VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 A rede ecológica da cidade de Coimbra - Contributo para uma paisagem urbana sustentável António José Pego*, João P. R. Simões**, António Campar de Almeida*** *Doutorando em Geografia Física, Dep. Geografia, FLUC [email protected]; **Mestrando em Geografia Física, Dep. Geografia, FLUC. [email protected]; *** Dep. Geografia, FLUC 1. Introdução Ao longo dos anos, o aumento da densidade da malha urbana tem vindo a reduzir a dimensão dos espaços verdes, sejam eles constituídos por alguma vegetação nativa ainda remanescente, ou por hortas e outro tipo de cobertura vegetal mais ou menos organizada. O verde urbano está hoje muitas vezes confinado a áreas isoladas por edificações e vias de comunicação, numa dinâmica ditada pelo uso do automóvel e em que a circulação pedestre e de bicicleta é largamente subaproveitada e desincentivada e mesmo dificultada. A tomada de consciência de que, nas grandes matrizes urbanas, a maior riqueza em biodiversidade se encontra localizada em pequenas manchas de vegetação, algumas ordenadas, mas por norma desprezadas pela maior parte dos cidadãos, dos decisores e dos estudos técnicos e científicos, motivou a análise ecológica da paisagem como instrumento fundamental na definição de modelos de preservação, conservação e ordenamento destas áreas como parte integrante do sistema urbano. Neste contexto, o presente trabalho pretende analisar, quantificar e caracterizar a estrutura da paisagem delimitada pelo centro urbano de Coimbra, fazendo o levantamento, a delimitação e a cartografia das suas manchas de vegetação e dos corredores ecológicos que as ligam. Procura-se, assim, estabelecer uma base conceptual e metodológica exequível para o estudo e implementação de uma rede ecológica urbana que promova a manutenção/recuperação da biodiversidade nos ecossistemas urbanos, numa perspectiva sustentável, multi-funcional e como possível contributo para a execução do Plano Estratégico de Coimbra, nomeadamente no seu vector ambiental “Coimbra Ecocidade”. Através de uma metodologia baseada nas observações de campo e na análise geoespacial em vários suportes e abrangendo de forma transversal a Geomorfologia, a Hidrologia, a Biogeografia e a Ecologia da Paisagem, chegou-se a uma proposta de design de Rede Ecológica para a Cidade de Coimbra. A morfologia desta rede procura 1 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais uma conjugação funcional e ecológica entre manchas organizadas públicas, manchas desorganizadas públicas e privadas e espaços verdes pontuais organizados, com corredores verdes urbanos (CVU), corredores ecológicos, o anel verde agro-florestal que rodeia o centro urbano e o decisivo rio Mondego com as suas margens, na sua função estruturante de corredor ecológico fundamental. Este estudo, para além de uma avaliação das manchas e corredores ecológicos a preservar em termos de planeamento urbano sustentável, permite definir uma rede multi-funcional de corredores verdes urbanos, numa dinâmica integradora de vias para peões, ciclovias e metro de superfície, quer no âmbito do lazer, quer no âmbito dos movimentos pendulares diários entre diferentes pólos funcionais da cidade. 2. Metodologia As tomadas de decisão no campo da metodologia basearam-se numa necessidade de simplicidade e eficiência, sobretudo em termos de meios disponíveis, estruturandose em três fases: Fase I: Delimitação da área de estudo Estruturação cartográfica1 Caracterização física: geologia/geomorfologia, rede hidrográfica, declividades e exposições. Fase II: Ecologia da Paisagem Urbana de Coimbra Delimitação espacial das manchas e corredores de vegetação Definição da tipologia/nomenclatura das manchas e corredores Selecção da métrica da paisagem para análise de viabilidade das manchas e dos corredores Análise de viabilidade das manchas e dos corredores (Anexo - Quadros 1 e 2): caracterização física2; estrutura e diversidade3; contexto da mancha na matriz4; grau de intervenção humana (hemerobia)5. 1 Folhas 230 e 241 da Carta Militar de Portugal 1/25000; folha 19D Carta Geológica de Portugal 1/50000; Carta Geológica de Portugal 1/500000, Região Centro; SIG ArcGis: cartas de declives e de exposições do Concelho; Ortofotomapas Google Earth, com sobreposição de informação ArcGis em kml. 2 Análise física do território ocupado pela mancha ou corredor (geologia, declive e exposição). 3 Análise dos índices de Shannon e de Simpson e do número de estratos na estrutura vertical da vegetação. 4 Análise do índice de forma, da distância à mancha mais próxima, o número de acessos e o número de conexões. 2 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Fase III: Análise do PDM e do Plano Estratégico da Cidade de Coimbra6 Estruturação da Rede Ecológica de Coimbra em função da análise de viabilidade das manchas e dos corredores Propostas de aplicação em função dos instrumentos de planeamento 3. Manchas de vegetação e corredores ecológicos em Coimbra A rede ecológica de uma cidade, estruturando-se em manchas de vegetação conectadas por corredores verdes, assume hoje um papel muito sensível em termos ecológicos, valorizando as manchas verdes remanescentes por entre o edificado invasivo e possibilitando novas vivências da paisagem urbana. Muitas destas manchas de vegetação e destes corredores ecológicos, pelas suas características, são indispensáveis ao equilíbrio do ciclo hidrológico, à drenagem atmosférica e à preservação dos solos que suportam o lazer urbano. Constituem ainda um factor indispensável ao controlo dos parâmetros físicos da atmosfera urbana e como habitat da fauna que mantém a biodiversidade, contribuindo, em última análise, para a saúde e o bem-estar dos citadinos. Se acrescentarmos a estas funções ecológicas dos corredores ecológicos algumas funções de uso ligadas ao lazer, ao desporto, à circulação de peões e bicicletas e à fruição de equipamentos culturais, temos o que mais recentemente se tem designado por Corredores Verdes Urbanos. São, portanto, vários os impactos positivos de uma rede ecológica urbana: o Diminuição do efeito de ilha de calor nas cidades e aumento do conforto decorrente da maior área de sombra nas ruas; o Contributo para a optimização dos intercâmbios nos vários sistemas da biosfera; o Melhoria da infiltração e circulação de água; o Contributo para a preservação e enriquecimento da biodiversidade em ambiente urbano; 5 6 Análise da hemerobia de acordo com Steinhardt e al. (1991), de 1 (mínima) a 3 (máxima). Procura de conexões entre os instrumentos de planeamento urbano e os conceitos em análise. 3 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais o Possibilidade de implementação de uma rede de vias que sirva com conforto e segurança o tráfego pedestre e que incentive o uso sustentável da bicicleta, em articulação com os sistema de transportes públicos; o Preservação de espaços e ecossistemas naturais em meio urbano; o Promoção e integração do conceito de hortas urbanas como complemento da rede ecológica urbana; A partir da base conceptual enunciada antes, extrapolaram-se para a área de estudo (centro urbano de Coimbra) os conceitos de estrutura associados à Ecologia da Paisagem que melhor se adequam ao estudo, planeamento e implementação de uma rede ecológica urbana. Da análise da ocupação do solo na área de estudo, através dos ortofotomapas Google Earth, resultou a definição de uma tipologia de manchas e corredores que preenchem os objectivos propostos (Figura 1): Manchas organizadas públicas (MOP): correspondem aos espaços verdes públicos, parques e jardins de maior dimensão, inseridos num zonamento próprio, revelando, para além do seu valor ecológico, um valor histórico e cultural no contexto da cidade de Coimbra: OP1 Parque da Cidade/Parque Verde Este; OP2 Parque Verde Oeste/Mosteiro de Santa Clara; OP3 Jardim Botânico; OP4 Jardim de Santa Cruz/Av. Sá da Bandeira; OP5 Mata do Choupal. Manchas desorganizadas públicas/privadas (MDPP): correspondem a todas as manchas de vegetação não ocupadas por construções, independentemente da sua classificação em termos de PDM. Foram identificadas 20 MDPP, apresentando-se aqui alguns exemplos: DP1 Laranjal; DP2 Coselhas/Variante do Hospital; DP3 Boavista/Escola de Hotelaria; DP4 Pinhal de Marrocos; DP5 Quinta da Portela/Rebolim/Boavista. A delimitação destas manchas baseou-se na continuidade que cada uma apresentava no ortofotomapa, sem interrupções provocadas por estradas ou outras construções. Manchas organizadas pontuais públicas (MOPP): correspondem a espaços verdes públicos de menor dimensão, com valor cultural ou fruto de intervenções urbanísticas recentes, a saber: PP1 Vale das Flores; PP2 Penedo da Saudade; PP3 Casa do Sal. Corredores verdes urbanos (CVU): corredores multifuncionais desenhados na área de estudo e que obedecem aos seguintes princípios: 4 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 o Aproveitamento de linearidades existentes (ruas, caminhos de ferro, jardins...); o Conectividade, isto é, possibilidades de ligação entre áreas funcionais da cidade e integração com outros meios de transporte (metro de superfície); o Multifuncionalidade: circulação de peões e de ciclistas em lazer, desporto ou simples deslocação pendular; o Desenvolvimento sustentável: optimização das condições de conforto climático urbano, através da sombra das árvores, diminuição do tráfego automóvel e do uso de combustíveis fósseis; o Restabelecimento da conectividade ecológica entre manchas, quebrada por construções de vários tipos ao longo das últimas décadas; o Integração da rede do Metro Mondego na rede de CVU, possibilitando uma articulação entre o Metro e a bicicleta. Foram assim definidos os seguintes CVU: CVU1 Rio Mondego; CVU2 HUC/Jardim Botânico; CVU3 Casa Branca/Vale das Flores; CVU4 HUC/Choupal; CVU5 Solum/Parque Verde; CVU6 Elíso de Moura/Solum; CVU7 Olivais/Jardim Botânico; CVU8 Universidade/Praça da República/Parque da Cidade. Corredores ecológicos (CECO): este conceito de corredor ecológico no contexto de uma rede ecológica urbana decorre da necessidade de manter ou restabelecer a conectividade entre manchas dentro da matriz urbana ou entre estas manchas e a área rural envolvente da matriz urbana. No entanto, ao contrário dos CVU, estes corredores ecológicos têm apenas uma função ecológica. Pode tratar-se de simples faixas estreitas de vegetação espontânea ou plantada, mais ou menos diversa, entre manchas ou, nos casos mais frequentes, ruas arborizadas, ou ainda espaços livres de construção que, pela sua localização, são a única ligação entre duas manchas, mas com necessidade de plantio. Neste contexto, a definição de possíveis corredores ecológicos obedeceu aos seguintes pressupostos: o Omnipresença do grande corredor ripícola do rio Mondego. A área de estudo seleccionada é enquadrada a Sul, Sudoeste e Oeste por 11,5 km do curso inferior do Mondego, dos quais 70% mantêm uma estrutura ripícola bem conservada e dinâmica; o Corredores existentes, possibilitando a ligação entre duas 5 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais manchas; o Necessidade de assegurar a conectividade futura entre manchas ainda contíguas, mas ameaçadas pela construção; o Necessidade de restabelecer a conectividade entre manchas, quebrada pela densidade da construção; o Necessidade de assegurar a conectividade entre o grande corredor ripícola do rio Mondego e manchas contíguas nas duas margens; o Necessidade de assegurar a conectividade entre manchas separadas por zonas densamente construídas. D 1 N B 1 C A 2 1 2 0 200m 200 Figura 1 – Amostra da rede ecológica de Coimbra 1 Mancha organizada pública (MOP); 2 Mancha desorganizada pública/privada (MDPP); A Corredor ecológico (CECO); B Corredor ecológico Rio Mondego; C Corredor verde urbano (CVU); D Metro Mondego. 3.1 Análise de viabilidade das manchas Para analisar a viabilidade das manchas, depois de seleccionadas as cinco manchas referidas na introdução e os parâmetros necessários, elaborou-se um quadro-resumo (Anexo – Quadro I) com os registos resultantes do trabalho de campo e da análise cartográfica. 6 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Os parâmetros constantes no quadro-resumo I permitem-nos avaliar cada mancha de vegetação em quatro aspectos fundamentais: caracterização física; estrutura e diversidade; contexto na matriz; grau de intervenção humana. 3.1.1 Caracterização física das manchas Da sobreposição das manchas na carta geológica por nós elaborada constatou-se que as manchas D4 e D15 assentam numa estrutura de conglomerados de diferentes formações, sendo D17 e O4 implantados sobre calcários; O5 desenvolve-se em aluviões. No que concerne à declividade, a maioria das manchas apresenta-se em declives nas classes 5-15 e 15-25, exceptuando O5, inferior a 2%. Da análise das exposições resulta que D4 apresenta exposições aos quadrantes Norte e Sul, com implicações óbvias na cobertura vegetal, como adiante se fará referência. A mancha D15 está exposta ao quadrante Sul, a D17 ao quadrante Norte, a O4 ao quadrante Oeste e O5, sendo plana, tem uma exposição total. Em termos de área, verifica-se que O5 é o de maior dimensão (1,04 km2) e O4 o de menor dimensão (0,09 km2), sendo a dimensão média de 0,51 km2. Será de referir que D17, não tendo a maior área, apresenta o maior perímetro (10,4 km), com implicações directas no índice de forma, devido à sua maior irregularidade. 3.1.2 Estrutura e diversidade Os levantamentos e contagens da cobertura vegetal em amostras aleatórias definidas dentro de cada mancha possibilitaram a definição dos índices de diversidade de Shannon e de Simpson, constatando-se que O5 apresenta o valor mais elevado no índice de Shannon (1,03) e D15 o valor mais baixo (0,4). No que se refere ao índice de Simpson, constatou-se que O5 apresenta também o valor mais elevado (0,9) e D15 o valor mais baixo (0,05). Ou seja, os de maior valor contêm maior diversidade específica. Em termos de estrutura vertical da vegetação, um parâmetro importante porque permite avaliar a diversidade e a tipologia de habitats, registou-se que O5 apresenta o maior número de estratos (5) e D4 o menor (2). 3.1.3 Contexto da mancha na matriz A análise das manchas tem que ter em consideração o seu posicionamento no contexto da matriz. Nesse sentido optou-se por analisar a forma, a distância à mancha mais próxima e o número de acessos. 7 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais O cálculo do índice de forma permitiu verificar que D17 apresenta o valor mais elevado (0.28), sendo portanto a mancha mais regular na forma e, assim, com menos efeito de orla. Pelo contrário, D15 e O4 apresentam-se como os mais irregulares, com valores que rondam os 0.2 de índice de forma, verificando-se um efeito de orla maior, logo, maior vulnerabilidade. O número médio de acessos é de 11, destacando-se pela positiva o O5, com apenas 3 acessos e, pela negativa D15, com 12 acessos, com implicações também em termos de vulnerabilidade. 3.1.4 Grau de intervenção humana (hemerobia) A importância ecológica de uma mancha decorre também do maior ou menor grau de intervenção humana, a qual se pode medir pela posição no contexto da matriz (já analisada no ponto anterior) e também pela percentagem de espécies nativas e exóticas, de onde se concluirá a hemerobia. Optou-se por classificar a hemerobia de acordo com Steinhardt e al. (1999) de 1 (mínima) a 3 (máxima). Uma vez que estamos a trabalhar numa matriz urbana, são expectáveis valores elevados (2 e 3). Verificou-se então hemerobia máxima nas manchas O4 e O5. No caso de O5, este valor máximo contrasta com o baixo número de acessos (3), sendo de referir que se trata de uma mancha resultante de uma intervenção humana efectuada por Estêvão Cabral aquando da regularização do rio Mondego (início séc. XIX). 3.2 Análise de viabilidade dos corredores ecológicos Aos corredores ecológicos aplica-se a mesma metodologia de análise de viabilidade aplicada às manchas, embora com algumas variáveis específicas para corredores, a saber: a largura média, a continuidade, o número de interrupções e a conectividade. Foram então seleccionados 4 corredores ecológicos representativos da maioria dos pressupostos em que se baseou o seu levantamento e já enunciados no ponto 3. Tal como para as manchas, analisou-se a viabilidade dos corredores ecológicos nos mesmos quatro aspectos, compilados no quadro-resumo II (Anexo – Quadro II). 3.2.1 Caracterização física dos corredores. Em termos geológicos, dos quatro corredores analisados, O CECO Mondego e o CECO 35 desenvolvem-se sobre aluviões, o CECO 32 sobre aluviões e sobre areias vermelhas do Estádio e, finalmente, o CECO 51 sobre calcários dolomíticos. 8 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Da análise da declividade, o CECO Mondego e o CECO 35, como corredores ripícolas típicos implantados já no sector inferior do curso de água principal (Mondego), registam menos de 2% de declive e exposição total, variando os restantes dois corredores entre 5 e 25%, expostos a Sul (CECO 32) e a Oeste (CECO 51). A dimensão destes corredores foi também estudada, sobretudo em termos de comprimento e de largura média. Assim, o CECO Mondego apresenta-se com uma dimensão que podemos adjectivar de estrutural neste sistema de manchas e corredores, com um comprimento de 11,5 km e uma largura média de 160 m (englobando o canal fluvial e a galeria ripícola que, em algumas zonas tem mais de 30 m de largura em cada margem). Os restantes três corredores observados variam entre os 250 e os 500 metros de comprimento e entre os 30 e os 40 metros de largura, dimensões dentro dos valores observados empiricamente para a generalidade dos corredores ecológicos cartografados. 3.2.2 Estrutura e diversidade A observação e registo da cobertura vegetal dos corredores permitiram obter dados relativos à estrutura estratigráfica e à diversidade da vegetação. Estes últimos foram condensados nos índices de diversidade de Shannon e de Simpson. Assim, entre os quatro corredores observa-se alguma uniformidade de valores nos dois índices, entre 0.70 e 0.79 (I.D. Simpson) e 0.58 e 0.68 (I.D. Shannon), o que representa uma diversidade interessante do ponto de vista do valor ecológico, sobretudo tendo em consideração o meio urbano. O valor ecológico destes corredores assenta também na sua estrutura vertical. Nenhum destes apresenta menos de três estratos, com uma predominância do estrato arbóreo e arbustivo em termos de área ocupada. 3.2.3 Contexto na matriz A própria selecção dos corredores ecológicos decorre da sua localização no contexto da matriz. A este nível, numa análise de viabilidade, optou-se por quantificar o número de conexões no contexto da rede ecológica. Naturalmente, o CECO Mondego, pela sua dimensão estrutural, apresenta o maior número de conexões, não só com manchas, mas também com corredores verdes urbanos e outros corredores ecológicos. Os restantes três corredores registam entre uma e três conexões com outros elementos da rede ecológica. 9 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais 3.2.4 Grau de intervenção humana O valor ecológico destes corredores, decorrente em grande medida da estrutura e diversidade da cobertura vegetal, depende em última análise do grau de intervenção humana, sobretudo num contexto urbano como este. Assim, para estes corredores ecológicos teve-se em consideração a continuidade (percentagem do corredor sem interrupções), o número de interrupções e a proporção de vegetação nativa, podendo-se assim obter o grau de hemerobia (estimado). Novamente a urbanização teve o seu papel nas alterações ao longo do tempo em cada corredor. Todos, à excepção do CECO51, apresentam uma hemerobia média (2), sublinhando-se o facto de registarem mais de 50% de cobertura por espécies nativas (valor tendencialmente mais elevado nos corredores ripícolas). No CECO 32, este valor poderia ser mais elevado ainda, se não acontecesse uma infestação de Acacia mimosa em vários estratos, ocupando cerca de 60% do corredor. 4. A rede ecológica da Cidade de Coimbra Sendo a concepção de uma rede ecológica para a cidade de Coimbra o fim último dos estudos abordados no presente trabalho, chegou-se então a uma proposta de design de rede ecológica em função dos levantamentos e estudos de viabilidade de manchas e corredores, com tipologias e funcionalidades enunciadas em pontos anteriores. 10 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Figura 2 – Rede Ecológica da Cidade de Coimbra Legenda: 1- Manchas organizadas públicas (MOP); 2- Manchas desorganizadas públicas/privadas (MDPP); 3- Manchas organizadas pontuais públicas (MOPP); A- Corredores ecológicos (CECO); BCorredor ecológico Rio Mondego; C- Corredores verdes urbanos (CVU); D- Metro Mondego. São de destacar os seguintes aspectos essenciais na concepção desta proposta de rede: Manchas verdes desorganizadas: será importante tomar medidas para a preservação de determinadas manchas, nomeadamente no flanco Leste da cidade (conectividade com a área florestal adjacente), no flanco Sul (Pinhal de Marrocos/Polo II, pelo equilíbrio edafo-climático de parte da vegetação) e no flanco Norte e Noroeste, ao longo do corredor ripícola da ribeira de Coselhas e vertentes adjacentes); Corredores ecológicos: estes corredores são, na sua maioria, resquícios de manchas entretanto urbanizadas, pelo que deverão ser protegidos e, em alguns casos, intervencionados em termos de controlo de espécies infestantes e plantio de espécies nativas; Corredores verdes urbanos: estes CVU foram concebidos de forma integrada com o projectado Metro Mondego, promovendo a circulação de peões e ciclistas entre 11 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais várias áreas funcionais da cidade e com várias funções, um conceito abordado anteriormente. Nesse sentido, afigura-se como principal dificuldade a necessidade de infra-estruturas (ciclovias e travessias seguras para peões e ciclistas e plantio de árvores ao longo de alguns trechos destes CVU, de modo a preservar a sua função de ligação ecológica, estética e de conforto). Numa perspectiva de aplicação prática, verificámos que em algumas artérias as alterações a executar são fáceis de realizar e com baixos investimentos, noutras, contudo, as alterações serão mais difíceis e com custos mais elevados. Depois de analisarmos diferentes possibilidades de alteração da circulação nas áreas correspondentes aos CVU, seleccionámos para ensaio de intervenção o sector que corresponde à Rua de Tomar do CVU 2, ligando a Universidade de Coimbra aos HUC. Na rua em causa existem duas faixas de circulação, uma em cada sentido, com estacionamento em ambos os lados, sendo num dos sentidos feito em espinha e no outro paralelamente à via. A via está arborizada com algumas falhas, não permitindo um contínuo de copas imprescindível a um CVU plenamente funcional. Propomos assim as seguintes transformações: reposição das árvores em falta; transformação do estacionamento em espinha em estacionamento paralelo; deslocamento do estacionamento 70cm em cada sentido para o eixo da via e ocupação do espaço assim libertado com uma ciclovia em cada sentido (Figura 3). Ressalva-se, que a passagem do Metro Mondego, nesta via, poderá inviabilizar esta solução; Figura 3 – Proposta de intervenção na rua de Tomar (CVU2) Hortas e jardins particulares: o conceito de hortas urbanas tem vindo a ganhar espaço próprio no planeamento urbano moderno (Telles, 1996). Em Coimbra, observando a rede ecológica proposta, notam-se alguns desequilíbrios, sobretudo nas áreas mais densamente urbanizadas e mais antigas (Bairros de Celas, Olivais e Norton de Matos). Nesses espaços, os próprios jardins das moradias desempenham um papel importante em termos 12 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 ecológicos. Por sua vez, a promoção de hortas urbanas deverá ser encarada como contributo ecológico e sócio-económico importante. 5. CONCLUSÕES O Centro Urbano de Coimbra apresenta uma matriz que se caracteriza pela elevada fragmentação, com um padrão diversificado, com espaços de vegetação organizados, até aos completamente desorganizados, passando pelos que resultam do abandono da prática agrícola. Muitos destes espaços, embora ameaçados, apresentam-se bem conservados, observando-se uma elevada biodiversidade, em que a vegetação nativa coabita com a vegetação introduzida. É ainda possível encontrar algumas manchas com áreas centrais bastante preservadas e ricas em avifauna, répteis e pequenos roedores, embora noutras manchas o efeito de orla seja mais notório. Os índices utilizados deram indicações suficientes em relação à estrutura das manchas e da sua biodiversidade. As manchas analisadas têm uma dimensão suficiente para manterem a sua sustentabilidade, contudo a pressão antrópica a que estão sujeitas indiciam a necessidade de corredores que permitam a manutenção da sua estabilidade. Os conceitos desenvolvidos revelaram uma grande aplicabilidade ao território em estudo. Coimbra, apesar da pressão urbanística das últimas décadas, conservou uma matriz que permite a implantação de uma rede ecológica multifuncional devidamente consagrada em PDM e alicerçada na sustentabilidade dos transportes alternativos e na preservação de uma estrutura ecológica na matriz urbana, conservando as manchas consideradas fundamentais e a conectividade entre elas através de corredores ecológicos. 13 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais BIBLIOGRAFIA: Almeida, A. 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Forman, R.; Gordon M. – “Landscape Ecology” - New York, John Wiley, 1986 Cook, Edward A. – “Landscape structure indices for assessing urban ecological networks”, Arizona State University, Tempe, 2002 Herrmann, Bethania; Rodrigues Efraim; Lima, André – “A paisagem como condicionadora de bordas de fragmentos florestais” – Curitiba, 2005 Penteado, H.; Alvarez, C. – “Corredores verdes urbanos: estudo de viabilidade de conexão das áreas verdes de Vitória” – Vitória, sem data Ramos, Isabel L. – “Indicadores de Paisagem: abordagens e perspectivas de desenvolvimento” – CESUR, Instituto Superior Técnico, Lisboa, sem data. Salgueiro, Teresa B. – “Paisagem e Geografia” – Finisterra, Vol. XXXVI, 72, pp.37 a 53, Lisboa, 2001 Pinto - Correia, T. & al. - “Identificação de unidades de paisagem: Metodologia Aplicada a Portugal continental” -Finisterra, Vol. XXXVI, 72, pp.195 a 206, Lisboa, 2001 14 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Rochette, António, 2004 – “Uma nova perspectiva de ordenamento do território para o concelho de Coimbra. Uma abordagem segundo a “filosofia” dos Corredores Verdes”. Cadernos de Geografia, FLUC, nº 21/23, (2002-2004), Coimbra, pp. 67-78. Soares, A. Ferreira Soares et al. - “Folha 19-D (Lousã) da Carta Geológica de Portugal na escala 1/50.000 e respectiva Notícia Explicativa”. INETI- Departamento de Geologia. 2007 TELLES, Gonçalo Ribeiro, 1996, Um Novo Conceito de Cidade: a Paisagem Global. Matosinhos, Contemporânea Editora Ldª, Câmara Municipal de Matosinhos. Valente, R. – “Análise da estrutura da paisagem” São Paulo, 2001. 15 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais ANEXOS Quadro I – Caracterização das manchas de vegetação D4 D15 D17 O4 O5 Pinhal Marrocos Polo II Malheiros Circular Externa Norte Sereia – Sá da Bandeira Choupal Conglomerados, form. de Castelo Viegas Conglomerados, form. da Conraria Calcários de Cbr., calc. dolomíticos, aluviões Calcários de Cbr, calcários dolomíticos Aluviões Declive (%) 5-15, 15-25 15-25 5-15, 15-25 5-15 <2 Exposição N, NE, S S, SW NW, N, NE W, NW Plano 0.45 (0.51) 0.18 (0.51) 0.78 (0.51) 0.09 (0.51) 1.04 (0.51) Perímetro (km) 6.5 3.3 10.4 2.5 8.6 Índice forma 0.24 0.19 0.28 0.2 0.21 0.4 (0.18) 0.02 (0.18) 0.01 (0.18) 0.25 (0.18) 0.22 (0.18) Número acessos 11 12 11 11 3 Hemerobia (1 a 3) 2 2 2 3 3 Geologia Área (km2)/méd. Dist. vizinho mais prox. (km)/ média nº ind Espécie Vegetação de referência (amostra da mancha) - Sobreiro, carvalho - Eucalipto - Pinheiros manso, pinheiro bravo - Tojo, urze, cistus, rosmaninho... Nº estratos Estrutura vertical 2 nº ind Espécie - Eucalipto 50 - Pinheiro 40 - Sobreiro, 10 carvalho - Gramíneas 60 % Nº estratos 40 10 5 90 3 % nº ind Espécie - Pinheiro - Sobreiro, carvalho - Eucalipto - Oliveira - Ripárias (freixo, amieiro, salgueiro, canavial...) - Gramíneas Nº estratos 20 30 10 20 20 nº ind Espécie - Cedro - Choupo - Espécie X - Plátanos - Palmeiras - Gramíneas 40 10 50 20 10 20 70 4 % Nº estratos 3 % nº ind. Espécie - Plátanos - Eucaliptos - Choupos - Lódão, cedro, amoreira... - Ripárias (amieiro, freixo, salgueiro...) - Ulmeiro - Loureiro 30 30 30 30 5 % Nº estratos 30 25 40 Arbóreo 70 Arbóreo 50 Arbóreo 50 Arbóreo 30 Arbóreo 80 Sub-arbóreo -- -- Sub-arbóreo -- 50 Sub-arbóreo 80 Arbustivo 90 Arbustivo -- Arbustivo 60 Arbustivo -- Arbustivo 70 Sub-arbustivo -- Sub-arbustivo 30 Sub-arbustivo 70 Sub-arbustivo -- Sub-arbustivo 60 Herbáceo -- Herbáceo 80 Herbáceo 80 Herbáceo 20 Herbáceo Sub-arbóreo Sub-arbóreo Espécies nativas (%) 80 30 80 10 20 Ind. div. Simpson 0.29 0.05 0.06 0.06 0.9 Ind. div. Shanon 0,9 0,4 0,9 0,7 1,03 90 16 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Quadro II – Caracterização dos corredores ecológicos CECO Mondego CECO32 CECO35 CECO51 Rio Mondego Polo 2 Arregaça-Laranjal HUC-Pediátrico novo Aluviões Aluviões, areias vermelhas do Estádio Aluviões Calcários dolomíticos Declive (%) <2 15-25 <2 5-15 Exposição Plano S Plano W Área (km2) 1.84 0.02 0.01 0.02 Largura média (km) 0.16 0.04 0.03 0.04 Comprimento (km) 11.5 0.5 0.25 0.4 Continuidade (%) 70 70 90 80 Nº interrupções 5 3 1 3 Geologia Conectividade DP5, DP1, OP2, OP3, OP5, CVU1, 8 CECOs Hemerobia (1 a 3) Nº estratos 3 DP19, DP1 2 nº ind. Alnus glutinosa Vegetação de Fraxinus angusti referência (amostra do corredor) Salix atrocinerea Salix alba Acacia mimosa Espécies nativas (%) DP5, DP4, CVU1 2 Espécie Estrutura vertical 14 3 Pinheiro Carvalho Sobreiro Acácia Oliveira % Nº estratos DP17 2 nº ind. Espécie 5 5 30 30 10 2 40 40 50 60 40 4 % 3 nº ind. Espécie Salgueiro negro Salgueirobranco Ulmeiro Choupo Plátano Nº estratos 1 30 30 20 40 10 4 % nº ind. Espécie Eucalipto Pinheiro Cedro Choupo Acácia 20 20 5 10 10 Nº estratos 3 % Arbóreo 20 Arbóreo 80 Arbóreo 50 Arbóreo 90 Sub-arbóreo 80 Sub-arbóreo 50 Sub-arbóreo – Sub-arbóreo -- Arbustivo 40 Arbustivo 70 Arbustivo 80 Arbustivo 40 Sub-arbustivo – Sub-arbustivo 50 Sub-arbustivo 40 Sub-arbustivo -- Herbáceo – Herbáceo 20 Herbáceo 70 Herbáceo 80 80 50 50 10 Ind. div. Simpson 0.70 0.79 0.77 0.76 Ind. div. Shannon 0.58 0.68 0.66 0.65 17