revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital V.14. N. 1 JAN./JUN. – 2015 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Rua Apurinã nº 04 – Praça 14 de Janeiro, Cep: 69020-170 Manaus - AM Fones: (092) 3305-4708 E-mail: [email protected] FUNDADORES Ricardo Torres Santana Jorge Alberto Mendonça EDITOR-CHEFE Fernando Luiz Westphal LISTA DO CONSELHO CONSULTIVO DA REVISTA HUGV Ana Wanda Guerra Barreto Andréa Costa de Andrade Aristóteles Comte Alencar Armando de Holanda Guerra Júnior Celsa Moura Chang Yen Yin Cristiano Silveira Paiva Domingos Sávio Nunes de Lima Edson de Oliveira Andrade Ermerson Silva Eucides Batista da Silva Fernando César Façanha Fonseca Fernando Luiz Westphal Flávio Antunes de Souza Francisco Mateus João Gerson S. Nakajima Ione Rodrigues Brum Ivan Tramujas da Costa e Silva Jean Jorge Silva de Souza José Correa Lima Netto Julio Mario de Melo e Lima Juscimar Carneiro Nunes Kathya Augusta Thomé Lopes Leíla Inês de A. R. da Camara Coelho Lourivaldo Rodrigues de Souza Luís Carlos de Lima Luiz Carlos de Lima Ferreira Luiz Fernando Passos Marcus Vinicius Della Coletta Maria Augusta Bessa Rebelo Maria do Socorro Lobato Maria do Socorro L. Cardoso Maria Fulgência Costa L. Bandeira Maria Lizete Guimarães Dabela Maria Rizelda Vinhote da Silva Márcia Melo Damian Marcus Tolentino Massanobu Takatani Miharu Magnória Matsuura Matos Patrícia Bandeira de Melo Petrus Oliva Souza Renato Martins Ricardo Torres Santana Rodolfo Fagionato Rosane Dias da Rosa Rossiclei de S. Pinheiro Rubem Alves da Silva Júnior Patrícia Bandeira Paula Rita da Silva Leite Sandra Lúcia Euzébio Taís Freire Galvão Zânia Regina Ferreira Pereira revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital V.14. N. 1 JAN./JUN. – 2015 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Copyright© 2015 Universidade Federal do Amazonas/HUGV REITORA DA UFAM Prof.ª Dra. Márcia Perales Mendes Silva SUPERINTENDENTE DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Dr. Rubem Alves da Silva Júnior PRODUÇÃO GRÁFICA-EDITORIAL Fernando de Souza Neto ORGANIZAÇÃO Thaís Borges Viana DIRETORA DA EDUA Prof.ª Dra. Suely Oliveira Moraes Marquez EDITOR-CHEFE DA REVISTA Prof. Dr. Fernando Luiz Westphal REVISÃO (LÍNGUA PORTUGUESA) Cátia Taboada REVISÃO (LÍNGUA INGLESA) Tamara Coimbra CAPA Serviço de Ergodesign TIRAGEM 300 EXEMPLARES FICHA CATALOGRÁFICA Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287 R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas. Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 14, n. 1 (2015) / Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2013 81 p. Semestral Título da revista em português inglês ISSN – 1677-9169 1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas. CDU 61(051) CDU 61(051) Sumário Editorial Prof. Dr. Dirceu Benedicto Ferreira Artigos Originais Grupo Musas: Promoção da Saúde com um Grupo de Mulheres no Âmbito da Estratégia Saúde da Família na Cidade Manaus-Am 14 Bárbara Misslane da Cruz Castro, Magda Sudário Pinheiro e Érica dos Santos Navegante Percepções e Significados da Leptospirose entre Trabalhadores da Limpeza Urbana de Manaus-Am 23 Erika Oliveira Abinader, Maria Luiza Garnelo Pereira Relato de Caso Nefrectomia Radical Laparoscópica em Paciente Testemunha de Jeová: Uma Opção de Tratamento Minimamente Invasiva 30 Marcelo Guedes Halinski; George Lins de Albuquerque; Paulo Cézar de Vasconcelos; Cecília Mello Garcez; Adriano Maia Siqueira e Cristiano Silveira Paiva Agenesia de Tronco Celíaco: Relato de Caso 34 Anderson de Almeida Maciel, Sol Gomes Madrigal, Francisco Batista de Almeida, Samara Pontes Soares e Adria Karina Farias de Aquino Relato de Caso: Síndrome de Goodpasture 38 Alex Bruno Ferreira Rebelo, Adriana Drumond Sardinha Crispim Rodrigues, Christiany Moreira Almeida, Rebecca Souza Mubarac Cavalcanti e Antônio Carlos Duarte Insuficiência Aórtica Crônica Secundária à Dilatação da Raiz da Aorta em Adolescente com Arterite de Takayasu - Relato de Caso 43 Raisa França Ribeiro, Ana Carolina dos Santos Pinto, Ana Carolina Santos Silva, Carla Diniz Nascimento Santos, Renayra Tallita Luciano Alonso Coimbra, Gabriela Silva Vasconcelos Relato de Caso: Malformação Adenomatoide Cística Pulmonar em Paciente Adolescente 49 Vanderlei Pereira Lima, Giselle Macedo de Souza, Diego Costa Matos,Tamara Mendes Ferrugem, Hugo Sanmaronny da Silva Cardoso e Ana Paula Leão Displasia Fibrosa Craniofacial: Relato de um Caso na Amazônia Felipe Jezini III, Fábio Arruda Bindá, Marco Antônio Cruz Rocha, Jefferson Moreira de Medeiros, Emily Barbosa do Nascimento e Lia Mizobe Ono 54 Strongiloidíase Disseminada E Infecção Cutânea por Micobacteriose em Paciente com Lúpus Eritematoso Sistêmico 60 Karine Gizele S. Pimentel e Domingos Sávio Nunes de Lima Existe Relação entre Osteogênese Imperfeita e Hipertermia Maligna? Relato de Caso 64 Marco Antônio Fernandes Rabelo, Wendell Jackson de Macêdo Caldas, Christiane Rodrigues da Silva e Rodrigo dos Reis Ferreira Perfuração como Complicação de Linfoma Intestinal: Relato de Caso 68 Caroline Lima de Oliveira, Patricia Carvalho Machado Aguiar, Hugo Sanmarony Cardoso, João José Correa Bergamasco, Rubem Alves da Silva Neto e Felicidad Santos Gimenez Proteinose Alveolar Pulmonar: Relato de Caso 72 Flavia Matos Salame, Marta Helena Morais, Yuri Gonçalves Maduro e José Correa Lima Netto Hérnia Diafragmática Congênita de Bochdalek em Paciente Portador da Síndrome de Ehlers Danlos – Relato de Caso Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos de Lima, Miriam Blanco Sampietro Pinheiro, Waleska Affonso Salignac Marcião, Vania Mesquita Gadelha Prazeres, Thaís Caroline Sales Raposo e Maria Alyete Bezerra Moreira 77 Contents Editorial Prof. Dr. Dirceu Benedicto Ferreira Original Article Group Muses: Health Promotion with a Group of Women in the Context of Health Strategy Family in City Manaus-Am 14 Bárbara Misslane da Cruz Castro, Magda Sudário Pinheiro e Érica dos Santos Navegante Perceptions and Meanings of Leptospirosis among Workers in Urban Cleaning Manaus-Am 23 Erika Oliveira Abinader, Maria Luiza Garnelo Pereira Case Report Laparoscopic Radical Nephrectomy in Patient of Jehovah Witness: A Minimally Invasive Treatment Option 30 Marcelo Guedes Halinski, George Lins de Albuquerque, Paulo Cézar de Vasconcelos, Cecília Mello Garcez, Adriano Maia Siqueira, Cristiano Silveira Paiva Absence of the Celiac Trunk: Case Report 34 Anderson de Almeida Maciel, Sol Gomes Madrigal, Francisco Batista de Almeida, Samara Pontes Soares e Adria Karina Farias de Aquino Case Report: Syndrome of Goodpasture 38 Alex Bruno Ferreira Rebelo, Adriana Drumond Sardinha Crispim Rodrigues, Christiany Moreira Almeida, Rebecca Souza Mubarac Cavalcanti e Antônio Carlos Duarte Chronic Aortic Regurgitation Secondary to Dilation of the Aortic Root in Adolescents with Takayasu Arteritis - Case Report 43 Raisa França Ribeiro, Ana Carolina dos Santos Pinto, Ana Carolina Santos Silva, Carla Diniz Nascimento Santos, Renayra Tallita Luciano Alonso Coimbra, Gabriela Silva Vasconcelos Case Report: Cystic Adenomatoid Malformation of the Lung in Teenager Pacient 49 Vanderlei Pereira Lima, Giselle Macedo de Souza, Diego Costa Matos,Tamara Mendes Ferrugem, Hugo Sanmaronny da Silva Cardoso e Ana Paula Leão Craniofacial Fibrous Dysplasia: A Case Report in the Amazon Felipe Jezini III, Fábio Arruda Bindá, Marco Antônio Cruz Rocha, Jefferson Moreira de Medeiros, Emily Barbosa do Nascimento e Lia Mizobe Ono 54 Dissemnated Strongyloidiasis and Cutaneous Mycobacterium Infecction in a Systemic Lupus Erythematosus Patient 60 Karine Gizele S. Pimentel e Domingos Sávio Nunes de Lima There Relationship between Osteogenesis Imperfecta and Malignant Hyperthermia? 64 Marco Antônio Fernandes Rabelo, Wendell Jackson de Macêdo Caldas, Christiane Rodrigues da Silva e Rodrigo dos Reis Ferreira Perforation as Complication of Intestinal Lymphoma 68 Caroline Lima de Oliveira, Patricia Carvalho Machado Aguiar, Hugo Sanmarony Cardoso, João José Correa Bergamasco, Rubem Alves da Silva Neto e Felicidad Santos Gimenez Pulmonary Alveolar Proteinosis: A Case Report 72 Flavia Matos Salame, Marta Helena Morais, Yuri Gonçalves Maduro e José Correa Lima Netto Bochdalek-Type Congenital Diaphragmatic Hernia in a Patient with Ehlers Danlos Syndrome – A Case Report Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos de Lima, Miriam Blanco Sampietro Pinheiro, Waleska Affonso Salignac Marcião, Vania Mesquita Gadelha Prazeres, Thaís Caroline Sales Raposo e Maria Alyete Bezerra Moreira 77 Editorial Faculdade de Medicina da Ufam – 50 anos A formação de médicos no estado do Amazonas iniciou-se depois da criação da Faculdade de Medicina da Universidade do Amazonas (UA, hoje UFAM) através da Resolução do CONSUNI nº 06/65, de 20/11/1965, instalada em sessão solene em 04/12/1965. Logo depois aconteceu o primeiro vestibular e em maio do ano seguinte (1966) a primeira turma de alunos iniciou os estudos. A formatura desses pioneiros aconteceu em 1971, em sessão solene no Teatro Amazonas, contando com a presença das maiores autoridades do Estado, tal a importância que o curso tinha para a cidade e para a região amazônica. Naquele ano também aconteceu o credenciamento do curso junto ao Ministério da Educação (MEC) através do Decreto nº 69609, de 29/11/1971. Inúmeros acontecimentos históricos marcaram aqueles anos 60 relacionados com a alegria da população amazonense. Muito se escreveu sobre a infraestrutura predial, professores, alunos, funcionários, currículo e ocupação do Hospital Getúlio Vargas (HGV, hoje HUGV). Vale lembrar que vivíamos a época da ditadura militar, início da Zona Franca de Manaus, presenciando-se uma expansão da cidade para todos os lados e chegada de pessoas de todo o Brasil. Os nossos primeiros alunos vinham de toda parte! Metade era daqui e a outra metade de diferentes estados brasileiros (“excedentes”). Muitos deles aqui se fixaram, construíram suas famílias, vidas e profissão. Enfim, nestes 50 anos de existência já graduamos 3888 (três mil oitocentos e oitenta e oito) médicos. Um dos fatos marcantes do início (década de 70) foi a doação de grande gleba de terra ao lado do INPA destinado a albergar o Campus Universitário da UA. Naquele mesmo período cria-se o Instituto de Ciências Biológicas (ICB) no “Mini-Campus”, nosso maior aliado na formação médica. Os alunos até hoje iniciam o “ciclo básico” no ICB e depois completam os estudos na Faculdade de Medicina, ao lado do HUGV. As distâncias nos separam em dois segmentos. Durante o processo de concepção, criação e implantação do curso, tomaram à frente inúmeros idealistas, professores, políticos e cidadãos que não caberia à citação neste resumo. Em 1965 era Presidente do Brasil o General Castelo Branco. Aqui no estado do Amazonas capitaneava e fazia as interlocuções o Governador Arthur Cézar Ferreira Reis. Dentro da Universidade do Amazonas destacou-se o Magnífico Reitor Jauary Guimarães S. Marinho. Instalou-se definitivamente a Faculdade de Medicina pelo Conselho Universitário da época. Como toda instituição nova, existiram muitas dificuldades iniciais, superadas nos anos sessenta e setenta. Manaus era uma cidade pequena (cerca de 300.000 habitantes), contava com poucos médicos (cerca de 80) e era distante dos grandes centros. Além disso, havia profissionais contrários à sua criação nesta capital. Mesmo com tudo isso, ela iniciou funcionando precariamente nas dependências de um antigo grupo escolar (“Plácido Serrano”, apelidado de “Tio Patinhas”) aos fundos do Hospital Getúlio Vargas, que também iniciou suas atividades no ano de 1965. Vários professores desbravadores e empreendedores fizeram a faculdade funcionar. Presenciávamos esforços hercúleos e garra descomunal dos estudantes das primeiras turmas. Em 1967 foi construído o prédio da “escola médica”, o mesmo que ainda utilizamos hoje, na Rua Afonso Pena, 1053, Praça 14 – cruzando com a antiga “Boulevard Amazonas”. Por outro lado, o Hospital Getúlio Vargas (hoje HUGV), aparelhado junto com seu Pronto Socorro, e um ambulatório (Ambulatório Araújo Lima – AAL) também começaram a funcionar. Nesses dois locais nossos estudantes tiveram grande parte dos cenários de prática para o “ciclo profissional”, em especial nas áreas Clínicas e Cirúrgicas. Outra grande parte de cenários era espalhada pela cidade de Manaus, o que ainda hoje é nossa realidade. | 11 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 O Período Intermediário – Anos 80 e 90 Nos anos seguintes (décadas de 70, 80, 90) passamos por um período de consolidação da Escola. Foi criada a Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) que reunia três cursos: Medicina, Odontologia e Farmácia. Esta estrutura tornou-se uma das mais complexas da UFAM em todos os sentidos. Visava otimizar esforços, permitindo realizar práticas multiprofissionais. A estrutura administrativa e pedagógica ficava fragmentada entre o ICB, Medicina, Odontologia e Farmácia. As práticas eram espalhadas pela cidade em múltiplos locais, serviços de saúde, hospitais e postos de saúde. Além disso, iniciavam os estágios no interior do estado do Amazons através do CRUTAC que cresceram e hoje se apresentam como importante referencial de nossa escola. Em 2007, a FCS foi desmembrada. A partir daí as três faculdades passaram a atuar separadamente até hoje. Paralelamente outro fato histórico merece menção. Em 1982 todo o patrimônio do HGV, do estado do Amazonas, foi transferido para a UFAM, transformando-se no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV). Registre-se que nos anos anteriores tinha havido discussões calorosas sobre o fato de permanecermos no quarteirão do HUGV ou de nos transferirmos para o Hospital Adriano Jorge e adjacências, tendo sido vitoriosa a primeira proposta. Esse tema ficou na memória do passado. A partir de 1971 nossos egressos (médicos) passaram a ocupar o vazio profissional existente na cidade de Manaus, municípios do interior e toda Amazônia Ocidental (Acre, Rondônia, Roraima, interior do Amazonas e parte do Pará). Deve ser registrado que durante 30 anos a UFAM colocava no mundo profissional cerca de 100 médicos por ano, sendo a única formadora de médicos para a Amazônia Ocidental. Muitos de nossos egressos voltaram para suas terras natais para por lá trabalharem. Hoje existem três escolas médicas em Manaus, que graduam cerca de trezentos novos profissionais a cada ano. Além disso, é digno ser lembrado que atualmente (2015) existem 19 (dezenove) faculdades de medicina na Região Norte, graduando cerca de 1.200 médicos nesta região. Na esteira da história de Manaus (anos 70, 80, 90) vemos a criação de vários hospitais, cuja “sementeira” foi a nossa Faculdade de Medicina, incluindo-se: Hospital de Moléstias Tropicais “Dr. Heitor Dourado” (IMT-HVD); FHEMOAM – Fundação Hospitalar Hematologia e Hemoterapia do Amazonas; FCECON – Fundação Centro de Controle de Oncologia. Mais recentemente entrou em cena o Hospital Francisca Mendes (HFM), especializado em doenças cardíacas. Os nossos egressos passaram a ocupar as lacunas vazias dos diversos serviços de saúde pública e privada: Maternidades, UBS (Unidades Básicas de Saúde), serviços de urgência e emergência, serviços de Pronto Atendimento e hospitais consolidados na capital (Ex.: Pronto Socorro 28 de Agosto, Pronto Socorro João Lúcio, FUAM – Fundação Alfredo da Mata – Dermatologia e Venereologia; Hospital Adriano Jorge, Hospital Beneficente Português, etc), bem como o Instituto de Medicina Legal (IML) e muitos outros locais. É relevante também ser lembrado que foram criadas duas novas escolas médicas no Amazonas, as quais puderam ser consolidadas pela existência de recursos humanos oriundos de nossa UFAM: a Faculdades de Medicina da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Faculdade de Medicina da Universidade Nilton Lins (UniNiltonLins). Anos Mais Recentes – 2000 a 2015 Muitos e novos desafios aparecem a partir do início deste milênio. A antiga Manaus da Era da Borracha, a pacata e provinciana cidadezinha que tinha dado o início à Escola Livre de Manáos fica nas recordações e nas grandiosas construções lendárias. Hoje temos uma metrópole com quase dois milhões de habitantes onde atuam mais de 3.500 médicos. Existe uma complexa rede de serviços de saúde, hospitais públicos, clínicas privadas, cooperativas e um Sistema Único de Saúde (SUS) em estruturação na baixa complexidade, média complexidade e alta complexidade. Exige-se que a escola médica acompanhe essa evolução, formando profissionais | 12 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 voltados para o SUS, em quantidade maior e com excelência na qualidade. Nossos professores passaram a se qualificar para melhor atender a faculdade e a população. Foram criados mais de 20 programas de Residência Médica para diferentes especialidades (iniciada em 1978, mas incrementada nos anos mais recentes). Criaram-se a Residência Multiprofissional e outros Programas de Pós-Graduação lato sensu e stricto sensu (Mestrado). Neste ano (2015) apoiamos a criação de mais um curso de medicina, na cidade de Coari, uma vez que aderimos ao programa de expansão proposta pelo Governo Federal, nos moldes das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN-2014), voltados para o SUS. Deverá estar funcionando em dois anos, com a promessa de financiamento federal. Na intimidade de nossos colegiados passamos a discutir profundamente e enfaticamente a Formação Médica, resultando em profundas mudanças estruturantes em vários aspectos: (1º) sistemas de entradas: hoje ENEM e PSC; (2º) sistemas de procedimentos pedagógicos: hoje voltadas para metodologias ativas, centradas nos aprendizes; (3º) sistemas de avaliações: hoje mais flexíveis, por desempenho de cada estudante, valorizando-se trabalhos em equipe e competências; (4º) avaliação institucional em sintonia com Planejamento de Desenvolvimento Institucional; (5º) desafio de se construir um curso no Amazonas, pelo Amazonas e para o Amazonas. Essas discussões são antigas (década de 80), tendo sido iniciadas nos congressos da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) e depois chegaram ao Ministério da Educação e INEP. Do MEC tem vindo as Diretrizes (DCN-2001 e DCN-2014), passando a exigir formação do médico mais “generalista”, subordinando-se nas necessidades epidemiológicas locais, priorizando a visão sociocêntrica e a atuação no SUS, procurando diminuir a atuação hospitalocêntrica (tanto em nível do mundo da formação, como no mundo do trabalho). Vieram os Provões do MEC na era FHC (década de 90). Logo a seguir surgiu o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação das Escolas Superiores). Nossos estudantes foram submetidos a rigorosas avaliações através do ENADE. Outras avaliações foram feitas no projeto pedagógico, corpo docente e infraestrutura. Fomos surpreendidos com resultados pouco satisfatórios nos anos 2004 e 2007, razão de visitas e auditorias federais. Tivemos que fazer inúmeras readequações, revitalizações e melhorias em praticamente todos os nossos procedimentos, incluindo a implantação de um novo currículo, marcado com forte apoio da UFAM em todos os sentidos. Tivemos um marcante esforço e trabalho dos professores. Por outro lado os alunos responderam extraordinariamente bem no próximo ENADE de 2010. O resultado foi exitoso, colocando-nos no 75º lugar entre 200 escolas! Passamos a ser considerados o melhor curso de medicina do Norte do Brasil. O que será de nosso futuro? Certamente procuraremos a cada dia a busca da excelência de qualidade. Preocupa a todos a eterna falta de investimento e poucos recursos governamentais destinados para a educação, dramaticamente exuberados neste ano de 2015 (governo de Dilma Roussef), uma vez que não existe educação de qualidade sem recursos, sem investimento. Prof. Dr. Dirceu Benedicto Ferreira Diretor da Faculdade de Medicina da UFAM | 13 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 GRUPO MUSAS: PROMOÇÃO DA SAÚDE COM UM GRUPO DE MULHERES NO ÂMBITO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NA CIDADE DE MANAUS-AM GROUP MUSAS: HEALTH PROMOTION WITH A GROUP OF WOMEN IN THE CONTEXT OF FAMILY HEALTH STRATEGY IN MANAUS CITY Bárbara Misslane da Cruz Castro,* Magda Sudário Pinheiro,** Érica dos Santos Navegante* Resumo Objetivos: Descrever as atividades educativas realizadas com um grupo operativo de mulheres – MUSAS (Mulheres Saudáveis), criado no âmbito da Atenção Básica, no Módulo de Saúde da Família Dr. Silas de Oliveira Santos, localizado na zona leste da cidade de Manaus, através da abordagem de temas referentes à promoção da saúde da mulher, no período de abril a maio de 2013. Metodologia: Trata-se de um relato de experiência acadêmica vivenciado por enfermeiras, residentes em enfermagem obstétrica nas atividades do Programa de Pós-graduação em Residência em Área Profissional da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). No desenvolvimento das atividades do grupo MUSAS realizou-se rodas de conversas, oficinas, palestras e dinâmicas, com ênfase em terapia comunitária descrita por Paulo Freire e no trabalho com grupos operativos de PichonRivière. Resultados: Os resultados foram positivos, uma vez que dinâmicas proporcionaram um espaço de diálogo entre as mulheres. As discussões baseadas em dinâmicas facilitaram o processo de ensino-aprendizagem e de troca de experiências entre as participantes. Percebeu-se, ao longo dos encontros, que as mulheres encontravam-se mais alegres, empolgadas, empoderadas, com aspiração a descoberta de novos conhecimentos e práticas em saúde. Conclusão: No grupo – como espaço que possibilita as formações de vínculos, de identificações e de diferenciações – trabalha-se com a subjetividade e com a singularidade de cada um de seus integrantes. Os grupos caracterizam-se por ser um espaço de escuta, em que o coordenador indaga, pontua e problematiza as falas, dando oportunidade aos seus integrantes pensarem, falarem de si e poderem elaborar melhor suas próprias questões. Palavras-chave: da Mulher; Saúde da Família; Promoção da Saúde. Abstract Goals: To describe the educational activities carried out at an operating group of women - MUSAS (Healthy Women), established under the Primary Care in Family Health Module Dr. Silas de Oliveira Santos, located on the east side of the city of Manaus, through the issues relating to the promotion of women’s health approach, from April to May 2013. Methodology: This is an academic experience reported by nurses, residents in midwifery in the activities of the Graduate Program in Housing Professional Area in the Federal University of Amazonas (UFAM). In the development of the group’s activities MUSAS held circle conversations, workshops, lectures and dynamic, with an emphasis on community therapy described by Paulo Freire and working with operative groups of Pichon- *Enfermeira residente do Programa de Residência em Área profissional em Saúde da Universidade Federal do Amazonas. ** Psicóloga. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. | 14 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 GRUPO MUSAS: PROMOÇÃO DA SAÚDE COM UM GRUPO DE MULHERES NO ÂMBITO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NA CIDADE DE MANAUS-AM Rivière. Results: The results were positive, because dynamics have allowed a dialogue among women. Dynamic-based discussions facilitated the process of teaching-learning and exchange of experiences among participants. It was noticed over the meetings, women found themselves more joyful, excited, empowered with suction the discovery of new knowledge and health practices. Conclusion: In the group - a space that allows the formation of bonds, identification and differentiation - we work with subjectivity and the uniqueness of each one of its members. The groups are characterized by being a listening space, where the coordinator asks, scores and discusses the lines, giving opportunity to its members think, speak for themselves and are better able to develop their own questions. Keywords: Women’s Health; Family Health; Health Promotion Introdução sua singularidade, na complexidade, na integralidade e na inserção sociocultural e Na década de 1980, a saúde da mulher – como busca a promoção de sua saúde, a prevenção e uma das prioridades do governo brasileiro – tratamento de doenças e a redução de danos ou limitava-se ao cuidado voltado para o período de sofrimentos que possam comprometer suas gravídico-puerperal. Diante dessa contestação, possibilidades de viver de modo saudável.4 em 1984, o Ministério da Saúde criou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher A Estratégia Saúde da Família (ESF) é o modelo (PAISM), que surgiu da necessidade de ampliar assistencial daAtenção Básica, que se fundamenta essa política pública visando à consolidação no trabalho de equipes multiprofissionais em um de estratégias básicas de assistência integral à território adstrito e desenvolve ações de saúde a saúde da mulher, incluindo ações educativas, partir do conhecimento da realidade local e das preventivas, de diagnóstico, tratamento e necessidades de sua população. O modelo da recuperação, aplicadas permanentemente e de ESF busca favorecer a aproximação da unidade maneira não repetitiva, tendo como objetivo de saúde das famílias, promover o acesso a melhoria dos níveis de saúde das mulheres aos serviços, possibilitar o estabelecimento de vínculos entre a equipe e os usuários, a brasileiras.1 continuidade do cuidado e aumentar – por Nessa perspectiva, o Ministério da Saúde meio da corresponsabilização da atenção – a instituiu a Política Nacional de Atenção à capacidade de resolutividade dos problemas de Saúde da Mulher com base nos princípios da saúde mais comuns, produzindo maior impacto descentralização das ações, regionalização, na situação de saúde local.5 equidade na atenção e participação comunitária para modificar e melhorar a assistência à saúde Nesse contexto a ESF é responsável pelo da mulher brasileira, buscando principalmente desenvolvimento de ações que promovam a a maior atenção em todas as fases da vida da humanização da assistência à saúde da mulher e a qualidade da atenção, bem como as condições população feminina.2 essenciais para o estabelecimento de vínculos As diretrizes dessa política buscam consolidar os entre sujeitos, ainda que possam apresentaravanços na atenção obstétrica, no planejamento se muito distintos conforme suas condições familiar, na atenção ao abortamento, no combate sociais, raciais, étnicas, culturais e de gênero.6 à violência doméstica e sexual, agregando, também, a prevenção e o tratamento de Alguns desafios para a ESF são de garantir a doenças sexualmente transmissíveis e a atenção qualidade da atenção à saúde da mulher – às mulheres com HIV, assim como as portadoras respeitando seus direitos humanos, dentro de um marco ético que garanta a integralidade da de doenças crônico-degenerativas.3 sua assistência e seu bem-estar –, bem como de A Atenção Básica considera o sujeito em identificar problemas e dispor de mecanismos | 15 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Castro et al resolutivos que possibilitem atender às suas demandas.6 perímetro de 4.480 metros, divididos em vinte e uma microáreas. A escuta, a responsabilização e a criação de vínculos com a inserção da abordagem de gênero oferecem à mulher possibilidades de serem sujeitos e de que devem fazer parte de um projeto de reorganização das práticas direcionadas pela integralidade do cuidado.7 A unidade abrange três equipes de Estratégia Saúde da Família – L111, L112, L138 –, compostas de vinte e três agentes comunitários de saúde (ACS), duas enfermeiras, três técnicas de enfermagem, dois médicos, uma cirurgiãdentista, um auxiliar de consultório dentário e uma assistente social. Desse modo, através de uma análise das características socioculturais de mulheres da área adstrita do Módulo de Saúde da Família Dr. Silas de Oliveira Santos emergiu a necessidade de promover ações em saúde, que fortaleçam e promovam o empoderamento da população feminina voltadas ao autocuidado e à qualidade de vida. Portanto, esse estudo teve como objetivo descrever as atividades educativas realizadas com um grupo operativo de mulheres – MUSAS (Mulheres Saudáveis) –, criado no âmbito da Atenção Básica, no Módulo de Saúde da Família Dr. Silas de Oliveira Santos, localizado no bairro São José Operário, zona leste da cidade de Manaus, através da abordagem de temas referentes à promoção da saúde da mulher, incluindo temáticas que envolvem autoestima, autocuidado, importância da realização do exame colpocitológico e do autoexame das mamas. Metodologia Trata-se de um relato de experiência acadêmica vivenciado por enfermeiras, residentes em enfermagem obstétrica nas atividades do Programa de Pós-graduação em Residência em Área Profissional da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), junto ao Módulo de Saúde da Família Dr. Silas de Oliveira Santos, localizado no bairro São José Operário, conjunto Castanheira, zona leste da cidade de Manaus-AM. A atividade foi realizada no período de abril a maio de 2013. O módulo de Saúde da Família Dr. Silas de Oliveira Santos foi inaugurado no dia 26 de novembro de 2007, situado no loteamento castanheira, bairro São José, zona leste de Manaus. Possui estrutura de 400 metros quadrados, área adstrita de 965.860 metros quadrados, em um A estrutura física da unidade é composta por uma recepção, uma sala de espera, quatro consultórios, um consultório ginecológico, uma sala de vacina, três consultórios odontológicos, um escovódromo, uma sala de curativo, uma farmácia, uma sala para ACS, quatro banheiros e uma sala de almoxarifado. Durante as atividades assistenciais voltadas à saúde da mulher, observou-se a necessidade da criação de um grupo de mulheres, que buscasse atender além das demandas assistências. A partir dessa visão ampliada, a equipe de residentes criou um grupo de mulheres, intitulado MUSAS –Mulheres Saudáveis –, com o objetivo de tratar de informações referentes à saúde da mulher. Para a criação do grupo contou-se com a participação de profissionais-facilitadores, na figura das enfermeiras e dos agentes comunitários de saúde. O grupo MUSAS foi coordenado por quatro enfermeiras residentes e duas enfermeiras da unidade. As atividades educativas aconteceram na própria unidade, no turno da tarde, com duração de duas horas. A opção foi pelo período da tarde, pois as mulheres já cumpriram com seus “afazeres do lar”, estando disponíveis para participarem das atividades. Criou-se um ambiente alegre e descontraído, favorecendo a participação e a aprendizagem. Buscou-se fortalecer o autocuidado e a promoção da saúde das mulheres, contribuindo para o aumento da autonomia e cidadania. A pesquisa ocorreu por meio de observação participante, ou seja, “o pesquisador inserese no grupo observado tornando-se parte dele, buscando compartilhar o cotidiano dos sujeitos | 16 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 GRUPO MUSAS: PROMOÇÃO DA SAÚDE COM UM GRUPO DE MULHERES NO ÂMBITO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NA CIDADE DE MANAUS-AM de modo a captar os seus conflitos e tensões e sentir-se na mesma situação.” Na observação participante a interação social deve ser compreendida, sendo preciso atentar para o aspecto ético e o perfil íntimo das relações sociais, ao lado de suas tradições, costumes e a importância que lhe são atribuídos os sentimentos do grupo na compreensão de sua vida, verbalizado pelos próprios.8 pela jornada tripla do dia a dia – de mãe, esposa e trabalhadora. Participaram do grupo quinze mulheres, com média de idade entre 20 a 65 anos. A dinâmica desse encontro intitulou-se O que me representa como pessoa. Utilizou-se uma caixa com vários objetos: maquiagem, perfume, secador de cabelo, panela, óculos, celular, brinco, pulseiras, lingerie, chupeta, mamadeira, fogão, carteira, gravata etc. Estes No desenvolvimento das atividades do grupo objetos visavam representar o cotidiano da MUSAS realizou-se rodas de conversas, oficinas, mulher em seus diversos papéis na sociedade. palestras e dinâmicas, com ênfase em terapia A caixa passava pelas mãos de cada mulher e comunitária descrita por Paulo Freire e no cada uma delas escolhia um objeto que mais a trabalho com grupos operativos de Pichon- representassem. Rivière.16-20 O tema do segundo encontro foi O que eu sou? As mulheres que compuseram o grupo operativo, Nesse encontro contou-se com a participação de denominado MUSAS, eram provenientes das vinte e três mulheres, com idade entre 25 a 53 consultas de enfermagem. Sendo o referido anos. A dinâmica desse encontro foi intitulada grupo um espaço de diálogo aberto entre Dinâmica do conhecimento do eu interior. profissional e cliente, o que remetia a Utilizou-se uma caixa com um espelho fixado necessidade de informações em saúde por meio ao fundo. A caixa passava pelas mãos de cada de uma escuta atenta e qualificada. mulher com o propósito de induzir as mesmas a se virem no espelho e interpretarem a sua Nas consultas eram oferecidas às mulheres autoimagem através do reflexo do espelho. convites com atividades pré-agendadas e temáticas pré-definidas. No processo de Observou-se – na primeira dinâmica – que a divulgação os agentes comunitários de maioria das mulheres escolheu objetos que saúde tiveram papel relevante, visto que faziam alusão as figuras de mãe e de esposa. na oportunidade das visitas domiciliares Alguns relatos verbais referiram a preocupação entregavam convites do grupo nas residências. com a família (situação conjugal, brigas etc.) No primeiro encontro foi firmado um contrato e com os filhos (escolaridade, profissão, com o grupo – constituído por quinze mulheres –, constituição de caráter e de pessoa). de que a demanda seria espontânea, com quatro encontros quinzenais, no período vespertino, Os resultados foram positivos, uma vez com duração de duas horas. que as duas dinâmicas, acima descritas, proporcionaram um espaço de diálogo entre As temáticas foram abordadas e as dinâmicas as mulheres. Todas participaram ativamente construídas de acordo com a participação no grupo. Muitas referiram esquecer-se de das mulheres envolvidas nesse processo, si mesmas e projetavam seus objetivos no sendo os valores e os saberes de cada mulher crescimento e desenvolvimento dos filhos, valorizados e reconhecidos, exercendo papel de quando não se dedicavam ao lar e ao marido. potencialidade dentro do grupo. Através da realização dessas atividades pudemos observar que muitas têm problemas conjugais, que são mulheres subjugadas, sem Resultados empoderamento de suas próprias vidas. O tema do primeiro encontro foi Resgatando a Deusa Interior. Tratando-se do resgate da No terceiro encontro participaram vinte e sete autoestima da mulher, muitas vezes esquecida mulheres, com idade entre 19 a 47 anos. Utilizou| 17 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Castro et al se como método de abordagem a temática da prevenção do câncer de mama e a importância do autoexame. Foram utilizados dois aventais com protótipos de mamas, dispostos no centro de um círculo. Conforme os aventais eram repassados às mulheres, uma a uma os vestiam. De olhos fechados as mulheres eram indagadas sobre a representatividade daquelas mamas para a sua vida, durante todo o seu ciclo de crescimento, desenvolvimento e reprodutivo. Como último momento da atividade, as mulheres eram solicitadas a apalparem “suas mamas” (protótipos), e com base nos “achados” da palpação eram indagadas sobre o diagnóstico de câncer de mama. da mulher sem receber necessariamente uma valorização especial. No quarto encontro foi abordada a temática do câncer de colo de útero e a importância do exame de Papanicolau (preventivo) através da dinâmica Fala Sério ou Com Certeza. Inicialmente as mulheres foram dispostas sentadas em cadeira sob a forma de um júri. Para cada participante foram dadas duas plaquinhas, uma na cor verde e outra na cor vermelha. A atividade foi coordenada por duas facilitadoras, onde uma fez a contagem dos pontos de cada participante e a outra, as perguntas. A facilitadora – responsável pela atividade – fez Na retratação da autoimagem das mamas, as perguntas sobre as condições para a realização mulheres descreveram o modo como o corpo do exame preventivo e a importância da se apresenta para elas. Pudemos observar que prevenção. De acordo com a resposta certa, na grande parte das participantes descreveu a concepção das mulheres, as mesmas levantavam importância das mamas na adolescência como a plaquinha verde (“com certeza”), quando a descoberta da sexualidade, o crescimento e o resposta era considerada errada levantavam a desenvolvimento do corpo, o uso de sutiã, o plaquinha vermelha (“fala sério”). atrativo para os parceiros e o sentido de ser mulher. Já no período reprodutivo-gestatório Percebeu-se, portanto, nesse último encontro, a retratação das mamas ganhou outra visão, que as mulheres pouco conheciam sobre os considerada fonte de alimentação ao bebê, em efeitos devastadores do câncer de colo de útero. virtude da dependência de outro ser. Elas acreditavam que a realização do exame preventivo era primordial para o diagnóstico de Os seios simbolizam a maternidade e a vaginoses e doenças sexualmente transmissíveis, sensualidade feminina, o que justifica o temor compreendendo em menor importância a das mulheres de perdê-los.9 Nesse sentido, realização para fins de detecção e prevenção buscou-se desvelar os sentimentos das mulheres do câncer de colo de útero. A dinâmica permitiu com suposto diagnóstico de câncer de mama elucidar a importância do exame, bem como as em relação à sua autoimagem e autoestima. condições e periodicidade para sua realização, Ao apalparem as próteses de mamas e se virem desmistificando mitos e inverdades. com nódulos, as mulheres relataram muito medo do câncer de mama, por conta da sua Discussão alta frequência e, principalmente, pelos efeitos psicológicos devastadores, que afetam a visão A Estratégia da saúde da família (ESF) é que têm de sua feminilidade. caracterizada pela multidisciplinaridade do trabalho em equipe. Uma das principais Relatos referentes à preocupação de rejeição dos maridos e/ou namorados foi constante ferramentas para promoção da saúde, na fala das pacientes. As falas mostraram a prevenção (primária e/ou secundária) de representatividade da mama para a mulher como doenças e integralidade é o trabalho em grupo, símbolo de beleza e erotismo.19 Ao contrário em especial dos grupos operativos. dessa representatividade, alguns depoimentos refletiram um outro significado. Nesses, as Nos cotidianos dos serviços de saúde observamamas eram percebidas como uma estrutura se a carência de grupos operativos, seja pela que, juntamente com outras, compõe o corpo demanda e sobrecarga de serviços de saúde, seja pela descontinuidade na participação pela | 18 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 GRUPO MUSAS: PROMOÇÃO DA SAÚDE COM UM GRUPO DE MULHERES NO ÂMBITO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NA CIDADE DE MANAUS-AM própria comunidade. A técnica de grupos operativos descrita por Pichon-Rivière consiste em um trabalho com grupos, cujo objetivo é promover o processo de aprendizagem para os sujeitos envolvidos. “Aprender em grupo significa uma leitura crítica da realidade, uma atitude investigadora, uma abertura para as dúvidas e para as novas inquietações”.10 participarem de um grupo com outras mulheres do bairro, por si, já contribui para a promoção da saúde das mulheres, pois o grupo promove, além de tudo, a integração e socialização das pessoas.12 Nos encontros, buscou-se identificar os interesses e necessidades das participantes, que devem ser valorizados. Os temas das atividades educativas devem partir da própria realidade dos envolvidos e não devem ser previamente Os grupos trabalham na dialética do ensinar- estabelecidos pelos profissionais, a demanda aprender; o trabalho em grupo proporciona deve ser colocada de forma espontânea e a uma interação entre as pessoas, onde elas partir das necessidades do grupo.13 tanto aprendem como também são sujeitos do saber, mesmo que seja apenas pelo fato da sua Cada encontro propiciou um espaço de trocas, experiência de vida; dessa forma, ao mesmo em que as mulheres tiveram liberdade para tempo que aprendem, ensinam”.11 compartilhar e trazer suas queixas relacionadas ao casamento, tais como: dificuldade de Pode-se pensar os grupos voltados para a comunicação com o cônjuge, falta de prazer promoção da saúde, como estratégias ou nas relações sexuais, perda de autoestima, espaços, onde possa se fazer uma escuta, para desvalorização como mulher, maternidade, as necessidades das pessoas. Os grupos devem dificuldade de relacionamento familiar e se configurar, como espaços onde as pessoas sintomas de depressão. possam falar sobre seus problemas, e buscar soluções, conjuntamente com os profissionais, A dinâmica sobre retratação da autoimagem das de forma que a informação circule, da mamas foi a que causou maior impacto sobre experiência técnica à vivência prática das o ponto de vista das mulheres. O objetivo da pessoas que adoecem.9 atividade era de promover o entendimento da importância da prevenção e do autocuidado, A mulher é a usuária mais assídua dos serviços além de despertar a mulher para o “mundo” de saúde, seja na figura de cliente seja como que é vivenciar todo o processo de adoecimento acompanhante. Assume também o papel de e recuperação, para ter respaldo quanto ao cuidadora na sociedade – de familiares e até enfrentamento da doença, valorizando a vida e mesmo dos vizinhos. Partindo do pressuposto de amando a si mesma. que essa mulher sofre discriminação nas suas relações de trabalho e sobrepeso de tarefas A importância atribuída às mamas faz com que domésticas, acaba tornando-se mais vulnerável exerçam forte influência na vida da mulher. Pelos não só pelos fatores biológicos, mas também seus atributos da beleza feminina compõem a pelos sociais.12 imagem corporal da mulher, fazem parte da sua identidade sexual e são indispensáveis à função Assim sendo, o grupo MUSAS teve utilidade e da maternidade.14 representação como um espaço de diálogo entre mulheres e profissionais de saúde. Ao Na dinâmica do Fala Sério ou Com Certeza? Foi mesmo tempo em que os encontros tiveram utilizada uma abordagem diferenciada, através papel significativo no processo de ensino- de um jogo de perguntas e respostas. Essa aprendizagem que eles representaram, proposta propiciou as mulheres o esclarecimento também, um momento terapêutico e de lazer de dúvidas e questionamentos sobre a prevenção para as mulheres, que diariamente têm uma do câncer de colo de útero. Observamos que rotina cansativa e estressante no cuidado com o método lúdico favorece o estreitamento de o seu lar e com a família. Portanto, o fato de laços entre os sujeitos e o compartilhamento de | 19 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Castro et al experiências de vida, sendo considerada uma ferramenta importante no processo de ensino e aprendizagem.15 então, oferecer subsídios para a complementação desses saberes e/ou transformar saberes preexistentes. Para que as pessoas possam fazer escolhas mais saudáveis de vida, é necessário Foi prazeroso ver a interação das mulheres e que haja um processo de interação entre o a troca de experiências. As mesmas puderam, conteúdo teórico e a experiência de vida de então, expor suas queixas e dúvidas sobre o cada um e o estabelecimento da confiança e da tema, o que possibilitou o estabelecimento de vinculação do usuário ao serviço de saúde e ao uma dialética em grupo de modo a construir o profissional.17 saber necessário à prevenção e à longevidade com mais qualidade de vida. Dessa forma, as As mulheres relataram suas intenções para atividades de educação em saúde prosseguiram mudanças de atitudes que favoreçam a no sentido de possibilitar às mulheres da prevenção do câncer de colo de útero e de comunidade construir um saber a respeito desse mama, embasadas no conhecimento constituído tema por meio de um diálogo capaz de desvelar no encontro, mediante as dinâmicas aplicadas. o conhecimento científico sobre o tema à Esses métodos de abordagem podem ser população local. classificados como elementos constituintes da Terapia Comunitária (TC) descrita por Paulo As dinâmicas foram propostas de acordo com Freire.18 as técnicas de grupo operativo e de terapia comunitária. Na Terapia Comunitária os sujeitos compartilham experiência de vida (medos, angústias, receios No grupo operativo há a presença e intervenção etc.), onde uns aprendem com os outros, ninguém de um coordenador, que indaga e problematiza, ensina ninguém, o aprendizado é construído. estabelecendo algumas articulações entre as A cada encontro novas experiências e ideias falas e os integrantes, sempre direcionando o vão surgindo acompanhadas de possibilidades grupo para a tarefa comum e um observador de enfrentamento diante de sofrimentos e/ou que registra o que ocorre na reunião, resgata carências.18-20 a história do grupo e depois analisa com o coordenador os pontos emergentes, o Acredita-se que a experiência foi de grande movimento do grupo em torno da tarefa e os importância como exemplo de ação para papéis desempenhados pelos integrantes.16 promoção da saúde da mulher, permitindo troca de experiências entre os profissionais e a A técnica de grupo operativo foi utilizada população feminina, retomando a importância com o objetivo de articular a integração do autocuidado e da qualidade de vida. Sem das participantes em grupo. A coordenadora dúvida, a proposta dos grupos operativos de do grupo, dentro das MUSAS, atuou como Pichon-Rivière e a terapia comunitária – sob a facilitadora do processo de interação, utilizando perspectiva de Paulo Freire – são instrumentos a terapia comunitária como pressuposto da capazes de construir redes sociais solidárias, construção coletiva. de fortalecimento das competências dos atores sociais e do despertar desses sujeitos para o seu As discussões baseadas em dinâmicas facilitaram papel transformador. o processo de ensino-aprendizagem e de troca de experiências entre as participantes. Percebeu- Os encontros não têm, necessariamente, se, ao longo dos encontros, que as mulheres um direcionamento para temas específicos. encontravam-se mais alegres, empolgadas, As pessoas falam livremente, estabelecem empoderadas, com aspiração a descoberta de interações umas com as outras e partilham novos conhecimentos e práticas em saúde. experiências comuns. No grupo – como espaço que possibilita as formações de vínculos, de As discussões valorizaram o conhecimento prévio identificações e de diferenciações – trabalha-se dos sujeitos, identificando seus saberes, para, com a subjetividade e com a singularidade de | 20 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 GRUPO MUSAS: PROMOÇÃO DA SAÚDE COM UM GRUPO DE MULHERES NO ÂMBITO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NA CIDADE DE MANAUS-AM cada um de seus integrantes. Os grupos caracterizam-se por ser um espaço de escuta, em que o coordenador indaga, pontua e problematiza as falas, dando oportunidade aos seus integrantes pensarem, falarem de si e poderem elaborar melhor suas próprias questões. Sem dúvida a escuta, a responsabilização e a criação de vínculos com a inserção da abordagem de gênero oferecem à mulher possibilidades de serem sujeitos e devem fazer parte de um projeto de reorganização das práticas direcionadas pela integralidade do cuidado. Nesse sentido, faz-se necessário que o profissional de saúde aborde a mulher a sua inteireza, considerando a sua história de vida, os seus sentimentos e o ambiente em que vive, estabelecendo uma relação entre sujeito e sujeito e valorizando a unicidade e individualidade de cada caso e de cada pessoa. Muitos dos sintomas manifestos pela mulher mascaram problemáticas subjacentes. Por isso, em vez de fazer uma série de rápidas perguntas, específicas e fechadas é importante encorajar a mulher a falar de si. A partir deste estudo com um grupo operativo de mulheres, esperamos contribuir com a construção e a implementação de um novo modelo de prática de educação em saúde no âmbito da estratégia saúde da família, revelando resultados positivos com metodologias de ensino-aprendizagem construídas com base no diálogo e na participação dos sujeitos. Referências 1. Osis, MJMD. Paism: um marco na abordagem da saúde reprodutiva no Brasil. Cad. 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Nunes JM, Oliveira EM, Vieira NFC. Grupo | 21 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Castro et al de mulheres na comunidade: (re)construindo saberes em saúde. Cad. saúde colet. vol.21 no.3 Rio de Janeiro July/Sept. 2013. 13. Hoga LAK, Reberte LM. Pesquisa-ação como estratégia para desenvolver grupo de gestantes: a percepção dos participantes. Rev Esc Enferm USP. 2007;41:559-66. 14. Jesus MV, Soratto MT, Ceretta LB, Schwalm MT, Zimermann KCG, Dagostim VS. As vivências da mulher com câncer frente à mastectomia. Revista Saúde e comunidade. 2013 9 (3): 195206. 15. Acker JIBV, Cartana MHF.Construção da participação comunitária para a prevenção de acidentes domésticos infantis. Rev Bras Enferm. 2009;62(1):64-70. 16. Pichon-Rivière, E. Teoria do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1988. 17. Alves GG, Aerts D. As práticas educativas em saúde e a Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(1):319-25. 18. 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O presente trabalho teve como objetivo analisar as percepções e significados da Leptospirose entre os trabalhadores da limpeza urbana no município de Manaus-AM, através de um estudo descritivo, transversal, junto aos trabalhadores que atenderam aos critérios de inclusão. As percepções e significados da Leptospirose entre os trabalhadores foram diversos, desde interpretações confusas e evasivas, a condenação à morte com a aquisição da doença. Verifica-se que há necessidade de novos estudos que ampliem o entendimento dos riscos laborativos daqueles engajados nas ações de limpeza urbana pública de Manaus. Palavras-chave: Leptospirose; significados; trabalhadores; limpeza urbana. Abstract Leptospirosis, classically, has been linked to certain occupational categories as workers in slaughterhouses, animal handlers, veterinary physician and urban cleaning. The risk of exposure to a particular grievance is influenced by the individual judgments, because humans have different perceptions about the risks to which they are exposed. This study aimed to analyze the perceptions and meanings of Leptospirosis among workers in urban cleaning in Manaus city (AM), through a descriptive, cross-sectional study with workers who fit the inclusion standard. Perceptions and meanings of Leptospirosis among workers was different: from confused and evasive interpretations to the death sentence with the acquisition of disease. It confirms that there is need for further studies that increase understanding of employees’ risks those engaged in public urban cleaning actions of Manaus. Keywords: Leptospirosis; meanings; workers; urban sanitation. *Aluna do Programa de Pós-graduação em Biologia Urbana pela Universidade Nilton Lins. ** Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz em Manaus e professora visitante da Philips University fo Marburg, Alemanha e membro do corpo docente do Programa Multiinstitucional (UFAM/FIOCRUZ) de Pós Graduação Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). | 23 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 PERCEPÇÕES E SIGNIFICADOS DA LEPTOSPIROSE ENTRE TRABALHADORES DA LIMPEZA URBANA DE MANAUS-AM Introdução do gênero, classe social, escolaridade, cultura e outras variáveis sociais que modulam a Leptospirose é uma doença infecciosa aguda exposição ao risco. Assim, não há como que acomete o homem e animais, causada por conceber uma avaliação de riscos desconexa das micro-organismos do gênero Leptospira. Sua crenças, interpretações e reações dos sujeitos transmissão acontece em humanos, por meio envolvidos.6 do contato com a urina de animais selvagens ou domésticos, infectados por esses micro- Como a transmissão desse agravo é mediada, não somente pelas condições de trabalho, mas organismos.1 também pelo conhecimento dos trabalhadores A Leptospirose ocorre em áreas urbanas e sobre o problema e pela percepção que fazem rurais, principalmente em regiões tropicais dele, os estudos de percepção do risco são e subtropicais. No Brasil, ocorre durante relevantes para a pesquisa. O risco varia de todos os meses do ano em todas as regiões acordo com a percepção de cada indivíduo,6 do país, predominantemente nos meses com uma vez que os seres humanos possuem distintas elevados índices pluviométricos principalmente percepções acerca dos riscos aos quais estão em centros urbanos, onde há aglomeração expostos. O estabelecimento do risco pode populacional de baixa renda, em condições ser objetivo,7 mas a percepção e aceitação inadequadas de saneamento e alta infestação dependem dos aspectos culturais e pessoais de cada indivíduo. A percepção do risco, as por roedores.2 ideias8 e ações empreendidas para prevenção, A Leptospirose tem sido associada3 a são fenômenos culturalmente construídos e determinadas categorias ocupacionais como: interpretados. trabalhadores em abatedouros, tratadores de animais, médicos veterinários e saneamento A produção de pesquisas correlatas a esse ambiental. Profissionais envolvidos com enfoque representa um aporte capaz de atividades de saneamento apresentam risco suplementar a tomada de decisões no âmbito considerável de contrair Leptospirose, pois das políticas públicas. Este trabalho tem por têm contato direto com elementos do meio objetivo, analisar as percepções e significados ambiente, facilmente contamináveis pela urina da Leptospirose dentre os trabalhadores da limpeza urbana do município de Manaus-AM. de roedores.4 Em relação aos serviços de saneamento, estão expostos à infecção não só os trabalhadores da rede de abastecimento de água e de esgotos, como também os da limpeza pública, coletores de lixo e varredores. No Brasil essas atividades costumam ser manualmente executadas, sem apoio de equipamentos de segurança e de proteção individuais, por mão de obra desqualificada e mal remunerada, o que aumenta ainda mais o risco dos trabalhadores contraírem a infecção.4 Métodos Trata-se de pesquisa descritiva, de corte transversal, realizada no período de setembro de 2013 a maio de 2014 no município de Manaus-AM. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, com perguntas abertas e fechadas, aplicada aos trabalhadores ocupados na limpeza urbana da cidade. A população de estudo, fornecida pela Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos Os seres humanos possuem uma peculiar (Semulsp), era constituída por trabalhadores capacidade de alterar o ambiente a seu favor, que realizavam atividades de limpeza urbana bem como para responder a ele, gerando e nos seguintes locais: aterro sanitário; banheiros reduzindo ou criando riscos à saúde.5 As atitudes públicos; cemitérios; compostagem; capina e frente à exposição ao risco variam de acordo pintura; limpeza dos igarapés e na varrição de com a percepção que cada indivíduo tem sobre ruas, totalizando na época 732 participantes. ele, porque ela é bastante variável a depender | 24 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 PERCEPÇÕES E SIGNIFICADOS DA LEPTOSPIROSE ENTRE TRABALHADORES DA LIMPEZA URBANA DE MANAUS-AM Foram incluídos na pesquisa todos os trabalhadores dos locais acima mencionados e que aceitaram participar da pesquisa. Foram excluídos os trabalhadores da área administrativa, os que possuíam desvio de função, além dos trabalhadores que não aceitaram responder ao questionário. éticos da pesquisa, havendo concordância em participar, era entregue, para assinatura, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As respostas quantificáveis foram registradas em planilha Excel, por meio do qual foram aplicados os procedimentos de análises estatísticas descritivas (média, desvio-padrão, frequência) Para compor a amostra, a população foi com a finalidade de caracterizar a amostra. estratificada conforme os locais de trabalho, utilizando margem de erro de 5% e nível A análise das resposta descritivas baseou-se na de confiança de 95% e a distribuição da proposta de análise de conteúdo de determinado amostra foi feita considerando a amostragem autor.10 estratificada pelas proporções. Com base nesse procedimento, participaram da pesquisa 193 Este estudo fez parte da dissertação de mestrado profissionais que estavam em pleno exercício da Análise e percepção de riscos à saúde em função, após serem devidamente esclarecidos. trabalhadores da limpeza urbana no município Destes, foram avaliados a percepção de 176 de Manaus-AM apresentada ao Programa de Póspessoas que disseram que já ouviram falar em Graduação em Biologia Urbana da Universidade Leptospirose. Nilton Lins, Manaus-AM, Brasil, em agosto de 2014. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de A entrevista semiestruturada continha três Ética em Pesquisa da Universidade Nilton Lins grandes categorias de análise (Identificação; recebendo parecer favorável nº 380.094 em 02 Informações laborativas e de percepção de de setembro de 2013, tendo sido seguido todos risco; Medidas de Proteção), as quais foram os requisitos da Resolução nº 466/2012-CNS. distribuídas perguntas abertas e fechadas que compunham o roteiro de investigação. O Resultados roteiro utilizado foi adaptado do utilizado por determinado autor.9 Os principais dados sobre a percepção de riscos A aplicação da entrevista ocorreu em diversos pontos da cidade onde os participantes estavam escalados para realizar as tarefas. Antes de iniciar a entrevista, os trabalhadores eram informados sobre os objetivos e os aspectos estão apresentados na Tabela 1, na qual se observou que 170 (88,1%) dos participantes acham que o seu trabalho pode lhe causar algum problema de saúde e 157 (81,3%) acreditam que o seu trabalho está relacionado a algum tipo de risco à vida e à saúde. | 25 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Abinader et al Tabela 1: Indicadores Sociais e Percepção de Risco pelos Entrevistados A Tabela 2 apresenta o panorama de percepção dos 176 trabalhadores que disseram que já ouviram falar em Leptospirose. Tabela 2: Os conhecimentos sobre Leptospirose. Frequência das respostas dos trabalhadores (n= 176). | 26 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 PERCEPÇÕES E SIGNIFICADOS DA LEPTOSPIROSE ENTRE TRABALHADORES DA LIMPEZA URBANA DE MANAUS-AM As respostas sobre a fonte de informação acerca de Leptospirose estão sistematizadas na Tabela 3. Tabela 3: Sobre a Leptospirose. Fonte de Informação sobre a doença. Frequência das respostas dos trabalhadores (n= 176). Discussão âmbito, é muito elevado o conhecimento dos entrevistados sobre a possibilidade de Na divisão dos trabalhadores por sexo, transmissão da mesma em seu labor diário, o predomínio é de mulheres (62,2% dos já que 91% dos entrevistados, afirmaram ter entrevistados), corroborando a constatação ouvido falar em Leptospirose, que é reconhecida da literatura, que aponta maior presença de através de codificantes populares (doença do mulheres em trabalhos mais precários, com xixi do rato, doença do mijo do rato, doença do menor remuneração e sem perspectivas de rato, dentre outras), adequados para descrever a principal característica do mecanismo de ascensão funcional e social.11 transmissão da doença. Os achados relativos à escolaridade são congruentes com o esperado para tarefas com baixa valorização social, havendo predomínio de pessoas com menos de oito anos de escolaridade e até mesmo analfabetos (totalizando 68,5% dos respondentes nessa condição). O perfil encontrado é similar ao de outros estudos de percepção de risco,12,13 sendo que, em Manaus, os índices de escolarização são ainda mais baixos que os encontrados pelos autores supracitados. A prevalência de percepção negativa do estado de saúde pelos entrevistados em Manaus (64,2%) foi bem mais elevada que a encontrada em outro estudo14 (11,8%) que avaliou a percepção do estado de saúde e fatores associados em industriários de Santa Catarina. Cabe ressaltar, que se entende como percepção negativa, o juízo negativo do trabalhador sobre determinado agravo, juízo este, que é influenciado pelas características socioeconômicas e relacionado ao contexto ao qual o sujeito está inserido na sociedade. A ocorrência de Leptospirose é agravo de interesse para este tipo de trabalhador. Nesse Entre os trabalhadores, a periculosidade da Leptospirose é bem reconhecida e expressa mediante o uso de termos como “veneno”, “leva para o buraco,” “não tem remédio” e outros. São achados similares aos achados da literatura15 que afirma, pela intensidade da fala do gari, forte expressão de medo de contrair alguma infecção na lide com os resíduos; naquela pesquisa os trabalhadores se referem a tais doenças como estados graves e não passíveis de cura com o uso de medicação e/ ou tratamento. Em Manaus, os entrevistados identificam a Leptospirose como uma doença incurável, que não existe tratamento e leva à morte. Se fizermos uma analogia com os critérios de outro estudo sobre percepção16 podemos inferir que houve uma leitura distante do trabalhador acerca da Leptospirose, que podem estar inclusas dentro das respostas confusas e evasivas, perfazendo uma frequência total de 41 repetições (Tabela 2). Tal fato é comprovado na fala: “Essas doenças atacam muito os ossos, né? As juntas, e é essa doença que eu sofro, de | 27 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Abinader et al manhã as juntas incham”. Ressalta-se aqui, que se buscou saber qual a leitura dos participantes acerca de Leptospirose. Os participantes informaram que já ouviram sobre o agravo em diversos meios (conforme Tabela 3), mas ainda assim, possuíam leituras distantes, sobre a questão, corroborando com o fato de que a percepção é influenciada por contextos de escolaridade, e inserção social do indivíduo. Conclusão Verifica-se que há necessidade de novos estudos que ampliem o entendimento dos riscos laborativos daqueles engajados nas ações de limpeza urbana pública de Manaus, com vistas à subsidiar implantação de medidas efetivas de prevenção à Leptospirose e outras doenças, aprimorando a proteção à saúde desses trabalhadores. Agradecimentos À FAPEAM, pela concessão da bolsa de estudos, fundamental, para custear as despesas da execução da pesquisa. À Universidade Nilton Lins, por proporcionar o Programa, para a realização do curso de Mestrado. A todos os funcionários da Semulsp, que foram essenciais para a execução do trabalho. Referências 1. Jesus MS, Silva LA, Lima KMS, Fernandes OCC. Cases distribution of leptospirosis in City of Manaus, State of Amazonas, Brazil, 20002010. Rev Soc Bras Med Tropical. 2012; 45(6): 713-716. 2. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Vigilância em saúde: zoonoses. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. 224p. 3. Acha PN, Szyfres B. Zoonoses y enfermidades transmisibles comunes ao hombre y a los animales. 2nd ed. Washington: OPS, 1986. 989 p. 4. Almeida LP, Martins LFS, Brod CS, Germano PML. Levantamento soroepidemiológico da leptospirose em trabalhadores do serviço de saneamento ambiental em localidade urbana da região sul do Brasil. Rev Saúde Pública. 1994; 28 (1): 76-81. 5. Soares JFS, Vaz MRC, Sassi RAM, Almeida TL, Baisch ALM, Soares MCF, Costa VZ. 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Relataremos o caso de uma paciente Testemunha de Jeová cujos preceitos religiosos sustentam a recusa da transfusão de sangue sendo feita a opção pela nefrectomia radical laparoscópica. Palavras-chave: Nefrectomia Radical laparoscópica, Tumor renal, Testemunha de Jeová. Abstract The laparoscopic nephrectomy was introduced in urological setting for more than a decade, there is an increasing acceptance in the urological community because it mimics open surgery with regard to the principles cancer, but aims to an improvement of the functional parameters, causing the laparoscopic procedure constitutes, currently, a preferable alternative for the patient. We will discuss this case report, a Jehovah’s Witness patient whose religious precepts sustain the refusal of blood transfusion. Keywords: Laparoscopic Radical Nephrectomy, kidney cancer, Jeovah Witness. Introdução Diversas técnicas têm sido utilizadas para o tratamento da perda volêmica transoperatória em pacientes Testemunhas de Jeová, pois estes recusam recebimento de sangue e hemoderivados.3 A otimização de um nível adequado de hemoglobina no perioperatório associado à abordagem cirúrgica minimamente invasiva são importantes fatores para se evitar transfusões sanguíneas nesse grupo de pacientes.4,5 Será relatado paciente Testemunha de Jeová massa sólida em rim esquerdo nefrectomia radical por acesso sem necessidade de transfusão operatório. um caso de portadora de submetida a laparoscópico trans e pós- Relato de Caso Paciente MNBL, 62 anos, gênero feminino, natural do Ceará e procedente de Manaus (AM), Instituição: Hospital Universitário Getúlio Vargas / Serviço de Urologia. | 30 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 NEFRECTOMIA RADICAL LAPAROSCÓPICA EM PACIENTE TESTEMUNHA DE JEOVÁ: UMA OPÇÃO DE TRATAMENTO MINIMAMENTE INVASIVA parda, viúva, Testemunha de Jeová, referindo há 6 meses dor em andar superior do abdome com irradiação para região lombar esquerda associada a perda ponderal de 6 kg desde o início do quadro. Negava comorbidades e história familiar de neoplasias. Ultrassonografia de abdômen total, demonstrando imagem hipoecóica de textura sólida medindo 5,0 x 3,8 cm, localizada em terço médio renal. O estudo da lesão foi complementado com tomografia helicoidal de abdômen a qual evidenciou nódulo de contornos lobulados e realce irregular pós-contraste endovenoso, mais evidente em periferia na fase arterial, interessando o terço médio do rim esquerdo, abaulando os contornos da face lateral, medindo 3,9 x 3,7 x 3,4 cm. (Figura 1). Foi também realizado estudo vascular renal por meio de angiorressonância dos vasos abdominais (Figura 2) indispensável para programação da abordagem minimamente invasiva – nefrectomia parcial ou radical laparoscópica. A escolha do acesso laparoscópico levou em consideração uma menor possibilidade de sangramento, transfusão e a religião da paciente, que proíbem o uso de sangue e seus derivados e mesmo transfusões autólogas. Figura 1: TC - Imagem Hipodensa com realce periférico ao contraste Figura 2: Angio-RM – demonstrando artéria renal única à esquerda e dupla à direita | 31 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Halinski et al No pré-operatório da paciente, sua hemoglobina e hematócrito eram respectivamente 12,8 g/dl e 36,6%. Foram tomadas algumas precauções para melhor otimização hematológica: ácido fólico, vitamina B12 e sulfato ferroso 30 dias antes do procedimento elevando os níveis de hematócrito e hemoglobina para 41,7% e 13,9 g/ dl respectivamente. A cirurgia transcorreu sem intercorrências com identificação da artéria e veia renal esquerda procedendo-se a ligadura primeiramente da artéria para um melhor A controle hemostático seguido da ligadura da veia renal (Figura 3) e exérese da peça cirúrgica com endo-bag. O tempo de cirurgia foi de 2h com um sangramento de 220 ml. A paciente recebeu alta hospitalar no 2º dia após a cirurgia com hemoglobina de 12,5 g/dl e hematócrito de 36,5%. A histologia demonstrou carcinoma de células renais do tipo células claras, grau II de Fuhrman, estádio patológico pT1aNxMx. B Figura 3: Clampeamento prévio da artéria renal D (A), seguido do clampeamento venoso (B), com hem-o-lock Discussão de eritropoietina recombinante, vitamina B12, ácido fólico e sulfato ferroso, também Os tumores sólidos renais são tratados contribuem para uma menor taxa de transfusão efetivamente através de cirurgia radical, visto em cirurgias dos pacientes testemunhas de serem neoplasias resistentes aos protocolos Jeová.3,4 Durante a cirurgia, pode ser utilizada a atuais de quimioterapia, imunoterapia e modalidade de recuperação celular (“cell saver”), radioterapia.6,7 A nefrectomia laparoscópica que se trata de um processo automatizado, em foi introduzida no cenário urológico há mais de que o sangue é colhido diretamente do campo uma década, tendo uma aceitação crescente, operatório, centrifugado, lavado, filtrado e pois mimetiza a cirurgia aberta no que toca aos reinfundido no doente. Porém, em cirurgias princípios oncológicos além de proporcionar oncológicos e infectadas, este procedimento uma melhora dos parâmetros funcionais e deve ser contraindicado, pois esse dispositivo baixas taxas de transfusão, fazendo com que não esteriliza ou elimina as células tumorais do o acesso laparoscópico constitua atualmente sangue a ser reinfundido.3 Nossa paciente fez no tratamento padrão das patologias renais e uso prévio somente de vitamina B12, sulfato ferroso, ácido fólico e hemodiluição no transadrenais benignas e malignas.8 operatório. Um criterioso controle hemostático durante a cirurgia é um fundamento básico, notadamente Neste relato, como se tratava de um tumor em pacientes Testemunhas de Jeová cuja localizado de 3,9 x 3,7 x 3,4 cm, onde poderia religião não permite o uso de sangue e seus ter sido utilizada a nefrectomia parcial derivados como terapia de reposição.3 Técnicas aberta ou laparoscópica, sendo descrita na de hemodiluição, uso pré e pós-operatório literatura atual como abordagem de escolha | 32 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 NEFRECTOMIA RADICAL LAPAROSCÓPICA EM PACIENTE TESTEMUNHA DE JEOVÁ: UMA OPÇÃO DE TRATAMENTO MINIMAMENTE INVASIVA nos tumores T1 (<7 cm) porém, com maior risco de complicações hemorrágicas trans e pós-operatórias.8 Por opção da paciente, o procedimento realizado foi nefrectomia radical por acesso laparoscópico sem necessidade de transfusão, sendo mantidos os princípios oncológicos e uma ótima recuperação da paciente. Os trabalhos atuais comparando os acessos aberto e minimamente invasivos para realização de nefrectomias radicais e parciais, deixam claros uma menor taxa de dor, necessidade analgésico, de ambulação e períodos de internação mais reduzidos e convalescença mais precoces.7,8,9,10 Os acessos laparoscópico e laparoscópico assistido por robô e single port, vêem sendo empregados cada vez mais na prática urológica moderna, tendo em vista os resultados e benefícios a curto e longo prazo,9,10 assim como a redução da morbidade pós-operatória e os melhores resultados estéticos, inclusive após remoção de grandes peças cirúrgicas. 3. Pasic M, D’Ancona G, Unbehaun A, Hetzer Roland - Bloodless third complex heart operation in a Jehovah’s Witness patient with extremely low preoperative haemoglobin level. Interact CardioVasc Thorac Surg 14: 692-693, 2012. Apesar dos resultados iniciais serem encorajadores, séries maiores utilizandose técnicas minimamente invasivas na abordagem de pacientes Testemunha de Jeová são aguardadas no sentido de se oferecer um tratamento cada vez mais seguro e individualizado para esse grupo de pacientes. 7. Pietzak EJ, Guzzo TJ - Advancements in Laparoscopic Partial Nephrectomy: Expanding the Feasibility of Nephron-Sparing - Review Article. Advanc Urol 10:1-8, 2012. 4. Spahn DR, Leone BJ, Reves JG, Pasch T. Cardiovascular and coronary physiology of acute isovolemic hemodilution: a review of monoxigen-carrying and oxygen-carrying solutions. Anesth Analg 78:1000-1021, 1996. 5. Nagarsheth N, Sharnder A, Malovany R, Jausheng T, Ibrahim I. Bloodless surgery in a Jehovah’s Witness patient with a 12.7-kg uterine leiomyosarcoma. J Surg Educ 64: 212-9, 2007. 6. Rosette J, Sternberg JNC, Van Poppel PAH. Renal Cell Cancer: Diagnosis and Therapy. N Engl J Med 360:1916-1917, 2009. 8. Reifsnyder JE, Ramasamy R, FS Shahrokh, Del Pizzo JJ, Scherr DS - Laparoscopic and Open Partial Nephrectomy: Complication Comparison O preparo hematológico pré-operatório é Using the Clavien System. JSLS 16:38–44, 2012. fundamental para o manejo de pacientes Testemunhas de Jeová submetidos a cirurgias de 9. Bazzi WM, Stroup SP, Kopp RP, Cohen grande porte, associado à utilização de técnicas SA, Sakamoto K, Derweesh IH - Comparison minimamente invasivas (acesso laparoscópico) of Laparoendoscopic Single-site and Multiport comprovadamente associado a menores índices Laparoscopic Radical and Partial Nephrectomy: de sangramento e necessidade de transfusão. A Prospective, Nonrandomized Study. Urology (12): 794-7, 2012. Referências Bibliográficas 1. McDougall EM, Clayman RV, Elashry OM - Laparoscopic Radical Nephrectomy for Renal Tumor: The Washington University Experience. J Urol 155 (4):1180-1185,1996. 10. 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O padrão usual de sua ramificação é a trifurcação, porém, pode haver ainda divisão incompleta ou bifurcação e mais raramente ausência completa de tronco celíaco. O conhecimento de uma anatomia variável, tem significado clínico importante no planejamento e execução em cirurgias abdominais, como em transplante hepático, cirurgias laparoscópicas; procedimento arterial invasivo e procedimentos radiológicos no abdome superior. O objetivo através deste relato é apresentar uma rara condição: a ausência congênita do tronco celíaco; diagnóstico, neste caso, feito através de angiotomografia computadorizada multslice. Palavras-chave: Artéria Celíaca, Tronco Arterial, anormalidades, Artéria Esplênica, Artéria Mesentérica Superior, tomografia computadorizada multidetectores. Abstract The celiac trunk, first major branch of the abdominal aorta, supplies the main anatomic structures of the foregut with arterial blood: liver, stomach, spleen, pancreas and superior half of the duodenum. The usual pattern of its branching consists in three main divisions, although it can be presented with two branches or complete absence. The knowledge of anatomic variations of this important structure is vital on the planning and execution of a large variety of abdominal surgeries, liver transplant, endovascular and interventional radiology procedures of the upper abdomen. The objective of this case report is to present a rare condition: the congenital absence of celiac trunk diagnosed by computed tomography angiography. Keywords: Celiac Artery, Artery Trunk, abnormalities, Splenic Artery, Superior Mesenteric Artery, multidetector computed tomography. Introdução O tronco celíaco é um ramo visceral ímpar da artéria aorta abdominal, que se origina imediatamente abaixo do hiato aórtico do diafragma, ao nível da 12ª vértebra torácica-1ª vértebra lombar.¹,² Tem sido referido como um tronco curto e calibroso, variando, nos diferentes estudos, de cinco a 40 milímetros (mm) de comprimento e cinco a dez mm de diâmetro.³ Em pelo menos metade dos casos, após uma trajetória de um a três centímetros (cm), a *Residente do segundo ano de Cirurgia Geral pela Fundação Hospital Adriano Jorge **Residente do segundo ano de Cirurgia Geral pela Fundação Hospital Adriano Jorge e pós-graduado em Medicina da Família e Comunidade ***Médico Urologista pós-graduado em Medicina do Trabalho e pós-graduado em Ultrassonografia. ****Aluna de graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) *****Residente do primeiro ano de Cirurgia Geral pela Fundação Hospital Adriano Jorge | 34 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 AGENESIA DE TRONCO CELÍACO: RELATO DE CASO frente e acima da borda superior do pâncreas, ele se divide em três ramos: artérias gástrica esquerda, hepática comum e esplênica ou linear (lienal).1-5 O padrão usual é a trifurcação, porém, pode haver ainda divisão incompleta ou bifurcação e mais raramente ausência completa de tronco celíaco. As variações anatômicas e seu padrão de ramificação têm sido relatados por muitos autores.2,4,5 Qualquer um desses ramos pode originar-se separadamente da aorta ou da artéria mesentérica superior.¹ O tronco celíaco fornece suprimento arterial aos principais órgãos do compartimento abdominal supracólico: fígado, estômago, pâncreas, baço e parte superior do duodeno.6 O objetivo através deste relato é apresentar uma rara condição: a ausência congênita do tronco celíaco, achado ocasional durante exame tomográfico. Relato de Caso Paciente do sexo masculino, 33 anos, tabagista e etilista, relata que há +/- sete meses iniciou quadro de dor abdominal que se apresentou, durante a evolução, inicialmente em flanco direito, evoluindo após alguns meses difusamente pelo abdome e referida posteriormente em epigástrio e mesogástrio. Durante o período, foi submetido a exames de imagem – ultrassonografia de abdome total, trânsito e morfologia do delgado e tomografia computadorizada de abdômen, apendicectomia e a videolaparoscopia diagnóstica em busca da etiologia da dor, sem sucesso. Após cinco meses de investigação, seguindo então com a busca da etiologia da dor, o paciente foi submetido a doppler das artérias celíaca e mesentérica superior que mostrou importante distúrbio do fluxo na artéria celíaca e seus ramos (VPS = 357cm/s; VDF = 60,2cm/s; IR = 0,83), sugestivo de estenose (>70%) da arteria celíaca; e complementado com angiotomografia computadorizada multislice com contraste (Figura 1), de aorta abdominal que revelou, como variante anatômica, ausência de formação do tronco celíaco. Em sua topografia originavam-se, praticamente no mesmo nível, as artérias hepática comum e esplênica, sendo a hepática mais inferior cerca de 3,0 mm, com imagem de redução focal de calibre (estenose <50%) em sua origem, sem causa aparente ao método. A artéria gástrica esquerda originavase da artéria esplênica logo após sua origem. Figura 01: Reconstrução em 3D de Angiotomografia computadorizada de artéria aorta abdominal | 35 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Maciel et al Discussão sangue da aorta abdominal. O conhecimento de uma anatomia variável, como a do caso por Embora muitas variações anatômicas tenham nós apresentado, não parece ter relação com a sido descritas em diversos estudos, o padrão queixa do paciente, em vista de que as variantes de trifurcação do tronco celíaco em artéria anatômicas do tronco celíaco não costumam ter gástrica esquerda, hepática comum e esplênica repercussões clínicas e por ter sido um achado descrito pela primeira vez em 1756, era e ainda incidental, porém, tem significado clínico é considerado o aspecto normal.4,7 Relatórios importante no planejamento e execução em nas diversas populações apresentam achados uma cirurgia abdominal, como em transplante similares, o padrão usual de trifurcação foi hepático, cirurgia laparoscópica; procedimento encontrado entre 87,6%-90,70% dos indivíduos, arterial invasivo e procedimentos radiológicos enquanto a divisão incompleta ou bifurcação no abdome superior. Além disso, aumenta a taxa é vista entre 12,2%-17,9%, ausência de tronco de sucesso e diminui o risco de complicações.4,6,9 celíaco é visto em 0,19-0,2% dos casos.2,6,8 O primeiro caso de agenesia do tronco celíaco foi descrito em 1832 e desde então houve apenas 14 casos de tal variação relatados na literatura médica. Mostrando dessa forma, a raridade do caso por nós relatados.4 O tronco celíaco é a artéria da parte caudal do intestino anterior.¹ As artérias vitelinas, inicialmente, um número de vasos emparelhados que suprem o saco vitelino, gradualmente fundem-se e formam as artérias localizadas no mesentério dorsal do intestino. Em adultos são representadas pelo tronco celíaco, artéria mesentérica superior e mesentérica inferior. Estes vasos suprem os derivados do intestino anterior, intestino médio e intestino posterior, respectivamente.3-6,8 A ausência de tronco celíaco tem sido considerada uma alteração de base embriológica, devido à persistência das raízes dos segmentos ventrais arteriais que originam os três ramos que formam o tronco celíaco e o desaparecimento da anastomose longitudinal ventral que as comunica.4,6,8 No presente estudo, é possível que as raízes dos segmentos ventrais não tenham regredido, e as anastomoses longitudinais tenham regredido completamente, sem os conectar. A origem separada dos ramos celíacos, partindo da aorta abdominal, pode ser devido à persistência da segunda e terceira raízes. O tronco celíaco é uma estrutura cirurgicamente significativa, proveniente da aorta abdominal; os ramos deste tronco arterial suprem os principais órgãos intra-abdominais supracólicos e por ele passa um volume significativo de Referências Bibliográficas 1. Gardner ED. O Abdome. In: Gardner ED. 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O tratamento com plasmaférese, prednisona e ciclofosfamida deve ser prontamente instituído evitando dano renal permanente. Pacientes não tratados têm prognóstico ruim, com elevada chance de evolução para insuficiência renal crônica (IRC) dialítica em alguns meses, ou mesmo óbito. Relataremos um caso de SG em um homem de 63 anos, iniciando com sintomas atípicos seis meses antes do diagnóstico, anticorpo anti-MBG negativo, ANCA+, mas com biópsia positiva para enfermidade. Palavras-chave: Síndrome de Goodpasture, Síndrome Pulmão-rim, hemorragia pulmonar, insuficiência renal aguda. Abstract Goodpasture syndrome (GPS) is a rare disease which is classically in the context of diffuse alveolar hemorrhage (DAH) associated with acute kidney injury, nephritis and non-nephrotic proteinuria, plus the presence of circulating antibodies anti-glomerular basement membrane (anti-GBM ab). The diagnosis is made by biopsy, but serological tests can be used as indirect immunofluorescence and ELISA. The Anti-neutrophil cytoplasmic antibodies (ANCAs) can be positive, whether or not associated with vasculitis ANCA related. The treatment with plasmapheresis, prednisone and cyclophosphamide should be administered promptly to avoid permanent renal damage. Untreated patients have poor prognosis, with a high chance to progression for dialysis and Chronic kidney disease (CKD) in a few months, or even death. We report a GPS case in a 63 years man, beginning with atypical symptoms six months before diagnosis, negative anti-GBM antibody, ANCA+, but with positive biopsy for disease. Keywords: Goodpasture syndrome, diffuse alveolar hemorrhage, Chronic kidney disease. *Médico residente de Clínica Médica do HUGV - UFAM ** Médica residente de Nefrologia do HUGV - UFAM ***Médico Nefrologista / preceptor e assistente da residência de clínica médica e Nefrologia | 38 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 RELATO DE CASO: SÍNDROME DE GOODPASTURE Introdução O tratamento com plasmaferese, prednisona e ciclofosfamida deve ser prontamente instituído, pois melhoram a função renal e reduzem a mortalidade que é extremamente elevada nesses pacientes.10 Espectro da Síndrome pulmão-rim (SPR), a SG é caracterizada pela presença de anticorpos anti-MBG, resultando em glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) e HAD.1,2 Os anticorpos produzidos são geralmente da classe Objetivamos demonstrar um caso de SG no qual IgG, contra o domínio NC1 da cadeia alfa-3 do apesar do tempo entre o início dos sintomas e diagnóstico, e anticorpo anti-MBG negativo, colágeno tipo IV.3,4 apresentava história clínica compatível e A incidência aproximada é 1 caso para cada 1 biópsia característica desta enfermidade. milhão de pessoas por ano, com aparecimento bimodal em consoante à idade e diferenças com Relato de Caso relação ao gênero: primeiro pico em homens na 3a década de vida e segundo pico igual em ambos Paciente do sexo masculino, 63 anos, previamente os sexos, a partir da 6a década.2,4 Jovens têm hígido, apresentando, há 6 meses, quadro de mais quadros clássicos e idosos têm mais nefrite hemoptise acompanhado de febrícula vespertina isolada. Infecções virais, o uso de cocaína, associado a náuseas com início há quatro meses. tabagismo e exposição a hidrocarbonetos são Realizou várias consultas médicas, uma das considerados possíveis fatores desencadeantes.5 quais foi iniciado tratamento para tuberculose com COXCIP-4, sem melhora. Dois meses antes O acometimento renal da SG é similar a da internação hospitalar, constatou-se perda outras formas de GNRP.6 As lesões pulmonares da função renal e apresentação de sintomas manifestam-se clinicamente por dispneia, urêmicos. Ex-etilista social e ex-tabagista, tosse e hemoptise.7 Por existir casos sem abstêmio há aproximadamente 6 meses e 20 acometimento pulmonar (40% dos casos), ou anos, respectivamente. com lesão pulmonar isolada (5%), chama-se Doença de Goodpasture (DGP) apenas casos Na admissão, encontrava-se em bom estado com lesão renal mais HAD associada e anti-MBG geral, anictérico, acianótico, hipocorado, positivo (50%).1 hidratado, sem linfoadenomegalias e sem edemas. Estável hemodinamicamente. Aparelho Pacientes com quadro clínico sugestivo devem respiratório com murmúrio levemente diminuído ser encaminhados à biopsia renal. Em raríssimos em bases com subcrepitantes. Demais aparelhos casos a biópsia pulmonar indicada.8 Outros dentro da normalidade. testes como imunofluorescência indireta ou ELISA podem ser usados, caso a biópsia esteja Exames laboratoriais: anemia normocrômica contraindicada ou por outros motivos deva ser e normocítica; leucograma e plaquetograma atrasada; levando em consideração a variável normais. Creatinina 4,93mg/dL, ureia de 74 acurácia dos testes sorológicos dependentes mg/dL, potássio de 5,6 mEq, velocidade de dos kits utilizados e do quantitativo de sedimentação de 14 mm/h. FAN: não reagente, anticorpos circulantes nos pacientes. Por anti-DNA não reagente, c-ANCA: reagente. conta das manifestações clínicas parecidas e p-ANCA: negativo. Complemento e crioglobulina frequente associação com as vasculites, testes dentro da normalidade. Gasometria venosa para anticorpo anti-citoplasma de neutrófilos sem alterações e pesquisas negativas para HIV, (ANCA) devem ser realizados em todos os hepatites B e C. Ausência de BAAR no escarro casos.9 Diagnósticos diferenciais dessa síndrome em 2 amostras. incluem Lupus Eritematoso Sistêmico (LES), Granulomatose de Wegener (GW), Síndrome Urina I: 8 piócitos/campo, incontáveis hemácias de Henoch-Schönlein, Poliarterite Nodosa e por campo. Urina 24h: Diurese: 1560 ml. Crioglobulinemia. Depuração de Creatinina: 11,6ml/min/1,73m2. Proteinúria 24h: 797mg/24h. Teste com ácido | 39 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Rebelo et al sulfossalicílico urinário revelou ++ de proteína. Exames de imagem: radiografia de tórax com infiltrado bilateral inespecífico. Tomografia computadorizada de tórax apresentando imagem em vidro fosco e consolidações lobares (Figura A e B). A ultrassonografia renal mostrou rins isoecogênicos em relação ao fígado e relação córtico-medular preservada. Rim direito medindo 9,3 cm e o esquerdo 8,9 cm. internação submetido a corticoterapia com metilprednisolona 1000 mg/dia, por três dias consecutivos, mantendo após prednisona 60mg/dia. Na terceira semana de internação foi submetido a 1ª sessão de plasmaférese por não apresentar melhora da função renal, e não se ter o resultado do anticorpo anti-MBG. Em dois meses foi submetido a 14 sessões de plasmaferese enquanto aguardava resultado do anti-MBG, que veio negativo após esse período. Feita biópsia renal mostrando 60% dos glomérulos Nesse período evoluiu com infecção da esclerosados e fibrose intersticial (Figura C). corrente sanguínea relacionada a cateter de A imunofluorescência direta foi positiva para duplo lúmen fazendo uso de antibioticoterapia anticorpo antimembrana basal glomerular, com com Vancomicina 1g a cada 48h por 14 dias e depósitos difusos lineares de C3 e intensos de picos tensionais elevados, com melhora após IgG (Figura D). uso de losartana potássica. Recebeu alta com diagnóstico de GP, estável, com necessidade Tratamento, evolução, intercorrências e de programa regular de hemodiálise e uso de desfecho durante a internação: foi mantido prednisona 60mg/dia. Não houve recuperação em hemodiálise, iniciada há uma semana da função renal. da admissão hospitalar e no sétimo dia de A B Figura A e B - Tomografia computadorizada de tórax - opacidade em vidro fosco em lobos inferiores, mais espessamento de septos interlobulares e consolidação em lobo superior esquerdo e médio direito, sugerindo hemorragia alveolar. C D Figura C: biópsia renal – presença de glomérulos esclerosados (60%) e outros com necrose segmentar do tufo capilar e crescentes fibrocelulares. O interstício apresentava fibrose em 30% da amostra, envolvendo túbulos atróficos, com focos de infiltrado linfomononucleado. Os demais túbulos apresentavam vacuolização, por vezes com cilindros hemáticos. Nas artérias havia fibrose intimal, além de hialinização das arteríolas. Figura D: Imunofluorescência direta - presença de anticorpo antimembrana basal glomerular, com depósitos difusos lineares de C3 e intensos de IgG. | 40 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 RELATO DE CASO: SÍNDROME DE GOODPASTURE Discussão Apresentações clínicas atípicas ou oligossintomáticas e doenças com evoluções mais arrastadas tendem a ser desafiadoras para o médico investigador. Por outro lado, períodos de incubação menores e quadros com maior número de sintomas facilitam às descobertas diagnósticas, na grande maioria das vezes infelizmente já com a doença avançada e limitações ao tratamento. No caso apresentado, os sintomas iniciais sugeriam fortemente localização predominante de origem pulmonar, fato que motivou a busca de doenças como a tuberculose, descartadas durante a investigação. Com a consequente perda da função renal em ritmo acelerado, a constelação clínica compositora da SPR tornouse mais evidente, buscando-se enfermidades como LES, GW, Síndrome de Henoch-Schönlein, Poliarterite Nodosa, Crioglobulinemia e SG. Após a negatividade do anticorpo anti-MBG e presença de c-ANCA, o diagnóstico de GW foi proposto, tamanha a relação deste anticorpo com GW.11 Em uma revisão com 88 pacientes que apresentavam hemorragia pulmonar e nefrite, 6 apresentaram somente anticorpos anti-MBG, 7 tinham ambos os anticorpos, e 48 apresentaram apenas ANCA+.12 Além disso, em uma série de casos publicados, a DGP foi responsavel por menos de 20% dos casos de GNRP.13 Apenas com a realização da biópsia, exibindo padrão clássico histológico, o diagnóstico SG foi definido.14 Observar que mesmo na ausência de anti-MBG, a SG pode estar presente.15 A detecção no soro de ANCA sugere associação com vasculites sistêmicas, mas nem sempre manifestas,15 como no relato. Tanto em SG como GW a base do tratamento é indução da remissão com terapia imunossupressora, e manutenção do tratamento por um período variável; ressaltando a necessidade da plasmaférese no caso da SG.16,17,18 Segundo alguns relatórios, desfechos para IRC ou morte foram 40% menor quando tratados com plasmaférese mais imunossupressão. Em contrapartida, somente um pequeno percentual de pacientes é diagnosticado precocemente. Em uma série de casos descritos com 67 pacientes, diálise ou morte ocorreram em mais de 90%.19 Noutro, de 32 pacientes com a síndrome de Goodpasture, 29 evoluíram para IRC em menos de seis meses.20 O prognóstico é pior naqueles com oligúria, fibrose avançada (mais de 50% de crescentes na biópsia renal), creatinina superior a 5,7 mg/mL ou a necessidade de diálise.2 Neste relato em questão, a demora no diagnóstico (6 meses) e retardo do início do tratamento foi fundamental para perda definitiva da função renal. Referências Bibliográficas 1. 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KDOQI US commentary | 42 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 INSUFICIÊNCIA AÓRTICA CRÔNICA SECUNDÁRIA À DILATAÇÃO DA RAÍZ DA AORTA EM ADOLESCENTE COM ARTERITE DE TAKAYASU - RELATO DE CASO CHRONIC AORTIC REGURGITATION SECONDARY TO DILATION OF THE AORTIC ROOT IN ADOLESCENTS WITH TAKAYASU ARTERITIS - CASE REPORT Raisa França Ribeiro*, Ana Carolina dos Santos Pinto*, Ana Carolina Santos Silva*, Carla Diniz Nascimento Santos*, Renayra Tallita Luciano Alonso Coimbra*, Gabriela Silva Vasconcelos** Resumo A Insuficiência aórtica (IA) é uma condição em que existe refluxo de sangue da aorta para o ventriculo esquerdo (VE) durante a diástole ventricular, devido a uma incompetência do mecanismo de fechamento valvar aórtico. Relata-se o caso de um paciente, adolescente, admitido com quadro clínico sugestivo de IA importante e com comprometimento da função cardíaca. Exames complementares confirmaram, posteriormente, o dignóstico de IA secundária à dilatação da raiz da aorta, sendo Arterite de Takayasu a doença de base. Segue-se uma revisão sobre o assunto, dando-se ênfase sobre as possíveis condições associadas à dilatação da raiz aórtica. Palavras-chave: Insuficiência aórtica; Arterite de Takayasu; Dilatação da raiz da aorta. Abstract Aortic insufficiency (AI) is a condition in which there is a backflow of blood from the aorta to the left ventricle (LV) during ventricular diastole due to an incomplete closing of the aortic valve mechanism. We report a case of a teenager patient admitted with clinical conditions suggestive of an important AI and with damage of cardiac function. Investigations confirmed later the diagnosis of IA secondary to dilatation of the aortic root, being Takayasu arteritis the underlying disease. The following is a review of the subject, with emphasis on the possible conditions associated with dilation of the aortic root. Keywords: Ovary; Teratoma; Ovarian neoplasms. Aortic insufficiency; Takayasu arteritis; Dilation of the aortic root Introdução A IA crônica geralmente se desenvolve de maneira lenta e insidiosa, com uma morbidade muito baixa durante uma longa fase assintomática. Alguns pacientes permanecem assintomáticos por décadas e raramente necessitam de abordagem terapêutica. Outros, no entanto, exibem progressão da lesão regurgitante com desenvolvimento gradual de disfunção sistólica * Residente de Clínica Médica no Hospital Universitário Getúlio Vargas **Residente de Reumatologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas | 43 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 INSUFICIÊNCIA AÓRTICA CRÔNICA SECUNDÁRIA À DILATAÇÃO DA RAÍZ DA AORTA EM ADOLESCENTE COM ARTERITE DE TAKAYASU - RELATO DE CASO do VE e eventualmente insuficiência cardíaca (IC)1. deformidades, ventrículo direito palpável, íctus de VE visível e palpável no sétimo espaço intercostal esquerdo, na linha axilar anterior. À Essa condição pode manifestar-se como uma ausculta, ritmo cardíaco regular em 3 tempos complicação da Arterite de Takayasu (AT), uma (presença de terceira bulha), segunda bulha vasculite de grandes vasos, autoimune, que hipofonética, sopro sisto-diastólico audível afeta preferencialmente a artéria aorta e seus em foco aórtico, 6+/6+, com irradiação para principais ramos. fúrcula, carótidas e todo o precórdio, com frêmito palpável. Pulmões com murmúrio Este relato tem o objetivo de retratar o caso de vesicular fisiológico e crepitações em bases, um paciente que esteve internado no HUGV com mais evidentes à direita. Abdome com sopro clínica de IA e que preencheu, posteriormente, audível em topografia de aorta abdominal. critérios diagnósticos de AT. Extremidades sem edemas, pulsos periféricos simétricos e em martelo d’água, boa perfusão capilar, com presença do Sinal de Quincke. Relato de Caso Paciente, masculino, 18 anos, cursando há 2 meses com tosse produtiva e dor em ardência em região retroesternal intermitente, que melhorava ao decúbito ventral. Negava febre, perda ponderal ou outros sintomas. Evolui com hemoptóicos e dor torácica precordial atípica, sendo admitido no HUGV. Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, acianótico, eupneico em repouso, com presença de Sinal de Musset e sinais vitais estáveis (dentre eles a concomitância entre as Pressões arteriais de ambos os membros superiores). Tórax sem Radiografia de tórax evidenciava cardiomegalia e sinais de aumento atrial esquerdo - Sinal da bailarina e duplo contorno (Figura 1). Eletrocardiograma com ritmo sinusal, FC: 83 pbm, intervalo PR de 0,20 segundos, eixo do complexo QRS entre +60 e +90 graus, sinais de sobrecarga ventricular e atrial esquerda. Exames laboratorias de admissão (Hemograma, ionograma, bioquímica, provas de atividade inflamatória) dentro da normalidade e sorologias (Anti-HIV, VDRL e hepatites virais) negativas. Figura 1: Radiografia de tórax | 44 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 INSUFICIÊNCIA AÓRTICA CRÔNICA SECUNDÁRIA À DILATAÇÃO DA RAÍZ DA AORTA EM ADOLESCENTE COM ARTERITE DE TAKAYASU - RELATO DE CASO O Ecocardiograma transtorácico revelou dilatação da raiz de aorta (52 mm) com regurgitação importante; aumento de cavidades esquerdas com disfunção sistólica global de grau moderado (Fração de ejeção de 39% pelo método Teicholz); Aumento das dimensões de átrio esquerdo de grau leve (41mm) e Hipertensão pulmonar de grau moderado (Pressão sistólica da artéria pulmonar estimada em 62 mmHg). evidenciou: Espessamento e calcificações parietais da aorta e dos troncos supraaórticos, com aspecto bastante sugestivo de doença do colágeno; Aneurisma fusiforme da Aorta ascendente, incluindo o seio de Valsalva; Aneurismas no tronco braquiocefálico e na artéria subclávia esquerda; úlceras ateroescleróticas penetrantes na croça da aorta; Dilatação aneurismática difusa dos segmentos descendentes médio e distal da Confirmado, portanto, diagnóstico de IA aorta, estendendo-se ao segmento abdominal secundária à dilatação de raiz da aorta com até a altura aproximada do tronco celíaco e insuficiência cardíaca sistólica de VE. dilatação aneurismática fusiforme da aorta infrarrenal (Figura 2). Solicitada angiotomografia de aorta, que Figura 2: Angiografia de Aorta | 45 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Ribeiro et al Na ocasião aventou-se a hipótese diagnóstica de AT, já que o mesmo preenchia 4 critérios de classificação para tal, de acordo com a Classificação do American College of Rheumatology (ACR), de 19902 (Tabela 1): Idade de instalação da doença inferior a 40 anos, sopro sobre artéria aorta em topografia abdominal, alterações na arteriografia (estreitamento/espessamento da aorta) e claudicação de extremidades (evidenciada durante o acompanhamento ambulatorial com o serviço de Reumatologia) permitindo, portanto, a conclusão diagnóstica dessa vasculite como sendo a causa da IA apresentada pelo paciente. Durante o acompanhamento ambulatorial foi mantido o tratamento com Captopril, Furosemida e Carvedilol e iniciado Prednisona e Metotrexate, objetivando um melhor controle sintomatológico e redução das recidivas das agudizações do quadro. Discussão A AT é uma vasculite crônica de etiologia desconhecida que envolve artérias de grande e de médio calibres, incluindo a aorta e seus principais ramos, além de artérias pulmonares e coronárias. O gênero mais acometido é o feminino (80 a 90% dos casos), com faixa etária de início entre 10 a 40 anos de idade. Tal informação corrobora a importância deste relato, que chama a atenção para o acometimento masculino, não usual. A AT, em suas fases iniciais, apresenta manifestações inespecíficas, como febre, malestar, artralgias e emagrecimento. Nesta fase, o diagnóstico é muito difícil de ser feito, mas, com a evolução e quando as manifestações do acometimento vascular dominam o quadro clínico, essa possibilidade diagnóstica não pode ser esquecida.3 A fase inicial dessa vasculite caracteriza-se pelo espessamento da parede da aorta, com ou sem alterações do lúmen arterial. O processo inflamatório é destrutivo/degenerativo e leva, numa fase tardia, a alterações do lúmen arterial, caracterizadas por estenose, oclusão/ trombose, coarctação atípica, dilatação e/ ou aneurismas. Com frequência predominam a estenose e obstrução, mas dilatação e aneurismas não são raros.4 O caso em questão apresenta além do espessamento da aorta, dilatações aneurismáticas de vários segmentos dessa artéria, assim como aneurisma de artéria subclávia esquerda. Para o diagnóstico dessa condição, segue-se a proposta da ACR2, que desenvolveu os critérios a seguir. A positividade de 3 ou mais desses critérios apresenta uma Sensibilidade de 90.5% e Especificidade de 97.8% para o diagnóstico desta Vasculite. Critério Tabela 1: Critérios de Arterite de Takayasu.2 | 46 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 INSUFICIÊNCIA AÓRTICA CRÔNICA SECUNDÁRIA À DILATAÇÃO DA RAÍZ DA AORTA EM ADOLESCENTE COM ARTERITE DE TAKAYASU - RELATO DE CASO A IA, que tem inúmeras outras causas, é caracterizada por uma falha na coaptação dos folhetos da valva aórtica durante a diástole, provocando refluxo de sangue da aorta para o VE.5 No caso em questão, uma das queixas mais frequentes do paciente era dor torácica atípica e já demonstrava, no momento da internação, sinais de IC. As manifestações clínicas da IA dependem da severidade da lesão, do tempo de evolução, de patologias concomitantes e da função ventricular esquerda.5 O paciente pode queixar sintomas inespecíficos como sensação de desconforto por percepção de batimentos cardíacos ou dor torácica atípica devido a uma interação mecânica entre o coração e a parede torácica, bem como pode apresentar sinais e sintomas decorrentes IC esquerda como dispnéia de esforço, ortopnéia, dispnéia paroxística noturna, e eventualmente edema pulmonar.9 Já o tratamento da AT é baseado em análises observacionais e em relatos de casos. Corticosteróides e imunossupressores são amplamente utilizados na tentativa de se induzir a remissão ou de se evitar a progressão das lesões arteriais na AT, mas sem comprovação por ensaios clínicos controlados e randomizados. Grande parte da dificuldade em se produzir evidências para o tratamento da AT reside na falta de parâmetros confiáveis para se avaliar a atividade da doença e por essa entidade ser bastante rara e muitas vezes subdiagnosticada.10 O exame físico em pacientes com IA crônica As principais etiologias variam de acordo é muitas vezes sugestivo e frequentemente com a população de estudo e em até 35% dos estabelece o diagnóstico. O pulso arterial na IA casos a causa é desconhecida.5 Nos países em crônica grave tem a característica de ter uma desenvolvimento, a causa mais comum de IA é elevação ampla e um colapso abrupto, dando a doença reumática, porém nos desenvolvidos, o aspecto palpatório do pulso em Martelo está mais frequentemente relacionada à d’água (pulso de Corrigan). Outras alterações dilatação da raiz da aorta ou presença de observadas são: pulsação da cabeça (Sinal de valva aórtica bicúspide congênita.6 No caso Musset), pulsação da úvula (Sinal de Muller), em questão, não foram visualizadas alterações pulsação de capilares subungueais (Sinal valvares ao ecocardiograma transtorácico, de Quincke) entre outros.1,9 Algumas dessas apenas dilatação significativa da raiz da aorta. alterações foram observadas no paciente, demonstrando a gravidade da IA. A aterosclerose da aorta ascendente é uma causa comum de IA crônica em adultos, tendo A terapêutica depende da causa base, função como principais fatores de risco a hipertensão cardiaca e da presenca ou não de sintomas. arterial sistêmica e dislipidemia. Doenças Na IA crônica, o tratamento medicamentoso degenerativas da camada média são as causas é baseado no uso de drogas vasodilatadoras mais comuns de dilatação envolvendo a arteriais pelos benefícios hemodinâmicos aorta torácica proximal. Apesar de a maioria como a redução da pós carga do VE, com dos casos ser de origem idiopática, certas consequente aumento do volume sistólico e desordens genéticas podem estar associadas, diminuição do volume regurgitante. Os mais como a Síndrome de Marfan. Acredita-se que os utilizados são os bloqueadores dos canais de casos de dilatações idiopáticas da raiz aórtica cálcio diidropiridínicos, hidralazina e inibidores representariam formas frustras dessa síndrome.7 da enzima de conversão da angiotensina. O Outras doenças do tecido conjuntivo associadas tratamento cirúrgico, mesmo em pacientes a necrose cística média são a síndrome de com acentuada redução da função ventricular Ehlers-Danlos e ectasia ânulo-aórtica.8 esquerda, leva a um aumento da FE e da sobrevida da maioria dos pacientes, sem progressão da Outras condições que acometem a raiz da aorta IC. Constitui o procedimento de escolha para são espondilite anquilosante, osteogênese tratamento da IA em pacientes sintomáticos ou imperfeita, atrite reumatoide, arterite de com disfunção ventricular,1 como o do caso em células gigantes e doença de Beçet. questão. | 47 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Ribeiro et al Referências 1. Tarasoutchi F, Montera MW, Grinberg M, Barbosa MR, Piñeiro DJ, Sánchez CRM et al. Diretriz Brasileira de Valvopatias - SBC 2011 / I Diretriz Interamericana de Valvopatias - SIAC 2011. Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl. 1): 1-67 2. Hunder GG, Arend WP, Michel BA, Bloch DA, Calabrese LH, Edworthy SM, et al. The American College of Rheumatology 1990 criteria for the classification of Takayasu’s arteritis. Arthritis Rheum. 1990;33:1129-34. 3. Borelli FAO, Gonzaga C, Lotaif L, Cordeiro A, Sousa MG, Passarelli Jr O et al. Arterite de Takayasu − Conhecer para diagnosticar. 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O objetivo deste estudo foi relatar o caso clínico de paciente do sexo masculino, com 12 anos de idade apresentando dispneia e pneumonias de repetição desde período lactente, diagnosticado com malformação adenomatoide cística pulmonar e operado no Serviço de Cirurgia Pediátrica do Instituto da Saúde da Criança do Amazonas (ICAM), em Manaus. Palavras-chave: Malformação Adenomatoide Cística Pulmonar; Dispneia; Pneumonia; Adolescente. Abstract Congenital malformations of the lung are rare diseases and they have several ways of clinics presentations and severities that depends on the degree of pulmonary involvement and location in the chest cavity. The clinical symptoms may appear at any age and they can be a significant source of morbidity and mortality in infants and children. We present a case of 12-years old male patient who complained of dyspnea and recurrent pneumonia since childhood, diagnosed with pulmonary cystic adenomatoid malformation and operated in Pediatric Surgery Department of Child Institute Amazon (ICAM) in Manaus. Keywords: Cystic Adenomatoid Malformation of Lung; Dyspnea; Pneumonia; Teenager. Introdução 100.000 habitantes por ano ou de 0,06-2,2% dos pacientes internados em hospitais gerais. As MACs são responsáveis por aproximadamente 2530% das malformações pulmonares congênitas, com um risco de insuficiência respiratória ao nascer em torno de 30% dos casos.2 A malformação adenomatoide cística pulmonar congênita é uma anomalia do desenvolvimento pulmonar e foi descrita como uma entidade clinica distinta em 1949.1 Alguns autores sumarizaram, pela primeira vez, em 1962, os critérios microscópicos usados na sua definição.1 Alguns autores definem a malformação adenomatoide cística congênita (MACC) do A incidência das malformações pulmonares pulmão como uma anormalidade hamartomatosa congênitas varia de 30-42 casos para cada da árvore brônquica, outros defendem como *Médico Residente de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas **Médica Cirurgião Pediátrica do Instituto da Criança do Amazonas | 49 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 RELATO DE CASO: MALFORMAÇÃO ADENOMATOIDE CÍSTICA PULMONAR EM PACIENTE ADOLESCENTE uma interrupção no desenvolvimento da árvore brônquica fetal com obstrução das vias aéreas. É a malformação pulmonar ressecável cirurgicamente mais comum em crianças.3-4 A lobectomia é o procedimento de escolha, o desfecho cirúrgico é favorável e apresenta complicações tratáveis.1,2 familiares, apresentava episódios de dispneia aos moderados esforços e pneumonias de repetição desde o período de lactação. Além disso, informou dificuldade de ganho de peso. Ao exame físico apresentava pectus excavatum, ausculta pulmonar diminuída e com estertoes crepitantes em ápice pulmonar. Realizou radiografia de tórax (Figura 1) e tomografia de A seguir relatamos o caso de um paciente, tórax que evidenciou redução volumétrica do adolescente, diagnosticado com malformação pulmão esquerdo caracterizada por opacidade adenomatoide cística pulmonar que foi amorfa fibrocicatricial com brônquios dilatados submetido a lobectomia de lobo superior de permeio associado à elevação da cúpula esquerdo, realizado no Instituto da Criança do frênica correspondente (Figura 2). Internado na Amazonas. enfermaria cirúrgica do ICAM com diagnóstico de malformação adenomatoide cística pulmonar tipo I, submetido à toracotomia posterolateral Relato de Caso esquerda com lobectomia superior de pulmão Paciente do sexo masculino, 12 anos, estudante, esquerdo e dupla drenagem de tórax esquerdo natural e procedente de Parintins-AM. Segundo em selo d’água. Figura 1: Radiografia de Tórax demonstrando nível hidroaéreo em macrocisto | 50 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 RELATO DE CASO: MALFORMAÇÃO ADENOMATOIDE CÍSTICA PULMONAR EM PACIENTE ADOLESCENTE Figura 2: Tomografia de tórax evidenciando área fibrocicatricial com brônquios dilatados Paciente realizou o pós-operatório imediato em unidade de terapia intensiva, sendo admitido em ventilação mecânica. No 1º dia pósoperatório - DPO foi extubado com sucesso e realizou radiografia de tórax que evidenciou boa expansibilidade pulmonar (Figura 3). Recebeu alta da unidade de terapia intensiva no 2º DPO. Na enfermaria realizou fisioterapia respiratória. Foram retirados os drenos de tórax no 14º DPO, momento no qual não se evidenciava fuga aérea. Evolui sem intercorrências e apresentou evolução clínica satisfatória, recebendo alta hospitalar no décimo sétimo dia de pós-operatório. No acompanhamento ambulatorial, paciente encontra-se sem queixas ou intercorrências. Figura 3: Radiografia de tórax: demonstrando boa expansibilidade pulmonar e presença de drenos de tórax bem posicionados | 51 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Lima et al Discussão As malformações congênitas pulmonares formam um espectro de doenças pouco frequentes, ocorrendo a partir do desenvolvimento do intestino primitivo e da sua diferenciação em sistema respiratório.5 A malformação adenomatoide cística pulmonar (MACP) é caracterizada por anomalia de desenvolvimento do epitélio bronquiolar endodérmico e seu mesênquima adjacente originando a proliferação excessiva das estruturas respiratórias terminais. Esta falha embrionária ocorre entre a 6ª e a 8ª semana após a concepção, sendo que algumas lesões podem se desenvolver mais tardiamente entre a 14ª e a 18ª semana da gravidez.6 As MACPs são consideradas como lesões de tipo hamartoma, com displasia focal e desenvolvimento anômalo e é caracterizada por uma massa multicística de tecido pulmonar com proliferação de estruturas brônquicas e tecido pulmonar mostrando arquitetura aberrante e diferenciada, com graus variados de formação cística.2 A MACP foi classificada em cinco tipos2, com base em características clínicas e patológicas. Em recém-nascidos e crianças, o diagnóstico de MACP é usualmente feito através de radiografia simples, embora a TC de tórax ainda seja recomendada. Cada um dos tipos principais possui uma aparência característica. Tipo 0: MACP é letal ao nascimento e o diagnóstico é feito na necrópsia. Tipo 1: MACP aparece como uma única lesão com um ou poucos cistos grandes que podem ser inteiramente cheios de ar ou ter nível de fluido e ar. Tipo 2: MACP tem imagem radiográfica semelhante ao tipo 1. Contudo apresenta numeroso pequenos cistos mais homogêneos, tem uma aparência “borbulhante”. Tipo 3: MACP frequentemente aparece como uma massa grande, sólida e homogênea. Geralmente apresenta desvio do mediastino para o lado contralateral a lesão e hipoplasia pulmonar ipsilateral devido ao efeito de massa. Tipo 4: MACP pode se manifestar ao nascimento ou na infância com pneumotórax hipertensivo, infecção ou como um achado incidental.7 As MACPs normalmente são detectadas no período neonatal ou no início da infância. Com avanços no diagnóstico, o tratamento da MACP pode iniciar até no período pré-natal. Em países em desenvolvimento, um grande número de crianças com lesões pulmonares congênitas são, inicialmente, atendidas e tratadas em hospitais periféricos antes de serem encaminhadas a centros de nível terciário. O diagnóstico pode ser tardio, e o início do tratamento apropriado pode ser atrasado como visto neste relato de caso.8 A Cirurgia fetal é efetuada em raros centros, pois implica uma técnica altamente especializada. A principal indicação para cirurgia fetal é a presença de hidropsia; no entanto, a colocação de drenagem pleuroamniótica pode ser uma alternativa eficaz. A lobectomia eletiva é o tratamento de escolha mesmo nos pacientes assintomáticos.1,2,5,8 A maioria dos autores recomenda a ressecção pós-natal da MACP, pois ela permite evitar complicações como infecções recorrentes, pneumotórax e o potencial de degenerescência maligna na vida futura.1,2 Em conclusão, podemos afirmar que a malformação adenomatoide cística pulmonar é uma patológica rara e a principal representante das malformações pulmonares congênitas. O seu espectro clínico varia entre pacientes assintomáticos, que apresentam dificuldade respiratória ou fetos hidrópicos. O seu tratamento de escolha é a lobectomia da área acometida e é realizado principalmente na infância. A importância deste relato se deve ao fato de poucos dados na literatura e da idade da intervenção cirúrgica e da excelente evolução clínica do paciente, tais condutas adotadas podem servir de exemplo para outros casos. Referências 1. Rocha G, Fernandes CP, Proença E, Quintas C, Martins T, Azevedo I et al. 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O diagnóstico de certeza é conhecido pelo exame anatomopatológico, que evidencia excesso de matriz fibrosa, formando um padrão semelhantes à letra C da escrita chinesa. O tratamento da DFO pode variar desde procedimentos conservadores, até condutas cirúrgicas mais radicais. As cirurgias conservadoras são reservadas para pacientes jovens com deformidades estéticas, sem outros sintomas. Já as cirurgias radicais são imperativas quando se tem compressão nervosa gerando dor, disfunção visual ou auditiva. Este artigo apresenta um caso de displasia fibrosa de região craniofacial, enfocando os aspectos clínicos, imaginológicos, laboratoriais, histopatológicos, diagnóstico diferencial e tratamento. Palavras-chave: Displasia Fibrosa Monostótica, Displasia Fibrosa óssea, face, seio maxilar, displasia fibrosa poliostótica. Abstract The Fibrous Dysplasia is a benign bone disease characterized by the proliferation of immature bone tissue, leading to cosmetic deformities and in some cases, to the pain. It is often diagnosed during childhood or adolescence. There are two forms of presentation, monostotic, where a single bone segment is affected, and polyostotic, when it affects more than one bone. The disorder also affects both sexes. Signs and symptoms usually arise from compressive effect on neighboring structures. They can be detected by examining X-ray, CT or MRI. The definitive diagnosis is known for pathological examination, which shows excess fibrous matrix, forming a pattern similar to the letter C of Chinese writing. Treatment of CFD can range from conservative procedures, to more radical surgical procedures. Conservative surgery is reserved for young patients with cosmetic deformities without other symptoms. As for the radical surgery it is imperative when you have nerve compression causing pain, visual or hearing impairment. This paper presents a case of fibrous dysplasia of craniofacial region focusing on the clinical, imaging, laboratory, histopathology, differential diagnosis and treatment.diagnosis of IA secondary to dilatation of the aortic root, being Takayasu arteritis the underlying disease. The following is a review of the subject, with emphasis on the possible conditions associated with dilation of the aortic root. *Residente do programa de cirurgia de cabeça e pescoço da Fundação Centro de Controle de Oncologia – FCECON **Cirurgião de cabeça e pescoço, professor da Universidade do Estado do Amazonas - UEA, preceptor do programa de residência em cirurgia de cabeça e pescoço da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Amazonas – FCECON. ***Aluna do sexto ano de medicina da Universidade Federal do Amazonas – UFAM ****Pesquisadora, doutora e Cirurgiã dentista da Fundação Centro de Controle de Oncologia – FCECON | 54 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 DISPLASIA FIBROSA CRANIOFACIAL: RELATO DE UM CASO NA AMAZÔNIA Keywords: Monostotic fibrous dysplasia, fibrous dysplasia of bone, face, maxillary sinus, polyostotic fibrous dysplasia. Introdução Na radiografia referente ao caso relatado, A Displasia Fibrosa Óssea (DFO) é uma doença pode-se observar velamento do seio maxilar benigna, pseudotumoral, caracterizada pela esquerdo e do seio etmoide. A nasofibroscopia substituição gradativa do trabeculado ósseo evidenciava lesão proveniente do teto da fossa normal por tecido fibroso e ósseo imaturo, nasal revestida por mucosa. disposto desorganizadamente, levando a deformidades e, em alguns casos, a dor.1 As imagens observadas pela tomografia Representa aproximadamente 2,5% das computadorizada de face evidenciaram lesão desordens ósseas e 7% dos tumores ósseos de 4,0 x 3,1 cm com densidade de partes moles benignos, portanto não é uma desordem localizado na fossa nasal esquerda, promovendo destruição da parede orbitária e compressão da incomum.2 musculatura extrínseca da órbita. Com relação à etiopatogenia, várias teorias foram propostas, como: congênita, embriológica, No presente caso, decidiu-se lançar mão do uso neurológica, alterações de desenvolvimento, da RNM (Figura 1), em função da abrangência distúrbios endócrinos e traumatismos.3 Essa da lesão. Esta revelou lesão em contato com patologia é frequentemente diagnosticada o músculo reto medial e inferior da órbita durante a infância ou adolescência, pois é uma deslocando anterior e lateralmente o globo ocular. Apresentando ainda nível líquido no seu lesão do esqueleto em crescimento.1 interior. Foi descrito uma variante que está presente em cerca de 3% dos pacientes com DFO poliostótica e que é mais frequente no gênero feminino, marcada pela presença de múltiplas áreas de pigmentação cutânea tipo “café com leite” e hiperfunção autônoma de uma ou mais glândulas endócrinas levando a puberdade precoce e distúrbios do crescimento. Esta ficou conhecida como síndrome de McCune-Albright.2 Será descrito um caso de displasia fibrosa, que se destaca pelo acometimento craniofacial, bem como serão discutidos os aspectos clínicos, imaginológicos, laboratoriais, histológicos e conduta. Relato de Caso Paciente do sexo feminino, parda, seis anos, natural e residente em Manaus-AM. Foi encaminhada ao Serviço de Cabeça e pescoço da Fundação Centro de Controle de Oncologia (FCECON) com queixas de dor e aumento de volume da hemiface esquerda acompanhamento de diplopia e dificuldade de movimentação ocular. Figura 1: RNM evidenciando lesão expansiva com epicentro na fossa nasal e seio maxilar esquerdo | 55 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Jezini III et al osteoblástica e osteoclastos multinucleados A paciente foi submetida à biopsia da lesão sob e lamelas concêntricas semelhante a corpos anestesia geral com resultado histopatológico psamomatosos. A Imuno-histoquímica dessa apresentando proliferação de tecido conjuntivo peça confirmou o diagnóstico de displasia fibroso, além de trabéculas ósseas com atividade fibrosa (Figura 2). Figura 2: Exame histopatológico de biópsia local evidenciando proliferação fibro-óssea, caracterizada por trabéculas ósseas dispostas desorganizadamente A paciente foi submetida à cirurgia, sendo realizado o swing de maxila com exérese da lesão e preservação do soalho da órbita esquerda (Figura 3). Figura 3: Imagem do intraoperatório evidenciando lesão em cavidade nasal esquerda destruindo o soalho da órbita | 56 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 DISPLASIA FIBROSA CRANIOFACIAL: RELATO DE UM CASO NA AMAZÔNIA Discussão diagnóstico, em busca de lesões em outros sítios.10 A displasia fibrosa óssea ocorre no período da infância e adolescência, evoluindo de forma lenta e progressiva, tornando-se inativa quando o crescimento do esqueleto é completado.1 Os hormônios sexuais, estradiol, testosterona e dihidrotestosterona exercem uma forte influência no seu crescimento.4 Existem duas formas de apresentação: a monostótica, onde um único segmento ósseo é afetado e representa 80 a 85% dos casos; e a poliostótica, quando acomete mais de um osso, e essa forma representa 15 a 20% dos casos.5 O distúrbio atinge igualmente ambos os sexos, e as localizações mais comuns são: costelas, fêmur, tíbia e ossos do crânio.2 O diagnóstico diferencial inclui lesões malignas como sarcoma e lesões osteoblásticas metastáticas; e benignas como doença de Paget e cisto ósseo aneurismático.11, 12 No entanto, o fibroma ossificante é o principal diagnóstico diferencial da forma monostótica, pela semelhança clínica, radiográfica e anatomopatológica.7 O diagnóstico de certeza é conhecido pelo exame anatomopatológico que mostra fibroblastos e osteoblastos produzindo excesso de matriz fibrosa.13 As trabéculas ósseas formam um padrão emaranhado que frequentemente assumem formas curvilíneas semelhantes à letra C, lembrando escrita chinesa.12,13 A localização craniofacial ocorre em cerca de 10 a 30% das formas monostóticas e 50 a 100% das formas poliostóticas. Podem assumir características loco regionais de malignidade.6 Inicialmente a doença é assintomática. Os sinais e sintomas são dependentes da localização da lesão e do efeito compressivo nas estruturas vizinhas.4 À medida que a lesão progride podem ocorrer assimetria e deformidade facial, fraturas patológicas, alteração dos movimentos oculares, além de diplopia e exoftalmia.7 O tratamento da DFO pode variar desde procedimentos conservadores, até condutas cirúrgicas mais radicais.3 As cirurgias conservadoras são reservadas para pacientes jovens com deformidades estéticas, sem outros sintomas.7 Já as cirurgias radicais são imperativas, quando se tem compressão nervosa, gerando dor, disfunção visual ou auditiva, fazendo-se a excisão completa da lesão prevenindo a recidiva.14 O estreitamento dos forames pode resultar no encarceramento de nervos cranianos levando a deficiência visual e auditiva.8 No caso relatado, o paciente apresentava evidente assimetria facial, dificuldade de movimentação ocular e diplopia. Alguns autores são da opinião que a cirurgia só deve ser realizada quando do final do desenvolvimento ósseo do esqueleto, devido ao desenvolvimento da lesão até essa faixa etária.3 No caso relatado, optou-se pelo tratamento cirúrgico precoce, devido ao comprometimento do globo ocular e a dor local. Marcadores do metabolismo ósseo estão geralmente correlacionados com diferentes níveis da atividade da doença e são eles: fosfatase alcalina (FA), osteocalcina e paratormônio (PTH).3 Alguns estudos mostram evidências de que bifosfonato intravenoso reduz a dor e o turnover ósseo levando a melhora radiológica e bioquímica.15,16 No primeiro ano é realizado o pamidronato 1 mg / kg em 3 dias consecutivos a cada 4 meses. E no segundo ano, o ácido zoledrônico 0,05 mg / kg uma vez a cada 6 meses.15 A maioria das lesões da DF são assintomáticas e, geralmente, são detectadas pelo exame de Raios-X, TC ou RNM.9 A principal característica radiográfica é uma discreta opacificação intramedular semelhante a um vidro despolido A radioterapia está contraindicada, não só por ou vidro fosco.9 O cintilograma do esqueleto ser o tumor radio resistente, como pelo provável pode ser utilizado como método complementar aumento da capacidade de transformação | 57 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Jezini III et al sarcomatosa, que se calcula menor que 1% em sua evolução natural, para aproximadamente 44% após radioterapia.17 O seguimento clínico e radiológico por TC é fundamental nos pacientes com DF, pelo elevado índice de recidiva dessas lesões, podendo chegar a 37% segundo alguns autores.7,10 Em conclusão, podemos ver neste trabalho que a displasia fibrosa craniofacial reveste-se de importância pelo fato da doença afetar ossos da face e do crânio, causando deformidades e disfunções. Apesar de seu caráter benigno, os sinais e sintomas resultantes da compressão de estruturas nobres na base do crânio e órbita podem gerar dúvidas diagnósticas quanto à possibilidade de uma lesão maligna. No caso descrito a DFO ocasionou deformidade facial importante, associado à diplopia e dor local. Foi diagnosticada ainda durante a infância, sendo detectada apenas uma lesão (forma monostótica). O tratamento cirúrgico deve ser realizado após cessar o período de crescimento, porém, no caso apresentado, houve acometimento severo no aspecto estéticos, clínico e funcional, optandose por intervir antes da idade adulta. Referências B. Fronto-orbital sphenoethmoidal fibrous dysplasia. Oral Radiol. 2009; 25:135–141. 6. Hara M, Matsuzaki H, Katase N, Unetsubo T, Yanagi Y, Nagatsuka H et al. Fibrous dysplasia of the maxilla: a case report together with its conventional imaging and dynamic magnetic resonance imaging findings. Oral Radiol. 2014; 30:105–110. 7. Pereira AJAJ, Pereira FL. 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Head and Neck Pathol. 2014. | 59 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 STRONGILOIDÍASE DISSEMINADA E INFECÇÃO CUTÂNEA POR MICOBACTERIOSE EM PACIENTE COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO DISSEMNATED STRONGYLOIDIASIS AND CUTANEOUS MYCOBACTERIUM INFECCTION IN A SYSTEMIC LUPUS ERYTHEMATOSUS PATIENT Karine Gizele S. Pimentel,* Domingos Sávio Nunes de Lima** Resumo A infecção por Mycobacterium haemophylum e a disseminação da Strongyloides stercoralis, ocorrem em pacientes imunodeprimidos. Nos casos graves, pode evoluir para a forma disseminada, principalmente se houver utilização prolongada de glicocorticóides ou medicamentos imunodepressoras. Relata-se paciente do sexo feminino, 27 anos, proveniente de Manaus, estado do Amazonas, Brasil, com diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico há 5 anos. Fazia uso de imunossupressores, o qual resultou infecção pela micobactéria atípica e pelo parasito intestinal ambos de forma disseminada. Paciente, mesmo grave, respondeu a antibioticoterapia, tendo resultado favorável. Ficou evidenciada a importância do diagnóstico precoce e preciso de ambas as doenças, que se não tratadas precocemente, pode resultar em óbito. Palavras-chave: Lúpus Eritematoso Sistêmico, Mycobacterium Haemophylum, Stongiloidíase, Infecção. Abstract Mycobacterium haemophilum infection and disseminated Strongyloides stercoralis occur in immunocompromised patients. In severe cases, it can progress to disseminated form, especially if there are long-term use of glucocorticoids or immunosuppressive drugs. We report a female patient with 27 years old, from the city of Manaus (Amazonas, Brazil), diagnosed with systemic lupus erythematosus for 5 years. She had made use of immunosuppressants, which resulted infection by atypical mycobacteria and the intestinal parasite both disseminated. Patient, even severe situation, responded to antibiotic therapy, with good results. The authors emphasize the importance of early and accurate diagnosis of both diseases, which if not treated early, can result in death. Keywords: Systemic Lupus Erythematosus, Mycobacterium Haemophylum, Strongyloidiasis, Infecction. Introdução O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença sistêmica, de caráter autoimune, e sua principal morbidade é a infecção. Devido à necessidade de medicamentos imunossupressores, pacientes estão predispostos a infecções causadas por agentes típicos ou atípicos, como helmintos e micobactérias respectivamente.1 O norte do Brasil é uma região endêmica em tuberculose, onde a espécie mais frequente é a Mycobacterium *Residente de Reumatologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas (UFAM) **Doutor em Medicina - Reumatologia. Médico assistente do Hospital Universitário Getúlio Vargas (UFAM) | 60 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 STRONGILOIDÍASE DISSEMINADA E INFECÇÃO CUTÂNEA POR MICOBACTERIOSE EM PACIENTE COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO tuberculosis.2 O Mycobaterium haemophylum é uma micobactéria não tuberculosa (MNT) com ocorrência infrequente causadora de doença principalmente em imunodeprimidos. Com advento da Síndrome de Imunodeficiência Humana (SIDA), do uso de medicamentos imunossupressores para tratamento de neoplasias, doenças reumatológicas, tranplantes, tornou-se importante a rápida identificação desses micro-organismos para o pronto diagnóstico e tratamento.3,4 O Strongyloides stercoralis é um nematóide intestinal com elevada prevalência em regiões tropicais e subtropicais, que acomete seres humanos e, na maioria dos casos, sob a forma de infecção inaparente de evolução prolongada.5, 6 Nas formas graves, que, em geral, acometem pacientes imunodeprimidos, a carga parasitária eleva-se, podendo a helmintíase evoluir para a forma disseminada. Geralmente o paciente apresenta manifestações pulmonares que configuram a síndrome de Loeffer e até mesmo evoluir para Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA).1, 4, 6 Relato de Caso Paciente feminina, 27 anos, diagnóstico de LES há 5 anos, de acordo com American College of Rheumatology.7 Evoluiu com taquidispinéia aguda e hemoptise profusa. Foi realizado pesquisa de BAAR no escarro, no qual foram evidenciados larvas de S. stercoralis. Evoluiu com Insuficiência Respiratória Aguda e sepse por provável translocação bacteriana, onde foi intubada e submetida à ventilação mecânica, fazendo tratamento com ivermectina, albendazol, piperacilina-tazobactam e vancomicina endovenosa. Obteve boa resposta e foi extubada em 3 dias. Durante a estada na UTI, foram observados duas lesões na perna direita (D) e uma na esquerda (E). Ao exame se encontrava em REG, hidratada, dispnéia leve, hipocorada, consciente, boa perfusão capilar, sem linfadenomegalias palpáveis, cavidade oral sem úlceras. Sem artrites. Aparelho cardiovascular ritmo cardíaco regular, em 2 tempos, BNF, s/ sopros. PA: 110 x 80, FC: 80bpm. Aparelho respiratório sem ruídos adventícios. Em ar ambiente. Abdome inocente. Sem alterações neurológicas. Em perna direita, duas lesões nodulares de superfície violácea, bordos bem definidos, profundas e dolorosas a palpação, de consistência amolecida, de aproximadamente 6,0 x 4,5 cm em porção anterior e medial. Na perna esquerda, apresentava lesão semelhante de 3,0 x 3,0 cm em porção anterior (Figura 1). Realizou-se biópsia cutânea. Tais lesões ulceraram e drenavam material purulento. Figura 1: Lesões pernas direita | 61 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Pimentel et al Exame estão relacionadas a um estágio clínico mais tardio do LES. A Mycobacterium haemophylum Hb 10,4, Hct 32%, reticulócitos: 0.4%, Leuco é uma MNT descrita primeiramente em 1978, 9.080 (Eos: 900 cels, Linfo: 1.300 cels), VHS 56, causando infecção cutânea, articular, pulmonar EAS 16 piócitos, 15 hemácias, Hg ++. Proteinúria em adultos e linfadenite em crianças. Esta MNT de 24h 83mg. Prova tuberculínica não reativa, é hemofílica e aeróbica, de crescimento lento, células BAAR ausentes no escarro, pesquisa fastidioso, que cresce em ambiente quente (30o de larvas nematóides presentes. Hemocultura a 32oC), e necessita de componente férrico e urinocultura negativas. COOMBS negativo, para seu crescimento.2 Tem como habitat a anticardiolipinas IgG e IgM negativos, sorologias água e o solo.12 Visto tais características, a para HIV 1 e 2 , citomegalovírus e toxoplasmose cultura desse micro-organismo é diferente da negativos. FAN 1:640 padrão pontilhado fino e padronizada para outras micobactérias. Talvez homogêneo. Radiografia de tórax com infiltrado tal fato tenha sido responsável por culturas intersticial difuso. Tomografia de tórax com falso-negativas para micobactérias no passado, consolidações inflamatórias com discretos levando apenas o isolamento da bactéria a broncogramas aéreos de permeio em lobos fresco. Com o aumento da prevalência da superior e inferior esquerdos, densificações retrovirose juntamente com os portadores reticulares em lobo inferior direito. Na biópsia de neoplasia e transplantados, aumentam cutânea das lesões da perna foi evidenciado as chances de haver infecção em pacientes infiltrado inflamatório de padrão granulomatoso imunocomprometidos.13 Menos de 100 pacientes frouxo, em meio ao tecido adiposo, com pesquisa infectados foram relatados no mundo. MNT não de células BAAR positiva. Na cultura desse é incomum em pacientes com LES, e geralmente material cresceu Mycobacterium haemophylum. desenvolve na fase tardia da doença9 e a falta Iniciamos eritromicina via oral com melhora de consciência dessa complicação pode retardar inicial, porém com reincidência posterior. Foi o diagnóstico e administração de tratamento então prescrito ciprofloxacina via oral, onde adequado. A clínica das infecções cutâneas é ampla, de doença localizada à sistêmica, e teve melhora das lesões. deve ser suspeitada em pacientes com nódulos indolentes, eritema nodoso-like, especialmente Discussão com culturas bacterianas negativas. A infecção, contribuída pela imunodepressão, ainda é principal causa de morte em pacientes com LES.8, 9, 10 É sabido que os glicocorticóides (GC) aumentam a suscetibilidade a infecções, além de diminuir o número de macrófagos e monócitos do sangue.9 Tem sido descrito que a quimiotaxia, reconhecimento na membrana, fagocitose, metabolismo oxidativo, produção de interleucina (IL),8 células polimorfonucleares e sistema complemento são deficientes no LES.9, 10, 11 O número de linfócitos T decai e a eficácia da célula T-helper é diminuída, particularmente durante a doença e a longa exposição ao GC.8 O aparelho respiratório, trato urinário e a pele são locais comuns de infecção. A prevalência de tuberculose (TB) está em torno de 5% da população lúpica em área endêmica, sendo o pulmão o local mais comum. Entretanto a frequência extrapulmonar e a severidade são maiores do que na população em geral.9 A infecção por micobactérias não tuberculosas (MNT) A estrongiloidíase é uma parasitose geralmente crônica e assintomática. Contudo, sua forma mais grave é invasiva e frequentemente fatal. A mortalidade pode chegar a 87% e é associada à infecção bacteriana secundária. No caso de nossa paciente, havia suspeita de infecção de vias aéreas inferiores, visto o desconforto respiratório agudo, hemoptise franca e o estado de imunossupressão. Mesmo não havendo sintomas gastrointestinais ou pulmonares prévios, fezse necessário o aspirado traqueal, o qual é um dos materiais orgânicos com maior taxa de positividade (2/3 dos casos), acompanhado pelo aspirado gástrico, biópsias de pele e pulmão.14 Dados sobre o diagnóstico dessa condição são escassos e advêm de pequenas séries de casos devido à raridade com que se diagnostica a estrongiloidíase disseminada. O tratamento da estrongiloidíase mudou significativamente desde que a administração por via oral de | 62 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 STRONGILOIDÍASE DISSEMINADA E INFECÇÃO CUTÂNEA POR MICOBACTERIOSE EM PACIENTE COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO ivermectina estabeleceu-se como o tratamento de escolha. Atualmente, a tendência é que a ivermectina venha a substituir o albendazol. Essa doença envolve quaisquer outros órgãos, além dos pulmões e do trato gastrointestinal, inclusive o sistema ocular. A mortalidade pode chegar a 87%. Concluímos que Infecção por Mycobacterium haemophylum e Strongiloidiase sistêmica ocorrem principalmente em pacientes imunocomprometidos. Devido a frequência e relevância clínica do LES, deve-se sempre desconfiar de lesões, sinais e sintomas sugestivos a fim de iniciar o tratamento precocemente e evitar a contribuição para os altos índices de mortalidade e morbidade que tais patologias apresentam. 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CASE REPORT Marco Antônio Fernandes Rabelo,* Wendell Jackson de Macêdo Caldas,* Christiane Rodrigues da Silva,** Rodrigo dos Reis Ferreira*** Resumo Osteogênese Imperfeita (OI) é uma doença genética rara associada a inúmeras intervenções e complicações anestésico-cirúrgicas que exigem manejo acurado. Contudo, informações providas de evidências científicas relacionadas ao ato anestésico são escassas, sendo o objetivo deste estudo contribuir para o aprimoramento do cuidado a esses pacientes, abordando, sobretudo, a complicação anestésica mais controversa da doença: a hipertermia maligna. No caso, temos um paciente do sexo masculino, 15 anos, portador de Osteogênese Imperfeita tipo III, com histórico de duas operações anteriores sob anestesia balanceada, sem complicações, foi submetido a tratamento cirúrgico de pseudoartrose subtrocantérica utilizando haste telescópica ante mesma técnica anestésica, sem qualquer intercorrência. Não há evidência científica com relevância metodológica na literatura da relação entre OI e hipertermia maligna. Assim, a anestesia geral balanceada pode ser uma opção segura para pacientes portadores da doença, sobretudo quando a anestesia venosa total ou regional não são alternativas viáveis e medidas de prevenção e controle da hipertermia intraoperatória estão asseguradas. Palavras-chave: Anestesia; Osteogênese Imperfeita; Hipertermia Maligna. Abstract Osteogenesis Imperfecta (OI) is a rare genetic disease associated with numerous interventions and anesthesia-surgical complications that require accurate handling. However, information provided scientific evidence related to anesthesia are rare, being objective of this study contribute to the improvement of care for these patients, addressing especially the most controversial anesthetic complication of the disease: malignant hyperthermia. In case, we have a male patient, 15 years old, holder of Osteogenesis Imperfecta type III, with a history of two previous operations under balanced anesthesia, without complications, underwent surgical treatment of subtrochanteric nonunion using telescopic rod at the same anesthetic technique without any complications. There is no scientific evidence to methodological relevance in the literature of the relationship between OI and malignant hyperthermia. Thus, the balanced general anesthesia can be a safe option for patients with the disease, especially when the total or regional intravenous anesthesia are not viable alternatives and measures for prevention and control of intraoperative hyperthermia are assured. *Médico em especialização em anestesiologia pelo CET integrado do Instituto de Anestesiologia do Amazonas/PRM em Anestesiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas. **Médica anestesiologista portadora do Título de Especialista em Anestesiologia pela SBA e colaboradora do CET integrado do Instituto de Anestesiologia do Amazonas/Hospital Universitário Getúlio Vargas; *** Médico anestesiologista portador do Título Superior em Anestesiologia pela SBA e instrutor do CET integrado do Instituto de Anestesiologia do Amazonas/Hospital Universitário Getúlio Vargas. | 64 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 EXISTE RELAÇÃO ENTRE OSTEOGÊNESE IMPERFEITA E HIPERTERMIA MALIGNA? RELATO DE CASO E REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA Keywords: Anesthesia; Osteogenesis Imperfecta; Malignant Hyperthermia. Introdução índice de Goldman e classe III de estado físico da ASA. Na sala de cirurgia, o monitoramento Osteogênese Imperfeita (OI) ou Doença foi realizado com eletrocardiograma, oximetria de Lobstein é uma patologia de origem de pulso, pressão arterial não invasiva, genética, relacionada à produção anômala do temperatura esofágica e capnografia. A colágeno tipo I, caracterizada por fraturas e presença de cifoescoliose, baixa estatura alterações hematológicas afastaram deformidades ósseas e associada a complicações e multisistêmicas que exigem manejo anestésico- inicialmente a anestesia regional. O histórico cirúrgico acurado.1 A hipertermia de origem anestésico-cirúrgico do paciente e a ausência desconhecida,2 algumas vezes atribuída à de sustentação científica quanto ao risco fisiopatogenia maligna,3-5 é frequentemente de desenvolvimento de hipertermia maligna observada nesses pacientes, contudo, ainda não associado à OI encorajaram a administração de há evidências científicas que sustentem essa anestesia geral balanceada. relação.6-8 Isto posto, a anestesia balanceada pode ser uma opção segura quando a anestesia Como medicação pré-anestésica, fentanil venosa total ou regional não são alternativas 25mcg e clonidina 100mcg. A indução anestésica deu-se com fentanil 5mcg.Kg-1, lidocaína viáveis. 1mg.Kg-1, atracúrio 0,5mg.Kg-1 e propofol 3mg.Kg-1. Realizada intubação orotraqueal Relato de Caso com tubo de 6 mm por laringoscopia direta Paciente do sexo masculino, 15 anos, 32 kg e cuidadosa evitando hiperextensão cervical e 1,10 cm, portador de osteogênese imperfeita traumatismos. Máscaras laríngeas de vários tipo III, em uso de pamidronato dissódico tamanhos estavam acessíveis, mas não foi mensal, foi admitido na sala de operações necessário utilizá-las. O plano anestésico foi para tratamento cirúrgico de pseudoartrose mantido com sevoflurano entre 2,0 e 2,5% e analgesia pós-operatória obtida com dipirona subtrocantérica utilizando haste telescópica. 1,5g e morfina 4mg intravenosas. Dantroleno Apresentava história de tratamento cirúrgico sódico, bicarbonato de sódio e plasma fresco de fratura de ossos do carpo há 2 anos e foram alocados para o caso de desenvolvimento colecistectomia videolaparoscópica há 2 de hipertermia maligna, conforme rotina do meses, sendo ambas as cirurgias realizadas sob serviço, no entanto, nenhuma intercorrência anestesia geral balanceada, sem intercorrências anestésica foi observada. anestésicas. Discussão Exame físico evidenciava baixa estatura, hipoplasia principalmente de membros inferiores, tórax cifoescoliótico, com aumento do diâmetro anteroposterior e redução global da expansibilidade torácica e lordose, além de escleras azuladas e dentinogênese imperfeita. Exames laboratoriais normais, exceto pela atividade da protrombina alterada, com INR = 1,54. Eletrocardiograma e Ecocardiograma sem alterações. Radiografias de tórax e de membros inferiores evidenciavam as principais deformidades ósseas presentes. Osteogênese Imperfeita (OI) ou Doença de Lobstein decorre de mutações em genes implicados na formação do colágeno tipo I, proteína mais abundante da matriz extracelular do tecido conjuntivo. Diversas anormalidades anatômicas e fisiológicas originam-se da formação anômala deste tipo de colágeno, desenvolvendo tecidos conjuntivos débeis. É uma das displasias esqueléticas mais comuns, afetando aproximadamente 6 a 7 por 100.000 pessoas no mundo.1 Atribuiu-se ao paciente grupo I segundo o Há pelo menos 8 formas reconhecidas de OI, | 65 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Rabelo et al sendo os tipos I e IV os mais comuns.1 O tipo I é a forma mais branda e o tipo II, a mais grave, normalmente incompatível com a vida. O tipo III é a apresentação clássica da doença, a segunda mais severa e a com maior risco para o paciente submetido a procedimentos cirúrgicos sob anestesia geral ou regional.1 Esses pacientes requerem manejo anestésicocirúrgico acurado, pois podem apresentar fraturas ósseas espontâneas ou induzidas, deformidades espinhais e torácicas com comprometimento restritivo da mecânica pulmonar, via aérea difícil, anormalidades cardíacas potencialmente graves e diátese hemorrágica, entre outras complicações.1 O desenvolvimento de hipertermia intraoperatória de origem desconhecida é um fenômeno frequentemente observado em pacientes com OI, sendo mais comum quando enflurano foi administrado em comparação à anestesia venosa total (AVT).2 Por conseguinte, alguns autores têm sugerido associação entre Osteogênese Imperfeita e hipertermia maligna3 e demonstrado inclinação para a administração da AVT4 ou regional5 em detrimento da anestesia balanceada. Contudo, essa associação ainda não encontrou sustentação científica. Estudo retrospectivo envolvendo 49 pacientes com OI em 180 cirurgias não cardíacas demonstrou que pacientes com a doença experimentaram hipertermia intraoperatória que não foi diferente daqueles sem Osteogênese Imperfeita.6 Em outra pesquisa, a análise de 105 intervenções cirúrgicas em 29 pacientes com OI, sendo 72% dos procedimentos realizados sob anestesia balanceada com sevoflurano e fentanil, encontrou registro de apenas um caso de hipertermia não maligna que cedeu com medidas físicas e antitérmicos.7 E ainda, a ocorrência de taquicardia, acidose metabólica e hipertermia superior a 40°C em paciente com OI, em outro estudo, foi conduzida como hipertermia maligna, no entanto, teste da contratura muscular in vitro resultou completamente normal. Os autores concluíram que o hipermetabolismo observado em pacientes portadores da doença decorre de mecanismos desconhecidos distintos daqueles encontrados na hipertermia maligna.8 Várias teorias são postuladas para explicar o aumento da temperatura corporal observado nesses pacientes. Hipermetabolismo representado clinicamente por diaforese, hipertermia leve, taquicardia e taquipneia e laboratorialmente por níveis séricos basais elevados de tiroxina, creatina quinase e pirofosfato sugerem que o estado hipermetabólico basal e a regulação central anormal da temperatura corporal podem estar implicados na patogênese da hipertermia associada à OI.1,7 Concluímos que não há evidência científica com relevância metodológica, até o momento, que confirme a relação entre Osteogênese Imperfeita e hipertermia maligna. Assim, a anestesia geral balanceada pode ser uma opção segura para pacientes portadores da doença quando a anestesia venosa total ou regional não são alternativas viáveis. Nesses casos, medidas de prevenção e controle da hipertermia intraoperatória, maligna ou não, devem estar asseguradas. Referências 1. Oakley I, Reece LP. Anesthetic Implications for the Patient With Osteogenesis Imperfecta. AANA Journal. 2010; 78:47-53. 2. Fürderer S, Stanek A, Karbowski A, Eckardt A. Intraoperative hyperpyrexia in patients with osteogenesis imperfecta. Z Orthop Ihre Grenzgeb. 2000 Mar Apr; 138(2):136-9. 3. Rampton AJ, Kelly DA, Shanahan EC, Ingram GS. Occurrence of malignant hyperpyrexia in a patient with osteogenesis imperfecta. Br J Anaesth. 1984 Dec; 56(12):1443-6. 4. Erdoğan MA, Sanlı M, Ersoy MO. Conduta Anestésica em Criança com Osteogênese Imperfeita e Hemorragia Epidural. Rev Bras Anestesiol. 2013; 63(4):366-368. | 66 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 EXISTE RELAÇÃO ENTRE OSTEOGÊNESE IMPERFEITA E HIPERTERMIA MALIGNA? RELATO DE CASO E REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA 5. 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Anaesthesia. 1996 Sep; 51(9):863-5. | 67 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 PERFURAÇÃO COMO COMPLICAÇÃO DE LINFOMA INTESTINAL: RELATO DE CASO PERFORATION AS COMPLICATION OF INTESTINAL LYMPHOMA Caroline Lima de Oliveira* Patricia Carvalho Machado Aguiar**, Hugo Sanmarony Cardoso,* João José Correa Bergamasco***, Rubem Alves da Silva Neto****, Felicidad Santos Gimenez***** Resumo Paciente, 40 anos, masculino, apresentou dor abdominal difusa tipo cólica que, em um mês, evoluiu para localização em fossa ilíaca esquerda, migrando para fossa ilíaca direita, tendo melhora espontânea. Em 2 meses, abriu quadro com tumoração em fossa ilíaca direita evoluindo com aumento progressivo, febre, hematúria, êmese, hiporexia, fezes líquido-pastosas e perda ponderal importante. Ao exame físico, abdome maciço à percussão em fossas ilíacas e hipogástrio, além de massa palpável em todo o abdome inferior, endurecida, pouco móvel, dolorosa à mobilização e medindo aproximadamente 25 cm. A tomografia computadorizada (TC) de abdome total evidenciou volumosa lesão expansiva sólida e heterogênea sugestiva de processo neoplásico primário possivelmente de alça intestinal delgada com linfonodomegalias de permeio à raiz do mesentério. Evoluiu com perfuração de alça intestinal, levando a pneumoperitônio e necessidade de laparotomia exploradora de urgência com resseção do tumor localizado no íleo terminal, ileostomia e cistorrafia. A lesão foi identificada como linfoma não Hodgkin de células T. O paciente apresentou boa recuperação pós-operatória, sendo encaminhado para seguimento ambulatorial em regular estado geral, diurese preservada em sonda vesical de demora e com ileostomia funcionante. Palavras-chave: Tumor de intestino delgado, Linfoma, Perfuração intestinal. Abstract Patient, 40 years old, male, showed diffuse abdominal pain cramping that in a month, evolved into location in the left iliac fossa, moving to the right iliac fossa, with spontaneous improvement. In two months, he opened frame with tumor developed progressive enlargement in the right iliac fossa, fever, hematuria, vomiting, appetite loss, liquid-pasty stools and significant weight loss. Physical examination revealed massive abdomen percussion in iliac and hypogastric tanks, with a palpable mass around the lower abdomen, hardened, little mobile, painful to mobilization and measuring approximately 25cm. Computed tomography (CT) of the abdomen showed voluminous full suggestive solid and heterogeneous mass lesion of primary neoplastic process possibly thin intestinal loop. Lymphadenopathy in between the root of the mesentery. The patient developed intestinal loop perforation, leading to pneumoperitoneum, requiring laparotomy of urgency with resection of the tumor located in the terminal ileum, ileostomy and cystorrhaphy. The lesion was identified as non-Hodgkin T-cell. The patient had an uneventful postoperative recovery was referred to outpatient follow-up in good general condition, diuresis preserved in indwelling urinary catheter and ileostomy functioning. Keywords: Small bowel tumor, Lymphoma, Intestinal perforation. *Residente de Cirurgia Geral – HUGV **Acadêmica de Medicina – UFAM ***Residente de Cirurgia do Aparelho Digestivo do HUGV **** Cirurgião do Aparelho Digestivo *****Coloproctologista | 68 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 PERFURAÇÃO COMO COMPLICAÇÃO DE LINFOMA INTESTINAL: RELATO DE CASO Introdução Os tumores do intestino delgado representam de 1% a 6% de todas as neoplasias do trato gastrointestinal. Sintomas inespecíficos colaboram para um diagnóstico difícil e, quando malignos, seu prognóstico é ruim.1 Dentre os tumores benignos, os de origem epitelial são a maioria, apresentando-se principalmente em íleo. Quando malignos, o prognóstico é ruim. Das neoplasias malignas em geral, 40 a 50% são adenocarcinomas e o linfoma representa 14%, com taxa de sobrevida para 5 anos de 30 a 50%.2 Os linfomas não Hodgkin são mais frequentes em idosos e acometem mais os homens, sendo a imunodeficiência primária ou secundária uma predisposição bem estudada. A incidência dos linfomas não Hodgkin e seus padrões de expressão apresentam variações no mundo. Os linfomas de células T são mais comuns na Ásia do que no Ocidente, enquanto o linfoma folicular, um subtipo de linfomas de células B, é mais comum nos países ocidentais.3 A maioria dos linfomas intestinais é de células B (mais que 95%) e estão uniformemente divididos em tumores de baixo grau e de alto grau. A pequena fração de linfomas de células T que ocorre no intestino geralmente é formada por lesões de alto grau e geralmente associada à doença celíaca. Distinguir um linfoma primário do intestino delgado de um linfoma que se apresenta como parte de uma doença generalizada é delicado. Ausência de linfadenopatia mediastinal, o envolvimento hepato-esplênico, o mielograma sem alterações, e o aspirado de medula óssea normal auxiliam no diagnóstico de doença primária. Podem apresentar-se como infiltração difusa, massa exofítica, massa polipóide ou múltiplos nódulos.4 Relato de Caso Apresenta-se o caso de um homem, de 40 anos, técnico de informática, previamente hígido. Em maio de 2014 apresentou dores do tipo cólica em abdome, de caráter difuso e intermitente, que surgia na maioria das vezes à noite, sem fator precipitante. Após um mês, a dor localizava-se em fossa ilíaca esquerda, onde permaneceu por 15 dias, com as mesmas características descritas anteriormente. A dor migrou para fossa ilíaca direita, permanecendo por alguns dias e cessou espontaneamente. Em agosto de 2014, o paciente notou abaulamento em fossa ilíaca direita além de hematúria. Apresentou aumento progressivo da massa, febre aferida intermitente com variação de 38º C - 38,5º C, perda ponderal de 20 kg em 60 dias, episódios esporádicos de vômitos, inapetência por 2 semanas e alteração da consistência das fezes, alternando líquida e pastosa não aumentando a frequência de evacuações diárias. Ao exame físico apresentava-se levemente hipocorado, abdome maciço à percussão em fossas ilíacas e hipogástrio, com massa palpável em todo o abdome inferior, endurecida, pouco móvel, dolorosa à mobilização e medindo aproximadamente 25 cm em seu maior diâmetro. Os exames laboratoriais evidenciaram anemia, plaquetose, eosinofilia e hipoalbuminemia. A TC de abdome total evidenciou volumosa lesão expansiva sólida e heterogênea, com componente gasoso em seu interior e com material liquefeito necrótico ou resíduos fecais na sua porção central, ocupando a cavidade peritoneal a nível de mesohipogastrio, estendendo-se inferiormente à pelve, medindo 13,4x16,2x12,8 cm, sugestivo de processo neoplásico primário possivelmente de alça intestinal delgada. Também foram visualizadas linfonodomegalias de permeio à raiz do mesentério, a maior medindo 5,84 x 4,5 cm. O paciente foi internado para iniciar nutrição parenteral (NPT) com programação de laparotomia exploradora e enterectomia, porém evoluiu no 1º dia de internação com perfuração da alça intestinal pelo tumor e pneumoperitônio, necessitando de laparotomia exploradora de urgência. Foi realizada resseção do tumor localizado em íleo terminal, acarretando em enterectomia. Devido ao quadro de desnutrição do paciente, não foi realizada anastomose e prosseguiu-se com ileostomia. Durante a ressecção do tumor, foi observado que havia invasão em parede posterior da bexiga, tornando delicada a dissecção. Ocorreu uma incisão vesical, necessitando de cistorrafia. O exame histopatológico evidenciou Linfoma | 69 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Oliveira et al não Hodgkin de células T. A recuperação pósoperatória transcorreu sem intercorrências. O paciente recebeu alta em regular estado geral, diurese preservada em sonda vesical de demora e com ileostomia funcionante. Seguindo para acompanhamento ambulatorial e encaminhado para o hospital de referencia para tratamento de câncer (FCECON). Discussão do Caso O trato gastrintestinal é a localização extranodal mais acometida por linfoma por 5% -20% de todos os casos. No entanto, o linfoma gastrointestinal primário é muito raro, constituindo apenas cerca de 1% a 4% de todas as neoplasias gastrointestinais. Apesar de o linfoma poder envolver qualquer parte do trato gastrointestinal, os sítios mais frequentes entre adultos são o estômago seguido pelo intestino delgado e região ileocecal.5 Está frequentemente associado à imunossupressão por HIV e enteropatias. A apresentação clínica usual dos linfomas gastrointestinais incluem dor abdominal, fadiga, diarreia, perda ponderal e ocasionalmente, febre. A ocorrência de linfomas primários em intestino delgado é rara e representam menos de 2% de todas as neoplasias intestinais e 1020% das neoplasias do intestino delgado. O íleo é o local mais comum, representando 50% dos linfomas do intestino delgado.6 Somente 10% dos pacientes com tumores do intestino delgado apresentam sintomatologia. Tais sintomas estão relacionados com a localização do tumor e seu padrão de crescimento, não havendo uma clínica específica. A média de idade dos pacientes com tumores do intestino delgado encontrase na sétima década de vida, sendo que os portadores de doença maligna são mais jovens. A manifestação clínica pode ser de massa abdominal, obstrução intestinal, sangramento e perfuração. A perfuração, em geral, localizada, é vista em cerca de 10% dos pacientes, sendo mais comum em linfomas ou sarcomas.7 Os linfomas não Hodgkin representam a maior classe de neoplasias do sistema imunológico, com mais de 10 tipos distintos. Apesar de apresentar-se mais frequentemente acima dos 40 anos de idade, podem ocorrer em qualquer idade. Quando afeta pacientes mais jovens, é mais comum no sexo masculino e com subtipos histológicos mais agressivos.3 O mais comum tipo histológico incluem linfoma relacionado com IPSID (Doença imunoproliferativa do intestino delgado), EATL (Enteropatia associada a Linfoma de células T), linfoma difuso de grandes células B, linfoma de células do manto, linfoma de Burkitt e linfoma folicular.4 Dentre as dificuldades de diagnóstico para os linfomas gastrintestinais primários, há o fato de que, muitas vezes, apenas pequenas biópsias estão disponíveis para análise, além das dificuldades de diferenciação dos tipos de linfoma.5 Os linfomas não Hodgkin apresentam comprometimento ganglionar, mais frequentemente no anel de Waldeyer, nos linfonodos epitrocleares e nos mesentéricos. Sintomas sistêmicos também podem estar presentes: sudorese noturna, perda ponderal superior a 10%, já a febre ocorre em apenas 20% dos casos. Os sintomas referentes à doença extraganglionar são mais evidentes nos subtipos mais agressivos como os linfomas intestinais e podem apresentar também massas testiculares, compressão da medula, lesões ósseas solitárias, alteração do hábito intestinal por compressão extrínseca e muito raramente fistulização intestinal.3 Doenças inflamatórias intestinais, principalmente a doença de Crohn podem culminar com perfuração de segmentos do intestino delgado. Esta complicação é mais comum em pacientes com ileíte ou ileocolite, podendo ocorrer em torno de 23% dos casos. As causas infecciosas como a tuberculose intestinal e neoplasias também devem ser levadas em consideração. A perfuração ou obstrução intestinal tem sido descritas em pacientes com linfoma não Hodgkin, especialmente no íleo terminal. No entanto, esta situação é incomum.5 | 70 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 PERFURAÇÃO COMO COMPLICAÇÃO DE LINFOMA INTESTINAL: RELATO DE CASO A perfuração como apresentação inicial é rara. Exames de imagem e endoscópicos podem ser úteis para o diagnóstico, mas frequentemente não são conclusivos. Para os tumores primários, a ressecção cirúrgica é a opção de escolha, porém, para os metastáticos, a terapêutica operatória deve ser reservada para os casos complicados por obstrução, hemorragia ou perfuração.8 lymphoma. Leukemia & lymphoma (2009). 50(10), 1618-1624. 5. Longo DL. Neoplasia das Células Linfóides. In: .Hematologia e Oncologia de Harrison 2ª Ed. Porto Alegre: McGraw Hill Brasil, 2015, cap 15, p.146. ISBN 9788580554564. 6. Torricelli FCM, Lopes RI, Dias AR, Marchini GS, Bonafé WW, Lopes JM et al. Linfoma ileal O paciente referido neste relato apresentou primário como uma causa de intussuscepção uma forma clínica típica de neoplasia do ileocecal recorrente. Rev Bras. Colo-Proctol. trato gastrointestinal. Perante a uma massa 2008; 28(2 246-250. abdominal que à medida que crescia, evoluía com dor abdominal crônica, sintomas sistêmicos 7. Veenstra M, van Unen JM, Strobbe LJ. Acute como febre, hiporexia, perda ponderal, além abdomen as the first presentation of a malignant de quadro característico de compressão, com lymphoma of the small intestine. Acta. Chir. massa abdominal palpável que complicou com Belg. 2014 Maio-Junho;114(3):209-11. perfuração. 8. Rangel MF, Silva MVM da, Fernandes MJC, Atentando à evolução do quadro clínico, foi Ferreira MAS, Nóbrega LPS, Souza MG. Tumores considerado neoplasia de intestino como Malignos do Intestino Delgado. Rev. Col. Bras. hipótese diagnóstica. Entretanto, o linfoma Cir. — Vol. 27 – nº 6, 2000, p.385-388. intestinal é uma patologia que demanda um grau maior de suspeição durante a propedêutica diagnóstica, pois detectá-lo em estágios iniciais é de suma importância para evolução clínica e tratamento do paciente. Referências 1. Coeli GNM, Silva AC, Tiengo RT, Silva GC, Silva LUMA, Silva OAC. Linfoma Difuso de Grandes Células de Intestino Delgado: Relato de Caso. Revista Ciências em Saúde v2, n 2,abr 2012. Ribeirão Preto, SP, Brasil. 2. Coco C, Rizzo G, Manno A, Mattana C, Verbo A. Surgical treatment of smallbowel neoplasms. Eur Rev Med PharmacolSci, (2010). 14(4), 327333. 3. D’Ippolito G, Silva CIS, Rocha AJ, Caldanaz RP. Linfoma abdominal. Gastrointestinal: Série Col. Bras. Rad. Diag. por Imagem. São Paulo: Elsevier; 2011. p 675- 8. ISBN: 978-85-352-31434. 4. Kako S, Oshima K, Sato M, Terasako K, Okuda S, Nakasone H, Kanda Y. Clinical outcome in patients with small intestinal non-Hodgkin | 71 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 PROTEINOSE ALVEOLAR PULMONAR: RELATO DE CASO PULMONARY ALVEOLAR PROTEINOSIS: A CASE REPORT Flavia Matos Salame*, Marta Helena Morais**, Yuri Gonçalves Maduro***, José Correa Lima Netto*** Resumo A proteinose alveolar pulmonar (PAP) é uma síndrome rara que pode resultar em graus variados de insuficiência respiratória. Pode ter etiologia congênita, adquirida ou autoimune, sendo esta a forma mais comum em adultos. O tratamento atualmente estabelecido é feito através de lavagem pulmonar total e em pacientes com pouca resposta clínica, no uso de Fator Estimulador de Colônias de Granulócitos e Macrófagos (GM-CSF). No entanto, plasmaferese e imunossupressores tem sido estudados como alternativas promissoras, principalmente para os casos refratários as terapêuticas previamente citadas. A evolução da doença após o tratamento varia desde remissão completa até a falta de resposta clínica e radiológica. Descrevemos o caso de um paciente com diagnóstico de PAP autoimune, confirmado por meio de biópsia pulmonar, com achados clínicos e radiológicos compatíveis. Tratado com lavagem pulmonar total e GM-CSF. Evoluiu com regressão importante dos sintomas a despeito da melhora discreta do padrão radiológico. Palavras-chave: Proteinose alveolar pulmonar, GM-CSF, lavagem pulmonar total broncoalveolar. Abstract Pulmonary alveolar proteinosis (PAP) is a rare syndrome that can result in varying degrees of respiratory distress. It may have congenital, acquired or autoimmune etiology, this is the most common form in adults. The onset of clinical disease is insidious, marked mainly by dyspnea with or without cough. Its diagnosis is made by lung biopsy and correlation with clinical and tomographic findings. Treatment currently set is done by total lung lavage in patients with little clinical response, the use of Granulocyte-macrophage colony-stimulating factor (GM-CSF). However, plasmapheresis and immunosuppressants has been studied as a promising alternative, especially for refractory cases the therapeutic previously cited. The evolution of the disease after treatment ranges from complete remission to the lack of clinical and radiological response. Describe in this report, the case of a male patient, 39 years old, diagnosed with autoimmune PAP, confirmed by pulmonary biopsy with compatible clinical and radiological findings. Treated with whole lung lavage and GM-CSF. Progressed with significant regression of symptoms despite the slight improvement of the radiological pattern. Keywords: Pulmonary alveolar proteinosis, GM-CSF, whole lung lavage. *Professora auxiliar da Disciplina Clínica Médica I (Pneumologia) da Universidade do Estado do Amazonas. Médica pneumologista do Hospital Universitário Getúlio Vargas **Residente do Programa de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas. ***Médico assistente do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas | 72 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 PROTEINOSE ALVEOLAR PULMONAR: RELATO DE CASO Introdução Relato de Caso A proteinose alveolar pulmonar (PAP) é uma síndrome rara caracterizada pelo acúmulo de lipídios e proteínas tensoativas no espaço alveolar.1–5 A incidência na população geral não é conhecida, mas estima-se que ocorra cerca de um caso para cada dois milhões de pessoas.2,6 Paciente de 39 anos, do sexo masculino, pardo, natural e procedente de Manaus-AM e autônomo. Relata que há 5 anos iniciou quadro de astenia, tosse seca recorrente e dispneia aos moderados esforços. Evoluiu com piora progressiva dos sintomas associada ao surgimento de hemoptoicos. Durante a evolução Pode ter etiologia congênita, autoimune, do quadro, foi tratado com hipótese diagnóstica relacionada a doenças hematológicas ou de Pneumonia Adquirida na Comunidade em adquirida por exposição ocupacional. A forma duas ocasiões (2011 e 2013) e submetido a mais comum de apresentação no adulto é tratamento empírico para tuberculose pulmonar a autoimune, associada a altos níveis de por 6 meses em 2014, evoluindo sem melhora. autoanticorpos neutralizadores dos fatores Em 2015, teve acesso pela primeira vez a um estimuladores de colônias de granulócitos e serviço de pneumologia, iniciando investigação macrófagos (GM-CSF).7 diagnóstica. Na ocasião, em regular estado geral, com dispneia aos mínimos esforços, saturação O tratamento mais aceito é a lavagem pulmonar periférica de oxigênio (SpO2) em torno de total, entretanto há sérias desvantagens e 86% em ar ambiente e em repouso. Ao exame complicações. Há relatos promissores, mas físico os achados normais foram um murmúrio ainda escassos sobre o uso do rituximabe, vesicular diminuído globalmente e estertores um anticorpo monoclonal dirigido contra o crepitantes finos em ambas as bases pulmonares antígeno de linfócito B CD20.8,9 Outra proposta à ausculta. Nega outros antecedentes mórbidos terapêutica é o uso de GM-CSF, que demonstrou pessoais e exposições ocupacionais relevantes. eficácia em 50 a 70% dos pacientes com relato A tomografia computadorizada de tórax (TC de de uso na literatura,7,10 tendo sido a droga de tórax) (Figuras 1 e 2) evidenciou acometimento escolha no caso relatado adiante. extenso pulmonar, bilateralmente, com achados do tipo Pavimentação em Mosaico e áreas de vidro fosco. Figura 1: Tomografia computadorizada do tórax em avaliação inicial na Pneumologia. Figura 2: Achados de áreas de opacidades extensas em padrão de pavimentação em mosaico (vidro fosco associado a espessamento de septos interlobulares), bilaterais e poupando a periferia dos pulmões. Optou-se por realizar biópsia pulmonar por meio de toracotomia cujo estudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de Proteinose Alveolar. Foi realizada uma lavagem pulmonar total, sem possibilidade de repetição do procedimento por dificuldades logísticas do nosso serviço. Foi iniciado tratamento com GM-CFS (filgastrim) na dose de 300 mcg ao dia por via subcutânea. Cerca | 73 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Salame et al de dois meses após início, evoluiu com melhora importante do estado geral e da dispneia que se tornou aos médios esforços, associada à melhora da hipoxemia, com saturação periférica de oxigênio com SpO2 mantendo-se em torno de 92%. Também ocorreu normalização da ausculta pulmonar. No entanto, comparandose as imagens da TC de tórax antes e após o tratamento com GM-CSF, não se observou melhora radiológica significativa (Figura 3). O paciente recebeu alta hospitalar mantendo o uso de GM-CSF diariamente, com programação de nova lavagem pulmonar total e terapia com rituximabe em caso de refratariedade ao tratamento convencional. Figura 3: Tomografia computadorizada do tórax realizada depois de lavado pulmonar total. Imagem evidenciando melhora discreta das áreas de opacidade. Discussão Nosso paciente representa um caso de PAP autoimune, a etiologia mais comum desta doença em indivíduos adultos.2,6 Apresentava quadro insidioso de dispneia, inicialmente aos médios esforços com piora progressiva, associado a tosse seca, por vezes com expectoração hialina e hemoptóicos. Apresentou dois episódios de piora do quadro, associado a febre e expectoração purulenta após infecção de vias aéreas documentadas. A literatura descreve como principal sintoma a dispneia, que geralmente é aos médios esforços, mas pode apresentar-se também às atividades cotidianas.2,7 Relatos de febre baixa são comuns e geralmente se associam a quadros infecciosos concomitantes.2 Ao exame físico, nosso paciente apresentava murmúrio vesicular diminuído globalmente e crepitações finas em ambas bases pulmonares, compatível com os achados habituais de PAP.2 A hipoxemia é comum nesses pacientes, principalmente naqueles com quadro avançado.2 O paciente relatado não apresentava cianose central nem de extremidades, mas necessitava suplementação de oxigênio por meio de cateter nasal para manter a sua saturação arterial de oxigênio acima de 90%. Foi submetido a tomografia computadorizada de tórax que evidenciou acometimento extenso de ambos os pulmões, com presença de vidro fosco distribuído assimetricamente com espessamento de septos interlobulares configurando padrão de “pavimentação em mosaico.” Classicamente, o acúmulo de produtos fosfolipoprotéicos dentro dos alvéolos e infiltrado linfocitário com edema dos septos interlobulares justifica esses achados.2 Diante de achados clínicos e radiológicos sugestivos de PAP, optou-se pela biópsia pulmonar cirúrgica para confirmação diagnóstica, como postula a literatura.7 O estudo histopatológico da amostra coletada evidenciou arquitetura acino-lobular preservada, espaços alveolares preenchidos por material proteico, amorfo, eosinofílico, granuloso fino, eventualmente | 74 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 PROTEINOSE ALVEOLAR PULMONAR: RELATO DE CASO permeado por cristais romboidais ou por macrófagos alveolares volumosos, com citoplasma amplo e de aspecto xantomatoso. Os septos alveolares eram delgados e tênues com discreto infiltrado inflamatório linfocitário, às vezes se associando a dilatações e coalescência de espaços alveolares. Todos esses achados são compatíveis com o que habitualmente se observa na PAP.3 Feito o diagnóstico, iniciouse o tratamento com GM-CFS 300 mcg ao dia, que têm se mostrado eficaz em 50 a 70% dos pacientes, segundo alguns estudos.3 A principal modalidade terapêutica consagrada para PAP é o lavado broncoalveolar total.3 No entanto, esse procedimento apresenta algumas desvantagens. Normalmente é necessária anestesia geral com uso de ventilação mecânica e todas as consequências inerentes a esses procedimentos. Além disso, há risco de pneumotórax, pneumomediastino e infecções, embora sejam incomuns.3 Nosso paciente foi submetido a lavado broncoalveolar total com um volume de 4 litros de soro fisiológico. A literatura relata o uso de 20 a 40 litros de solução salina durante o procedimento2, no entanto, nosso paciente não tolerou volumes acima do utilizado, evoluindo com queda importante na saturação arterial de oxigênio durante o procedimento. Apesar disso, semanas após a lavagem pulmonar o paciente evoluiu com melhora clínica importante. Apresentava dispneia apenas aos grandes esforços e mantinha saturação arterial de oxigênio acima de 90% sem o uso de oxigênio suplementar, entretanto, não houve melhora significativa do padrão radiológico comparandose as tomografias de tórax anterior e posterior ao procedimento. A despeito de ser considerado o tratamento padrão-ouro para PAP, o lavado broncoalveolar total não é efetivo para todos os portadores dessa doença, mesmo quando realizado da forma adequada.4,11–13 Alguns pacientes evoluem com remissão definitiva da doença após um ou poucos procedimentos, outros necessitam de quantidades maiores de lavagem e ainda há aqueles que não se beneficiam dessa modalidade terapêutica.1 Há programação de novas tentativas de lavagem pulmonar para o paciente relatado. Caso não se evidencie resposta satisfatória, planejamos iniciar terapia com Rituximabe que tem se mostrado uma alternativa promissora para os pacientes que não apresentam resposta aos tratamentos convencionais.7,8 Referências 1. Beccaria M, Luisetti M, Rodi G, Corsico A, Zoia MC, Colato S, et al. Long-term durable benefit after whole lung lavage in pulmonary alveolar proteinosis. Eur Respir J. 2004;23(4):526–31. 2. Shah PL, Hansell D, Lawson PR, Reid KB, Morgan C. Pulmonary alveolar proteinosis: clinical aspects and current concepts on pathogenesis. Thorax. janeiro de 2000;55(1):67–77. 3. Wylam ME, Ten R, Prakash UBS, Nadrous HF, Clawson ML, Anderson PM. Aerosol granulocytemacrophage colony-stimulating factor for pulmonary alveolar proteinosis. Eur Respir J. 2006;27(3):585–93. 4. Noirez L, Koutsokera A, Pantet O, Duss F-R, Eggimann P, Tozzi P, et al. A 3-step therapeutic strategy for severe alveolar proteinosis. Ann Thorac Surg. 2015;99(4):1456–8. 5. Papiris SA, Tsirigotis P, Kolilekas L, Papadaki G, Papaioannou AI, Triantafillidou C, et al. Pulmonary alveolar proteinosis: time to shift? Expert Rev Respir Med. junho de 2015;9(3):337– 49. 6. Khan A, Agarwal R. Pulmonary alveolar proteinosis. Respir Care. 2011;56(7):1016–28. 7. Amital A, Dux S, Shitrit D, Shpilberg O, Kramer MR. Therapeutic effectiveness of rituximab in a patient with unresponsive autoimmune pulmonary alveolar proteinosis. Thorax. 2010;65(11):1025–6. 8. Kavuru MS, Malur A, Marshall I, Barna BP, Meziane M, Huizar I, et al. An open-label trial of rituximab therapy in pulmonary alveolar proteinosis. Eur Respir J. 2011;38(6):1361–7. 9. Malur A, Kavuru MS, Marshall I, Barna BP, Huizar I, Karnekar R, et al. Rituximab therapy in pulmonary alveolar proteinosis improves alveolar macrophage lipid homeostasis. Respir Res. 2012;13:46. | 75 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Salame et al 10. Ioachimescu OC, Kavuru MS. Pulmonary alveolar proteinosis. Chron Respir Dis. janeiro de 2006;3(3):149–59. 11. Rodrigo D, Rathnapala A, Senaratne W. Therapeutic limited bronchoalveolar lavage with fiberoptic bronchoscopy as a bridging procedure prior to total lung lavage in a patient with pulmonary alveolar proteinosis: a case report. J Med Case Rep. 2015;9(1):93. 12. Davis KR, Vadakkan DT, Krishnakumar E V, Anas AM. Serial bronchoscopic lung lavage in pulmonary alveolar proteinosis under local anesthesia. Lung India. 32(2):162–4. 13. Du Bois RM, McAllister WA, Branthwaite MA. Alveolar proteinosis: diagnosis and treatment over a 10-year period. Thorax. 1983;38(5):360– 3. | 76 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA DE BOCHDALEK EM PACIENTE PORTADOR DA SÍNDROME DE EHLERS DANLOS – RELATO DE CASO BOCHDALEK-TYPE CONGENITAL DIAPHRAGMATIC HERNIA IN A PATIENT WITH EHLERS DANLOS SYNDROME – A CASE REPORT Fernando Luiz Westphal,* Luiz Carlos de Lima,* Miriam Blanco Sampietro Pinheiro,**Waleska Affonso Salignac Marcião,** Vania Mesquita Gadelha Prazeres,***Thaís Caroline Sales Raposo,****Maria Alyete Bezerra Moreira**** Resumo Hérnia diafragmática congênita (HDC) consiste em um defeito na formação embrionária do diafragma, resultando em uma comunicação entre a cavidade torácica e a cavidade abdominal. Em pacientes portadores da Síndrome de Ehlers Danlos, podem ser evidenciadas características como pele frágil ou hiperelástica, hérnias recorrentes, hiperelasticidade das articulações, dificuldade de cicatrização, pneumotórax espontâneo, e complicações vasculares. A presença de um defeito no diafragma permite a passagem de vísceras abdominais para a cavidade torácica levando a compressão do pulmão ipsilateral e, dependendo do volume das vísceras herniadas, há desvio do mediastino com compressão do pulmão contralateral. Mesmo com avanços diagnósticos e terapêuticos ainda é possível encontrar pacientes com diagnóstico tardio de HDC, como evidenciado neste relato de caso, o que mostra que essa doença ainda é subdiagnosticada, indicando falhas no diagnóstico durante o pré-natal e no período neonatal. Palavras-chave: Hérnia diafragmática, Bochdalek, Ehlers Danlos. Abstract Congenital diaphragmatic hernia (CDH) consists of a defect in the embryonic formation of the diaphragm, resulting in a communication between the thoracic cavity and abdominal cavity. In patients with Ehlers Danlos syndrome, features like fragile skin or hyperelastic, recurrent hernias, hypermobility of joints, healing difficulty, spontaneous pneumothorax, and vascular complications can be noticed. The presence of a defect in the diaphragm allows the passage of abdominal viscera into the thoracic cavity leading to compression of the ipsilateral lung and, depending on the volume of herniated viscera, there mediastinal shift with compression of the contralateral lung. Despite diagnostic and therapeutic advances it is still possible to find patients with late diagnosis of CDH, as evidenced in this case report, which shows that this disease is still underdiagnosed, indicating failure diagnosis during prenatal and neonatal period. Keywords: Diaphragmatic Hernia, Bochdalek, Ehlers Danlos syndrome. * Professor Adjunto da Universidade Federal do Amazonas **Médica Pediatra ***Médica Geneticista ****Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas | 77 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA DE BOCHDALEK EM PACIENTE PORTADOR DA SÍNDROME DE EHLERS DANLOS – RELATO DE CASO Introdução imagens com hipertransparência nos 2/3 do hemitórax esquerdo, sugerindo pneumotórax. Foi submetida a pleurostomia intercostal fechada entretanto não se observou expansão pulmonar (Figura 1). Entretanto, observou-se que não houve expansão pulmonar e iniciou-se investigação para provável etiologia. O paciente ficou em observação por 2 dias, contudo com dreno de tórax não funcionante. Hérnia diafragmática congênita (HDC) do tipo de Bochdalek consiste em um defeito na formação embrionária do diafragma, resultando em uma larga abertura (forame de Bochdalek) na região postero-lateral do diafragma, o que cria uma comunicação entre a cavidade torácica e a cavidade abdominal.1 Pode ser uni ou bilateral sendo mais frequente unilateral acometendo o Havendo suspeita de hérnia diafragmática, foi lado esquerdo.2 realizada uma radiografia contrastada, após A incidência de HDC varia dependendo da a ingestão de bário, que demonstrou alças utilização de casuísticas pré ou pós-natais. A intestinais na cavidade torácica (Figura 2). Foi incidência neonatal é cerca de 1:3000 a 1:5000, realizada uma tomografia computadorizada de com uma incidência pré-natal de 1:2000.2 Em tórax que diagnosticou a hérnia diafragmática pacientes portadores da Síndrome de Ehlers congênita no lado esquerdo. No dia seguinte ao Danlos que é uma condição genética autossômica diagnóstico realizou-se uma toracotomia lateral na qual ocorre distúrbio na formação de tecido esquerda para correção da hérnia diafragmática conjuntivo, com complicações sistêmicas, é congênita de Bochdalek. Durante o procedimento conhecida a possibilidade de apresentarem foi realizada a ráfia do diafragma e, devido à pneumotórax espontâneo e recorrência na característica friável do diafragma do paciente, formação das hérnias.3 Mesmo com os avanços foi realizado o reforço do mesmo com enxerto na terapêutica como ventilação com alta pericárdico. frequência e tratamento cirúrgico a taxa evoluiu sem complicações de mortalidade permanece alta.4 Algumas O paciente morbidades comumente são encontradas decorrentes da cirurgia, permanecendo associadas à HDC como hipertensão pulmonar, intubado entre o primeiro e segundo dia de disfunção gastrointestinal, sequelas no pós-operatório, e com drenagem torácica desenvolvimento neuropsicomotor, deficiência fechada no lado esquerdo por nove dias. Apresentou picos febris no décimo sétimo dia auditiva, entre outros.5 de pós-operatório. Em avaliação posterior foi O objetivo é relatar um caso de diagnóstico diagnosticada pneumonia de origem hospitalar tardio de hérnia diafragmática congênita do no pulmão direito, no décimo nono dia de póstipo Bochdalek, em um paciente pediátrico, operatório. Durante o período que permaneceu internado também realizou acompanhamento portador da síndrome de Ehlers Danlos. com geneticista e foi solicitada a investigação de cariótipo uma vez que o mesmo evoluía Relato de Caso com baixo peso e atraso neuropsicomotor, Paciente do sexo masculino, 29 meses, pesando sendo o mesmo diagnosticado com Síndrome de 8.700g, deu entrada no pronto atendimento com Ehlers-Danlos. Realizou nova broncoscopia no queixa de dificuldade para evacuar há 3 dias. trigésimo terceiro dia de pós-operatório a qual Ao exame físico apresentava-se normocorado, teve resultado normal e teve alta hospitalar anictérico, acianótico, afebril e dispneico. Na após 34 dias de internação. O Raio-X de tórax ausculta pulmonar notou-se murmúrio vesicular de controle demonstrou o diafragma bem abolido em hemitórax esquerdo. Na ausculta posicionado (Figura 3). cardíaca ritmo cardíaco regular em 2 tempos com bulhas normofonéticas. O abdômen apresentavase flácido, plano, indolor a palpação superficial e profunda. Foram realizadas radiografias de abdômen e tórax nas quais foram visibilizadas | 78 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA DE BOCHDALEK EM PACIENTE PORTADOR DA SÍNDROME DE EHLERS DANLOS – RELATO DE CASO Figura 1: Radiografia de tórax em PA com imagem sugestiva de pneumotórax. É observada área hipertransparente ocupando 2/3 inferiores do hemitórax esquerdo e ocasionando desvio de mediastino para o lado contralateral. Dreno (seta) posicionado na porção inferior do hemitórax esquerdo. Figura 2: Radiografias em AP e Perfil, utilizando contraste oral (bário). É evidenciada a hérnia diafragmática com a presença de alças intestinais para a cavidade torácica e o deslocamento de mediastino para o lado contralateral. | 79 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 Westphal et al Figura 3: Radiografia de tórax no pós-operatório, demonstrando boa expansão pulmonar e hemidiafragma esquerdo com bom posicionamento, convexidade e curvatura. herniação durante a gestação.2 Discussão As hérnias de Bochdaleck, descritas pelo anatomista Vincent Bochdalek em 1848, resultam de um defeito no segmento posterolateral do diafragma. Constituem de 85 a 90% das HDC. Os defeitos podem ser unilaterais ou bilaterais, sendo as hérnias esquerdas as mais frequentes, com uma incidência de cerca de 75 a 90%, como o observado no caso apresentado. Os defeitos posterolaterais direitos ocorrem em cerca de 10% dos casos e são bilaterais em menos de 5% dos casos.2 Em pacientes portadores da Síndrome de Ehlers Danlos, a qual é uma condição genética que ocasiona distúrbio na formação de tecidos conjuntivos, podem ser evidenciadas características como pele frágil ou hiperelástica, hiperelasticidade das articulações, dificuldade de cicatrização, pneumotórax espontâneo, hérnias recorrentes e complicações vasculares.3 Tais características desses pacientes favorecem o aparecimento de hérnias diafragmáticas como foi apresentado neste caso. A HDC pode ser diagnosticada durante o préAs hérnias de Bochdalek resultam de uma fusão natal utilizando o exame de ultrassonografia, incompleta das membranas pleuroperitoneais o qual é o método de investigação mais entre a 6ª e 8ª semana, altura em que o utilizado por seu baixo custo e segurança do intestino regressa à cavidade peritoneal, teste. Entretanto, a ultrassonografia continua com consequente persistência do canal apresentando falhas diagnósticas em torno de pleuroperitoneal. A gravidade da HDC está 41% dos casos de hérnia diafragmática, sendo a relacionada com a dimensão das vísceras falha do examinador correspondente à 33% dos 6,2 herniadas e com a altura em que ocorreu a erros diagnósticos. | 80 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015 HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA DE BOCHDALEK EM PACIENTE PORTADOR DA SÍNDROME DE EHLERS DANLOS – RELATO DE CASO Quando o diagnóstico não é estabelecido no pré-natal ou no período neonatal podemos fazer uso da tomografia computadorizada que é um excelente método para diagnóstico de hérnias diafragmáticas. A apresentação clínica pode variar entre eventos respiratórios (tosse, dispneia, infecção do trato respiratório alto, pneumonia) em 43% dos casos, sintomas gastrointestinais (vômitos, dor abdominal, constipação) em 33% dos casos, o paciente pode apresentar sintomas respiratórios e gastrointestinais simultaneamente (13%), como no paciente apresentado, ou mesmo pode se apresentar assintomático (11%). 6 O tratamento cirúrgico eletivo é o ideal uma vez que o diagnóstico tenha sido feito, pois pode ocorrer o encarceramento e estrangulamento do conteúdo herniado a qualquer momento. Tradicionalmente, as abordagens abertas como a laparotomia ou a toracotomia têm sido mais utilizadas, como no caso apresentado. Com o advento da laparoscopia, a abordagem mudou para um procedimento minimamente invasivo, com menor morbimortalidade.7 Em conclusão, a presença de um defeito no diafragma permite a passagem de vísceras abdominais para a cavidade torácica levando a compressão do pulmão ipsilateral e, dependendo do volume das vísceras herniadas, há desvio do mediastino com compressão do pulmão contralateral. Mesmo com avanços diagnósticos e terapêuticos ainda é possível encontrar pacientes com diagnóstico tardio de HDC, o que mostra que essa doença ainda é subdiagnosticada. Um diagnóstico tardio de HDC pode facilmente ser confundido com outras doenças devido ao seu quadro sintomático inespecífico, além de poder estar associada a condições genéticas como, por exemplo, a síndrome de Ehlers Danlos, como foi relatado anteriormente. Essa condição requer maior experiência e conhecimento por parte do médico para que o diagnóstico seja feito de forma precisa sem acarretar maiores complicações para o paciente. hernia: the importance of genetic and environmental factors. Erasmus University Rotterdam. 2004; June 17. 2. Santos E, Ribeiro S. Hérnia Diafragmática Congénita―artigo de revisão Congenital diaphragmatic hernia – a review. Acta Obstet Ginecol Port. 2008; 2: 25-33. 3. Iglesias, J.L., Renard,T. Diaphragmatic hernia in an 8-year-old with Ehlers-Danlos syndrome. Pediatric Surgery International. 1998; 13: 553555. 4. Kotecha S, Barbato A, Bush A, Claus F, Davenport M, Delacourt et al. Congenital Diaphragmatic Hernia. European Respiratory Journal. 2012; 39: 820-829. 5. Partridge EA, Bridge C, Donaher JG, Herkert LM, Grill E, Danzer E et al. Incidence and Factors Associated with Sensorineural and Conductive Hearing Loss among Survivors of Congenital Diaphragmatic Hernia. Journal of Pediatric Surgery. 2014; 49: 890-894. 6. Lemos S, Lemos P, Coelho N, Abrêu D, Feitosa L. Congenital Diaphragmatic Hernia with Delayed Diagnosis: Report of Two Cases. Case Reports in Clinical Medicine. 2015; 4: 114-118. 7. García EN, Sánchez JA, Jauredini GS, Spindel IB. Manejo laparoscópico de la hernia diafragmática congénita. Gac Med Mex. 2014 Sep-Oct;150(5):461-4. Referências 1. van Dooren, MF. Congenital diaphragmatic | 81 | revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.14. n.1 jan./jun. - 2015