflitos de interesse.
Como esta é a primeira vez que a autarquia regula o tema, a ideia é começar
por uma orientação geral. A minuta da
nova regra propõe que gestores e administradores de fundos de investimento
em cotas não recebam qualquer tipo
de remuneração que possa prejudicar
sua independência. Na prática, isso
impede que o gestor compre cotas de
outro fundo e se aproprie do rebate.
A taxa, segundo a autarquia, deverá ser
revertida para o cliente final.
Gestoras como a carioca Órama
tendem a ser as mais afetadas. Sua especialidade é montar fundos que compram cotas de outros fundos, todos de
gestores renomados, como o Credit
Suisse e a Gávea Investimentos. Para
fazer esse trabalho de seleção, a Órama
cobra a taxa de administração do fundo
alvo acrescida de 0,6% ao ano. Sandra
Blanco, consultora de investimentos
da casa, reconhece que a maioria das
gestoras lhe paga rebate. “Varia entre
20% e 40% da taxa de administração,
conforme o montante investido. Há casos em que os mesmos percentuais são
aplicados à taxa de performance”, diz.
Hoje, a Órama fica com a recompensa.
Se vingar a proposta da CVM, terá que
abrir mão da remuneração.
Quem também não gostou da novidade foi a XP Investimentos. Para
Tatiana Yano, responsável pela área
jurídica da XP Gestão, o ideal seria dar
transparência à eventual existência do
rebate no momento da assinatura do
termo de adesão. Além disso, deixar a
decisão final nas mãos do cliente.
Numa proposta intermediária, a
Anbima sugere que seja mantida a ideia
da CVM para os distribuidores e para
os fundos de fundos, porém com mais
liberdade para os fundos exclusivos.
De acordo com Carlos Takahashi, vice-presidente da associação, nesse nicho
a sofisticação do cliente permitiria ao
regulador abrir as portas para o livre
estabelecimento das relações comerciais. A nova versão da Instrução 409
deve ficar pronta ainda este ano.
Companhias e empresários fortalecem o caixa de partidos políticos
A processadora de carnes JBS, dona
da marca Friboi, é a maior doadora da
campanha presidencial entre as companhias abertas. De acordo com a primeira prestação de contas do Tribunal
Superior Eleitoral, até o fim de julho
a empresa colocou R$ 5 milhões na campanha de Dilma
Rousseff (PT), o mesmo valor
na de Aécio Neves (PSDB) e
mais R$ 1 milhão na do então
candidato Eduardo Campos
(PSB). No segundo trimestre,
a JBS lucrou R$ 254 milhões.
O caixa da presidente Dilma foi reforçado ainda com
14 C APITAL A BERTO Setembro 2014
R$ 4 milhões provenientes da CRBS,
empresa do grupo Ambev.
Como nos anos anteriores, as construtoras figuram entre as principais
financiadoras. A OAS deu R$ 3 milhões
para a campanha de Aécio e outros
R$ 600 mil para Campos. O candidato
do PSB, cuja morte no mês passado
deixou Marina Silva à frente da chapa,
recebeu também dinheiro de nomes
conhecidos do mercado.
Guilherme Leal, sócio e fundador
da Natura, contribuiu com R$ 400 mil.
O valor está longe dos R$ 11,8 milhões
doados em 2010, quando disputou a
eleição como vice de Marina. Também
fizeram transferências ao PSB José
Olympio Pereira, presidente do Credit
Suisse no Brasil (R$ 30 mil), e Luis Terepins, diretor-presidente e presidente
do conselho de administração da construtora Even (R$ 5 mil).
CAPTAÇÕES
Portas abertas para o mercado de acesso
Carla Vilmar da Motta Veiga e Frederico Antonio Rocha
O
Bovespa Mais, segmento de acesso ao mercado de
ações da BM&FBovespa, foi criado em 2005 com o
intuito de estimular o crescimento de companhias
de pequeno e médio porte, pelo acesso gradativo ao mercado de capitais brasileiro. Esse segmento de listagem, contudo, não prosperou da forma imaginada.
Diante desse quadro, a Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) editou no último dia 24 de junho a Instrução 549,
para incluir o fundo de investimento em ações — mercado
de acesso (FMA) no rol dos fundos regulados pela Instrução
409. O FMA deve investir pelo menos dois terços de seu patrimônio líquido em ações de companhias de pequeno e médio
porte listadas em segmento voltado ao mercado de acesso.
E, quando estruturado como condomínio fechado, ele pode
destinar até um terço de seu patrimônio líquido ao investimento em companhias fechadas, desde que participe do
processo decisório da empresa investida e adote certas práticas de governança corporativa, com efetiva influência na
definição de sua política estratégica e na sua gestão. A CVM
criou, assim, um fundo de ações que pode investir em companhias fechadas e abertas.
Considerando a possibilidade de investimento em empresas com ativos de baixa liquidez, a regra viabiliza a alternativa de o FMA que for constituído como condomínio
fechado (observados os demais critérios presentes na Instrução 549): 1. recomprar suas próprias cotas, casos elas
estejam sendo negociadas no mercado por valor abaixo do
seu valor patrimonial; 2. usar índices atrelados a juros ou
à inflação como parâmetro de referência para o cálculo da
taxa de performance; e 3. empregar o mecanismo de chamada de capital quando for destinado a investidores qualificados. Além disso, a instrução estabelece a possibilidade
de os fundos de investimento em cotas (FICs) de fundos de
investimento em participações (FIPs) aplicarem em FMAs.
Na mesma linha de estimular o mercado de capitais no
País, o governo federal sancionou recentemente a Medida
Provisória 651, de 10 de julho. Entre as diversas alterações
propostas, destaca-se a isenção de imposto de renda sobre
os rendimentos auferidos por pessoa física no resgate de
cotas de FMA — constituído sob a forma de condomínio
aberto e com prazo mínimo de resgate de 180 dias — que
invista, pelo menos, 67% do seu patrimônio em ações de
companhias:
1. listadas em segmento especial da bolsa de valores com
regras diferenciadas de governança corporativa (hoje, so-
Espera-se que a Instrução 549 da CVM e a MP 651
ajudem o mercado de acesso brasileiro a decolar e
se tornar uma opção de investimento atrativa
mente o Novo Mercado e o Bovespa Mais da BM&FBovespa
atendem a essas regras);
2. com valor de mercado inferior a R$ 700 milhões;
3. donas de receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões;
4. com distribuição primária equivalente a, pelo menos,
67% do total de ações emitidas pela companhia.
O benefício tributário também vale para o ganho de capital obtido por pessoa física, até 31 de dezembro de 2023,
em certas alienações de ações que tenham sido emitidas
por tais companhias, realizadas no mercado à vista de bolsas de valores.
Com essas medidas de estímulo, espera-se que o mercado de acesso brasileiro venha a, de fato, decolar e se torne
uma opção de investimento cada vez mais atrativa para os
investidores.
O boletim captações é um informativo bimestral produzido por BM&A (www.bmalaw.com.br) e veiculado com exclusividade pela capital aberto. As opiniões aqui expressas são as do escritório
e não, necessariamente, as da revista.
Relatório de análise
Autocensura
Ilustração: Beto Nejme / Grau180
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
16 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Entre o
autoritarismo
de uns e a
incompetência
de outros,
episódio
envolvendo
extrato do
Santander
expõe a
relutância
dos bancos
em desagradar
o governo
Por Bruna Maia Carrion
P
eríodos eleitorais são feitos de
exageros. Coisas que passariam despercebidas ganham,
subitamente, dimensão próxima do incontrolável. Foi o
que aconteceu com uma nota
enviada pelo Santander a
clientes do segmento Select,
voltado para alta renda. Em duas frases, o texto dizia que, se a presidente
candidata à reeleição Dilma Rousseff
voltasse a subir nas pesquisas, a bolsa
poderia cair. Graças a uma postagem
de 25 de julho do blogueiro Fernando
Rodrigues, do portal de notícias UOL, o
banco foi exposto a um típico escândalo de rede social. O texto de Rodrigues
foi compartilhado mais de 20 mil vezes
em menos de 12 horas no Facebook e
reproduzido em muitos outros blogs.
“Terrorismo eleitoral”, bradavam alguns. “Propaganda disfarçada”, revoltavam-se outros. A própria presidente
Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula
reclamaram publicamente — ele defendeu que o funcionário responsável
pelo material deveria ser demitido pelo
Santander. Dilma afirmou que “tomaria
atitudes” com relação ao banco. “Censura!”, reclamavam, na web, outros tantos
blogueiros e comentaristas de redes
sociais. Os analistas de investimentos,
por sua vez, ergueram-se para zelar por
sua independência. Semanas depois, entretanto, uma leitura menos acalorada
dos fatos permite enxergar equívocos
em ambos os lados.
A nota divulgada pela instituição financeira não era um relatório de análise
de investimento, documento veiculado
por casas especializadas, bancos, corretoras, consultorias e gestoras. Tratava-se de uma seção do extrato bancário
mensal enviado a clientes, chamada
“Você e seu dinheiro”. Em um parágrafo,
de forma sucinta, o texto comentava a
recente alta do Ibovespa (em março, o
índice chegou a valer pouco menos de
45 mil pontos; em 10 de agosto, superava os 56 mil pontos), atribuindo-a à
queda de Dilma Rousseff nas pesquisas
eleitorais. “Se a presidente se estabilizar
ou voltar a subir nas pesquisas, um ce-
nário de reversão pode surgir. O câmbio
voltaria a se desvalorizar, juros longos
retomariam alta e o índice da Bovespa
cairia, revertendo parte das altas recentes”, concluía.
Depois de a nota ganhar a internet
com a postagem de Rodrigues, o site
Muda Mais, ligado à campanha de
Dilma, acusou o Santander de fazer
terrorismo econômico por ter enviado
o material aos clientes. Diante de tanto
bafafá, o Santander publicou em seu
site uma nota de esclarecimento, pedindo desculpas pelo texto. Declarava
que a redação feria a política interna da
instituição, segundo a qual as análises
econômicas devem ficar “restritas a variáveis que possam afetar o patrimônio
de correntistas, sem viés político ou partidário”. Embora o banco não confirme,
diversos veículos de imprensa noticiaram que quatro pessoas foram demitidas do departamento responsável, entre
elas a superintendente de investimentos
Sinara Polycarpo Figueiredo e a analista
que escreveu o texto.
O Santander colocou panos quentes
na situação. Mas, em termos legais, não
fez nada de errado. Tanto que a coligação Com a Força do Povo (formada por
PT, PMDB, PSD, PP, PR, PDT, PROS, PC
do B e PRB) sequer entrou com representação no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) — diferentemente do que fez
contra a casa de análises Empiricus (leia
quadro na página 19).
As Leis 9.504 e 12.891, que versam
sobre o tema, não fazem previsão específica para casos como esse. O que
poderia ser usado contra o Santander é o artigo 26 da 9.504, segundo o
qual confeccionar peça impressa de
qualquer natureza e tamanho e “fazer
propaganda e publicidade direta e indireta, por qualquer meio de divulgação,
destinada a conquistar votos”, podem
ser considerados gastos eleitorais.
Para acusar o banco, entretanto, seria
necessário provar que o texto tinha o
objetivo de conquistar votos para um
ou outro candidato, o que demandaria certo esforço retórico. O relatório afirmava apenas que o Ibovespa
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 17
Rel ató ri o d e análise
poderia cair caso Dilma subisse nas pesquisas, como de fato vinha acontecendo. O banco, afinal, apenas informava os
correntistas sobre fatores que pudessem
influenciar seu patrimônio.
Apesar de não ter originado consequências legais para o Santander, o
escândalo teve efeitos práticos. Dilma
Rousseff manifestou, em sabatina
realizada por Folha de S. Paulo, UOL,
SBT e Jovem Pan, em 28 de julho, que
era inadmissível qualquer integrante
do sistema financeiro interferir na
atividade eleitoral e política. Indicou,
ainda, que tomaria “uma atitude bastante clara em relação ao banco”. Não
revelou, no entanto, que atitude seria
essa. Tampouco explicou se, quando
ameaçou tomar providências, falava
com o chapéu de presidente ou o de
aspirante à reeleição. Como candidata, Dilma teria o direito de entrar com
uma reclamação contra o banco no
TSE, o que não fez. Como presidente,
qualquer procedimento contra o banco ou o setor bancário seria uma clara
retaliação.
De acordo com relatos de pessoas
ligadas ao setor, as pauladas que o Santander levou dos usuários da internet
e as manifestações de Dilma geraram
temor. “Muitos profissionais de bancos
revisaram textos já escritos e enviados
para ver se não havia nada que pudesse
gerar esse tipo de reação negativa do
governo”, descreveu uma fonte ligada
a um banco internacional que preferiu
não se identificar.
A reação das instituições financeiras
tem uma explicação. Por se tratar de
setor muito regulado, arrumar briga
com quem cria as regras é garantia de
problemas. “É sempre bom lembrar da
máxima: ‘Aos amigos tudo, aos inimigos
a lei’”, comenta o economista Roberto
Troster, que foi economista-chefe da
Federação Brasileira de Bancos (Febraban) entre 2001 e 2006. Além de temerem mudanças de regras, as empresas
bancárias mantêm contratos de prestação de serviços com a União e com
governos estaduais e municipais. Não
está em suas pretensões perder essa
18 C APITAL A BERTO Setembro 2014
O desejo dos bancos
de manter relações
suaves com o poder
público fica claro nas
cifras das doações
eleitorais. Em 2010,
o Santander doou
cerca de R$ 1 milhão
ao comitê financeiro
nacional do PT
fonte de renda devido a uma indisposição partidária.
O desejo dos bancos de manter relações suaves com o poder público fica
claro nas cifras das doações eleitorais.
Em 2010, o Banco Santander doou
cerca de R$ 1 milhão ao comitê financeiro nacional do PT para presidente
da República, cuja candidata era Dilma
Rousseff, e R$ 800 mil para a direção
nacional do PMDB, do candidato à
vice-presidência, Michel Temer, segundo dados do TSE. O PSDB, que tinha
em José Serra o principal oponente de
Dilma, recebeu R$ 1 milhão. Outras
instituições financeiras, como Itaú
Unibanco e Bradesco, também distribuíram recursos entre os postulantes e
partidos com maior chance de vitória (os
dados completos das doações de 2014 não
tinham sido anunciados até o fechamento
da edição). A razão para a generosidade
é evidente: ao destinar recursos a vários
presidenciáveis, busca-se ter portas
abertas na gestão do futuro governante.
Berlinda seletiva
Se os setores responsáveis pela comunicação com correntistas ficaram tão
abalados, o que dizer dos analistas de investimentos? Apesar de não se tratar de
um material que deveria ser fiscalizado
pela Associação dos Analistas e dos Profissionais de Investimentos do Mercado
de Capitais (Apimec), a entidade optou
por soltar uma nota oficial. Observou,
na ocasião, que “é apartidária e defende a liberdade dos analistas de valores
mobiliários em emitir parecer de forma
fundamentada e com independência”.
Reginaldo Alexandre, presidente nacional da instituição, complementa:
“No trabalho técnico de análise, não
podemos fugir da abordagem de questões políticas, porque elas influenciam
o valor dos ativos”.
A CFA Society Brasil, braço brasileiro
da associação internacional de analistas
de investimentos, se manifestou quase
um mês depois, em 20 de agosto. Em
carta oficial, reiterou o princípio de
liberdade. “Analistas devem ser livres
para desenvolver e publicar seus rela-
tórios baseados em dados e fatos, fazer
análises competentes e divulgar suas
conclusões e recomendações mesmo
que elas sejam desfavoráveis ou diferentes das opiniões consensuais”, dizia
o comunicado.
Desse ponto de vista, as premissas
de boas práticas foram desrespeitadas
dos dois lados: se a presidente reprimiu
a liberdade do banco, o Santander não
entregou a competência da análise.
O texto do extrato traçava as hipóteses
de forma rasa e não usava dados para
fundamentá-las. Pior ainda: em vez de
ser escrito pela instituição, constituía-se em material difundido no dia 3 de
junho pelo Banco Fator — este sim, um
relatório de análise, com a assinatura de
Paulo Gala.
A nota enviada pelo Santander aos
clientes, portanto, não era um relatório, mas tinha os elementos de um:
trazia previsão a respeito do destino
do mercado de ações e opinava sobre
o impacto do resultado eleitoral. A etiqueta, no caso, pediria que, além de ter
a fonte original citada — o Fator —, o
texto fosse assinado, deixando claro que
provinha de um analista independente
e não do Santander.
Depois do imbróglio, as instituições
financeiras trataram de tomar cuidado
com o material enviado a clientes do
varejo. Os analistas, entretanto, não
recuaram. “Permanecemos céticos em
relação aos fundamentos econômicos
e ao mercado brasileiro. As pesquisas
de intenção de voto e a campanha
presidencial ainda deverão trazer volatilidade ao Ibovespa, mas vale destacar
que o rali recente não foi pautado em
melhoria dos fundamentos econômicos, o que traz riscos de severos ajustes
pós-eleições, em caso de um resultado
desfavorável, na nossa opinião [a reeleição de Dilma]”, comentou a corretora
Ativa, em relatório de 1o de agosto. Ninguém reclamou do conteúdo propagado, que se restringiu aos investidores
da corretora. Talvez tenha faltado um
blogueiro a postar o conteúdo na rede,
em tom de indignação, para disparar
um novo viral.
Propaganda de quem?
Enquanto o extrato do Santander gerou muito barulho e nenhum processo
legal, textos da casa de análise Empiricus chegaram ao Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). A Empiricus, o Google, o candidato Aécio Neves e a sua
coligação partidária foram alvo de uma representação ajuizada por Dilma
Rousseff e a coligação Com a Força do Povo. Os motivos: veiculação de
propaganda eleitoral antecipada e desrespeito ao artigo 57C da lei eleitoral,
que proíbe anúncios em sites de pessoas jurídicas.
Em 27 de julho, Admar Gonzaga, nomeado ministro do TSE pela presidente
em junho de 2013, concedeu liminar determinando que a Empiricus retirasse
do ar dois textos, com os seguintes títulos: “Como se proteger da Dilma:
saiba como proteger o seu patrimônio em caso de reeleição da Dilma, já”
e “E se o Aécio Neves ganhar? Que ações devem subir se o Aécio ganhar a
eleição? Descubra aqui, já”.
De acordo com Felipe Miranda, analista da Empiricus, os dois textos eram
teasers — recurso de marketing concebido para atrair potenciais clientes com
uma rápida demonstração do trabalho da empresa. Para divulgar os textos, a
casa de análise usou o sistema de anúncio do Google, que depois recebeu a
ordem de retirar os links. Segundo Gonzaga, as peças “se classificavam como
propaganda eleitoral por mencionarem, por meio de anúncios pagos, a eleição
vindoura e por fazerem juízos positivos e negativos sobre os candidatos”.
No dia 2 de agosto, um parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE)
reverteu a decisão do TSE, concluindo que os anúncios não tinham intuito
eleitoral. Seu objetivo seria fisgar potenciais consumidores para a compra de
relatórios da Empiricus, e não convencê-los a votar em um ou outro candidato.
O MPE ponderou ainda que a casa também propagandeava materiais do tipo
com referências a outros políticos. Os textos sobre Dilma e Aécio, no entanto,
ganharam relevância na rede devido a algoritmos do Google que aumentam a
veiculação das propagandas mais clicadas. Diante disso, o MPE determinou
que a Empiricus poderia voltar a publicar os anúncios, desde que o mecanismo
de busca não adotasse para eles a fórmula que premia os mais lidos, de modo
a preservar a igualdade entre os candidatos. (B.M.C.)
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 19
Governança
Decisão do TCU sobre Petrobras incita reflexão sobre
a atuação dos boards. Conselheiros sobrecarregados
e pouco focados tendem a negligenciar atribuições
básicas — como duvidar sistematicamente do que
ouvem e fazer as perguntas certas
Conselhos
que acreditam
demais
Por Bruna Maia Carrion e Yuki Yokoi
20 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Em 23 de julho, o Tribunal de Contas da União (TCU)
aprovou o relatório do ministro José Jorge sobre a refinaria
de Pasadena. O documento apurava o prejuízo da Petrobras
com a compra da usina, nos Estados Unidos, em 2006 — um
total de US$ 792 milhões. O órgão determinou o bloqueio
de bens de três diretores da companhia e isentou de culpa
o conselho de administração em atividade naquela época.
A alegação: os conselheiros receberam da diretoria uma
documentação bastante distinta da que embasava o negócio,
sem detalhamento sobre cláusulas potencialmente prejudiciais. O TCU declarou ainda que, caso fossem comprovadas
irregularidades na conduta dos conselheiros, eles poderiam
ser incluídos na lista de responsáveis mais tarde. A decisão
incomodou a muitos, foi compreendida por outros, mas de
modo geral deixou no ar uma interrogação. Como definir
a fronteira que divide a negligência do conselheiro de sua
real inocência?
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
Não é público o conteúdo da ata de 3 de fevereiro de 2006,
em que o conselho autorizou, entre outras coisas, a compra
de 50% dos bens e direitos da refinaria de Pasadena, por
US$ 360 milhões. Até então, a unidade pertencia apenas à
belga Astra Oil, que a havia adquirido em janeiro de 2005 por
US$ 42,5 milhões. A primeira oferta da refinaria à Petrobras
ocorreu em fevereiro de 2005. Em abril, as duas empresas assinaram um acordo de confidencialidade sobre a possível compra.
Até que a operação fosse aprovada, dez meses depois, Petrobras
e Astra Oil negociaram preços e termos do contrato. Entre
eles estava a polêmica cláusula marlim, que garantia à belga
um lucro de 6,9% ao ano e obrigava a Petrobras a comprar
sua metade em caso de desentendimento — o que veio a
ocorrer em 2008. Quatro anos e uma batalha judicial depois,
a Petrobras teve que pagar US$ 820,5 milhões à Astra Oil.
Os US$ 360 milhões gastos inicialmente viraram nada menos
que US$ 1,18 bilhão.
Apesar da confidencialidade da ata, sabe-se, por meio do
processo público do TCU, que o conselho recebeu apenas um
resumo elaborado pela diretoria, segundo o qual o negócio
havia sido avaliado e considerado justo pelo Citigroup. Sabe-se também que o órgão colegiado não recebeu informações
sobre um parecer da consultoria Muse & Stencil, especializada
em condições de refino, dizendo que a refinaria valia apenas
US$ 126 milhões, e não os US$ 360 milhões que a Petrobras
pretendia pagar. Portanto, foi a partir desse resumo capenga,
sem laudos anexados, que o conselho aprovou a aquisição.
E sua defesa é exatamente essa.
Entretanto, o documento em que o ministro Jorge — indicado ao TCU em 2008 por seu partido, o DEM — se baseou para
chegar à conclusão de que havia insuficiência de informação
seguia o caminho oposto. Assinado pelo procurador do Ministério Público no TCU Marinus de Vries Marsico, ele sugeria
que Dilma Rousseff, Antônio Palocci, Cláudio Haddad, Fabio
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 21
Govern a n ç a
Colletti Barbosa e Gleuber Vieira, integrantes do conselho à
época, fossem responsabilizados pelo prejuízo de Pasadena.
A razão: falta de diligência, por terem aprovado uma compra
sem os riscos estarem expostos e sem avaliar os possíveis
desdobramentos da parceria. Assim, vê-se que nem mesmo
dentro do tribunal de contas o assunto é consensual.
Numa companhia aberta, é a seção 4 da Lei das S.As. que
relata, de forma bastante genérica, as responsabilidades do
conselho. Segundo o artigo 153, o administrador deve ter com
a companhia o mesmo cuidado e diligência que um homem
ativo e probo teria ao administrar o seu próprio negócio. Já o
Código das Melhores Práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) incumbe ao conselho o dever de
assegurar que a diretoria identifica e lista os principais riscos
a que a organização está exposta. Em seu estatuto social, a
Petrobras atribui ao conselheiro a tarefa de fiscalizar a atuação
dos diretores e examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis
da companhia.
Em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) sobre o caso, em 20 de maio, José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras na época da compra, afirmou que desde
a década de 1990 o conselho tomava suas decisões baseado
apenas em sumários elaborados pela diretoria executiva.
Isso porque, segundo ele, os processos eram muito grandes
e continham questões operacionais que não interessavam ao
órgão. Gabrielli também destacou o grande número de decisões
tomadas pela petroleira e o alto valor dos investimentos da
companhia. Em 2006, por exemplo, o investimento em bens
de capital (capex) foi de R$ 33,1 bilhões.
Diante desse valor, de fato, Pasadena não parece muito.
Entretanto, uma análise dos comunicados ao mercado da
Petrobras entre 2005 e 2006 mostra que a compra da refinaria americana não representava um negócio pequeno.
A termelétrica de Macaé, cuja aquisição foi concluída em maio
de 2006, custou US$ 358 milhões à empresa — é a que mais
se aproxima, em preço, de Pasadena. As demais operações do
tipo no período apresentam valores menores, como a compra
de ativos da Shell na Colômbia, no Paraguai e no Uruguai, por
US$ 140 milhões.
Na visão de conselheiros ouvidos pela reportagem, não é
papel do conselho enxergar todos os detalhes. No entanto, é
sua função fazer as perguntas certas. “Os conselheiros devem
se preocupar em conhecer as consequências da decisão a ser
tomada”, diz Rodrigo Leite, sócio da consultoria empresarial
Advisia. “Existe algo que influenciaria a decisão e não está
exposto aqui?” — é uma pergunta básica e obrigatória. Outra
indagação possível no caso da Petrobras: “Há no contrato de
compra alguma cláusula que pode gerar contingências significativas?”. A partir dos documentos públicos disponíveis,
não é possível afirmar que essas questões não foram feitas.
No processo do TCU, porém, não há menção a questionamentos realizados pelo conselho.
22 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Agenda cheia
Membros do board da Petrobras em 2006 exerciam uma série
de outras atividades profissionais
Dilma Vana Rousseff
Ministra-chefe da Casa Civil
e conselheira da
BR Distribuidora
Antonio Palocci
Ministro da Fazenda
e conselheiro da
BR Distribuidora
Gleuber Vieira
Conselheiro da BR
Distribuidora
José Sérgio Gabrielli
Presidente da Petrobras,
conselheiro da Petrobras
Energia e da Petrobras Energía
Participaciones
Jaques Wagner
Ministro das Relações
Institucionais
Fabio Colletti Barbosa
Diretor-presidente do Banco ABN-Amro Real
(hoje incorporado ao Santander), conselheiro
da BR Distribuidora, conselheiro da Febraban
e membro do Conselho de Desenvolvimento
Social e Econômico
Arthur Antonio Sendas
Presidente do Grupo Sendas e de subsidiárias,
vice-presidente do conselho consultivo da Abras,
conselheiro do Pão de Açúcar, da PUC-RJ e
da Agência Rio
Claudio Haddad
Presidente do Ibmec-SP (hoje Insper),
conselheiro da BR Distribuidora,
presidente e membro do conselho da
instituição de ensino IBTS
Jorge Gerdau Johannpeter
Presidente do conselho do Grupo Gerdau, conselheiro
da BR Distribuidora, coordenador da organização Ação
Empresarial Brasileira, líder do Programa Gaúcho de
Qualidade e Produtividade, presidente do conselho do
Prêmio Qualidade do Governo Federal, conselheiro
do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS) e presidente
do conselho de administração da
Açominas
Fontes: formulário de informações anuais (IAN) da Petrobras, sites e formulários de referência das companhias.
Telhado de vidro
A decisão mal-informada sobre Pasadena não está sozinha
no álbum de más decisões corporativas que os conselhos
de administração deixaram passar. Em 2008, com o estouro
da crise financeira, a Sadia perdeu R$ 2,5 bilhões devido a
sua exagerada exposição a derivativos. Os conselheiros da
companhia foram julgados pela CVM, dois anos depois; nove
deles receberam multas, num total de R$ 2,6 milhões, por
terem faltado com o dever de diligência. Foram penalizados
porque descumpriram a política financeira da empresa,
ainda que tenham alegado desconhecimento das operações.
O episódio mostrou que as falhas de controle interno de
uma empresa não podem ser usadas como atenuantes daqueles que têm como função zelar pelos rumos do negócio.
E nesse ponto, uma ressalva: a decisão do TCU sobre Pasadena
não impede que os executivos e os conselheiros da Petrobras
venham a ser processados pelas vias administrativa e judicial.
No cenário internacional, a situação mais emblemática de
falha do conselho foi a da americana Enron, em 2001. Embora
o episódio costume ser resumido como uma grande fraude
contábil, ele é, na verdade, uma reunião de erros administrativos. O conselho da companhia acabou permitindo o ardil ao
ser omisso com os registros contábeis e ao conceder remuneração excessiva e de curto prazo para os funcionários. Esses
eventos comprovam que, tanto no Brasil como no exterior,
os conselhos tomam decisões ruins e são omissos na função
de fiscalizar a diretoria. Não há desculpa para essas faltas, mas
alguns fatores tornam a conjuntura mais propícia para elas.
No caso da Petrobras, impressiona ver quão atribulados
eram os conselheiros à época de Pasadena (ver quadro na
página anterior), acumulando cargos públicos e privados
que exigem muita dedicação. Dilma Rousseff, presidente do
conselho, era nada menos que a ministra-chefe da Casa Civil,
cuja função é assessorar o presidente da República. Palocci
e Jacques Wagner eram ministros da Fazenda e de Relações
Institucionais, respectivamente.
É normal que conselheiros exerçam atividades simultâneas.
O código do IBGC, porém, sugere que membros externos ou independentes participem de, no máximo, cinco outros conselhos.
O número cai quando se trata do presidente do board: o recomendado é que ele integre, no máximo, mais dois colegiados.
O instituto deixa claro que, ao assumir uma cadeira num conselho, o profissional deve observar os compromissos pessoais
e profissionais em que já está envolvido e avaliar se poderá
dedicar o tempo necessário ao novo cargo. “A participação de
um conselheiro vai além da presença nas reuniões e da leitura
da documentação prévia”, ressalta o IBGC.
Ainda que não seja humanamente impossível, é pouco
provável que os três ministros citados dispusessem de tempo
suficiente para se debruçar sobre questões estratégicas de
uma empresa do porte da petroleira. O estudo Board interlocking no Brasil: a participação de conselheiros em múltiplas
companhias e seu efeito sobre o valor das empresas mostra que
ter conselheiros com agendas lotadas é prejudicial. A pesquisa
analisou a composição dos boards de 320 companhias abertas
em 2003 e 2005. Os autores Rafael Liza Santos e Alexandre Di
Miceli (professor doutor da FEA-USP e colunista da capital
aberto) constataram que a participação concomitante de
um conselheiro em mais de um colegiado, conhecida como
interlocking, era frequente. Em 2005, 68% das companhias
nacionais possuíam ao menos um membro com função de
administrador em outra empresa.
Os conselheiros da
Petrobras ainda podem ser
processados nas esferas
administrativa e judicial
Como mudar?
Diante da constatação de que os conselheiros falham,
um artigo publicado, em maio, na Stanford Law Review,
publicação de uma das universidades mais prestigiadas
do mundo, propôs uma radical mudança na estrutura do
órgão. Em Boards-R-Us: reconceptualizing corporate boards,
Stephen Bainbridge e Todd Henderson sugerem que a lei
americana seja alterada de forma a permitir às firmas, e não
apenas às pessoas físicas, fornecer o serviço de conselho.
A board service provider (BSP) seria uma empresa terceirizada
que exerceria as funções do colegiado, como fiscalizar a administração e os controles de risco, além de traçar estratégias.
Funcionaria, portanto, de forma similar a uma auditoria,
tendo na reputação um de seus principais ativos.
A proposta é tão ousada quanto questionável: serviços de
auditoria e avaliação de risco são terceirizados e se mostraram
falhos na crise de 2008. Seu mérito, entretanto, é propor uma
revolução na estrutura consagrada dos conselhos de administração. A preocupação em fortalecer a vigília do órgão de
representação dos acionistas é, ao que a experiência indica,
bastante válida.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 23
Jurisprudência
Boletim
ANO VIII — No
59
Mercado de Capitais
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) rejeitou o recurso de Ricardo de Camargo Cavalieri para obter
credenciamento como administrador de carteiras, devido à existência de condenações passadas.
A negativa foi mantida a despeito de uma das condenações ainda estar sob análise do CRSFN. Noutro
caso, a Biosev obteve autorização para realizar procedimento alternativo à oferta pública de aquisição de
ações (OPA) exigida pela Instrução 361, em decorrência da redução do capital em circulação.
Condenações barram credenciamento
de administrador de carteira
A Superintendência de Relação com Investidores
Institucionais (SIN) negou o credenciamento de Ricardo de Camargo Cavalieri como administrador de carteira de valores mobiliários. O requisitante, então, recorreu ao colegiado da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), que manteve a decisão da SIN.
De acordo com a SIN, Cavalieri não atendia ao requisito de reputação ilibada, exigido nos termos do artigo 4o (item III) da Instrução 306 da CVM, de 1999,
uma vez que sofreu penalidades impostas no âmbito dos
Processos Administrativos Sancionadores (PAS) 16, de
1992, e 4, de 2000.
O recorrente alegou, em síntese:
1. a passagem de tempo entre os fatos que ensejaram
as condenações acima mencionadas e a data do pedido
de credenciamento;
2. o fato de que o PAS 4, de 2000, ainda aguardava
julgamento do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN); e
3. suposta alteração do entendimento da CVM acerca
do objeto desse mesmo processo, que elevaria a probabilidade de a decisão da CVM ser revertida pelo CRSFN.
A relatora Luciana Dias esclareceu, inicialmente,
que o caso em questão se prestava à análise dos parâmetros necessários para determinar a reputação ilibada,
matéria já enfrentada pelo colegiado em outras ocasiões
(processos RJ2011/8.272, RJ2009/12.425, RJ2007/11.399,
RJ2002/4.677 e RJ2001/134).
Entre os parâmetros já utilizados pelo colegiado para analisar esse requisito, a relatora mencionou: “1. o fato de que a decisão deve ser proferida caso a caso, analisando-se as características e peculiaridades de cada
caso concreto; 2. a ocorrência de trânsito em julgado
de decisões administrativas que representam máculas
à reputação ilibada do interessado (sendo que nos precedentes mais recentes, o colegiado decidiu pela desnecessidade de trânsito em julgado de tais decisões para
caracterização de mácula à reputação do interessado);
3. a gravidade das infrações, violações e penas imputadas ao interessado; e 4. a relação de pertinência entre
as referidas infrações e violações e a atividade de administração de carteira de valores mobiliários” (retirado do Processo RJ2011/8.272, julgado em 4 de setembro de 2012).
Em seu voto, Luciana se posicionou contrariamente
ao deferimento do recurso, por entender que:
1. Cavalieri foi condenado duas vezes pela própria
CVM, sendo que uma das condenações já foi confirmada pelo CRSFN e a outra, a mais grave, aguarda julgamento no mesmo órgão. Dessa forma, o recorrente sequer começou a sofrer os efeitos de tal condenação, uma
vez que a pena está sob efeito suspensivo;
2. Ainda que a análise de recurso perante o CRSFN
esteja pendente e possa se conferir efeito suspensivo às
condenações impostas pela CVM, a autarquia não pode
desconsiderar os seus próprios juízos; e
3. As decisões do regulador são dotadas de legitimidade, uma vez que foram proferidas mediante a observância do devido processo legal e das demais normas
que regem a administração pública. A competência pa-
ra reanálise de um processo, cujo mérito já foi apreciado pela CVM, foi atribuída ao CRSFN.
Assim, a revisão pretendida pelo requerente seria,
por um lado, impossível dentro do trâmite de processos
sancionadores, e, por outro, indesejável, porque geraria
grande insegurança jurídica. O colegiado, acompanhando os argumentos apresentados no voto da relatora, deliberou não aceitar o recurso de Cavalieri.
Biosev realizará alternativa a OPA
após aumento de participação
A Biosev e seu acionista controlador, Hédera Investimentos e Participações formularam pedido para realizar procedimento alternativo à oferta pública de aquisição de ações (OPA) por aumento de participação. A companhia e a Hédera solicitaram a concessão de ao todo
24 meses para a alienação do “excesso de participação”
que viesse a ser adquirido pela segunda. A razão era o
exercício das opções de venda lançadas na oferta pública primária de ações da Biosev.
O requerimento de prazo adicional para a venda se
baseou no parágrafo 4o do artigo 28 da Instrução 361,
que foi editada em 2002. Justificaram sua necessidade
devido ao “momento atual de mercado e das dificuldades enfrentadas por todos os agentes, à reduzida liquidez e o alto grau de insegurança para tomada de decisões por parte dos investidores”. Ademais, ressaltaram
que, para efetuar a recomposição, talvez fosse “necessária a eventual realização de oferta, que exige algum
tempo para sua devida estruturação, em proteção aos
interesses da Biosev, dos seus acionistas e do mercado
de capitais”.
A Superintendência de Registros de Valores Mobiliários (SRE) apresentou uma série de considerações a respeito de tal solicitação, por meio do Memorando 46, de
2014. Segundo seu entendimento, não haveria empecilho no atendimento da solicitação dos requerentes, tendo em vista que:
1. a regra citada, da Instrução 361, não decorre de comando legal, mas de regulamentação própria da CVM,
cabendo à autarquia sopesar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação de suas regras
para cada caso específico;
2. a fim de recompor o percentual mínimo de 25% de
ações em circulação exigido no Novo Mercado, a Hédera obteve autorização da BM&FBovespa para alienar
1,56% do capital social da Biosev no prazo de seis meses do exercício das opções;
3. caso as demais ações necessárias para se atender ao que exige o caput do artigo 28 da Instrução 361
(equivalente a 2,68% do capital social) sejam alienadas
no mesmo período autorizado pela Bolsa, a cotação
do papel da Biosev poderá ser negativamente impactada. Seriam, ao todo, 8.783.417 ações (aproximadamente 18,12% das ações em circulação após o exercício das
opções) a serem devolvidas ao mercado em seis meses.
Além disso, a SRE observou que o deferimento do
pleito não interferia na obrigação de recompor o percentual de 25% de ações em circulação da Biosev previsto pelo regulamento do Novo Mercado no prazo autorizado pela BM&FBovespa.
O colegiado deferiu, por unanimidade, o pedido dos
requerentes: concedeu prazo de 18 meses para a venda do excesso de participação, nos termos da Instrução 361. Ademais, reforçou a necessidade de se recompor o percentual de 25% de ações em circulação em
seis meses.
Jurisprudência Mercado de Capitais é um informativo bimestral produzido por Motta, Fernandes Rocha Advogados e veiculado
com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. Comentários sobre o informativo podem ser enviados para o e-mail [email protected].
Emissões de certificados de recebíveis do
agronegócio aceleram, mas dificuldades na
obtenção de rating e na concessão de garantias
ainda inibem ofertas
Por Luciana Del Caro
Quase
maduro
Criado há uma década pela Lei 11.076, o certificado de
recebíveis do agronegócio (CRA) demorou a germinar no
mercado de capitais. Diferentemente de seu primo bem-sucedido, o certificado de recebíveis imobiliários (CRI),
cujo estoque na Cetip beirava R$ 50,2 bilhões em julho,
o CRA acumulava um número bastante inferior: R$ 1,1
bilhão. O montante, contudo, é 110% maior do que o valor
registrado um ano atrás e totalmente distinto dos R$ 992
mil computados em janeiro de 2009. Sinal de que o título
vem ganhando terreno na cadeia do agronegócio e também
nos portfólios dos investidores — em sua maioria, clientes
do private banking.
26 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Eles vêm sendo atraídos pelo rendimento generoso do
papel — entre 106% e 113% do CDI —, em parte propiciado
pela isenção de imposto de renda para a pessoa física. “Existe
uma demanda forte por títulos de empresas com nomes conhecidos, rating bom, prazos curtos e taxas atrativas”, avalia
Fernanda Mello, sócia da Octante, securitizadora especializada em agronegócio. Se há demanda, então, o que falta
para termos uma safra robusta de ofertas? Com o objetivo
de debater a questão, a capital aberto promoveu, em 6 de
agosto, o workshop “O agronegócio e o mercado de capitais:
os CRAs como alternativa ao crédito agrícola”, no Instituto
Internacional de Ciências Sociais (IICS), em São Paulo.
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
Falta uma instrução da
CVM específica para os
CRAs. A emissão do título
se baseia na norma 414,
que regula os CRIs
Entre os emissores que se renderam à atratividade do CRA
está a Cheminova. A produtora de defensivos agrícolas cedeu
recebíveis para três ofertas ao longo dos dois últimos anos,
que somaram R$ 120,3 milhões. A primeira captação ocorreu
em maio de 2012, quando R$ 25 milhões foram angariados
por meio de uma oferta feita pela Instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A norma prevê esforços
restritos de venda, ou seja, a emissão pode ser dirigida a 50
investidores e comprada por até 20. Na ocasião, oito pessoas
físicas adquiriram os títulos. Nas ofertas seguintes, a Instrução 400 foi utilizada, com o intuito de atingir um público
mais amplo. O esforço de pulverização deu certo. Na segunda
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 27
emissão, em dezembro de 2012, 125 investidores compraram os papéis. Na terceira, em dezembro de 2013, 114 pessoas
físicas aderiram.
“O mercado de capitais terá um
papel cada vez mais importante para o
agronegócio”, destaca Moacir Ferreira
Teixeira, sócio-executivo da Ecoagro,
especializada na estruturação de operações financeiras para o agronegócio.
A expectativa é que o setor, hoje responsável por 20% do Produto Interno
Bruto (PIB) brasileiro, demande cada
vez mais investimentos para se expandir.
E, assim como em outros segmentos
da economia, as tradicionais fontes de
financiamento devem ser insuficientes
para atender à procura. Encontra-se
precisamente aí o espaço para o mercado de capitais.
Hoje, os produtores buscam empréstimo, principalmente, em três fontes:
nas empresas de comércio internacional (tradings) e nas indústrias de
agroquímicos, que financiam a compra
de insumos necessários para a produção; nos bancos estatais, que oferecem
crédito subsidiado; e nas instituições
financeiras privadas, obrigadas a destinar 34% dos depósitos à vista ao setor
agropecuário. Os dois primeiros agentes
convivem com limitações. As tradings
e as fabricantes de agroquímicos estão
com sua capacidade de financiamento esgotada. Os bancos públicos, por
sua vez, só podem oferecer crédito
a taxas mais baratas aos pequenos e
médios produtores.
Ao securitizar recebíveis, a Cheminova melhorou seus indicadores.
“Fizemos uma captação sem precisar
aumentar o passivo”, relata Luiz Antonio Alves Guimarães, diretor financeiro
da companhia. Ao contrário de um
financiamento bancário, o dinheiro
proveniente da securitização vai direto para o caixa, sem ser registrado
como dívida no balanço. Além disso,
ao reduzir o valor de contas a receber,
a operação deu fôlego para a produtora de defensivos agrícolas fazer novas
concessões de crédito a seus clientes,
prática comum nessa indústria.
28 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Bruno Cerqueira,
sócio do PMKA
Fernanda Mello,
sócia da Octante
Jean-Pierre Cote
Gil, gestor da
Western Asset
Luiz Antonio Alves
Guimarães, diretor
financeiro da
Cheminova
Mauro Tukiyama,
diretor da divisão
de financiamento
estruturado do
Bradesco BBI
Moacir Ferreira
Teixeira, sócio-executivo da
Ecoagro
Ricardo Maia da
Silva, gerente da
superintendência de
registros de valores
mobiliários da CVM
Garantia difícil
Alguns motivos explicam por que,
apesar dos atrativos, as emissões de
CRA ainda não fazem jus à pujança do
agronegócio no País. E eles vão muito
além da falta de familiaridade do produtor com o mercado de capitais. Um
dos entraves é o estabelecimento de
garantias para esse tipo de operação.
Se no CRI os imóveis que lastreiam os
recebíveis costumam ser dados como
salvaguarda em caso de calote, no CRA
as safras não são tidas como boa proteção, já que estão sujeitas a quebras
e problemas de qualidade. O penhor
de cana, por exemplo, é uma garantia
fraca — mesmo que o credor receba a
posse do insumo como pagamento de
um débito não saldado, a cana perde
o teor de açúcar um dia após colhida.
Seria necessário transportá-la para uma
usina que a processe a tempo, algo nem
sempre é possível.
Por isso, muitas operações possuem
seguros financeiros ou dão como proteção ativos reais — imóveis, por exemplo.
Foi o que ocorreu na emissão de R$ 270
milhões em CRAs da Coteminas, finalizada em junho. Como proteção em
caso de inadimplência dos recebíveis,
os certificados ofereciam 120% do valor
da emissão em imóveis do grupo. “Não
trabalhamos com a hipótese de mercado
secundário ao comprar CRAs; por isso,
focamos muito na análise das garantias
quando olhamos uma operação”, explica Marcelo Mello, vice-presidente da
SulAmérica Investimentos.
Outro obstáculo enfrentado por esse
mercado é a ausência, nas principais
agências de rating, de modelos para a
análise de risco do certificado, observa
Mauro Tukiyama, diretor da divisão de
financiamento estruturado do Bradesco
BBI. De acordo com o executivo, apenas
três das sete emissões do título feitas
em 2013 possuíam classificação de risco.
Elas somavam R$ 158 milhões, num total
de R$ 856 milhões.
O impasse, segundo Tukiyama, é
que, para distribuir o CRA aos clientes, as áreas de private banking exigem
ratings elevados. Sem entender apro-
priadamente o produto, as agências de
classificação de risco adotam uma postura conservadora: “Geralmente, elas
acabam atribuindo rating mais baixos
aos CRAs”, diz Jean-Pierre Cote Gil,
gestor do Western Asset. A situação se
torna ainda mais crítica quando envolve
certificados de recebíveis pulverizados
(com vários devedores). De acordo com
Fernanda, da Octante, esse tipo de CRA
só consegue nota boa se for de indústria
que forneça insumos aos produtores há
muito tempo e, portanto, possua histórico de crédito.
Da costela do CRI
Outra questão sensível no mercado de
CRA é a ausência de uma instrução da
CVM voltada ao produto. A emissão
do título se baseia na norma 414, que
dispõe sobre os CRIs. Essa situação
gera, muitas vezes, situações curiosas,
já que a natureza do crédito imobiliário
e a do agronegócio são bastante distin-
tas. A regra de CRI, por exemplo, veta a
emissão de títulos com preço unitário
inferior a R$ 300 mil se o imóvel não
tiver habite-se ou patrimônio de afetação constituído (segregação facultativa
dos recursos da construtora ou incorporadora destinados a determinado
empreendimento). A pergunta que
fica então é: o que seria equivalente
no agronegócio?
A transposição da Instrução 414 ao
contexto do agronegócio também gera
confusão quando se fala em concentração de devedores. A regra proíbe que
o devedor represente mais de 20% de
uma carteira de recebíveis, exceto se for
uma instituição financeira, companhia
aberta ou empresa que arquive suas
demonstrações financeiras na CVM.
A maioria dos cedentes de recebíveis
de agronegócios são pessoas físicas,
grandes produtores rurais ou cooperativas — os quais não se enquadram
nessa exceção, inviabilizando algumas
operações. “Cabe um estudo para verificar se esse ponto se aplica aos CRAs”,
opina Bruno Cerqueira, sócio do PMKA.
A CVM não pretende lançar uma
instrução específica para o CRA, ao
menos no momento. E, para alguns
participantes do mercado, é melhor
assim. Eles acreditam ser prudente
aguardar um desenvolvimento maior
do mercado antes de provê-lo com
uma regra que possa se mostrar inadequada, dado o histórico ainda parco
de operações com o título. A resolução
de outro entrave regulatório, por ora, é
considerada mais premente: “Para que
o CRA se desenvolva, é necessário antes
modernizar a legislação dos títulos do
agronegócio, como a cédula do produto
rural (CPR), que muitas vezes lastreia o
CRA”, analisa Carlos Ratto, diretor da
Cetip. Pela Lei 8.929, a CPR não é um
título escritural, mas físico, que precisa
ser registrado em cartório. Portanto,
quando usado como lastro de uma se-
www.ecoagro.agr.br
Investir em
Eco Securitizadora:
Pioneira em Emissões de CRAs;
Líder em Volume e Número de Emissões;
Operações com Foco no Produtor Rural.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 29
curitização, deve passar pela repartição
para ser transferido à securitizadora,
que então emitirá o CRA. Se as CPRs
forem de vários produtores e possuírem
valores pequenos, o trâmite torna o
trabalho e o custo para viabilizar uma
operação maiores que seus benefícios.
“Da forma como a lei está hoje, não
vemos um crescimento muito grande
para o CRA”, lamenta Ratto.
Adubo para emissões
Outras melhorias, além das regulatórias, podem fertilizar o mercado do
agronegócio. Uma delas é a emissão do
produto em moeda estrangeira. Se feita
em dólar, por exemplo, ela isentaria
os aplicadores internacionais do risco
cambial. “Esses investidores sempre
aportaram recursos no setor”, observa
Cerqueira, do PMKA. Cabe ponderar,
todavia, que os pagamentos em dólar
no Brasil são vetados pela legislação
fundadora do Plano Real — exceto
aqueles direcionados a investidores do
exterior, com lastro indexado à moeda estrangeira. Considerando que as
commodities são atreladas ao dólar, e
elas são os lastros dos CRAs, a oferta do
título em moeda estrangeira seria possível, na visão de alguns participantes
do mercado. “O que não dá para fazer
é um CRA descasado do lastro, seja no
índice [de remuneração do ativo], seja
no prazo”, afirma Ricardo Maia, gerente
da superintendência de registros de
valores mobiliários da CVM.
Como nenhuma operação de CRA
em dólar foi realizada até hoje, ela
precisaria passar pelo crivo da CVM.
Após análise pelo departamento técnico, a questão provavelmente seria
endereçada ao colegiado da autarquia.
Também poderia ser levada ao Banco
Central (BC), que assina com a CVM a
Decisão-Conjunta 13, que versa sobre
a remuneração dos CRIs e das debêntures. Só depois, sairia o veredito final.
Incentivar os grandes bancos a adquirir o título é outra proposta para
fomentar o segmento. Esse movimento
poderia ocorrer, na visão de Cerqueira,
30 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Uma proposta é
o Banco Central
passar a aceitar a
aplicação em CRA
como forma de
cumprir a
exigibilidade do
crédito rural. Hoje,
os empréstimos
para o segmento
estão aquém do
que poderiam ser,
porque os bancos
conhecem pouco
o agronegócio. Alguns
acabam arcando
com o ônus de ter os
recursos recolhidos
como compulsório
sem remuneração
caso a aplicação em CRA fosse aceita
pelo BC como forma de cumprir as
exigibilidades do crédito rural (direcionamento obrigatório de 34% dos depósitos à vista para financiar o setor). Hoje,
o empréstimo para o segmento está
aquém do que poderia. Por conhecer o
agronegócio apenas superficialmente,
algumas instituições acabam não cumprindo o requisito. Arcam, por conseguinte, com o ônus de ter os recursos
recolhidos pelo BC na forma de compulsório sem nenhuma remuneração.
Outras cumprem a regra investindo em
depósitos interfinanceiros (DI) rurais
com baixa remuneração. Para mudar
esse cenário, seria fundamental as
securitizadoras especializadas em agronegócio educarem os bancos. Cerqueira
acredita que elas dariam mais segurança
às instituições financeiras para atuar no
segmento e investir em CRAs.
Educação é, por sinal, um ponto
crucial para o desenvolvimento do
título. “Os cedentes dos créditos, que
são muitas vezes os produtores rurais,
desconhecem o CRA e seus benefícios”,
comenta João Paulo Pacífico, diretor da
Gaia. A escassa familiaridade, contudo,
não se limita a esse público — não raro,
milionários cujo patrimônio como pessoa física se mistura com o da jurídica.
Também se aplica a grandes empresas
no interior, com porte para ceder recebíveis, mas pouco profissionalizadas.
Ainda assim, paulatinamente, o setor
do agronegócio vem conhecendo o
instrumento. Alexei Bonamin, sócio do
escritório Tozzini Freire, lembra que,
no início, os CRAs eram emitidos principalmente pelas grandes produtoras de
insumos — como a própria Cheminova
e a Syngenta. Agora, há também companhias dos setores sucroalcooleiro, de
soja, algodão e café cedendo recebíveis
para a emissão do produto financeiro.
A tendência, acredita, é cada vez mais
produtores de outras culturas se aproximarem do título. Uma ótima notícia
para as securitizadoras e também para
os investidores que aguardam novas
safras de CRA.
Capa
Por uma
nova
política
A CAPITAL ABERTO completa, neste mês, seu
11 aniversário. Na história da revista, o ano de 2014 é,
infelizmente, o mais difícil para o mercado de capitais,
especialmente o acionário. Nenhum IPO foi realizado,
ao menos até agosto. Nesta edição, buscamos reunir
opiniões de renomados especialistas sobre caminhos
para superarmos a má fase. Notadamente, observamos a convergência em um ponto fundamental: todas
as saídas passam por uma nova política de governo.
É preciso contenção dos gastos públicos, redução das
taxas de juros e retomada da confiança. Sem essas
engrenagens no lugar, afirmam eles, não há remédio
que faça deslanchar o mercado de ações e os demais
instrumentos do mercado de capitais.
º
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 31
Nonoonoon
Foto: Aline Massuca
“A agenda
começa pelo
ajuste fiscal”
32 C APITAL A BERTO Setembro 2014
“Do jeito que está não há como pensar em crescimento de nada”, dispara
a economista Monica Baumgarten de Bolle, quando questionada sobre as
medidas que poderiam recolocar o Brasil na rota de crescimento. Sócia da
consultoria Galanto e diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica
Casa das Garças, Monica observa que o essencial é arrumar a casa, ainda
que para isso seja preciso “machucar o crescimento de curto prazo”.
A agenda começa pelo ajuste fiscal, mas não deve se restringir à revisão
da carga tributária e ao corte de gastos. É preciso mudar o cenário em que
dois dos mais importantes setores da economia — o de energia elétrica e
o de petróleo e gás — vêm sendo usados pela União para manter as contas
em dia à custa da credibilidade do País.
Por Yuki Yokoi
O que é possível fazer para o Brasil voltar a crescer?
A primeira coisa é promover uma arrumação geral do quadro
econômico. Do jeito que está não há como pensar em crescimento de nada. É preciso fazer uma extensa agenda de reformas e de ajustes, o que requer vontade política. O campo das
reformas é o mais complicado. Para melhorar o quadro fiscal
brasileiro, não adianta pensar só em reforma tributária e em
eventuais cortes de gastos. Temos dois setores extremamente
importantes para a economia — o elétrico e o de óleo e gás —
que estão absolutamente misturados com a política fiscal e, ao
mesmo, sofreram intervenções diretas do governo.
Além da política fiscal, que outros campos precisam passar
por reforma?
Temos que redesenhar o Banco Central (BC), colocá-lo para
fazer o regime de metas de inflação novamente e abrir espaço
para que o câmbio volte a ser flutuante. O que aconteceu nos
últimos quatro anos foi uma desconstrução do regime que tínhamos até o fim da gestão [Henrique] Meirelles. Desde 2010,
tudo mudou. O regime de metas ficou muito estranho. Quando
o governo diz: “Estamos cumprindo a meta”, ele não se refere
ao que, antes, chamávamos de meta — o centro da inflação
prevista, atualmente em 4,5% ao ano. Se a inflação está abaixo
do teto do regime, que é de 6,5% ao ano, o governo afirma que
estamos cumprindo a meta. É uma interpretação diferente da
que era usada, mais frouxa e redutora da transparência. A falta
de clareza deixa o mercado muito cabreiro. A credibilidade se
foi, mas não é difícil consertar essa situação: é só mudar os
governantes e voltar a fazer como era até 2010.
Como avalia os impactos do intervencionismo do governo
sobre o mercado de capitais?
A intervenção foi crescendo ao longo dos últimos anos e espero
que tenha atingido o pico. Se for além, ficaremos com cara de
Argentina. Se continuarmos trilhando o caminho de intervenções cada vez mais profundas e abrangentes, não será nada
bom para o setor privado; teremos encolhimento do mercado
de capitais. A presidente Dilma tem um viés intervencionista
mais forte do que [o ex-presidente] Lula. Conforme algumas
dessas intervenções foram feitas e não tiveram os resultados
esperados, o governo, em vez de pensar “não está dando certo
porque as intervenções estão ficando excessivas” achou “não
está funcionando porque ainda não fizemos o suficiente”.
Na sua visão, o que é preciso fazer para o mercado de capitais
voltar a crescer?
Uma das coisas fundamentais é o retorno da confiança. Acreditar que as instituições e a política econômica estão funcionando
bem e que teremos perspectivas melhores de crescimento à
frente. Em última análise, o mercado de capitais é o principal
fornecedor de crédito para investimentos no lado real da economia. Para termos essa perspectiva de expansão, é preciso crer
que a economia vai crescer. E como se faz isso? De um jeito
doloroso no princípio. É um pouco paradoxal, mas resgatar
o crescimento de médio prazo demanda primeiro machucar
bastante o crescimento de curto prazo. O mercado de capitais
funciona olhando para o futuro. Se os agentes compreendem
que estão sendo feitos ajustes que num primeiro momento vão
prejudicar o crescimento para depois render frutos, isso tem
um efeito positivo antecipado.
Atualmente, toda a expectativa está atrelada à eleição presidencial...
É verdade. A continuação do governo Dilma é mais do mesmo:
não tem melhora pela frente. O ano de 2015 vai ser difícil, ruim
para a economia em geral, independentemente do governo a
ser eleito. O que as pessoas estão olhando é o que vem depois.
Vem melhora ou será igual? Queira ou não, este governo já
demonstrou que não sabe fazer diferente. Vamos ficar mais
quatro anos com crescimento comprometido.
Em que grau essa retração pode chegar em caso de reeleição?
Não teremos uma crise necessariamente, mas também não
haverá grandes mudanças, pois o governo acha que está fazendo o certo. Na melhor das hipóteses, cresceremos 2% ao
ano, podendo ser pior. O que Marina [Silva] significa na área
econômica? Não é muito diferente de Aécio [Neves]. As pessoas
que a assessoram são de alto calibre e muito qualificadas. Isso
significa que, quando se olha além de 2015, serão governos
bons para o crescimento. Ou que, pelo menos, tentarão ser.
A credibilidade do mercado brasileiro está arranhada no
exterior?
Ela não foi tão minada assim, mais em decorrência do quadro
internacional do que das barbaridades que foram feitas aqui.
O cenário lá fora, muito conturbado nos últimos anos, permitiu
que surpresas não saltassem aos olhos do investidor estrangeiro
como saltariam alguns anos atrás. A ingerência na Petrobras
é um exemplo. Até a intromissão começar, a companhia era
a menina dos olhos do mercado internacional. Suponhamos
que isso tivesse acontecido em 2002 ou 2003: teria sido um
desastre para a confiança no Brasil.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 33
Capa
Foto: Greg Salibian
Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e sócio-fundador
da gestora Mauá Sekular, é um entusiasta da indústria de fundos de investimento. Para ele, no entanto, alguns aspectos podem reduzir o crescimento
do mercado financeiro ou mesmo emperrar qualquer avanço. É o caso do
sistema de tributação dos veículos de investimento. “Produtos de natureza
semelhante estão sujeitos a uma tributação muito diferente, o que gera
competição entre eles”, afirma. Por que, afinal de contas, um fundo de
curto prazo é tributado à alíquota de 22,5%, enquanto se isentam de imposatos papéis, também de curto prazo, ligados ao mercado imobiliário?
“As desonerações estão no lugar errado. A indústria de fundos sente isso
muito claramente.” Para Figueiredo, um rearranjo completo é urgente — isso
sem falar do volume de impostos a que os investidores estão sujeitos.
O cenário macroeconômico também preocupa o gestor. Na sua visão, o País
se encontra em recessão.
Por Mariana Segala
Há chances, no curto prazo, de o mercado de capitais voltar
a crescer?
Um investidor compra ações de uma empresa na expectativa
de compartilhar os benefícios do seu crescimento. Em ambiente de dúvida quanto a esse aproveitamento — seja por
causa do custo de capital elevado, seja por causa da economia
parada ou da perda de competitividade —, o investimento
não acontece. As companhias brasileiras, embora façam um
esforço para manter as margens, estão sofrendo por razões
como essas. Nos últimos anos, o mercado de capitais perdeu
o horizonte. Os níveis de confiança do empresariado estão
em patamares de momentos de crise. E, num padrão de crise,
quem consegue se desenvolver?
Qual é a perspectiva de sairmos desse quadro?
Com as ações cotadas a preços muito baixos, com lucro
menor e diante de uma perspectiva ainda incerta, emitir
ações e outros papéis se tornou uma alternativa muito cara
de captação. Por isso precisamos de um contexto econômico
melhor. O cenário só muda se for estabelecido um conjunto
de políticas capazes de aumentar a confiança, o que inclui
custos de infraestrutura e de contratação mais baixos, sistema
tributário mais eficiente e facilidade para acessar capital. Em
paralelo a isso, pode-se desenvolver um marco regulatório
mais robusto no que diz respeito à governança e aos direitos
dos acionistas minoritários.
O desenvolvimento regulatório registrado na década de
2000 não foi suficiente para manter o crescimento do
mercado?
Tomar dinheiro no mercado acionário para realizar investimentos é algo relativamente novo no Brasil. Há 10 ou 15 anos,
essa possibilidade de financiamento era inexistente para as
34 C APITAL A BERTO Setembro 2014
“Falta
coerência
ao tributar”
empresas. O País passou por um processo que gosto de chamar de normalização. Tornou-se um bicho mais normal, parecido com outros mercados. Só que países normais também
têm problemas. Ainda assim, os avanços institucionais são
inegáveis. Além da melhora na regulação, a criação de importantes entidades, como a Amec [Associação de Investidores no
Mercado de Capitais] e a Anbima [Associação Brasileira das
Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais], ajudou a
profissionalizar o mercado. Foi um processo positivo. Todas
essas coisas, no entanto, não são suficientes para mudar o
ambiente de incertezas no Brasil.
Onde é possível melhorar?
Do ponto de vista da governança, é importante ressaltar que
a criatividade dos agentes ainda é capaz de gerar enormes
distorções na relação entre controladores e minoritários,
afetando os direitos, obviamente, dos últimos. Os critérios
para incorporação de empresas, por exemplo, representam
um espaço de ampla arbitragem. No fim das contas, isso pode
reduzir o apetite dos investidores.
Pacotes de estímulo ao mercado de capitais, como o que
foi anunciado há três meses pelo ministro Guido Mantega,
terão algum efeito?
Ajudam, sim. Sou favorável a políticas mais horizontais,
porém essa iniciativa pode fomentar empresas menores,
que estejam em estágio anterior ao de uma oferta. Elas ficam
estimuladas a fazer um esforço ainda maior para se desenvolver. Incentivos aplicados na direção correta são importantes.
Todavia, é bom lembrar que, no que diz respeito à tributação,
temos uma série de distorções no mercado financeiro.
Quais são elas?
Fundos que compram papéis de curto prazo pagam imposto
de renda de 22,5%, enquanto títulos também de curtíssimo
prazo vinculados ao setor imobiliário são isentos. Trata-se de
produtos de natureza semelhante sujeitos a uma tributação
muito diferente, o que gera competição. As desonerações
estão no lugar errado; a indústria de fundos sente isso muito
claramente.
Como manter os incentivos sem criar distorções?
É preciso operar um grande rearranjo nessa enorme colcha
de retalhos da tributação. E considerar toda a gama de produtos financeiros, de curto ou de longo prazo, de renda fixa
ou variável, títulos híbridos — o que for. Só não faz sentido o
sujeito que compra ações diretamente ter isenção de imposto
de renda e o que investe em fundo de ações não contar com
o benefício. A conclusão é: paga-se um custo adicional e não
se consegue alongar os prazos das emissões, algo desejável
para o desenvolvimento do mercado.
Há um excesso de tributos sobre os investimentos?
Não. Não estou falando em diminuir o volume de tributos.
Essa seria uma segunda discussão. A primeira é criar coerência no sistema, hoje absolutamente incoerente. O Brasil,
infelizmente, mantém um viés rentista. Significa que quem
vive da renda, sem gerar produção ou favorecer a economia,
ainda tem muitos benefícios. É uma parcela de recursos que
fica parada, usufruindo de benefícios fiscais indevidos, na
minha visão.
A tributação é o maior entrave à indústria de fundos?
Sim. Há centenas de outras coisas capazes de impulsionar seu
crescimento, mas a tributação é algo que emperra a indústria
contemporânea.
Uma taxa de poupança maior também ajudaria o crescimento da indústria de fundos. Como é possível ampliá-la?
A poupança mais elevada ajudaria não só o mercado de capitais como a economia de modo geral, pois permitiria mais
investimentos e crescimento sustentável. Nesse capítulo, é
fundamental restabelecer a poupança pública e melhorar a
situação fiscal. Temos superávit primário recorrente muito
perto de zero. E ele não é fruto das receitas usuais do governo,
e sim de itens extraordinários como a venda de ativos — as
concessões, em outras palavras. Comparando com a vida de
um cidadão comum, é como se ele, mensalmente, se permitisse gastar mais do que o seu salário porque levantou dinheiro
vendendo o carro. O País, em resumo, gasta com base nos
seus estoques, mas, ao se desfazer deles, fica mais pobre. Não
é necessária nenhuma revolução para alterar esse caminho.
Basta voltar minimamente para um nível de superávit razoável, aumentando a poupança pública e, eventualmente,
diminuindo as taxas de juros.
Quanto a política intervencionista atrapalha?
Muito. Quando se conversa com exportadores, percebe-se
que a eles interessa mais um câmbio estável do que um real
desvalorizado. Esse é um exemplo de como o intervencionismo atrapalha. Outro é o das empresas que atuam em setores
regulados: elas sofrem só com a expectativa de uma determinação, mesmo que não tenham sido alvo de problemas de fato.
O senhor acredita na possibilidade de fuga de capital do
Brasil?
Não acredito. O Brasil, felizmente, está em outro patamar,
com reservas internacionais muito grandes. Agora, a tendência é declinante, e isso pode causar fragilidades no futuro.
No ano passado, tivemos uma saída grande de investidores
do mercado. Chamar isso de fuga de capitais, entretanto,
seria um exagero. Apesar disso, na prática, considero que o
País está em recessão.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 35
Capa
Desde que começou a trabalhar no mercado financeiro, em 1967, Luiz Carlos Mendonça de Barros viu dez homens e uma mulher tomarem posse como
presidentes do País. Fundou uma corretora, uma empresa de fomento cultural
e dois bancos. Também foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) por três anos, ministro das Comunicações e
gestor de recursos. Não teve uma trajetória livre de polêmicas: a acusação
de favorecer empresas na época das privatizações lhe custou, em novembro
de 1998, o ministério que havia assumido sete meses antes, logo após deixar
o BNDES, onde estava desde 1995. Não foi provado o favorecimento, e a absolvição completa veio em 2011. Desde 2001, Mendonça de Barros é o principal
nome da gestora Quest — hoje com oito fundos e R$ 2 bilhões em recursos
sob gestão. Em quase 50 anos de atuação, ele aprendeu que não se muda um
povo: os brasileiros vão continuar sendo consumidores, não poupadores.
Por Bruna Maia Carrion
Foto: divulgação
“O governo
tem que
voltar a
poupar”
36 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Em termos macroeconômicos, qual é a principal medida
que o governo deveria tomar para dinamizar o mercado
de capitais?
O governo teria que gastar menos. Ao voltar a ter uma meta de
poupança — o superávit primário — e cumpri-la, conseguiria
tirar a pressão sobre os juros de títulos públicos. Atualmente,
os títulos nacionais chegam a render 6% acima da inflação.
O resultado disso é que fundos de pensão, investidores institucionais e os poucos brasileiros poupadores preferem esse
investimento, sem risco. Com menos gasto governamental, o
pequeno bolo de poupança privada do Brasil seria mais bem
distribuído, assim como a poupança externa que entra no
País e investe em títulos públicos.
E na arrecadação? Precisamos de uma reforma tributária?
No momento, a reforma tributária é um sonho de uma noite
de verão. O governo arrecada o suficiente para cobrir as despesas dele. Não tem como diminuir os impostos se o Estado
não passar a gastar menos antes.
O senhor acha que o governo deveria tomar atitudes para
reduzir o consumo das famílias e aumentar, assim, a quantidade de dinheiro disponível para investimentos?
Não. O povo brasileiro é um povo consumidor. O mercado de capitais brasileiro acaba sofrendo as consequências
dessa característica da sociedade — mas não dá para mudar
um povo. Já estou velho o bastante para reconhecer isso.
O consumo das famílias corresponde a dois terços do PIB.
Na China e na Coréia do Sul, é menos de 40%. Contudo, o
brasileiro não vai começar a poupar como eles. É cultural. Para
economizar tanto quanto um coreano, o brasileiro teria que
morar, por exemplo, num apartamento de 30 metros quadrados. Ninguém quer isso — queremos 70 metros quadrados.
Somos uma sociedade de cigarras, não de formigas. Não é à
toa que foram criados mecanismos de poupança compulsória,
como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O governo deveria,
no máximo, tornar mais difícil o saque desses recursos, para
evitar que fossem usados para financiar o consumo.
podemos ter problemas. É um assunto em que a CVM deve
prestar atenção.
Precisamos reformar a estrutura de nosso mercado de capitais para tornar os investimentos mais fáceis?
Não, o sapato não aperta aí. É evidente que as regras precisam
estar em constante transformação, porque alguém sempre
descobre uma maneira de burlá-las, mas a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central têm sido muito
eficientes em se modernizar. Existem alguns setores na economia brasileira que possuem estrutura de primeiro mundo,
e o mercado de capitais é um deles. Aqui, um caso como o de
Bernard Madoff [gestor de recursos preso em dezembro de 2008
por fraude nos Estados Unidos] não aconteceria, porque tudo
se registra eletronicamente. É extremamente fácil recompor
o caminho de um ativo.
Como as empresas brasileiras podem buscar financiamento, considerando que têm de competir com o governo, que
toma emprestado a taxas altas?
As grandes empresas têm boas alternativas internas e externas,
como financiamento bancário, investimento direto e bolsa de
valores. Para as médias é mais difícil. Temos um sistema bancário oligopolizado, em que as taxas cobradas e as margens de
lucro obtidas são muito altas. Essa concentração, entretanto,
aconteceu no mundo todo após a crise de 2008.
Em termos regulatórios, não temos com que nos preocupar?
Devemos observar, e talvez até antecipar, o que os Estados
Unidos fazem com relação a certas novidades, como o high
frequency trading (HFT), por exemplo. E, então, criar sistemas e estratégias para proteger os pequenos investidores de
acidentes. As operações de alta frequência ainda são poucas
[cerca de 13% do volume negociado no Brasil, contra mais de 50%
nos Estados Unidos]. Se o volume aumentar muito, no entanto,
O governo recentemente publicou a MP 651 para incentivar
a listagem de PMEs. É uma boa solução?
Isso é uma bobagem. O melhor incentivo fiscal que o governo
pode dar é gastar menos e aumentar a poupança dele, para
assim conseguir diminuir a taxa de juros.
O BNDES é muito criticado por emprestar a juros subsidiados e travar o desenvolvimento do mercado de capitais.
Qual deveria ser o papel dele?
Servir como âncora, referência e suplemento, comprando
debêntures ou ações emitidas por empresas. Não é papel do
BNDES distribuir empréstimos como vem fazendo.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 37
Capa
O economista Gustavo Franco, sócio da gestora Rio Bravo Investimentos,
estava no olho do furacão quando o Plano Real foi implementado e o Brasil
começou a recuperar a dignidade institucional, depois de anos de descontrole
inflacionário. Entre 1993 e 1999, foi secretário-adjunto de política econômica
do Ministério da Fazenda, diretor da área internacional do Banco Central e
presidente da instituição. A política econômica adotada pelos governos
seguintes ao de Fernando Henrique Cardoso foi, em sua visão, desastrosa para
o mercado de capitais. Por isso, a evolução regulatória verificada nos anos
2000 pouco pode fazer no combate à atual situação do mercado. “Quando o
mercado acordar em razão de mudanças macroeconômicas, os progressos
de natureza regulatória ou incentivos fiscais poderão ter alguma utilidade.
No momento, não”, sentencia.
Por Mariana Segala
out”. O Estado cresceu, aumentou a demanda por financiamento e forçou a taxa de juros para cima. Nesses casos,
o setor público expulsa o privado do mercado de capitais.
A involução macroeconômica, infelizmente, frustrou a evolução regulatória e institucional.
Qual foi o ponto dessa virada?
A reação do Brasil à crise financeira internacional. No começo,
o governo falava em políticas anticíclicas, e talvez isso fizesse
sentido nos primeiros três ou quatro meses. Passado esse
período, entretanto, não se deve fazer mais nada anticíclico,
e sim voltar à política macroeconômica anterior. Só que isso
não ocorreu. A qualidade da política macroeconômica foi
piorando e hoje está em seu pior momento.
Depois de anos de crescimento, o mercado de capitais brasileiro estagnou. Quais são as razões?
É muito simples. Houve um retrocesso claro nas políticas
econômicas do País, por causa de uma guinada na direção
do intervencionismo, do crescimento do papel do Estado
e da piora das contas públicas. O resultado não poderia ser
pior para o mercado de capitais, porque a conjunção desses
fatores fez os juros de curto e de longo prazo subirem. E, com
o mix macroeconômico hostil às empresas — basta olhar os
resultados das companhias abertas nos últimos anos —, o investidor se afasta do mercado acionário. O intervencionismo
constitui um grande problema, cujo caso mais dramático é o
da Petrobras. Começa pela definição do modelo de partilha
para a exploração do pré-sal e segue com a capitalização da
companhia e as determinações de conteúdo nacional para
os fornecedores de equipamentos, entre outras ações. Isso
foi ruim para a companhia e, obviamente, afetou o mercado.
A Petrobras, deixou de ser a grande empresa brasileira. Hoje
é a Ambev. Transformamos petróleo em cerveja.
Recentemente, o governo anunciou um pacote de medidas
para estimular o mercado de capitais. Uma delas é a isenção de imposto de renda nos investimentos em ações de
pequenas e médias empresas. Políticas desse tipo resolvem?
São muito pouco significativas. Quando o mercado acordar
em razão de mudanças macroeconômicas, os progressos de
natureza regulatória ou incentivos fiscais poderão ter alguma utilidade. No momento, não. Para o mercado de capitais
destravar, é preciso mudar a política econômica. Basicamente, o grande erro é o descontrole fiscal, um assunto grande
e complexo. Como compreende um espectro enorme de
medidas, não há uma bala de prata que resolva tudo. O que
resta às autoridades é afirmar seu compromisso, coisa que a
administração atual não tem mais capacidade de fazer, já que
durante todos esses anos evitou reconhecer ao existência do
problema. Assegura recorrentemente que as contas fiscais
estão em ordem e usa criatividade contábil e maquiagem.
A eleição é uma janela para mudar.
Na década passada, houve um desenvolvimento regulatório
intenso nos mercados. Criaram-se produtos, aperfeiçoaram-se normas de governança e cresceu a concorrência
entre os agentes. Não era exatamente o que faltava para o
mercado evoluir?
Essas iniciativas vêm de longe. As operações estruturadas
de base imobiliária, por exemplo, começaram a se desenhar
em 1996, quando as primeiras peças de legislação sobre o
sistema financeiro imobiliário foram aprovadas. Demorou
um tempo para o mercado se acostumar com essas diretrizes,
mas no fundo foram elas, já amadurecidas, que permitiram
a expansão desse segmento. São alterações institucionais
importantes, porém, de impacto decepcionante nas emissões.
Temos um problema que a literatura designa como “crowding
Imaginou-se que seria possível chegar a 5 milhões de investidores na BM&FBovespa em poucos anos. O que vemos
hoje são pessoas deixando o pregão. Como é possível atacar
esse problema?
A pessoa física, quando vai ao mercado de capitais, se divide
entre o apelo das ações e o dos fundos de investimentos que
carregam títulos públicos, por exemplo. Se os juros sobem,
não tem conversa: ela preferem a dívida do governo. Fora isso,
veja o que aconteceu com a Petrobras, que perdeu metade
do valor de mercado em função das políticas estatais. Quem
investiu o FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço]
ou a poupança nos papéis da empresa viu metade de suas economias ir embora. É compreensível, portanto, que as pessoas
físicas estejam ariscas. Recuperá-las depende de um contexto
38 C APITAL A BERTO Setembro 2014
macroeconômico diferente, que apresente a intenção expressa de diminuir o tamanho da pegada governamental.
“O peso do
Estado
deve ser
reduzido”
Discute-se o uso dos recursos do FGTS, que não remunera os
trabalhadores a contento. Faz sentido dispor desses recursos
para alavancar o mercado de capitais?
Claro que sim. Esta aí uma fronteira muito interessante a ser
explorada. O FGTS é uma espécie de plano de previdência,
do qual muitos brasileiros são cotistas. Mas ele tem uma política de investimento diferente das fundações, por exemplo.
Enquanto o fundo de pensão põe seus recursos a serviço do
cotista, com vistas a obter o melhor rendimento possível, e
está sujeito a uma regulamentação prudencial, o FGTS não
tem nada disso; sua política de investimento é absolutamente
chapa-branca. O patrimônio é tratado como se fosse recurso
orçamentário. A ideia da governança tripartite, com representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo,
é uma ficção. Defendo que o FGTS seja um instrumento
assemelhado a um fundo de pensão, tanto na política de investimento quanto na remuneração. O mercado de capitais
só teria a ganhar se o FGTS e o FAT [Fundo de Amparo ao
Trabalhador] se parecessem com fundos de previdência.
É algo factível no curto prazo?
Sim, não vejo nenhuma dificuldade. Seria preciso criar uma
regra de transição, pois os recursos que lá estão foram investidos de uma certa maneira, seguindo determinados critérios.
Mas não é difícil estabelecer uma mudança. Há muitas ideias
a explorar, por exemplo, aquela que permitiu às pessoas
investir nas ações da Vale e da Petrobras. Por que também
não permitir que haja outros gestores para esses recursos,
que são privados?
A taxa de poupança baixa é considerada um problema crônico no País. Como elevá-la?
Tendo a olhar para a taxa de poupança mais como o resultado
de várias coisas do que propriamente como uma decisão do
brasileiro, que, diferentemente do chinês, poupa pouco ou
só olha para o curto prazo. Na China, onde não existe previdência pública, as pessoas têm de se virar para preparar sua
velhice; no Brasil, a filosofia é de que a velhice será garantida
pelo Estado. Todo o sistema de previdência, pública ou complementar, merece ser aperfeiçoado e popularizado. Isso faria
a taxa de poupança crescer. Porém, não se faz mudança cultural por meio de campanhas, e sim com atitude institucional,
conduzida pelo governo. A reforma no FGTS e no FAT seria
um começo de conversa nesse assunto.
Foto: Greg Salibian
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 39
Capa
Foto: divulgação
“Menos
burocracia
e mais
informação”
40 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Oficialmente, Mark Mobius mora em Cingapura. Na prática, passa
boa parte do tempo viajando pelo mundo. Como diretor-executivo do
Templeton Emerging Markets Group, ele coordena equipes de análise
de investimentos em 18 países. Atendeu à ligação da capital aberto
direto de Tóquio, de onde partiria para a Coreia do Sul. Seu trabalho
na tradicional gestora americana começou em 1987, quando geria um
fundo de investimento em países emergentes. Hoje, é tido como uma
autoridade para opinar sobre esses mercados. Em seu blog, traduzido
para várias línguas, Mobius divide um pouco de seu trabalho de análise
com o grande público. Diz o que pensa do potencial da Nigéria, das
reformas do mercado de capitais chinês, da criatividade sul-coreana.
Volta e meia, fala também sobre o Brasil. E adverte: o governo é burocrático e gastador demais, sem que empresários, cidadãos e investidores
tenham a contrapartida.
Por Bruna Maia Carrion
Se o Brasil tivesse que escolher apenas um problema
para resolver, qual deveria ser?
A burocracia. Em seu país, para que algo seja efetivamente feito, é preciso passar por muita papelada. Um
problema e tanto, que acaba tendo como consequências
a corrupção e a falta de transparência. Para investidores,
isso é sinônimo de ineficiência e imprevisibilidade, além
do alto custo de realização dos negócios. O Brasil tem
pessoas muito inteligentes e bons investidores; conta
com um mercado de ações ativo e inovador. Não há por
que não ser um modelo entre os emergentes. Basta que
a burocracia e a falta de transparência sejam resolvidas.
Existe uma reclamação generalizada sobre como a
carga tributária brasileira, muito alta (cerca de 35% do
PIB), encarece os negócios. Impostos elevados são um
desincentivo para os investidores?
A carga tributária brasileira é alta sim. Seria bom se
diminuísse. Mas os investidores não se importariam
muito com ela se houvesse a contrapartida necessária ao
País em infraestrutura, que é muito ruim. Hoje, mesmo
com impostos tão altos, não há retorno em termos de
serviços que facilitem a vida dos cidadãos ou os negócios
dos empresários.
A alta da taxa Selic é sempre apontada como uma trava
para o mercado de capitais brasileiro. Em sua opinião,
ela é um problema tão grande assim?
Com os juros de títulos públicos em 11%, não faz nenhum
sentido para os investidores domésticos se voltarem para
ações. É um fator relevante, sem dúvida alguma. Do ponto de vista do investidor estrangeiro, contudo, não são os
juros altos o principal desincentivo para o investimento
no mercado de capitais. É a ineficiência estrutural. E aí voltamos para o problema da burocracia e da infraestrutura ruim.
O senhor acredita que a burocracia é um motivo para as
empresas não se listarem em bolsa?
Sim. Quando uma empresa se lista, ela precisa ser transparente. A burocracia acaba criando um ambiente propício para
que muitas coisas erradas sejam feitas, como evasão fiscal e
corrupção. Companhias que realizam essas práticas tendem
a evitar o mercado de capitais para se financiar.
De uma forma geral, como o senhor vê a governança corporativa das companhias brasileiras?
O Brasil tem companhias muito boas e transparentes. Mesmo as estatais chegaram a atingir um bom nível de governança. Porém, devido a intervenções do governo, vieram a
não tomar as melhores decisões de negócio. Seria ótimo se
o Brasil acabasse com o modelo de duas espécies de ações
[ordinária e preferencial]. Um bom exemplo a seguir é o de
Hong Kong. Naquele país, a bolsa de valores impediu a
oferta pública inicial do Alibaba, porque a empresa pretendia lançar classes de ações diferentes [diante da negativa, a
companhia chinesa de comercio eletrônico preferiu se listar nos
Estados Unidos, com oferta pública inicial de ações a ocorrer
no meio de setembro].
Na comparação com outros mercados emergentes,
o governo brasileiro é muito interventor?
Os outros emergentes têm os mesmos problemas do Brasil,
em diferentes níveis. Na China, temos visto um tipo de
interferência governamental positiva nos últimos tempos.
O governo vem se esforçando para retirar subsídios, tornar
as empresas públicas mais lucrativas e diminuir a corrupção.
É nesse tipo de intervenção que o governo brasileiro deveria
se focar. Já criou uma lei anticorrupção; agora, deveria acabar
com o subsídio para os combustíveis, que estão fazendo uma
grande pressão sobre a Petrobras.
Existe algo que as companhias deveriam fazer para atrair
investimentos, em vez de contar apenas com reformas do
governo?
Sim. Os empresários brasileiros e a Bolsa de Valores deveriam
fazer um forte trabalho de comunicação com os investidores
internacionais. Em muitos locais da Europa e principalmente
da Ásia, o Brasil é um desconhecido. No Japão, por exemplo,
há muito dinheiro para ser investido. Se as companhias brasileiras fizessem roadshows mais amplos para se reunir com
gestores de fora dos Estados Unidos e da Europa central,
poderiam atrair mais investimento.
Poucas pessoas físicas negociam ações na bolsa brasileira.
Estimulá-las seria importante, ou o País deveria se preocupar mais em desenvolver investimentos por meio de fundos?
As pessoas físicas são importantes, pois criam liquidez. Além
disso, em grande número, forçam as empresas a ser mais
transparentes. Da mesma forma, a participação de um número maior de investidores institucionais seria, sem dúvida, benéfica ao mercado. A indústria de fundos de pensão brasileira
é ainda pouco desenvolvida; a criação de mais organizações
desse tipo deveria ser estimulada.
Como atrair pessoas físicas para a bolsa de valores?
Muita gente sai do colégio sem ter a mínima ideia de como
investir seu dinheiro e poupar para o futuro. Esses assuntos
deveriam ser matéria da educação básica. Os jovens precisariam aprender já no ensino médio o que é o mercado
de capitais e como funcionam os mercados de ações e
de dívida.
LL.M. em
Inscrições abertas
DIREITO EMPRESARIAL
O Método do Caso: o participante enfrenta distintas situações empresariais
que lhe são apresentadas. Com o apoio de leituras e ferramentas conceituais,
toma decisões e elabora propostas de ações.
www.iics.edu.br
Rua Martiniano de Carvalho, 573 | SP
tel. +55 (11) 3177.8385/8448 | facebook.com/direitoiics
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 41
Capa
Em 2012, Ilan Goldfajn ingressou em um dos maiores bancos do País. Antes
de se tornar economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco, teve passagens por
instituições importantes como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco Central — neste último, foi diretor de política econômica. Em sua visão,
o Brasil precisa retomar os fundamentos macroeconômicos para voltar a
crescer e ter um mercado de capitais pujante. “Com isso, as companhias vão
se sentir mais seguras para fazer IPOs. Precisamos ter confiança no futuro”.
Foto: divulgação
Por Bruna Maia Carrion
“É preciso
confiar
no futuro”
42 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Há poucas pessoas físicas negociando ações na bolsa de
valores. Quão importantes são esses investidores para o
desenvolvimento do mercado de capitais?
A pessoa física é fundamental para dar profundidade ao mercado. Em sociedades mais modernas, ela diversifica seu portfólio,
em vez de deixar o dinheiro em conta corrente e poupança.
Isso é bom para a sociedade, pois aumenta o conhecimento do
cidadão em relação às companhias. O problema no Brasil é que
a pessoas físicas são pouco informadas sobre investimentos.
Deveria haver mais programas educativos, criados para ajudá-las a compreender a bolsa e as empresas. As empresas também
podem participar desse processo, melhorando a forma de se
comunicar com os investidores, em linguagem clara e acessível.
A MP 651 busca estimular a listagem de empresas médias
oferecendo incentivo fiscal ao investidor. Qual é sua opinião?
Gostei muito. Esse benefício para pequenas e médias empresas
é algo que vai se pagar no futuro.
O brasileiro poupa pouco. Nossa taxa de poupança é baixa
e vem caindo — em 2010 era de 19%; hoje é de 15%. Noutros
países, como a Coreia do Sul, chega a 38%. O que podemos
fazer para reverter esse quadro?
Estamos predispostos a achar que a economia cresce com
incentivo ao consumo. Isso está errado e só funciona no
curto prazo. O ideal seria moderar o consumo e estimular a
poupança. Ajudaria se os impostos sobre ganhos de capital
fossem reduzidos.
Como o senhor avalia o arcabouço regulatório e legislativo
brasileiro?
De forma geral, temos que caminhar para a simplificação.
Diminuir a papelada, tornar o processo de pagamento de
impostos mais fácil. Descomplicar a vida dos investidores.
Falando de regulação do mercado de capitais, tenho receio
de como o minoritário é tratado. Sinto a necessidade de mais
mecanismos de proteção ao investidor. Acabar com a existência
de duas classes de ações seria complicado no momento, mas
é algo que devemos pensar para o longo prazo. Também acho
importante que os investidores e os acionistas participem
mais da administração das companhias Esse envolvimento
tende a melhorar a gestão, a aumentar o profissionalismo e a
estimular a inovação.
Ferrovias de volta à pauta
Avanços regulatórios, perspectiva de retomada e melhoria dos projetos animam setor
Desde o anúncio do Programa de Investimentos em
Logística, do governo federal, muito se falou de como o investimento em ferrovias é fundamental ao País. A mudança do modelo de exploração do setor — da lógica vertical
para a horizontal — capitaneou o debate, colocando na balança fragilidades de implantação e insegurança jurídica,
ao lado do incentivo ao investimento.
Fato é que muito pouco avançou. Investimentos em infraestrutura ferroviária e alteração de modelo naturalmente demandarão tempo para se consolidar. Ainda assim,
poderíamos ter avançado nas concessões nos últimos dois
anos. Agora o setor torna a evoluir, com indícios de coordenação nas ações e fortalecimento institucional.
A notícia mais recente informa que 19 grupos demonstraram interesse no investimento, tendo apresentado 81
pedidos para elaboração de projetos para seis das prometidas concessões de novas estradas de ferro. Como já se viu
em processos semelhantes, provavelmente haverá composição entre grupos ou mesmo desistência. Por isso, o governo espera não receber tantos projetos — o que, de certo
modo, é positivo, ante a dificuldade de analisar tantas variáveis. De todo modo, a participação da iniciativa privada
na modelagem de projetos de infraestrutura é fundamental
para que as concessões atraiam agentes capacitados.
Para despertar o interesse do mercado, o governo federal deu sinais de que passará a agir de maneira mais coordenada, buscando dar segurança jurídico-institucional a
suas medidas, além de reforçar aspectos financeiros dos
projetos. Destaca-se, nesse sentido, a edição da Resolução 4.348 da Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT), em junho último, a regular os operadores ferroviários independentes (OFIs).
Protagonista do novo modelo, o OFI exercerá a maior
parte do transporte sobre trilhos, já que a infraestrutura
será concedida de forma independente e seus concessionários estarão impedidos de operar as locomotivas. No entanto, quando da divulgação dos primeiros (e frustrados)
projetos para concessão no paradigma novo, nada se sabia sobre o OFI: forma de autorização, regime jurídico,
relacionamento com as concessionárias, especialmente
Ainda há alguns entraves,
devido à complexa mudança
do modelo de exploração
aquelas sob o regime vertical, e outros temas delicados.
A edição da norma é, portanto, positiva.
Apesar disso, ainda há entraves. A complexidade de
mudar o modelo de exploração da infraestrutura é patente.
A dificuldade de coordenação está escancarada na própria
resolução, cujo resultado trouxe estrutura bastante intricada, que demanda dos agentes a formalização de três a quatro contratos distintos e cerca de três fluxos de pagamento
para realização do transporte. Isso sem falar no que está
para ser definido, como a forma de leilão da capacidade a
ser feito pela Valec.
Esse panorama evidencia a baixa atividade regulatória
no setor como uma das causas da escassez de especialistas. O estudo do processo de consolidação da Resolução
4.348 parece demonstrar a involução do texto. Na tentativa
de trabalhar com as contribuições da sociedade, a ANTT
pode ter complicado ainda mais a norma.
Não obstante, a regulamentação do OFI vem atraindo
diversos agentes, desde donos de carga que desejam prover
seu próprio transporte até empresas e investidores interessados em prestar serviços logísticos. Esse movimento é fundamental para o sucesso do modelo open access, que sofre
com falta de competitividade em outros países nos quais foi
implantado. Não há duvidas de que o sucesso ferroviário
depende de uma construção sólida neste momento.
Por Rosane Menezes Lohbauer (rosane.menezes@
mhmlaw.com.br) e Rodrigo Sarmento Barata
([email protected]), respectivamente
sócia e advogado do MHM Advogados
Infraestrutura é um informativo bimestral produzido por MHM Advogados e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO.
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
Voando baixo
44 C APITAL A BERTO Setembro 2014
APOIO:
Em 2011, o governo criava a debênture
de infraestrutura. O objetivo era aliviar
o peso do BNDES como financiador do
setor, cuja necessidade de investimento
chega a R$ 1 trilhão. Passados três anos,
19 emissões foram feitas até 13 de agosto,
conforme as regras do artigo 2 da Lei
12.431. Ele concede isenção de imposto
sobre os rendimentos de debêntures de
infraestrutura adquiridas por pessoas
físicas nacionais e por estrangeiros.
O número tímido de ofertas poderia
sinalizar um desinteresse dos emissores, não fosse um detalhe: mais de 90
projetos têm autorização ministerial
para lançar a debênture e ainda não o
fizeram. Para discutir como destravar
esse mercado, a capital aberto realizou, em 5 de agosto, a 11a edição de seu
Círculo de Debates. O evento ocorreu
dois meses depois de o governo anunciar
duas medidas benéficas à disseminação
do título: a prorrogação do período de
incentivo fiscal, que duraria até 2015,
para 2020, e a inclusão de segmentos
no rol de projetos elegíveis a emitir a
debênture. A seguir, os melhores trechos
da conversa.
Por Luciana Tanoue e
Simone Azevedo
Antonio Marques
de Oliveira,
superintendenteexecutivo de mercado
de capitais do HSBC
Carolina Lacerda,
diretora da Anbima
Fausto Silva Filho,
gestor da XP
Investimentos
Marcelo Giufrida,
sócio da Garde Asset
Management
capital aberto: O que é preciso fazer
para estimular as emissões de debêntures
de infraestrutura?
Antonio de Oliveira: Um nivelamento ministerial ajudaria. O Ministério
dos Transportes, por exemplo, é extremamente ágil e tem uma portaria
para aprovação de projetos atualizada.
A velocidade lá é enorme. Algumas outras portarias, no entanto, são precárias.
No setor de saneamento, estamos tentando fazer uma emissão há mais de três anos.
A portaria, além de desatualizada, pertence ao Ministério das Cidades, que
tem outras prioridades. Isso sem falar de
questões do tipo: “Eu não quero que essa
empresa de saneamento de outro estado,
Rodrigo de Campos
Vieira, sócio do Tozzini
Freire Advogados
Thiago Jordão, gerente
de controladoria e
de relações com
investidores da
Rodovias do Tietê
governado por outro partido, saia na
frente”, e de discussões filosóficas sobre
se a debênture de infraestrutura pode
financiar o pagamento da outorga [da
concessão]. Projetos de rodovias, entretanto, já fizeram isso.
Rodrigo Vieira: A questão é mesmo política. Do ponto de vista jurídico, acredito
que a Lei 12.715 [promulgada em setembro
de 2012] esclareceu a maioria das dúvidas
do mercado sobre a 12.431 [que criou a
debênture de infraestrutura]. Mas é difícil
ter previsibilidade em operações com
participação grande do BNDES e que
dependam de aprovação ministerial.
Thiago Jordão: Fomos a Brasília quatro
vezes para mostrar ao Ministério dos
Transportes o que não havia dado certo
em nossa primeira tentativa de emitir
debêntures incentivadas, em 2012, com o
Barclays. A partir daí, algumas partes da
lei foram reescritas, o que permitiu, inclusive, que outras concessionárias ofertassem o título. Depois disso, contratamos o
BTG para coordenar a oferta, que acabou
acontecendo em julho do ano passado.
Captamos pouco mais de R$ 1 bilhão.
Conseguimos realizar uma emissão com
prazo de 15 anos, em reais, no exterior.
Fizemos roadshow em Peru, Chile, Inglaterra e Estados Unidos. A taxa era para ser
IPCA mais 5,5% ao ano, porém, quando
estávamos em Boston, veio a notícia de
que o governo passaria a não cobrar IOF
[Imposto sobre Operações Financeiras]
de título público. Nessa mesma época,
também ocorreram as manifestações
populares, o que afugentou o investidor
internacional. Fomos obrigados a aumentar a taxa para IPCA mais 8%.
Marcelo Giufrida: Eu vou ser sincero.
Não consigo me empolgar com o modelo
dessa debênture. Principalmente quando
escuto comentários como: “O governo alterou o IOF de títulos públicos”; “Alguns
ministérios permitem o uso da debênture
para pagamento da outorga e outros,
não”; “Alguns ministérios são mais ágeis
e colocam prioridades”. Eu vejo isso como
algo socialista, no sentido em que teremos
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 45
sempre que depender do dedo do rei
para eleger os projetos que podem se
financiar através das debêntures incentivadas. Uma tragédia para a eficiência
da economia. Para mim, um título que
precisa de uma romaria em Brasília para
ter sucesso é natimorto.
capital aberto : Quanto a isenção
fiscal ajuda, na visão de vocês?
Marcelo Giufrida: Para mim, a isenção
fiscal é a estaca no peito desse título. Ela
só atrai quem paga imposto de renda na
fonte, no caso, as pessoas físicas. Para os
maiores investidores do País — os fundos de pensão e os de investimento —,
o estímulo é inócuo, uma vez que eles já
não pagam imposto nas suas aplicações.
Só que, enquanto as pessoas físicas têm
mais ou menos R$ 200 bilhões investidos
em renda fixa, os fundos de pensão, os de
investimento e os estrangeiros, tirando
dupla contagem, possuem R$ 2 trilhões.
Fora isso, ao focar o incentivo na pessoa
física, trazemos para esse mercado um
investidor menos preparado.
Antonio de Oliveira: O estímulo acaba
distorcendo os parâmetros de precificação no mercado primário. Como a
debênture de infraestrutura dá isenção
fiscal, e o título público não, o emissor vê
a oportunidade de ter uma precificação
igual à do título do governo, mas isso
o torna atrativo somente para a pessoa
física. Concordo que, considerando a
necessidade de investimento em infraestrutura de R$ 1 trilhão, depender da
pessoa física é complicado. Ela não tem,
em muitos casos, a capacidade de análise
que os gestores têm.
Fausto Silva Filho: Por isso, fomentar
a criação de fundos de debêntures de
infraestrutura é de extrema importância
[o cotista desse tipo de veículo também
usufrui a isenção fiscal]. Nós tivemos uma
experiência muito difícil na CVM para
aprovar o nosso fundo, por causa do receio quanto à liquidez dos títulos. E hoje,
olhando os números da Anbima e de
outras fontes, vemos que as debêntures
46 C APITAL A BERTO Setembro 2014
“A isenção fiscal é
a estaca no peito
da debênture de
infraestrutura.
Ela só atrai quem
paga imposto
de renda na fonte,
no caso, as pessoas
físicas. Para os
maiores investidores
do País — os fundos
de pensão e os
de investimento —,
o estímulo é inócuo.
Ao focarmos
o incentivo na
pessoa física,
atraímos um
investidor menos
preparado”
incentivadas superam as tradicionais em
negociabilidade no mercado secundário,
tanto em dias de negociação quanto
em volume financeiro transacionado.
O papel da Rodovias do Tietê, por exemplo, tem uma liquidez comparável à de
um título público. A posição dos fundos
nesses papéis precisa crescer para ajudar
o mercado a dar um passo maior.
Antonio de Oliveira: Além do mais,
a pessoa física, quando compra um
papel incentivado diretamente, muitas
vezes acredita estar adquirindo algo
parecido com um CDB; não é verdade.
Na maioria dos casos, é culpa do gerente
de banco, que faz uma comparação
ingrata ao dizer que o papel paga o
equivalente a, por exemplo, 120% do
CDI [a taxa de remuneração da debênture
incentivada deve ser vinculada a índice de
preço]. Esse tipo de informação não é
monitorado por ninguém.
Carolina Lacerda: Por isso, melhorar
a capacitação dos gerentes é uma das
preocupações da Anbima. Mas, obviamente, isso leva tempo. Estamos
trabalhando numa série de certificações
e pedindo aos bancos que preparem
suas equipes. Também temos buscado
educar o investidor. Fizemos alguns
convênios com faculdades para incluírem aulas de educação financeira
nos seus currículos, e não só nos cursos
de administração e economia.
capital aberto: Qual seria, então, a
alternativa ao estímulo fiscal ao investidor pessoa física?
Marcelo Giufrida: Minha sugestão é
focar o emissor. As letras financeiras,
por exemplo, oferecem aos bancos uma
série de vantagens em relação ao CDB,
como a isenção do FGC, por exemplo,
que barateia o custo de emissão. Com
essa economia, ele pode oferecer um
retorno melhor para o investidor em
captações mais longas.
Antonio de Oliveira: Toda vez que
nos reunimos com o emissor, criamos
APOIO:
alguma forma de diminuir custos.
O problema é que isso pode acabar
prejudicando a qualidade do trabalho.
Porém, se houver mais clareza, transparência e padronização no processo,
é possível uma otimização. Não raro
discutimos com o advogado da primeira série as cláusulas da oferta, e o
advogado da segunda quer mudá-las
ou impor o formato dele. Precisamos
desenvolver um documento padrão
para as emissões.
Fausto Silva Filho: Primeiro, as condições macroeconômicas têm que
nos permitir fazer isso. Também precisamos de um arcabouço jurídico
com regras claras. A forma como o
governo atua — basta lembrar o que
ocorreu no setor elétrico — não nos dá
essa tranquilidade.
Rodrigo Vieira: É verdade. Um exemplo
de como a padronização pode ajudar é
o contrato global de derivativos, que fez
um bem enorme para o mercado.
Thiago Jordão: Para se ter uma ideia,
do R$ 1 bilhão que captamos, uns
R$ 100 milhões se destinam a eventuais
problemas no dia a dia da execução,
como uma desapropriação que não
sai ou uma licença que não é liberada.
Esse risco governamental precisa ser incluído no projeto e na modelagem
da debênture.
Antonio de Oliveira: Cabe ressaltar que
projetos menores não aguentam os custos de uma companhia aberta. Por isso,
a Anbima vem discutindo a possibilidade de criar algum tipo de sociedade por
ações aberta com obrigações menores
e, portanto, mais barata. As fechadas
podem emitir o título, no entanto têm
que vendê-lo conforme as regras da
Instrução 476 [somente para um grupo
de investidores qualificados]. E, pela 476
atual, esses papéis podem ser comprados por no máximo 20 investidores.
capital aberto: Além da padronização dos contratos e da redução de custos
para o emissor, o que mais poderia
alavancar as emissões?
Antonio de Oliveira: Quebrar a desconfiança dos atores do mercado é crucial.
O próprio BNDES, sabendo que o segmento ainda está em evolução, criou
um programa para comprar parte desses
papéis. E por quê? Porque há a desconfiança de que não vai dar certo. Um dos
sintomas dela é o fato de vivermos num
país em que o prazo máximo de financiamento é muito inferior ao praticado
nos vizinhos, por exemplo. Tanto é que,
quando vamos vender debênture incentivada, fazemos roadshow no Peru e no
Chile. Então, a pergunta é: o que faria
o investidor brasileiro comprar papéis
de 30 anos?
Rodrigo Vieira: E em que medida o
risco de execução do projeto dificulta
as emissões?
Antonio de Oliveira: A emissão da usina de Santo Antônio foi emblemática
nesse sentido. Em quatro meses, vivenciamos tudo o que poderia dar errado.
O rio Madeira registrou a maior cheia da
história e inundou a capital de Rondônia
[Porto Velho]; a culpa, entretanto, foi
imputada à hidroelétrica. Para piorar,
uma usina com nome parecido teve uma
barragem com problema de vazamento.
Imagina a situação. Apesar de tudo isso,
e de estarmos ofertando títulos de uma
usina que não estava 100% operacional,
conseguimos posicionar a emissão
muito bem no mercado. Ela contou com
uma grande adesão de pessoas físicas e
foi ofertada com taxa abaixo da esperada. Então, essa história de “Eu faço um
empréstimo ponte e, quando o projeto
terminar, lanço o papel” precisa mudar.
Nós vamos ter que mitigar esses riscos.
capital aberto: Para finalizar, gostaríamos que comentassem como as
perspectivas para as eleições estão influenciando o apetite pelas debêntures
de infraestrutura.
Fausto Silva Filho: A proximidade das
eleições deixa todo mundo um pouco
mais retraído. Isso vale tanto para
investidores como para emissores.
A vontade de investir hoje é baixa no
País. Estão todos buscando entender
qual será o nosso futuro. Além disso,
não se sabe se haverá uma grande mudança. A postura do governo, a meu ver,
não ajuda o financiamento de longo
prazo privado no Brasil. Não há uma
agenda de reformas que corrobore esse
tipo de investimento.
Thiago Jordão: Os políticos que ganharem as eleições, independentemente de
quem sejam, precisarão ter uma visão
de longo prazo. Atualmente, ela é de
no máximo oito anos, já considerando a
reeleição. E, para se manter no governo,
eles adotam atitudes em certo ponto
populistas. Nada contra o Geraldo Alckmin, mas o que ele fez com os pedágios,
ao optar por não dar o reajuste no ano
passado e agora propor um aumento
diferente [abaixo da inflação], foi uma
atitude intervencionista. Rompe com
todos os contratos de concessão de
rodovias do estado de São Paulo. Isso
afasta o investidor.
Fausto Silva Filho: Só que não dá para
continuar apenas criticando o governo.
Precisamos sentar com os governantes
e dizer o que queremos. Eu nunca vi
Brasília com uma capacidade tão grande de atender o mercado de capitais.
Agora, o que temos de pensar é: como
quebramos essa barreira do curto prazo?
Certamente mais previsibilidade pode
ajudar. Enquanto não fortalecermos
as nossas instituições e os marcos regulatórios, o investidor vai continuar
preferindo comprar letra financeira,
um instrumento de dois anos emitido, em sua maioria, por bancos de
primeira linha.
Carolina Lacerda: Concordo. Muitos
avanços foram feitos. Independentemente de quem ganhe as eleições,
vamos continuar com os nossos pleitos para que o mercado de capitais
possa financiar cada vez mais projetos
de infraestrutura.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 47
Reestruturação
Missão possível?
“O pior emprego do mundo.” Exageros à parte, essa é a visão de alguns
investidores e analistas do mercado
sobre o cargo ocupado pelo engenheiro
Zeinal Bava. O executivo, que deixou
a Portugal Telecom (PT) em junho de
2013 para assumir a Oi, preside hoje
a CorpCo, empresa criada a partir da
fusão das duas operadoras de telefonia
em outubro. Seu fardo é gigantesco.
Consiste em fazer a virada de um negócio com mais de 100 milhões de clientes
em três continentes, receitas em queda,
investimentos por fazer e dívidas da
ordem das dezenas de bilhões de reais.
Só assim alcançará seu objetivo de criar
a melhor operadora de telecomunicações do mundo. O que, por si só, já seria
um desafio e tanto ganhou dose extra de
complexidade após o calote de € 897 bilhões da Rioforte na PT, em julho deste
ano. O episódio expôs problemas graves
de governança e fez as ações da Oi — a
companhia ainda não tem o nome de
CorpCo no pregão — derreterem. Os papéis valiam R$ 1,27 em 18 de agosto, cotação 69,5% inferior à de um ano antes.
“Há um sentido de urgência. Vamos
trabalhar para transformar nossa base
48 C APITAL A BERTO Setembro 2014
tecnológica e o modelo de negócios, fazendo mais com menos”, declarou Bava
em agosto, durante teleconferência de
divulgação de resultados.
A administração da CorpCo tem
mesmo pressa. Precisa desatar um nó
que vem estrangulando a Oi há anos:
seu endividamento, que atinge recordes
trimestre após trimestre. No primeiro deste ano, a dívida líquida era de
R$ 30,29 bilhões; no segundo, com os
resultados de Oi e PT consolidados,
cresceu 52%, para R$ 46,2 bilhões.
A relação entre esse indicador e o lucro
antes de juros, impostos, depreciação e
amortização (Ebitda) atingiu 3,4 vezes,
a maior entre as teles nacionais.
A alavancagem é reflexo de decisões
tomadas pela Oi anos atrás. O principal
gatilho da dívida foi o acordo firmado,
em abril de 2008, para a compra da
Brasil Telecom (BrT), por R$ 5,3 bilhões.
A operação levou a empresa, por meio
de seus controladores, a se encalacrar
para pagar os acionistas da BrT. Em
2012, o endividamento piorou, com a
decisão do antecessor de Bava, Francisco Valim, de adotar uma política de
dividendos agressiva para a Oi. Corria
o mês de março quando ele estabeleceu
o pagamento de R$ 2 bilhões no ano.
Nova esperança de alívio financeiro veio em outubro passado, quando
a Oi anunciou sua fusão com a PT.
Dividida em três etapas, a criação da
CorpCo envolveu, em sua fase inicial,
a capitalização da Oi, no valor de R$ 14
bilhões. A entrada do dinheiro, aliada a
uma expectativa de sinergia estimada
em R$ 5,5 bilhões, era a chance de a tele
brasileira recuperar o terreno perdido
para a concorrência nos últimos anos.
A lua de mel entre Oi e PT, contudo, não
demorou a ir por água abaixo.
O motivo foi a revelação, após o
acordo da fusão, de que a segunda havia
emprestado, na surdina, € 897 milhões
(cerca de R$ 2,7 bilhões) à Rioforte.
A empresa é uma holding de negócios
não financeiros do grupo português
Espírito Santo, um dos acionistas da
tele portuguesa. A descoberta só chegou ao conhecimento dos sócios das
duas companhias no fim do mês de
junho, exatamente quando a Rioforte
estava prestes a dar calote — fato que
se concretizou poucas semanas depois.
O escândalo levou à revisão do contrato
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
Na odisseia de Zeinal Bava para tirar a Oi do atoleiro,
os R$ 2,7 bilhões emprestados secretamente à Rioforte
farão falta
Por Marianna Aragão
de fusão com os ibéricos, que ainda
precisa ser aprovado por acionistas e
pela Comissão de Valores Mobiliários
(CVM). “No fim, R$ 2,7 bilhões que
poderiam entrar não entraram, e a dívida líquida aumentou”, constata Alex
Pardellas, analista da CGD Securities.
O endividamento mina a competitividade da operadora num setor cada vez
mais agressivo e exigente de capital.
“A alavancagem financeira retira a
capacidade da empresa de fazer investimentos para crescer”, resumem
Daniel Liberato e Felipe Silveira, da
corretora Coinvalores.
Corrida contra o tempo
Para a CorpCo atingir a grandeza que
seu presidente almeja, será necessário
resolver os problemas herdados da Oi.
Isso exigirá acelerar um plano de reestruturação iniciado em 2013, com a chegada de Bava à companhia. A iniciativa
passa por redução de custos e venda
de ativos para gerar caixa e diminuir o
endividamento. No campo operacional,
o plano é focar os investimentos em
áreas de maior rentabilidade, como telefonia móvel, banda larga e televisão, e
atualizar a base tecnológica. No terreno
financeiro, uma decisão importante foi
a alteração da política de distribuição
de dividendos, hoje fixada em, no mínimo, R$ 500 milhões por ano. A meta
é tornar o fluxo de caixa positivo em
2016. Na visão de analistas, contudo,
essa ambição só será atingida caso não
haja, nos próximos anos, grandes oscilações de receita e margens, e o capex
(investimento em bens de capital) fique
estacionado nos atuais 15% da receita
líquida (a média do mercado nacional
de telecomunicações é de 30%).
Alguns avanços vieram à tona no
segundo trimestre, quando foram divulgados pela primeira vez os resultados
consolidados de Oi e PT. Seguindo
a estratégia de alienar ativos, a tele
anunciou a venda de torres móveis no
valor de R$ 1,1 bilhão, o que trará um
impacto positivo de R$ 1 bilhão no Ebitda até o fim do ano. O opex (despesas
operacionais), por sua vez, caiu 6%, em
comparação ao segundo trimestre de
2013 (excluindo um impacto cambial,
que reduziria o percentual para 1,9%).
A queda de 2% na receita líquida e o
aumento de 78% do prejuízo líquido
(de R$ 221 milhões), no entanto, decepcionaram o mercado. “Houve alguma
melhora operacional, mas a base de
comparação é muito fraca”, observa
Lucas Marins, da Ativa Corretora. Cabe
ressaltar que o relatório trimestral está
sendo analisado pela CVM, após a empresa de auditoria KPMG ter emitido
relatório de revisão com ressalvas.
O motivo foram as incertezas geradas
pelo calote da Rioforte.
Para superar a crise, uma mudança no
modelo de negócio é premente. Apesar
de a Oi ser uma das poucas operadoras
nacionais que oferece “multisserviços”
(telefonia móvel e fixa, televisão paga
e banda larga fixa), 70% de seu negócio
ainda depende das linhas fixas, em declínio no País. No mercado de aparelhos
celulares, que registra algum crescimento mas tem feroz disputa por clientes,
a operadora mantém apenas a quarta
colocação, com 18% de mercado. Para
complicar, 86% de seus usuários móveis
usam planos pré-pagos. Isso num momento em que as operadoras se esforçam
para migrar seus consumidores para o
sistema pós-pago, mais lucrativo e favorável ao uso de dados.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 49
Reestruturação
Instabilidade
Enquanto receita e Ebitda da Oi patinam, dívida só aumenta (valores em R$ bilhões)
Trimestre
Receita líquida
Ebitda
Capex
Dívida líquida
1o/2013
7,04
2,15
1,69
27,50
2 /2013
7,07
1,63
1,51
29,49
3o/2013
7,10
1,97
1,54
29,30
4o/2013
7,21
2,00
1,52
30,42
1o/2014
6,88
2,96*
1,21*
30,29
2o/2014
6,94*
1,64*
1,38*
46,24*
o
Raio-x da CorpCo
Origem
Fusão entre Oi e Portugal
Telecom (PT), em outubro
de 2013
Sinergias
R$ 5,5 bilhões
Receitas líquidas
R$ 37,5 bilhões
*
Pró-forma; não inclui operação da PT em Portugal e na África. Fonte: site de relações com investidores da Oi. Ebitda*
R$ 12,8 bilhões
Posição perigosa
Capex**
R$ 8,5 bilhões
Oi tem mais clientes em áreas declinantes, como a de telefonia fixa Produto
Oi
Telefônica
América Móvel
(Claro e Net)
TIM
Celular
50,2 milhões
77,2 milhões
68,7 milhões
73,4 milhões
Telefones fixo
17,5 milhões
10,8 milhões
Não informa
Não possui
Banda larga fixa
5,9 milhões
3,9 milhões
6,4 milhões
Não possui
TV por assinatura
829 mil
641 mil
6,1 milhões
Não possui
Dívida líquida
R$ 41,2 bilhões
Atuação
Brasil, Portugal, Cabo Verde e
São Tomé, Timor Leste
Informações financeiras relativas a 2012.
* Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização.
** Investimento em bens de capital
Número de unidades negociadas em 2013. Fonte: Teleco.
A companhia também precisa avançar
em outras frentes: as de TV paga e banda larga. Essas áreas cresceram, respectivamente, mais de 11% e 55% no País em
2013 e são o atual filão das operadoras.
O problema é que a Oi vem perdendo
clientes nesses segmentos. A retração
resulta, segundo analistas, da falta de
investimentos na defasada infraestrutura de rede herdada das estatais.
Devido a isso, a empresa não consegue oferecer a qualidade de conexão
necessária para competir com players
como a GVT e Net. O investimento
deficiente prejudicou sua expansão na
área móvel, cada vez mais dependente
das tecnologias 3G e 4G. Um alento,
contudo, vem do plano de melhoria
de qualidade firmado pela Oi com a
Agência Nacional de Telecomunica-
50 C APITAL A BERTO Setembro 2014
ções (Anatel), em setembro de 2012.
Nele, a operadora prometeu investir
cerca de R$ 8 bilhões entre 2014 e 2016.
O montante, embora expressivo, é R$ 3
bilhões inferior ao da TIM, por exemplo,
que atua somente no segmento móvel.
A promessa da nova gestão é reverter
esse quadro, tornando a operadora mais
“convergente”. Em outras palavras, a
ideia é usar a extensa base de usuários
de telefonia fixa para vender outros
produtos, como TV paga e banda larga.
Para isso, a direção colocou em prática
um plano tático que inclui a ampliação
da força de vendas. A Oi tem também
dois trunfos na manga: a sua extensa
capilaridade em banda larga — é a única
presente em todas as regiões do País
— e a compra, no ano passado, de um
satélite que incrementa sua capacidade
de transmissão, melhorando o sinal e a
qualidade da imagem. Para Luiz Fernando Araújo, da gestora pernambucana
Finacap, que investe na Oi, é no serviço
de televisão que reside a maior chance
de recuperação da operadora. “Fora dos
grandes centros urbanos, é difícil chegar com fibra, e a solução passa a ser a
oferta de TV via satélite. A Oi tem uma
rede de cidades com essa tecnologia que
nenhuma concorrente possui”, ressalta.
Missão para o mágico
Se a reestruturação constitui mais um
teste de paciência aos acionistas da Oi
— e, agora, aos da PT também —, para
o português nascido em Moçambique
Zeinal Bava ela será uma verdadeira prova de fogo. O executivo ganhou notoriedade na indústria após liderar nego-
ciações duras, como a venda, em 2010,
dos 50% que a PT detinha na Vivo para a
então sócia Telefônica por € 7,5 bilhões,
quase o dobro do inicialmente ofertado.
No seu currículo também constam viradas de negócios como a realizada pela
própria PT, que se tornou referência
em tecnologia de fibra ótica na Europa.
O histórico fez Bava colecionar apelidos
como “mágico” e “malabarista” e o ajudou a escapar quase ileso da avalanche
provocada pelo escândalo da Rioforte
(ele diz desconhecer a operação).
Mas há quem acredite que nem mágica conseguirá resolver o problema da
Oi. “A perda de credibilidade é massiva”,
comenta um ex-acionista da companhia,
que desistiu do investimento após o episódio do calote. “Não enxergo qualquer
possibilidade de reestruturação, principalmente diante da robustez dos demais
players e da consolidação que vem se desenhando no setor” (leia quadro abaixo).
Otimistas e pessimistas concordam,
entretanto, em um ponto: a reorganização não será possível sem a entrada
de capital novo. O recurso poderia vir
de sócios capitalistas ou estratégicos.
Uma opção seria a aquisição de fatia
da empresa por um concorrente, como
a AT&T, que comprou em maio a
DirecTV, dona da Sky no Brasil. Como
a Sky não tem operadora para oferecer
um serviço convergente aos clientes,
seu produto é mais caro, o que limita
a expansão. Essa desvantagem poderia
levar seus donos a pensar numa parceria
no mercado brasileiro. Para Marcelo
Cheyne, sócio da Principal Investimentos, que possui ações da Oi em carteira,
o valor atual dos papéis — “baratos
demais” — torna inevitável a companhia ser alvo de uma aquisição. Até isso
acontecer, todos querem assistir a como
Oi e PT sairão da enrascada em que
se meteram.
Setor de telefonia atravessa momento de consolidação
A fase agitada por que passa o setor de
telecomunicações no Brasil deve complicar
ainda mais a vida da Oi. No início de agosto,
a operadora brasileira de telefonia fixa GVT,
controlada pela francesa Vivendi, recebeu
uma oferta de R$ 20,1 bilhões da Telefônica.
A transação envolveria o pagamento de R$ 11,9
bilhões em dinheiro e a transferência para os
franceses de 12% da Telefônica Brasil (Vivo).
Também daria à Vivendi a opção de ficar com
8,3% da fatia dos espanhóis na Telecom Italia, o
que resolveria um problema para a tele ibérica.
Por deter fatias do capital da Telecom Italia,
dona da TIM Brasil, e da Vivo, as duas maiores
do mercado nacional, a Telefônica foi obrigada
pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a optar entre dois caminhos:
vender sua participação na TIM ou abrir a Vivo
para a entrada de novo sócio.
A oferta espanhola foi interpretada como
hostil pelo mercado, por ocorrer num momento
em que a Telecom Italia e a GVT supostamente
discutiam uma aliança no Brasil. A união entre
essas duas, por sua vez, criaria uma empresa
integrada, ao combinar os serviços móveis da
TIM com a paleta de banda larga, televisão e
telefonia fixa da GVT. Dias após a proposta da
Telefônica, os italianos reagiram, abrindo negociações com a Vivendi para superar a oferta
da rival espanhola. O grupo francês informou
que avaliaria as propostas em uma reunião de
conselho prevista para ocorrer no fim de agosto.
Na opinião do mercado, a aquisição da GVT é
apenas uma questão de tempo.
Para a CorpCo, no entanto, os impactos podem ser mais ou menos negativos, dependendo
de quem levar o negócio. Caso acabe sob os espanhóis, a GVT deve se fortalecer, endurecendo
a concorrência com a Oi em segmentos como
o corporativo e a banda larga. Esse não seria,
porém, um desafio totalmente novo para a tele
nacional, que já enfrenta a francesa nesses
mercados. Além disso, a fusão deixaria a TIM
livre para ser disputada — ela é alvo da cobiça
do mercado, devido às dificuldades financeiras
da matriz e do bom desempenho no segmento
móvel no Brasil. “A união GVT-Telefônica seria
melhor para a Oi, pois ela poderia ganhar tempo
para se reorganizar e participar de uma consolidação futura”, diz um analista de mercado.
Antes mesmo de sair a decisão final sobre
quem leva a GVT, contudo, a Oi entrou em campo. Divulgou, em 26 de agosto, que pretende
comprar a participação detida indiretamente
pela Telecom Italia na TIM. O BTG Pactual foi
contratado pela companhia para desenvolver
alternativas que viabilizem a aquisição. (M. A.)
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 51
Alta&Baixa
Por João Carlos de Oliveira
35
30
33,04
Novidades no balcão
Cetip
24/7/2014
23,74
13/2/2014
30,65
25
13/8/2014
23,42
18/3/2014
20
Cotações no fechamento (em R$)
Empresa de serviços financeiros cria produtos para enfrentar conjuntura negativa
52 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Daniel Liberato, a companhia decidiu
distribuir dividendos extraordinários.
Elevou o total pago a 75% dos lucros,
proporção igual à da parcela entregue
no fim de 2013.
Para distribuir, no entanto, é preciso gerar. E, embora a Cetip esteja
no azul, o bom resultado do primeiro
Quem mais comprou
Investidores que mais aumentaram a
participação em ações ON da Cetip
Quem entrou
Bons números convertem-se em valorização na bolsa? No caso da Cetip, sim.
A empresa de serviços financeiros tem
duas unidades: uma registra títulos e valores mobiliários no mercado de balcão;
a outra cuida de garantias em financiamento de veículos. Ambas obtiveram
crescimento na casa dos dois dígitos
(18,9% e 15,3%, respectivamente) e alavancaram a cotação da ação, que registrou alta de 32,1% neste ano até o dia 5 de
agosto. Os números vieram acima das
expectativas e ajudaram a Cetip, que já
tinha a recomendação positiva de várias
casas de análise, a conquistar mais pontos aos olhos do mercado.
Desde 2012, quando mudanças na
política do governo afetaram duramente o setor elétrico, bancos e corretoras
garimparam novas companhias para
ocupar o espaço das grandes geradoras
de retorno ao acionista. Aos poucos, as
prestadoras de serviços financeiros ocuparam esse espaço.
Levantamento da Economatica mostra que apenas dez empresas listadas
distribuíram religiosamente seus lucros
para o investidor no período compreendido entre janeiro de 2012 e o início de
2014 — uma delas, a Cetip. No primeiro
trimestre deste ano, conforme os analistas da Coinvalores Felipe Silveira e
Gestora
Valor investido
31/1/201430/4/2014
Porto Seguro
Investimentos
139
3.659
Argucia Capital
Management
1.340
4.906
Fundação Vale do Rio
Doce Valia
652
1.940
Kondor Invest
0
18.222
Franklin Templeton
Investimentos Brasil
0
8.375
Pax Corretora de
Valores e Câmbio
0
1.693
Fonte: Economatica.
Foram consideradas as posições finais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares.
Obs.: Os dados de 30/4/2014 eram os últimos disponíveis até o
fechamento desta edição.
trimestre deve ser visto com atenção.
É preciso considerar que a Copa do
Mundo e o cenário eleitoral fizeram
as empresas anteciparem suas captações. Recente relatório operacional da
companhia mostra queda nos registros
de certificados de depósito bancário
(CDBs), certificados de depósito interbancário (CDIs) e swaps no segundo trimestre em relação ao primeiro:
-18,2%, -8,3% e -23,4%, respectivamente.
Os números indicam que o volume de
registros estaria se alinhando ao desempenho da economia. Por isso, analistas do BTG Pactual afirmam que
o crescimento dos lucros da Cetip
vai depender do desenvolvimento de
novos produtos.
A companhia parece estar atenta a
isso. Criou o Certificado de Operações
Estruturadas (COE), uma combinação
de renda fixa e renda variável que, aos
seis meses de vida, atingiu R$ 2,8 bilhões
em estoque. Outras iniciativas estão
sendo gestadas, como uma contraparte central para os derivativos de balcão,
cuja autorização ainda está pendente no
Banco Central. Também está por vir a
chamada fase dois da plataforma imobiliária da empresa, que consiste no registro eletrônico em cartório dos contratos de financiamento.
5
BR Brokers
Em liquidação
3,30
4
4,46
13/8/2014
4,84
2/4/2014
13/2/2014
3,15
3
Cotações no fechamento (em R$)
Ação do grupo de imobiliárias despenca junto com venda de imóveis novos e lucro
17/7/2014
compromisso de aumentar o controle
de custos e processos. Apesar disso,
o aspecto macro é considerado pelos
analistas o mais decisivo. Na visão dos
profissionais do Citi, a disciplina e a
iniciativa da nova gerência não serão
suficientes para compensar a desaceleração de vendas esperada.
Quem mais vendeu
Investidores que mais reduziram a
participação em ações ON da BR Brokers
Quem saiu
Dentro e fora da BM&FBovespa, o
setor imobiliário passa por dificuldades
em 2014. Enquanto as vendas de imóveis
novos recuaram 41% no primeiro semestre em São Paulo, a ação da BR Brokers
acumulou queda de 38,3% até o dia 5 de
agosto. O lucro do grupo de imobiliárias
também caiu: no primeiro trimestre,
acumulou R$ 1,1 milhão, montante
89,6% inferior ao de um ano antes. Para
completar a má fase, a companhia vem
perdendo participação de mercado ao
longo dos últimos três anos.
“Os juros estão mais altos, a inflação
subiu, e o crescimento da economia
será mais baixo. Não é uma hora boa
para comprar imóvel”, resume Renato
Maruichi, analista do Banco Fator.
O pior é que, segundo sua colega Nina
Bergstein, a situação só deve melhorar
em 2016. Até lá, a tendência é as construtoras reduzirem os lançamentos e
os consumidores adiarem as compras.
Não por acaso, o Fator rebaixou a recomendação para o papel da BR Brokers:
de compra para um status de revisão,
em março, e daí para venda, em junho.
A empresa reagiu. Desde o início do
segundo trimestre, o BTG Pactual e a
gestora de recursos Squadra assumiram
o comando do conselho de administração e mudaram a direção, com o
Gestora
Valor investido
31/1/201430/4/2014
BTG Pactual WM
1.507
23
BNP Paribas Asset
15.559
1.318
Itaú Unibanco
11.744
1.054
BC Gestão de
Recursos
10.068
0
Perfin Administração
de Recursos
2.683
0
GTI Administração de
Recursos
1.734
0
Fonte: Economatica.
Foram consideradas as posições iniciais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares.
Obs.: Os dados de 30/4/2014 eram os últimos disponíveis até o
fechamento desta edição.
Embora o tempo seja curto para analisar os resultados da troca de comando,
Nina a princípio considera a mudança
positiva. A existência de uma liderança
claramente constituída, com foco em
ajustes, colocaria um ponto final na falta
de alinhamento entre as corretoras. A tarefa de cortar custos, no entanto, não é
simples. A operação é necessariamente
alavancada, porque demanda uma estrutura fixa para prestar os serviços de
venda, de oferta das melhores oportunidades de compra e de apoio jurídico.
No cenário mais otimista desenhado
pelo Banco Fator, mesmo diante de uma
conjuntura ruim a BR Brokers consegue
manter sua participação de mercado,
cortando custos em 6%. No pessimista,
reduz os gastos em 3,5% e continua
perdendo espaço, o que dificulta a recuperação. Entre a perspectiva favorável e
a adversa, o preço-alvo por ação varia de
R$ 4,80 a R$ 2,20. O segredo do sucesso,
porém, não está só em enxugar despesas, mas em construir uma empresa capaz de entregar serviços superiores aos
da concorrência com custos menores.
A escolha das companhias para esta seção é feita a partir de um
levantamento da Economática com a oscilação e o volume negociado
mensalmente por ações que possuem giro mínimo de R$ 1 milhão
por dia. A partir daí, são escolhidas aquelas que se destacam pelas
variações positivas e negativas nos últimos seis meses.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 53
Notas I nternacionais
Por Bruna Maia Carrion
Finlândia quer fundos
de pensão mais
transparentes
Defesa contra retaliação só vale nos EUA
Funcionários que delatarem fraudes
de seus empregadores tanto internamente quanto à Securities and Exchange Commission (SEC) estão protegidos,
por lei, de retaliação — mas somente
em território americano.
O entendimento ficou claro numa
resolução da United States Court of
Appeals, em 14 de agosto. O caso envolvia Meng-Lin Liu, um funcionário
chinês que, em 2010, fez uma denúncia interna de indícios de corrupção
em negócios da Siemens na Coreia do
Norte. Em 2013, ele abriu um processo
na Justiça americana, alegando que foi
demitido por cumprir seu trabalho.
Ele era chefe de compliance do departamento de saúde e perdeu o emprego
após ter relatado a seus superiores possíveis violações aos controles internos
da empresa.
Apesar de a Siemens ser alemã, tem
ações listadas na Bolsa de Nova York, o
que justifica a decisão de Liu de recorrer
à Justiça dos Estados Unidos. A corte
concluiu, entretanto, que não poderia
aplicar a lei de proteção à retaliação
extraterritorialmente.
Funcionários do alto escalão dos
fundos de pensão finlandeses — como
diretores, conselheiros, suplentes e
auditores — terão que aumentar a
prestação de contas ao regulador. Será
necessário reportar investimentos pessoais (em ações e de outros tipos), além
de divulgar transações de valor significativo, como a compra de imóveis.
A medida faz parte de um projeto
apresentado pelo governo local ao Congresso, no começo de agosto. Busca-se
responder a um escândalo que atingiu
o Keva, maior fundo de pensão do país,
em novembro de 2013. A diretora Merja
Ailus se demitiu após reportagens da
mídia local questionarem regalias que
ela tinha na entidade de previdência
fechada. Merja admitiu ter usado
dinheiro da instituição para pagar despesas pessoais.
A investigação do episódio concluiu que as regras de transparência e
conflitos de interesse nos fundos de
pensão eram insuficientes. Para atacar
o segundo problema, a lei prevê que o
conselheiros ou executivo de um fundo
de pensão não possa participar de negociações com uma companhia se for
funcionário de alto-escalão ou membro
de algum órgão administrativo dela. Se
aprovado, o diploma entrará em vigor
a partir de janeiro de 2015.
Redes sociais são usadas por reguladores em investigações
Os reguladores do mercado de capitais vêm usando as mídias sociais no
seu dia a dia, inclusive em investigações,
ainda que não tenham regras específicas para elas. Foi a constatação de uma
pesquisa da International Organization
of Securities Commissions (Iosco) publicada em agosto. O estudo ouviu, ao
todo, entidades reguladoras de 21 países
54 C APITAL A BERTO Setembro 2014
a respeito de como empregam as redes
sociais e fiscalizam seu uso por agentes
do mercado.
Entre as principais descobertas está
a de que os reguladores buscam obter
informações gerais e identificar relações
pessoais entre diferentes partes. Outra
conclusão: não existe uma tendência
de regular o uso das redes pelos emis-
sores — de modo geral, as entidades
acreditam que suas regras de comunicação e disclosure dão conta do tema.
A italiana Consob é a única que exige
de seus regulados o fornecimento de
dados sobre o uso de redes sociais.
Leia o estudo completo da Iosco em
www.capitalaberto.com.br
PwC é proibida de
fechar acordos de
consultoria em NY
Companhias
Três homens,
poderão contestar
75 propostas e
recomendações da ISS 6 apoios
Pelos próximos dois anos, a PwC
não poderá aceitar novos trabalhos de
consultoria no estado de Nova York.
Além disso, terá que pagar uma multa de
US$ 25 milhões ao New York Department of Financial Services, regulador
bancário local. De acordo com a autoridade, a PwC cedeu a pressões de um
cliente e não prestou às autoridades
informações relevantes para uma reforma regulatória.
O cliente em questão foi o Bank of
Tokyo-Mitsubishi. A pedido dele, em
2008, a consultoria retirou o trecho de
um relatório segundo o qual o banco
havia falsificado informações referentes
à transferência de recursos para países e
entidades sob sanção econômica, como
o Sudão e o Irã. Os repasses ilegais ocorreram entre 2002 e 2007 e renderam
dupla penalidade à instituição financeira: ela foi multada em US$ 250 milhões
e obrigada a revisar suas práticas de
compliance.
A Institutional Shareholder Services
(ISS), maior firma de recomendação de
votos do mundo, lançou um portal de
dados sobre remuneração baseada em
ações. Por meio do Equity Plan Data
Verification, as companhias conseguirão ver, com pelo menos dois dias
de antecedência da assembleia, quais
informações estão sendo usadas pela
consultoria para avaliar as propostas de
pagamento e recomendar votos.
Com o portal, a ISS responde parcialmente a um dos principais clamores das
empresas americanas. Elas reclamam
do poder excessivo das consultorias
de voto e pedem que revelem suas
recomendações previamente. Assim, a
diretoria poderia se manifestar a respeito e, eventualmente, reverter alguma
sugestão contrária aos interesses da
administração. Agora, as companhias
poderão, ao menos, avaliar se os dados
que a ISS usa para decidir o voto são
adequados.
Segundo um levantamento do
Proxy Monitor, site que acompanha
assembleias de companhias abertas,
70% das propostas feitas por investidores individuais nas reuniões de 2014
nos Estados Unidos foram assinadas
por três homens e suas famílias: John
Chevedden, William Steiner e James
McRitchie. Eles realizaram 75 das 107
sugestões de pessoas físicas recebidas
por 219 grandes companhias americanas. Apenas seis delas, contudo,
tiveram apoio da maioria dos sócios.
Os três são ativistas conhecidos no
país. Chevedden apresentou 232 medidas desde 2006; Steiner, 215. McRitchie
começou sua “carreira” em 2008 e já
conta 39 propostas desde então. Eles
costumam sugerir melhorias de governança nas companhias investidas
— um exemplo é o fim do “classified
board” (conselho sem votação anual
para renovar todos os membros, o que
dificulta mudanças na gestão).
Delaware autoriza investidor a ver documentos internos de empresa
Uma decisão tomada no fim de julho pela Corte de Delaware dá
mais poder ao acionista para fiscalizar a administração. O tribunal
autorizou um grupo de investidores institucionais americanos a
acessar documentos de uma investigação interna do Walmart, a
respeito de subornos pagos a membros do governo no México.
A sentença faz parte de um processo maior, que examina a empresa
americana por corrupção ativa no país vizinho.
A resolução cria uma jurisprudência com implicações significativas. Segundo o escritório Grant & Eisenhofer, que defende investidores da companhia, abre-se espaço para que acionistas acessem documentos internos das corporações e analisem o processo decisório
dos diretores, balançando a estrutura de poder. No caso específico,
os sócios do Walmart vão verificar se os executivos faltaram com seu
dever de diligência ao investigar alegações de corrupção.
À revista Corporate Secretary, advogados destacaram que a regra
cria riscos para os conselheiros. O escrutínio de acionistas pode
fazer o board ser responsabilizado por problemas em documentos
que nunca recebeu.
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 55
Antítese
Cabe ao Banco Central julgar fusões bancárias?
Desde 2002, o Banco Central (BC) e
o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) discutem quem
deveria promover e fiscalizar a concorrência no setor financeiro. A incerteza
é gerada por um conflito legal. De um
lado, a Lei 4.595, de 1964, atribui ao BC
a competência para autorizar operações entre bancos, além de regular as
condições de concorrência no setor; de
outro, a Lei 12.529, editada em 2011 (e,
anteriormente, a 8.884, de 1994), não
excetua nenhum setor do controle de
estruturas e condutas a cargo do Cade.
Em 2014, o Supremo Tribunal Federal
não aceitou um recurso do órgão antitruste, que questionava a decisão do
Supremo Tribunal de Justiça em favor
da competência exclusiva do BC na matéria, no caso da união BCN e Bradesco.
A controvérsia, porém, não foi decidida de forma definitiva. Primeiro
porque o processo citado é incapaz de
gerar efeitos em outros casos (apesar de
ser um indicativo óbvio). Além disso,
há projetos de lei pendentes que visam
dirimir a questão. O debate a respeito
da autoridade responsável por analisar
fusões bancárias não se restringe ao
Brasil; a tendência global é prever um
marco cooperativo entre as agências.
O BC tem papel fundamental na
análise de operações que representam
ameaça à segurança e ao correto funcionamento do sistema financeiro nacional. Essa situação é suficientemente
peculiar para justificar tratamento
diferente de outros setores
regulados, como os de energia
elétrica e telecomunicações.
Se há risco sistêmico, a análise
da autoridade monetária deve
ser soberana e se sobrepor à da
autoridade concorrencial.
Apesar disso, não é recomendável blindar toda a área
do campo de atuação do Cade.
Em poucos ramos de atividade
fomentar a concorrência é
mais importante do que no
bancário, especialmente em
vista da tendência de concentração de mercado ocorrida
nas últimas décadas. Segundo o BC, de
1994 a 2013, o número de bancos no Brasil sofreu redução de 50%, de 247 para
121. A queda é motivada, entre outros,
pela estabilização da economia com o
Plano Real, que eliminou as receitas
de “float” inflacionário apropriadas
por eles. Atualmente, os cinco maiores
bancos no Brasil com atividade no varejo detêm participação de mercado de
aproximadamente 85%.
A principal falha de mercado do
sistema financeiro é a assimetria de
informação, que impossibilita ao consumidor perceber o exato nível de risco
de cada instituição. Isso porque elas
não precisam remunerar consumidores
de maneira diferenciada
— por exemplo, via juros
pagos aos depositantes.
Assim, o próprio Estado, ao
introduzir o BC como emprestador de última instância, cria um incentivo para
que agentes econômicos
incorram em riscos maiores
do que seria recomendável.
Outro aspecto típico é o
aprisionamento do consumidor à instituição a que
ele é vinculado (o chamado
efeito “lock-in”). A portabilidade de cadastro ainda é
limitada, apesar dos avanços recentes;
tarifas de encerramento de conta e
outros entraves voltados a aumentar o
custo de saída restringem a mobilidade
do cliente. Com isso, surge a oportunidade de abuso de poder de mercado em
diversos segmentos.
Promover a concorrência entre instituições financeiras não é trivial. Realizar a função a contento exige esforços
coordenados de Cade e BC, idealmente
sob novo marco legislativo, para afastar
a atual insegurança jurídica.
A tendência
global é a
cooperação
entre banco
central
e órgão
antitruste
Ana Paula Martinez ([email protected])
é sócia do Levy &
Salomão Advogados
56 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Há mais de uma década, Conselho
Administrativo de Defesa Econômica
(Cade) e Banco Central (BC) reivindicam para si a competência de analisar
implicações concorrenciais de fusões
e aquisições entre instituições financeiras. O Cade argumenta que os processos em seu domínio alcançam todas
“as pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado, bem como [...]
quaisquer associações de entidades ou
pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com
ou sem personalidade jurídica, mesmo
que exerçam atividade sob regime de
monopólio legal”. A regra estava no
artigo 15 da revogada Lei 8.884, de 1994,
e foi reproduzida no artigo 31 da 12.529,
que a sucedeu em 2011. Ambas dispõem
sobre prevenção e repressão aos delitos
contra a ordem econômica.
Já o BC escora-se na tese de que a
Lei 4.595, publicada em 1964 para estruturar e disciplinar o Sistema Financeiro
Nacional, teria sido recepcionada pela
Constituição Federal de 1988 como lei
complementar. Com isso, seu artigo 18
— segundo o qual cabe ao BC regular
“as condições de concorrência entre
instituições financeiras, coibindo-lhes
os abusos com a aplicação de pena” —
prevaleceria sobre a legislação concorrencial ordinária.
O imbróglio até hoje não foi resolvido, embora tenha mobilizado
instâncias de todos os poderes da
República: a própria Presidência, a
Advocacia-Geral da União,
o Supremo Tribunal Federal, o Supremo Tribunal
de Justiça e o Congresso
Nacional. Neste último,
tramita projeto de lei (PL)
complementar que, salomonicamente, confere ao BC
a prerrogativa de analisar
as operações entre bancos
sob a perspectiva da saúde
e da segurança do Sistema
Financeiro Nacional. Ao
Cade, o PL reserva o poder
de examinar as respectivas
implicações concorrenciais
propriamente ditas.
Três fatos são relevantes, nesse contexto. As instituições financeiras estão
sujeitas ao escrutínio das autoridades
de defesa da concorrência na imensa
maioria das economias desenvolvidas.
Em discurso proferido em 6 de fevereiro na University College London,
Joaquín Almunía, vice-presidente da
Comissão Europeia, afirmou que a
política de defesa da concorrência é
ferramenta indispensável para manter
a credibilidade do sistema financeiro.
Por outro lado, não existem dados
públicos a respeito de análises realizadas pelo BC sobre efeitos concorrenciais
de fusões e aquisições no setor financeiro. Esse obscurantismo
permite supor que a instituição não vem exercendo
a competência pela qual
luta com tanto apego.
Já o Cade é considerado
uma das melhores agências de defesa da concorrência do mundo, conforme a revista especializada
Global Competition Review.
As mudanças legislativas
recentemente implementadas no Brasil, entre as
quais a instituição de um
regime de análise prévia
de atos de concentração, conferiram à
autarquia quatro estrelas, entre cinco
possíveis, no ranking do periódico.
No mundo, somente as agências dos
Estados Unidos, da França, da Alemanha, da União Europeia, do Japão e da
Inglaterra receberam nota melhor.
Diante dessas considerações, a
pergunta que não pode deixar de ser
formulada é: a quem interessa impedir
que o Cade examine fusões e aquisições
no setor financeiro? Certamente não à
sociedade brasileira.
O BC
não vem
exercendo a
competência
pela qual
luta com
tanto apego
Olavo Chinaglia
([email protected])
é sócio da área de antitruste e
concorrencial do Veirano Advogados
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 57
Artigo
Os limites da regulação
Críticas à CVM precisam levar
em conta a complexidade da
autarquia
Por Roberto
Teixeira da Costa*
* Roberto Teixeira da Costa
(roberto.costa@sulamerica.
com.br) foi presidente da
Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) entre 1977 e 1979
58 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Como primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM),
sou frequentemente questionado sobre
a atuação recente da autarquia. Ouço
objeções relativas a dois aspectos: lentidão e rigidez regulatória.
Para os críticos do primeiro ponto,
o órgão regulador demora a agir e a
assumir posições em assuntos nevrálgicos. Avalia-se que os julgamentos se
arrastam, e a quantidade de acordos
nos processos administrativos seria
excessiva. Essas críticas precisam ser
mais bem fundamentadas. Levando-se
em conta que o exercício de julgar é
uma das partes mais sensíveis de qualquer regulador, é preciso reconhecer as
limitações impostas pelo processo legal.
A posteriori, é fácil opinar e reprovar.
Quem tem a responsabilidade de fazer
justiça, contudo, não pode atuar desordenadamente, sem seguir os necessários
procedimentos administrativos que se
iniciam com os indícios de possíveis
irregularidades.
A CVM deve ter uma ação coordenada com as entidades autorreguladoras,
das quais a mais importante é a Bolsa de
Valores. Embora tenha certa procedência a reclamação de demora nos julgamentos, a comissão está buscando corrigir suas deficiências nessa área. E não
estamos provavelmente piores que outros reguladores em termos de prazo.
No geral, os comentários oriundos de
fora do País descrevem favoravelmente
a atividade da CVM, e creio que no Brasil a posição de apoio seja majoritária.
A outra crítica vem de corretoras de valores
mobiliários. Elas lamentam as condições para
operar no mercado, principalmente em transações
de menor escala, consideradas extremamente rígidas e burocráticas. As exigências são as mesmas,
não importa o tamanho da intermediadora; logo,
as pequenas sofrem mais. Elas argumentam que,
devido ao aparato regulatório, tem ocorrido uma
debandada de operadores e, consequentemente, o
aumento da concentração no sistema de corretagem e de distribuição.
Devemos reconhecer a enorme complexidade existente hoje na autarquia. Os mercados se
internacionalizaram, as operações são cada vez
mais sofisticadas e seus protagonistas revelam
incansável criatividade. A CVM, portanto, precisa estar equipada não apenas com tecnologia
compatível, mas também, e principalmente, com
material humano de qualidade para estar à altura
do mercado. Isso demanda salários atraentes e
motivadores. Quanto à concentração, é de fato
um fenômeno preocupante; todavia, não acontece
apenas no mercado de capitais — infelizmente.
Tem sido constante, desde os primeiros passos
da construção do mercado, a luta por criar um
sistema de distribuição que possa atender de
forma diversificada às necessidades ligadas a seu
desenvolvimento, envolvendo o maior número
de instituições.
Corre ainda uma terceira crítica, que não posso
julgar: o regulador não estaria ouvindo o mercado.
Há grande relevância em se sintonizar com o público, muito embora seja bastante difícil agradar a
todos. Mesmo ao admitir que o futuro inexorável
do mercado seja sua institucionalização, não se
pode negligenciar o papel do investidor individual. É preciso educá-lo constantemente. Essa
ação deve ser obstinada e ocorrer, inclusive, via
instrumentos coletivos de investimento. A CVM
pode colaborar para a educação do investidor, ou
mesmo induzi-la. Trata-se, porém, de um desafio
cuja responsabilidade o próprio setor privado precisa chamar para si. Pois sem mercado de capitais
dinâmico não há futuro.
Especialistas do Brasil e do mundo
reunidos para debater, trocar
experiências e vivências em práticas
de governança corporativa
A
Pelo segundo ano consecutivo, o evento terá três trilhas, distribuídas em nove
Sessões Temáticas, dedicadas a diferentes formas de controle: empresas de capital aberto; empresas familiares e de
capital fechado; outras organizações - cooperativas e 3º setor.
As Sessões Gerais abordarão o papel do Conselho e da Secretaria de Governança, estratégia e sucessão, sustentabilidade,
ética e governança pública, sempre sob o ponto de vista da criação de valor. Para complementar o debate nacional,
temos a presença confirmada de Lynn Stout, professora da Escola de Direito da Universidade de Cornell.
Participe do maior evento de Governança Corporativa da América Latina e faça parte das mudanças positivas
que as boas práticas de governança podem trazer para nossa sociedade!
13 e 14 de outubro
Sheraton São Paulo WTC Hotel
Inscreva-se agora mesmo:
www.ibgc.org.br/15-congresso-ibgc
11 3043 7008
Informações: [email protected]
GOLD
SILVER
APOIO DE MÍDIA
COMPANHIA
AÉREA
OFICIAL
Atelier de Criação
partir do papel
primordial da Governança
Corporativa como instrumento de
geração de valor, o 15º Congresso do
IBGC mesclará acadêmicos e praticantes,
nacionais e internacionais, na discussão sobre como
este processo evoluiu nos últimos anos, no Brasil e no mundo.
Governança
Modelo híbrido
Dois sistemas
de governança
coexistem
no mundo.
O Brasil
se equilibra
entre eles
Por Alexandre Di Miceli da Silveira*
Comparar a governança corporativa de
diferentes países não é tarefa fácil. Cada
nação, afinal, apresenta suas peculiaridades em termos de contexto histórico,
estágio de desenvolvimento do mercado
e regulação.
Reconhecidas as diferenças, existem
dois grandes modelos de governança no
mundo: o “outsider system”, em que os
acionistas não fazem parte da administração; e o “insider system”, no qual os
chamados acionistas de referência participam da gestão. O primeiro é encontrado nos países anglo-saxões, enquanto o
segundo predomina nos demais países,
notadamente os da Europa continental.
No outsider system, o financiamento
via ações, oriundo de investidores ins-
Sistema de governança
Outsider system
(acionistas fora da administração)
Insider system
(acionistas na administração)
Estrutura acionária das
grandes companhias
Dispersa: acionistas pulverizados e
distantes do dia a dia
Mais concentrada: acionistas de
referência influenciam diretamente a
administração
Países de referência
Estados Unidos e Reino Unido
Alemanha, França e restante da
Europa continental
Controle familiar nas
grandes companhias
Raro
Comum
Estado como acionista
significativo
Raro
Mais frequente
Investidor institucional
De grande porte, muito relevante e
cada vez mais ativo
De menor porte e mais passivo
Horizonte temporal do
acionista
O investidor permanece cada vez
menos tempo como acionista
O acionista de referência geralmente
possui horizonte de longo prazo
Papel do mercado de ações
no financiamento das
empresas
Muito importante
Menos expressivo, com grande
participação do mercado de crédito
Mercado para aquisição
hostil do controle acionário
Ativo: possibilidade real de
aquisições não solicitadas
Quase inexistente: escassas tentativas
de aquisições hostis
Principal conflito em debate
Acionistas e executivos
Diferentes grupos de acionistas
(ex.: controladores e minoritários)
Propósito das companhias
Maximizar a riqueza dos acionistas
Equilibrar os interesses de seus
stakeholders, sobretudo empregados
60 C APITAL A BERTO Setembro 2014
titucionais e individuais, é central para
o crescimento das companhias. Como
resultado, o mercado de capitais é muito
líquido e as empresas em geral possuem
estrutura acionária dispersa. O acionista
recebe apenas informações e dividendos,
sem exercer interferência direta na gestão. Por isso, o sistema depende de um
ambiente regulador que assegure transparência e proteção efetiva ao investidor.
As companhias do insider system
são controladas pelos acionistas de referência, sócios relevantes que atuam
de forma coesa e mantêm posições no
longo prazo. Em geral, famílias, instituições financeiras, holdings ou mesmo o
Estado. Acompanham de perto a gestão
diária e tomam as decisões estratégicas das empresas investidas. O financiamento delas, por sua vez, vem de bancos (privados e públicos) ou de recursos
internos, com menor peso dos mercados
de capitais. As relações de longo prazo
com os stakeholders — sobretudo empregados, fornecedores, instituições financeiras e União — ocupam papel central, o
que reduz o foco na criação de valor para
o acionista como objetivo da empresa.
O quadro à esquerda mostra as principais diferenças entre as duas estruturas.
O Brasil, com sua elevada concentração
acionária, naturalmente se aproxima da
Europa continental. Por outro lado, a
maior orientação de nossas companhias
para os acionistas e a presença de institucionais ativos no mercado sinaliza que
possuímos elementos do modelo anglo-saxão. Estamos, assim, numa posição
relativamente híbrida entre os grandes
sistemas de governança do mundo.
*Alexandre Di Miceli da Silveira é sócio-fundador da Direzione Consultoria e autor
de Governança corporativa: o essencial
para líderes. O articulista agradece a Angela
Donaggio pelos comentários e sugestões.
Histórias
E a Bolsa parou
Por Ney Carvalho*
S
etembro de 2001. A Bovespa vivia um intenso combate para isentar as operações de bolsa da famigerada
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que travava
e encarecia fazer negócios
no Brasil.
Um dos objetivos era conquistar a
opinião pública e, assim, influenciar
o posicionamento dos políticos no
Congresso Nacional em favor de sua
causa. Surgiu então a ideia de fazer
uma greve na Bolsa, evento de repercussão garantida na imprensa. O comandante do processo era o presidente da
instituição, Raymundo Magliano Filho.
Sabiamente, ele resolveu consultar
quem entendia de greves: Paulo Pereira
da Silva, o Paulinho da Força Sindical.
Ele o convenceu a fazer uma paralisação simbólica de apenas uma hora, que
teria o mesmo efeito midiático de uma
Montagem com fotos do site Wikimedia Commons.
O fim da CPMF
foi o mote de
uma greve-relâmpago na
Bovespa, que
incendiou a
política nacional
e culminou
na extinção
do imposto
ação maior, e prometeu todo o apoio
de sua central à manifestação. No dia
4 pela manhã, a porta da Bovespa, na
Rua XV de Novembro, centro velho
de São Paulo, presenciou uma agitada
assembleia de operadores e dirigentes — com direito a carro de som da
Força Sindical e discursos inflamados
dos participantes. Ficou decidida a
paralisação para dois dias depois, entre
meio-dia e 13 horas.
No momento aprazado, havia cerca
de 1.300 pessoas na sala do pregão da
Bolsa. Magliano e Paulinho adentraram
o recinto portando uma bandeira do
Brasil e, imediatamente, os presentes
começaram a cantar o Hino Nacional.
Foi um acontecimento eclético. Além
do presidente da Bovespa e do diretor
da Força, estavam presentes e fizeram
pronunciamentos enfáticos representantes de outras facções sindicais.
Foram os casos do deputado petista
Ricardo Berzoini, então na oposição, e
de líderes empresariais como Horácio
Lafer Piva e Abram Szajman, presidentes, respectivamente, da Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo
(Fiesp) e da Federação do Comércio de
São Paulo (Fecomercio-SP).
Ao meio-dia em ponto, desligaram-se
as máquinas de negociação eletrônica e
silenciou-se o ainda existente pregão a
viva voz. A cobertura na mídia, nacional e
internacional, foi extraordinária. No dia
seguinte, feriado de 7 de setembro, a
notícia estava na primeira página de
todos os jornais; as redes de televisão
aberta dedicaram 1 hora, 52 minutos e
16 segundos àquele acontecimento.
Nove meses depois, como numa
gestação, o Congresso promulgou solenemente a Emenda Constitucional
número 37, que isentava as operações
em bolsa do ônus da CPMF. Era 12 de
junho de 2002, e os ventos políticos
haviam mudado. O mercado ganhara
uma batalha fundamental.
* Ney Carvalho é historiador e ex-corretor de valores
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 61
Retrato
Amélia Gonzaga Carvalho Silva
Uma mulher
de verdade
S
eis anos de redação de atas. Embora já fosse uma educadora
respeitada, Amélia Gonzaga Carvalho Silva não se importou
com a tarefa burocrática em seus primeiros tempos de conselheira de administração da Cedro Têxtil. “A gente aprende
muito fazendo ata de reunião”, diz, com a característica entonação mineira. No primeiro ano na função, grafou o nome dos
famosos teares Sulzer como Susi, “igual à boneca”, divertindo
os outros 12 conselheiros homens. Não deu importância ao
erro. Em 1993, seu lema já era — e ainda é — “ir devagar”. Sempre. Hoje
vice-presidente do conselho da Cedro e presidente de um dos maiores
acordos de acionistas em companhia aberta, assinado por mais de 250
sócios, Amélia intercala os causos antigos com muitas vitórias recentes:
“Convenço os outros com facilidade”.
Da presença feminina inibidora de palavrões e piadas nas reuniões
ao status de conselheira influente, Amélia percorreu um caminho de
aprendizados. Começou por uma pós-graduação em gestão empresarial
na Fundação Getulio Vargas. “Ralei muito”, lembra ela, formada em
pedagogia pela Universidade Federal de Minas Gerais. “Nunca tinha
estudado algumas disciplinas, como economia.” Depois vieram os cursos
de governança e o envolvimento com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), ao participar da criação e da coordenação do
escritório mineiro do instituto. “Eu já tinha opiniões próprias enquanto
fazia as atas, mas não o embasamento técnico para defendê-las. Foi o
que busquei.”
Sua chegada à centenária fabricante de tecidos, porém, não foi uma
mudança de carreira planejada. Na verdade, deu-se por causa de uma
tragédia familiar. Nascida na cidade de João Monlevade, onde o pai trabalhava na siderúrgica Belgo-Mineira, Amélia mudou-se para Ipatinga
quando conheceu o marido Décio Carvalho, engenheiro da Usiminas.
62 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Por Marta Barcellos Foto Aline Massuca
Nem pretendia “trabalhar fora”, mas, como a cidade carecia de professores, atendeu ao apelo para
lecionar no colégio estadual. Com carga horária
pequena, era a docente mais disponível para assumir a gerência da escola quando o cargo de diretor
ficou disponível. “Achei aquilo fácil, porque tinha
aprendido administração na faculdade”, conta.
Depois de quatro anos como diretora sem ser
nomeada oficialmente, descobriu que a vaga fora
prometida ao amigo de um deputado e pediu
para sair. Finalmente teria a vida tranquila de esposa, como cabia às senhoras mineiras da época.
A empresa onde o marido trabalhava, no entanto,
enfrentava um problema: a gestão do colégio São
Francisco Xavier, fundado pela Usiminas para
atender aos filhos dos funcionários, estava sendo
devolvida pelos padres jesuítas. Convidada a assumir, Amélia impôs condições com o objetivo de
criar uma escola modelo. Acabou ganhando carta
branca para contratar professores e testar metodologias modernas de ensino, como a do estudo
dirigido. “Fiz um colégio tinindo”, orgulha-se. Educadores costumavam visitar a escola para entender
por que seus alunos passavam no vestibular com
tanta facilidade.
Amélia só sairia do cargo, nove anos depois,
porque o marido fora transferido para Belo Horizonte. O casal construiu a casa dos sonhos na
capital. A rotina de uma vida confortável se anun-
Amélia Gonzaga Carvalho Silva
administra o acordo de acionistas da
Cedro Cachoeira, com 254 sócios e
sete famílias envolvidas: “É preciso
ter muito jogo de cintura para manter
a harmonia”. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 63
Retrato
3x4
ciava quando o engenheiro sofreu um acidente de
carro, durante uma viagem de trabalho a Juiz de
Fora. “Ele saiu de casa ótimo e não voltou. Tinha
49 anos”, recorda, com os olhos cheios de água.
“Fiquei completamente desorientada. Precisei
aprender a viver sozinha, porque nem filho tinha.”
Foi quando a Cedro e a possibilidade de nova
carreira surgiram em sua vida, de forma inusitada.
Carvalho, além de trabalhar na Usiminas, ocupava
um assento no conselho de administração da tecelagem. Consternado com a morte dele, o conselho
resolveu convidá-la para seu lugar. Amélia duvidou
da própria capacidade. Chegou a consultar o executivo da Usiminas ao qual era subordinada como
diretora do colégio. “Vai tirar de letra”, ele disse.
E lhe emprestou alguns livros de administração.
Na realidade, embora não conhecesse antes
os detalhes técnicos da fábrica, como o nome de
um tear, Amélia já pertencia a um dos sete grupos
familiares controladores da empresa: seu marido
havia sido indicado ao conselho justamente para
representá-lo. “Meu pai precisou sair por causa
da idade limite, de 72 anos, e só tinha três filhas
mulheres”, explica. Hoje, ela fala da Cedro como de
uma família. “Temos 142 anos de história. Fomos
a primeira companhia privada com capital aberto
do País.”
A avó de Amélia descendia do visionário empreendedor Bernardo Mascarenhas. Além de
construir uma fábrica de tecidos no Brasil de 1872,
ainda totalmente desindustrializado, o empresário
seguiu uma tendência internacional e foi pioneiro
na busca de novas fontes de energia. Inaugurou,
em 1889, a primeira usina hidrelétrica da América
Latina: Marmelos, em Minas Gerais. “Ele tinha 23
anos quando foi comprar as máquinas para a fábrica da Cedro na Inglaterra”, relata Amélia. “Depois,
nos Estados Unidos, conheceu outra onda, a das
sociedades por ações, e resolveu trazer esse modelo para unir sua fábrica à dos irmãos, montada
em Cachoeira.”
Nascia assim a Cedro Cachoeira, já com o espírito de agrupar interesses familiares sob uma
administração transparente. Manter esse delicado
equilíbrio, multiplicado pelas novas gerações de
familiares, é a tarefa contemporânea de Amélia, à
frente do acordo de acionistas firmado em 1988 e
refeito há 14 anos. Os 254 sócios de sete famílias,
representados por um comitê, detêm 64,5% do capital total. “É necessário ter muito jogo de cintura
para manter a harmonia”, observa. Uma tarefa
muito além das atas — e sob medida para alguém
que encarou tantos desafios na vida.
64 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Rotina – Pela manhã faz ginástica com uma personal trainer e drenagem linfática com uma massagista. “Tenho tendência a ficar com as pernas inchadas.”
Almoça comida caseira com a mãe, de 94 anos e “muito lúcida”, e segue para a
empresa, para reuniões ligadas ao conselho de administração ou ao programa
de voluntariado.
Hobby – Viajar para lugares exóticos. “Por isso nunca aceitei ser presidente
do conselho de administração. Às vezes viajo mais de 30 dias seguidos.” Foi ao
Vietnã duas vezes consecutivas para percorrer todo o território, e em outubro
fará a Rota da Seda, passando por Cazaquistão, Turcomenistão e Uzbequistão.
Viagem mais marcante – Para o Tibete e o Butão. “Pude ver de perto o rei,
andando no meio do povo, e descobri por que eles são as pessoas mais felizes
do mundo.”
Um orgulho – Ter transformado o Colégio São Francisco Xavier, em Ipatinga, em
modelo de educação. “Eu era bastante rigorosa, mas, quando encontro ex-alunos,
eles me enchem de elogios.”
Livros na cabeceira – Acabou de ler O sári vermelho, de Javier Moro, que se
passa na Índia. Agora dedica-se a Gêngis Khan, de John Man. “Meus livros são
todos relacionados aos assuntos das minhas viagens.”
Uma filosofia de vida – Identifica-se com a personalidade descrita por Daniel
Kahneman em Rápido e devagar: “Para mim, tudo tem que ser devagar, tomando
primeiro o pé da situação. O livro diz que as decisões rápidas são automáticas
e intuitivas, enquanto a decisão lenta precisa de autocontrole e concentração.”
Uma vitória – Ter conseguido convencer o conselho a criar a Associação Cedro
Cachoeira, que há três anos reúne as atividades de responsabilidade social da
companhia. “Mostrei tudo o que estava abandonado: bibliotecas, bandas de música, horta comunitária... Acabaram aprovando, com a condição de eu tomar conta.”
Um momento difícil – A morte do marido em acidente de carro. “Teria sido
mais fácil ficar me lamentando, ser uma pobre viúva, vítima de uma tragédia.
Mas preferi passar por cima e recomeçar a minha vida.”
O que a tira do sério – Falsidade. “É impressionante como tem gente velha que
ainda conta mentira e quer enrolar a gente.”
Plano para o futuro – Reabrir seu ateliê de tapeçaria e pintura, fechado há
anos por falta de tempo, após afastar-se do conselho de administração da Cedro. “Precisarei sair em novembro por causa da idade (72 anos), mas devo ficar
um pouco mais na associação, além de permanecer na presidência do acordo
de acionistas.”
Um exemplo – O economista e consultor Lélio Lauretti. “É fantástico, parece
um jovem. Eu me inspiro nele para buscar a transparência e a correção nas
práticas da empresa.”
Prateleira
Evolução e
sobrevivência
A tortuosa trajetória do mercado de capitais no Brasil
desde os tempos do Império
Já proclamava Charles Darwin: a
sobrevivência dos seres vivos se explica
mais por sua capacidade de adaptação ao
meio do que por sua força física. O mesmo pode ser dito das organizações e
mercados, ainda que não sejam exatamente seres vivos. A tese de A saga
do mercado de capitais no Brasil, de
Ney Carvalho, segue essa premissa, ao
considerar a adaptabilidade o atributo
mais relevante do mercado de capitais
brasileiro ao longo de sua história. Embora ele seja uma criação de empresas
privadas a partir de suas necessidades de
financiamento, sempre sofreu forte influência do Estado, seja como financiador, seja como supervisor e regulador.
O livro apresenta uma narrativa histórica, desde a economia colonial até a
criação do Novo Mercado na Bovespa.
Pode-se entender o mercado de capitais
como o “locus” onde a poupança, privada ou pública, encontra boas oportunidades de investimento, quer na forma
de renda fixa (dívida), quer na de renda
variável (participação direta no capital
das empresas). A obra descreve, em
paralelo, a saga evolutiva dos espaços
de transação desses dois instrumentos
— crédito e ações — desde o século 19.
Ela inicia por uma série de pontos
interessantes, como a transição da eco-
nomia agrícola para a industrial (com
suas formas de financiamento) e o papel
do Rio de Janeiro, capital do País até a
metade do século 20. A seguir, acompanhamos a emergência econômica de São
Paulo, a era Vargas, com a criação das
empresas estatais como vetores de desenvolvimento, e as reformas do regime
militar. A partir delas, testemunha-se o
período de recrudescimento inflacionário pós-1960, com seus efeitos sobre o
mercado, a estabilização econômica do
Plano Real e o ressurgimento das captações via bolsa de valores. Esse efeito
só foi possível devido a reformas promovidas pela iniciativa privada, como
a criação de um segmento de listagem
voluntário (o Novo Mercado).
Os percalços experimentados pelo
mercado de capitais nacional foram
inúmeros; dessa lista não podem ficar de
fora o intervencionismo, a insegurança
jurídica e as crises financeiras. A despeito da grande evolução registrada em
200 anos de história, ainda se constatam
anomalias importantes quando o mercado brasileiro é comparado a outros
tidos como de bom funcionamento.
O crédito para empresas representa
uma fração do mercado de dívida do
Estado, que, devido a seu enorme tamanho e liquidez, acaba limitando bastante
Por Peter Jancso*
a capacidade da sociedade de canalizar
poupança local para projetos privados.
Mesmo diante desse desbalanceamento,
algumas poucas organizações conseguem levantar recursos estrangeiros.
No entanto, o fenômeno provocado
pelo setor público, conhecido como
“crowding out”, impõe um desafio
significativo à captação de recursos produtivos. Conforme registra Carvalho, o
apetite do governo pela poupança privada pode ser verificado desde a infância
do mercado brasileiro de capitais. Mas
a saga continua. Já podemos, inclusive,
dar nome ao próximo capítulo: “Como
aplacar a voracidade do Estado por
recursos da sociedade”.
A saga do mercado de
capitais no Brasil
Ney Carvalho
Editora: Saint Paul
288 páginas
1a edição, 2014
* Peter Jancso é professor de finanças
corporativas da Business School São Paulo
e sócio da Jardim Botânico Investimentos
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 65
Saideira
NA TELA, VOCÊS CONFEREM
A NOSSA ANÁLISE SOBRE
O CENÁRIO ELEITORAL.
PREVISÃO:
SE CENSURADO VENCER
A ELEIÇÃO, AS AÇÕES DA
CENSURADO TENDEM A
CENSURADO. POR ISSO
RECOMENDAMOS QUE
VOCÊS CENSURADO.
RELATÓRIO
ALGUMA
DÚVIDA?
66 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Participe do processo seletivo
www.bmfbovespa.com.br/MBA
(11) 2565-6313/5990
.
[email protected]
MBAs com a expertise da BM&FBOVESPA
Sua carreira, seu futuro. Modificados agora.
Profundidade analítica. Abordagem altamente quantitativa. Formação de especialistas para atuação
em posições estratégicas. Discussão sobre fundamentos e aspectos técnicos de produtos financeiros
e de modelagem de risco. Tudo isso você encontra nos MBAs oferecidos, em São Paulo, pelo Instituto
Educacional BM&FBOVESPA, em parceria com a Facamp.
MBA em Mercados de Capitais e de Derivativos
MBA em Gestão de Riscos Financeiros
Início da aulas
Processo seletivo
Inscrições até outubro de 2014
linkedin.com/company/bm&fbovespa
Fevereiro de 2015
twitter.com/bmfbovespa
facebook.com/bolsapravoce
Instituto Educacional BM&FBOVESPA
Rua Líbero Badaró, 471, 5º e 6º andares Centro - São Paulo, SP - (11) 2565-6313
Muitos problemas parecem
complicados e sem solução.
Até chegarem a nossas mãos.
A Deloitte é referência em consultoria e auditoria no Brasil e no mundo. E isso é
resultado do esforço para encontrar as melhores soluções de negócio e de
seu comprometimento com o desempenho de seus clientes. Isso é o que faz
a Deloitte ser líder. Isso é o que faz a Deloitte ser a Deloitte.
Siga-nos
©2013 Deloitte Touche Tohmatsu
Download