AGRONEGÓCIO C A P I TA L A B E R T O • A N O 1 2 • N Ú M E R O 1 3 3 • S E T E M B R O 2 0 1 4 OFERTAS DE CRA EVOLUEM, MAS RATING E GARANTIAS AINDA SÃO ENTRAVES SAÍDAS POSSÍVEIS ECONOMISTAS E GESTORES DE RECURSOS ANALISAM OS EFEITOS DA POLÍTICA ECONÔMICA SOBRE O MERCADO DE CAPITAIS E SUGEREM CAMINHOS PARA A RETOMADA ISENTOS DE CULPA DECISÃO DO TCU SOBRE PETROBRAS ENSEJA DISCUSSÃO SOBRE ATIVIDADE DO CONSELHO Editorial Outros caminhos ANO 12 - NÚMERO 133 - SETEMBRO 2014 A Capital Aberto é uma publicação mensal da Editora Capital Aberto Ltda. Endereço Rua Wisard, 305 – sala 54 – Vila Madalena – São Paulo, SP – CEP 05434-080 Contatos: (11) 3775-1600 – fax (11) 3775-1604 [email protected] No ano passado, Delfim Netto cravou 2014 como o ano da tempestade perfeita para a economia brasileira. Os raios e trovoadas seriam desencadeados pela combinação das fragilidades já existentes com duas más notícias previstas: o rebaixamento do rating do País (que aconteceu em março, pela S&P) e a alta da taxa de juro americana, decorrente da desaceleração do programa de estímulos monetários (esta, ainda bem, foi adiada). A catástrofe não aconteceu exatamente como imaginada, mas a economia vai mal mesmo assim: o cenário de estagflação se instalou. Se não é perfeita para colapsar toda a conjuntura, a tempestade que cai é suficiente para, no mínimo, fazer murchar o mercado de capitais. Os ventos fortes o atingem de várias maneiras. O descontrole dos gastos públicos gera mais dependência do juro alto, que, por sua vez, ofusca os investimentos de maior risco e desencoraja a diversificação. Do lado da oferta, o risco do intervencionismo, o baixo crescimento e a falta de confiança minam o apetite do empresário para levantar recursos. Quais as perspectivas, então, para o mercado de capitais retomar seu dinamismo? O incentivo fiscal para a listagem de pequenas e médias companhias em bolsa terá algum efeito prático? Como ativar uma agenda positiva, em que empresas abram o capital e investidores busquem diversificar suas aplicações de forma responsável? Para refletir sobre essas e outras questões, convidamos seis economistas e gestores de recursos a visualizar outros caminhos para o Brasil. As entrevistas adornam esta edição de aniversário com pensamentos interessantes e deixam clara a angústia por mudança: se mantido o formato atual de condução da atividade econômica, afirmam, são grandes as chances de uma nuvem negra se instalar sobre o mercado de capitais. Novo tempo — Neste setembro, ao completar seu 11o aniversário, a capital aberto estreia duas novidades em sua produção editorial. A primeira é a realização de reportagens com o apoio dos Grupos de Discussão (fóruns em que reuniremos agentes do mercado para debater assuntos relevantes e apontar tendências). Além disso, faremos publicações diárias de conteúdo em nosso site, antecipando os temas que serão abordados na edição impressa. Confira! Editora executiva Simone Azevedo [email protected] Editora Luciana Tanoue [email protected] Editor de texto e produção Bruno Rodrigues [email protected] Repórteres Bruna Maia Carrion [email protected] Yuki Yokoi [email protected] Colaboradores João Carlos de Oliveira Luciana Del Caro Mariana Segala Marianna Aragão Colunistas Alexandre Di Miceli da Silveira Marta Barcellos Ney Carvalho Peter Jancso Articulistas desta edição Ana Paula Martinez Olavo Chinaglia Roberto Teixeira da Costa Projeto e direção de arte Beto Nejme e Marco Mancini Grau 180 Diagramação Grau 180 Rodrigo Auada Ilustrações Beto Nejme Eric Peleias Marco Mancini Impressão Duograf Gráfica e Editora Circulação DPA Consultores Editoriais Ltda. [email protected] Fone: (11) 3935-5524 Distribuição nacional Fernando Chinaglia Comercial e Distribuidora Tiragem desta edição 5.000 exemplares Data de fechamento 26/8/2014 Marketing e circulação Roberta Palma Publicidade Débora Manzano (11) 3775-1619 Eliani Prado (11) 3775-1623 International sales Sales Multimedia, Inc. (USA) +1-407-903-5000 – [email protected] Assinaturas (11) 3775-1603 [email protected] Simone Azevedo Circulação auditada: 04 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Sumário Setembro 2014 16 Pisando em ovos 20 Eles acreditam demais 26 Quase lá 31 44 48 Episódio envolvendo Santander mostra relutância dos bancos em desagradar governo Decisão do TCU no caso de Pasadena levanta reflexão sobre a atuação dos conselhos Emissões de CRA aceleram, mas dificuldades ainda inibem ofertas CAPA Economistas analisam caminhos para o mercado de capitais voltar a crescer Círculo de Debates Especialistas discutem como fomentar ofertas de debêntures de infraestrutura Encrenca das grandes Os desafios de Zeinal Bava para entregar a CorpCo que prometeu aos investidores SEÇÕES 4 Editorial 6 Mural do Leitor 8 capital aberto n@ Web 9 + n@ Web 10 Relevo 12 Seletas 52 Ricardo Florence Alta&Baixa Azul: Cetip Vermelho: BR Brokers 54 Notas Internacionais 56 Antítese 58 Artigo 60 Governança 61 Histórias 62 Retrato 65 Prateleira 66 Cabe ao BC julgar fusões bancárias? Os limites da CVM “Outsider system” vs. “insider system” Greve-relâmpago na Bovespa Amélia Gonzaga Carvalho Silva A saga do mercado de capitais no Brasil Saideira Setembro 2014 C APITAL A BERTO 05 Mural do Leitor B o l sa de va l o res Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com Bo l sa de va l ores 16 C APITAL A BERTO Julho 2014 26 C APITAL A BERTO Agosto 2014 Carlos Antonio Rocca, sócio da consultoria CFO Consulting ESTÍMULO PARA PMES Estudo do Centro de Estudos do Ibmec (Cemec) publicado em 2013 também mostra que os efeitos da isenção fiscal ao investidor em ações de PMEs são de médio e longo prazo, entre outras razões por limitações de demanda no mercado doméstico (“Sem milagre”, ed. 132, agosto). A análise do ciclo de IPOs de 2006-2007, induzido por forte redução do custo de capital próprio, mostra que mais de 70% das ações foram ofertadas para investidores estrangeiros e embutiam custos de distribuição elevados, somente justificáveis em grandes emissões. As empresas que abriram seu capital naquele ciclo eram ainda maiores que as companhias abertas já existentes. 06 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Arthur Barrionuevo, professor da FGV-SP, especialista em concorrência e regulação DEPENDE DE OUTUBRO Os investidores apostam nas eleições presidenciais como indicador das perspectivas da Petrobras, pois o controle de preços destruiu o valor da companhia, como mostra a matéria “À espera de outubro” (ed. 131, julho). Valeria a pena prosseguir na análise, pois a intervenção deste governo também protege a empresa. Alguns tópicos que merecem reflexão: nunca houve ataque a seu monopólio de fato nos mercados de derivados de petróleo e gás; o controle de dutos e portos impede a entrada de concorrentes; não há exploração do gás de xisto. Francisco Medeiros, via site da capital aberto BLOG DA REDAÇÃO Sim, infelizmente boa parte dos brasileiros não conhece o “mercado” (“Em época de eleição, relatórios de análise entram na mira de partidos políticos”, 28 de julho). Invisto no mercado de ações desde o início de 2010 e de lá para cá li relatórios de várias casas de análise. Alguns deles, muitos bons; outros, muitos fracos. Nesse pouco tempo como investidor, posso dizer que sei do que trata um relatório de análise. E a nota publicada pelo banco espanhol está longe de ser um. QUEM CONHECE, CONHECE BDO Uma das Big 5 Líder no middle market 20 escritórios no Brasil Audit | Tax | Advisory www.facebook.com/bdobrazil www.twitter.com/bdobrazil Visite nosso site www.instagram.com/bdo_brazil Aplicativo BDO BRAZIl www www.bdobrazil.com.br CAPITAL ABERTO n@ Web Por Yuki Yokoi Blogs Redação http://bit.ly/1lk1gvZ Vacas magras A BHG, terceira maior rede hoteleira do País, anunciou no mês passado que fechará seu capital. A companhia se junta a Brookfield, Autometal e Café Iguaçu, que tomaram a mesma decisão. Além delas, Santander e Cremer estão reduzindo de tal forma sua liquidez que é como se também estivessem de saída da bolsa. “O último apaga a luz?”, perguntou Luis Rodolfo Creuz, pelo Facebook. Eliseu Martins http://bit.ly/1roNomF Os Estados Unidos precisam se mexer Em clima de eleições, o professor Eliseu Martins escreveu, no mês passado, o post “Quem vai ganhar”. Mas, em vez de tratar o pleito no Brasil, abordou as dificuldades da convergência mundial a um único padrão contábil. Para ele, a parcimônia americana, que restringe o uso dos IFRS às empresas estrangeiras que apresentam balanços à SEC, ajuda a frear o interesse de diversos países em adotar o padrão. Diante disso, a saída poderia ser uma implantação em etapas nos Estados Unidos; primeiro, de forma apenas opcional. “Realmente é preciso muita determinação para incorporar num país as regras internacionais”, observou Luís Leonardo Cantidiano, em comentário. Roberto Teixeira da Costa http://bit.ly/1s6prw4 Frases para lembrar A campanha eleitoral também inspirou Roberto Teixeira da Costa. Logo após a morte de Eduardo Campos (PSB), o clima de incerteza tomou conta do mercado. “Achei oportuno lembrar algumas declarações ligadas à política. É uma mistura de boa fundamentação com algum humor”, justificou. Do general francês Charles de Gaulle, a citação foi: “Em política, se trai o país ou o eleitorado. Prefiro trair o eleitorado!”. O jornalista e humorista Millôr Fernandes foi lembrado com a frase: “É melhor ser pessimista do que otimista. O pessimista fica feliz quando acerta e quando erra”. 08 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Artigos http://bit.ly/1p93YPD Etiqueta para o ativismo Em artigo exclusivo para o site, Fabiane Goldstein, sócia da MBS Value Partners e da Ricca RI, comenta os “dez do’s e don’ts” sobre ativismo. http://bit.ly/1vnFScv Banalidade do bem Responsável por comandar dezenas de investigações de crimes no mercado corporativo, Barry Wolfe explica, em seu artigo, a diferença entre compliance e “compliance paranoide”, doença psicocorporativa que estaria contaminado com certa predileção multinacionais do exterior com braços no Brasil. http://bit.ly/1kYXwiR Moribunda O fim da Laep está cada vez mais próximo. Em agosto, a CVM cancelou seu registro de companhia aberta porque a inadimplência na entrega de informações periódicas superou um ano. A negociação das ações já estava suspensa desde setembro. O assunto foi abordado no Blog da Redação e despertou a atenção dos leitores. O post tornou-se o mais popular nos perfis do Facebook e do Linkedin da capital aberto, atraindo comentários de investidores. “Foi o maior golpe aplicado na bolsa de valores no Brasil!”, comentou Marcone Shion. http://bit.ly/1mrrF5Y Incentivo bem-vindo A MP 651, que isenta de imposto de renda os lucros de pessoas físicas com a venda de ações de empresas médias, agradou os investidores. Na enquete de agosto, 71% dos participantes se mostraram favoráveis à concessão do benefício para estimular o mercado de capitais. + n@ Web Por Bruna Maia Carrion http://on.fb.me/1ARyAOh http://bzfd.it/1pZrlAn Rentável e produtiva? Os melhores na queda A Petrobras está se esforçando para melhorar sua imagem no Facebook. No dia 22 de agosto, publicou uma foto da famigerada refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, cuja compra acarretou um prejuízo de US$ 792 milhões para a empresa. “Tem capacidade de refino de 100 mil barris por dia e, no momento, opera de forma rentável”, escreveu, fazendo um link para um texto do blog Fatos e Dados com a cronologia do empreendimento e a versão da companhia sobre a polêmica. Quase 1.100 pessoas curtiram a postagem, que gerou reações diversas. Enquanto uns resguardavam a petroleira, xingando os que reclamavam da aquisição, outros a achincalhavam, ofendendo seus defensores. Desde que Bill Ackman começou a fazer campanha pública para derrubar as ações da Herbalife, os chamados short-selling activists (algo como ativistas de posição vendida) ganharam evidência nos Estados Unidos. O trabalho deles é investir apostando na queda das ações, anunciar a posição e começar um movimento para mostrar ao público que a empresa é um mau negócio. O popular site Buzzfeed aproveitou a atenção que vem sendo dada a esses investidores para fazer uma lista dos short-selling activists mais e menos bem-sucedidos. Apesar de os papéis da Herbalife não terem cedido às pressões de Ackman, sua gestora Pershing Square aparece no quinto lugar entre as melhores casas de investimento que adotam a estratégia. No grupo das piores está a Greenlight Capital, de David Einhorn, famosa por comprar títulos podres da Argentina. http://bit.ly/1nvkmua Olha quem está falando O magnata australiano Rupert Murdoch, dono da Fox e de mais de cem publicações impressas espalhadas pelo mundo, entre elas o prestigiado Wall Street Journal, resolveu usar a sua conta pessoal no Twitter para reclamar. “A Amazon está brigando com os editores de livros para ter margens maiores. Isso pode até resultar em livros mais baratos, mas teremos o fim de todas as outras livrarias. Monopólio da Amazon”, escreveu ele. Ainda que a sua empresa de mídia, a NewsCorp, não domine o mercado, Murdoch é visto como um monopolista, devido a sua atitude expansionista. “Não é você que está tentando uma fusão com a TimeWarner?”, alfinetou um usuário. Teve gente, entretanto, que cobrou do empresário uma atitude generosa para evitar o fim das livrarias, como comprar uma concorrente. “Faça alguma coisa e compre a Barnes&Noble.” http://bit.ly/1t7y9hN Ataque aos ativistas O Dealbook, site do jornal New York Times, chamou os três investidores individuais que mais lançaram propostas em assembleias (leia mais na página 55) de moscas varejeiras (“gadflies”). O apelido deve-se à insistência deles em fazer propostas que, na visão do blog, acabam gerando discussões custosas para as companhias. No Twitter, vários acadêmicos, investidores e profissionais que discutem governança corporativa com a hashtag #corpgov se manifestaram contra o texto. Nell Minow, da consultoria GMI Ratings, foi dura: “Trata-se de uma vergonhosa distorção do papel das propostas de acionistas”, proclamou. James McRitchie, um dos ativistas criticados, também se manifestou. “Os conselhos ganham simpatia; nós somos atacados”, escreveu. http://on.fb.me/1onHb2w Ampliando a discussão A Anbima usa sua página no Facebook para divulgar projeções de índices de inflação, eventos e cursos. Em agosto, porém, inaugurou uma fórmula diferente ao tentar engajar os seguidores num assunto sério. A associação publicou na rede sua contribuição para a audiência pública da Instrução 409 da CVM, que trata da definição de investidor qualificado e de outros temas. A postagem teve pouca repercussão — até o fechamento desta edição, apenas dez pessoas haviam curtido e não havia nenhum comentário. Porém, a iniciativa é promissora como forma de atrair mais opiniões para as audiências da CVM. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 09 Foto: divulgação Relevo Ricardo Florence Mais previsibilidade para o investidor Há um ano e meio, a produtora de alimentos Marfrig iniciou um processo de reestruturação que agora começa a dar frutos. Ainda não dá para dizer que a casa esteja totalmente em ordem — a empresa registra prejuízo e suas ações valem menos que no IPO —, mas muita coisa melhorou. Tanto que, em 2014, até 21 de agosto, seu papel sinalizou o bom humor dos investidores: subiu 64,75%. Foi a terceira maior alta na bolsa entre as companhias com volume médio diário de negociação acima de R$ 1 milhão. Na entrevista a seguir, o CFO da companhia, Ricardo Florence, fala sobre o momento atual da Marfrig. Endividamento Por Luciana Tanoue IPOs no exterior Reestruturação “Desde o início de 2013, a Marfrig vem executando um plano de reestruturação, com o objetivo de melhorar o balanço e voltar a ter uma estrutura mais simples. Acima de tudo, pretendemos dar previsibilidade ao investidor sobre o que esperar da companhia. O mercado gosta das empresas que praticam o seu discurso. Por isso, no balanço de cada trimestre passamos a incluir as seguintes informações: o que a companhia disse que faria, o que foi feito e o que entregou. Também passamos a fazer projeções de alguns indicadores financeiros. É um risco que assumimos. Para engajar os executivos a cumprir as metas, alinhamos a compensação variável deles com o guidance.” 10 C APITAL A BERTO Setembro 2014 “A relação entre dívida líquida e Ebitda da Marfrig é hoje de 3,7 vezes. Almejamos chegar a menos de 3. Porém, mais importante do que esse indicador, é quanto você paga de juros pela dívida. Em outubro de 2013, nós emitimos ‘senior notes’ no exterior pagando juros de 11,25% ao ano. Após isso, fizemos uma sequência de emissões cada vez mais baratas. Na de maio, captamos £ 200 milhões com uma taxa de 6,25%. Em oito meses, portanto, o custo da dívida diminuiu em 5 pontos percentuais para ofertas com quase o mesmo prazo.” “A queda drástica da taxa de juros nas emissões de senior notes mostra a confiança do investidor estrangeiro no futuro da Marfrig. O mercado de dívida internacional percebeu, inclusive antes do de ações, a mudança no perfil da empresa. Dado o cenário internacional favorável, a Marfrig vem estudando abrir o capital de suas subsidiárias no exterior [Moy Park e Keystone]. Queremos ter a opção de essas unidades receberem, em algum momento, uma injeção de equity, embora não precisem atualmente.” Diferente da concorrência “A Marfrig previu para este ano um capex de R$ 600 milhões. O valor, obviamente, não contempla aquisições. Uma lição que aprendemos é: para ser saudável, uma empresa precisa ter estrutura coesa, ordenada, e um fluxo de caixa equilibrado. É nesse estágio que estamos. A Marfrig tem um posicionamento global muito forte, e isso continuará mesmo sem aquisições.” Confiança no setor “Em meio ao mau humor com o Brasil e às incertezas eleitorais, atuamos num setor cuja confiança não foi abalada. O agronegócio é um dos principais pilares da balança comercial. O segmento de proteína animal, por sua vez, é um grande alavancador do PIB. Em 2013, sua fatia na atividade econômica foi de 7,1%. E este ano não deve ser diferente, apesar do crescimento projetado para o País entre 0,6% e 0,8%. Nesse cenário, a questão mais sensível talvez seja o câmbio. Uma desvalorização seria favorável ao setor.” Brasil é o mais difícil “O mercado interno apresenta mais desafios para a companhia que o internacional [Estados Unidos, Europa e Ásia]. Na Europa, atuamos por meio da Moy Park, com sede na Irlanda do Norte. O frango é uma proteína básica [a Moy Park é produtora de carne de aves], e na Inglaterra detemos 27% desse mercado. Vemos grandes chances de avançar por lá nos segmentos de ‘food service’ [mercado de alimentação fora do lar] e processados.” A CAPITAL ABERTO completa 11 anos inaugurando uma nova forma de produzir conteúdo jornalístico: os GRUPOS DE DISCUSSÃO (GDs) Espaço de reflexão e debate, os GDs nascem com a proposta de confrontar perspectivas sobre os mais importantes temas do mercado de capitais. Discuta Integre Conecte-se Estreia 24 de setembro de 2014 | Horário 8h30 às 11h00 | Local Octavio Café - Av. Brig. Faria Lima, 2996 - São Paulo Grupo de Discussão M&A e private equity Tema do encontro Missão delicada: o desafio de lidar com a informação privilegiada nas fusões e aquisições Inscreva-se em www.capitalaberto.com.br/gd ou ligue para (11) 3775.1608/1600 Faça parte do melhor conteúdo do mercado de capitais. Seletas Por Yuki Yokoi Novo título imobiliário será isento de imposto Melhorias na governança dos FIIs O fundo de investimento imobiliário (FII) está cada vez mais parecido com uma companhia aberta. Não apenas pelo porte dos negócios que mantém em carteira, mas também pelo número de investidores que atrai. Para aproximar as regras aplicáveis ao FII da realidade do mercado, a CVM colocou em revisão a Instrução 472. Na minuta, sugere aperfeiçoamentos na governança desses fundos. Para aumentar o poder de fiscalização do investidor, a CVM propõe que, nos fundos com até cem cotistas, quem possuir 1% das cotas tenha o direito de eleger um representante — cargo que se assemelha ao de conselheiro fiscal na empresa aberta. Nos FIIs com maior dispersão, a participação mínima exigida será de 5%. A minuta também busca garantir o equilíbrio dos direitos patrimoniais e políticos do investidor. Para isso, pretende vetar qualquer dispositivo que limite o exercício do voto dos cotistas. Sugere, ademais, a ampliação das normas sobre conflito de interesses. Hoje, apenas operações entre o fundo e o administrador ou empreendedor dependem de aval em assembleia. Com a mudança, entram no rol transações com o gestor ou com cotistas que conservem mais de 10% do patrimônio do fundo. As assembleias dos FIIs também sofrerão mudanças. Atualmente, matérias como a alteração da política de investimentos estão sujeitas à aprovação de quórum qualificado: metade, no mínimo, das cotas emitidas. Para evitar que a baixa participação em assembleias impeça a tomada de decisões relevantes, a CVM propõe a redução do quórum mínimo para 25% das cotas nos fundos com até cem cotistas — normalmente, essas carteiras são voltadas a investidores qualificados. O investidor também deve ficar mais bem informado com as mudanças. A minuta prevê aprimoramentos nos informes periódicos e no regime de informações prestadas nas ofertas públicas. Comentários sobre as novas regras podem ser enviados até 3 de novembro. 12 C APITAL A BERTO Setembro 2014 No dia 20 de agosto, o ministro da Fazenda Guido Mantega anunciou a criação da letra imobiliária garantida, título lastreado em financiamentos de imóveis. Para atrair o investidor, inclusive o estrangeiro, o governo prometeu isenção do imposto de renda e dupla garantia: o banco emissor dará cobertura ao papel e a carteira imobiliária que lhe serve de lastro será separada dos demais ativos do banco, protegendo os investidores em caso de liquidação da instituição financeira. O anúncio foi feito em meio à divulgação de um pacote de medidas de estímulo à concessão de crédito imobiliário e de melhorias do marco regulatório do segmento. O novo título promete competir com a letra de crédito imobiliário (LCI), que oferece isenção fiscal apenas para o investidor pessoa física. A criação do produto ainda depende da publicação de uma medida provisória. Crise argentina chega ao Postalis O impasse da Argentina com os credores de sua dívida pública já afeta investidores brasileiros. No mês passado, o Brasil Sovereign II, fundo que investe exclusivamente em títulos de dívida externa e tem como cotista único o Postalis, informou, por meio de fato relevante, a retração de seu patrimônio líquido (PL) em 51,48%. Até o encerramento de julho, o PL do fundo era de R$ 383,4 milhões. O impacto negativo resulta da suspensão do pagamento dos títulos da dívida externa argentina — parte do passivo está nas mãos de fundos abutre (ou “vulture funds”), que não toparam as propostas de renegociação. A compra dos papéis teria sido feita pela Atlântica, antiga gestora do fundo, à revelia do Postalis. Para garantir sua indenização, o fundo de pensão dos Correios conseguiu, na Justiça, bloquear os bens do administrador do Brasil Sovereign II, o BNY Mellon DTVM. O banco, por sua vez, conduz uma investigação interna para apurar a compra de ativos superavaliados. Mercado quer parâmetro menos elevado para qualificar investidor Por mais de um ano, a CVM conversou com o mercado para elaborar uma proposta de reforma do arcabouço regulatório da indústria de fundos. O diálogo evidenciou a necessidade de atualizar os parâmetros que definem a qualificação do investidor e, por consequência, limitar seu acesso a produtos inadequados. A sugestão apresentada pelo regulador na audiência pública da Instrução 539, no entanto, não agradou. Na avaliação do mercado, a autarquia foi rígida demais. Atualmente, recebe o carimbo de investidor qualificado aquele que possui, ao menos, R$ 300 mil em aplicações financeiras. Pela sugestão da CVM, o valor subirá para R$ 1 milhão. O posto de investidor profissional, uma novidade da regra, será ainda mais restrito: caberá somente aos donos de mais de R$ 20 milhões em investimentos no mercado financeiro. Os participantes da consulta pública argumentam que o sarrafo ficou tão alto que poucos aplicadores atenderão aos novos critérios. Por isso, a reivindicação geral é que os valores de corte sejam reduzidos. A Anbima propôs que o patamar caia pela metade no caso dos investidores profissionais, para R$ 10 milhões. Segundo a associação, apenas 3.900 clientes de seus associados se encaixam no perfil de investidor profissional sugerido pela CVM. O universo é significativamente menor do que os 131 mil investidores atualmente classificados como superqualificados (com mais de R$ 1 milhão investidos) — essa designação será extinta após a reforma, mas atualmente é a que mais se aproxima da nova categoria. Se o valor diminuir para R$ 10 milhões, como sugere a entidade, o número de profissionais aumentará para 9 mil. Para a definição do investidor qualificado, a maior parte das sugestões aponta para um corte em R$ 700 mil. Com a régua nesse ponto, a quantidade de aplicadores que integrarão a categoria passaria dos atuais 644 mil para 221 mil, conforme a Anbima. A proposta traz ainda restrições, como, por exemplo, a aplicável aos fundos exclusivos. Essas carteiras passariam a ser obtidas somente por investidores profissionais — hoje, elas são acessíveis aos qualificados. Na mesma direção segue a limitação à compra de valores mobiliários ofertados pela Instrução 476: a CVM sugere que apenas investidores profissionais possam fazer operações do gênero. Na visão da Associação Brasileira de Bancos de Investimentos (ABBI), esse será um retrocesso por “excluir da modalidade parcela significativa de investidores já familiarizados com o mecanismo e com os riscos inerentes”. A reivindicação tem um pano de fundo importante. A Instrução 476 está sendo reformada e, em breve, regulará, além das emissões de títulos de dívida, as ofertas de ações. Quanto maior o público, argumentam, mais chances de sucesso terão essas operações. A previsão é de que a nova regra seja promulgada ainda este ano. Orientações para notas mais explicativas Em agosto, a CVM e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) lançaram atualizações das normas brasileiras que seguem o padrão internacional, estabelecido pelos IFRS. No pacote, foi emitido o OCPC 7, sobre a elaboração de notas explicativas. O documento agrega todas as regras que já tratam do tema e traz orientações a respeito. Com isso, pretende ajudar a re- solver um problema antigo, que veio a se acentuar após a adoção das normas contábeis internacionais: as notas são compridas demais e não focam nos dados realmente interessantes ao leitor. O CPC recomenda que as notas explicativas comecem pelos itens relativos ao contexto operacional e à declaração de conformi- dade e, em seguida, tratem os assuntos de acordo com a relevância. Dados que influenciam a tomada de decisão de investidores e credores devem ser evidenciados. O uso de linguagem simples e sem terminologias técnicas é recomendado. Além disso, a orientação é retirar do documento informações com potencial de desviar a atenção do usuário, como a reprodução de textos de atos normativos. Comentários e sugestões sobre o OCPC 7 podem ser enviados até 15 de setembro. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 13 Seletas Transparência do rebate divide opiniões A CVM publicou, no mês passado, os comentários recebidos durante a audiência pública que reformará a Instrução 409, sobre fundos de investimentos. Apesar dos elogios à iniciativa, a regulação do rebate — apelido dado à remuneração que gestores pagam a quem distribui seus fundos — é polêmica. A recompensa ajuda na disseminação dos produtos, mas pode gerar conflitos de interesse. Como esta é a primeira vez que a autarquia regula o tema, a ideia é começar por uma orientação geral. A minuta da nova regra propõe que gestores e administradores de fundos de investimento em cotas não recebam qualquer tipo de remuneração que possa prejudicar sua independência. Na prática, isso impede que o gestor compre cotas de outro fundo e se aproprie do rebate. A taxa, segundo a autarquia, deverá ser revertida para o cliente final. Gestoras como a carioca Órama tendem a ser as mais afetadas. Sua especialidade é montar fundos que compram cotas de outros fundos, todos de gestores renomados, como o Credit Suisse e a Gávea Investimentos. Para fazer esse trabalho de seleção, a Órama cobra a taxa de administração do fundo alvo acrescida de 0,6% ao ano. Sandra Blanco, consultora de investimentos da casa, reconhece que a maioria das gestoras lhe paga rebate. “Varia entre 20% e 40% da taxa de administração, conforme o montante investido. Há casos em que os mesmos percentuais são aplicados à taxa de performance”, diz. Hoje, a Órama fica com a recompensa. Se vingar a proposta da CVM, terá que abrir mão da remuneração. Quem também não gostou da novidade foi a XP Investimentos. Para Tatiana Yano, responsável pela área jurídica da XP Gestão, o ideal seria dar transparência à eventual existência do rebate no momento da assinatura do termo de adesão. Além disso, deixar a decisão final nas mãos do cliente. Numa proposta intermediária, a Anbima sugere que seja mantida a ideia da CVM para os distribuidores e para os fundos de fundos, porém com mais liberdade para os fundos exclusivos. De acordo com Carlos Takahashi, vice-presidente da associação, nesse nicho a sofisticação do cliente permitiria ao regulador abrir as portas para o livre estabelecimento das relações comerciais. A nova versão da Instrução 409 deve ficar pronta ainda este ano. Companhias e empresários fortalecem o caixa de partidos políticos A processadora de carnes JBS, dona da marca Friboi, é a maior doadora da campanha presidencial entre as companhias abertas. De acordo com a primeira prestação de contas do Tribunal Superior Eleitoral, até o fim de julho a empresa colocou R$ 5 milhões na campanha de Dilma Rousseff (PT), o mesmo valor na de Aécio Neves (PSDB) e mais R$ 1 milhão na do então candidato Eduardo Campos (PSB). No segundo trimestre, a JBS lucrou R$ 254 milhões. O caixa da presidente Dilma foi reforçado ainda com 14 C APITAL A BERTO Setembro 2014 R$ 4 milhões provenientes da CRBS, empresa do grupo Ambev. Como nos anos anteriores, as construtoras figuram entre as principais financiadoras. A OAS deu R$ 3 milhões para a campanha de Aécio e outros R$ 600 mil para Campos. O candidato do PSB, cuja morte no mês passado deixou Marina Silva à frente da chapa, recebeu também dinheiro de nomes conhecidos do mercado. Guilherme Leal, sócio e fundador da Natura, contribuiu com R$ 400 mil. O valor está longe dos R$ 11,8 milhões doados em 2010, quando disputou a eleição como vice de Marina. Também fizeram transferências ao PSB José Olympio Pereira, presidente do Credit Suisse no Brasil (R$ 30 mil), e Luis Terepins, diretor-presidente e presidente do conselho de administração da construtora Even (R$ 5 mil). CAPTAÇÕES Portas abertas para o mercado de acesso Carla Vilmar da Motta Veiga e Frederico Antonio Rocha O Bovespa Mais, segmento de acesso ao mercado de ações da BM&FBovespa, foi criado em 2005 com o intuito de estimular o crescimento de companhias de pequeno e médio porte, pelo acesso gradativo ao mercado de capitais brasileiro. Esse segmento de listagem, contudo, não prosperou da forma imaginada. Diante desse quadro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou no último dia 24 de junho a Instrução 549, para incluir o fundo de investimento em ações — mercado de acesso (FMA) no rol dos fundos regulados pela Instrução 409. O FMA deve investir pelo menos dois terços de seu patrimônio líquido em ações de companhias de pequeno e médio porte listadas em segmento voltado ao mercado de acesso. E, quando estruturado como condomínio fechado, ele pode destinar até um terço de seu patrimônio líquido ao investimento em companhias fechadas, desde que participe do processo decisório da empresa investida e adote certas práticas de governança corporativa, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão. A CVM criou, assim, um fundo de ações que pode investir em companhias fechadas e abertas. Considerando a possibilidade de investimento em empresas com ativos de baixa liquidez, a regra viabiliza a alternativa de o FMA que for constituído como condomínio fechado (observados os demais critérios presentes na Instrução 549): 1. recomprar suas próprias cotas, casos elas estejam sendo negociadas no mercado por valor abaixo do seu valor patrimonial; 2. usar índices atrelados a juros ou à inflação como parâmetro de referência para o cálculo da taxa de performance; e 3. empregar o mecanismo de chamada de capital quando for destinado a investidores qualificados. Além disso, a instrução estabelece a possibilidade de os fundos de investimento em cotas (FICs) de fundos de investimento em participações (FIPs) aplicarem em FMAs. Na mesma linha de estimular o mercado de capitais no País, o governo federal sancionou recentemente a Medida Provisória 651, de 10 de julho. Entre as diversas alterações propostas, destaca-se a isenção de imposto de renda sobre os rendimentos auferidos por pessoa física no resgate de cotas de FMA — constituído sob a forma de condomínio aberto e com prazo mínimo de resgate de 180 dias — que invista, pelo menos, 67% do seu patrimônio em ações de companhias: 1. listadas em segmento especial da bolsa de valores com regras diferenciadas de governança corporativa (hoje, so- Espera-se que a Instrução 549 da CVM e a MP 651 ajudem o mercado de acesso brasileiro a decolar e se tornar uma opção de investimento atrativa mente o Novo Mercado e o Bovespa Mais da BM&FBovespa atendem a essas regras); 2. com valor de mercado inferior a R$ 700 milhões; 3. donas de receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões; 4. com distribuição primária equivalente a, pelo menos, 67% do total de ações emitidas pela companhia. O benefício tributário também vale para o ganho de capital obtido por pessoa física, até 31 de dezembro de 2023, em certas alienações de ações que tenham sido emitidas por tais companhias, realizadas no mercado à vista de bolsas de valores. Com essas medidas de estímulo, espera-se que o mercado de acesso brasileiro venha a, de fato, decolar e se torne uma opção de investimento cada vez mais atrativa para os investidores. O boletim captações é um informativo bimestral produzido por BM&A (www.bmalaw.com.br) e veiculado com exclusividade pela capital aberto. As opiniões aqui expressas são as do escritório e não, necessariamente, as da revista. Relatório de análise Autocensura Ilustração: Beto Nejme / Grau180 Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com 16 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Entre o autoritarismo de uns e a incompetência de outros, episódio envolvendo extrato do Santander expõe a relutância dos bancos em desagradar o governo Por Bruna Maia Carrion P eríodos eleitorais são feitos de exageros. Coisas que passariam despercebidas ganham, subitamente, dimensão próxima do incontrolável. Foi o que aconteceu com uma nota enviada pelo Santander a clientes do segmento Select, voltado para alta renda. Em duas frases, o texto dizia que, se a presidente candidata à reeleição Dilma Rousseff voltasse a subir nas pesquisas, a bolsa poderia cair. Graças a uma postagem de 25 de julho do blogueiro Fernando Rodrigues, do portal de notícias UOL, o banco foi exposto a um típico escândalo de rede social. O texto de Rodrigues foi compartilhado mais de 20 mil vezes em menos de 12 horas no Facebook e reproduzido em muitos outros blogs. “Terrorismo eleitoral”, bradavam alguns. “Propaganda disfarçada”, revoltavam-se outros. A própria presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula reclamaram publicamente — ele defendeu que o funcionário responsável pelo material deveria ser demitido pelo Santander. Dilma afirmou que “tomaria atitudes” com relação ao banco. “Censura!”, reclamavam, na web, outros tantos blogueiros e comentaristas de redes sociais. Os analistas de investimentos, por sua vez, ergueram-se para zelar por sua independência. Semanas depois, entretanto, uma leitura menos acalorada dos fatos permite enxergar equívocos em ambos os lados. A nota divulgada pela instituição financeira não era um relatório de análise de investimento, documento veiculado por casas especializadas, bancos, corretoras, consultorias e gestoras. Tratava-se de uma seção do extrato bancário mensal enviado a clientes, chamada “Você e seu dinheiro”. Em um parágrafo, de forma sucinta, o texto comentava a recente alta do Ibovespa (em março, o índice chegou a valer pouco menos de 45 mil pontos; em 10 de agosto, superava os 56 mil pontos), atribuindo-a à queda de Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais. “Se a presidente se estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas, um ce- nário de reversão pode surgir. O câmbio voltaria a se desvalorizar, juros longos retomariam alta e o índice da Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes”, concluía. Depois de a nota ganhar a internet com a postagem de Rodrigues, o site Muda Mais, ligado à campanha de Dilma, acusou o Santander de fazer terrorismo econômico por ter enviado o material aos clientes. Diante de tanto bafafá, o Santander publicou em seu site uma nota de esclarecimento, pedindo desculpas pelo texto. Declarava que a redação feria a política interna da instituição, segundo a qual as análises econômicas devem ficar “restritas a variáveis que possam afetar o patrimônio de correntistas, sem viés político ou partidário”. Embora o banco não confirme, diversos veículos de imprensa noticiaram que quatro pessoas foram demitidas do departamento responsável, entre elas a superintendente de investimentos Sinara Polycarpo Figueiredo e a analista que escreveu o texto. O Santander colocou panos quentes na situação. Mas, em termos legais, não fez nada de errado. Tanto que a coligação Com a Força do Povo (formada por PT, PMDB, PSD, PP, PR, PDT, PROS, PC do B e PRB) sequer entrou com representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — diferentemente do que fez contra a casa de análises Empiricus (leia quadro na página 19). As Leis 9.504 e 12.891, que versam sobre o tema, não fazem previsão específica para casos como esse. O que poderia ser usado contra o Santander é o artigo 26 da 9.504, segundo o qual confeccionar peça impressa de qualquer natureza e tamanho e “fazer propaganda e publicidade direta e indireta, por qualquer meio de divulgação, destinada a conquistar votos”, podem ser considerados gastos eleitorais. Para acusar o banco, entretanto, seria necessário provar que o texto tinha o objetivo de conquistar votos para um ou outro candidato, o que demandaria certo esforço retórico. O relatório afirmava apenas que o Ibovespa Setembro 2014 C APITAL A BERTO 17 Rel ató ri o d e análise poderia cair caso Dilma subisse nas pesquisas, como de fato vinha acontecendo. O banco, afinal, apenas informava os correntistas sobre fatores que pudessem influenciar seu patrimônio. Apesar de não ter originado consequências legais para o Santander, o escândalo teve efeitos práticos. Dilma Rousseff manifestou, em sabatina realizada por Folha de S. Paulo, UOL, SBT e Jovem Pan, em 28 de julho, que era inadmissível qualquer integrante do sistema financeiro interferir na atividade eleitoral e política. Indicou, ainda, que tomaria “uma atitude bastante clara em relação ao banco”. Não revelou, no entanto, que atitude seria essa. Tampouco explicou se, quando ameaçou tomar providências, falava com o chapéu de presidente ou o de aspirante à reeleição. Como candidata, Dilma teria o direito de entrar com uma reclamação contra o banco no TSE, o que não fez. Como presidente, qualquer procedimento contra o banco ou o setor bancário seria uma clara retaliação. De acordo com relatos de pessoas ligadas ao setor, as pauladas que o Santander levou dos usuários da internet e as manifestações de Dilma geraram temor. “Muitos profissionais de bancos revisaram textos já escritos e enviados para ver se não havia nada que pudesse gerar esse tipo de reação negativa do governo”, descreveu uma fonte ligada a um banco internacional que preferiu não se identificar. A reação das instituições financeiras tem uma explicação. Por se tratar de setor muito regulado, arrumar briga com quem cria as regras é garantia de problemas. “É sempre bom lembrar da máxima: ‘Aos amigos tudo, aos inimigos a lei’”, comenta o economista Roberto Troster, que foi economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) entre 2001 e 2006. Além de temerem mudanças de regras, as empresas bancárias mantêm contratos de prestação de serviços com a União e com governos estaduais e municipais. Não está em suas pretensões perder essa 18 C APITAL A BERTO Setembro 2014 O desejo dos bancos de manter relações suaves com o poder público fica claro nas cifras das doações eleitorais. Em 2010, o Santander doou cerca de R$ 1 milhão ao comitê financeiro nacional do PT fonte de renda devido a uma indisposição partidária. O desejo dos bancos de manter relações suaves com o poder público fica claro nas cifras das doações eleitorais. Em 2010, o Banco Santander doou cerca de R$ 1 milhão ao comitê financeiro nacional do PT para presidente da República, cuja candidata era Dilma Rousseff, e R$ 800 mil para a direção nacional do PMDB, do candidato à vice-presidência, Michel Temer, segundo dados do TSE. O PSDB, que tinha em José Serra o principal oponente de Dilma, recebeu R$ 1 milhão. Outras instituições financeiras, como Itaú Unibanco e Bradesco, também distribuíram recursos entre os postulantes e partidos com maior chance de vitória (os dados completos das doações de 2014 não tinham sido anunciados até o fechamento da edição). A razão para a generosidade é evidente: ao destinar recursos a vários presidenciáveis, busca-se ter portas abertas na gestão do futuro governante. Berlinda seletiva Se os setores responsáveis pela comunicação com correntistas ficaram tão abalados, o que dizer dos analistas de investimentos? Apesar de não se tratar de um material que deveria ser fiscalizado pela Associação dos Analistas e dos Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais (Apimec), a entidade optou por soltar uma nota oficial. Observou, na ocasião, que “é apartidária e defende a liberdade dos analistas de valores mobiliários em emitir parecer de forma fundamentada e com independência”. Reginaldo Alexandre, presidente nacional da instituição, complementa: “No trabalho técnico de análise, não podemos fugir da abordagem de questões políticas, porque elas influenciam o valor dos ativos”. A CFA Society Brasil, braço brasileiro da associação internacional de analistas de investimentos, se manifestou quase um mês depois, em 20 de agosto. Em carta oficial, reiterou o princípio de liberdade. “Analistas devem ser livres para desenvolver e publicar seus rela- tórios baseados em dados e fatos, fazer análises competentes e divulgar suas conclusões e recomendações mesmo que elas sejam desfavoráveis ou diferentes das opiniões consensuais”, dizia o comunicado. Desse ponto de vista, as premissas de boas práticas foram desrespeitadas dos dois lados: se a presidente reprimiu a liberdade do banco, o Santander não entregou a competência da análise. O texto do extrato traçava as hipóteses de forma rasa e não usava dados para fundamentá-las. Pior ainda: em vez de ser escrito pela instituição, constituía-se em material difundido no dia 3 de junho pelo Banco Fator — este sim, um relatório de análise, com a assinatura de Paulo Gala. A nota enviada pelo Santander aos clientes, portanto, não era um relatório, mas tinha os elementos de um: trazia previsão a respeito do destino do mercado de ações e opinava sobre o impacto do resultado eleitoral. A etiqueta, no caso, pediria que, além de ter a fonte original citada — o Fator —, o texto fosse assinado, deixando claro que provinha de um analista independente e não do Santander. Depois do imbróglio, as instituições financeiras trataram de tomar cuidado com o material enviado a clientes do varejo. Os analistas, entretanto, não recuaram. “Permanecemos céticos em relação aos fundamentos econômicos e ao mercado brasileiro. As pesquisas de intenção de voto e a campanha presidencial ainda deverão trazer volatilidade ao Ibovespa, mas vale destacar que o rali recente não foi pautado em melhoria dos fundamentos econômicos, o que traz riscos de severos ajustes pós-eleições, em caso de um resultado desfavorável, na nossa opinião [a reeleição de Dilma]”, comentou a corretora Ativa, em relatório de 1o de agosto. Ninguém reclamou do conteúdo propagado, que se restringiu aos investidores da corretora. Talvez tenha faltado um blogueiro a postar o conteúdo na rede, em tom de indignação, para disparar um novo viral. Propaganda de quem? Enquanto o extrato do Santander gerou muito barulho e nenhum processo legal, textos da casa de análise Empiricus chegaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Empiricus, o Google, o candidato Aécio Neves e a sua coligação partidária foram alvo de uma representação ajuizada por Dilma Rousseff e a coligação Com a Força do Povo. Os motivos: veiculação de propaganda eleitoral antecipada e desrespeito ao artigo 57C da lei eleitoral, que proíbe anúncios em sites de pessoas jurídicas. Em 27 de julho, Admar Gonzaga, nomeado ministro do TSE pela presidente em junho de 2013, concedeu liminar determinando que a Empiricus retirasse do ar dois textos, com os seguintes títulos: “Como se proteger da Dilma: saiba como proteger o seu patrimônio em caso de reeleição da Dilma, já” e “E se o Aécio Neves ganhar? Que ações devem subir se o Aécio ganhar a eleição? Descubra aqui, já”. De acordo com Felipe Miranda, analista da Empiricus, os dois textos eram teasers — recurso de marketing concebido para atrair potenciais clientes com uma rápida demonstração do trabalho da empresa. Para divulgar os textos, a casa de análise usou o sistema de anúncio do Google, que depois recebeu a ordem de retirar os links. Segundo Gonzaga, as peças “se classificavam como propaganda eleitoral por mencionarem, por meio de anúncios pagos, a eleição vindoura e por fazerem juízos positivos e negativos sobre os candidatos”. No dia 2 de agosto, um parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE) reverteu a decisão do TSE, concluindo que os anúncios não tinham intuito eleitoral. Seu objetivo seria fisgar potenciais consumidores para a compra de relatórios da Empiricus, e não convencê-los a votar em um ou outro candidato. O MPE ponderou ainda que a casa também propagandeava materiais do tipo com referências a outros políticos. Os textos sobre Dilma e Aécio, no entanto, ganharam relevância na rede devido a algoritmos do Google que aumentam a veiculação das propagandas mais clicadas. Diante disso, o MPE determinou que a Empiricus poderia voltar a publicar os anúncios, desde que o mecanismo de busca não adotasse para eles a fórmula que premia os mais lidos, de modo a preservar a igualdade entre os candidatos. (B.M.C.) Setembro 2014 C APITAL A BERTO 19 Governança Decisão do TCU sobre Petrobras incita reflexão sobre a atuação dos boards. Conselheiros sobrecarregados e pouco focados tendem a negligenciar atribuições básicas — como duvidar sistematicamente do que ouvem e fazer as perguntas certas Conselhos que acreditam demais Por Bruna Maia Carrion e Yuki Yokoi 20 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Em 23 de julho, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou o relatório do ministro José Jorge sobre a refinaria de Pasadena. O documento apurava o prejuízo da Petrobras com a compra da usina, nos Estados Unidos, em 2006 — um total de US$ 792 milhões. O órgão determinou o bloqueio de bens de três diretores da companhia e isentou de culpa o conselho de administração em atividade naquela época. A alegação: os conselheiros receberam da diretoria uma documentação bastante distinta da que embasava o negócio, sem detalhamento sobre cláusulas potencialmente prejudiciais. O TCU declarou ainda que, caso fossem comprovadas irregularidades na conduta dos conselheiros, eles poderiam ser incluídos na lista de responsáveis mais tarde. A decisão incomodou a muitos, foi compreendida por outros, mas de modo geral deixou no ar uma interrogação. Como definir a fronteira que divide a negligência do conselheiro de sua real inocência? Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com Não é público o conteúdo da ata de 3 de fevereiro de 2006, em que o conselho autorizou, entre outras coisas, a compra de 50% dos bens e direitos da refinaria de Pasadena, por US$ 360 milhões. Até então, a unidade pertencia apenas à belga Astra Oil, que a havia adquirido em janeiro de 2005 por US$ 42,5 milhões. A primeira oferta da refinaria à Petrobras ocorreu em fevereiro de 2005. Em abril, as duas empresas assinaram um acordo de confidencialidade sobre a possível compra. Até que a operação fosse aprovada, dez meses depois, Petrobras e Astra Oil negociaram preços e termos do contrato. Entre eles estava a polêmica cláusula marlim, que garantia à belga um lucro de 6,9% ao ano e obrigava a Petrobras a comprar sua metade em caso de desentendimento — o que veio a ocorrer em 2008. Quatro anos e uma batalha judicial depois, a Petrobras teve que pagar US$ 820,5 milhões à Astra Oil. Os US$ 360 milhões gastos inicialmente viraram nada menos que US$ 1,18 bilhão. Apesar da confidencialidade da ata, sabe-se, por meio do processo público do TCU, que o conselho recebeu apenas um resumo elaborado pela diretoria, segundo o qual o negócio havia sido avaliado e considerado justo pelo Citigroup. Sabe-se também que o órgão colegiado não recebeu informações sobre um parecer da consultoria Muse & Stencil, especializada em condições de refino, dizendo que a refinaria valia apenas US$ 126 milhões, e não os US$ 360 milhões que a Petrobras pretendia pagar. Portanto, foi a partir desse resumo capenga, sem laudos anexados, que o conselho aprovou a aquisição. E sua defesa é exatamente essa. Entretanto, o documento em que o ministro Jorge — indicado ao TCU em 2008 por seu partido, o DEM — se baseou para chegar à conclusão de que havia insuficiência de informação seguia o caminho oposto. Assinado pelo procurador do Ministério Público no TCU Marinus de Vries Marsico, ele sugeria que Dilma Rousseff, Antônio Palocci, Cláudio Haddad, Fabio Setembro 2014 C APITAL A BERTO 21 Govern a n ç a Colletti Barbosa e Gleuber Vieira, integrantes do conselho à época, fossem responsabilizados pelo prejuízo de Pasadena. A razão: falta de diligência, por terem aprovado uma compra sem os riscos estarem expostos e sem avaliar os possíveis desdobramentos da parceria. Assim, vê-se que nem mesmo dentro do tribunal de contas o assunto é consensual. Numa companhia aberta, é a seção 4 da Lei das S.As. que relata, de forma bastante genérica, as responsabilidades do conselho. Segundo o artigo 153, o administrador deve ter com a companhia o mesmo cuidado e diligência que um homem ativo e probo teria ao administrar o seu próprio negócio. Já o Código das Melhores Práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) incumbe ao conselho o dever de assegurar que a diretoria identifica e lista os principais riscos a que a organização está exposta. Em seu estatuto social, a Petrobras atribui ao conselheiro a tarefa de fiscalizar a atuação dos diretores e examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia. Em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso, em 20 de maio, José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras na época da compra, afirmou que desde a década de 1990 o conselho tomava suas decisões baseado apenas em sumários elaborados pela diretoria executiva. Isso porque, segundo ele, os processos eram muito grandes e continham questões operacionais que não interessavam ao órgão. Gabrielli também destacou o grande número de decisões tomadas pela petroleira e o alto valor dos investimentos da companhia. Em 2006, por exemplo, o investimento em bens de capital (capex) foi de R$ 33,1 bilhões. Diante desse valor, de fato, Pasadena não parece muito. Entretanto, uma análise dos comunicados ao mercado da Petrobras entre 2005 e 2006 mostra que a compra da refinaria americana não representava um negócio pequeno. A termelétrica de Macaé, cuja aquisição foi concluída em maio de 2006, custou US$ 358 milhões à empresa — é a que mais se aproxima, em preço, de Pasadena. As demais operações do tipo no período apresentam valores menores, como a compra de ativos da Shell na Colômbia, no Paraguai e no Uruguai, por US$ 140 milhões. Na visão de conselheiros ouvidos pela reportagem, não é papel do conselho enxergar todos os detalhes. No entanto, é sua função fazer as perguntas certas. “Os conselheiros devem se preocupar em conhecer as consequências da decisão a ser tomada”, diz Rodrigo Leite, sócio da consultoria empresarial Advisia. “Existe algo que influenciaria a decisão e não está exposto aqui?” — é uma pergunta básica e obrigatória. Outra indagação possível no caso da Petrobras: “Há no contrato de compra alguma cláusula que pode gerar contingências significativas?”. A partir dos documentos públicos disponíveis, não é possível afirmar que essas questões não foram feitas. No processo do TCU, porém, não há menção a questionamentos realizados pelo conselho. 22 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Agenda cheia Membros do board da Petrobras em 2006 exerciam uma série de outras atividades profissionais Dilma Vana Rousseff Ministra-chefe da Casa Civil e conselheira da BR Distribuidora Antonio Palocci Ministro da Fazenda e conselheiro da BR Distribuidora Gleuber Vieira Conselheiro da BR Distribuidora José Sérgio Gabrielli Presidente da Petrobras, conselheiro da Petrobras Energia e da Petrobras Energía Participaciones Jaques Wagner Ministro das Relações Institucionais Fabio Colletti Barbosa Diretor-presidente do Banco ABN-Amro Real (hoje incorporado ao Santander), conselheiro da BR Distribuidora, conselheiro da Febraban e membro do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico Arthur Antonio Sendas Presidente do Grupo Sendas e de subsidiárias, vice-presidente do conselho consultivo da Abras, conselheiro do Pão de Açúcar, da PUC-RJ e da Agência Rio Claudio Haddad Presidente do Ibmec-SP (hoje Insper), conselheiro da BR Distribuidora, presidente e membro do conselho da instituição de ensino IBTS Jorge Gerdau Johannpeter Presidente do conselho do Grupo Gerdau, conselheiro da BR Distribuidora, coordenador da organização Ação Empresarial Brasileira, líder do Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade, presidente do conselho do Prêmio Qualidade do Governo Federal, conselheiro do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS) e presidente do conselho de administração da Açominas Fontes: formulário de informações anuais (IAN) da Petrobras, sites e formulários de referência das companhias. Telhado de vidro A decisão mal-informada sobre Pasadena não está sozinha no álbum de más decisões corporativas que os conselhos de administração deixaram passar. Em 2008, com o estouro da crise financeira, a Sadia perdeu R$ 2,5 bilhões devido a sua exagerada exposição a derivativos. Os conselheiros da companhia foram julgados pela CVM, dois anos depois; nove deles receberam multas, num total de R$ 2,6 milhões, por terem faltado com o dever de diligência. Foram penalizados porque descumpriram a política financeira da empresa, ainda que tenham alegado desconhecimento das operações. O episódio mostrou que as falhas de controle interno de uma empresa não podem ser usadas como atenuantes daqueles que têm como função zelar pelos rumos do negócio. E nesse ponto, uma ressalva: a decisão do TCU sobre Pasadena não impede que os executivos e os conselheiros da Petrobras venham a ser processados pelas vias administrativa e judicial. No cenário internacional, a situação mais emblemática de falha do conselho foi a da americana Enron, em 2001. Embora o episódio costume ser resumido como uma grande fraude contábil, ele é, na verdade, uma reunião de erros administrativos. O conselho da companhia acabou permitindo o ardil ao ser omisso com os registros contábeis e ao conceder remuneração excessiva e de curto prazo para os funcionários. Esses eventos comprovam que, tanto no Brasil como no exterior, os conselhos tomam decisões ruins e são omissos na função de fiscalizar a diretoria. Não há desculpa para essas faltas, mas alguns fatores tornam a conjuntura mais propícia para elas. No caso da Petrobras, impressiona ver quão atribulados eram os conselheiros à época de Pasadena (ver quadro na página anterior), acumulando cargos públicos e privados que exigem muita dedicação. Dilma Rousseff, presidente do conselho, era nada menos que a ministra-chefe da Casa Civil, cuja função é assessorar o presidente da República. Palocci e Jacques Wagner eram ministros da Fazenda e de Relações Institucionais, respectivamente. É normal que conselheiros exerçam atividades simultâneas. O código do IBGC, porém, sugere que membros externos ou independentes participem de, no máximo, cinco outros conselhos. O número cai quando se trata do presidente do board: o recomendado é que ele integre, no máximo, mais dois colegiados. O instituto deixa claro que, ao assumir uma cadeira num conselho, o profissional deve observar os compromissos pessoais e profissionais em que já está envolvido e avaliar se poderá dedicar o tempo necessário ao novo cargo. “A participação de um conselheiro vai além da presença nas reuniões e da leitura da documentação prévia”, ressalta o IBGC. Ainda que não seja humanamente impossível, é pouco provável que os três ministros citados dispusessem de tempo suficiente para se debruçar sobre questões estratégicas de uma empresa do porte da petroleira. O estudo Board interlocking no Brasil: a participação de conselheiros em múltiplas companhias e seu efeito sobre o valor das empresas mostra que ter conselheiros com agendas lotadas é prejudicial. A pesquisa analisou a composição dos boards de 320 companhias abertas em 2003 e 2005. Os autores Rafael Liza Santos e Alexandre Di Miceli (professor doutor da FEA-USP e colunista da capital aberto) constataram que a participação concomitante de um conselheiro em mais de um colegiado, conhecida como interlocking, era frequente. Em 2005, 68% das companhias nacionais possuíam ao menos um membro com função de administrador em outra empresa. Os conselheiros da Petrobras ainda podem ser processados nas esferas administrativa e judicial Como mudar? Diante da constatação de que os conselheiros falham, um artigo publicado, em maio, na Stanford Law Review, publicação de uma das universidades mais prestigiadas do mundo, propôs uma radical mudança na estrutura do órgão. Em Boards-R-Us: reconceptualizing corporate boards, Stephen Bainbridge e Todd Henderson sugerem que a lei americana seja alterada de forma a permitir às firmas, e não apenas às pessoas físicas, fornecer o serviço de conselho. A board service provider (BSP) seria uma empresa terceirizada que exerceria as funções do colegiado, como fiscalizar a administração e os controles de risco, além de traçar estratégias. Funcionaria, portanto, de forma similar a uma auditoria, tendo na reputação um de seus principais ativos. A proposta é tão ousada quanto questionável: serviços de auditoria e avaliação de risco são terceirizados e se mostraram falhos na crise de 2008. Seu mérito, entretanto, é propor uma revolução na estrutura consagrada dos conselhos de administração. A preocupação em fortalecer a vigília do órgão de representação dos acionistas é, ao que a experiência indica, bastante válida. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 23 Jurisprudência Boletim ANO VIII — No 59 Mercado de Capitais A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) rejeitou o recurso de Ricardo de Camargo Cavalieri para obter credenciamento como administrador de carteiras, devido à existência de condenações passadas. A negativa foi mantida a despeito de uma das condenações ainda estar sob análise do CRSFN. Noutro caso, a Biosev obteve autorização para realizar procedimento alternativo à oferta pública de aquisição de ações (OPA) exigida pela Instrução 361, em decorrência da redução do capital em circulação. Condenações barram credenciamento de administrador de carteira A Superintendência de Relação com Investidores Institucionais (SIN) negou o credenciamento de Ricardo de Camargo Cavalieri como administrador de carteira de valores mobiliários. O requisitante, então, recorreu ao colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que manteve a decisão da SIN. De acordo com a SIN, Cavalieri não atendia ao requisito de reputação ilibada, exigido nos termos do artigo 4o (item III) da Instrução 306 da CVM, de 1999, uma vez que sofreu penalidades impostas no âmbito dos Processos Administrativos Sancionadores (PAS) 16, de 1992, e 4, de 2000. O recorrente alegou, em síntese: 1. a passagem de tempo entre os fatos que ensejaram as condenações acima mencionadas e a data do pedido de credenciamento; 2. o fato de que o PAS 4, de 2000, ainda aguardava julgamento do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN); e 3. suposta alteração do entendimento da CVM acerca do objeto desse mesmo processo, que elevaria a probabilidade de a decisão da CVM ser revertida pelo CRSFN. A relatora Luciana Dias esclareceu, inicialmente, que o caso em questão se prestava à análise dos parâmetros necessários para determinar a reputação ilibada, matéria já enfrentada pelo colegiado em outras ocasiões (processos RJ2011/8.272, RJ2009/12.425, RJ2007/11.399, RJ2002/4.677 e RJ2001/134). Entre os parâmetros já utilizados pelo colegiado para analisar esse requisito, a relatora mencionou: “1. o fato de que a decisão deve ser proferida caso a caso, analisando-se as características e peculiaridades de cada caso concreto; 2. a ocorrência de trânsito em julgado de decisões administrativas que representam máculas à reputação ilibada do interessado (sendo que nos precedentes mais recentes, o colegiado decidiu pela desnecessidade de trânsito em julgado de tais decisões para caracterização de mácula à reputação do interessado); 3. a gravidade das infrações, violações e penas imputadas ao interessado; e 4. a relação de pertinência entre as referidas infrações e violações e a atividade de administração de carteira de valores mobiliários” (retirado do Processo RJ2011/8.272, julgado em 4 de setembro de 2012). Em seu voto, Luciana se posicionou contrariamente ao deferimento do recurso, por entender que: 1. Cavalieri foi condenado duas vezes pela própria CVM, sendo que uma das condenações já foi confirmada pelo CRSFN e a outra, a mais grave, aguarda julgamento no mesmo órgão. Dessa forma, o recorrente sequer começou a sofrer os efeitos de tal condenação, uma vez que a pena está sob efeito suspensivo; 2. Ainda que a análise de recurso perante o CRSFN esteja pendente e possa se conferir efeito suspensivo às condenações impostas pela CVM, a autarquia não pode desconsiderar os seus próprios juízos; e 3. As decisões do regulador são dotadas de legitimidade, uma vez que foram proferidas mediante a observância do devido processo legal e das demais normas que regem a administração pública. A competência pa- ra reanálise de um processo, cujo mérito já foi apreciado pela CVM, foi atribuída ao CRSFN. Assim, a revisão pretendida pelo requerente seria, por um lado, impossível dentro do trâmite de processos sancionadores, e, por outro, indesejável, porque geraria grande insegurança jurídica. O colegiado, acompanhando os argumentos apresentados no voto da relatora, deliberou não aceitar o recurso de Cavalieri. Biosev realizará alternativa a OPA após aumento de participação A Biosev e seu acionista controlador, Hédera Investimentos e Participações formularam pedido para realizar procedimento alternativo à oferta pública de aquisição de ações (OPA) por aumento de participação. A companhia e a Hédera solicitaram a concessão de ao todo 24 meses para a alienação do “excesso de participação” que viesse a ser adquirido pela segunda. A razão era o exercício das opções de venda lançadas na oferta pública primária de ações da Biosev. O requerimento de prazo adicional para a venda se baseou no parágrafo 4o do artigo 28 da Instrução 361, que foi editada em 2002. Justificaram sua necessidade devido ao “momento atual de mercado e das dificuldades enfrentadas por todos os agentes, à reduzida liquidez e o alto grau de insegurança para tomada de decisões por parte dos investidores”. Ademais, ressaltaram que, para efetuar a recomposição, talvez fosse “necessária a eventual realização de oferta, que exige algum tempo para sua devida estruturação, em proteção aos interesses da Biosev, dos seus acionistas e do mercado de capitais”. A Superintendência de Registros de Valores Mobiliários (SRE) apresentou uma série de considerações a respeito de tal solicitação, por meio do Memorando 46, de 2014. Segundo seu entendimento, não haveria empecilho no atendimento da solicitação dos requerentes, tendo em vista que: 1. a regra citada, da Instrução 361, não decorre de comando legal, mas de regulamentação própria da CVM, cabendo à autarquia sopesar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação de suas regras para cada caso específico; 2. a fim de recompor o percentual mínimo de 25% de ações em circulação exigido no Novo Mercado, a Hédera obteve autorização da BM&FBovespa para alienar 1,56% do capital social da Biosev no prazo de seis meses do exercício das opções; 3. caso as demais ações necessárias para se atender ao que exige o caput do artigo 28 da Instrução 361 (equivalente a 2,68% do capital social) sejam alienadas no mesmo período autorizado pela Bolsa, a cotação do papel da Biosev poderá ser negativamente impactada. Seriam, ao todo, 8.783.417 ações (aproximadamente 18,12% das ações em circulação após o exercício das opções) a serem devolvidas ao mercado em seis meses. Além disso, a SRE observou que o deferimento do pleito não interferia na obrigação de recompor o percentual de 25% de ações em circulação da Biosev previsto pelo regulamento do Novo Mercado no prazo autorizado pela BM&FBovespa. O colegiado deferiu, por unanimidade, o pedido dos requerentes: concedeu prazo de 18 meses para a venda do excesso de participação, nos termos da Instrução 361. Ademais, reforçou a necessidade de se recompor o percentual de 25% de ações em circulação em seis meses. Jurisprudência Mercado de Capitais é um informativo bimestral produzido por Motta, Fernandes Rocha Advogados e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. Comentários sobre o informativo podem ser enviados para o e-mail [email protected]. Emissões de certificados de recebíveis do agronegócio aceleram, mas dificuldades na obtenção de rating e na concessão de garantias ainda inibem ofertas Por Luciana Del Caro Quase maduro Criado há uma década pela Lei 11.076, o certificado de recebíveis do agronegócio (CRA) demorou a germinar no mercado de capitais. Diferentemente de seu primo bem-sucedido, o certificado de recebíveis imobiliários (CRI), cujo estoque na Cetip beirava R$ 50,2 bilhões em julho, o CRA acumulava um número bastante inferior: R$ 1,1 bilhão. O montante, contudo, é 110% maior do que o valor registrado um ano atrás e totalmente distinto dos R$ 992 mil computados em janeiro de 2009. Sinal de que o título vem ganhando terreno na cadeia do agronegócio e também nos portfólios dos investidores — em sua maioria, clientes do private banking. 26 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Eles vêm sendo atraídos pelo rendimento generoso do papel — entre 106% e 113% do CDI —, em parte propiciado pela isenção de imposto de renda para a pessoa física. “Existe uma demanda forte por títulos de empresas com nomes conhecidos, rating bom, prazos curtos e taxas atrativas”, avalia Fernanda Mello, sócia da Octante, securitizadora especializada em agronegócio. Se há demanda, então, o que falta para termos uma safra robusta de ofertas? Com o objetivo de debater a questão, a capital aberto promoveu, em 6 de agosto, o workshop “O agronegócio e o mercado de capitais: os CRAs como alternativa ao crédito agrícola”, no Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), em São Paulo. Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com Falta uma instrução da CVM específica para os CRAs. A emissão do título se baseia na norma 414, que regula os CRIs Entre os emissores que se renderam à atratividade do CRA está a Cheminova. A produtora de defensivos agrícolas cedeu recebíveis para três ofertas ao longo dos dois últimos anos, que somaram R$ 120,3 milhões. A primeira captação ocorreu em maio de 2012, quando R$ 25 milhões foram angariados por meio de uma oferta feita pela Instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A norma prevê esforços restritos de venda, ou seja, a emissão pode ser dirigida a 50 investidores e comprada por até 20. Na ocasião, oito pessoas físicas adquiriram os títulos. Nas ofertas seguintes, a Instrução 400 foi utilizada, com o intuito de atingir um público mais amplo. O esforço de pulverização deu certo. Na segunda Setembro 2014 C APITAL A BERTO 27 emissão, em dezembro de 2012, 125 investidores compraram os papéis. Na terceira, em dezembro de 2013, 114 pessoas físicas aderiram. “O mercado de capitais terá um papel cada vez mais importante para o agronegócio”, destaca Moacir Ferreira Teixeira, sócio-executivo da Ecoagro, especializada na estruturação de operações financeiras para o agronegócio. A expectativa é que o setor, hoje responsável por 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, demande cada vez mais investimentos para se expandir. E, assim como em outros segmentos da economia, as tradicionais fontes de financiamento devem ser insuficientes para atender à procura. Encontra-se precisamente aí o espaço para o mercado de capitais. Hoje, os produtores buscam empréstimo, principalmente, em três fontes: nas empresas de comércio internacional (tradings) e nas indústrias de agroquímicos, que financiam a compra de insumos necessários para a produção; nos bancos estatais, que oferecem crédito subsidiado; e nas instituições financeiras privadas, obrigadas a destinar 34% dos depósitos à vista ao setor agropecuário. Os dois primeiros agentes convivem com limitações. As tradings e as fabricantes de agroquímicos estão com sua capacidade de financiamento esgotada. Os bancos públicos, por sua vez, só podem oferecer crédito a taxas mais baratas aos pequenos e médios produtores. Ao securitizar recebíveis, a Cheminova melhorou seus indicadores. “Fizemos uma captação sem precisar aumentar o passivo”, relata Luiz Antonio Alves Guimarães, diretor financeiro da companhia. Ao contrário de um financiamento bancário, o dinheiro proveniente da securitização vai direto para o caixa, sem ser registrado como dívida no balanço. Além disso, ao reduzir o valor de contas a receber, a operação deu fôlego para a produtora de defensivos agrícolas fazer novas concessões de crédito a seus clientes, prática comum nessa indústria. 28 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Bruno Cerqueira, sócio do PMKA Fernanda Mello, sócia da Octante Jean-Pierre Cote Gil, gestor da Western Asset Luiz Antonio Alves Guimarães, diretor financeiro da Cheminova Mauro Tukiyama, diretor da divisão de financiamento estruturado do Bradesco BBI Moacir Ferreira Teixeira, sócio-executivo da Ecoagro Ricardo Maia da Silva, gerente da superintendência de registros de valores mobiliários da CVM Garantia difícil Alguns motivos explicam por que, apesar dos atrativos, as emissões de CRA ainda não fazem jus à pujança do agronegócio no País. E eles vão muito além da falta de familiaridade do produtor com o mercado de capitais. Um dos entraves é o estabelecimento de garantias para esse tipo de operação. Se no CRI os imóveis que lastreiam os recebíveis costumam ser dados como salvaguarda em caso de calote, no CRA as safras não são tidas como boa proteção, já que estão sujeitas a quebras e problemas de qualidade. O penhor de cana, por exemplo, é uma garantia fraca — mesmo que o credor receba a posse do insumo como pagamento de um débito não saldado, a cana perde o teor de açúcar um dia após colhida. Seria necessário transportá-la para uma usina que a processe a tempo, algo nem sempre é possível. Por isso, muitas operações possuem seguros financeiros ou dão como proteção ativos reais — imóveis, por exemplo. Foi o que ocorreu na emissão de R$ 270 milhões em CRAs da Coteminas, finalizada em junho. Como proteção em caso de inadimplência dos recebíveis, os certificados ofereciam 120% do valor da emissão em imóveis do grupo. “Não trabalhamos com a hipótese de mercado secundário ao comprar CRAs; por isso, focamos muito na análise das garantias quando olhamos uma operação”, explica Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos. Outro obstáculo enfrentado por esse mercado é a ausência, nas principais agências de rating, de modelos para a análise de risco do certificado, observa Mauro Tukiyama, diretor da divisão de financiamento estruturado do Bradesco BBI. De acordo com o executivo, apenas três das sete emissões do título feitas em 2013 possuíam classificação de risco. Elas somavam R$ 158 milhões, num total de R$ 856 milhões. O impasse, segundo Tukiyama, é que, para distribuir o CRA aos clientes, as áreas de private banking exigem ratings elevados. Sem entender apro- priadamente o produto, as agências de classificação de risco adotam uma postura conservadora: “Geralmente, elas acabam atribuindo rating mais baixos aos CRAs”, diz Jean-Pierre Cote Gil, gestor do Western Asset. A situação se torna ainda mais crítica quando envolve certificados de recebíveis pulverizados (com vários devedores). De acordo com Fernanda, da Octante, esse tipo de CRA só consegue nota boa se for de indústria que forneça insumos aos produtores há muito tempo e, portanto, possua histórico de crédito. Da costela do CRI Outra questão sensível no mercado de CRA é a ausência de uma instrução da CVM voltada ao produto. A emissão do título se baseia na norma 414, que dispõe sobre os CRIs. Essa situação gera, muitas vezes, situações curiosas, já que a natureza do crédito imobiliário e a do agronegócio são bastante distin- tas. A regra de CRI, por exemplo, veta a emissão de títulos com preço unitário inferior a R$ 300 mil se o imóvel não tiver habite-se ou patrimônio de afetação constituído (segregação facultativa dos recursos da construtora ou incorporadora destinados a determinado empreendimento). A pergunta que fica então é: o que seria equivalente no agronegócio? A transposição da Instrução 414 ao contexto do agronegócio também gera confusão quando se fala em concentração de devedores. A regra proíbe que o devedor represente mais de 20% de uma carteira de recebíveis, exceto se for uma instituição financeira, companhia aberta ou empresa que arquive suas demonstrações financeiras na CVM. A maioria dos cedentes de recebíveis de agronegócios são pessoas físicas, grandes produtores rurais ou cooperativas — os quais não se enquadram nessa exceção, inviabilizando algumas operações. “Cabe um estudo para verificar se esse ponto se aplica aos CRAs”, opina Bruno Cerqueira, sócio do PMKA. A CVM não pretende lançar uma instrução específica para o CRA, ao menos no momento. E, para alguns participantes do mercado, é melhor assim. Eles acreditam ser prudente aguardar um desenvolvimento maior do mercado antes de provê-lo com uma regra que possa se mostrar inadequada, dado o histórico ainda parco de operações com o título. A resolução de outro entrave regulatório, por ora, é considerada mais premente: “Para que o CRA se desenvolva, é necessário antes modernizar a legislação dos títulos do agronegócio, como a cédula do produto rural (CPR), que muitas vezes lastreia o CRA”, analisa Carlos Ratto, diretor da Cetip. Pela Lei 8.929, a CPR não é um título escritural, mas físico, que precisa ser registrado em cartório. Portanto, quando usado como lastro de uma se- www.ecoagro.agr.br Investir em Eco Securitizadora: Pioneira em Emissões de CRAs; Líder em Volume e Número de Emissões; Operações com Foco no Produtor Rural. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 29 curitização, deve passar pela repartição para ser transferido à securitizadora, que então emitirá o CRA. Se as CPRs forem de vários produtores e possuírem valores pequenos, o trâmite torna o trabalho e o custo para viabilizar uma operação maiores que seus benefícios. “Da forma como a lei está hoje, não vemos um crescimento muito grande para o CRA”, lamenta Ratto. Adubo para emissões Outras melhorias, além das regulatórias, podem fertilizar o mercado do agronegócio. Uma delas é a emissão do produto em moeda estrangeira. Se feita em dólar, por exemplo, ela isentaria os aplicadores internacionais do risco cambial. “Esses investidores sempre aportaram recursos no setor”, observa Cerqueira, do PMKA. Cabe ponderar, todavia, que os pagamentos em dólar no Brasil são vetados pela legislação fundadora do Plano Real — exceto aqueles direcionados a investidores do exterior, com lastro indexado à moeda estrangeira. Considerando que as commodities são atreladas ao dólar, e elas são os lastros dos CRAs, a oferta do título em moeda estrangeira seria possível, na visão de alguns participantes do mercado. “O que não dá para fazer é um CRA descasado do lastro, seja no índice [de remuneração do ativo], seja no prazo”, afirma Ricardo Maia, gerente da superintendência de registros de valores mobiliários da CVM. Como nenhuma operação de CRA em dólar foi realizada até hoje, ela precisaria passar pelo crivo da CVM. Após análise pelo departamento técnico, a questão provavelmente seria endereçada ao colegiado da autarquia. Também poderia ser levada ao Banco Central (BC), que assina com a CVM a Decisão-Conjunta 13, que versa sobre a remuneração dos CRIs e das debêntures. Só depois, sairia o veredito final. Incentivar os grandes bancos a adquirir o título é outra proposta para fomentar o segmento. Esse movimento poderia ocorrer, na visão de Cerqueira, 30 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Uma proposta é o Banco Central passar a aceitar a aplicação em CRA como forma de cumprir a exigibilidade do crédito rural. Hoje, os empréstimos para o segmento estão aquém do que poderiam ser, porque os bancos conhecem pouco o agronegócio. Alguns acabam arcando com o ônus de ter os recursos recolhidos como compulsório sem remuneração caso a aplicação em CRA fosse aceita pelo BC como forma de cumprir as exigibilidades do crédito rural (direcionamento obrigatório de 34% dos depósitos à vista para financiar o setor). Hoje, o empréstimo para o segmento está aquém do que poderia. Por conhecer o agronegócio apenas superficialmente, algumas instituições acabam não cumprindo o requisito. Arcam, por conseguinte, com o ônus de ter os recursos recolhidos pelo BC na forma de compulsório sem nenhuma remuneração. Outras cumprem a regra investindo em depósitos interfinanceiros (DI) rurais com baixa remuneração. Para mudar esse cenário, seria fundamental as securitizadoras especializadas em agronegócio educarem os bancos. Cerqueira acredita que elas dariam mais segurança às instituições financeiras para atuar no segmento e investir em CRAs. Educação é, por sinal, um ponto crucial para o desenvolvimento do título. “Os cedentes dos créditos, que são muitas vezes os produtores rurais, desconhecem o CRA e seus benefícios”, comenta João Paulo Pacífico, diretor da Gaia. A escassa familiaridade, contudo, não se limita a esse público — não raro, milionários cujo patrimônio como pessoa física se mistura com o da jurídica. Também se aplica a grandes empresas no interior, com porte para ceder recebíveis, mas pouco profissionalizadas. Ainda assim, paulatinamente, o setor do agronegócio vem conhecendo o instrumento. Alexei Bonamin, sócio do escritório Tozzini Freire, lembra que, no início, os CRAs eram emitidos principalmente pelas grandes produtoras de insumos — como a própria Cheminova e a Syngenta. Agora, há também companhias dos setores sucroalcooleiro, de soja, algodão e café cedendo recebíveis para a emissão do produto financeiro. A tendência, acredita, é cada vez mais produtores de outras culturas se aproximarem do título. Uma ótima notícia para as securitizadoras e também para os investidores que aguardam novas safras de CRA. Capa Por uma nova política A CAPITAL ABERTO completa, neste mês, seu 11 aniversário. Na história da revista, o ano de 2014 é, infelizmente, o mais difícil para o mercado de capitais, especialmente o acionário. Nenhum IPO foi realizado, ao menos até agosto. Nesta edição, buscamos reunir opiniões de renomados especialistas sobre caminhos para superarmos a má fase. Notadamente, observamos a convergência em um ponto fundamental: todas as saídas passam por uma nova política de governo. É preciso contenção dos gastos públicos, redução das taxas de juros e retomada da confiança. Sem essas engrenagens no lugar, afirmam eles, não há remédio que faça deslanchar o mercado de ações e os demais instrumentos do mercado de capitais. º Setembro 2014 C APITAL A BERTO 31 Nonoonoon Foto: Aline Massuca “A agenda começa pelo ajuste fiscal” 32 C APITAL A BERTO Setembro 2014 “Do jeito que está não há como pensar em crescimento de nada”, dispara a economista Monica Baumgarten de Bolle, quando questionada sobre as medidas que poderiam recolocar o Brasil na rota de crescimento. Sócia da consultoria Galanto e diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças, Monica observa que o essencial é arrumar a casa, ainda que para isso seja preciso “machucar o crescimento de curto prazo”. A agenda começa pelo ajuste fiscal, mas não deve se restringir à revisão da carga tributária e ao corte de gastos. É preciso mudar o cenário em que dois dos mais importantes setores da economia — o de energia elétrica e o de petróleo e gás — vêm sendo usados pela União para manter as contas em dia à custa da credibilidade do País. Por Yuki Yokoi O que é possível fazer para o Brasil voltar a crescer? A primeira coisa é promover uma arrumação geral do quadro econômico. Do jeito que está não há como pensar em crescimento de nada. É preciso fazer uma extensa agenda de reformas e de ajustes, o que requer vontade política. O campo das reformas é o mais complicado. Para melhorar o quadro fiscal brasileiro, não adianta pensar só em reforma tributária e em eventuais cortes de gastos. Temos dois setores extremamente importantes para a economia — o elétrico e o de óleo e gás — que estão absolutamente misturados com a política fiscal e, ao mesmo, sofreram intervenções diretas do governo. Além da política fiscal, que outros campos precisam passar por reforma? Temos que redesenhar o Banco Central (BC), colocá-lo para fazer o regime de metas de inflação novamente e abrir espaço para que o câmbio volte a ser flutuante. O que aconteceu nos últimos quatro anos foi uma desconstrução do regime que tínhamos até o fim da gestão [Henrique] Meirelles. Desde 2010, tudo mudou. O regime de metas ficou muito estranho. Quando o governo diz: “Estamos cumprindo a meta”, ele não se refere ao que, antes, chamávamos de meta — o centro da inflação prevista, atualmente em 4,5% ao ano. Se a inflação está abaixo do teto do regime, que é de 6,5% ao ano, o governo afirma que estamos cumprindo a meta. É uma interpretação diferente da que era usada, mais frouxa e redutora da transparência. A falta de clareza deixa o mercado muito cabreiro. A credibilidade se foi, mas não é difícil consertar essa situação: é só mudar os governantes e voltar a fazer como era até 2010. Como avalia os impactos do intervencionismo do governo sobre o mercado de capitais? A intervenção foi crescendo ao longo dos últimos anos e espero que tenha atingido o pico. Se for além, ficaremos com cara de Argentina. Se continuarmos trilhando o caminho de intervenções cada vez mais profundas e abrangentes, não será nada bom para o setor privado; teremos encolhimento do mercado de capitais. A presidente Dilma tem um viés intervencionista mais forte do que [o ex-presidente] Lula. Conforme algumas dessas intervenções foram feitas e não tiveram os resultados esperados, o governo, em vez de pensar “não está dando certo porque as intervenções estão ficando excessivas” achou “não está funcionando porque ainda não fizemos o suficiente”. Na sua visão, o que é preciso fazer para o mercado de capitais voltar a crescer? Uma das coisas fundamentais é o retorno da confiança. Acreditar que as instituições e a política econômica estão funcionando bem e que teremos perspectivas melhores de crescimento à frente. Em última análise, o mercado de capitais é o principal fornecedor de crédito para investimentos no lado real da economia. Para termos essa perspectiva de expansão, é preciso crer que a economia vai crescer. E como se faz isso? De um jeito doloroso no princípio. É um pouco paradoxal, mas resgatar o crescimento de médio prazo demanda primeiro machucar bastante o crescimento de curto prazo. O mercado de capitais funciona olhando para o futuro. Se os agentes compreendem que estão sendo feitos ajustes que num primeiro momento vão prejudicar o crescimento para depois render frutos, isso tem um efeito positivo antecipado. Atualmente, toda a expectativa está atrelada à eleição presidencial... É verdade. A continuação do governo Dilma é mais do mesmo: não tem melhora pela frente. O ano de 2015 vai ser difícil, ruim para a economia em geral, independentemente do governo a ser eleito. O que as pessoas estão olhando é o que vem depois. Vem melhora ou será igual? Queira ou não, este governo já demonstrou que não sabe fazer diferente. Vamos ficar mais quatro anos com crescimento comprometido. Em que grau essa retração pode chegar em caso de reeleição? Não teremos uma crise necessariamente, mas também não haverá grandes mudanças, pois o governo acha que está fazendo o certo. Na melhor das hipóteses, cresceremos 2% ao ano, podendo ser pior. O que Marina [Silva] significa na área econômica? Não é muito diferente de Aécio [Neves]. As pessoas que a assessoram são de alto calibre e muito qualificadas. Isso significa que, quando se olha além de 2015, serão governos bons para o crescimento. Ou que, pelo menos, tentarão ser. A credibilidade do mercado brasileiro está arranhada no exterior? Ela não foi tão minada assim, mais em decorrência do quadro internacional do que das barbaridades que foram feitas aqui. O cenário lá fora, muito conturbado nos últimos anos, permitiu que surpresas não saltassem aos olhos do investidor estrangeiro como saltariam alguns anos atrás. A ingerência na Petrobras é um exemplo. Até a intromissão começar, a companhia era a menina dos olhos do mercado internacional. Suponhamos que isso tivesse acontecido em 2002 ou 2003: teria sido um desastre para a confiança no Brasil. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 33 Capa Foto: Greg Salibian Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e sócio-fundador da gestora Mauá Sekular, é um entusiasta da indústria de fundos de investimento. Para ele, no entanto, alguns aspectos podem reduzir o crescimento do mercado financeiro ou mesmo emperrar qualquer avanço. É o caso do sistema de tributação dos veículos de investimento. “Produtos de natureza semelhante estão sujeitos a uma tributação muito diferente, o que gera competição entre eles”, afirma. Por que, afinal de contas, um fundo de curto prazo é tributado à alíquota de 22,5%, enquanto se isentam de imposatos papéis, também de curto prazo, ligados ao mercado imobiliário? “As desonerações estão no lugar errado. A indústria de fundos sente isso muito claramente.” Para Figueiredo, um rearranjo completo é urgente — isso sem falar do volume de impostos a que os investidores estão sujeitos. O cenário macroeconômico também preocupa o gestor. Na sua visão, o País se encontra em recessão. Por Mariana Segala Há chances, no curto prazo, de o mercado de capitais voltar a crescer? Um investidor compra ações de uma empresa na expectativa de compartilhar os benefícios do seu crescimento. Em ambiente de dúvida quanto a esse aproveitamento — seja por causa do custo de capital elevado, seja por causa da economia parada ou da perda de competitividade —, o investimento não acontece. As companhias brasileiras, embora façam um esforço para manter as margens, estão sofrendo por razões como essas. Nos últimos anos, o mercado de capitais perdeu o horizonte. Os níveis de confiança do empresariado estão em patamares de momentos de crise. E, num padrão de crise, quem consegue se desenvolver? Qual é a perspectiva de sairmos desse quadro? Com as ações cotadas a preços muito baixos, com lucro menor e diante de uma perspectiva ainda incerta, emitir ações e outros papéis se tornou uma alternativa muito cara de captação. Por isso precisamos de um contexto econômico melhor. O cenário só muda se for estabelecido um conjunto de políticas capazes de aumentar a confiança, o que inclui custos de infraestrutura e de contratação mais baixos, sistema tributário mais eficiente e facilidade para acessar capital. Em paralelo a isso, pode-se desenvolver um marco regulatório mais robusto no que diz respeito à governança e aos direitos dos acionistas minoritários. O desenvolvimento regulatório registrado na década de 2000 não foi suficiente para manter o crescimento do mercado? Tomar dinheiro no mercado acionário para realizar investimentos é algo relativamente novo no Brasil. Há 10 ou 15 anos, essa possibilidade de financiamento era inexistente para as 34 C APITAL A BERTO Setembro 2014 “Falta coerência ao tributar” empresas. O País passou por um processo que gosto de chamar de normalização. Tornou-se um bicho mais normal, parecido com outros mercados. Só que países normais também têm problemas. Ainda assim, os avanços institucionais são inegáveis. Além da melhora na regulação, a criação de importantes entidades, como a Amec [Associação de Investidores no Mercado de Capitais] e a Anbima [Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais], ajudou a profissionalizar o mercado. Foi um processo positivo. Todas essas coisas, no entanto, não são suficientes para mudar o ambiente de incertezas no Brasil. Onde é possível melhorar? Do ponto de vista da governança, é importante ressaltar que a criatividade dos agentes ainda é capaz de gerar enormes distorções na relação entre controladores e minoritários, afetando os direitos, obviamente, dos últimos. Os critérios para incorporação de empresas, por exemplo, representam um espaço de ampla arbitragem. No fim das contas, isso pode reduzir o apetite dos investidores. Pacotes de estímulo ao mercado de capitais, como o que foi anunciado há três meses pelo ministro Guido Mantega, terão algum efeito? Ajudam, sim. Sou favorável a políticas mais horizontais, porém essa iniciativa pode fomentar empresas menores, que estejam em estágio anterior ao de uma oferta. Elas ficam estimuladas a fazer um esforço ainda maior para se desenvolver. Incentivos aplicados na direção correta são importantes. Todavia, é bom lembrar que, no que diz respeito à tributação, temos uma série de distorções no mercado financeiro. Quais são elas? Fundos que compram papéis de curto prazo pagam imposto de renda de 22,5%, enquanto títulos também de curtíssimo prazo vinculados ao setor imobiliário são isentos. Trata-se de produtos de natureza semelhante sujeitos a uma tributação muito diferente, o que gera competição. As desonerações estão no lugar errado; a indústria de fundos sente isso muito claramente. Como manter os incentivos sem criar distorções? É preciso operar um grande rearranjo nessa enorme colcha de retalhos da tributação. E considerar toda a gama de produtos financeiros, de curto ou de longo prazo, de renda fixa ou variável, títulos híbridos — o que for. Só não faz sentido o sujeito que compra ações diretamente ter isenção de imposto de renda e o que investe em fundo de ações não contar com o benefício. A conclusão é: paga-se um custo adicional e não se consegue alongar os prazos das emissões, algo desejável para o desenvolvimento do mercado. Há um excesso de tributos sobre os investimentos? Não. Não estou falando em diminuir o volume de tributos. Essa seria uma segunda discussão. A primeira é criar coerência no sistema, hoje absolutamente incoerente. O Brasil, infelizmente, mantém um viés rentista. Significa que quem vive da renda, sem gerar produção ou favorecer a economia, ainda tem muitos benefícios. É uma parcela de recursos que fica parada, usufruindo de benefícios fiscais indevidos, na minha visão. A tributação é o maior entrave à indústria de fundos? Sim. Há centenas de outras coisas capazes de impulsionar seu crescimento, mas a tributação é algo que emperra a indústria contemporânea. Uma taxa de poupança maior também ajudaria o crescimento da indústria de fundos. Como é possível ampliá-la? A poupança mais elevada ajudaria não só o mercado de capitais como a economia de modo geral, pois permitiria mais investimentos e crescimento sustentável. Nesse capítulo, é fundamental restabelecer a poupança pública e melhorar a situação fiscal. Temos superávit primário recorrente muito perto de zero. E ele não é fruto das receitas usuais do governo, e sim de itens extraordinários como a venda de ativos — as concessões, em outras palavras. Comparando com a vida de um cidadão comum, é como se ele, mensalmente, se permitisse gastar mais do que o seu salário porque levantou dinheiro vendendo o carro. O País, em resumo, gasta com base nos seus estoques, mas, ao se desfazer deles, fica mais pobre. Não é necessária nenhuma revolução para alterar esse caminho. Basta voltar minimamente para um nível de superávit razoável, aumentando a poupança pública e, eventualmente, diminuindo as taxas de juros. Quanto a política intervencionista atrapalha? Muito. Quando se conversa com exportadores, percebe-se que a eles interessa mais um câmbio estável do que um real desvalorizado. Esse é um exemplo de como o intervencionismo atrapalha. Outro é o das empresas que atuam em setores regulados: elas sofrem só com a expectativa de uma determinação, mesmo que não tenham sido alvo de problemas de fato. O senhor acredita na possibilidade de fuga de capital do Brasil? Não acredito. O Brasil, felizmente, está em outro patamar, com reservas internacionais muito grandes. Agora, a tendência é declinante, e isso pode causar fragilidades no futuro. No ano passado, tivemos uma saída grande de investidores do mercado. Chamar isso de fuga de capitais, entretanto, seria um exagero. Apesar disso, na prática, considero que o País está em recessão. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 35 Capa Desde que começou a trabalhar no mercado financeiro, em 1967, Luiz Carlos Mendonça de Barros viu dez homens e uma mulher tomarem posse como presidentes do País. Fundou uma corretora, uma empresa de fomento cultural e dois bancos. Também foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por três anos, ministro das Comunicações e gestor de recursos. Não teve uma trajetória livre de polêmicas: a acusação de favorecer empresas na época das privatizações lhe custou, em novembro de 1998, o ministério que havia assumido sete meses antes, logo após deixar o BNDES, onde estava desde 1995. Não foi provado o favorecimento, e a absolvição completa veio em 2011. Desde 2001, Mendonça de Barros é o principal nome da gestora Quest — hoje com oito fundos e R$ 2 bilhões em recursos sob gestão. Em quase 50 anos de atuação, ele aprendeu que não se muda um povo: os brasileiros vão continuar sendo consumidores, não poupadores. Por Bruna Maia Carrion Foto: divulgação “O governo tem que voltar a poupar” 36 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Em termos macroeconômicos, qual é a principal medida que o governo deveria tomar para dinamizar o mercado de capitais? O governo teria que gastar menos. Ao voltar a ter uma meta de poupança — o superávit primário — e cumpri-la, conseguiria tirar a pressão sobre os juros de títulos públicos. Atualmente, os títulos nacionais chegam a render 6% acima da inflação. O resultado disso é que fundos de pensão, investidores institucionais e os poucos brasileiros poupadores preferem esse investimento, sem risco. Com menos gasto governamental, o pequeno bolo de poupança privada do Brasil seria mais bem distribuído, assim como a poupança externa que entra no País e investe em títulos públicos. E na arrecadação? Precisamos de uma reforma tributária? No momento, a reforma tributária é um sonho de uma noite de verão. O governo arrecada o suficiente para cobrir as despesas dele. Não tem como diminuir os impostos se o Estado não passar a gastar menos antes. O senhor acha que o governo deveria tomar atitudes para reduzir o consumo das famílias e aumentar, assim, a quantidade de dinheiro disponível para investimentos? Não. O povo brasileiro é um povo consumidor. O mercado de capitais brasileiro acaba sofrendo as consequências dessa característica da sociedade — mas não dá para mudar um povo. Já estou velho o bastante para reconhecer isso. O consumo das famílias corresponde a dois terços do PIB. Na China e na Coréia do Sul, é menos de 40%. Contudo, o brasileiro não vai começar a poupar como eles. É cultural. Para economizar tanto quanto um coreano, o brasileiro teria que morar, por exemplo, num apartamento de 30 metros quadrados. Ninguém quer isso — queremos 70 metros quadrados. Somos uma sociedade de cigarras, não de formigas. Não é à toa que foram criados mecanismos de poupança compulsória, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O governo deveria, no máximo, tornar mais difícil o saque desses recursos, para evitar que fossem usados para financiar o consumo. podemos ter problemas. É um assunto em que a CVM deve prestar atenção. Precisamos reformar a estrutura de nosso mercado de capitais para tornar os investimentos mais fáceis? Não, o sapato não aperta aí. É evidente que as regras precisam estar em constante transformação, porque alguém sempre descobre uma maneira de burlá-las, mas a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central têm sido muito eficientes em se modernizar. Existem alguns setores na economia brasileira que possuem estrutura de primeiro mundo, e o mercado de capitais é um deles. Aqui, um caso como o de Bernard Madoff [gestor de recursos preso em dezembro de 2008 por fraude nos Estados Unidos] não aconteceria, porque tudo se registra eletronicamente. É extremamente fácil recompor o caminho de um ativo. Como as empresas brasileiras podem buscar financiamento, considerando que têm de competir com o governo, que toma emprestado a taxas altas? As grandes empresas têm boas alternativas internas e externas, como financiamento bancário, investimento direto e bolsa de valores. Para as médias é mais difícil. Temos um sistema bancário oligopolizado, em que as taxas cobradas e as margens de lucro obtidas são muito altas. Essa concentração, entretanto, aconteceu no mundo todo após a crise de 2008. Em termos regulatórios, não temos com que nos preocupar? Devemos observar, e talvez até antecipar, o que os Estados Unidos fazem com relação a certas novidades, como o high frequency trading (HFT), por exemplo. E, então, criar sistemas e estratégias para proteger os pequenos investidores de acidentes. As operações de alta frequência ainda são poucas [cerca de 13% do volume negociado no Brasil, contra mais de 50% nos Estados Unidos]. Se o volume aumentar muito, no entanto, O governo recentemente publicou a MP 651 para incentivar a listagem de PMEs. É uma boa solução? Isso é uma bobagem. O melhor incentivo fiscal que o governo pode dar é gastar menos e aumentar a poupança dele, para assim conseguir diminuir a taxa de juros. O BNDES é muito criticado por emprestar a juros subsidiados e travar o desenvolvimento do mercado de capitais. Qual deveria ser o papel dele? Servir como âncora, referência e suplemento, comprando debêntures ou ações emitidas por empresas. Não é papel do BNDES distribuir empréstimos como vem fazendo. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 37 Capa O economista Gustavo Franco, sócio da gestora Rio Bravo Investimentos, estava no olho do furacão quando o Plano Real foi implementado e o Brasil começou a recuperar a dignidade institucional, depois de anos de descontrole inflacionário. Entre 1993 e 1999, foi secretário-adjunto de política econômica do Ministério da Fazenda, diretor da área internacional do Banco Central e presidente da instituição. A política econômica adotada pelos governos seguintes ao de Fernando Henrique Cardoso foi, em sua visão, desastrosa para o mercado de capitais. Por isso, a evolução regulatória verificada nos anos 2000 pouco pode fazer no combate à atual situação do mercado. “Quando o mercado acordar em razão de mudanças macroeconômicas, os progressos de natureza regulatória ou incentivos fiscais poderão ter alguma utilidade. No momento, não”, sentencia. Por Mariana Segala out”. O Estado cresceu, aumentou a demanda por financiamento e forçou a taxa de juros para cima. Nesses casos, o setor público expulsa o privado do mercado de capitais. A involução macroeconômica, infelizmente, frustrou a evolução regulatória e institucional. Qual foi o ponto dessa virada? A reação do Brasil à crise financeira internacional. No começo, o governo falava em políticas anticíclicas, e talvez isso fizesse sentido nos primeiros três ou quatro meses. Passado esse período, entretanto, não se deve fazer mais nada anticíclico, e sim voltar à política macroeconômica anterior. Só que isso não ocorreu. A qualidade da política macroeconômica foi piorando e hoje está em seu pior momento. Depois de anos de crescimento, o mercado de capitais brasileiro estagnou. Quais são as razões? É muito simples. Houve um retrocesso claro nas políticas econômicas do País, por causa de uma guinada na direção do intervencionismo, do crescimento do papel do Estado e da piora das contas públicas. O resultado não poderia ser pior para o mercado de capitais, porque a conjunção desses fatores fez os juros de curto e de longo prazo subirem. E, com o mix macroeconômico hostil às empresas — basta olhar os resultados das companhias abertas nos últimos anos —, o investidor se afasta do mercado acionário. O intervencionismo constitui um grande problema, cujo caso mais dramático é o da Petrobras. Começa pela definição do modelo de partilha para a exploração do pré-sal e segue com a capitalização da companhia e as determinações de conteúdo nacional para os fornecedores de equipamentos, entre outras ações. Isso foi ruim para a companhia e, obviamente, afetou o mercado. A Petrobras, deixou de ser a grande empresa brasileira. Hoje é a Ambev. Transformamos petróleo em cerveja. Recentemente, o governo anunciou um pacote de medidas para estimular o mercado de capitais. Uma delas é a isenção de imposto de renda nos investimentos em ações de pequenas e médias empresas. Políticas desse tipo resolvem? São muito pouco significativas. Quando o mercado acordar em razão de mudanças macroeconômicas, os progressos de natureza regulatória ou incentivos fiscais poderão ter alguma utilidade. No momento, não. Para o mercado de capitais destravar, é preciso mudar a política econômica. Basicamente, o grande erro é o descontrole fiscal, um assunto grande e complexo. Como compreende um espectro enorme de medidas, não há uma bala de prata que resolva tudo. O que resta às autoridades é afirmar seu compromisso, coisa que a administração atual não tem mais capacidade de fazer, já que durante todos esses anos evitou reconhecer ao existência do problema. Assegura recorrentemente que as contas fiscais estão em ordem e usa criatividade contábil e maquiagem. A eleição é uma janela para mudar. Na década passada, houve um desenvolvimento regulatório intenso nos mercados. Criaram-se produtos, aperfeiçoaram-se normas de governança e cresceu a concorrência entre os agentes. Não era exatamente o que faltava para o mercado evoluir? Essas iniciativas vêm de longe. As operações estruturadas de base imobiliária, por exemplo, começaram a se desenhar em 1996, quando as primeiras peças de legislação sobre o sistema financeiro imobiliário foram aprovadas. Demorou um tempo para o mercado se acostumar com essas diretrizes, mas no fundo foram elas, já amadurecidas, que permitiram a expansão desse segmento. São alterações institucionais importantes, porém, de impacto decepcionante nas emissões. Temos um problema que a literatura designa como “crowding Imaginou-se que seria possível chegar a 5 milhões de investidores na BM&FBovespa em poucos anos. O que vemos hoje são pessoas deixando o pregão. Como é possível atacar esse problema? A pessoa física, quando vai ao mercado de capitais, se divide entre o apelo das ações e o dos fundos de investimentos que carregam títulos públicos, por exemplo. Se os juros sobem, não tem conversa: ela preferem a dívida do governo. Fora isso, veja o que aconteceu com a Petrobras, que perdeu metade do valor de mercado em função das políticas estatais. Quem investiu o FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] ou a poupança nos papéis da empresa viu metade de suas economias ir embora. É compreensível, portanto, que as pessoas físicas estejam ariscas. Recuperá-las depende de um contexto 38 C APITAL A BERTO Setembro 2014 macroeconômico diferente, que apresente a intenção expressa de diminuir o tamanho da pegada governamental. “O peso do Estado deve ser reduzido” Discute-se o uso dos recursos do FGTS, que não remunera os trabalhadores a contento. Faz sentido dispor desses recursos para alavancar o mercado de capitais? Claro que sim. Esta aí uma fronteira muito interessante a ser explorada. O FGTS é uma espécie de plano de previdência, do qual muitos brasileiros são cotistas. Mas ele tem uma política de investimento diferente das fundações, por exemplo. Enquanto o fundo de pensão põe seus recursos a serviço do cotista, com vistas a obter o melhor rendimento possível, e está sujeito a uma regulamentação prudencial, o FGTS não tem nada disso; sua política de investimento é absolutamente chapa-branca. O patrimônio é tratado como se fosse recurso orçamentário. A ideia da governança tripartite, com representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo, é uma ficção. Defendo que o FGTS seja um instrumento assemelhado a um fundo de pensão, tanto na política de investimento quanto na remuneração. O mercado de capitais só teria a ganhar se o FGTS e o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] se parecessem com fundos de previdência. É algo factível no curto prazo? Sim, não vejo nenhuma dificuldade. Seria preciso criar uma regra de transição, pois os recursos que lá estão foram investidos de uma certa maneira, seguindo determinados critérios. Mas não é difícil estabelecer uma mudança. Há muitas ideias a explorar, por exemplo, aquela que permitiu às pessoas investir nas ações da Vale e da Petrobras. Por que também não permitir que haja outros gestores para esses recursos, que são privados? A taxa de poupança baixa é considerada um problema crônico no País. Como elevá-la? Tendo a olhar para a taxa de poupança mais como o resultado de várias coisas do que propriamente como uma decisão do brasileiro, que, diferentemente do chinês, poupa pouco ou só olha para o curto prazo. Na China, onde não existe previdência pública, as pessoas têm de se virar para preparar sua velhice; no Brasil, a filosofia é de que a velhice será garantida pelo Estado. Todo o sistema de previdência, pública ou complementar, merece ser aperfeiçoado e popularizado. Isso faria a taxa de poupança crescer. Porém, não se faz mudança cultural por meio de campanhas, e sim com atitude institucional, conduzida pelo governo. A reforma no FGTS e no FAT seria um começo de conversa nesse assunto. Foto: Greg Salibian Setembro 2014 C APITAL A BERTO 39 Capa Foto: divulgação “Menos burocracia e mais informação” 40 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Oficialmente, Mark Mobius mora em Cingapura. Na prática, passa boa parte do tempo viajando pelo mundo. Como diretor-executivo do Templeton Emerging Markets Group, ele coordena equipes de análise de investimentos em 18 países. Atendeu à ligação da capital aberto direto de Tóquio, de onde partiria para a Coreia do Sul. Seu trabalho na tradicional gestora americana começou em 1987, quando geria um fundo de investimento em países emergentes. Hoje, é tido como uma autoridade para opinar sobre esses mercados. Em seu blog, traduzido para várias línguas, Mobius divide um pouco de seu trabalho de análise com o grande público. Diz o que pensa do potencial da Nigéria, das reformas do mercado de capitais chinês, da criatividade sul-coreana. Volta e meia, fala também sobre o Brasil. E adverte: o governo é burocrático e gastador demais, sem que empresários, cidadãos e investidores tenham a contrapartida. Por Bruna Maia Carrion Se o Brasil tivesse que escolher apenas um problema para resolver, qual deveria ser? A burocracia. Em seu país, para que algo seja efetivamente feito, é preciso passar por muita papelada. Um problema e tanto, que acaba tendo como consequências a corrupção e a falta de transparência. Para investidores, isso é sinônimo de ineficiência e imprevisibilidade, além do alto custo de realização dos negócios. O Brasil tem pessoas muito inteligentes e bons investidores; conta com um mercado de ações ativo e inovador. Não há por que não ser um modelo entre os emergentes. Basta que a burocracia e a falta de transparência sejam resolvidas. Existe uma reclamação generalizada sobre como a carga tributária brasileira, muito alta (cerca de 35% do PIB), encarece os negócios. Impostos elevados são um desincentivo para os investidores? A carga tributária brasileira é alta sim. Seria bom se diminuísse. Mas os investidores não se importariam muito com ela se houvesse a contrapartida necessária ao País em infraestrutura, que é muito ruim. Hoje, mesmo com impostos tão altos, não há retorno em termos de serviços que facilitem a vida dos cidadãos ou os negócios dos empresários. A alta da taxa Selic é sempre apontada como uma trava para o mercado de capitais brasileiro. Em sua opinião, ela é um problema tão grande assim? Com os juros de títulos públicos em 11%, não faz nenhum sentido para os investidores domésticos se voltarem para ações. É um fator relevante, sem dúvida alguma. Do ponto de vista do investidor estrangeiro, contudo, não são os juros altos o principal desincentivo para o investimento no mercado de capitais. É a ineficiência estrutural. E aí voltamos para o problema da burocracia e da infraestrutura ruim. O senhor acredita que a burocracia é um motivo para as empresas não se listarem em bolsa? Sim. Quando uma empresa se lista, ela precisa ser transparente. A burocracia acaba criando um ambiente propício para que muitas coisas erradas sejam feitas, como evasão fiscal e corrupção. Companhias que realizam essas práticas tendem a evitar o mercado de capitais para se financiar. De uma forma geral, como o senhor vê a governança corporativa das companhias brasileiras? O Brasil tem companhias muito boas e transparentes. Mesmo as estatais chegaram a atingir um bom nível de governança. Porém, devido a intervenções do governo, vieram a não tomar as melhores decisões de negócio. Seria ótimo se o Brasil acabasse com o modelo de duas espécies de ações [ordinária e preferencial]. Um bom exemplo a seguir é o de Hong Kong. Naquele país, a bolsa de valores impediu a oferta pública inicial do Alibaba, porque a empresa pretendia lançar classes de ações diferentes [diante da negativa, a companhia chinesa de comercio eletrônico preferiu se listar nos Estados Unidos, com oferta pública inicial de ações a ocorrer no meio de setembro]. Na comparação com outros mercados emergentes, o governo brasileiro é muito interventor? Os outros emergentes têm os mesmos problemas do Brasil, em diferentes níveis. Na China, temos visto um tipo de interferência governamental positiva nos últimos tempos. O governo vem se esforçando para retirar subsídios, tornar as empresas públicas mais lucrativas e diminuir a corrupção. É nesse tipo de intervenção que o governo brasileiro deveria se focar. Já criou uma lei anticorrupção; agora, deveria acabar com o subsídio para os combustíveis, que estão fazendo uma grande pressão sobre a Petrobras. Existe algo que as companhias deveriam fazer para atrair investimentos, em vez de contar apenas com reformas do governo? Sim. Os empresários brasileiros e a Bolsa de Valores deveriam fazer um forte trabalho de comunicação com os investidores internacionais. Em muitos locais da Europa e principalmente da Ásia, o Brasil é um desconhecido. No Japão, por exemplo, há muito dinheiro para ser investido. Se as companhias brasileiras fizessem roadshows mais amplos para se reunir com gestores de fora dos Estados Unidos e da Europa central, poderiam atrair mais investimento. Poucas pessoas físicas negociam ações na bolsa brasileira. Estimulá-las seria importante, ou o País deveria se preocupar mais em desenvolver investimentos por meio de fundos? As pessoas físicas são importantes, pois criam liquidez. Além disso, em grande número, forçam as empresas a ser mais transparentes. Da mesma forma, a participação de um número maior de investidores institucionais seria, sem dúvida, benéfica ao mercado. A indústria de fundos de pensão brasileira é ainda pouco desenvolvida; a criação de mais organizações desse tipo deveria ser estimulada. Como atrair pessoas físicas para a bolsa de valores? Muita gente sai do colégio sem ter a mínima ideia de como investir seu dinheiro e poupar para o futuro. Esses assuntos deveriam ser matéria da educação básica. Os jovens precisariam aprender já no ensino médio o que é o mercado de capitais e como funcionam os mercados de ações e de dívida. LL.M. em Inscrições abertas DIREITO EMPRESARIAL O Método do Caso: o participante enfrenta distintas situações empresariais que lhe são apresentadas. Com o apoio de leituras e ferramentas conceituais, toma decisões e elabora propostas de ações. www.iics.edu.br Rua Martiniano de Carvalho, 573 | SP tel. +55 (11) 3177.8385/8448 | facebook.com/direitoiics Setembro 2014 C APITAL A BERTO 41 Capa Em 2012, Ilan Goldfajn ingressou em um dos maiores bancos do País. Antes de se tornar economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco, teve passagens por instituições importantes como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central — neste último, foi diretor de política econômica. Em sua visão, o Brasil precisa retomar os fundamentos macroeconômicos para voltar a crescer e ter um mercado de capitais pujante. “Com isso, as companhias vão se sentir mais seguras para fazer IPOs. Precisamos ter confiança no futuro”. Foto: divulgação Por Bruna Maia Carrion “É preciso confiar no futuro” 42 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Há poucas pessoas físicas negociando ações na bolsa de valores. Quão importantes são esses investidores para o desenvolvimento do mercado de capitais? A pessoa física é fundamental para dar profundidade ao mercado. Em sociedades mais modernas, ela diversifica seu portfólio, em vez de deixar o dinheiro em conta corrente e poupança. Isso é bom para a sociedade, pois aumenta o conhecimento do cidadão em relação às companhias. O problema no Brasil é que a pessoas físicas são pouco informadas sobre investimentos. Deveria haver mais programas educativos, criados para ajudá-las a compreender a bolsa e as empresas. As empresas também podem participar desse processo, melhorando a forma de se comunicar com os investidores, em linguagem clara e acessível. A MP 651 busca estimular a listagem de empresas médias oferecendo incentivo fiscal ao investidor. Qual é sua opinião? Gostei muito. Esse benefício para pequenas e médias empresas é algo que vai se pagar no futuro. O brasileiro poupa pouco. Nossa taxa de poupança é baixa e vem caindo — em 2010 era de 19%; hoje é de 15%. Noutros países, como a Coreia do Sul, chega a 38%. O que podemos fazer para reverter esse quadro? Estamos predispostos a achar que a economia cresce com incentivo ao consumo. Isso está errado e só funciona no curto prazo. O ideal seria moderar o consumo e estimular a poupança. Ajudaria se os impostos sobre ganhos de capital fossem reduzidos. Como o senhor avalia o arcabouço regulatório e legislativo brasileiro? De forma geral, temos que caminhar para a simplificação. Diminuir a papelada, tornar o processo de pagamento de impostos mais fácil. Descomplicar a vida dos investidores. Falando de regulação do mercado de capitais, tenho receio de como o minoritário é tratado. Sinto a necessidade de mais mecanismos de proteção ao investidor. Acabar com a existência de duas classes de ações seria complicado no momento, mas é algo que devemos pensar para o longo prazo. Também acho importante que os investidores e os acionistas participem mais da administração das companhias Esse envolvimento tende a melhorar a gestão, a aumentar o profissionalismo e a estimular a inovação. Ferrovias de volta à pauta Avanços regulatórios, perspectiva de retomada e melhoria dos projetos animam setor Desde o anúncio do Programa de Investimentos em Logística, do governo federal, muito se falou de como o investimento em ferrovias é fundamental ao País. A mudança do modelo de exploração do setor — da lógica vertical para a horizontal — capitaneou o debate, colocando na balança fragilidades de implantação e insegurança jurídica, ao lado do incentivo ao investimento. Fato é que muito pouco avançou. Investimentos em infraestrutura ferroviária e alteração de modelo naturalmente demandarão tempo para se consolidar. Ainda assim, poderíamos ter avançado nas concessões nos últimos dois anos. Agora o setor torna a evoluir, com indícios de coordenação nas ações e fortalecimento institucional. A notícia mais recente informa que 19 grupos demonstraram interesse no investimento, tendo apresentado 81 pedidos para elaboração de projetos para seis das prometidas concessões de novas estradas de ferro. Como já se viu em processos semelhantes, provavelmente haverá composição entre grupos ou mesmo desistência. Por isso, o governo espera não receber tantos projetos — o que, de certo modo, é positivo, ante a dificuldade de analisar tantas variáveis. De todo modo, a participação da iniciativa privada na modelagem de projetos de infraestrutura é fundamental para que as concessões atraiam agentes capacitados. Para despertar o interesse do mercado, o governo federal deu sinais de que passará a agir de maneira mais coordenada, buscando dar segurança jurídico-institucional a suas medidas, além de reforçar aspectos financeiros dos projetos. Destaca-se, nesse sentido, a edição da Resolução 4.348 da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em junho último, a regular os operadores ferroviários independentes (OFIs). Protagonista do novo modelo, o OFI exercerá a maior parte do transporte sobre trilhos, já que a infraestrutura será concedida de forma independente e seus concessionários estarão impedidos de operar as locomotivas. No entanto, quando da divulgação dos primeiros (e frustrados) projetos para concessão no paradigma novo, nada se sabia sobre o OFI: forma de autorização, regime jurídico, relacionamento com as concessionárias, especialmente Ainda há alguns entraves, devido à complexa mudança do modelo de exploração aquelas sob o regime vertical, e outros temas delicados. A edição da norma é, portanto, positiva. Apesar disso, ainda há entraves. A complexidade de mudar o modelo de exploração da infraestrutura é patente. A dificuldade de coordenação está escancarada na própria resolução, cujo resultado trouxe estrutura bastante intricada, que demanda dos agentes a formalização de três a quatro contratos distintos e cerca de três fluxos de pagamento para realização do transporte. Isso sem falar no que está para ser definido, como a forma de leilão da capacidade a ser feito pela Valec. Esse panorama evidencia a baixa atividade regulatória no setor como uma das causas da escassez de especialistas. O estudo do processo de consolidação da Resolução 4.348 parece demonstrar a involução do texto. Na tentativa de trabalhar com as contribuições da sociedade, a ANTT pode ter complicado ainda mais a norma. Não obstante, a regulamentação do OFI vem atraindo diversos agentes, desde donos de carga que desejam prover seu próprio transporte até empresas e investidores interessados em prestar serviços logísticos. Esse movimento é fundamental para o sucesso do modelo open access, que sofre com falta de competitividade em outros países nos quais foi implantado. Não há duvidas de que o sucesso ferroviário depende de uma construção sólida neste momento. Por Rosane Menezes Lohbauer (rosane.menezes@ mhmlaw.com.br) e Rodrigo Sarmento Barata ([email protected]), respectivamente sócia e advogado do MHM Advogados Infraestrutura é um informativo bimestral produzido por MHM Advogados e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com Voando baixo 44 C APITAL A BERTO Setembro 2014 APOIO: Em 2011, o governo criava a debênture de infraestrutura. O objetivo era aliviar o peso do BNDES como financiador do setor, cuja necessidade de investimento chega a R$ 1 trilhão. Passados três anos, 19 emissões foram feitas até 13 de agosto, conforme as regras do artigo 2 da Lei 12.431. Ele concede isenção de imposto sobre os rendimentos de debêntures de infraestrutura adquiridas por pessoas físicas nacionais e por estrangeiros. O número tímido de ofertas poderia sinalizar um desinteresse dos emissores, não fosse um detalhe: mais de 90 projetos têm autorização ministerial para lançar a debênture e ainda não o fizeram. Para discutir como destravar esse mercado, a capital aberto realizou, em 5 de agosto, a 11a edição de seu Círculo de Debates. O evento ocorreu dois meses depois de o governo anunciar duas medidas benéficas à disseminação do título: a prorrogação do período de incentivo fiscal, que duraria até 2015, para 2020, e a inclusão de segmentos no rol de projetos elegíveis a emitir a debênture. A seguir, os melhores trechos da conversa. Por Luciana Tanoue e Simone Azevedo Antonio Marques de Oliveira, superintendenteexecutivo de mercado de capitais do HSBC Carolina Lacerda, diretora da Anbima Fausto Silva Filho, gestor da XP Investimentos Marcelo Giufrida, sócio da Garde Asset Management capital aberto: O que é preciso fazer para estimular as emissões de debêntures de infraestrutura? Antonio de Oliveira: Um nivelamento ministerial ajudaria. O Ministério dos Transportes, por exemplo, é extremamente ágil e tem uma portaria para aprovação de projetos atualizada. A velocidade lá é enorme. Algumas outras portarias, no entanto, são precárias. No setor de saneamento, estamos tentando fazer uma emissão há mais de três anos. A portaria, além de desatualizada, pertence ao Ministério das Cidades, que tem outras prioridades. Isso sem falar de questões do tipo: “Eu não quero que essa empresa de saneamento de outro estado, Rodrigo de Campos Vieira, sócio do Tozzini Freire Advogados Thiago Jordão, gerente de controladoria e de relações com investidores da Rodovias do Tietê governado por outro partido, saia na frente”, e de discussões filosóficas sobre se a debênture de infraestrutura pode financiar o pagamento da outorga [da concessão]. Projetos de rodovias, entretanto, já fizeram isso. Rodrigo Vieira: A questão é mesmo política. Do ponto de vista jurídico, acredito que a Lei 12.715 [promulgada em setembro de 2012] esclareceu a maioria das dúvidas do mercado sobre a 12.431 [que criou a debênture de infraestrutura]. Mas é difícil ter previsibilidade em operações com participação grande do BNDES e que dependam de aprovação ministerial. Thiago Jordão: Fomos a Brasília quatro vezes para mostrar ao Ministério dos Transportes o que não havia dado certo em nossa primeira tentativa de emitir debêntures incentivadas, em 2012, com o Barclays. A partir daí, algumas partes da lei foram reescritas, o que permitiu, inclusive, que outras concessionárias ofertassem o título. Depois disso, contratamos o BTG para coordenar a oferta, que acabou acontecendo em julho do ano passado. Captamos pouco mais de R$ 1 bilhão. Conseguimos realizar uma emissão com prazo de 15 anos, em reais, no exterior. Fizemos roadshow em Peru, Chile, Inglaterra e Estados Unidos. A taxa era para ser IPCA mais 5,5% ao ano, porém, quando estávamos em Boston, veio a notícia de que o governo passaria a não cobrar IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] de título público. Nessa mesma época, também ocorreram as manifestações populares, o que afugentou o investidor internacional. Fomos obrigados a aumentar a taxa para IPCA mais 8%. Marcelo Giufrida: Eu vou ser sincero. Não consigo me empolgar com o modelo dessa debênture. Principalmente quando escuto comentários como: “O governo alterou o IOF de títulos públicos”; “Alguns ministérios permitem o uso da debênture para pagamento da outorga e outros, não”; “Alguns ministérios são mais ágeis e colocam prioridades”. Eu vejo isso como algo socialista, no sentido em que teremos Setembro 2014 C APITAL A BERTO 45 sempre que depender do dedo do rei para eleger os projetos que podem se financiar através das debêntures incentivadas. Uma tragédia para a eficiência da economia. Para mim, um título que precisa de uma romaria em Brasília para ter sucesso é natimorto. capital aberto : Quanto a isenção fiscal ajuda, na visão de vocês? Marcelo Giufrida: Para mim, a isenção fiscal é a estaca no peito desse título. Ela só atrai quem paga imposto de renda na fonte, no caso, as pessoas físicas. Para os maiores investidores do País — os fundos de pensão e os de investimento —, o estímulo é inócuo, uma vez que eles já não pagam imposto nas suas aplicações. Só que, enquanto as pessoas físicas têm mais ou menos R$ 200 bilhões investidos em renda fixa, os fundos de pensão, os de investimento e os estrangeiros, tirando dupla contagem, possuem R$ 2 trilhões. Fora isso, ao focar o incentivo na pessoa física, trazemos para esse mercado um investidor menos preparado. Antonio de Oliveira: O estímulo acaba distorcendo os parâmetros de precificação no mercado primário. Como a debênture de infraestrutura dá isenção fiscal, e o título público não, o emissor vê a oportunidade de ter uma precificação igual à do título do governo, mas isso o torna atrativo somente para a pessoa física. Concordo que, considerando a necessidade de investimento em infraestrutura de R$ 1 trilhão, depender da pessoa física é complicado. Ela não tem, em muitos casos, a capacidade de análise que os gestores têm. Fausto Silva Filho: Por isso, fomentar a criação de fundos de debêntures de infraestrutura é de extrema importância [o cotista desse tipo de veículo também usufrui a isenção fiscal]. Nós tivemos uma experiência muito difícil na CVM para aprovar o nosso fundo, por causa do receio quanto à liquidez dos títulos. E hoje, olhando os números da Anbima e de outras fontes, vemos que as debêntures 46 C APITAL A BERTO Setembro 2014 “A isenção fiscal é a estaca no peito da debênture de infraestrutura. Ela só atrai quem paga imposto de renda na fonte, no caso, as pessoas físicas. Para os maiores investidores do País — os fundos de pensão e os de investimento —, o estímulo é inócuo. Ao focarmos o incentivo na pessoa física, atraímos um investidor menos preparado” incentivadas superam as tradicionais em negociabilidade no mercado secundário, tanto em dias de negociação quanto em volume financeiro transacionado. O papel da Rodovias do Tietê, por exemplo, tem uma liquidez comparável à de um título público. A posição dos fundos nesses papéis precisa crescer para ajudar o mercado a dar um passo maior. Antonio de Oliveira: Além do mais, a pessoa física, quando compra um papel incentivado diretamente, muitas vezes acredita estar adquirindo algo parecido com um CDB; não é verdade. Na maioria dos casos, é culpa do gerente de banco, que faz uma comparação ingrata ao dizer que o papel paga o equivalente a, por exemplo, 120% do CDI [a taxa de remuneração da debênture incentivada deve ser vinculada a índice de preço]. Esse tipo de informação não é monitorado por ninguém. Carolina Lacerda: Por isso, melhorar a capacitação dos gerentes é uma das preocupações da Anbima. Mas, obviamente, isso leva tempo. Estamos trabalhando numa série de certificações e pedindo aos bancos que preparem suas equipes. Também temos buscado educar o investidor. Fizemos alguns convênios com faculdades para incluírem aulas de educação financeira nos seus currículos, e não só nos cursos de administração e economia. capital aberto: Qual seria, então, a alternativa ao estímulo fiscal ao investidor pessoa física? Marcelo Giufrida: Minha sugestão é focar o emissor. As letras financeiras, por exemplo, oferecem aos bancos uma série de vantagens em relação ao CDB, como a isenção do FGC, por exemplo, que barateia o custo de emissão. Com essa economia, ele pode oferecer um retorno melhor para o investidor em captações mais longas. Antonio de Oliveira: Toda vez que nos reunimos com o emissor, criamos APOIO: alguma forma de diminuir custos. O problema é que isso pode acabar prejudicando a qualidade do trabalho. Porém, se houver mais clareza, transparência e padronização no processo, é possível uma otimização. Não raro discutimos com o advogado da primeira série as cláusulas da oferta, e o advogado da segunda quer mudá-las ou impor o formato dele. Precisamos desenvolver um documento padrão para as emissões. Fausto Silva Filho: Primeiro, as condições macroeconômicas têm que nos permitir fazer isso. Também precisamos de um arcabouço jurídico com regras claras. A forma como o governo atua — basta lembrar o que ocorreu no setor elétrico — não nos dá essa tranquilidade. Rodrigo Vieira: É verdade. Um exemplo de como a padronização pode ajudar é o contrato global de derivativos, que fez um bem enorme para o mercado. Thiago Jordão: Para se ter uma ideia, do R$ 1 bilhão que captamos, uns R$ 100 milhões se destinam a eventuais problemas no dia a dia da execução, como uma desapropriação que não sai ou uma licença que não é liberada. Esse risco governamental precisa ser incluído no projeto e na modelagem da debênture. Antonio de Oliveira: Cabe ressaltar que projetos menores não aguentam os custos de uma companhia aberta. Por isso, a Anbima vem discutindo a possibilidade de criar algum tipo de sociedade por ações aberta com obrigações menores e, portanto, mais barata. As fechadas podem emitir o título, no entanto têm que vendê-lo conforme as regras da Instrução 476 [somente para um grupo de investidores qualificados]. E, pela 476 atual, esses papéis podem ser comprados por no máximo 20 investidores. capital aberto: Além da padronização dos contratos e da redução de custos para o emissor, o que mais poderia alavancar as emissões? Antonio de Oliveira: Quebrar a desconfiança dos atores do mercado é crucial. O próprio BNDES, sabendo que o segmento ainda está em evolução, criou um programa para comprar parte desses papéis. E por quê? Porque há a desconfiança de que não vai dar certo. Um dos sintomas dela é o fato de vivermos num país em que o prazo máximo de financiamento é muito inferior ao praticado nos vizinhos, por exemplo. Tanto é que, quando vamos vender debênture incentivada, fazemos roadshow no Peru e no Chile. Então, a pergunta é: o que faria o investidor brasileiro comprar papéis de 30 anos? Rodrigo Vieira: E em que medida o risco de execução do projeto dificulta as emissões? Antonio de Oliveira: A emissão da usina de Santo Antônio foi emblemática nesse sentido. Em quatro meses, vivenciamos tudo o que poderia dar errado. O rio Madeira registrou a maior cheia da história e inundou a capital de Rondônia [Porto Velho]; a culpa, entretanto, foi imputada à hidroelétrica. Para piorar, uma usina com nome parecido teve uma barragem com problema de vazamento. Imagina a situação. Apesar de tudo isso, e de estarmos ofertando títulos de uma usina que não estava 100% operacional, conseguimos posicionar a emissão muito bem no mercado. Ela contou com uma grande adesão de pessoas físicas e foi ofertada com taxa abaixo da esperada. Então, essa história de “Eu faço um empréstimo ponte e, quando o projeto terminar, lanço o papel” precisa mudar. Nós vamos ter que mitigar esses riscos. capital aberto: Para finalizar, gostaríamos que comentassem como as perspectivas para as eleições estão influenciando o apetite pelas debêntures de infraestrutura. Fausto Silva Filho: A proximidade das eleições deixa todo mundo um pouco mais retraído. Isso vale tanto para investidores como para emissores. A vontade de investir hoje é baixa no País. Estão todos buscando entender qual será o nosso futuro. Além disso, não se sabe se haverá uma grande mudança. A postura do governo, a meu ver, não ajuda o financiamento de longo prazo privado no Brasil. Não há uma agenda de reformas que corrobore esse tipo de investimento. Thiago Jordão: Os políticos que ganharem as eleições, independentemente de quem sejam, precisarão ter uma visão de longo prazo. Atualmente, ela é de no máximo oito anos, já considerando a reeleição. E, para se manter no governo, eles adotam atitudes em certo ponto populistas. Nada contra o Geraldo Alckmin, mas o que ele fez com os pedágios, ao optar por não dar o reajuste no ano passado e agora propor um aumento diferente [abaixo da inflação], foi uma atitude intervencionista. Rompe com todos os contratos de concessão de rodovias do estado de São Paulo. Isso afasta o investidor. Fausto Silva Filho: Só que não dá para continuar apenas criticando o governo. Precisamos sentar com os governantes e dizer o que queremos. Eu nunca vi Brasília com uma capacidade tão grande de atender o mercado de capitais. Agora, o que temos de pensar é: como quebramos essa barreira do curto prazo? Certamente mais previsibilidade pode ajudar. Enquanto não fortalecermos as nossas instituições e os marcos regulatórios, o investidor vai continuar preferindo comprar letra financeira, um instrumento de dois anos emitido, em sua maioria, por bancos de primeira linha. Carolina Lacerda: Concordo. Muitos avanços foram feitos. Independentemente de quem ganhe as eleições, vamos continuar com os nossos pleitos para que o mercado de capitais possa financiar cada vez mais projetos de infraestrutura. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 47 Reestruturação Missão possível? “O pior emprego do mundo.” Exageros à parte, essa é a visão de alguns investidores e analistas do mercado sobre o cargo ocupado pelo engenheiro Zeinal Bava. O executivo, que deixou a Portugal Telecom (PT) em junho de 2013 para assumir a Oi, preside hoje a CorpCo, empresa criada a partir da fusão das duas operadoras de telefonia em outubro. Seu fardo é gigantesco. Consiste em fazer a virada de um negócio com mais de 100 milhões de clientes em três continentes, receitas em queda, investimentos por fazer e dívidas da ordem das dezenas de bilhões de reais. Só assim alcançará seu objetivo de criar a melhor operadora de telecomunicações do mundo. O que, por si só, já seria um desafio e tanto ganhou dose extra de complexidade após o calote de € 897 bilhões da Rioforte na PT, em julho deste ano. O episódio expôs problemas graves de governança e fez as ações da Oi — a companhia ainda não tem o nome de CorpCo no pregão — derreterem. Os papéis valiam R$ 1,27 em 18 de agosto, cotação 69,5% inferior à de um ano antes. “Há um sentido de urgência. Vamos trabalhar para transformar nossa base 48 C APITAL A BERTO Setembro 2014 tecnológica e o modelo de negócios, fazendo mais com menos”, declarou Bava em agosto, durante teleconferência de divulgação de resultados. A administração da CorpCo tem mesmo pressa. Precisa desatar um nó que vem estrangulando a Oi há anos: seu endividamento, que atinge recordes trimestre após trimestre. No primeiro deste ano, a dívida líquida era de R$ 30,29 bilhões; no segundo, com os resultados de Oi e PT consolidados, cresceu 52%, para R$ 46,2 bilhões. A relação entre esse indicador e o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) atingiu 3,4 vezes, a maior entre as teles nacionais. A alavancagem é reflexo de decisões tomadas pela Oi anos atrás. O principal gatilho da dívida foi o acordo firmado, em abril de 2008, para a compra da Brasil Telecom (BrT), por R$ 5,3 bilhões. A operação levou a empresa, por meio de seus controladores, a se encalacrar para pagar os acionistas da BrT. Em 2012, o endividamento piorou, com a decisão do antecessor de Bava, Francisco Valim, de adotar uma política de dividendos agressiva para a Oi. Corria o mês de março quando ele estabeleceu o pagamento de R$ 2 bilhões no ano. Nova esperança de alívio financeiro veio em outubro passado, quando a Oi anunciou sua fusão com a PT. Dividida em três etapas, a criação da CorpCo envolveu, em sua fase inicial, a capitalização da Oi, no valor de R$ 14 bilhões. A entrada do dinheiro, aliada a uma expectativa de sinergia estimada em R$ 5,5 bilhões, era a chance de a tele brasileira recuperar o terreno perdido para a concorrência nos últimos anos. A lua de mel entre Oi e PT, contudo, não demorou a ir por água abaixo. O motivo foi a revelação, após o acordo da fusão, de que a segunda havia emprestado, na surdina, € 897 milhões (cerca de R$ 2,7 bilhões) à Rioforte. A empresa é uma holding de negócios não financeiros do grupo português Espírito Santo, um dos acionistas da tele portuguesa. A descoberta só chegou ao conhecimento dos sócios das duas companhias no fim do mês de junho, exatamente quando a Rioforte estava prestes a dar calote — fato que se concretizou poucas semanas depois. O escândalo levou à revisão do contrato Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com Na odisseia de Zeinal Bava para tirar a Oi do atoleiro, os R$ 2,7 bilhões emprestados secretamente à Rioforte farão falta Por Marianna Aragão de fusão com os ibéricos, que ainda precisa ser aprovado por acionistas e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “No fim, R$ 2,7 bilhões que poderiam entrar não entraram, e a dívida líquida aumentou”, constata Alex Pardellas, analista da CGD Securities. O endividamento mina a competitividade da operadora num setor cada vez mais agressivo e exigente de capital. “A alavancagem financeira retira a capacidade da empresa de fazer investimentos para crescer”, resumem Daniel Liberato e Felipe Silveira, da corretora Coinvalores. Corrida contra o tempo Para a CorpCo atingir a grandeza que seu presidente almeja, será necessário resolver os problemas herdados da Oi. Isso exigirá acelerar um plano de reestruturação iniciado em 2013, com a chegada de Bava à companhia. A iniciativa passa por redução de custos e venda de ativos para gerar caixa e diminuir o endividamento. No campo operacional, o plano é focar os investimentos em áreas de maior rentabilidade, como telefonia móvel, banda larga e televisão, e atualizar a base tecnológica. No terreno financeiro, uma decisão importante foi a alteração da política de distribuição de dividendos, hoje fixada em, no mínimo, R$ 500 milhões por ano. A meta é tornar o fluxo de caixa positivo em 2016. Na visão de analistas, contudo, essa ambição só será atingida caso não haja, nos próximos anos, grandes oscilações de receita e margens, e o capex (investimento em bens de capital) fique estacionado nos atuais 15% da receita líquida (a média do mercado nacional de telecomunicações é de 30%). Alguns avanços vieram à tona no segundo trimestre, quando foram divulgados pela primeira vez os resultados consolidados de Oi e PT. Seguindo a estratégia de alienar ativos, a tele anunciou a venda de torres móveis no valor de R$ 1,1 bilhão, o que trará um impacto positivo de R$ 1 bilhão no Ebitda até o fim do ano. O opex (despesas operacionais), por sua vez, caiu 6%, em comparação ao segundo trimestre de 2013 (excluindo um impacto cambial, que reduziria o percentual para 1,9%). A queda de 2% na receita líquida e o aumento de 78% do prejuízo líquido (de R$ 221 milhões), no entanto, decepcionaram o mercado. “Houve alguma melhora operacional, mas a base de comparação é muito fraca”, observa Lucas Marins, da Ativa Corretora. Cabe ressaltar que o relatório trimestral está sendo analisado pela CVM, após a empresa de auditoria KPMG ter emitido relatório de revisão com ressalvas. O motivo foram as incertezas geradas pelo calote da Rioforte. Para superar a crise, uma mudança no modelo de negócio é premente. Apesar de a Oi ser uma das poucas operadoras nacionais que oferece “multisserviços” (telefonia móvel e fixa, televisão paga e banda larga fixa), 70% de seu negócio ainda depende das linhas fixas, em declínio no País. No mercado de aparelhos celulares, que registra algum crescimento mas tem feroz disputa por clientes, a operadora mantém apenas a quarta colocação, com 18% de mercado. Para complicar, 86% de seus usuários móveis usam planos pré-pagos. Isso num momento em que as operadoras se esforçam para migrar seus consumidores para o sistema pós-pago, mais lucrativo e favorável ao uso de dados. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 49 Reestruturação Instabilidade Enquanto receita e Ebitda da Oi patinam, dívida só aumenta (valores em R$ bilhões) Trimestre Receita líquida Ebitda Capex Dívida líquida 1o/2013 7,04 2,15 1,69 27,50 2 /2013 7,07 1,63 1,51 29,49 3o/2013 7,10 1,97 1,54 29,30 4o/2013 7,21 2,00 1,52 30,42 1o/2014 6,88 2,96* 1,21* 30,29 2o/2014 6,94* 1,64* 1,38* 46,24* o Raio-x da CorpCo Origem Fusão entre Oi e Portugal Telecom (PT), em outubro de 2013 Sinergias R$ 5,5 bilhões Receitas líquidas R$ 37,5 bilhões * Pró-forma; não inclui operação da PT em Portugal e na África. Fonte: site de relações com investidores da Oi. Ebitda* R$ 12,8 bilhões Posição perigosa Capex** R$ 8,5 bilhões Oi tem mais clientes em áreas declinantes, como a de telefonia fixa Produto Oi Telefônica América Móvel (Claro e Net) TIM Celular 50,2 milhões 77,2 milhões 68,7 milhões 73,4 milhões Telefones fixo 17,5 milhões 10,8 milhões Não informa Não possui Banda larga fixa 5,9 milhões 3,9 milhões 6,4 milhões Não possui TV por assinatura 829 mil 641 mil 6,1 milhões Não possui Dívida líquida R$ 41,2 bilhões Atuação Brasil, Portugal, Cabo Verde e São Tomé, Timor Leste Informações financeiras relativas a 2012. * Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização. ** Investimento em bens de capital Número de unidades negociadas em 2013. Fonte: Teleco. A companhia também precisa avançar em outras frentes: as de TV paga e banda larga. Essas áreas cresceram, respectivamente, mais de 11% e 55% no País em 2013 e são o atual filão das operadoras. O problema é que a Oi vem perdendo clientes nesses segmentos. A retração resulta, segundo analistas, da falta de investimentos na defasada infraestrutura de rede herdada das estatais. Devido a isso, a empresa não consegue oferecer a qualidade de conexão necessária para competir com players como a GVT e Net. O investimento deficiente prejudicou sua expansão na área móvel, cada vez mais dependente das tecnologias 3G e 4G. Um alento, contudo, vem do plano de melhoria de qualidade firmado pela Oi com a Agência Nacional de Telecomunica- 50 C APITAL A BERTO Setembro 2014 ções (Anatel), em setembro de 2012. Nele, a operadora prometeu investir cerca de R$ 8 bilhões entre 2014 e 2016. O montante, embora expressivo, é R$ 3 bilhões inferior ao da TIM, por exemplo, que atua somente no segmento móvel. A promessa da nova gestão é reverter esse quadro, tornando a operadora mais “convergente”. Em outras palavras, a ideia é usar a extensa base de usuários de telefonia fixa para vender outros produtos, como TV paga e banda larga. Para isso, a direção colocou em prática um plano tático que inclui a ampliação da força de vendas. A Oi tem também dois trunfos na manga: a sua extensa capilaridade em banda larga — é a única presente em todas as regiões do País — e a compra, no ano passado, de um satélite que incrementa sua capacidade de transmissão, melhorando o sinal e a qualidade da imagem. Para Luiz Fernando Araújo, da gestora pernambucana Finacap, que investe na Oi, é no serviço de televisão que reside a maior chance de recuperação da operadora. “Fora dos grandes centros urbanos, é difícil chegar com fibra, e a solução passa a ser a oferta de TV via satélite. A Oi tem uma rede de cidades com essa tecnologia que nenhuma concorrente possui”, ressalta. Missão para o mágico Se a reestruturação constitui mais um teste de paciência aos acionistas da Oi — e, agora, aos da PT também —, para o português nascido em Moçambique Zeinal Bava ela será uma verdadeira prova de fogo. O executivo ganhou notoriedade na indústria após liderar nego- ciações duras, como a venda, em 2010, dos 50% que a PT detinha na Vivo para a então sócia Telefônica por € 7,5 bilhões, quase o dobro do inicialmente ofertado. No seu currículo também constam viradas de negócios como a realizada pela própria PT, que se tornou referência em tecnologia de fibra ótica na Europa. O histórico fez Bava colecionar apelidos como “mágico” e “malabarista” e o ajudou a escapar quase ileso da avalanche provocada pelo escândalo da Rioforte (ele diz desconhecer a operação). Mas há quem acredite que nem mágica conseguirá resolver o problema da Oi. “A perda de credibilidade é massiva”, comenta um ex-acionista da companhia, que desistiu do investimento após o episódio do calote. “Não enxergo qualquer possibilidade de reestruturação, principalmente diante da robustez dos demais players e da consolidação que vem se desenhando no setor” (leia quadro abaixo). Otimistas e pessimistas concordam, entretanto, em um ponto: a reorganização não será possível sem a entrada de capital novo. O recurso poderia vir de sócios capitalistas ou estratégicos. Uma opção seria a aquisição de fatia da empresa por um concorrente, como a AT&T, que comprou em maio a DirecTV, dona da Sky no Brasil. Como a Sky não tem operadora para oferecer um serviço convergente aos clientes, seu produto é mais caro, o que limita a expansão. Essa desvantagem poderia levar seus donos a pensar numa parceria no mercado brasileiro. Para Marcelo Cheyne, sócio da Principal Investimentos, que possui ações da Oi em carteira, o valor atual dos papéis — “baratos demais” — torna inevitável a companhia ser alvo de uma aquisição. Até isso acontecer, todos querem assistir a como Oi e PT sairão da enrascada em que se meteram. Setor de telefonia atravessa momento de consolidação A fase agitada por que passa o setor de telecomunicações no Brasil deve complicar ainda mais a vida da Oi. No início de agosto, a operadora brasileira de telefonia fixa GVT, controlada pela francesa Vivendi, recebeu uma oferta de R$ 20,1 bilhões da Telefônica. A transação envolveria o pagamento de R$ 11,9 bilhões em dinheiro e a transferência para os franceses de 12% da Telefônica Brasil (Vivo). Também daria à Vivendi a opção de ficar com 8,3% da fatia dos espanhóis na Telecom Italia, o que resolveria um problema para a tele ibérica. Por deter fatias do capital da Telecom Italia, dona da TIM Brasil, e da Vivo, as duas maiores do mercado nacional, a Telefônica foi obrigada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a optar entre dois caminhos: vender sua participação na TIM ou abrir a Vivo para a entrada de novo sócio. A oferta espanhola foi interpretada como hostil pelo mercado, por ocorrer num momento em que a Telecom Italia e a GVT supostamente discutiam uma aliança no Brasil. A união entre essas duas, por sua vez, criaria uma empresa integrada, ao combinar os serviços móveis da TIM com a paleta de banda larga, televisão e telefonia fixa da GVT. Dias após a proposta da Telefônica, os italianos reagiram, abrindo negociações com a Vivendi para superar a oferta da rival espanhola. O grupo francês informou que avaliaria as propostas em uma reunião de conselho prevista para ocorrer no fim de agosto. Na opinião do mercado, a aquisição da GVT é apenas uma questão de tempo. Para a CorpCo, no entanto, os impactos podem ser mais ou menos negativos, dependendo de quem levar o negócio. Caso acabe sob os espanhóis, a GVT deve se fortalecer, endurecendo a concorrência com a Oi em segmentos como o corporativo e a banda larga. Esse não seria, porém, um desafio totalmente novo para a tele nacional, que já enfrenta a francesa nesses mercados. Além disso, a fusão deixaria a TIM livre para ser disputada — ela é alvo da cobiça do mercado, devido às dificuldades financeiras da matriz e do bom desempenho no segmento móvel no Brasil. “A união GVT-Telefônica seria melhor para a Oi, pois ela poderia ganhar tempo para se reorganizar e participar de uma consolidação futura”, diz um analista de mercado. Antes mesmo de sair a decisão final sobre quem leva a GVT, contudo, a Oi entrou em campo. Divulgou, em 26 de agosto, que pretende comprar a participação detida indiretamente pela Telecom Italia na TIM. O BTG Pactual foi contratado pela companhia para desenvolver alternativas que viabilizem a aquisição. (M. A.) Setembro 2014 C APITAL A BERTO 51 Alta&Baixa Por João Carlos de Oliveira 35 30 33,04 Novidades no balcão Cetip 24/7/2014 23,74 13/2/2014 30,65 25 13/8/2014 23,42 18/3/2014 20 Cotações no fechamento (em R$) Empresa de serviços financeiros cria produtos para enfrentar conjuntura negativa 52 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Daniel Liberato, a companhia decidiu distribuir dividendos extraordinários. Elevou o total pago a 75% dos lucros, proporção igual à da parcela entregue no fim de 2013. Para distribuir, no entanto, é preciso gerar. E, embora a Cetip esteja no azul, o bom resultado do primeiro Quem mais comprou Investidores que mais aumentaram a participação em ações ON da Cetip Quem entrou Bons números convertem-se em valorização na bolsa? No caso da Cetip, sim. A empresa de serviços financeiros tem duas unidades: uma registra títulos e valores mobiliários no mercado de balcão; a outra cuida de garantias em financiamento de veículos. Ambas obtiveram crescimento na casa dos dois dígitos (18,9% e 15,3%, respectivamente) e alavancaram a cotação da ação, que registrou alta de 32,1% neste ano até o dia 5 de agosto. Os números vieram acima das expectativas e ajudaram a Cetip, que já tinha a recomendação positiva de várias casas de análise, a conquistar mais pontos aos olhos do mercado. Desde 2012, quando mudanças na política do governo afetaram duramente o setor elétrico, bancos e corretoras garimparam novas companhias para ocupar o espaço das grandes geradoras de retorno ao acionista. Aos poucos, as prestadoras de serviços financeiros ocuparam esse espaço. Levantamento da Economatica mostra que apenas dez empresas listadas distribuíram religiosamente seus lucros para o investidor no período compreendido entre janeiro de 2012 e o início de 2014 — uma delas, a Cetip. No primeiro trimestre deste ano, conforme os analistas da Coinvalores Felipe Silveira e Gestora Valor investido 31/1/201430/4/2014 Porto Seguro Investimentos 139 3.659 Argucia Capital Management 1.340 4.906 Fundação Vale do Rio Doce Valia 652 1.940 Kondor Invest 0 18.222 Franklin Templeton Investimentos Brasil 0 8.375 Pax Corretora de Valores e Câmbio 0 1.693 Fonte: Economatica. Foram consideradas as posições finais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares. Obs.: Os dados de 30/4/2014 eram os últimos disponíveis até o fechamento desta edição. trimestre deve ser visto com atenção. É preciso considerar que a Copa do Mundo e o cenário eleitoral fizeram as empresas anteciparem suas captações. Recente relatório operacional da companhia mostra queda nos registros de certificados de depósito bancário (CDBs), certificados de depósito interbancário (CDIs) e swaps no segundo trimestre em relação ao primeiro: -18,2%, -8,3% e -23,4%, respectivamente. Os números indicam que o volume de registros estaria se alinhando ao desempenho da economia. Por isso, analistas do BTG Pactual afirmam que o crescimento dos lucros da Cetip vai depender do desenvolvimento de novos produtos. A companhia parece estar atenta a isso. Criou o Certificado de Operações Estruturadas (COE), uma combinação de renda fixa e renda variável que, aos seis meses de vida, atingiu R$ 2,8 bilhões em estoque. Outras iniciativas estão sendo gestadas, como uma contraparte central para os derivativos de balcão, cuja autorização ainda está pendente no Banco Central. Também está por vir a chamada fase dois da plataforma imobiliária da empresa, que consiste no registro eletrônico em cartório dos contratos de financiamento. 5 BR Brokers Em liquidação 3,30 4 4,46 13/8/2014 4,84 2/4/2014 13/2/2014 3,15 3 Cotações no fechamento (em R$) Ação do grupo de imobiliárias despenca junto com venda de imóveis novos e lucro 17/7/2014 compromisso de aumentar o controle de custos e processos. Apesar disso, o aspecto macro é considerado pelos analistas o mais decisivo. Na visão dos profissionais do Citi, a disciplina e a iniciativa da nova gerência não serão suficientes para compensar a desaceleração de vendas esperada. Quem mais vendeu Investidores que mais reduziram a participação em ações ON da BR Brokers Quem saiu Dentro e fora da BM&FBovespa, o setor imobiliário passa por dificuldades em 2014. Enquanto as vendas de imóveis novos recuaram 41% no primeiro semestre em São Paulo, a ação da BR Brokers acumulou queda de 38,3% até o dia 5 de agosto. O lucro do grupo de imobiliárias também caiu: no primeiro trimestre, acumulou R$ 1,1 milhão, montante 89,6% inferior ao de um ano antes. Para completar a má fase, a companhia vem perdendo participação de mercado ao longo dos últimos três anos. “Os juros estão mais altos, a inflação subiu, e o crescimento da economia será mais baixo. Não é uma hora boa para comprar imóvel”, resume Renato Maruichi, analista do Banco Fator. O pior é que, segundo sua colega Nina Bergstein, a situação só deve melhorar em 2016. Até lá, a tendência é as construtoras reduzirem os lançamentos e os consumidores adiarem as compras. Não por acaso, o Fator rebaixou a recomendação para o papel da BR Brokers: de compra para um status de revisão, em março, e daí para venda, em junho. A empresa reagiu. Desde o início do segundo trimestre, o BTG Pactual e a gestora de recursos Squadra assumiram o comando do conselho de administração e mudaram a direção, com o Gestora Valor investido 31/1/201430/4/2014 BTG Pactual WM 1.507 23 BNP Paribas Asset 15.559 1.318 Itaú Unibanco 11.744 1.054 BC Gestão de Recursos 10.068 0 Perfin Administração de Recursos 2.683 0 GTI Administração de Recursos 1.734 0 Fonte: Economatica. Foram consideradas as posições iniciais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares. Obs.: Os dados de 30/4/2014 eram os últimos disponíveis até o fechamento desta edição. Embora o tempo seja curto para analisar os resultados da troca de comando, Nina a princípio considera a mudança positiva. A existência de uma liderança claramente constituída, com foco em ajustes, colocaria um ponto final na falta de alinhamento entre as corretoras. A tarefa de cortar custos, no entanto, não é simples. A operação é necessariamente alavancada, porque demanda uma estrutura fixa para prestar os serviços de venda, de oferta das melhores oportunidades de compra e de apoio jurídico. No cenário mais otimista desenhado pelo Banco Fator, mesmo diante de uma conjuntura ruim a BR Brokers consegue manter sua participação de mercado, cortando custos em 6%. No pessimista, reduz os gastos em 3,5% e continua perdendo espaço, o que dificulta a recuperação. Entre a perspectiva favorável e a adversa, o preço-alvo por ação varia de R$ 4,80 a R$ 2,20. O segredo do sucesso, porém, não está só em enxugar despesas, mas em construir uma empresa capaz de entregar serviços superiores aos da concorrência com custos menores. A escolha das companhias para esta seção é feita a partir de um levantamento da Economática com a oscilação e o volume negociado mensalmente por ações que possuem giro mínimo de R$ 1 milhão por dia. A partir daí, são escolhidas aquelas que se destacam pelas variações positivas e negativas nos últimos seis meses. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 53 Notas I nternacionais Por Bruna Maia Carrion Finlândia quer fundos de pensão mais transparentes Defesa contra retaliação só vale nos EUA Funcionários que delatarem fraudes de seus empregadores tanto internamente quanto à Securities and Exchange Commission (SEC) estão protegidos, por lei, de retaliação — mas somente em território americano. O entendimento ficou claro numa resolução da United States Court of Appeals, em 14 de agosto. O caso envolvia Meng-Lin Liu, um funcionário chinês que, em 2010, fez uma denúncia interna de indícios de corrupção em negócios da Siemens na Coreia do Norte. Em 2013, ele abriu um processo na Justiça americana, alegando que foi demitido por cumprir seu trabalho. Ele era chefe de compliance do departamento de saúde e perdeu o emprego após ter relatado a seus superiores possíveis violações aos controles internos da empresa. Apesar de a Siemens ser alemã, tem ações listadas na Bolsa de Nova York, o que justifica a decisão de Liu de recorrer à Justiça dos Estados Unidos. A corte concluiu, entretanto, que não poderia aplicar a lei de proteção à retaliação extraterritorialmente. Funcionários do alto escalão dos fundos de pensão finlandeses — como diretores, conselheiros, suplentes e auditores — terão que aumentar a prestação de contas ao regulador. Será necessário reportar investimentos pessoais (em ações e de outros tipos), além de divulgar transações de valor significativo, como a compra de imóveis. A medida faz parte de um projeto apresentado pelo governo local ao Congresso, no começo de agosto. Busca-se responder a um escândalo que atingiu o Keva, maior fundo de pensão do país, em novembro de 2013. A diretora Merja Ailus se demitiu após reportagens da mídia local questionarem regalias que ela tinha na entidade de previdência fechada. Merja admitiu ter usado dinheiro da instituição para pagar despesas pessoais. A investigação do episódio concluiu que as regras de transparência e conflitos de interesse nos fundos de pensão eram insuficientes. Para atacar o segundo problema, a lei prevê que o conselheiros ou executivo de um fundo de pensão não possa participar de negociações com uma companhia se for funcionário de alto-escalão ou membro de algum órgão administrativo dela. Se aprovado, o diploma entrará em vigor a partir de janeiro de 2015. Redes sociais são usadas por reguladores em investigações Os reguladores do mercado de capitais vêm usando as mídias sociais no seu dia a dia, inclusive em investigações, ainda que não tenham regras específicas para elas. Foi a constatação de uma pesquisa da International Organization of Securities Commissions (Iosco) publicada em agosto. O estudo ouviu, ao todo, entidades reguladoras de 21 países 54 C APITAL A BERTO Setembro 2014 a respeito de como empregam as redes sociais e fiscalizam seu uso por agentes do mercado. Entre as principais descobertas está a de que os reguladores buscam obter informações gerais e identificar relações pessoais entre diferentes partes. Outra conclusão: não existe uma tendência de regular o uso das redes pelos emis- sores — de modo geral, as entidades acreditam que suas regras de comunicação e disclosure dão conta do tema. A italiana Consob é a única que exige de seus regulados o fornecimento de dados sobre o uso de redes sociais. Leia o estudo completo da Iosco em www.capitalaberto.com.br PwC é proibida de fechar acordos de consultoria em NY Companhias Três homens, poderão contestar 75 propostas e recomendações da ISS 6 apoios Pelos próximos dois anos, a PwC não poderá aceitar novos trabalhos de consultoria no estado de Nova York. Além disso, terá que pagar uma multa de US$ 25 milhões ao New York Department of Financial Services, regulador bancário local. De acordo com a autoridade, a PwC cedeu a pressões de um cliente e não prestou às autoridades informações relevantes para uma reforma regulatória. O cliente em questão foi o Bank of Tokyo-Mitsubishi. A pedido dele, em 2008, a consultoria retirou o trecho de um relatório segundo o qual o banco havia falsificado informações referentes à transferência de recursos para países e entidades sob sanção econômica, como o Sudão e o Irã. Os repasses ilegais ocorreram entre 2002 e 2007 e renderam dupla penalidade à instituição financeira: ela foi multada em US$ 250 milhões e obrigada a revisar suas práticas de compliance. A Institutional Shareholder Services (ISS), maior firma de recomendação de votos do mundo, lançou um portal de dados sobre remuneração baseada em ações. Por meio do Equity Plan Data Verification, as companhias conseguirão ver, com pelo menos dois dias de antecedência da assembleia, quais informações estão sendo usadas pela consultoria para avaliar as propostas de pagamento e recomendar votos. Com o portal, a ISS responde parcialmente a um dos principais clamores das empresas americanas. Elas reclamam do poder excessivo das consultorias de voto e pedem que revelem suas recomendações previamente. Assim, a diretoria poderia se manifestar a respeito e, eventualmente, reverter alguma sugestão contrária aos interesses da administração. Agora, as companhias poderão, ao menos, avaliar se os dados que a ISS usa para decidir o voto são adequados. Segundo um levantamento do Proxy Monitor, site que acompanha assembleias de companhias abertas, 70% das propostas feitas por investidores individuais nas reuniões de 2014 nos Estados Unidos foram assinadas por três homens e suas famílias: John Chevedden, William Steiner e James McRitchie. Eles realizaram 75 das 107 sugestões de pessoas físicas recebidas por 219 grandes companhias americanas. Apenas seis delas, contudo, tiveram apoio da maioria dos sócios. Os três são ativistas conhecidos no país. Chevedden apresentou 232 medidas desde 2006; Steiner, 215. McRitchie começou sua “carreira” em 2008 e já conta 39 propostas desde então. Eles costumam sugerir melhorias de governança nas companhias investidas — um exemplo é o fim do “classified board” (conselho sem votação anual para renovar todos os membros, o que dificulta mudanças na gestão). Delaware autoriza investidor a ver documentos internos de empresa Uma decisão tomada no fim de julho pela Corte de Delaware dá mais poder ao acionista para fiscalizar a administração. O tribunal autorizou um grupo de investidores institucionais americanos a acessar documentos de uma investigação interna do Walmart, a respeito de subornos pagos a membros do governo no México. A sentença faz parte de um processo maior, que examina a empresa americana por corrupção ativa no país vizinho. A resolução cria uma jurisprudência com implicações significativas. Segundo o escritório Grant & Eisenhofer, que defende investidores da companhia, abre-se espaço para que acionistas acessem documentos internos das corporações e analisem o processo decisório dos diretores, balançando a estrutura de poder. No caso específico, os sócios do Walmart vão verificar se os executivos faltaram com seu dever de diligência ao investigar alegações de corrupção. À revista Corporate Secretary, advogados destacaram que a regra cria riscos para os conselheiros. O escrutínio de acionistas pode fazer o board ser responsabilizado por problemas em documentos que nunca recebeu. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 55 Antítese Cabe ao Banco Central julgar fusões bancárias? Desde 2002, o Banco Central (BC) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) discutem quem deveria promover e fiscalizar a concorrência no setor financeiro. A incerteza é gerada por um conflito legal. De um lado, a Lei 4.595, de 1964, atribui ao BC a competência para autorizar operações entre bancos, além de regular as condições de concorrência no setor; de outro, a Lei 12.529, editada em 2011 (e, anteriormente, a 8.884, de 1994), não excetua nenhum setor do controle de estruturas e condutas a cargo do Cade. Em 2014, o Supremo Tribunal Federal não aceitou um recurso do órgão antitruste, que questionava a decisão do Supremo Tribunal de Justiça em favor da competência exclusiva do BC na matéria, no caso da união BCN e Bradesco. A controvérsia, porém, não foi decidida de forma definitiva. Primeiro porque o processo citado é incapaz de gerar efeitos em outros casos (apesar de ser um indicativo óbvio). Além disso, há projetos de lei pendentes que visam dirimir a questão. O debate a respeito da autoridade responsável por analisar fusões bancárias não se restringe ao Brasil; a tendência global é prever um marco cooperativo entre as agências. O BC tem papel fundamental na análise de operações que representam ameaça à segurança e ao correto funcionamento do sistema financeiro nacional. Essa situação é suficientemente peculiar para justificar tratamento diferente de outros setores regulados, como os de energia elétrica e telecomunicações. Se há risco sistêmico, a análise da autoridade monetária deve ser soberana e se sobrepor à da autoridade concorrencial. Apesar disso, não é recomendável blindar toda a área do campo de atuação do Cade. Em poucos ramos de atividade fomentar a concorrência é mais importante do que no bancário, especialmente em vista da tendência de concentração de mercado ocorrida nas últimas décadas. Segundo o BC, de 1994 a 2013, o número de bancos no Brasil sofreu redução de 50%, de 247 para 121. A queda é motivada, entre outros, pela estabilização da economia com o Plano Real, que eliminou as receitas de “float” inflacionário apropriadas por eles. Atualmente, os cinco maiores bancos no Brasil com atividade no varejo detêm participação de mercado de aproximadamente 85%. A principal falha de mercado do sistema financeiro é a assimetria de informação, que impossibilita ao consumidor perceber o exato nível de risco de cada instituição. Isso porque elas não precisam remunerar consumidores de maneira diferenciada — por exemplo, via juros pagos aos depositantes. Assim, o próprio Estado, ao introduzir o BC como emprestador de última instância, cria um incentivo para que agentes econômicos incorram em riscos maiores do que seria recomendável. Outro aspecto típico é o aprisionamento do consumidor à instituição a que ele é vinculado (o chamado efeito “lock-in”). A portabilidade de cadastro ainda é limitada, apesar dos avanços recentes; tarifas de encerramento de conta e outros entraves voltados a aumentar o custo de saída restringem a mobilidade do cliente. Com isso, surge a oportunidade de abuso de poder de mercado em diversos segmentos. Promover a concorrência entre instituições financeiras não é trivial. Realizar a função a contento exige esforços coordenados de Cade e BC, idealmente sob novo marco legislativo, para afastar a atual insegurança jurídica. A tendência global é a cooperação entre banco central e órgão antitruste Ana Paula Martinez ([email protected]) é sócia do Levy & Salomão Advogados 56 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Há mais de uma década, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e Banco Central (BC) reivindicam para si a competência de analisar implicações concorrenciais de fusões e aquisições entre instituições financeiras. O Cade argumenta que os processos em seu domínio alcançam todas “as pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado, bem como [...] quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal”. A regra estava no artigo 15 da revogada Lei 8.884, de 1994, e foi reproduzida no artigo 31 da 12.529, que a sucedeu em 2011. Ambas dispõem sobre prevenção e repressão aos delitos contra a ordem econômica. Já o BC escora-se na tese de que a Lei 4.595, publicada em 1964 para estruturar e disciplinar o Sistema Financeiro Nacional, teria sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar. Com isso, seu artigo 18 — segundo o qual cabe ao BC regular “as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação de pena” — prevaleceria sobre a legislação concorrencial ordinária. O imbróglio até hoje não foi resolvido, embora tenha mobilizado instâncias de todos os poderes da República: a própria Presidência, a Advocacia-Geral da União, o Supremo Tribunal Federal, o Supremo Tribunal de Justiça e o Congresso Nacional. Neste último, tramita projeto de lei (PL) complementar que, salomonicamente, confere ao BC a prerrogativa de analisar as operações entre bancos sob a perspectiva da saúde e da segurança do Sistema Financeiro Nacional. Ao Cade, o PL reserva o poder de examinar as respectivas implicações concorrenciais propriamente ditas. Três fatos são relevantes, nesse contexto. As instituições financeiras estão sujeitas ao escrutínio das autoridades de defesa da concorrência na imensa maioria das economias desenvolvidas. Em discurso proferido em 6 de fevereiro na University College London, Joaquín Almunía, vice-presidente da Comissão Europeia, afirmou que a política de defesa da concorrência é ferramenta indispensável para manter a credibilidade do sistema financeiro. Por outro lado, não existem dados públicos a respeito de análises realizadas pelo BC sobre efeitos concorrenciais de fusões e aquisições no setor financeiro. Esse obscurantismo permite supor que a instituição não vem exercendo a competência pela qual luta com tanto apego. Já o Cade é considerado uma das melhores agências de defesa da concorrência do mundo, conforme a revista especializada Global Competition Review. As mudanças legislativas recentemente implementadas no Brasil, entre as quais a instituição de um regime de análise prévia de atos de concentração, conferiram à autarquia quatro estrelas, entre cinco possíveis, no ranking do periódico. No mundo, somente as agências dos Estados Unidos, da França, da Alemanha, da União Europeia, do Japão e da Inglaterra receberam nota melhor. Diante dessas considerações, a pergunta que não pode deixar de ser formulada é: a quem interessa impedir que o Cade examine fusões e aquisições no setor financeiro? Certamente não à sociedade brasileira. O BC não vem exercendo a competência pela qual luta com tanto apego Olavo Chinaglia ([email protected]) é sócio da área de antitruste e concorrencial do Veirano Advogados Setembro 2014 C APITAL A BERTO 57 Artigo Os limites da regulação Críticas à CVM precisam levar em conta a complexidade da autarquia Por Roberto Teixeira da Costa* * Roberto Teixeira da Costa (roberto.costa@sulamerica. com.br) foi presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entre 1977 e 1979 58 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Como primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sou frequentemente questionado sobre a atuação recente da autarquia. Ouço objeções relativas a dois aspectos: lentidão e rigidez regulatória. Para os críticos do primeiro ponto, o órgão regulador demora a agir e a assumir posições em assuntos nevrálgicos. Avalia-se que os julgamentos se arrastam, e a quantidade de acordos nos processos administrativos seria excessiva. Essas críticas precisam ser mais bem fundamentadas. Levando-se em conta que o exercício de julgar é uma das partes mais sensíveis de qualquer regulador, é preciso reconhecer as limitações impostas pelo processo legal. A posteriori, é fácil opinar e reprovar. Quem tem a responsabilidade de fazer justiça, contudo, não pode atuar desordenadamente, sem seguir os necessários procedimentos administrativos que se iniciam com os indícios de possíveis irregularidades. A CVM deve ter uma ação coordenada com as entidades autorreguladoras, das quais a mais importante é a Bolsa de Valores. Embora tenha certa procedência a reclamação de demora nos julgamentos, a comissão está buscando corrigir suas deficiências nessa área. E não estamos provavelmente piores que outros reguladores em termos de prazo. No geral, os comentários oriundos de fora do País descrevem favoravelmente a atividade da CVM, e creio que no Brasil a posição de apoio seja majoritária. A outra crítica vem de corretoras de valores mobiliários. Elas lamentam as condições para operar no mercado, principalmente em transações de menor escala, consideradas extremamente rígidas e burocráticas. As exigências são as mesmas, não importa o tamanho da intermediadora; logo, as pequenas sofrem mais. Elas argumentam que, devido ao aparato regulatório, tem ocorrido uma debandada de operadores e, consequentemente, o aumento da concentração no sistema de corretagem e de distribuição. Devemos reconhecer a enorme complexidade existente hoje na autarquia. Os mercados se internacionalizaram, as operações são cada vez mais sofisticadas e seus protagonistas revelam incansável criatividade. A CVM, portanto, precisa estar equipada não apenas com tecnologia compatível, mas também, e principalmente, com material humano de qualidade para estar à altura do mercado. Isso demanda salários atraentes e motivadores. Quanto à concentração, é de fato um fenômeno preocupante; todavia, não acontece apenas no mercado de capitais — infelizmente. Tem sido constante, desde os primeiros passos da construção do mercado, a luta por criar um sistema de distribuição que possa atender de forma diversificada às necessidades ligadas a seu desenvolvimento, envolvendo o maior número de instituições. Corre ainda uma terceira crítica, que não posso julgar: o regulador não estaria ouvindo o mercado. Há grande relevância em se sintonizar com o público, muito embora seja bastante difícil agradar a todos. Mesmo ao admitir que o futuro inexorável do mercado seja sua institucionalização, não se pode negligenciar o papel do investidor individual. É preciso educá-lo constantemente. Essa ação deve ser obstinada e ocorrer, inclusive, via instrumentos coletivos de investimento. A CVM pode colaborar para a educação do investidor, ou mesmo induzi-la. Trata-se, porém, de um desafio cuja responsabilidade o próprio setor privado precisa chamar para si. Pois sem mercado de capitais dinâmico não há futuro. Especialistas do Brasil e do mundo reunidos para debater, trocar experiências e vivências em práticas de governança corporativa A Pelo segundo ano consecutivo, o evento terá três trilhas, distribuídas em nove Sessões Temáticas, dedicadas a diferentes formas de controle: empresas de capital aberto; empresas familiares e de capital fechado; outras organizações - cooperativas e 3º setor. As Sessões Gerais abordarão o papel do Conselho e da Secretaria de Governança, estratégia e sucessão, sustentabilidade, ética e governança pública, sempre sob o ponto de vista da criação de valor. Para complementar o debate nacional, temos a presença confirmada de Lynn Stout, professora da Escola de Direito da Universidade de Cornell. Participe do maior evento de Governança Corporativa da América Latina e faça parte das mudanças positivas que as boas práticas de governança podem trazer para nossa sociedade! 13 e 14 de outubro Sheraton São Paulo WTC Hotel Inscreva-se agora mesmo: www.ibgc.org.br/15-congresso-ibgc 11 3043 7008 Informações: [email protected] GOLD SILVER APOIO DE MÍDIA COMPANHIA AÉREA OFICIAL Atelier de Criação partir do papel primordial da Governança Corporativa como instrumento de geração de valor, o 15º Congresso do IBGC mesclará acadêmicos e praticantes, nacionais e internacionais, na discussão sobre como este processo evoluiu nos últimos anos, no Brasil e no mundo. Governança Modelo híbrido Dois sistemas de governança coexistem no mundo. O Brasil se equilibra entre eles Por Alexandre Di Miceli da Silveira* Comparar a governança corporativa de diferentes países não é tarefa fácil. Cada nação, afinal, apresenta suas peculiaridades em termos de contexto histórico, estágio de desenvolvimento do mercado e regulação. Reconhecidas as diferenças, existem dois grandes modelos de governança no mundo: o “outsider system”, em que os acionistas não fazem parte da administração; e o “insider system”, no qual os chamados acionistas de referência participam da gestão. O primeiro é encontrado nos países anglo-saxões, enquanto o segundo predomina nos demais países, notadamente os da Europa continental. No outsider system, o financiamento via ações, oriundo de investidores ins- Sistema de governança Outsider system (acionistas fora da administração) Insider system (acionistas na administração) Estrutura acionária das grandes companhias Dispersa: acionistas pulverizados e distantes do dia a dia Mais concentrada: acionistas de referência influenciam diretamente a administração Países de referência Estados Unidos e Reino Unido Alemanha, França e restante da Europa continental Controle familiar nas grandes companhias Raro Comum Estado como acionista significativo Raro Mais frequente Investidor institucional De grande porte, muito relevante e cada vez mais ativo De menor porte e mais passivo Horizonte temporal do acionista O investidor permanece cada vez menos tempo como acionista O acionista de referência geralmente possui horizonte de longo prazo Papel do mercado de ações no financiamento das empresas Muito importante Menos expressivo, com grande participação do mercado de crédito Mercado para aquisição hostil do controle acionário Ativo: possibilidade real de aquisições não solicitadas Quase inexistente: escassas tentativas de aquisições hostis Principal conflito em debate Acionistas e executivos Diferentes grupos de acionistas (ex.: controladores e minoritários) Propósito das companhias Maximizar a riqueza dos acionistas Equilibrar os interesses de seus stakeholders, sobretudo empregados 60 C APITAL A BERTO Setembro 2014 titucionais e individuais, é central para o crescimento das companhias. Como resultado, o mercado de capitais é muito líquido e as empresas em geral possuem estrutura acionária dispersa. O acionista recebe apenas informações e dividendos, sem exercer interferência direta na gestão. Por isso, o sistema depende de um ambiente regulador que assegure transparência e proteção efetiva ao investidor. As companhias do insider system são controladas pelos acionistas de referência, sócios relevantes que atuam de forma coesa e mantêm posições no longo prazo. Em geral, famílias, instituições financeiras, holdings ou mesmo o Estado. Acompanham de perto a gestão diária e tomam as decisões estratégicas das empresas investidas. O financiamento delas, por sua vez, vem de bancos (privados e públicos) ou de recursos internos, com menor peso dos mercados de capitais. As relações de longo prazo com os stakeholders — sobretudo empregados, fornecedores, instituições financeiras e União — ocupam papel central, o que reduz o foco na criação de valor para o acionista como objetivo da empresa. O quadro à esquerda mostra as principais diferenças entre as duas estruturas. O Brasil, com sua elevada concentração acionária, naturalmente se aproxima da Europa continental. Por outro lado, a maior orientação de nossas companhias para os acionistas e a presença de institucionais ativos no mercado sinaliza que possuímos elementos do modelo anglo-saxão. Estamos, assim, numa posição relativamente híbrida entre os grandes sistemas de governança do mundo. *Alexandre Di Miceli da Silveira é sócio-fundador da Direzione Consultoria e autor de Governança corporativa: o essencial para líderes. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões. Histórias E a Bolsa parou Por Ney Carvalho* S etembro de 2001. A Bovespa vivia um intenso combate para isentar as operações de bolsa da famigerada Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que travava e encarecia fazer negócios no Brasil. Um dos objetivos era conquistar a opinião pública e, assim, influenciar o posicionamento dos políticos no Congresso Nacional em favor de sua causa. Surgiu então a ideia de fazer uma greve na Bolsa, evento de repercussão garantida na imprensa. O comandante do processo era o presidente da instituição, Raymundo Magliano Filho. Sabiamente, ele resolveu consultar quem entendia de greves: Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical. Ele o convenceu a fazer uma paralisação simbólica de apenas uma hora, que teria o mesmo efeito midiático de uma Montagem com fotos do site Wikimedia Commons. O fim da CPMF foi o mote de uma greve-relâmpago na Bovespa, que incendiou a política nacional e culminou na extinção do imposto ação maior, e prometeu todo o apoio de sua central à manifestação. No dia 4 pela manhã, a porta da Bovespa, na Rua XV de Novembro, centro velho de São Paulo, presenciou uma agitada assembleia de operadores e dirigentes — com direito a carro de som da Força Sindical e discursos inflamados dos participantes. Ficou decidida a paralisação para dois dias depois, entre meio-dia e 13 horas. No momento aprazado, havia cerca de 1.300 pessoas na sala do pregão da Bolsa. Magliano e Paulinho adentraram o recinto portando uma bandeira do Brasil e, imediatamente, os presentes começaram a cantar o Hino Nacional. Foi um acontecimento eclético. Além do presidente da Bovespa e do diretor da Força, estavam presentes e fizeram pronunciamentos enfáticos representantes de outras facções sindicais. Foram os casos do deputado petista Ricardo Berzoini, então na oposição, e de líderes empresariais como Horácio Lafer Piva e Abram Szajman, presidentes, respectivamente, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio-SP). Ao meio-dia em ponto, desligaram-se as máquinas de negociação eletrônica e silenciou-se o ainda existente pregão a viva voz. A cobertura na mídia, nacional e internacional, foi extraordinária. No dia seguinte, feriado de 7 de setembro, a notícia estava na primeira página de todos os jornais; as redes de televisão aberta dedicaram 1 hora, 52 minutos e 16 segundos àquele acontecimento. Nove meses depois, como numa gestação, o Congresso promulgou solenemente a Emenda Constitucional número 37, que isentava as operações em bolsa do ônus da CPMF. Era 12 de junho de 2002, e os ventos políticos haviam mudado. O mercado ganhara uma batalha fundamental. * Ney Carvalho é historiador e ex-corretor de valores Setembro 2014 C APITAL A BERTO 61 Retrato Amélia Gonzaga Carvalho Silva Uma mulher de verdade S eis anos de redação de atas. Embora já fosse uma educadora respeitada, Amélia Gonzaga Carvalho Silva não se importou com a tarefa burocrática em seus primeiros tempos de conselheira de administração da Cedro Têxtil. “A gente aprende muito fazendo ata de reunião”, diz, com a característica entonação mineira. No primeiro ano na função, grafou o nome dos famosos teares Sulzer como Susi, “igual à boneca”, divertindo os outros 12 conselheiros homens. Não deu importância ao erro. Em 1993, seu lema já era — e ainda é — “ir devagar”. Sempre. Hoje vice-presidente do conselho da Cedro e presidente de um dos maiores acordos de acionistas em companhia aberta, assinado por mais de 250 sócios, Amélia intercala os causos antigos com muitas vitórias recentes: “Convenço os outros com facilidade”. Da presença feminina inibidora de palavrões e piadas nas reuniões ao status de conselheira influente, Amélia percorreu um caminho de aprendizados. Começou por uma pós-graduação em gestão empresarial na Fundação Getulio Vargas. “Ralei muito”, lembra ela, formada em pedagogia pela Universidade Federal de Minas Gerais. “Nunca tinha estudado algumas disciplinas, como economia.” Depois vieram os cursos de governança e o envolvimento com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), ao participar da criação e da coordenação do escritório mineiro do instituto. “Eu já tinha opiniões próprias enquanto fazia as atas, mas não o embasamento técnico para defendê-las. Foi o que busquei.” Sua chegada à centenária fabricante de tecidos, porém, não foi uma mudança de carreira planejada. Na verdade, deu-se por causa de uma tragédia familiar. Nascida na cidade de João Monlevade, onde o pai trabalhava na siderúrgica Belgo-Mineira, Amélia mudou-se para Ipatinga quando conheceu o marido Décio Carvalho, engenheiro da Usiminas. 62 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Por Marta Barcellos Foto Aline Massuca Nem pretendia “trabalhar fora”, mas, como a cidade carecia de professores, atendeu ao apelo para lecionar no colégio estadual. Com carga horária pequena, era a docente mais disponível para assumir a gerência da escola quando o cargo de diretor ficou disponível. “Achei aquilo fácil, porque tinha aprendido administração na faculdade”, conta. Depois de quatro anos como diretora sem ser nomeada oficialmente, descobriu que a vaga fora prometida ao amigo de um deputado e pediu para sair. Finalmente teria a vida tranquila de esposa, como cabia às senhoras mineiras da época. A empresa onde o marido trabalhava, no entanto, enfrentava um problema: a gestão do colégio São Francisco Xavier, fundado pela Usiminas para atender aos filhos dos funcionários, estava sendo devolvida pelos padres jesuítas. Convidada a assumir, Amélia impôs condições com o objetivo de criar uma escola modelo. Acabou ganhando carta branca para contratar professores e testar metodologias modernas de ensino, como a do estudo dirigido. “Fiz um colégio tinindo”, orgulha-se. Educadores costumavam visitar a escola para entender por que seus alunos passavam no vestibular com tanta facilidade. Amélia só sairia do cargo, nove anos depois, porque o marido fora transferido para Belo Horizonte. O casal construiu a casa dos sonhos na capital. A rotina de uma vida confortável se anun- Amélia Gonzaga Carvalho Silva administra o acordo de acionistas da Cedro Cachoeira, com 254 sócios e sete famílias envolvidas: “É preciso ter muito jogo de cintura para manter a harmonia”. Setembro 2014 C APITAL A BERTO 63 Retrato 3x4 ciava quando o engenheiro sofreu um acidente de carro, durante uma viagem de trabalho a Juiz de Fora. “Ele saiu de casa ótimo e não voltou. Tinha 49 anos”, recorda, com os olhos cheios de água. “Fiquei completamente desorientada. Precisei aprender a viver sozinha, porque nem filho tinha.” Foi quando a Cedro e a possibilidade de nova carreira surgiram em sua vida, de forma inusitada. Carvalho, além de trabalhar na Usiminas, ocupava um assento no conselho de administração da tecelagem. Consternado com a morte dele, o conselho resolveu convidá-la para seu lugar. Amélia duvidou da própria capacidade. Chegou a consultar o executivo da Usiminas ao qual era subordinada como diretora do colégio. “Vai tirar de letra”, ele disse. E lhe emprestou alguns livros de administração. Na realidade, embora não conhecesse antes os detalhes técnicos da fábrica, como o nome de um tear, Amélia já pertencia a um dos sete grupos familiares controladores da empresa: seu marido havia sido indicado ao conselho justamente para representá-lo. “Meu pai precisou sair por causa da idade limite, de 72 anos, e só tinha três filhas mulheres”, explica. Hoje, ela fala da Cedro como de uma família. “Temos 142 anos de história. Fomos a primeira companhia privada com capital aberto do País.” A avó de Amélia descendia do visionário empreendedor Bernardo Mascarenhas. Além de construir uma fábrica de tecidos no Brasil de 1872, ainda totalmente desindustrializado, o empresário seguiu uma tendência internacional e foi pioneiro na busca de novas fontes de energia. Inaugurou, em 1889, a primeira usina hidrelétrica da América Latina: Marmelos, em Minas Gerais. “Ele tinha 23 anos quando foi comprar as máquinas para a fábrica da Cedro na Inglaterra”, relata Amélia. “Depois, nos Estados Unidos, conheceu outra onda, a das sociedades por ações, e resolveu trazer esse modelo para unir sua fábrica à dos irmãos, montada em Cachoeira.” Nascia assim a Cedro Cachoeira, já com o espírito de agrupar interesses familiares sob uma administração transparente. Manter esse delicado equilíbrio, multiplicado pelas novas gerações de familiares, é a tarefa contemporânea de Amélia, à frente do acordo de acionistas firmado em 1988 e refeito há 14 anos. Os 254 sócios de sete famílias, representados por um comitê, detêm 64,5% do capital total. “É necessário ter muito jogo de cintura para manter a harmonia”, observa. Uma tarefa muito além das atas — e sob medida para alguém que encarou tantos desafios na vida. 64 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Rotina – Pela manhã faz ginástica com uma personal trainer e drenagem linfática com uma massagista. “Tenho tendência a ficar com as pernas inchadas.” Almoça comida caseira com a mãe, de 94 anos e “muito lúcida”, e segue para a empresa, para reuniões ligadas ao conselho de administração ou ao programa de voluntariado. Hobby – Viajar para lugares exóticos. “Por isso nunca aceitei ser presidente do conselho de administração. Às vezes viajo mais de 30 dias seguidos.” Foi ao Vietnã duas vezes consecutivas para percorrer todo o território, e em outubro fará a Rota da Seda, passando por Cazaquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. Viagem mais marcante – Para o Tibete e o Butão. “Pude ver de perto o rei, andando no meio do povo, e descobri por que eles são as pessoas mais felizes do mundo.” Um orgulho – Ter transformado o Colégio São Francisco Xavier, em Ipatinga, em modelo de educação. “Eu era bastante rigorosa, mas, quando encontro ex-alunos, eles me enchem de elogios.” Livros na cabeceira – Acabou de ler O sári vermelho, de Javier Moro, que se passa na Índia. Agora dedica-se a Gêngis Khan, de John Man. “Meus livros são todos relacionados aos assuntos das minhas viagens.” Uma filosofia de vida – Identifica-se com a personalidade descrita por Daniel Kahneman em Rápido e devagar: “Para mim, tudo tem que ser devagar, tomando primeiro o pé da situação. O livro diz que as decisões rápidas são automáticas e intuitivas, enquanto a decisão lenta precisa de autocontrole e concentração.” Uma vitória – Ter conseguido convencer o conselho a criar a Associação Cedro Cachoeira, que há três anos reúne as atividades de responsabilidade social da companhia. “Mostrei tudo o que estava abandonado: bibliotecas, bandas de música, horta comunitária... Acabaram aprovando, com a condição de eu tomar conta.” Um momento difícil – A morte do marido em acidente de carro. “Teria sido mais fácil ficar me lamentando, ser uma pobre viúva, vítima de uma tragédia. Mas preferi passar por cima e recomeçar a minha vida.” O que a tira do sério – Falsidade. “É impressionante como tem gente velha que ainda conta mentira e quer enrolar a gente.” Plano para o futuro – Reabrir seu ateliê de tapeçaria e pintura, fechado há anos por falta de tempo, após afastar-se do conselho de administração da Cedro. “Precisarei sair em novembro por causa da idade (72 anos), mas devo ficar um pouco mais na associação, além de permanecer na presidência do acordo de acionistas.” Um exemplo – O economista e consultor Lélio Lauretti. “É fantástico, parece um jovem. Eu me inspiro nele para buscar a transparência e a correção nas práticas da empresa.” Prateleira Evolução e sobrevivência A tortuosa trajetória do mercado de capitais no Brasil desde os tempos do Império Já proclamava Charles Darwin: a sobrevivência dos seres vivos se explica mais por sua capacidade de adaptação ao meio do que por sua força física. O mesmo pode ser dito das organizações e mercados, ainda que não sejam exatamente seres vivos. A tese de A saga do mercado de capitais no Brasil, de Ney Carvalho, segue essa premissa, ao considerar a adaptabilidade o atributo mais relevante do mercado de capitais brasileiro ao longo de sua história. Embora ele seja uma criação de empresas privadas a partir de suas necessidades de financiamento, sempre sofreu forte influência do Estado, seja como financiador, seja como supervisor e regulador. O livro apresenta uma narrativa histórica, desde a economia colonial até a criação do Novo Mercado na Bovespa. Pode-se entender o mercado de capitais como o “locus” onde a poupança, privada ou pública, encontra boas oportunidades de investimento, quer na forma de renda fixa (dívida), quer na de renda variável (participação direta no capital das empresas). A obra descreve, em paralelo, a saga evolutiva dos espaços de transação desses dois instrumentos — crédito e ações — desde o século 19. Ela inicia por uma série de pontos interessantes, como a transição da eco- nomia agrícola para a industrial (com suas formas de financiamento) e o papel do Rio de Janeiro, capital do País até a metade do século 20. A seguir, acompanhamos a emergência econômica de São Paulo, a era Vargas, com a criação das empresas estatais como vetores de desenvolvimento, e as reformas do regime militar. A partir delas, testemunha-se o período de recrudescimento inflacionário pós-1960, com seus efeitos sobre o mercado, a estabilização econômica do Plano Real e o ressurgimento das captações via bolsa de valores. Esse efeito só foi possível devido a reformas promovidas pela iniciativa privada, como a criação de um segmento de listagem voluntário (o Novo Mercado). Os percalços experimentados pelo mercado de capitais nacional foram inúmeros; dessa lista não podem ficar de fora o intervencionismo, a insegurança jurídica e as crises financeiras. A despeito da grande evolução registrada em 200 anos de história, ainda se constatam anomalias importantes quando o mercado brasileiro é comparado a outros tidos como de bom funcionamento. O crédito para empresas representa uma fração do mercado de dívida do Estado, que, devido a seu enorme tamanho e liquidez, acaba limitando bastante Por Peter Jancso* a capacidade da sociedade de canalizar poupança local para projetos privados. Mesmo diante desse desbalanceamento, algumas poucas organizações conseguem levantar recursos estrangeiros. No entanto, o fenômeno provocado pelo setor público, conhecido como “crowding out”, impõe um desafio significativo à captação de recursos produtivos. Conforme registra Carvalho, o apetite do governo pela poupança privada pode ser verificado desde a infância do mercado brasileiro de capitais. Mas a saga continua. Já podemos, inclusive, dar nome ao próximo capítulo: “Como aplacar a voracidade do Estado por recursos da sociedade”. A saga do mercado de capitais no Brasil Ney Carvalho Editora: Saint Paul 288 páginas 1a edição, 2014 * Peter Jancso é professor de finanças corporativas da Business School São Paulo e sócio da Jardim Botânico Investimentos Setembro 2014 C APITAL A BERTO 65 Saideira NA TELA, VOCÊS CONFEREM A NOSSA ANÁLISE SOBRE O CENÁRIO ELEITORAL. PREVISÃO: SE CENSURADO VENCER A ELEIÇÃO, AS AÇÕES DA CENSURADO TENDEM A CENSURADO. POR ISSO RECOMENDAMOS QUE VOCÊS CENSURADO. RELATÓRIO ALGUMA DÚVIDA? 66 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Participe do processo seletivo www.bmfbovespa.com.br/MBA (11) 2565-6313/5990 . [email protected] MBAs com a expertise da BM&FBOVESPA Sua carreira, seu futuro. Modificados agora. Profundidade analítica. Abordagem altamente quantitativa. Formação de especialistas para atuação em posições estratégicas. Discussão sobre fundamentos e aspectos técnicos de produtos financeiros e de modelagem de risco. Tudo isso você encontra nos MBAs oferecidos, em São Paulo, pelo Instituto Educacional BM&FBOVESPA, em parceria com a Facamp. MBA em Mercados de Capitais e de Derivativos MBA em Gestão de Riscos Financeiros Início da aulas Processo seletivo Inscrições até outubro de 2014 linkedin.com/company/bm&fbovespa Fevereiro de 2015 twitter.com/bmfbovespa facebook.com/bolsapravoce Instituto Educacional BM&FBOVESPA Rua Líbero Badaró, 471, 5º e 6º andares Centro - São Paulo, SP - (11) 2565-6313 Muitos problemas parecem complicados e sem solução. Até chegarem a nossas mãos. A Deloitte é referência em consultoria e auditoria no Brasil e no mundo. E isso é resultado do esforço para encontrar as melhores soluções de negócio e de seu comprometimento com o desempenho de seus clientes. Isso é o que faz a Deloitte ser líder. Isso é o que faz a Deloitte ser a Deloitte. Siga-nos ©2013 Deloitte Touche Tohmatsu