O que está acontecendo na China?

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Economia
O que está acontecendo
na China?
Elias Marco Khalil Jabbour*
A capacidade comprovada da governança chinesa em
gerir crises é extensamente comprovada. E o poder
estatal chinês não é refém de grandes interesses
corporativos de toda e qualquer espécie. Eis uma
diferença fundamental a ser destacada
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Ed. 137 – Julho/Agosto 2015
A
s análises de curto
prazo têm um problema muito sério,
justamente quando
partem para o jogo
de adivinho do “longo prazo”. O
mesmo ocorre com o exagero que
acompanha análises de estratégias de desenvolvimento quando
deparadas com acidentes, contradições de curto prazo. Os que estão presos a análises de estratégias
de longo prazo, como a chinesa,
podem ser pegos de surpresa diante de algum percalço conjuntural.
Por outro lado, os afeitos à análise do imediato, muitas vezes sob
encomenda, são atraídos pelos números frios e o calor do momento
e das expectativas, racionais ou
não. Em ambos os casos a atração
exercida pelos finais trágicos dos
romances de origem anglo-saxônica contamina a análise.
Indo agora direto ao ponto: o
que está acontecendo com a China?
Uma festa com final infeliz de um
modelo de crescimento “insustentável”? O erro da fixação de um “Estado autoritário” em manter os dois
preços básicos da economia (taxa
de câmbio e taxa de juros) sob seu
estrito controle? O fim da “farofa”
interna da abundante liquidez “descontrolada” desde 2005?
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A capacidade da
governança chinesa
em gerir crises
é extensamente
comprovada.
Até porque, para
os chineses, as
palavras crise e
superação são
parte do mesmo
ideograma de um
imenso alfabeto.
E mais importante:
o “santo remédio”
da liberalização
ainda não faz parte
do horizonte deles
A China levou às últimas consequências a possibilidade de alargamento de sua base monetária e, consigo, as carteiras de crédito em todos
os níveis. Foi a resposta dada pelo
país em meio ao fechamento relativo
de mercados externos devido à crise
financeira global. Segundo o André
Nassif (“Uma crise chinesa?” publicada no Estado de S. Paulo, 8-7-2015),
entre 2004 e 2010, a base monetária
e o crédito tiveram aumento de 25%
e 20%, respectivamente – isto em
um ambiente de inflação doméstica
de 2% e de taxas de juros e de crédito fixas em 5,5% e 7,7% desde 2008.
Evidente que se trata de um ambiente bastante propício não somente ao investimento produtivo, mas
também ao exercício de algum nível
de especulação financeira. Afinal, o
próprio mercado de capitais na China
passou por um intenso processo de
aprofundamento e aumento de seu
alcance e sofisticação nos últimos
dez anos, em um processo marcado
pela intensa participação acionária
por parte de pequenos empreendedores e, naturalmente, das suas
próprias empresas estatais. Todos
atores, como em qualquer lugar do
mundo, com uma forte tendência de
aversão ao risco. No caso chinês, o
risco de uma economia em lenta desaceleração.
Economia
É evidente que o prazo de validade do crescimento
puxado pelo investimento na China está se encerrando e que o consumo deverá aumentar sua participação
na composição do PIB. E esta transição promete ser
tão dolorosa quanto a observada, a partir de 1978, de
uma “economia de comando” a outra de “mercado sob
escopo do plano”. As dores do parto são inevitáveis.
Um exemplo interessante pode ser notado no papel de
“gasolina na fogueira” exercido pela alta inflacionária
interna às manifestações que sacudiram Pequim entre
maio e junho de 1989. E a China e o rumo traçado
em 1949-1978 mantiveram-se inalterados desde então. Assim como os acontecimentos centrados em seu
mercado de capitais nas últimas semanas manterão os
rumos do país pouco alterados, pois a própria causa
primária destes acontecimentos demonstra bem quem
realmente dá as cartas no jogo na China. Estaria sendo
por demais otimista? Creio que não.
O que é peculiar no presente episódio? Primeiro,
o incentivo do governo aos chamados “empréstimos
marginais” como forma – primitiva – de mobilização
de poupança de pequenos e médios poupadores, que
parece ser parte inicial da transição do crescimento
pautado pelo investimento para o crescimento puxado pelo consumo. Este tipo de endividamento levou
as próprias empresas estatais à procura desta forma
de financiamento. Quase de forma automática uma
bolha especulativa formou-se no país com o Estado passando, fortemente, a desinflá-la, proibindo a
oferta desse tipo de empréstimo. O “efeito manada”
é quase uma lei da natureza com preços de ações
despencando e respectivo contágio pelo restante do
conjunto da economia.
Neste contexto, perguntamos: Iniciamos uma nova crise financeira? Há perspectiva de volta à norma-
lidade no médio e longo prazo? A primeira resposta é
não. A segunda é sim. A proibição por parte do Estado
de operações financeiras de cerca de 1300 companhias
listadas na bolsa e a obrigação às estatais de não moverem suas posições no mercado de ações colocarão
este mercado em posição de normalidade ainda nas
próximas semanas. Neste aspecto, o papel decisório
do Estado sobre suas empresas é de fundamental importância em comparação com o não poder exercido
pelo Estado norte-americano, e europeu, sobre as firmas bancárias sediadas em seus territórios. O aspecto
relevante, neste particular, está justamente no fato de
o poder estatal chinês não ser refém de grandes interesses corporativos de toda e qualquer espécie. Eis
uma diferença fundamental a ser destacada.
Existe muita matéria a ser escrita ainda a respeito desta “bolha” chinesa, e não tenho pretensão de
esgotá-la aqui. Meu recado aos pretensos demiurgos
da “tragédia chinesa” é: tentem ser, ao menos, mais
criativos. Diversifiquem os argumentos repetidos há
quase três décadas. A capacidade da governança chinesa em gerir crises é extensamente comprovada. Até
porque, para os chineses, crise e superação são parte
do mesmo ideograma de um imenso alfabeto. E mais
importante: o “santo remédio” da liberalização ainda
não faz parte do horizonte deles.
* Elias Jabbour é professor adjunto da Faculdade
de Ciências Econômicas da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e autor do livro
China Hoje: Projeto Nacional, Desenvolvimento e
Socialismo de Mercado (Anita Garibaldi/EDUEPB).
Artigo publicado originalmente no jornal Valor
Econômico.
O mercado de capitais
na China passou por
um intenso processo de
aprofundamento e aumento
de seu alcance e sofisticação
nos últimos dez anos
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