Plinio Valente Ramos Neto

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito
O USO DO ARGUMENTO CONSEQUENCIALISTA
EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA: LIMITES ÉTICOS E
JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS.
Aluno: Plínio Valente Ramos Neto
Orientador: Prof.Dr. Antônio de Moura Borges
Brasília - DF
2013
PLINIO VALENTE RAMOS NETO
O USO DO ARGUMENTO CONSEQUENCIALISTA
EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA: LIMITES ÉTICOS E JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em nome
do Mestrado em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito para
obtenção de título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof.Dr. Antônio de Moura
Borges
Brasília
2013
R175u Ramos Neto, Plinio Valente.
O uso do argumento consequencialista em matéria tributária: limites
éticos e jurídico-constitucionais. / Plinio Valente Ramos Neto – 2013.
84f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2013.
Orientação: Prof. Dr. Antonio de Moura Borges
1. Teoria do conhecimento. 2. Direito e economia. 3. Processo
judicial. 4. Direitos civis. I. Borges, Antonio de Moura, orient. II. Título.
CDU 347.9
Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB.
Dedico este trabalho ao Sagrado Coração
de Jesus e ao Imaculado Coração de
Maria.
Dedico, também, à minha mãe, Francisca
Célia.
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus, por ter permitido concluir mais uma etapa profissional na minha
vida;
Agradeço à minha mãe, Célia, por sua presença amorosa em todos os momentos de
minha vida;
Agradeço à Universidade Católica de Brasília e aos seus professores, em especial,
aos professores Dr. Antônio de Moura Borges e Dr. João Rezende Almeida Oliveira,
pela oportunidade de aprender conhecimentos valiosos para minha vida profissional;
Agradeço ao Tribunal de Contas do Estado do Piauí e àqueles que trabalham na
instituição, os quais, direta ou indiretamente, contribuíram para este trabalho;
Agradeço ao colega professor Alexandre Veloso, pelo incentivo feito para participar
do curso de mestrado em direito na Universidade Católica de Brasília;
Agradeço ao professor Dr. Gerson Albuquerque de Araújo Neto e a todos os
professores do curso de filosofia da Universidade Federal do Piauí, que inspiraram
boa parte deste trabalho.
RESUMO
Referência: RAMOS NETO, Plínio Valente. O uso do argumento
consequencialista em matéria tributária: limites éticos e jurídico-constitucionais.
84f. Mestrado em Direito - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2013.
Em razão do aumento da atividade criativa do juiz quando interpreta e aplica o
direito, verificou-se o uso de argumentos de ordem econômica, axiológica e prática,
fugindo ao puro raciocínio do silogismo jurídico. Essa tendência não ocorre de forma
isolada do atual estado da ciência.No âmbito da teoria do conhecimento, o
pragmatismo questiona a existência de uma verdade objetiva e absoluta,
redirecionando o eixo do conhecimento da verdade para a utilidade. A teoria ética
utilitarista, por sua vez, propõe uma justificação da ação, prática a partir das
consequências, distanciando-se de concepções normativistas ou motivacionais. A
teoria do direito, em especial, na seara constitucional, propõe, outrossim, uma
articulação entre direito, moral e política. Além disso, evidenciando o diálogo entre o
direito e economia, a análise econômica do direito revela o papel que o direito pode
alcançar na indução de comportamentos humanos desejáveis. Atualmente, verificase em julgados da Suprema Corte brasileira a incidência de argumentos
consequencialistas em matéria tributária, utilizadas em sede de controle de
constitucionalidade concentrado, sustentados a título de proteção ao princípio da
segurança jurídica, quando se discute a possibilidade da modulação de efeitos da
decisão judicial.Entretanto, percebe-se que tais argumentos são levantados a esmo,
sem análise de sua validade, solidez e dos limites do seu uso diante da teoria ética,
da teoria da justiça e da ordem constitucional brasileira, notadamente em confronto
com a teoria dos direitos fundamentais.Nesse sentido, o presente trabalho visa
suprir essa lacuna, buscando construir um diálogo entre a ética e o direito com o
objetivo de solucionar o problema proposto.
Palavras-chave: Verdade. Valor. Paradigma. Pragmatismo jurídico. Argumento.
Consequencialismo. Utilitarismo. Direitos fundamentais.
ABSTRACT
Because judge's increased creative activity when he judges and interprets and
applies the law, it was verified the use of arguments of economic, axiological and
practical, fleeing to pure thoughts of the legal syllogism. This trend doesn't happened
in isolation way of the current state of science.Under the theory of knowledge,
pragmatism, questions the existence of objective truth and absolute, redirecting the
main point of view of the knowledge of the truth for the utility. The utilitarian ethical
theory, in its turn, provides a justification of the action, from the practical
consequences, distancing themselves from normative conceptions or motivational.
The theory of law, especially in harvest constitutional proposes, instead, a link
between law, morality and politics. Moreover, showing the dialogue between law and
economics, the economic analysis of law shows the objective that law can range in
the induction of the desirable human behaviors. Nowadays, there is judged in the
Brazilian Supreme Court the incidence of consequentialist arguments on tax matters,
it's used in a greed for judicial concentrated, based protection under the principle of
legal certainty, when it discusses in the possibility of modulating effects of the judicial
decision. However, it is clear that such arguments are raised haphazardly, without
examining their validity, power and limits on their use of ethical theory, the theory of
justice and constitutional order in Brazil, especially in comparison to the theory of
fundamental rights. For this reason, the present study aims to fill this gap, aiming to
build a dialogue between ethics and law in order to solve this problem.
Keywords: True. Value. Paradigm. Legal pragmatism. Argument. Consequentialism.
Utilitarism. Fundamental rights.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
2 TEORIA DA CIÊNCIA: UMA APLICAÇÃO AOS PARADIGMAS DO DIREITO ... 12
3 TEORIA DO CONHECIMENTO E AXIOLOGIA: A VERDADE E O VALOR NO
PRAGMATISMO ....................................................................................................... 22
4 TEORIA DO DIREITO ............................................................................................ 29
4.1 O PRAGMATISMO E RETORNO AOS FATOS ..................................................... 31
4.2 O PRAGMATISMO E A REJEIÇÃO AO ESSENCIALISMO ............................ 35
4.3 O PRAGMATISMO E O UTILITARISMO: UM PONTO DE ENCONTRO PARA
A ÉTICA E O DIREITO .......................................................................................... 41
5 TEORIA DO ARGUMENTO ................................................................................... 51
5.1 ARGUMENTO NA LÓGICA INFORMAL E SUA APLICAÇÃO AO DIREITO .... 51
5.2 A CONSEQUÊNCIA EXAMINADA A PARTIR DA CAUSA .................................. 65
5.3 O ARGUMENTO CONSEQUENCIALISTA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA ........... 71
6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 77
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 79
9
1 INTRODUÇÃO
O senso comum, não raro, confunde verdade com certeza. Porém são termos
distintos: a verdade busca uma correspondência com a realidade, enquanto a
certeza assenta-se em um estado de espírito do sujeito cognoscente1. Alguém pode
ter certeza sobre uma afirmação falsa. Por outro lado, há quem tenha dúvida sobre
verdades proclamadas.
Para Popper, a verdade é um conceito que não pode faltar como parâmetro
para a ciência, porém, crítica à pretensão à posse da verdade:
O conceito de verdade é indispensável para a abordagem crítica aqui
desenvolvida. O que criticamos é, precisamente, a pretensão de que uma
teoria é verdadeira. O que tentamos demonstrar como crítica de uma teoria
é, claramente, que essa pretensão é fundada, que ela é falsa.
A importante ideia de metodologia que podemos aprender de nossos erros
não pode ser entendida sem a ideia reguladora da verdade; qualquer erro
simplesmente consiste em um fracasso em viver de acordo com o padrão
de verdade objetiva que é uma ideia reguladora. Denominamos “verdadeira”
uma proposição, se ela corresponde aos fatos, ou se as coisas são como as
descritas pela proposição. Isto é, o que é chamado de conceito absoluto ou
objetivo da verdade que cada uma de nós usa constantemente. A
reabilitação bem sucedida deste conceito absoluto da verdade é um dos
2
resultados mais importantes da lógica moderna.
No âmbito da teoria do conhecimento, há uma discussão sobre a
possibilidade de alcançar a verdade, que vai desde o extremo dogmatismo até o
radical ceticismo. Este debate revela-se importante quando demonstra que a
verdade que a ciência busca não é verdade absoluta e que alguns ramos da ciência
contentam-se com algo menos que a verdade, como a probabilidade, plausibilidade
ou verossimilhança. Em uma tomada de decisão em sede jurídica, por exemplo,
além do elemento objetivo da verdade (ou verossimilhança), é relevante o elemento
subjetivo relativo a certeza, tanto de quem julga como aquela dos destinatários do
julgamento. Nesse sentido, ressalta-se o interesse nos argumentos usados como
justificação da decisão e o objetivo da persuasão da audiência.
A ideia de paradigma nos sugere que há várias visões de mundo,
dependendo da teoria explicativa dos fenômenos que a comunidade científica adota
1
CASAUBON, Juan Alfredo. Nociones generalis de lógica e filosofia. Buenos Aires: Educa,
2000.p.323.
2
POPPER, Karl Raymund. Lógica das ciências sociais. 3.ed. Tradução Estevão de Rezende
Martins, Apio Cláudio Muniz Acquarone Filho e Vilma de Oliveira Moraes e Silva. Rio de Janeiro:
Tempo brasileiro, 2004.p. 27-28.
10
em determinada época, por consenso3. Dessa forma, a concepção de que
determinada teoria tem a propriedade absoluta da verdade torna-se insustentável.
Isso é, a fortiori, patente no direito, uma ciência que muitas vezes precisa utilizar
ficções, elaborações sabidamente falsas, para que tenha operacionalidade.
Por muito tempo, em razão da influência do paradigma do positivismo jurídico,
houve a defesa do raciocínio puramente silogístico-formal como o método por
excelência a ser utilizado pelos juízes, desprezando as considerações extrajurídicas,
tais como as relativas à ética, política e econômica. Atualmente, não é difícil
perceber a insuficiência do método da razão especulativa (o silogismo) aplicado ao
direito. Nesse, caso, é útil a contribuição da razão prática, como disserta Alves:
O raciocínio prático está longe de ser silogístico-demonstrativo, puramente
racional e dedutivo, fundado apenas em premissas verdadeiras ou falsas.
Sendo um raciocínio da motivação, a argumentação é a expressão da razão
prática que pretende justificar uma decisão e oferecer as razões de uma
determinada escolha. Nesse sentido, a razão prática não é aleatória ou
arbitrária; ela supõe certa regularidade, embora não exatamente compulsiva
e inexorável, absolutamente demonstrável. A justificação dos argumentos
supões, portanto, uma vontade controlável e previsível dentro da lógica do
razoável. Isto significa que existe um campo não apenas racional-formal,
mas racional-material, em que os respectivos conteúdos ainda compõem
uma racionalidade, a racionalidade do razoável, do valor, do provável, do
4
verossímil.
O pragmatismo jurídico é um dos vários paradigmas, que, a seu tempo, tem a
contribuição de revelar a importância dos fatos e das consequências para o direito.
Além disso, suscita uma indagação: se as consequências das decisões judiciais
podem ser consideradas no processo de justificação.5
É importante ressaltar que o uso utilitarista das consequências para afastar
direitos é questionável do ponto de vista ético e diante de uma concepção
substancialista dos direitos, pois o ponto de partida da análise é o das
consequências de um ato exterior aos direitos (ato de decisão), olvidando que estes
já preexistem à intervenção jurisdicional.
No recurso extraordinário nº 363.852/MG, tanto a Fazenda Pública como os
ministros do STF fizeram uso de argumentos consequencialistas para sustentar suas
posições. A presente dissertação tem por objetivo discutir a possibilidade de
3
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2009. p 3.
ALVES, Alaôr Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação: elementos para discurso jurídico.
4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p 371.
5
POSNER, Richard A. Para além do direito. Tradução Evandro Ferreira Silva. São Paulo. WMF
Martins Fontes, 2009. p 5.
4
11
utilização do argumento consequencialista como justificação da decisão judicial, sob
o ponto de vista ético e jurídico.
12
2 TEORIA DA CIÊNCIA: UMA APLICAÇÃO AOS PARADIGMAS JURÍDICOS
Já no prefácio da obra “Para além do Direito”, Posner apresenta três chaves
para uma abordagem crítica do direito: a economia, o pragmatismo e o
liberalismo.6Ao tratar da economia, afirma seu caráter instrumental quando elabora
uma teoria baseada em modelos de comportamento humano “com o objetivos de
prever e controlar esse comportamento”.7 De acordo com Jasper, Posner é um dos
expoentes de um movimento jurídico chamado AED (Análise Econômica do Direito),
que pretende aplicar princípios da teoria econômica a todas as áreas do direito
conforme a seguir:
Em alguns ramos do direito nos Estados Unidos da américa, a AED é
dominante (como direito societário e comercial), em outros é a principal
corrente de pensamento (como responsabilidade civil, contratos e direito
das coisas) e seus expoentes foram até mesmo nomeados Juízes Federais
(é o caso dos professores Richard Posner, Frank Easterbrook, Ralph Winter
e Robert Bork). Entretanto, a AED não se restringe àquelas regras jurídicas
com ligação óbvia com a ciência econômica, pois tem a pretensão de ser
aplicável a todas as áreas do direito e de políticas públicas, inclusive o
8
direito penal, civil e de família.
E em outra passagem sintetiza o objetivo da Análise Econômica do Direito:
Sinteticamente, a AED pode ser definida como uma escola de pensamento
metajurídico que utiliza princípios da teoria econômica para examinar,
avaliar e guiar a formação, estrutura, processo e impacto do direito, das
instituições legais e das políticas públicas na sociedade. Neste sentido, a
AED toma emprestadas as ferramentas e, principalmente, os pressupostos
econômicos para avaliar e prever os efeitos que mudanças legais e em
9
políticas públicas podem ter no bem-estar da população.
Assim, a pretensão da Análise Econômica do Direito é aplicar resultados da
teoria econômica, que possuem base empírica, e, segundo os defensores do
movimento, teriam a objetividade e neutralidade necessárias à ciência do direito, o
qual seria muito suscetível ao subjetivismo de interesses ocasionais.
Nos parágrafos seguintes, abordar-se-á a contribuição que a filosofia da
ciência elaborou com relação ao indutivismo presente nas ciências empíricas, a
questão do falsificacionismo de Popper e a desmitificação da neutralidade e verdade
nas ciências.
6
POSNER, Richard A. Para além do direito. Tradução Evandro Ferreira Silva. São Paulo. WMF
Martins Fontes, 2009. p. 16.
7
POSNER, Richard A., loc.cit.
8
JASPER, Eric Hadmann. A filosofia da análise econômica do direito-EAD. Revista Tributária e de
Finanças Públicas. São Paulo, n. 92, p. 98-128, maio/jun. 2010.
9
JASPER, Eric Hadmann., loc. cit.
13
O senso comum concebe a ciência como o conhecimento que pode ser
provado através da experiência. Essa visão tem origem a partir de Galileu, que toma
uma nova atitude diante dos dados, elaborando uma teoria adequada aos
mesmos.10
O que justifica extrair de afirmações singulares as afirmações universais?
Para o indutivista, um grande número de observações num mesmo sentido
justificaria este raciocínio indutivo. Além disso, essas observações devem ser
submetidas a uma variedade de condições e nenhuma proposição de observação
deve conflitar com a lei universal extraída.11
A partir das leis universais podemos derivar outras afirmações universais
através do processo dedutivo. Entretanto, a dedução, por si só, não garante a
verdade das proposições porque a dedução é formal. Esta apenas garante que se
as premissas são verdadeiras, então a conclusão será verdadeira.12
As leis e teorias induzidas da observação dos fatos tornam-se dispositivos de
previsão e explicação na ciência, num contínuo processo indutivo e dedutivo. 13
O indutivismo atrai confiança para si em razão de sua objetividade, tanto na
observação quanto no raciocínio indutivo, que não dependem de opiniões pessoais,
podendo suas afirmações universais e singulares sofrerem repetição por qualquer
observador.14
Há duas linhas para tentar justificar o princípio indutivo: a lógica e a
experiência. A via da lógica não se apresenta suficiente, pois os argumentos
indutivos não são logicamente válidos, já que a verdade das premissas não garante
a verdade da conclusão. A via da experiência, por sua vez, também padece de
insuficiência. O fato de dizer que o processo de indução é válido porque funiona em
um grande número de ocasiões é um argumento circular, pois se usa a indução para
justificar a própria indução. Este é o chamado “problema da indução”. Além disso,
grande número de observações de ampla variedade de condições são termos vagos
e dúbios.15
10
CHALMERS, A. F.O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993.p.
22-34.
11
CHALMERS, A. F., loc. cit.
12
CHALMERS, A. F., loc. cit.
13
CHALMERS, A. F., loc. cit.
14
CHALMERS, A. F., loc. cit.
15
CHALMERS, A. F., loc. cit.
14
Uma outra forma de justificar o indutivismo é deixar de considerar as
afirmações como verdadeiras, mas apenas como prováveis. Entretanto, esta posição
enfrenta os mesmos problemas do indutivismo mais extremo.16
Uma primeira resposta ao problema do indutivismo é a cética, que conclui que
a ciência não pode ser justificada racionalmente. A segunda resposta propõe a base
do indutivismo na obviedade e razoabilidade de seus resultados. A última resposta,
por fim, nega que a ciência tenha por fundamento a indução.17
O indutivista sustenta duas afirmações: que a ciência começa com a
observação e que a observação produz uma base segura. Entretanto, o papel da
observação pode ser criticado.18
A visão é o sentido mais utilizado na observação, pois através desse sentido
o observador tem acesso a algumas propriedades do mundo.19
A experiência que um observador tem não é determinada apenas pelas
imagens, mas depende também da experiência passada, do conhecimento e das
expectativas de quem observa.20
Ao elaborar uma proposição de observação, o cientista parte de uma teoria.
Assim, algum tipo de teoria precede todas as proposições. Isso contraria a tese
indutivista de que os significados dos conceitos são adquiridos por meio de
observação exclusivamente. Diante disso, é falso afirmar que a ciência começa pela
observação. Outro ponto situa-se na afirmação indutivista de que as proposições de
observação são uma base firme para o conhecimento científico. Isso não é verdade,
porque muitos erros científicos foram baseados em proposições de observação.21
Popper é bem claro quando afirma:
As teorias são invenções nossas, são ideias nossas. Não nos são impostas
de fora – são antes os instrumentos autofabricados do nosso pensamento.
Este aspecto foi claramente visto pelo idealista. Mas algumas dessas
nossas teorias podem entrar em choque com a realidade. E, quando tal
acontece, sabemos que há uma realidade; sabemos que existe algo para
nos recordar o facto de que as nossas ideias podem estar erradas. E é por
esse motivo que o realista tem razão.
Estou persuadido de que nossas descobertas são guiadas pela teoria,
nestes como em muitos outros casos, e não de que as teorias sejam o
16
CHALMERS, A. F.O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker . São Paulo: Brasiliense,
1993.p.35-44.
17
CHALMERS, A. F., loc. cit.
18
Ibidem, p. 45-62.
19
CHALMERS, A. F., loc. cit.
20
CHALMERS, A. F., loc. cit.
21
CHALMERS, A. F., loc. cit.
15
resultado de descobertas “devidas à observação” – uma vez que a própria
22
observação tende a ser guiada pela teoria.
O observador indutivista não é totalmente imparcial, por que muitas
observações são realizadas exatamente para testar ou esclarecer uma teoria, e seus
registros são feitos com base na relevância dos dados para uma teoria. 23
O falsificacionismo de Popper, por sua vez, entende que a observação
depende da teoria. Além disso, sustenta que a teoria não se torna verdadeira por
encontrar uma confirmação na observação, mas que a observação serve como meio
para testar as teorias, tentativa de falsificá-los. Em não sendo falsificada, a teoria é
considerada como a melhor disponível.24
Segundo Popper, o critério para avaliar uma teoria deve ser modificado da
verificabilidade para a falseabilidade:
Contudo, só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for
passível de comprovação pela experiência. Essas considerações sugerem
que deve ser tomado um critério de demarcação, não a verificabilidade, mas
a falseabilidade de um sistema. Em outas palavras, não exigirei que um
sistema científico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por
todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que
se torne possível validá-lo através de recurso a provas empíricas, sem
sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um sistema
25
científico empírico.
Uma particularidade lógica do falsificacionismo é a de que a falsidade de
afirmações universais pode ser deduzida de afirmações singulares disponíveis. 26
Para o falsificacionismo, a ciência é conjunto de hipóteses sobre um aspecto
do mundo que pode ser falsificado. Uma hipótese é falsificável quando seja
logicamente possível uma proposição de observação inconsistente com a hipótese.
O fato de exigir que as hipóteses científicas sejam falsificáveis, implica em excluir
um conjunto possível de proposições de observação inconsistente tomando aquela
hipótese informativa.27
22
POPPER, Karl Raymund. Conjecturas e refutações. Tradução Benedita Bettencourt.Coimbra:
Almedina, 2006. p.165-166.
23
CHALMERS, A. F.O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993.
p. 45-62.
24
Ibidem, p. 63-76.
25
POPPER, Karl Raymund. A lógica da pesquisa científica. Tradução Leonidas Hegenberg e
Octanny Silveira da Mata. São Paulo: Cultrix, 2007. p. 42.
26
CHALMERS, A. F., op.cit., p. 63-76.
27
CHALMERS, A. F., loc. cit.
16
A ciência deve propor hipóteses altamente falsificáveis, conforme os
seguidores do falsificacionismo. O grau de falsificabilidade será, então, diretamente
proporcional à certeza e precisão das teorias.28
Popper centraliza em sua teoria a importância do problema:
Se é possível dizer a ciência, ou o conhecimento “começa” por algo, poderse-ia dizer o seguinte: o conhecimento não começa de percepções ou
observações ou de coleção de fatos ou números, porém, começa, mais
29
propriamente, de problemas.
Dessa forma, o progresso da ciência se daria a partir de problemas, que
demandariam hipóteses falsificáveis, que por sua vez, seriam submetidos a testes
rigorosos, que podem levar a uma falsificação ou a uma manutenção da teoria
proposta. Se for falsificada uma teoria já consolidada, então teremos um novo
problema.30,
Não basta para o progresso da ciência que uma teoria seja altamente
falsificável, mas é necessário que ela seja mais falsificável que aquela a qual
pretende substituir, acrescentando um novo tipo de fenômeno não relevado pela
anterior.31
Além disso, a ciência deve evitar as modificações ad hoc, que são aqueles
acréscimos em teorias anteriores para contornar a falsificação evidente.32
Entretanto, há um problema nas falsificações já que para falsificar uma teoria
utiliza-se de proposições de observações inconsistentes com a mesma. Não
obstante, estas mesmas proposições de observação são passíveis de falsidade, pois
são dependentes também de uma teoria.33
Uma teoria é formada por um complexo de afirmações universais, além de
suposições auxiliares e os testes são feitos baseados em condições iniciais
previstas. O fato de uma observação contrariar um previsão da teorias não a falsifica
imediatamente, pois não se pode afirmar desde logo onde se localiza a falsidade: se
28
CHALMERS, A. F.O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993.
p. 63-76.
29
POPPER, Karl Raymund. Lógica das ciências sociais. 3. ed.Tradução Estevão de Rezende
Martins, Apio Cláudio Muniz Acquarone Filho e Vilma de Oliveira Moraes e Silva. Rio de Janeiro:
Tempo brasileiro, 2004, p.14.
30
CHALMERS, A. F., op. cit. p. 63-76.
31
CHALMERS, A. F., loc. cit.
32
CHALMERS, A. F., loc. cit.
33
Ibidem, p. 89-107.
17
nas afirmações universais, se nas suposições auxiliares ou nas condições iniciais
dos testes.34
A respeito da aplicação de sua teoria as ciências sociais, Popper assim
resume suas orientações:
a) O método das ciências sociais, como aquele das ciências naturais,
consiste em experimentar possíveis soluções para certos problemas; os
problemas com os quais iniciam-se nossas investigações e aqueles que
surgem durante a investigação. As soluções são propostas e criticadas. Se
uma solução proposta não está aberta a uma crítica pertinente, então e
excluída como não científica, embora, talvez, apenas temporariamente.
b) Se a solução tentada está aberta a críticas pertinentes, então tentamos
refutá-la; pois toda crítica consiste em tentativas de refutação.
c) Se uma solução tentada é refutada através do nosso criticismo, fazemos
outra tentativa.
d) Se ela resiste à crítica, aceitamo-la temporariamente; e a aceitamos,
acima de tudo, como digna de ser discutida e criticada mais além.
e) Portanto, o método da ciência consiste em tentativas experimentais para
resolver nossos problemas por conjecturas que são controladas por severa
crítica. É um desenvolvimento crítico consciente do método de “ensaio e
erro”.
f) A assim chamada objetividade da ciência repousa na objetividade do
método crítico. Isto significa, acima de tudo, que nenhuma teoria está isenta
do ataque da crítica; e mais ainda, que o instrumento principal da crítica
35
lógica - a contratação lógica – é objetivo.
Ainda, segundo Popper, os problemas práticos nas ciências sociais podem
suscitar problemas teóricos:
Sérios problemas práticos, como os problemas de pobreza, de
analfabetismo, de supressão política ou de incerteza concorrente a direitos
legais são importantes pontos de partida para pesquisa nas ciências sociais.
Contudo, estes problemas práticos conduzem à especulação, à teorização,
e, portanto, a problemas teóricos. Em todos os casos, sem exceção, é o
caráter e a qualidade do problema e também, é claro, a audácia e a
originalidade da solução sugerida, que determinam o valor ou a ausência do
36
valor de uma empresa científica.
Lakatos propõe que as teorias científicas devem ser consideradas como
estruturas organizadas, denominando-as programas de pesquisa. Um programa de
pesquisa possui uma heurística positiva e outra negativa. A heurística negativa
representa o núcleo irredutível do programa, formado por uma hipótese teórica muito
geral e considerada infalsificável por uma decisão metodológica central. A heurística
positiva, por sua vez, compõe as diretrizes de como o núcleo deve ser
suplementado, formado por hipóteses auxiliares refutáveis. Para que um programa
34
CHALMERS, A. F.O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993.
p. 89-107
35
POPPER, Karl Raymund. Lógica das ciências sociais. 3. ed. Tradução Estevão de Rezende
Martins, Apio Cláudio Muniz Acquarone Filho e Vilma de Oliveira Moraes e Silva. Rio de Janeiro:
Tempo brasileiro, 2004. p. 16.
36
Ibidem, p. 15.
18
de pesquisa tenha mérito, deve possuir um grau de coerência para a definição de
pesquisa futura e deve possibilitar a descoberta de fenômenos novos. 37
A metodologia científica proposta por Lakatos consiste num trabalho realizado
dentro de um único programa de pesquisa. Esse trabalho promove a expansão e
modificação do cinturão protetor, que é formado por hipóteses auxiliares refutáveis.
A atividade de expansão e modificação do cinturão protetor deve obedecer às
seguintes condições: inadmissibilidade de hipóteses ad hoc e de hipóteses que não
sejam testáveis independentemente. Além disso, estão proibidas aquelas que violem
o núcleo irredutível do programa. Assim, o programa de pesquisa de Lakatos resolve
o programa do falsificacionismo, que baseado em um método de conjecturas e
refutações, não permite a estabilidade de teorias falsificadas.38
Thomas Kuhn entende a teoria científica como uma estrutura complexa. Esta
posição tem duas características principais: caráter revolucionário do progresso
científico e a influência dos fatores sociológicos na ciência. Kuhn e Lakatos possuem
em comum o fato de submeterem suas posições à crítica da história da ciência. A
diferença entre Kuhn e os outros é sua ênfase na interferência de fatores
sociológicos que resultam em relativismo. O conceito básico de Kuhn é o de
paradigma, que se compõe das teorias, leis e técnicas adotadas por uma
comunidade científica. O paradigma é a primeira fase do progresso da ciência
depois da fase desorganizada da pré-ciência. A ciência normal esta assentada em
firme paradigma. Quando surge uma crise não resolvida pelo paradigma vigente,
ocorre uma revolução científica, com a imposição de um novo paradigma.39
O que caracteriza uma ciência a distingue da não-ciência é a existência de
um paradigma. O paradigma se compõe de leis, suposições teóricas, métodos para
aplicar as leis a vários tipos de situação e princípios metafísicos. A ciência normal,
por sua vez, é uma atividade de resolução de problemas segundo as regras de um
paradigma. A não resolução dos problemas não é vista por Kuhn como falsificação,
mas como anomalia que não prejudica a validade do paradigma. Na ciência normal
há um acordo com relação aos fundamentos, que não existe na pré-ciência. Esse
acordo possibilita que o paradigma funcione como fonte de orientação e
interpretação dos fenômenos, caracterizando que a observação depende da teoria.
37
CHALMERS, A. F.O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker . São Paulo: Brasiliense, 1993.
p. 109-121.
38
CHALMERS, A. F., loc. cit.
39
Ibidem, p. 122- 135.
19
Os cientistas que trabalham dentro de um paradigma resolvem problemas-padrão
utilizando-se de experiências-padrão, instruídos pela educação científica que
receberam. No entanto, grande parte do conhecimento que possui o próprio cientista
não possui consciência.40
A simples existência de problemas não resolvidos não constitui uma crise. A
anomalia ocorrerá se se questionar os próprios fundamentos do paradigma, se tiver
como referência uma necessidade social urgente, se durar um certo período de
tempo e se o número de anomalias for considerável. O momento de crise na ciência
propicia o surgimento de um paradigma rival, que abordará diferentes tipos de
questões, com padrões diferentes e incompatíveis com o paradigma anterior. A
mudança dos cientistas para outro paradigma não segue um critério de
superioridade de um paradigma em relação ao outro. Fatores como simplicidade,
necessidade social ou habilidade para resolver problemas específicos podem
influenciar na mudança. Assim, Kuhn considera os paradigmas rivais como
incomensuráveis, pois os diferentes padrões, as diferentes interpretações do mundo
e a diversidade de linguagem não permitem a fixação de um critério para avaliar se
um paradigma supera o outro. A revolução ocorre quando a maioria da comunidade
científica adere a um novo paradigma. 41
A teoria de Kuhn não é meramente descritiva, mas explica as funções de
ciência e da revolução científica. A função da ciência normal é possibilitar o
desenvolvimento interno de um paradigma, já que os cientistas normais não têm
uma posição crítica em relação ao paradigma no qual trabalham. Ao lado disso, a
função da revolução é viabilizar o progresso da ciência a partir de um novo
paradigma com a formação de novos conceitos, refinamento dos velhos conceitos e
a descoberta de novas relações lícitas entre eles. É importante ressaltar que a
existência de um paradigma não impede que entre diferentes cientistas haja
divergência quanto à aplicação e interpretação de um mesmo paradigma.42
Feyerabend rejeita as explicações indutivistas e falsificacionistas por entender
não-realistas e prejudiciais à ciência, porque não tem atenção para as complexas
condições que interferem na mudança científica.
40
CHALMERS, A. F.O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993.
p. 122-135.
41
CHALMERS, A. F., loc. cit.
42
CHALMERS, A. F., loc. cit.
20
Assim, Feyerabend propõe que não há regras fixas e universais na
metodologia da ciência, pois nesse tema vale tudo.43
No ponto referente à incomensurabilidade, Feyerabend aproxima-se de Kuhn.
Aquele entende que não é possível comparar logicamente teorias rivais, pois o
contexto teórico, os conceitos básicos e os princípios fundamentais são totalmente
diversos. Apesar disso, é possível alguma comparação quando confronta-se cada
teoria diante das demais situações observáveis e verifica-se o grau de
compatibilidade das teorias com aquelas situações. Outros critérios de comparação
residem na consideração de linearidade ou não, da coerência ou não, se as
aproximações são ousadas ou são seguras. Diante da incomensurabilidade entre as
teorias rivais, Feyerabend entende que a escolha entre teorias tem aspecto
necessariamente subjetivo. Esse aspecto subjetivo não significa dizer que não se
possa criticar as escolhas, que por não terem sido previstas, o próprio cientistas não
concordariam se as conhecessem. Outro ponto objetivo que estimula a opção por
uma teoria é que algumas teorias têm mais oportunidades de desenvolvimento que
outras.44
Além da incomensurabilidade de teorias rivais, Feyerabend pontifica que são
também incomensuráveis a ciência e outras formas de conhecimento, daí que não
posso afirmar que a ciência seja superior a outras áreas do conhecimento.45
Feyerabend defende, outrossim, que o indivíduo deve ser livre para escolher
entre a ciência e outras formas de conhecimento. Uma objeção a essa tese é que
essa liberdade é utópica já que o indivíduo já nasce em uma dada sociedade não
escolhida por ele livremente, e sua liberdade dependerá da posição que ocupa na
estrutura social.46
Diante dessa exposição, pode-se concluir que as ciências empíricas (p.ex.: a
economia) não têm base segura como aparentam ter e que não há uma neutralidade
absoluta, pois, como afirma o falsificacionismo de Popper, a observação dos fatos
depende de uma teoria estabelecida previamente. Além disso, verifica-se, como
demonstrado por Kuhn, a influência de fatores sociológicos para que a comunidade
científica chegue a um consenso, incidindo, uma vez mais, sobre a questão da
43
CHALMERS, A. F.O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993.
p. 173-186.
44
CHALMERS, A. F., loc. cit.
45
CHALMERS, A. F., loc. cit.
46
CHALMERS, A. F., loc. cit.
21
neutralidade e solapando a pretensa posse da verdade de que a ciência se
vangloria.
Outra contribuição importante de Kuhn para a discussão sobre a rivalidade
entre o positivismo jurídico formalista e o pragmatismo jurídico, é a afirmação de que
a não resolução de problemas não é tomado como falsificação de uma teoria. Então,
o fato de o positivismo jurídico não possuir solução para os hard cases (casos
difíceis) não prejudica o paradigma por ele proposto. Ademais, entre o pragmatismo
jurídico baseado na análise econômica do direito e o positivismo jurídico há uma
incomensurabilidade, dado que os métodos, pressupostos e princípios fundamentais
são diferentes.
22
3 TEORIA DO CONHECIMENTO E AXIOLOGIA: A VERDADE E O VALOR NO
PRAGMATISMO
O ato de conhecer algo é imanente ao ser humano, consistindo na reflexão
racional sobre si mesmo ou sobre o mundo. O conhecimento não é a mesma coisa
que crença ou opinião47. Quando se trata de conhecimento científico, isto refere-se
ao conhecimento proposicional, que indica que algo é assim. A opinião tradicional
(sugerida por Platão e Kant) é a de que o conhecimento proposicional possui três
componentes: a justificação, a verdade e a crença. Assim, pode-se definir
conhecimento como uma crença verdadeira justificada48. As crenças, per si, são
apenas estados de representação do mundo, que se representam mal, são falsas,
ou, se representam o mundo corretamente, são verdadeiras49. Não há uma única
maneira de conhecer, assim como, o próprio conhecimento tem suas possibilidades
e pode ter origens diversas.
No que se refere à possibilidade do conhecimento, ou seja, à discussão sobre
os limites do ato de conhecer, as teorias mais conhecidas são: dogmatismo,
ceticismo, subjetivismo, pragmatismo e criticismo.
O dogmatismo é uma atitude de confiança na capacidade de conhecer da
razão humana, onde essa capacidade de conhecer não precisaria ser demonstrada,
nem discutida, sendo, portanto, auto-evidente50. Decerto, o dogmatismo não se
coaduna com a ciência atual, que busca de forma ciosa delimitar o seu objeto e as
possibilidades de conhecer o mesmo. A grande empreitada de estabelecer limites à
razão humana tem seu marco na obra Crítica da Razão Pura de Kant.
No outro extremo, temos a posição do ceticismo que afirma que não é
possível conhecer nada, isso em sua modalidade mais radical, ou então que o
conhecimento que possuímos não encontra justificativa racional para manter-se. Por
47
CONHECER. In: MAUTNER, Thomas. Dicionário de filosofia. Tradução Victor Guerreiro, Sérgio
Miranda e Desidério Murcho. Lisboa: Edições 70, 2011.p. 161.
48
EPISTEMOLOGIA. In: AUDI, Robert. Dicionário de filosofia de Cambridge. Tradução Edwino
Aloysius Royer et al.São Paulo: Paulus, 2006.p. 270.
49
MOSER. Paul K. et al. A teoria do conhecimento: uma introdução temática. Tradução Marcelo
Brandão Cipallo.São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 50.
50
HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Tradução João Vergílio Gallerani Cuter. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 29.
23
conseguinte, o conhecimento humano se reduz a uma mera experiência individual,
não podendo ser denominado propriamente de conhecimento, mas apenas crença. 51
Por sua vez, o subjetivismo também nega a possibilidade de que o homem
alcance uma verdade universal, recaindo em uma espécie de ceticismo. Para o
subjetivismo, a validade da verdade residiria no próprio sujeito, que julgaria a partir
de suas concepções individuais. Dessa forma, a verdade para um sujeito não seria a
mesma verdade para um outro. Uma outra espécie de subjetivismo é o genérico,
que proclama que “há certamente verdades supra-individuais, mas nenhuma que
tenha validade geral”52. O subjetivismo não se confunde com o relativismo, pois o
primeiro faz a verdade depender de fatores internos, enquanto que o relativismo
estabelece uma dependência com fatores externos.53
Da mesma forma que o subjetivismo, o pragmatismo também pode ser
considerado uma espécie de ceticismo. O ponto de partida do pragmatismo é que o
homem é um ser essencialmente prático, fundando seu comportamento na vontade,
que se torna uma categoria central para essa teoria. Assim, a vontade prevalece
sobre a razão, fazendo com que o conceito de verdade seja reduzido ao conceito de
útil. Para essa doutrina o importante não é encontrar uma verdade universal, pois o
próprio homem trabalha com proposições sabidamente falsas, enfatizando, por outro
lado, o conceito de utilidade como fundamento para o julgamento das proposições.
Apesar do erro de comparar os conceitos de verdade e utilidade, a valia dessa
doutrina consiste em mostrar que o conhecimento humano está intimamente
conectado com o aspecto prático da vida.54
Por fim, o criticismo, é uma busca de conciliação entre o dogmatismo e o
ceticismo, no sentido de que não deve haver tanta confiança na razão humana em
relação as suas possibilidades, nem também tanto pessimismo a ponto de afirmar
que nada se conhece ou que nenhum conhecimento se justifique. O criticismo
propõe, assim, que todo conhecimento humano deve ser posto à prova para se
tornar digno de um status de verdade universal.55
51
MOSER. Paul K. et al. A teoria do conhecimento: uma introdução temática. Tradução Marcelo
Brandão Cipallo.São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 50.
52
HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Tradução João Vergílio Gallerani Cuter São Paulo:
Martins Fontes, 2003. p. 36.
53
Ibidem, p. 37.
54
Ibidem, p. 42.
55
Ibidem, p. 43.
24
O ato de conhecimento tem por objetivo alcançar a verdade. Toda a
discussão a respeito da possibilidade do conhecimento, envolvendo o dogmatismo,
o ceticismo, o subjetivismo, o relativismo e o criticismo, de fato, gira em torno da
possibilidade da verdade universal (se ela existe e se a razão é capaz de alcançála).
No direito, o paradigma atual ainda é centrado na norma jurídica, não
obstante as considerações sobre ordenamento jurídico e sistema jurídico. Apesar
das contribuições da teoria da instituição e da teoria da relação jurídica para a teoria
geral do direito, a teoria normativa, onde a norma jurídica é considerada como a
essência do direito, é a que possui maior valor explicativo, sendo considerada,
inclusive, pressuposto para a dedução da teoria da instituição e da teoria da
relação56.
A norma jurídica tem por conteúdo formal um comando a um destinatário para
adoção de certo comportamento. Em uma linguagem própria da lógica formal, a
norma jurídica é uma proposição prescritiva (uma unidade de significado que revela
uma prescrição). Diversamente, as proposições científicas são descritivas, pois
buscam dizer como a realidade é. Bobbio, baseado na lição de R.M. Hare, afirma
que “sobre as proposições descritivas, pode-se dizer que são verdadeiras ou falsas;
sobre as prescritivas, não”.57 Dessa forma, a respeito da norma jurídica diz-se que é
válida ou inválida, justa ou injusta, excluindo daí o valor verdade.58
Então, se não se pode verificar a verdade de uma proposição normativa, o
conhecimento no direito resta impossível? Não é assim. É correto dizer que não se
pode atribuir o valor verdade a uma norma jurídica, entretanto, é possível fazer
asserção sobre a norma jurídica, como por exemplo, que norma jurídica X é válida.
Dessa asserção, sem dúvida, pode-se avaliar sua verdade ou falsidade. Da mesma
forma, o juiz, na justificação da tomada de decisão, realiza várias asserções
conectadas uma a outra, ora relacionadas à validade ou aplicabilidade da norma
jurídica, ora relacionadas aos fatos postos no processo. Assim, pode-se construir um
sistema de asserções a respeito das normas jurídicas que formam, em seu conjunto,
o conhecimento jurídico (dogmática jurídica).
56
BOBBIO, Noberto. Teoria da norma jurídica. 2.ed. Tradução Fernando Pavan Baptista e Ariani
Bueno Sudatti. rev. Bauru, São Paulo: Edipro, 2003, p.44.
57
Ibidem, p.81.
58
BOBBIO, Noberto, loc. cit.
25
De fato, a atividade do juiz quando fundamenta uma decisão judicial
assemelha-se à do doutrinador quando sustenta seu ponto de vista. Tanto o juiz
quanto o doutrinador elaboram proposições descritivas sobre as normas jurídicas,
que devem estar em conformidade, em primeiro lugar, com o princípio lógico da
coerência. A exigência de coerência é derivada, por sua vez, de um outro princípio:
não-contradição.
Entretanto, a coerência não é um requisito suficiente (apesar de necessário)
para garantir uma argumentação bem formada, que se aproxima da verdade. A
coerência, por si só, é por demais formal, lembrando a atividade do jurista que se
contenta com a técnica da subsunção normativa na aplicação do direito.
Nesse ponto, o pragmatismo tem uma importante contribuição em insistir que
a ciência deve aproximar-se da vida em seu aspecto prático. À medida que o direito
atende a essa aproximação, torna-se mais legítimo, garantindo a eficácia social da
norma jurídica. Heidegger, ao tratar do mundo como “jogo da vida”, afirma: “a
expressão ‘jogo da vida’ surgiu certamente a partir do fato de a convivência histórica
dos homens oferecer o aspecto de uma multiplicidade colorida assim como de uma
mutabilidade e de uma acidentalidade”.59 É exatamente a mutabilidade e
acidentalidade do mundo que não autoriza o jurista a atuar tão-somente no âmbito
formal-normativo, requerendo uma habilidade especial para tratar com o aspecto
prático da vida.
Então, qual seria a porta desse aspecto prático da vida na ciência? O valor.
É um lugar-comum na doutrina que o direito possui uma dimensão axiológica.
Além disso, afirma-se que as regras e, em especial, os princípios possuem uma
carga valorativa. Qual o sentido dessas expressões? O que significa valor e qual a
sua articulação com a norma jurídica?
O conceito de valor possui uma forte aproximação com o conceito de bem,
daí o seu fundamento moral. Aristóteles entende que o bem supremo é a felicidade,
onde residiria o fim último de toda a atividade prática do homem, ou seja, apesar da
multiplicidade de fins da ação humana, há um único fim que é o mais completo e
procurado por si próprio: a felicidade.60
59
HEIDEGGER, Martin. Introdução à filosofia. Tradução Marco Antonio Casanova. São Paulo:
Martins Fontes, 2008, p.329.
60
ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Tradução António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009,
p.26.
26
Por conseguinte, tudo aquilo que tende à felicidade, é desejado e estimado,
possuindo valor. Diferentemente da norma jurídica, o valor não é um objeto, mas um
“critério que mede a estima e o apreço com que recebemos e olhamos todas as
coisas. O valor destaca-se, assim, de um fundo de neutralidade e indiferença que
ele rompe, introduzindo, entre todos os seres, gestos e atitudes profundas
diferenças de significação e interesse”.61
O valor tem por característica a bipolaridade. Quando se trata de valores em
sentido positivo, tem-se a utilidade, a bondade, a beleza e a justiça, entre outros. No
pólo negativo, aponta-se a inutilidade, a maldade, a fealdade e a injustiça.62
Ademais, diante da multiplicidade e heterogeneidade de valores, é possível
submetê-los a uma ordenação hierárquica, em especial “nas grandes classes em
que habitualmente se dividem os valores: valores biológicos, valores econômicos,
valores espirituais, valores morais e religiosos”.63
Os filósofos não estão em consenso quanto à escala de valores, havendo
grandes diferenças entre as posições de Nietzsche, Scheler, Marx e Lavelle, o que
não impede o denominador comum entre esses filósofos, o valor-homem, que se
torna o fundamento da hierarquia de valores, onde ocupa o mais alto degrau aquilo
que mais contribui para o projeto-homem.64
E a origem dos valores? Eles teriam origem na própria subjetividade do
homem ou possuem realidade objetiva?
O Pragmatismo supõe que o conhecimento humano tem seu ponto de partida
no aspecto prático da vida, centralizando o seu eixo mais na vontade que na razão.
No espaço ético, a vontade humana é também um ponto central, pois
somente é possível falar de ética diante de uma vontade humana livre. Diante da
possibilidade de escolha entre vários comportamentos, o homem orienta a sua ação
ora conforme seu desejo, ora segundo uma regra moral. A noção de desejo, assim
como a noção de regra, formam os extremos de um pêndulo teórico que oscila entre
o subjetivismo axiológico e o objetivismo axiológico.
61
VALOR. In: DICIONÁRIO PÓLIS. Enciclopédia verbo da sociedade e do estado. 2. ed. rev. e
atual. Lisboa/ São Paulo: Verbo, 2005. p. 1617. v.5.
62
VÁZQUEZ, Adolfo Sánches. Ética. 23. ed. Tradução João Dell’ Anna. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileiro, 2002, p. 136
63
VALOR. In: DICIONÁRIO PÓLIS, op. cit. p. 1615.
64
MONDIN, Battista. Os valores fundamentais. Tradução Ir. Jacinta Turolo Garcia. Bauru: Edusc,
2005, p. 34.
27
A premissa básica do subjetivismo axiológico é que as coisas valem porque
as desejo, concentrando no termo desejo o fundamento do valor. R.B. Perry, I. A.
Richards, Charles Stevenson e Alfred Ayer são nomes ligados a essa linha de
pensamento, que tem seu ponto forte quando afirma que as coisa não têm valor em
si.65
Por outro lado, Platão, Max Scheler e Nicolai Hartmann sustentam que os
valores subsistem por si, prescindindo do objeto, e que são imutáveis e têm
existência ideal.
66
De fato, reduzir os valores a mera subjetividade seria
desconhecer que existe uma certa objetividade social dos valores permitida pelo
consenso.
O debate entre o subjetivismo e o objetivismo axiológico nos remete à
discussão filosófico-jurídica sobre a universalidade ou relatividade dos direitos
humanos. O objetivismo axiológico, em razão de sustentar a existência ideal e
objetiva dos valores, autoriza a assertiva da universalidade dos direitos humanos
fundada na natureza humana. Todavia, como sustenta Donnelly, “se a natureza
humana é infinitamente variável ou se todos os valores morais são determinados
somente pela cultura, tal como defende o relativismo cultural radical, não é cabível
falar em ‘direitos humanos’[...]”67 Nesse sentido, os comunitaristas Alasdair
MacIntyre, Michael Walzer, Charles Taylor e Michael Sandel questionam qualquer
racionalidade abstrata que “abra mão de sua inscrição na história, nos costumes
institucionais e nas diversas formas de vida.”68
Na própria teoria do direito, a tendência de universalizar quando da
interpretação e aplicação da lei vem sendo mitigada por uma nova hermenêutica que
tem em conta a realidade mutável de vida. Jean-Paul Resweber entende que os
valores são ao mesmo tempo modelos e referenciais. O modelo é um arquétipo
abstrato formado pela razão, enquanto que o referencial permite um confronto com a
situação concreta, servindo como orientação para a ação livre. Em seguida, faz a
distinção entre o juízo moral e o juízo ético, onde o primeiro é universal e baseado
nos ditames da razão, diferentemente do juízo ético, que orientado pelo razoável,
65
VÁZQUEZ, Adolfo Sánches. Ética. 23. ed. Tradução João Dell’ Anna. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileiro, 2002,p. 142.
66
Ibidem, p. 143.
67
DONNELLY (2003) apud OLIVEIRA Aline Albuquerque S. de. Bioética e direitos humanos. São
Paulo: Loyola, 2011, p. 58.
68
COMUNITARISMO. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do direito.
Rio de Janeiro, Renovar, 2006, p. 136.
28
possibilita a interpretação da norma à luz dos fatos e a dos fatos à luz da norma,
realizando um reajustamento contínuo das regras à prática da vida.69
69
RESWEBER, Jean-Paul. A filosofia dos valores. Coimbra: Almedina, 2002, p.94.
29
4 TEORIA DO DIREITO
Na ciência jurídica, o paradigma da teoria normativa ainda é prevalente em
nossos dias. Toda ciência explica a realidade a partir de um modelo pré-organizado,
que possui suposições teóricas, métodos, conceitos e princípios metafísicos,
formando um paradigma. Segundo Thomas Kuhn, a ciência normal é uma atividade
de resolução de problemas segundo as regras de um paradigma. Assim, os
cientistas que trabalham dentro de um paradigma resolvem problemas-padrão
utilizando-se de experiências-padrão, instruídos pela educação científica que
receberam.70
Quando um jurista se depara com um problema jurídico, vem, ao menos
hipoteticamente, a questão se existe uma lei que regule o caso a ele apresentado.
Dessa forma, pode-se afirmar com Norberto Bobbio que “a experiência jurídica é
uma experiência normativa”.71 Não há que se confundir dispositivo legal com norma
jurídica, porém, é interessante recuar um pouco para examinar a natureza da lei.
Em Platão, a lei deveria corresponder à ideia de justo, que existe a priori e
corresponde à ordem racional das coisas. A lei seria, então, natural, imutável e
expressão da razão humana.
72
Seguindo ainda a linha racionalista, em São Tomás
de Aquino, a lei é reflexo da ordem cosmológica, tanto mais perfeita quanto mais
próxima da lei divina.73Duns Escoto, por sua vez, abandona o vínculo da lei a uma
ordem natural, fundando-se na vontade humana que busca a vontade de Deus, que
não é acessível pela razão.74
Guilherme de Ockham radicaliza a concepção de Escoto no sentido de que os
conceitos
(universalismo)
não
têm
existência
real,
apenas
os
indivíduos
(nominalismo) existem e são guiados pela vontade, que deve ser orientada para o
bem comum (ou melhor, para a utilidade geral).75
A modernidade continua fiel ao fundamento voluntarista, e a lei, agora, tem
legitimidade na vontade da maioria, não abandonando de todo a concepção
70
CHALMERS,A.F.O que é ciência afinal? Tradução Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993,
p.127.
71
BOBBIO, Noberto. Teoria da norma jurídica. Tradução Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno
Sudatti. 2.ed. rev. Bauru, São Paulo: Edipro, 2003. p.23.
72
MONCADA, Luís. S. Cabral. Ensaio sobre a lei. Coimbra: Coimbra, 2002, p. 8.
73
Ibidem, p.12.
74
Ibidem, p.16.
75
Ibidem, p.21.
30
racionalista, não mais vinculada a uma ordem natural ou divina das coisas. Por um
lado, a lei deve representar a vontade geral e por outro, constituir uma ordem
jurídica una, coerente e sem lacunas.76Esse paradigma da modernidade não é
despido de valor, ao contrário, o valor central é o da obediência à lei, conforme pode
ser visto através do próprio conteúdo da norma jurídica fundamental formulada por
Kelsen. Por isso, diante de um problema a solucionar o jurista indaga, antes de tudo,
se há algum dispositivo legal que regulamente a matéria em questão. Essa
concepção expressa a necessidade que há da vontade individual subsumir-se à
vontade geral, uma subsunção lógica e imperativa, desconhecendo as contingências
que os fatos, não raro, apresentam.
Assim, no século XX, houve o predomínio metodológico do formalismo e do
positivismo a partir de estruturas gnoseológicas neo-kantianas, especialmente a
separação radical entre o “ser” e o “dever ser”.77 Essa concepção metodológica vem
sofrendo, atualmente, fortes críticas em razão de sua insuficiência diante da
natureza histórico-cultural do Direito.78 Ademais, a configuração lógica, racional e
abstrata não consegue judicializar a riqueza dos casos concretos, apontando
soluções diferenciadas.79Paulatinamente, a lógica da subsunção cede espaço ao
critério da razoabilidade, que busca evitar a arbitrariedade e alcançar a decisão que
seja correta.80A própria ideia de correção da decisão abre uma larga porta para a
teoria dos valores na ciência jurídica. Aulis Aarnio, em sua teoria da razoabilidade,
procura dialogar com o conceito habermasiano de Lebenswelt (vida real do ser
humano) no sentido de que um sistema racional de leis prejudica a interação natural
entre a as pessoas.81 Ainda na mesma linha de pensamento, Aarnio, usando a
noção de jogo de linguagem de Wittgenstein, afirma que a expressão jurídica não
tem significado em si mesma, adquirindo conteúdo somente quando em conexão
como o jogo de linguagem em forma de vida determinada.
76
82
De fato, não é
MONCADA, Luís. S. Cabral. Ensaio sobre a lei. Coimbra: Coimbra, 2002. p.70.
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do
direito. Tradução A. Menezes Cordeiro. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 14.
78
Ibidem, p.18.
79
Ibidem, p.20.
80
DUARTE, Écio Oto Ramos. Teoria do discurso e correção normativa do direito. 2. ed. rev. São
Paulo: Landy Editora, 2004, p. 104.
81
AARNIO, Aulis (1991) apud DUARTE, Écio Oto Ramos. Teoria do discurso e correção normativa
do direito. 2. ed. rev. São Paulo: Landy Editora, 2004, p. 106.
82
Ibidem, p. 108.
77
31
suficiente a interpretação da lei sem a interpretação dos fatos, pois as decisões
devem ser justificadas internamente e externamente.
Uma importância maior aos fatos na seara jurídica vem sendo levantada pelo
pragmatismo norte-americano. O pragmatismo tem origem no clube metafísico
liderado por Charles Sanders Peirce, na década de 70 do século XIX, tendo como
ponto principal a rejeição de fundamentos ontológicos a priori para a filosofia,
buscando o uso da razão prática e soluções adequadas ao contexto e às
consequências desejadas.83 No âmbito jurídico, o pragmatismo iniciou com Oliver
Holmes, Roscoe Pound e Benjamin Cardozo, tendo continuidade com Richard
Posner, Thomas Grey, Daniel Farber, Philip Frickey e Martha Minow. 84 Segundo
Posner, o pragmatismo jurídico possui três eixos principais: “a) A desconfiança de
instrumento metafísicos de justificação ética; b) a insistência de que a validade das
proposições seja testada pelas suas consequências, e c) a insistência para que
projetos éticos, políticos e jurídicos sejam julgados e avaliados por sua conformidade
com as necessidades humanas e sociais, e não por critérios supostamente objetivos
ou impessoais.”85
E, especialmente, em relação à validade das proposições
submetidas ao teste de suas consequências, é que a análise econômica do direito é
inserida como instrumento de orientação para tomada de decisão. Construir modelos
de
comportamentos
humanos,
testados
e,
a
partir
daí,
controlar
esses
comportamentos é objetivos da economia, pressupondo que o ser humana faz
escolhas racionais baseadas em relações entre meio e enfim.86
4.1
O PRAGMATISMO E O RETORNO AOS FATOS
O pragmatismo de Posner tem em mira “os fatos”, marginalizando a questão
conceitual, que é colocada em plano inferior, e, busca desses fatos, verificar suas
possíveis consequências, como nos revela esta passagem:
Ao enfatizar a prática, o olhar adiante e as consequências, o pragmatista,
ou ao menos o meu tipo de pragmatismo (pois veremos que o pragmatismo
também tem uma versão antiempírica e anticientífica), é o empírico.
83
PRAGMATISMO JURÍDICO. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do
direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.656.
84
PRAGMATISMO JURÍDICO. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.), loc. cit.
85
PRAGMATISMO JURÍDICO. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.), loc. cit.
86
POSNER, Richard A. Para além do direito. Tradução Evandro Ferreira Silva. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2009. p.17.
32
Interessa-se pelos ‘fatos’ e, portanto, deseja estar bem informado sobre o
funcionamento, as propriedades e os efeitos prováveis de diferentes planos
87
de ação.
Quando Posner afirma seu interesse por “fatos”, o que realmente ele quer
dizer? Será, então, que as normas jurídicas não merecem interesse? Quem
determina os fatos são as normas, ou, ao invés, são as normas determinadas pelos
fatos?
Ao tratar da posição da norma jurídica oriunda dos precedentes judiciais,
Posner relativiza seu peso (cogência), como se percebe nesse trecho: “aplicado ao
direito, o pragmatismo trata da decisão segundo os precedentes (a doutrina
conhecida como ‘stare decisis’), como uma diretriz e não como um dever”. 88 Nessa
linha, a norma jurídica extraída de várias decisões jurídicas no mesmo sentido seria
apenas uma orientação para o juiz e não teria força suficiente para obrigá-lo a
decidir em conformidade com o comando normativo. Dessa forma, haveria então
uma precedência do fato sobre a norma.
Sem aprofundar a relação entre a norma e o fato, é interessante observar que
o estudo sobre a norma jurídica, sua estrutura e a função, desenvolveu-se com
maior profundidade do que o estudo sobre o fato jurídico, em decorrência do
paradigma do positivismo jurídico. O instituto da lei é relevantemente recente na
história do direito pois coincide com a criação dos Estados. Antes disso, a atenção
dos juristas estava voltado aos fatos concretos. Por essa razão, é cabível dissertar
sobre o conceito de fato, classificação e estrutura, no sentido de aprofundar os
pressupostos epistemológicos do pragmatismo jurídico.
Uma das principais tarefas da ciência é oferecer uma explicação sobre a
realidade que nos cerca, indo além da mera opinião elaborada pelo senso comum,
pois funda-se em uma justificação racional. A explicação que o cientista elabora
consiste em uma teoria. Porém, para alcançar o nível teórico, são necessários dois
níveis anteriores: o do fato, depois, o da generalização. 89
O ponto de partida é o nível dos fatos observáveis, onde o cientista destaca
da realidade aqueles que serão objeto de estudo pelo critério da relevância. Mas, o
que é um fato?
87
POSNER, Richard A. Para além do direito. Tradução Evandro Ferreira Silva. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2009. p.5.
88
Ibidem, p.4.
89
FREIRE – MAIA, Newton. A ciência por dentro. 7.ed. Petrópolis, RJ: vozes, 2007. p 56.
33
Fato designa, em geral, aquilo que está feito (factum) ou realizado, não sendo
permitido negar sua realidade, ora destacando-se o aspecto hic et nunc do fato, ora
revela-se sua dimensão de processo, em especial, temporal90. Os autores divergem
quanto ao uso e significado do termo “fato”. Leibniz os considera como realidades
contingentes, inserindo dentro do contexto da distinção entre verdades de fato e
verdades da razão. Hume contrapõe proposições sobre fatos e proposições sobre
ideias91. Para Jonh R. Searle, há uma diferença entre fatos brutos e fatos
institucionais, descritos por meio de enunciados que não distinguem por sua forma
gramatical, nem por sua forma lógica. Os fatos brutos expressam a localização de
objetos, uma lei científica ou um sentimento pessoal. Por outro lado, os fatos
institucionais têm por pressuposto a existência de uma instituição humana, como em
um enunciado no qual se afirma que João se casou como Maria. Searle exemplifica
sua distinção no futebol: alguém pode narrar fatos brutos, desenvolvendo
estatisticamente os chutes, as corridas, etc., sem considerar as regras do jogo, não
enunciando, dessa forma, fatos institucionais. Dilthey, em uma posição de conteúdo
semelhante, separa o conceito de explicação causal da compreensão, onde o
primeiro descreve o que ocorre e o segundo, entende do que se trata. Há ainda a
questão dos fatos carregados de teoria, exprimindo o efeito que a teoria tem na
determinação dos fatos.92 Em Wittigenstein, fato é a chave de leitura para o mundo,
concebendo o mundo como a totalidade dos fatos e não das coisas, como
demonstra a seguinte passagem:
1. O mundo é tudo que é o caso.
1.1. O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas.
1.1.1. O mundo é determinado pelos fatos, e por serem todos os fatos.
1.1.2. Pois a totalidade dos fatos determina o que é o caso e também tudo o
que não é o caso.
1.1.3. Os fatos no espaço lógico são o mundo.
1.2. O mundo resolve-se em fatos.
1.2.1. Algo pode ser o caso ou não ser o caso e tudo o mais permanece na
mesma.
2. O que é o caso, o fato e a existência de estados de coisas.
93
2.1. O estado de coisas é uma ligação de objetos (coisas).
A obra Tratactus Logico – Philosophicus foi escrita utilizando-se de aforismo,
que é um “texto curto e sucinto, fundamento de um estilo fragmentário e
90
FATO. In: MORA, J. Ferrater. Dicionário de filosofia. 2 .ed. Tradução Maria Stela Gonçalves, Adail
U. Sobral, Marcos Bagno e Nicolás Nyimi Campanário. São Paulo: Loyola, 2005. p. 1000 -1004.v.2.
91
FATO. In: MORA, J. Ferrater, loc. cit.
92
FATO. In: MORA, J. Ferrater, loc. cit.
93
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratactus logico-philosophicus. Tradução Luiz Henrique Lopes dos
Santos.3. ed. 1. reimp. São Paulo: Edusp, 2008. p. 135.
34
assistemático na escrita filosófica, ger. relacionado a uma reflexão de natureza
prática ou moral.”94
Não obstante o estilo utilizado, a obra de Wittigenstein é profunda e trata de
problemas atuais envolvendo epistemologia e linguagem, como disserta Condé:
Sem dúvida, Tratactus Logico- Philosophicus é uma obra bastante singular
na história da filosofia ocidental, e isto não se deve apenas às
circunstâncias em que foi escrito. Esse pequeno livro de aproximadamente
oitenta páginas, constituído de aforismos nem sempre inteligíveis, é uma
obra filosófica por excelência. Ele contém de modo compacto, direta ou
indiretamente, uma parte considerável dos atuais problemas filosóficos, isto
é, problemas relativos à lógica, linguagem, ontologia, teoria do
95
conhecimento, epistemologia, ética, metafísica [...]
O ponto principal desse pensamento filosófico é estabelecer as bases da
relação entre a linguagem e o mundo. A história do pensamento humano pode ser
sintetizada a partir de sua principal preocupação ontológica. A filosofia antiga
centraliza seu cuidado sobre o mundo (as coisas). Na sequência, Deus ocupa o
lugar principal na filosofia medieval. Na modernidade, volve-se a atenção para o
homem, em especial, em seu aspecto racional. A filosofia contemporânea, por sua
vez, faz a denominada reviravolta linguístico – pragmática, ocupando-se de forma
nuclear com os estudos sobre a linguagem.
Para Wittgenstein, há uma correspondência entre a estrutura lógica da
linguagem e a estrutura lógica do mundo, de maneira que a forma da realidade
reflete-se na forma lógica da linguagem.96 Essa posição teórica é conhecida como
teoria da figuração, na qual, “a tese fundamental de Wittgenstein é que a linguagem
figura o mundo sobre o qual ela fala e a respeito do qual nos informa.”
97
Mas qual
seria a estrutura do mundo figurado pela linguagem?
Segundo Oliveira, “a resposta a respeito da estrutura do mundo está no início
do Tratactus. Uma tese fundamental é: ‘o mundo é a totalidade dos fatos, não das
coisas.’ A categoria usada para a compreensão do mundo é a dos fatos em
contraposição à das coisas. 98 Diante disso, qual seria a importância dessa mudança
de perspectiva da coisa para o fato? Em primeiro lugar, quando consideramos o fato
94
AFORISMO. In: HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p 63.
95
CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Wittgenstein: linguagem e mundo. São Paulo: Annablume, 1998.
p.66-69.
96
CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão, loc. cit.
97
OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguístico-pragmático na filosofia contemporânea.
3.ed. São Paulo: Loyola, 2006. p.96.
98
Ibidem, p.96.
35
como unidade ontológica do conhecimento, permitimos que surja a partir dele uma
proposição, que terá o valor de verdade ou falsidade. Em sede de metodologia
científica, essas proposições são conhecidas como hipóteses, que se comprovadas,
transformam-se em premissas de sustentação de uma teoria. Além disso, o conceito
que é utilizado na proposição é, assim, algo que necessita de complementação, e
sua expressão linguística, o predicado, só tem significação no contexto, ou seja, na
frase.’”99
Complementação
e
contexto
são
duas
expressões-chave
para
o
entendimento da teoria da figuração, pois complementação traz a ideia de algo
inacabado, que é um ponto de partida para uma compreensão prática posterior.
4.2
O PRAGMATISMO E A REJEIÇÃO AO ESSENCIALISMO
Um dos eixos principais do pragmatismo jurídico é a desconfiança em relação
aos instrumentos metafísicos de justificação ética. A metafísica parte de um
pressuposto essencialista que consiste em afirmar a existência de uma essência
ontológica no mundo exterior. A linguagem, em sua função instrumental, deveria
espelhar a ordem objetiva do mundo, segundo a ótica essencialista. Demonstra-se
assim, necessário esclarecer como ocorreu a rejeição do essencialismo a partir do
estudo de Wittgenstein sobre a relação entre a linguagem e o mundo.
A discussão crítica sobre a linguagem e suas relações com o mundo remonta
a Platão, em sua obra Crátilo, escrito no ano de 388 a.C, aproximadamente.
100
Até
hoje, a concepção platônica exerce influência na resposta que se dá à questão da
essência da linguagem e sua forma de representação do mundo. Há dois extremos
que concorrem para solucionar esse problema: o naturalismo, que sustenta que
cada coisa tem um nome por natureza, e o convencionalismo, que propõe que a
linguagem é construída a partir de uma convenção entre aqueles que se
comunicam. Platão reconhece que há palavras que imitam os sons das coisas que
representam (palavras onomatopaicas) favorecendo à concepção naturalista, porém,
essa não é a regra. Daí, o autor grego sustenta que “as palavras não imitam
99
OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguístico-pragmático na filosofia contemporânea.
3.ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 97.
100
Ibidem, p. 17.
36
propriamente os sons, mas apresentam a essência das coisas”101. Não se deve
olvidar, nesse ponto, o pensamento clássico grego que afirma que as coisas
possuem essências objetivas e caberia ao homem desvelar a ordem objetiva que
está oculta nas próprias coisas, utilizando-se, para isso, da linguagem, a qual deve
representar de forma adequada a ordem objetiva das coisas
102
.
Assim, a linguagem seria um sistema organizado e regulado através de uma
gramática, e “na perspectiva de Platão há uma correspondência fundamental, uma
isomorfia entre a estrutura gramatical e a estrutura ontológica, isto é, a construção
de uma língua não é arbitrária.”103
A negação da arbitragem da linguagem advém do paradigma platônico das
ideias imutáveis que constituem seres exemplares, pois como a linguagem exprime
a essência das coisas, não poderiam os homens modificarem por acordo as
palavras que designam coisas, em razão da própria imutabilidade das essências. A
identificação entre linguagem e ser é de tal monta que Crátilo (quer dizer, Platão)
defende a tese de que quem tem o conhecimento dos nomes, ipso facto, tem o
conhecimento das coisas, contudo, isso não significa dizer que não podemos
conhecer as coisas sem os nomes, ao contrário, Platão afirma que é possível o
conhecimento da realidade através da contemplação das ideias, sem a utilização da
mediação linguística.104
Portanto, à linguagem é dada uma função designativa e instrumental,
situando-se em uma posição secundária em relação ao ser, pois apenas o revela e
expõe. A concepção de que a linguagem é um sistema de sinais que permitiria o
domínio do homem sobre o mundo objetivo alcança o cume em Leibniz, o qual
almeja com a matemática uma linguagem universal, que representaria da forma mais
perfeita possível o mundo exterior, desvencilhando-se o homem das imperfeições da
linguagem natural.105
Essa posição de Platão representa a semântica tradicional, impregnando
todas as áreas do conhecimento humano, além do próprio senso comum, no sentido
que há um ponto fixo e imutável na própria realidade que pode ser designado por um
101
SCHONRICH, G. (1992) apud OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguísticapragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 2006. p. 19
102
OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguístico-pragmático na filosofia contemporânea.
3.ed. São Paulo: Loyola, 2006.p. 19.
103
Ibidem, p. 20.
104
Ibidem, p. 22.
105
Ibidem, p. 22-23.
37
nome (conceito). A fixidez conceitual, decorre, assim, da própria fixidez da essência
da realidade.
Apesar da problemática fundamental da linguagem permanecer a mesma, a
perspectiva da segunda fase do pensamento de Wittgenstein é diferente, porque
enquanto o tratactus é elaborado de forma ordenada e lógica, as investigações
filosóficas são expostas de forma desordenada, aparentando “não ter um fio
condutor”106.
A concepção instrumentalista da linguagem, a partir de Platão, consiste em
reduzir sua função à mera designação das coisas, sendo a linguagem considerada
como condição de possibilidade da comunicação, e não como condição de
possibilidade de conhecimento humano.107
Assim, conforme a tradição, a linguagem serve para designar as coisas,
pressupondo uma isomorfia entre a realidade e a linguagem, a tal ponto, que
Wittegenstein, em sua primeira fase afirma, que há uma correspondência estrutural
entre uma frase e o estado de coisas.108 A teoria designativa da linguagem possui
duas correntes: uma defende que as palavras designam tão somente coisas
singulares, já que não existe uma essência das coisas; a outra propugna pela
capacidade que as palavras têm para designar a essência comum a muitas
coisas.109 Esta última corrente tem forte ligação com a metafísica clássica, que
pressupõe que existe um mundo em si, que possui uma estrutura ontológica,
cabendo à linguagem expor da forma mais perfeita possível a ordem do
mundo.110Então, como bem exprime Heintel: “A
diferença
entre
sensibilidade
(aisthesis) para o entendimento (dianoia) e a razão (nous) consiste na passagem do
mutável e transitório para o permanente, imutável, ou seja, aquilo constitui as coisas
em seu ser próprio: a essência.”111
A concepção tradicional da linguagem está vinculada à linha antropológica
que caracteriza a linguagem humana como um ato espiritual, distinto da linguagem
106
OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguístico-pragmático na filosofia contemporânea.
3.ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 118.
107
Ibidem, p. 119.
108
Ibidem, p. 120-121.
109
Ibidem, p. 120.
110
Ibidem, p. 121.
111
HEINTEL, E. (1968) apud OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguística-pragmática na
filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 2006. p. 121.
38
dos animais, a qual está restringida meramente aos sons.112 Wittgenstein refere-se
ao ato espiritual do ter-em-mente, através do qual os sons acústicos fazem sentido,
assim como o compreender, ato do espírito que se apropria do sentido e da
essência de algo, permitindo ao homem utilizar as palavras “de modo justo, se elas
se adaptam às diversas circunstâncias em questão.113 O problema dessa concepção
é que entende a linguagem sob aspecto subjetivista (ato espiritual), já que o
processo de comunicação tem como ponto de partida o próprio indivíduo, acessando
o conhecimento como ato privado, e depois, comunicando aos outros, postura que
foi denominada por Karl Otto Apel de solipsismo epistemológico.114 A filosofia do
segundo Wittgenstein critica essa filosofia da subjetividade, onde o dualismo
epistemológico e antropológico encontra lugar, pugnando por uma modificação da
relação entre “conhecimento e ação, linguagem e práxis humana”
115
A obra Investigações Filosóficas de Wittgenstein combate de forma crítica a
teoria objetivista da linguagem, pois haveria uma parcialidade quando reduz a
função da linguagem a um mero instrumento para designar as coisas exibindo, pois,
um caráter reducionista, que não condiz com a amplitude de atos que podemos
praticar com a linguagem (Wittgenstein cita no número vinte e três de suas
Investigações Filosóficas uma lista de coisas que podemos fazer usando a
linguagem)116. Wittgenstein põe em xeque a concepção tradicional da existência de
um mundo em si mesmo, no qual a linguagem tentaria espelhá-lo, com o objetivo de
alcançar uma verdadeira isomorfia entre realidade e linguagem.117
O essencialismo, dessa forma, seria uma fonte de erros ao pressupor que há
uma essência das coisas, que os nomes designam as essências de uma forma
definitiva, em um quase-batismo e que as palavras teriam fronteiras fixas em sua
utilização, como demonstra Oliveira:
Já dissemos que, para a tradição do Ocidente, definir algo significa
delimitar-lhe o lugar no todo do real, estabelecer seus fins, suas fronteiras,
seus limites, e isso de modo definitivo. Ora, a crítica da teoria tradicional
mostra que a significação dos conceitos universais não é unitária. Ela não
permanece necessariamente onde está hoje; é possível haver novos casos
de sua aplicação que manifeste novas diferenças. A significação das
palavras não está estabelecida de modo definitivo (IF 79, 80). O fato de não
112
OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguístico-pragmático na filosofia contemporânea.
3. ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 122.
113
Ibidem, p. 123.
114
Ibidem, p. 124.
115
Ibidem, p. 126.
116
Ibidem, p. 127.
117
Ibidem, p. 128.
39
ser possível conhecer de modo definitivo, todos os casos de aplicação de
118
uma palavra não significa que ela não tenha sentido.
Tratando do essencialismo, Popper defende a necessidade do abandono
dessa concepção:
O essencialismo olha para o nosso mundo quotidiano como uma mera
aparência, por detrás da qual descobre o mundo real. Esta perspectiva tem
de ser abandonada assim que tomamos consciência do facto de que o
mundo de cada uma das teorias pode ser, por seu turno, explicado por
outros mundos, que são descritos por outras teorias – teorias de um mais
elevado nível de abstração, universalidade e testabilidade. A doutrina de
uma realidade essencial ou última desmorona-se juntamente com a doutrina
119
da explicação última.
Wittgenstein abandona o ideal de uma linguagem perfeita exposta no
Tratactus, sustentando que não há como desligar as palavras das situações
concretas e do contexto sócio-prático em que são usadas, onde é possível encontrar
não uma significação definitiva, nem tampouco convencionada, mas por intermédio
de semelhanças e parentescos.120 É por isso que uma ambigüidade e vaguidade no
significado das expressões, denominada por Stegmüller de “abertura de conceitos”,
que é impossível de ser afastada totalmente da linguagem, já que “nossos conceitos
são abertos por admitirem a possibilidade de aplicação a casos não previstos.” 121
Em outra passagem esclarecedora, Oliveira explica a linguagem como expressão de
forma de vida:
Jogada a linguagem dentro da situação, Wittgenstein percebe que a
diferente linguagem faz parte da totalidade dessa situação de vida humana,
ou, em sua expressão, uma ‘forma de vida’ do homem (IF 23). É por essa
razão que a significação das palavras só pode ser esclarecida por meio do
exame das formas de vida, dos contextos em que essas palavras ocorrem,
pois é o uso que decide sobre a significação das expressões linguísticas (IF
23). ‘A significação de uma palavra’, diz Wittgenstein no número 43 de suas
Investigações Filosóficas, ‘é seu uso na linguagem.’ Só se pode entender a
linguagem humana a partir do contexto em que os homens se comunicam
122
entre si.
118
OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguístico-pragmático na filosofia contemporânea.
3. ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 130.
119
POPPER, Karl Raymund. Conjecturas e refutações. Tradução Benedita Bettencourt.Coimbra:
Almedina, 2006. p. 162.
120
Ibidem, p. 131.
121
STEGMÜLLER, W. (1977) apud OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguísticapragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 2006. p. 131.
122
OLIVEIRA, Manfredo A. de. op. cit., p. 132.
40
Nessa linha, a compreensão de uma frase vai depender de sua situação
histórica de seu uso, e não do ato intencional privado de quem enuncia, pois quem
dá o sentido de uma expressão é o uso real em que ela é posta.123
Portanto, não se deve especular sobre a linguagem, mas observar o seu
funcionamento como atividade humana, tal qual andar e passear, inserido em um
contexto de ação (o que Wittgenstein chama de forma de vida).124Logo, haveria
diferentes formas de vida dando origem a diversos contextos pragmáticos, nos quais
haveriam regras adequadas para o uso da linguagem, sedimentadas em uma
gramática profunda (em contraposição à gramática superficial que consistiria apenas
nas regras para a construção de frases), representando o salto da semântica para a
pragmática.125
Uma consequência relevante para a ciência é que a doutrina dos jogos de
linguagem afasta totalmente o sentido metafísico das palavras e a forma de
construção do conhecimento, já que as regras do jogo não são fixadas
ordenadamente, nem através de um ato de um indivíduo, mas por “acordo com
regras e normas que ele juntamente com outros indivíduos estabeleceu.”126
É no jogo de linguagem que as palavras (pelo uso) ganham o sentido
verdadeiro, o qual não possui fronteiras fixas e, outrossim, independe da intenção do
falante em atingir algum fim.127 É por isso que Wittgenstein assevera que os
problemas de semântica (de significação) somente serão resolvidos a partir da
pragmática.128
Wittigenstein é um filósofo que pertence a uma linha pragmatista filosófica. Há
outros filósofos que defendem a extensão do pragmatismo filosófico ao direito, como
assevera Posner:
Mas Dewey acreditava e Rorty acredita que o estilo de pensamento que as
versões de pragmatismo deles encorajam podem se derramar para campos
não filosóficos, e até para a atividade de julgar, com bons resultados.
Dewey escreveu, em nada menos do que uma publicação jurídica, portanto
estava tentando atingir - e ensinar – profissionais do direito, que o que o
direito precisava era de “uma lógica relativa a consequências e não
129
antecedentes.
123
OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguístico-pragmático na filosofia contemporânea.
3. ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 135.
124
Ibidem, p. 138.
125
Ibidem, p. 139.
126
Ibidem, p. 143.
127
Ibidem, p. 145-146.
128
Ibidem, p. 147.
129
POSNER, Richard A. Direito, pragmatismo e democracia. Tradução Teresa Carneiro. Rio de
Janeiro: Forense, 2010. p. 33.
41
No direito, as noções de ilicitude e de reponsabilidade demonstram bem a
inadequação de conceitos essencialistas, em razão de sua variabilidade no tempo e
no espaço. Apesar disso, a doutrina dos direitos humanos tem buscado estabelecer
núcleos referentes a certos direitos que não seriam suscetíveis a determinadas
modificações em razão do tempo e do espaço em que são aplicados.
Para o pragmatismo jurídico, a doutrina da rejeição de conceitos
essencialistas metafísicos permite ao juiz uma flexibilidade maior em relação à
interpretação dos fatos e das leis, contribuindo para um desapego em relação às
determinações e limites que a doutrina jurídica faz quando trata de conceitos como
ilicitude, responsabilidade e direitos humanos.
O pragmatismo jurídico alega a racionalidade de seus enunciados fundados
na teoria econômica. Porém, não se pode confundir racionalidade com a
razoabilidade. A racionalidade lida com as ideias de verdade, coerência e eficácia;
por outro lado, a razoabilidade refere-se a temas como equidade, abuso de direito e
de poder, consistindo na delimitação daquilo que é aceitável ou inaceitável
socialmente.130
4.3 PRAGMATISMO E O UTILITARISMO: UM PONTO DE ENCONTRO PARA A
ÉTICA E O DIREITO
O movimento do pragmatismo filosófico surgiu a partir de experiência norteamericana, no final do século XIX, tendo em seu programa três vertentes básicas: o
antifundacionismo, o consequencialismo e o contextualismo; tendo por seus
principais defensores Charles Sandes Peirce, Georde Herbert Mead, John Dewey,
William James e, atualmente, no plano jurídico, Richard A. Posner, que escreveu
obras direcionadas a essa temática, por exemplo, “Problemas de Filosofia do Direito”
e “Direito, Pragmatismo e Democracia”.131
Em linhas gerais, esse linha filosófica sustenta que há relativismo nas noções
de realidade e verdade, rejeita a fundamentação metafísica, questiona a análise
130
PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins
Fontes, 1996. p.436.
131
ANDRADE, Fábio Martins. Modulação em matéria tributária: o argumento pragmático ou
consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
p.41.
42
lógica e formal da realidade e propõe uma concepção de verdade como
concordância. 132
A vertente do antifundacionismo põe-se em oposição ao uso de entidades
metafísicas, princípios e dogmas como fundamento estático do conhecimento
humano, submetendo os conceitos de certeza, realidade e verdade a uma discussão
em função da abertura do conhecimento, sempre sujeito a um processo de
verificação e autocorreção, pois a realidade é tomada sob o aspecto prospectivo, em
direção ao futuro.133
Por sua vez, na vertente relacionada ao contextualismo,o direito é visto como
instrumento para a construção da realidade (interferindo diretamente sobre ela), em
virtude de tratar a própria atividade jurídica como ação humana.134
E, por fim, a vertente com viés ético, o consequencialismo, busca a valoração
da ação humana (como certo ou errado) a partir das consequências externas a esse
ato, sem indagar da correção do ato em si.135
Esse teor ético aplicado às questões jurídicas é proposto por Posner:
A busca de objetividade no direito, que até aqui consumiu boa parte de
nossa atenção, ainda está por revelar o santo Graal que permitirá que os
juízes decidam os casos mais complicados em bases mais sólidas
“profissionais” e imperativas, e menos subjetivas “políticas” e
(frequentemente) idiossincráticas do que seus valores pessoais e suas
preferências éticas e relativas a políticas públicas.
Talvez então, em vez de procurar métodos incisivos nos materiais jurídicos
– mais concisamente, “raciocínio jurídico” – atrás de respostas para
questões jurídicas específicas, devêssemos procurar um princípio
abrangente de justiça, uma norma ético-política que pudesse ser usada
136
para fundamentar as obrigações jurídicas.
Diante do antagonismo entre formalismo e o pragmatismo, Posner adverte
que a rejeição do pragmatismo jurídico ao formalismo legalista no direito não é
absoluta, de forma a anular o papel da lei, contudo, sustenta o autor, não se deve
sacralizar o aspecto formal, pois o juiz, não raramente, se vê compelido a ponderar
sobre as consequências de sua decisão através de métodos não-jurídicos.137
132
ANDRADE, Fábio Martins. Modulação em matéria tributária: o argumento pragmático ou
consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
p.43-44.
133
Ibidem, p.46.
134
Ibidem, p.47.
135
Ibidem, p.73-74.
136
POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2007. p.419.
137
POSNER, Richard A. (2007) apud ANDRADE, Fábio Martins. Modulação em matéria tributária:
o argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF. São
Paulo: Quartier Latin, 2011. p.50.
43
Em razão do caráter antiessencialista ou antimetafísico do pragmatismo
jurídico, a dicotomia entre positivismo jurídico e o direito natural perde o sentido 138,
pois tanto um como o outro estão permeados de dogmatismo, cada qual a sua
modo. Disso decorre a migração do centro do conhecimento jurídico da noção de
verdade para a de crença justificada pela necessidade social.139
O consequencialismo do pragmatismo jurídico vincula-se do ponto de vista
ético ao utilitarismo, que justifica as ações como corretas à medida em que elas
conduzem à maximação do bem-estar. Nesse ponto, cabe analisar as críticas
percucientes que John Rawls faz à doutrina utilitarista.
Na constituição das sociedades, há duas opções políticas básicas quanto aos
seus fundamentos, uma funda-se no princípio da igualdade, a outra, na ideia do bem
máximo, como adverte Rawls:
Na história do pensamento democrático, duas ideias contrastantes de
sociedade têm um lugar proeminente: uma é a ideia de sociedade como
sistema equitativo de cooperação social entre cidadãos livres e iguais; a
outra é a ideia de sociedade como sistema social organizado com o intuito
de produzir o bem máximo considerando-se todos os seus membros, sendo
que esse bem é um bem completo especificado por uma doutrina
abrangente. A tradição do contrato social elabora a primeira ideia, a tradição
utilitarista é um caso especial da segunda.
Entre essas duas tradições há uma divergência básica: a definição da ideia
de sociedade como sistema equitativo de cooperação social inclui bastante
naturalmente as ideias de igualdade (a igualdade de direitos, liberdades e
oportunidades equitativas básicos) e de reciprocidade (da qual o princípio
de diferença é um exemplo). Em contraposição, a ideia de sociedade
organizada como o intuito de produzir o bem máximo expressa um princípio
de justiça política maximizador e agregativo. No utilitarismo, as ideias de
igualdade e de reciprocidade só são consideradas indiretamente, como
aquilo que normalmente é necessário para maximizar o total de bem-estar
140
social.
Para Rawls, a virtude mais importante das instituições sociais é a justiça,
logo, a organização e eficiência das instituições não são suficientes para justificar as
injustiças que praticam. De plano, já é possível situar que a teoria da justiça de
Rawls se opõe ao utilitarismo em razão da precedência valorativa que a justiça
possui em relação a outros valores (p. ex.: a eficiência). Além do utilitarismo, Rawls
combate o intuicionismo, segundo o qual, existe uma pluralidade de princípios de
justiça, que podem entrar em conflito um com o outro, e, em caso de dúvida, não há
138
POSNER, Richard A. (2007) apud ANDRADE, Fábio Martins. Modulação em matéria tributária:
o argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF. São
Paulo: Quartier Latin, 2011.p.51.
139
Ibidem, p.52.
140
RAWLS, John. Justiça com equidade: uma reformulação. Tradução Claudia Berliner. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. p.135.
44
um critério objetivo que indique qual princípio tem prioridade, então, resta a quem vai
decidir recorrer à intuição.141 Contudo, Rawls objeta que o intuicionismo é incapaz
de elaborar um método para hierarquizar as intuições, e também, de distingui-los de
meras impressões ou palpites, sem olvidar que essa doutrina (o intuicionismo) não
oferece um critério para segregar intuições corretas e intuições incorretas142. Isso
não implica em desconsiderar totalmente a intuição em caso de dúvidas de decisão,
mas recorrer a ela na menor medida possível143.
Em relação ao utilitarismo, Rawls é bem claro: “Meu objetivo é elaborar uma
teoria da justiça que represente uma alternativa ao pensamento utilitarista em geral
e consequentemente a todas as suas diferentes versões.”144
Todavia, a discussão mais interessante é a da crítica ao utilitarismo, em razão
de sua influência como regra ética, política e jurídica, disseminando-se no próprio
cotidiano atual como um critério razoável para tomar uma decisão qualquer. Rawls
define o utilitarismo como “aquela postura que considera um ato como correto
quando maximiza a felicidade geral”145.
Diversamente do intuicionismo, o utilitarismo possui um ponto de apoio para
hierarquizar as diferentes alternativas que entram em conflito no momento de tomar
uma decisão: o bem-estar geral. Por conseguinte, entre duas soluções a dar a um
problema, a melhor solução será aquela que mais favorecer ao bem-estar geral146.
A principal rejeição de Rawls ao utilitarismo está em seu aspecto teleológico
ou consequencialista, que justifica a correção moral de uma ação a partir “de suas
consequências, de sua capacidade para produzir certo estado de coisas
previamente avaliado”
147
. Por outro lado, Rawls defende uma linha de pensamento
não-consequencialista (deontológica), fundamentando a correção moral de uma
ação em suas qualidades intrínsecas independentemente das consequências que
esta ação produzirá, sejam consequências boas ou ruins. Estabelecendo uma
comparação entre a abordagem consequencialista e não consequencialista e a
141
GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia
política. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. p.2.
142
Ibidem, p.3.
143
GARGARELLA, Roberto, loc. cit.
144
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Claudia Berliner. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.p. 24.
145
RAWLS, John (1971) apud GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um
breve manual de filosofia política. São Paulo: WMF Martins fontes, 2008. p. 3.
146
GARGARELLA, Roberto, op. cit. p.3.
147
Ibidem, p.4.
45
relação entre a teoria do bem (que cuida em definir quais os bens valiosos) e a
teoria da correção (que trata do que devemos fazer), pode-se afirmar que na
abordagem consequencialista, a teoria da correção está subordinada à teoria do
bem (a ação é correta porque produz o bem), e, na abordagem nãoconsequencialista, a teoria do bem é independente da teoria da correção (a correção
da ação não depende do bem produzido)
148
. Sobre a relação entre a correção de
uma ação e o seu vínculo ao prazer (bem-estar), Anscombe critica:
Deveríamos adaptar uma observação de Wittgentein sobre o significado e
dizer ‘O prazer não pode ser uma impressão; pois nenhuma impressão
poderia ter as consequências do prazer’. Eles [os empiristas britânicos]
estavam dizendo que alguma coisa que consideravam como semelhante a
uma determinada sensação de cócegas ou coceira era muito obviamente a
149
razão de se praticar qualquer ação que fosse.
Além de relacionar as ideias de bem e correção, o utilitarismo também
subordina a justiça à noção de bem, de acordo com Rawls:
Ora, parece que a maneira mais simples de relacioná-las é a praticada
pelas teorias teleológicas: o bem se define independentemente do justo, e
então o justo se define como aquilo que maximiza o bem. Mais
precisamente, justas são aquelas instituições e ações que das alternativas
possíveis retiram o bem maior, ou pelo menos tanto bem quanto quaisquer
outras instituições e ações acessíveis como possibilidades reais (uma
disposição adicional necessária quando há mais de uma possibilidade de
otimização). As teorias teleológicas têm um profundo apelo intuitivo porque
parecem incorporar a ideia de racionalidade. É natural pensar que a
racionalidade consiste em maximizar algo e que, em questões morais, o que
deve ser maximizado é o bem. De fato, é tentador imaginar como evidente a
afirmação de que as coisas deveriam ser planejadas de modo a conduzir ao
150
bem maior.
A atração que o utilitarismo exerce tem explicação na objetividade na forma
de tratar com um conflito de interesses, porquanto, dados certos indivíduos com
interesses divergentes, estes são sopesados com a finalidade de buscar qual
interesse tem prioridade por produzir ou maximizar o bem-estar geral. A respeito da
alegação de objetividade e racionalidade feita pelo utilitarismo, Rawls disserta:
Mas o fracasso do hedonismo em fornecer um procedimento racional de
escolha não deveria provocar surpresa. Wittgenstein demonstrou que é um
erro postular certas experiências determinadas para explicar como
distinguimos as lembranças de imaginações, as crenças de suposições, e
assim por diante para os outros atos mentais. De forma semelhante, é já de
antemão improvável que certos tipos de sentimento agradável possam
definir um modelo de explicação cujo uso justifique a possibilidade da
148
GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia
política. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. p.3-4.
149
ANSCOMBE, G.E.M. (1957) apud RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Claudia
Berliner.2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 700.
150
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Claudia Berliner. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 26.
46
deliberação racional. Nem o prazer nem qualquer outro objetivo
151
determinado podem desempenhar o papel que o hedonista lhes atribuiria.
Além disso, o utilitarismo não se interessa pelas diversas teorias de justiça
que utilizam princípios abstratos, que olvidam que as suas soluções recairão sobre
pessoas reais.152 Este é um ponto interessante no debate jurídico, em especial,
quando se trata da insuficiência do positivismo jurídico para resolver situações em
que a aplicação generalizada de uma norma jurídica se revele injusta ou inadequada
em relação a determinado caso concreto que envolve pessoas reais. De fato, essa
insuficiência do positivismo jurídico decorre da própria insuficiência da linguagem
humana natural em tratar com a realidade do mundo. Se uma lei editada por um
parlamento utiliza-se de conceitos abstratos, há uma abstração muito maior em
relação aos princípios, que as distanciam do mundo real, como se pode perceber na
dificuldade teórica em relação ao princípio da igualdade.
Retornando ao tema do utilitarismo e sua presumida adequação à situação
das pessoas reais, Gargarella ilustra essa visão com o seguinte exemplo:
Assim, ante a proposta de censurar certos tipos de comportamento –
digamos, o consumo de álcool ou a difusão de determinadas ideias -, o
utilitarismo nos incitará à pergunta: Por que adotar tal curso de ação? Que
pessoa será de fato afetada ou beneficiada com essa decisão? Por que
censurar tais condutas, se elas não prejudicam ninguém? Essa visão
peculiar –que toma como ponto de referência a condição dos indivíduos
“reais”, de “carne e osso” – situa o utilitarismo como uma postura de forma
geral interessante, pelo menos ante alternativas que parecem adotar cursos
153
de ação contrários ao descrito.
Outro argumento sustentado pelos utilitaristas é a sua neutralidade em
relação aos interesses em jogo, quer dizer, não se leva em conta o conteúdo das
pretensões154, ou melhor, não há um juízo antecipado sobre a precedência
valorativa de um conteúdo sobre outro, colocando em um mesmo patamar, por
exemplo, a solicitação de uma comunidade para manter o meio ambiente limpo e a
solicitação de um empresário para impulsionar o crescimento industrial, ainda que
em prejuízo do meio ambiente, ou, no âmbito tributário, a solicitação de um
contribuinte (ainda que fundada em direito fundamental) em ser desonerado de
determinado tributo e a pretensão do fisco em ver o tributo cobrado. O utilitarismo,
151
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Claudia Berliner. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 621.
152
GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia
política. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. p.4-5.
153
Ibidem, p.5.
154
GARGARELLA, Roberto, loc. cit.
47
assim, seria livre de preconceitos em relação às posições politicas, filosóficas,
ideológicas ou jurídicas, não privilegiando nem uma doutrina, nem a outra, assim
como, sem qualquer acepção ou diferença em relação aos indivíduos concretos
envolvidos no conflito.155Disso decorre que haveria um caráter (prima facie)
igualitário no utilitarismo, conforme observa Dworkin 156, pois na balança dos
interesses não há um interesse mais valioso que o outro, antes que sejam avaliadas
as repercussões de um ou de outro, e, da mesma forma, entre um indivíduo e outro,
não há um que seja mais importante que o outro, não se indagando da classe social,
cor, raça ou outra qualquer distinção entre indivíduos. Diante disso, o utilitarismo
“revela que seu estrito compromisso igualitário: não há ninguém cujas preferências
importam mais que as dos demais quando se trata de reconhecer qual preferência
consegue centralizar maior respaldo social”157.
Aprofundando o exame sobre o utilitarismo, verifica-se o recurso ao cálculo
dos custos e benefícios é expandido de um contexto individual para uma escala
social, o que pode induzir a soluções não aceitáveis a uma pluralidade de
pessoas.158 Por exemplo, alguém pode se abster de comer carne de animal para
obter uma saúde melhor, realizando um sacrifício que não poderia ser transferido
para a sociedade. Sobre a transferência do que é racional para um único homem,
para um grupo de homens, Rawls assim se manifesta:
Primeiramente podemos notar que há, de fato, um modo de ver a sociedade
que facilita a suposição de que o conceito mais racional de justiça é
utilitarista. Pois consideremos: cada homem ao realizar seus interesses é
livre para avaliar suas perdas e ganhos. Podemos nos impor um sacrifício
agora por uma vantagem mais depois. Uma pessoa age de um modo muito
apropriado, pelo menos quando noutros não são afetados, com o intuito de
conseguir a maximização de seu bem - estar, ao promover seus objetivos
racionais o máximo possível. Ora, por que não deveria uma sociedade agir
baseada exatamente no mesmo princípio aplicado ao grupo e, portanto,
considerar aquilo que é racional para um único homem como justo para
159
uma associação de seres humanos?
Na verdade, o utilitarismo associa a sociedade com o corpo humano, no
qual se pode sacrificar determinadas partes em função da totalidade, violando,
segundo Rawls, “a independência e dissociabilidade entre as pessoas: o fato de
155
GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia
política. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. p.6.
156
DWORKIN (1977) apud GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um
breve manual de filosofia política. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. p.6.
157
GARGARELLA, Roberto, op. cit., p.6.
158
Ibidem, p.7.
159
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Claudia Berliner. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p.25.
48
que cada indivíduo deve ser respeitado como um ser autônomo, distinto dos demais
e tão digno quanto eles.”160
Rawls acrescenta, ainda, que os indivíduos não podem ser considerados de
forma passiva em suas preferências, porque as pessoas possuem alguma
responsabilidade por suas preferências, em posição ativa, e, além disso, podem ter
as denominadas “preferências ofensivas”161 (p.ex.: uma atitude racista) que seria
contabilizada pelo utilitarismo no mesmo patamar de preferências legítimas.
Utilizando o argumento ad absurdum contra o utilitarismo, Rawls levanta a questão:
Assim se os seres humanos têm certo prazer na discriminação mútua, na
sujeição de outrem a um grau inferior de liberdade como um meio de
aumentar a sua autoestima, então a satisfação desses desejos deve ser
pesada em nossas deliberações de acordo com a sua intensidade, ou
162
qualquer outro parâmetro, em comparação com outros desejos.
Dworkin, por sua vez, assevera que o utilitarismo não atende à sua promessa
igualitária, em razão de considerar as preferências externas, que são aquelas que
não dizem respeito diretamente às pessoas que têm as preferências, mas dirigem-se
ao tratamento que as outras pessoas terão em seus direitos e oportunidades, tal
qual a hipótese de um certo indivíduo pertencente a um grupo racial ou religioso
solicitar que os membros dos outros grupos não tenham um tratamento igualitário, 163
dado que o utilitarismo não faz o prejulgamento do conteúdo das preferências. Essa
pretensa neutralidade do utilitarismo poderia até culminar com a violação de direitos
das minorias (inclusive, fundamentais), já que o princípio majoritário busca o bem
estar geral164. Por fim, outros pontos são colocados como negativos em relação ao
utilitarismo: a origem questionável das preferências, o problema da falsa consciência
e a falta de informação empírica como base para preferências.165
Sobre a possibilidade de violação de direitos fundamentais, em uma aplicação
extrema da doutrina utilitarista, Rawls é incisivo:
Cada membro da sociedade é visto como possuidor de uma inviolabilidade
fundada na justiça, ou, como dizem alguns, no direito natural, que nem
mesmo o bem-estar de todos os outros pode anular. A justiça nega que a
perda da liberdade para alguns se justifique por um bem maior partilhado
por outros. O raciocínio que equilibra os ganhos e as perdas de diferentes
160
GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia
política. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. p.8.
161
RAWLS, J. (1971) apud GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um
breve manual de filosofia política. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. p.9
162
RAWLS, John, op. cit., p. 33.
163
DWORKIN, R. (1977) apud GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um
breve manual de filosofia política. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. p.10.
164
GARGARELLA, Roberto. op.cit., p.11.
165
Ibidem, p.12.
49
pessoas como se elas fossem uma pessoa só fica excluído. Portanto, numa
sociedade justa as liberdades básicas são tomadas como pressupostos e os
direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou
166
ao cálculo dos interesses sociais.
Isso não significa que não seja possível restrição a direitos básicos, como
afirma Rawls:
Nenhuma liberdade básica é absoluta, já que, em casos particulares, essas
liberdades podem entrar em conflito entre si e então sias exigências têm de
ser ajustadas para se encaixarem num esquema coerente de liberdades. A
meta é fazer esses ajustes de tal forma que pele menos as liberdades mais
importantes, relacionadas com o desenvolvimento adequado e o pleno
exercício das faculdades morais nos dois casos fundamentais, sejam
normalmente compatíveis.
O véu de ignorância implica que as partes não têm como saber ou estimar
se as pessoas que elas representam professam uma dada doutrina
religiosa, ou qualquer outra, majoritária ou minoritária. As partes não podem
correr o risco de permitir uma menor liberdade de consciência ara, digamos,
religiões minoritárias, apostando no fato de que a pessoa que cada uma
representa pertence a uma religião majoritária ou dominante e possa,
assim, beneficiar-se de uma liberdade maior do que aquela garantida pela
167
liberdade igual de consciência.
Apesar dessas críticas bem fundamentadas de Rawls, a influência do
utilitarismo persiste no tempo, como acrescenta Sandel:
O inglês Jeremy Bentham (1748 - 1832) não deixou dúvidas sobre sua
opinião a respeito. Ele desprezava profundamente a ideia dos direitos
naturais, considerando-os um “absurdo total”. Seus pressupostos filosóficos
exercem até hoje uma poderosa influência sobre o pensamento de
168
legisladores, economistas, executivos e cidadãos comuns.
Entretanto, no mesmo sentido de Rawls, Sandel observa a fragilidade do
argumento utilitarista:
A vulnerabilidade mais flagrante do utilitarismo, muitos argumentam, é que
ele não consegue respeitar os direitos individuais. Ao considerar apenas a
soma das satisfações, pode ser muito cruel com o indivíduo isolado. Para o
utilitarista, os indivíduos têm importância, mas apenas enquanto as
preferências de cada um forem consideradas e conjunto com as de todos os
demais. E isso significa que a lógica utilitarista, se aplicada de forma
consistente, poderia sancionar a violação do que consideramos normas
169
fundamentais da decadência e do respeito no trato humano...
Não obstante, há determinadas situações extremas que conduzem a uma
perplexidade de fundamento moral, como demonstra Sandel:
Uma questão semelhante surge em debates atuais sobre a justificativa da
tortura em interrogatórios de suspeitos de terrorismo. Consideremos uma
situação na qual uma bomba-relógio está por explodir. Imagine-se no
comando de um escritório local da CIA. Você prende um terrorista suspeito
166
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Claudia Berliner. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 30.
167
Idem. Justiça com equidade: uma reformulação. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Martins
Fontes, 2003. p. 147-148.
168
SANDEL, Michael. J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização brasileira,
2011. p. 48.
169
Ibidem, p.51.
50
e acredita que ele tenha informações sobre um dispositivo nuclear
preparado para explodir em Manhattan dentro de algumas horas. Na
verdade, você tem razões para suspeitar que ele próprio tenha montado a
bomba. O tempo vai passando e ele se recusa a admitir que é um terrorista
ou a informar onde a bomba foi colocada. Seria certo torturá-lo até que ele
170
diga onde está a bomba e como fazer para desativá-la?
A resolução desse dilema é difícil, pois há determinados detalhes prévios: se
há uma relativa certeza quanto à identidade do terrorista ou se existe um outro meio
para evitar a explosão da bomba. De qualquer forma, há quem defenda, ainda que
em situações extremas, a inviolabilidade dos direitos humanos como revela Sandel:
Algumas pessoas repudiam a tortura por princípio. Elas acreditam que esse
recurso é uma violação dos direitos humanos, um desrespeito à dignidade
intrínseca dos seres humanos. Sua posição contra a tortura não depende de
considerações utilitaristas. Elas argumentam que os direitos e a dignidade
humana têm uma base moral que transcende a noção de utilidade. Se
171
essas pessoas estiverem certas, a filosofia de Bentham está errada.
170
SANDEL, Michael. J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização brasileira,
2011. p.52.
171
Ibidem, p.53.
51
5 TEORIA DO ARGUMENTO
A lógica formal é aquela baseada predominantemente no raciocínio dedutivo,
como explica Popper:
A lógica dedutiva é uma teoria da validade das deduções lógicas ou da
relação de consequência lógica. Uma condição necessária e decisiva para a
validade de uma consequência lógica é a seguinte: se as premissas de uma
dedução válida são verdadeira, então a conclusão deve ser verdadeira.
Desta forma, a lógica dedutiva torna-se a teoria da crítica racional, pois todo
criticismo racional toma a forma de uma tentativa de demonstrar que
conclusões inaceitáveis podem se derivar da afirmação que estivemos
tentando criticar. Se tivermos sucesso em deduzir, logicamente, conclusões
inaceitáveis de uma afirmação, então, a afirmação pode ser colocada como
172
digna de ser recusada.
No entanto, o estudo da lógica informal é mais adequado ao direito,
permitindo uma flexibilidade maior no raciocínio.
5.1 ARGUMENTO NA LÓGICA INFORMAL E SUA APLICAÇÃO AO DIREITO
Depois de examinar o paradigma do pragmatismo jurídico, no qual o
argumento consequencialista está inserido, passa-se ao estudo do argumento, com
a finalidade de esclarecer e analisar a estrutura do argumento consequencialista e
averiguar o tipo de argumento mais adequado ao direito.
Toulmin orienta como dar o primeiro passo para resolver qualquer problema
proposto:
Para começar pelo primeiro estágio: quando lidamos com qualquer espécie
de problema, há um estágio inicial em que temos de admitir que uma série
de diferentes sugestões merecem ser consideradas. Todas estas, no
primeiro estágio, têm de ser admitidas como candidatas ao título de
“solução”; para marcar esta possibilidade, dizermos de cada uma de nossas
soluções “potenciais”: “pode (ou podia) ser o caso que...” Nesse estágio, a
“possibilidade” está corretamente bem colocada, junto com seus verbos,
adjetivos e advérbios; falar de uma específica sugestão como uma
173
possibilidade é admitir que ela “merece” ser considerada.
O que é um argumento e quais seus requisitos de validade? Essas questões
são objeto de estudo da lógica formal que propõe uma análise argumentativa
172
POPPER, Karl Raymund. Lógica das ciências sociais. Tradução Estevão de Rezende Martins,
Apio Cláudio Muniz Acquarone Filho e Vilma de Oliveira Moraes e Silva. 3.ed. Rio de Janeiro:
Tempo brasileiro, 2004.p. 26.
173
TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento. Tradução Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins
Fontes. 2001. p. 25.
52
baseada em regras lógicas formais, onde não há preocupação com o conteúdo das
proposições (daí o caráter formal), tornando-se assim um instrumento insuficiente
para lidar com situações complexas, onde se indaga sobre a verdade factual. Por
isso, tem-se recorrido nestas situações à lógica informal e à teoria da
argumentação.174
Argumento, segundo o Dicionário de Filosofia de Cambridge, é “uma
sequência de afirmações de tal natureza que algumas delas (as premissas)
pretendem fornecer uma razão para aceitar outra delas, a conclusão.”175
De acordo com Copi, há uma diferença entre argumento e explicação:
Se estamos interessados em estabelecer a verdade de Q, e se P é
oferecido como prova dela, então “Q porque P” formula um argumento.
Contudo, se considerarmos a verdade de Q não-problemática, tão bem
estabelecida, pelo menos, quanto a verdade de P, e se estivermos
interessados em explicar o porque Q é o caso, então “Q porque P” não é um
argumento mas uma explicação. Mas nem todos os exemplos são tão
facilmente classificados. Em cada caso, o contexto pode ajudar a esclarecer
a intenção de escritor ou de locutor. Se seu propósito for estabelecer a
verdade de uma de suas proposições, ele formula um argumento. Se seu
176
propósito é explicar, então formula uma explicação.
Um argumento é válido quando a verdade das premissas garante a verdade
da conclusão, ou, dito de outra forma, é impossível que as premissas sejam
verdadeiras e a conclusão seja falsa. Dessa forma a validade ocupa-se apenas com
a bem-ordenada articulação entre premissas e conclusão, mas não é suficiente para
garantir a verdade factual das premissas, porque a verdade das premissas é tomada
apenas hipoteticamente, como no exemplo: “todas as aranhas têm dez pernas, ora,
todas as criaturas de dez pernas têm asas; logo, todas as aranhas têm asas”, no
qual a conclusão não corresponde com a verdade factual descrita pela biologia, mas
é um argumento perfeitamente válido do ponto de vista formal.177
Além disso, é possível visualizar uma relação de consequência entre as
premissas e a conclusão, em sendo válido o argumento, explicitando uma relação
interna entre proposições, que é importante para o raciocínio científico, não
174
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade,
relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p. 253,
ago. 2012.
175
ARGUMENTO. In: AUDI, Robert. Dicionário de filosofia de Cambridge. Tradução Edwino
Aloysius Royer et al. São Paulo: Paulus, 2006. p. 37.
176
COPI, Irving M. Introdução à lógica. Tradução Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
p. 32-33.
177
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria, op. cit., p. 255-256.
53
obstante, insuficiente para as situações complexas da vida.178 Essa relação interna é
bem explorada por Popper na seguinte passagem que trata sobre a derivação
lógica:
Um problema puramente teórico – um problema de ciência pura – consiste
sempre na tarefa de achar uma explicação, a explicação de um fato ou de
um fenômeno ou de uma regularidade destacada ou de uma notável
exceção à regra. Aquilo que pretendemos explicar pode ser chamado de
“explicandum”. A solução tentada do problema, isto é, a explicação, consiste
sempre numa teoria, em um sistema dedutivo que nos permite explicar o
“explicandum” relacionando-o a outros fatos (as assim chamadas condições
iniciais). Uma explicação integralmente explícita consiste em demonstrar a
derivação lógica (ou derivabilidade) do “explicandum” da teoria reforçada
179
por algumas condições iniciais.
Além da validade do argumento, há uma outra instância para avaliá-lo: a
correção. Um argumento válido, ou melhor, a estrutura formal da validade
argumentativa garante apenas a bem-ordenada conexão entre premissas e
conclusão, pois consiste em considerar hipoteticamente dados premissas como
verdadeiras, e em sendo verdadeiras, concluir pela impossibilidade que a conclusão
seja falsa, em confirmação de expressão: “ex vero, verum sequitur” (do verdadeiro
segue-se o verdadeiro).180
Apesar da importante função da análise da validade do argumento, a ciência
não pode subsistir sem considerar a questão da verdade ou falsidade do conteúdo
das próprias premissas, pois um de seus principais objetivos é alcançar a verdade,
ou, ao menos, a verossimilhança. Diante disso, faz-se necessário verificar a verdade
das premissas, no sentido de sua correspondência com a realidade, para que um
argumento alcance o status de correto. Desidério Murcho denomina o argumento
correto de sólido, pois além de válido, não é possível que sua conclusão seja
falsa181, diversamente do argumento apenas válido que pode ter uma conclusão
falsa.
178
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade,
relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p. 255256, ago. 2012.
179
POPPER, Karl Raymund. Lógica das ciências sociais. Tradução Estevão de Rezende Martins,
Apio Cláudio Muniz Acquarone Filho Vilma de Oliveira Moraes e Silva. Rio de Janeiro: Tempo
brasileiro, 2004, 3.ed.p. 28.
180
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria, op. cit. p. 255-256.
181
MURCHO, Desidério (2006) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência,
plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos.
Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p. 256-257, ago. 2012.
54
O argumento válido e correto possui poder persuasório, pois sua força é
derivada da própria justificação da conclusão, que é verdadeira, garantida por
premissas verdadeiras.
Contudo, nem sempre um argumento válido e correto é um bom argumento,
pois é possível que um argumento válido e correto não tenha o valor instrumental do
convencimento, enquanto que um argumento mau possui a capacidade de
convencer um grande número de pessoas.182
Os argumentos dedutivos são bem avaliados pelos critérios da validade e
correção, entretanto, há outras espécies de argumentos e cânones relevantes para
criticá-los, como salienta Toulmin:
Há casos do direito penal em que um homem é acusado por algum delito
contra o direito comum ou contra um estatuto; casos civis em que um
homem reivindica que outro lhe pague indenização por algum dano,
difamação ou coisa semelhante; há casos em que se pede ao juiz que
declare legal algum direito ou situação, em questões de legitimidade (para
fazer ou falar, ou de um título de nobreza); casos em que um homem pede
a um tribunal uma ordem formal para impedir outro de fazer algo que possa
vir a prejudicar seus interesses. Acusações criminais, processos civis,
pedidos de declarações ou injunções; é claro que os modos como
argumentamos até chegar a conclusões legais, nesses ou em outros
contextos, podem variar muito. Assim, pode-se perguntar - em relação a
casos legais, assim como na relação a qualquer tipo de argumento – até
que ponto são invariáveis a forma dos argumentos e os cânones relevantes
para criticar os argumentos (os mesmos, para todos os tipos de casos), e
até que ponto a forma e os cânones dependem do tipo de caso que esteja
183
sob consideração.
Essas soluções potenciais deverão ser propostas sob forma de argumento.
Em outra passagem, Toulmin explica distinções relevantes entre a
argumentação dedutiva submetida à validade e argumentação na lógica informal:
(i) A diferença entre argumentos necessários e argumentos prováveis; isto
é, entre argumentos em que a garantia nos dá direito de argumentar
inequivocamente até a conclusão (e que se rotulam com o qualificador
modal “necessariamente”), e argumentos em que a garantia só nos dá
direito a conclusões provisórias (que se qualificam com um
“provavelmente”), a conclusões sujeitas a exceções (que se marcam com
“presumivelmente”) ou a conclusões condicionadas (que se marcam com
“desde que...”).
(ii) A diferença entre argumentos que são formalmente válidos e
argumentos que não se pode esperar que sejam formalmente válidos;
qualquer argumento é formalmente válidos se for exposto de tal modo que
se possa chegar à conclusão mediante uma adequada disposição dos
termos nos dados e na garantia. (Um dos atrativos da lógica formal sempre
182
MURCHO, Desidério (2006) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência,
plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos.
Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p. 256-257, ago. 2012.
183
TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento. Tradução Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins
Fontes. 2001. p. 22-23.
55
foi a possibilidade da análise de validade, neste sentido, depender
exclusivamente de questões de forma.)
(iii) A diferença entre os argumentos, inclusive os silogismos ordinários, em
que se conta com uma garantia cuja adequação e aplicabilidade foram
previamente estabelecidas, e os argumentos que visam a estabelecer a
adequação de uma garantia.
(iv) A diferença entre argumentos expressos em termos de “conectivos
lógicos” ou quantificadores e argumentos não expressos deste modo. As
palavras lógicas aceitáveis incluem “todos”, “alguns”, “ou” e algumas outras,
que são firmemente arrastadas para longe das cabras não-lógicas, isto é,
para longe da generalidade de substantivos, adjetivos e coisas
semelhantes, e de conectivos e quantificadores desregrados como “a
maioria”, “alguns poucos”, “exceto”. Dado que a validade dos silogismos
está intimamente ligada à adequação da distribuição das palavras lógicas
dentro das sentenças que os compõem, lá vamos nós outra vez, incluindo
os silogismos válidos na primeira das nossas duas classes.
(v) A diferença fundamental entre argumentos analíticos e argumentos
substanciais, que só pode ser mitigada se nossas garantias de inferência
forem afirmadas sob a forma tradicional – “todos os (ou nenhum) A’s ou
184
B’s”.
Os argumentos jurídicos são eminentemente substanciais por tratarem de
direitos e em razão do conteúdo ético neles implícitos, não podendo ser tratado de
modo puramente formal. A respeito dos argumentos substanciais, pontifica Toulmin:
Os únicos argumentos que podemos julgar com justiça por padrões
“dedutivos” são os que se apresentam e visam a ser analíticos, necessários
e formalmente válidos. Todos os argumentos que sejam confessadamente
substanciais serão “não-dedutivos ” e, como
consequência, não
formalmente válidos. Mas para o silogismo analítico, a validade pode ser
identificada com a validade formal, e é isto que os lógicos querem que seja
universalmente possível. Mas – pode-se concluir imediatamente –, para os
argumentos substanciais, cujo poder de convicção não pode ser
demonstrado de modo puramente formal, até a validade fica fora de nosso
185
alcance e não pode ser obtida.
Os argumentos indutivos, abdutivos e argumentos do tipo soft usados em
ética186 são considerados não dedutivos. Nesta espécie, em razão de sua própria
conformação lógica, não é possível garantir o mesmo grau de verdade (ou
verossimilhança) que há nos argumentos dedutivos, ou seja, a conexão lógica nos
argumento dedutivos é mais segura que a dos argumentos não dedutivos. Por
exemplo: quando encontramos por vários dias seguidos e em diversos lugares
cisnes em cor preta, somos levados a concluir, indutivamente que todo cisne tem cor
preta. Ora, não é impossível que algum dia em algum lugar seja encontrado um
cisne em cor branca. A relativa fragilidade nesse tipo argumentativo decorre
184
TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento. Tradução Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins
Fontes, 2001. p. 212-213.
185
Ibidem, p. 221.
186
MILLGRAM, Alijah (2005) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade,
condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 922, p.260, ago. 2012.
56
exatamente da contingência de suas premissas, já que o que se afirma nelas
poderia ser de outro modo, ou até mesmo, não existir. Em razão disso, os
argumentos não dedutivos “podem ser derrotados ou superados à vista de outros
elementos”.187
Dado que os argumentos dedutivos podem ser avaliados a partir dos critérios
da validade e correção, paralelamente, os argumentos não dedutivos submetem-se
aos critérios da força e cogência. Imputa-se a qualidade de forte ao argumento em
que, a partir de dadas premissas, é altamente improvável que a conclusão seja
falsa, e, atribui-se a qualidade de cogente ao argumento que possua premissas
verdadeiras efetivamente188. Observa-se neste ponto, a importante distinção entre a
correção e cogência, porque, se na correção a verdade das premissas garante a
verdade da conclusão, não ocorre da mesma forma em relação à instância de
cogência, onde pode acontecer de premissas efetivamente verdadeiras derivar uma
conclusão falsa. 189
As razões que sustentam uma conclusão devem ser, além de verdadeiras,
boas190. Quando se indaga se o argumento é bom ou ruim, leva-se em conta sua
capacidade de persuasão em relação aos destinatários, pois um argumento dedutivo
válido e correto (ou um argumento não dedutivo forte e cogente) pode ser ruim e não
convencer a assembleia, assim como um argumento dedutivo inválido e incorreto
(ou um argumento fraco e não cogente) pode ser bom, pois é adequado à função de
fazer crer naquilo que é enunciado por ele.191 Até agora, utilizou-se de critérios
objetivos par avaliar um argumento, posto que, tanto a validade e correção como a
força e a cogência não se referem, subjetivamente, nem àquele que argumenta, nem
aos destinatários da argumentação. Tais critérios são limitados a uma análise de
forma (sintaxe) e de conteúdo (semântica), sem uma referência aos elementos
subjetivos. A análise pragmática, por sua vez, sem retirar totalmente a atuação de
critérios objetivos, ocupa-se de identificar o bom argumento, a partir dos agentes da
argumentação, operando com duas correntes: a primeira, a lógica da plausibilidade
187
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade,
relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.259,
ago. 2012.
188
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria, loc. cit.
189
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria, loc. cit.
190
BICKENBACH, Jerome; DAVIES, Jacqueline (1997) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria.
Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos
correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.922. p.261, ago. 2012.
191
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria, op. cit., p. 260.
57
(plausibility logic), e a segunda, a abordagem ARS (aceitabilidade - relevância suficiência).
Consoante Murcho, um argumento bom seria aquela que, além de válido,
possuísse premissas mais plausíveis que a conclusão, dado que muitos erros de
argumentação ocorrem porque se parte do menos plausível para o mais plausível,
carecendo a conclusão de um suporte consistente que garante sua eficiência
persuasiva.192
Para Douglas Walton, a plausibilidade requer que algo pareça ser verdadeiro
para alguém, daí a união entre o caráter objetivo e subjetivo.193Primeiramente,
parecer verdadeiro não significa necessariamente ser verdadeiro, consistindo em
algo que diante do contexto, das crenças de dado público e com base em
aparências (o modo como algo se manifesta diante de alguém) tenha semelhança
com a verdade, muito embora possa ser falso em seu conteúdo. Além disso, a
plausibilidade retorna seu foco diretamente sobre o destinatário do argumento,
porque um argumento é plausível quando é plausível para uma pessoa 194 de modo
que um argumento hermético, elaborado como um ato privado, embora
racionalmente justificado, não será um bom argumento por não permitir o
compartilhamento daquilo que enuncia.
No âmbito jurídico, é ilustrativo o “[...]caso jurídico da briga entre o homem
fraco e o forte [em que um homem mais fraco foi absolvido da acusação de ter
agredido outro, maior e mais forte, somente com base na inferência de
implausibilidade feita pelo juiz]”.195
De acordo com Hamblin, a própria verdade, diante de determinado público,
contexto e situação pode ser um critério inadequado, como nos tribunais, onde a
192
MURCHO, Desidério (2006) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência,
plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos.
Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p. 263, ago. 2012.
193
WALTON, Douglas (2011) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade,
condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 922, p 264, ago. 2012.
194
WALTON, Douglas (2011) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria, loc.cit.
195
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade,
relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p. 264,
ago. 2012.
58
verdade é um ativo raro, enfatizando-se a justificação das decisões na própria
argumentação.196
Bickenbach
e
Davies
entendem
que
o
argumento
deve
ser
“transparentemente persuasivo”, ou seja, “quando dadas razões em favor de uma
conclusão são boas, são razões que por seus próprios méritos devem persuadir
qualquer pessoa racional capaz de compreender o argumento.”197 Nesse sentido, os
autores propõem três critérios para determinar o que seja um bom argumento: a
aceitabilidade, a relevância das premissas e a suficiência do conjunto das
premissas, havendo, no entanto, dissenso quanto à ordem das etapas de avaliação,
como se pode observar no caso da British Columbia Society for Skeptical Enquiry,
que prefere adotar a ordem RAS: relevância, aceitabilidade e suficiência. 198 Não
obstante, é razoável, ao menos, que o critério de aceitabilidade seja utilizado em
primeiro lugar, porque uma premissa inaceitável não poderia ser considerada
relevante, devendo ser excluída ab initio, ao passo que uma premissa aceitável pode
ser considerada irrelevante.199
De acordo com Johnson e Blair, enquanto que na lógica formal, os
argumentos dedutivos são corretos quando suas premissas são verdadeiras, na
lógica informal, os argumentos são bons quando são aceitáveis, no sentido de que
devem ser aceitos pelos destinatários ou, dito de outra forma, que mereçam
aceitação.200 Bickenbach e Davies esclarecem que uma premissa aceitável é aquela
que é razoável tratá-la como verdadeira, assim, existindo premissas que são
certamente verdadeiras, elas são aceitáveis, por outro lado, se as premissas não
são certamente verdadeiras, nem por isso devem ser consideradas como
inaceitáveis, a não ser que seja o caso de premissas que possuem uma dúvida
razoável, justificando considera-las inaceitáveis.201
196
HAMBLIN (1970) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade,
condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 922, p. 265, ago. 2012.
197
BICKENBACH, Jerome; DAVIES, Jacqueline (1997) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria.
Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos
correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.265-266, ago. 2012.
198
Ibidem, p. 266.
199
Ibidem, p. 267.
200
JOHNSON, Ralf; BLAIR, Anthony (2002) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência,
plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos.
Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.267, ago. 2012.
201
BICKENBACH, Jerome; DAVIES, Jacqueline (1997) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria,
op. cit., p.268.
59
Há uma tipologia de premissas elaborada por alguns autores como auxílio na
distinção entre premissas aceitáveis e inaceitáveis. Trudy Govier estabelece como
aceitáveis as premissas “que sejam, alternativamente: (a) justificadas por
subargumentos cogentes; (b)fundamentadas por fontes confiáveis, com premissas
externas ao argumento; (c) verdades apriorísticas; (d) baseadas no sendo comum;
(e) testemunhos pessoais; (f) argumentos de autoridade apropriados ou (g) aceitas
provisoriamente (satisfeitas R e S, pressupõe-se a aceitabilidade)”202.
São aceitáveis para Bickenbach e Davies as seguintes premissas:
a) As verdades necessárias, que são aquelas em que há impossibilidade em
sua negação ou que são verdadeiras por definição;
b) As verdades contingentes, que podem ser negadas (possibilidade),
embora seja improvável sua falsidade.
c) As
proposições
controversas
ou
contrafáticas,
que
são
aceitas
provisoriamente como verdadeiras ad argumentundum tantum, isto é,
apenas com a finalidade de argumentar (argumentação contrafactual). 203
Há, também, premissas que podem ser consideradas inaceitáveis, segundo
Govier: “(a) facilmente refutáveis, por contraexemplos, experiência, testemunhos,
etc.; (b) sabidamente falsas, a priori; (c) inconsistentes com outras premissas; (d)
vagas ou ambíguas; (e) dependentes de presunções falhas; (f) que não sejam mais
aceitáveis do que a conclusão; ou (g) que assumam a verdade da conclusão,
incidindo na falácia da petição de princípio.”204
Não basta que uma premissa seja aceitável. A relevância da premissa é
também um exame a ser feito. Ao tratar do tema da relevância, Popper assim expõe:
Há aqui um ponto que, segundo creio, caberá especificamente ao lógico
analisar. A “relevância” ou “interesse”, no sentido aqui visado, pode ser
objetivamente analisada; é relativa aos nossos problemas, e depende do
poder explicativo e, nessa medida, do conteúdo, ou improbabilidade, da
informação. As medidas anteriormente mencionadas (e desenvolvidas na
Adenda deste volume) são precisamente medidas que levam em linha de
conta um dado conteúdo relativo da informação – o seu conteúdo
205
relativamente a uma hipótese ou a um problema.
202
GOVIER, Trudy (2005) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade,
condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 922, p.267, ago. 2012.
203
BICKENBACH, Jerome; DAVIES, Jacqueline (1997) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria.
Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos
correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.270, ago. 2012.
204
GOVIER, Trudy (2005) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria, op. cit., p.270.
205
POPPER, Karl Raymund. Conjecturas e refutações. Tradução Benedita Bettencourt.Coimbra:
Almedina, 2006. p.313.
60
A relevância das premissas é um critério relacional, que articula premissas e
conclusão e questiona se entre as premissas e a conclusão existe uma pertinência
temática
ou
um
valor
probante
que
ofereça
razões
para
sustentar
a
conclusão.206Além disso, sustenta Sperber, que a relevância deve “conduzir o
ouvinte até o significado daquilo que foi proferido pelo falante [...] porque a busca
pela relevância é uma característica básica da cognição humana.”207
Por sua vez, Govier traz a seguinte classificação em relação à situações de
relevância:
a) Relevância positiva - ocorre quando a veracidade das premissas
corroborarem a veracidade da conclusão.
b) Relevância negativa - é o caso da veracidade das premissas subtraírem a
veracidade da conclusão.
c) Irrelevância - acontece quando a veracidade das premissas não influi nem
positivamente,
nem
negativamente
em
relação
à
veracidade
da
conclusão.208
Bickenbach e Davies afirmam, ainda, que há situação em que apesar da
conclusão não possuir uma decorrência direta das premissas, existe um
subargumento que faz a mediação, ocorrendo a denominada relevância indireta que
se diferencia da mera relevância, onde as premissas contam a favor da conclusão
de maneira fraca.209
Walton recorda, outrossim, a existência de relevância efetiva/real ou
relevância condicional, consistindo esta em uma relevância hic et nunc (aqui e
agora), diante do estado de coisas atual, e aquela, em uma relevância potencial, que
pode se tornar atual em algum ponto do futuro.210
206
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade,
relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.271,
ago. 2012.
207
SPERBER, Dan; WILSON, Deirdre (2007) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria.
Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos
correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.271, ago. 2012.
208
GOVIER, Trudy (2005) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade,
condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 922, p. 272, ago. 2012.
209
BICKENBACH, Jerome; DAVIES, Jacqueline (1997) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria.
Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos
correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.272, ago. 2012.
210
WALTON, Douglas (2003) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade,
condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 922, p.273, ago. 2012.
61
O último critério do sistema ARS para avaliar um bom argumento é o da
suficiência, que, segundo, Jonh e Blair, tem três dimensões:
a) Verificar se todos os tipos de provas possíveis foram apresentadas;
b) Verificar se de cada tipo, apresentou-se provas o bastante;
c) Verificar se se respondeu devidamente à objeções conhecidas ou
potenciais.211
Portanto, a análise da suficiência não ocorre de forma isolada, em relação à
cada premissa, mas tomando todas como um conjunto, de forma a oferecer um
suporte suficiente, resistente e estável para a conclusão.212
A ideia prevalente no critério da suficiência é alcançar um esgotamento da
discussão, em um processo dialético com os argumentos contrários.213
A dicotomia existe entre a corrente que propõe a plausibilidade e a outra, que
defende a aplicação da tríade aceitabilidade, relevância e suficiência poderia ser
aplainada da seguinte forma: considerando um argumento que tenha premissas que
satisfaçam os requisitos ARS (aceitabilidade, relevância e suficiência), este
argumento será plausível e conveniente em relação ao destinatário.214
Vorobej faz a aproximação entre a corrente da plausibilidade e a abordagem
ARS, dessa forma:
Dizemos que um argumento ‘A’ é cogente para você apenas no caso de,
relativamente ao seu estado epistêmico e ao contexto argumentativo mais
amplo, ser racional, para você, acreditar que:
(i) Cada proposição no conjunto de premissas ‘S’ do argumento ‘A’ é
verdadeira – esta é a condição T [True];
(ii) ‘S’ é relevante para a conclusão de ‘A’ – esta é a condição R [Relevant]
(iii) ‘S fundamenta [suficientemente] a conclusão de ‘A’ – esta é a condição
G [Grounds]
(iv) ‘A’ é compacto [sem informações irrelevantes ou redundantes] – esta é a
215
condição C [Compact].
No mesmo sentido, Cederblom e Paulsen denominaram bons argumentos os
que são legitimamente persuasivos e maus argumentos aqueles que persuadem
ilegitimamente (falácias) ou que não possuem qualquer força persuasiva.216
211
JOHNSON, Ralf; BLAIR, Anthony (2002) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência,
plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos.
Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.273, ago. 2012.
212
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade,
relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.274,
ago. 2012.
213
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria, loc. cit.
214
Ibidem, p.275.
215
VOROBEJ, Marc (2006) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade,
condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 922, p.275, ago. 2012.
62
Prova, demonstração, persuasão e convencimento são conceitos que o senso
comum confunde, porém, é possível fazer uma distinção.
Demonstração, afirma Alves, trata de uma explicitação lógica da decorrência
de uma conclusão das premissas verdadeiras, muito utilizada nas ciências naturais,
como a matemática.217 Diversamente, prova, conforme Patrick Shaw, é um
argumento que possui premissas verdadeiras, aptas a serem aceitas pelo
destinatário, que, a princípio, estava em posição de discordância.218
Em relação à diferença entre persuasão e convencimento, Perelman &
Olbrechts-Tyteca esclarecem que a persuasão tem por objetivo
a aceitação do
argumento por parte de um auditório específico, já o conceito de convencimento está
vinculado à capacidade que o argumento possui para ser aceito por qualquer ser
racional em qualquer auditório.219
Patrick Shaw, tratando dos argumentos éticos morais e políticos, sustenta
que, ao contrário das ciências empíricas em que é possível “olhar e ver”, nesses
casos não é possível fazer testes empíricos para comprovar a verdade de premissas
éticas, morais ou políticas, conduzindo a desacordos persistentes, ainda que as
pessoas envolvidas tenham compromisso com a razão.220 Sobre isso, Silva Neto
assim se expressa:
Este parece ser o caso de discussões que envolvem profundas divergências
e julgamentos de valor – citem-se, por exemplo, os casos de aborto, da
pena de morte, do desarmamento, das cotas étnico-raciais, das pesquisas
com células-tronco embrionárias, do casamento homossexual, da
legalização das drogas, da eutanásia, das operações militares norteamericanas no Oriente Médio, dentre outros temas igualmente polêmicos.
Embora não sejam apresentados em temas exclusivamente morais, mas
também jurídicos, históricos, sociais, econômicos, religiosos, morais,
estratégicos, geopolíticos, dentre outros prismas, esses debates exibem, em
comum, o mesmo tipo de dificuldade: em tais casos é impossível, à primeira
vista, descobrir um princípio geral aceitável para ambas as partes, do qual
decorra a plausibilidade ao desacerto completo de uma das posições...
216
CEDERBLOM, Jerry; PAULSEN, David (1996) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria.
Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos
correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.276, ago. 2012.
217
ALVES, Alaôr Caffé (2000) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade,
condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 922, p.276, ago. 2012.
218
SHAW, Patrick (1997) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade,
condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 922, p.277, ago. 2012.
219
PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie (2005) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de
Faria. Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade, relevância e suficiência) e
conceitos correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.278, ago. 2012.
220
SHAW, Patrick (1997) apud SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria, op.cit., p.279.
63
Pode-se configurar, assim, o que Jonh Raws denomina de desacordo ou
221
conflito razoável.
Não obstante as abordagens relativas à plausibilisade e ao sistema ARS
(aceitabilidade – relevância – suficiência), ficaria incompleto o estudo sobre
argumento se não se tratasse de seu aspecto dialógico.
Na vida prática não trabalhamos como o argumento à maneira de um
solipsismo, ao contrário, o argumento é usado no debate, frente a frente com os
contra-argumentos do adversário.
A lógica dialógica ou da refutabilidade (defeasibility) toma em consideração
as objeções, contra-argumentos e posições alternativas em relação ao debatedor.222
Stuber propõe os seguintes estágios de uma argumentação dialética:
a) Dogmatismo ou ausência de argumento – ocorre quando se afirma algo
sem fundamentar.
b) Argumento positivo ou negativo – é o início da argumentação, porém, de
forma unilateral.
c) Argumentos favoráveis e desfavoráveis - nesse ponto, a argumentação
torna-se bilateral ou multilateral.
d) Responsabilidade – nessa última fase, quem argumenta antecipa-se às
possíveis objeções que serão oferecidas e as responde.223
Walton, por sua vez, tenta ser mais preciso ao estabelecer orientação para
um debate dialético:
Estágio inicial
1. Não são permitidas mudanças injustificadas de um tipo de diálogo para
outro.
Estágio de confrontação
1. Não são permitidas tentativas injustificadas de modificar a pauta.
2. A recusa a aceitar uma pauta de diálogo específica impede a
passagem ao estágio de argumentação.
Estágio de argumentação
1. Deixar de fazer um esforço sério para cumprir uma obrigação é uma
estratégia ruim. Por exemplo, ignorar o ônus da prova ou deixar de
defender um comprometimento em caso de contestação.
2. Não é permitido tentar transferir o ônus da prova para a outra parte ou
alterá-lo ilicitamente.
3. Não é permitido tentar produzir uma prova interna usando premissas
que não foram admitidas pela outra parte.
221
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria. Cogência, plausibilidade, condições “ARS” (aceitabilidade,
relevância e suficiência) e conceitos correlatos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 922, p.279 280, ago. 2012.
222
Ibidem, p.283-284.
223
SILVA NETO, Paulo Penteado de Faria, loc.cit.
64
4. Recorrer a fontes externas de provas sem justificar adequadamente
seu argumento pode ser motivo de objeção.
5. As falhas de pertinência incluem: apresentar a tese errada, desviar-se
do ponto a ser provado, responder à pergunta errada num diálogo.
6. Deixar de fazer as perguntas cabíveis num determinado estágio do
diálogo deve ser, assim como fazer perguntas inadequadas.
7. Deixar de dar respostas apropriadas às perguntas deve ser proibido,
incluindo aí respostas indevidamente evasivas.
8. Deixar de definir, esclarecer ou justificar o significado ou definição de
um termo usado um argumento, de acordo com os padrões de precisão
adequados à discussão, é uma violação, caso uso desse termo seja
questionado por outro participante.
Estágio final
1. O participante não deve tentar forçar o fim prematuro de um diálogo
antes que ele seja corretamente encerrado, seja por acordo mútuo, seja
por seu objetivo ter sido atingindo.
No âmbito jurídico, a teoria tradicional sempre defendeu a ideia de que o
raciocínio seria silogístico, tendo por premissa maior a norma jurídica.
Posner, diante do abuso do raciocínio silogístico no direito, assim se
manifesta:
O raciocínio silogístico é tão convincente e conhecido que os advogados e
juízes, sempre ávidos por fazer sua atividade parece o mais objetiva
possível, tentando fazer com que o raciocínio lógico pareça o mais
silogístico possível. O uso excessivo do silogismo é o traço definidor da
224
vertente do formalismo jurídico atacado por Holmes.
Em aplicação da teoria do argumento, ao argumento consequencialista, podese dizer que ele tem caráter predominantemente indutivo, com premissas vinculadas
a fatos concretos e contingentes, de forma que os critérios da validade e da correção
não são os adequados ao contexto argumentativo.
Nesse caso, em vez de verdade, utilizar-se-á verossimilhança, obtida através
da análise da força e da cogência. Em vez de necessidade (no sentido lógico – algo
que não poderia deixar de ser da forma que é), será uma ferramenta mais útil a
probabilidade. E por fim, no plano subjetivo, no lugar da certeza formal, incompatível
com o erro, uma certeza subjetiva, que promove uma adesão firme a uma tese.225
224
POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 52.
225
CASAUBON, Juan Alfredo. Nociones generalis de lógica e filosofia. Buenos Aires: Educa,
2006. p. 323
65
5.2 A CONSEQUÊNCIA EXAMINADA A PARTIR DA CAUSA
Um elemento essencial no argumento consequencialista é o conceito de
consequência, que pode ser entendido melhor se for estudado a partir de seu
contraponto: a causa.
Determinar o que é “consequência” de uma ação ou fato requer, antes,
examinar o conceito de relação de causalidade, dado que a consequência
corresponde ao efeito produzido por uma causa.
É certo que o estudo da relação de causalidade está mais voltado para a
noção de causa que a de efeito, de forma que influenciou a própria denominação do
princípio da causa eficiente.
David Hume usou o termo “cimento do universo” para demonstrar a
importância da causalidade, que está difundinda tanto no meio científico como no
discurso cotidiano, quando utilizamos, por exemplo, os seguintes verbos: produzir,
provocar, resultar, etc.226
O conceito de causa está associado a outros conceitos importantes para a
ciência em geral (inclusive o direito), conforme o trecho a seguir:
O conceito de ação, ou de fazer, envolve a ideia de que o agente
(intencionalmente) cauda mudança neste ou naquele objeto, do mesmo
modo, o conceito de percepção envolve a ideia de que o objeto percebido
causa no observador uma experiência perceptiva apropriada. O conceito
físico de força, também parece envolver a causalidade como ingrediente
essencial: a força é o agente causal de mudanças no movimento. Além
disso, a causalidade está intimamente relacionada com explicação:
perguntar pela explicação de um evento é, muitas vezes, perguntar pela sua
causa... finalmente, os conceitos causais exercem papel decisivo no
raciocínio moral e legal, por exemplo, na avaliação de responsabilidades e
227
obrigações.
Uma primeira classificação descreve a causalidade do evento e a causalidade
do agente. Esta põe em foco o ato de um agente que produz qualquer mudança;
aquela trata de forma mais objetiva e impessoal a cadeia causal, pois será formada
por eventos (fatos, acontecimentos ou estados) ligados entre si, podendo-se,
inclusive, reduzir a causalidade do agente a uma causalidade de evento.228
Há quatro tipos de abordagens para analisar a causação de um evento:
226
CAUSALIDADE. In: AUDI, Robert. Dicionário de filosofia de Crambridge. Tradução Edwino
Aloysius Royer et al. São Paulo: Paulus, 2006. p. 123-126.
227
CAUSALIDADE. In: AUDI, Robert, loc. cit.
228
CAUSALIDADE. In: AUDI, Robert, loc. cit.
66
a) Análise de regularidade – busca entre os eventos uma regularidade geral,
que consiste em uma conjunção constante de eventos relacionados, podendo ser
definida através de uma lei de cobertura ou inclusiva (necessidade nomológica);
b) Análise contrafactual – defende que se o evento-causa não tivesse
ocorrido, o evento-efeito também não ocorreria, considerando, então, a causa como
condicio sine qua non para a produção do efeito;
c) Análise de manipulação – põe em destaque a ação como causa para
ocorrência de eventos, ressaltando a importância do conhecimento das conexões
causais para a manipulação da natureza;
d) Análise probabilística – de acordo com esta espécie de análise, “pode-se
dizer que um evento, X, é causa probabilística de um evento Y, contato que a
probabilidade da ocorrência de Y, dado que X tenha ocorrido, é maior que a
probabilidade anterior de Y.”229
Há menção a outras classificações de causas, além das já descritas, que
possuem utilidade: a sobredeterminação causal ocorre quando há duas causas
independentes, e, por si só, suficientes para a produção do efeito; causa peremptiva
ou superveniente é uma causa que vem após outra, causando, o efeito; causa
sustentante é aquela utilizada par conservar algo da forma como está (causa de
não-mudança); causalidade retroativa é o caso de uma causa que vem depois
(temporalmente) do efeito; causalidade concorrente acontece quando a causa e o
efeito existem simultaneamente; e a causalidade contígua: quando o efeito vem
posteriormente à causa, no tempo e no espaço.230
A palavra causa possuía no grego um sentido originariamente jurídico,
significando “acusação ou imputação”, mas, com o passar do tempo, foi adquirindo a
noção de “algo que passa a ser algo”, sob determinada lei ou princípio que regeria
esta mudança.231
Platão faz a distinção entre causas primeiras e causas secundárias. As
causas primeiras seriam as ideias, tidas por causas exemplares, que atuam não pela
229
CAUSALIDADE. In: AUDI, Robert. Dicionário de filosofia de Crambridge. Tradução Edwino
Aloysius Royer et al. São Paulo: Paulus, 2006. p. 123-126.
230
CAUSALIDADE. In: AUDI, Robert, loc. cit.
231
CAUSA. In: MORA, J. Ferrater. Dicionário de filosofia. Tradução Maria Stela Gonçalves, Adail U.
Sobral, Marcos Bagno e Nicolás Nyimi Campanário. 2 .ed. São Paulo: Loyola, 2005. p. 423-432. v.1.
67
ação, mas pela perfeição; as causas segundas seriam as causas materiais
propriamente ditas, que atuam por meio da ação.232
A doutrina de Aristóteles aprofundou a noção de causa, classificando-a em
quatro tipos:
a) Causa eficiente – é o princípio da mudança;
b) Causa material – é a matéria de que algo surge;
c) Causa formal – é a ideia ou paradigma;
d) Causa final – é aquilo para o qual a coisa tende a ser.233
No seguinte trecho da Metafísica de Aristóteles, o autor oferece alguns
exemplos ilustrativos de sua classificação:
Causa, num sentido, significa a matéria de que são ditas as coisas: por
exemplo, o bronze da estátua, a prata da taça e seus respectivos gêneros.
Em outro sentido, causa significa a forma e o modelo, ou seja, a noção da
essência e seus gêneros; por exemplo, na oitava, o número. E <causa neste
sentido> são também as partes que entram na noção da essência.
Ademais, causa significa o princípio primeiro da mudança ou do repouso;
por exemplo, quem tomou uma decisão é causa, o pai é causa do filho e,
em geral, quem faz é a causa do que é feito e o que é capaz de produzir
mudança é causa do que sofre mudança.
Além disso, a causa significa o fim, quer dizer, o propósito da coisa: por
exemplo, o propósito de caminhar é a saúde. De fato, por que motivo se
caminha? Respondemos: para ser saudável. E dizendo isso consideramos
ter dado a causa do caminhar. E o mesmo vale para todas as coisas que
são movidas por outro e são intermediárias entre o motor e o fim; por
exemplo, o emagrecimento, a purgação, os remédios, os instrumentos
médicos são todos causas da saúde. Com efeito, todos estão em função do
234
fim e diferem entre si enquanto alguns são instrumentos e outros ações.
Nesse
sentido,
pode-se
dizer
que
os antigos
gregos
sustentavam
basicamente dois princípios: o princípio da razão suficiente, que afirma que tudo tem
uma causa (causa efficiens); e o princípio de que todo movimento (mudança) ocorre
a partir de algo (omnia quod movetur ab alia movetur).235 Os racionalistas
acrescentam o princípio de que toda causa é igual ao efeito (causa aequar
effectum), significando que o efeito deve estar incluído na causa.236
São Tomás segue a classificação aristotélica dos quatro tipos de causas
(causa per modum materiae; causa formalis; causa movens, vel efficiens; causa
finis), acrescentando a diferença entre princípio e causa: princípio é aquilo de onde
232
CAUSA. In: MORA, J. Ferrater. Dicionário de filosofia. Tradução Maria Stela Gonçalves, Adail U.
Sobral, Marcos Bagno e Nicolás Nyimi Campanário. 2 .ed. São Paulo: Loyola, 2005. p. 423-432. v.1.
233
CAUSA. In: MORA, J. Ferrater, loc. cit.
234
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002, p.191. v.2.
235
CAUSA. In: MORA, J. Ferrater, op.cit., p. 423-432.
236
CAUSA. In: MORA, J. Ferrater, loc. cit.
68
algo procede de um modo qualquer, segundo o intelecto; causa é aquilo de onde
procede algo de um modo específico, segundo a coisa ou realidade.237
Hume, posteriormente, questionará que haja alguma ligação ontológica e
necessária entre a causa e o efeito, pois quando observamos a sucessão entre dia e
noite, e predizemos que amanhã ocorrerá da mesma forma, formando uma
regularidade geral, na verdade, isso não passa de mero hábito ao qual o
pensamento está acostumado, não havendo necessidade entre fatos, dado que são
contingentes, exceto se a relação for entre ideias, onde é possível uma relação
necessária.238
Kant concorda com Hume na sentido de que a causalidade não existe no
mundo real, entretanto, ela situa a causa entre as categorias do entendimento (na
subjetividade), permitindo, assim, a universalização e necessidade das leis
científicas, como se pode notar da seguinte passagem, quando trata das analogias
da experiência:239
Schelling defende que o problema da causa e da liberdade estão
relacionados.240 De fato, se concebermos o mundo por um prisma unicamente
determinista, considerando que entre fatos humanos há uma relação de causalidade
necessária, não haverá espaço para a liberdade dos atos humanos.
Mário Bunge distingue três significados para a causalidade:
a) Causação – refere-se à relação causal e tipos de nexo causal.
b) O princípio causal – relaciona-se com um enunciado da lei causal do tipo
“as mesmas produzem os mesmos efeitos”.
c) Determinismo causal – é a causalidade propriamente dita, no sentido de
uma validade universal do princípio causal do tipo “tudo tem uma causa”.241
Bunge acrescenta , ainda, que a noção de determinação é mais ampla que a
de causalidade, porque a causação não é a única relação que expressa mudança e
237
CAUSA. In: MORA, J. Ferrater. Dicionário de filosofia. Tradução Maria Stela Gonçalves, Adail U.
Sobral, Marcos Bagno e Nicolás Nyimi Campanário. 2 .ed. São Paulo: Loyola, 2005. p. 423-432. v.1.
238
CAUSA. In: MORA, J. Ferrater, loc. cit.
239
CAUSA. In: MORA, J. Ferrater, loc. cit.
240
CAUSA. In: MORA, J. Ferrater, loc. cit.
241
CAUSA. In: BUNGE, Mario (1971) apud MORA, J. Ferrater. Dicionário de filosofia. Tradução
Maria Stela Gonçalves, Adail U. Sobral, Marcos Bagno e Nicolás Nyimi Campanário. 2 .ed. São
Paulo: Loyola, 2005. p. 423-432. v.1.
69
novidade, dados que a determinação pode ser causal e não causal, tal como a
determinação estatística, estrutural, teleológica e a dialética.242
Leibniz é um representante da metafísica tradicional, defendendo a existência
de verdades necessárias e de uma relação necessária entre causa e efeito, como se
deduz da seguinte passagem:
Nossos raciocínios estão fundados em dois grandes princípios, o da
contradição, em virtude do qual julgamos que é falso o que ele implica, e
verdadeiro o que é oposto ou contraditório ao falso. Teodicéia, §§ 44 e 169.
E o de razão suficiente, em virtude do qual consideramos que nenhum fato
pode ser verdadeiro ou existente, sem que haja uma razão suficiente para
que seja assim e não de outro modo, ainda que com muita frequência estas
razões não possam ser conhecidas por nós. Teodicéia, §§ 44 e 169.
Há dois tipos de verdades, as de raciocínio e as de fato. As verdades de
razão são necessárias e seu oposto é impossível; e as de fato são
contingentes e seu oposto é possível. Quando uma verdade é necessária
pode-se encontrar sua razão pela análise, resolvendo-a em ideias e em
verdades mais simples até se chegar às primitivas. Teodicéia, §§ 170, 174,
243
189,0280-202, 367; Resumo, 3ª Objeção.
Hume, entretanto, questiona o postulado da metafísica tradicional, afirmando
que não há uma relação de necessidade entre causa e efeito, como se percebe na
seguinte passagem:
Parece então que essa idéia de uma conexão necessária entre
acontecimentos surge de uma multiplicidade de casos assemelhados de
ocorrência desses acontecimentos em constante conjunção, e essa idéia
nunca poderia ter sido sugerida por nenhum desses casos em particular,
ainda que examinado sob todos os possíveis ângulos e perspectivas. Mas
não há, numa multiplicidade de casos, nada que difira de cada um dos
casos individuais, os quais se supõe serem exatamente semelhantes, a não
ser que após uma repetição de casos semelhantes, a mente é levada pelo
hábito, quando um dos acontecimentos tem lugar, a esperar seu
acompanhante habitual e a acreditar que ele existirá. Essa conexão,
portanto, que nós sentimos na mente, essa transição habitual da
imaginação que passa de um objeto para seu acompanhante usual, é o
sentimento ou impressão a partir da qual formamos a ideia de poder ou
conexão necessária. Nada mais está presente na situação. Examine-se o
assunto sob todos os ângulos; não se poderá descobrir qualquer outra
origem para aquela ideia. Essa é a única diferença entre um caso único, do
qual nunca se obtém a ideia de conexão, e uma multiplicidade de casos
assemelhados, pelos quais essa ideia é sugerida. Na primeira vez que um
homem viu a comunicação de movimento por impulso, como no choque de
duas bolas de bilhar, ele não poderia declarar que um acontecimento estava
conectado ao outro, apenas que estava conjugado. Depois de observar
diversos casos dessa natureza, ele então os declara conectados. Que
alteração ocorreu para dar origem a essa nova ideia de conexão? Nada,
senão o fato de que ele agora sente que esses acontecimentos estão
242
CAUSA. In: BUNGE, Mario (1971) apud MORA, J. Ferrater. Dicionário de filosofia. Tradução
Maria Stela Gonçalves, Adail U. Sobral, Marcos Bagno e Nicolás Nyimi Campanário. 2 .ed. São
Paulo: Loyola, 2005. p. 423-432. v.1
243
LEIBNIZ, G.W. Discurso de metafísica e outros textos. Tradução Tessa Moura Lacerda. São
Paulo: Martins Fontes, 2004. p.136-137.
70
conectados em sua imaginação, e pode prontamente prever a existência de
244
um a partir do aparecimento de outro.
Na norma jurídica, a relação entre o descumprimento do comando e a sanção
é uma relação de imputação, não se podendo dizer que é necessária, em razão da
possibilidade da revogação da lei que contém a norma. Em relação aos fatos da
natureza, Kant afirmou que a causalidade não está inserida na própria realidade,
mas é uma categoria do entendimento. Quanto aos fatos humanos, percebe-se um
enfraquecimento enorme no elo de causalidade que ligaria esses fatos. Imagine o
argumento do Fisco no sentido de que determinada decisão judicial teria por
consequência a “quebra de erário” ou produziria um efeito multiplicador de ações de
contribuintes. São consequências possíveis ou, no máximo, prováveis, mas não
restam dúvidas de que são contingentes.
A questão é que, muitas vezes, há mera correlação entre fatos e não
causalidade, como adverte Walton: “Nos argumentos que vão da correlação à
causalidade, o principal problema é que, às vezes, a correlação se deve apenas a
uma coincidência ou a uma relação que não é a causal.” 245
Sobre essa falsa argumentação sustentada com base na causalidade, Taleb
nos adverte:
Nós gostamos de histórias, gostamos de resumir e gostamos de simplificar,
ou seja, de deduzir a dimensão das questões. O primeiro dos problemas da
natureza humana que examinamos nesta seção, o que acabamos de ilustrar
anteriormente, é o que chamo de falácia narrativa. (na verdade, é uma
fraude, mas para ser mais educado irei chama-la de falácia.) A falácia está
associada à uma vulnerabilidade em relação à interpretação excessiva e à
nossa predileção por histórias compactas sobre verdades cruas. Ela
distorce gravemente nossa representação mental do mundo, e é
particularmente aguda quando se trata de evento raro.
A falácia narrativa aborda nossa capacidade limitada de olhar para
sequencias de fatos sem costurar uma explicação nelas, ou
equivalentemente, forçar uma ligação lógica, uma flecha de relacionamento,
sobre elas, explicações unem fatos. E tornam os fatos mais fáceis de se
lembrar; e os ajudam a fazer mais sentido. Essa propensão pode dar errado
246
quando aumenta nossa impressão de entendimento.
244
HUME, David. Investigação sobre entendimento humano e sobre os princípios da moral.
Tradução José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Unesp, 2004. p. 113-114.
245
WALTON, Douglas N. Lógica informal: manual de argumentação crítica. Tradução Ana Lúcia R.
Franco, Carlos A. L. Salum. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.333.
246
TALEB, Nassim Nicholas. A lógica do cisne negro: o impacto do altamente improvável. Tradução
Marcelo Schild. 4.ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2010. p. 100-101.
71
5.3 O ARGUMENTO CONSEQUENCIALISTA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
O pensamento humano possui várias motivações e processos para chegar a
uma conclusão. Há, porém, uma forma de raciocínio que é guiada por regras formais
racionais, que desprezam as motivações internas do sujeito: a inferência. Esta é “um
processo pelo qual se chega a uma proposição, afirmada na base de uma ou outras
mais proposições aceitas como ponto de partida do processo.” 247 Proposições são
enunciados afirmativos ou negativos dos quais pode-se extrair um juízo de valor
relativo à verdade ou falsidade.248 Por sua vez, argumento é “qualquer grupo de
proposições tal que se afirme ser uma delas derivada das outras, as quais são
consideradas provas evidentes da verdade da primeira”.
249
Das proposições posso
dizer que são verdadeiras ou falsas, mas não dos argumentos. Em razão da
natureza argumentativa representar um complexo de proposições relacionadas entre
si, o juízo de valor reside exatamente na correção da relação entre as diversas
proposições, e, por isso, julgamos um argumento como válido ou inválido.
250
Porém,
“há raciocínios perfeitamente válidos que têm conclusões falsas – mas devem ter,
pelo menos, uma premissa falsa. O termo ‘sólido’ é introduzido para caracterizar um
argumento válido cujas premissas são todas verdadeiras. Evidentemente, a
conclusão de um argumento sólido é verdadeira”.251 Por conseguinte, é necessário
ter uma atenção vigilante sobre as premissas, pois são elas as bases do edifício
argumentativo. “Uma das mais complexas questões concernentes às premissas está
no problema das proposições implícitas, isto é, em muitos argumentos, premissas
capitais não estão explicitamente enunciadas, mas permanecem embutidas ou
ocultas em outras sentenças”
252
Assim, se digo que Sócrates é homem, logo,
Sócrates é mortal, implicitamente, aceito a premissa de que todo homem é mortal.
No direito, as normas jurídicas não são proposições, nem argumentos. São
comandos que expressam uma determinada vontade, então, não podem ser
classificadas como falsas ou verdadeiras. No entanto, utiliza-se proposições e
247
COPI, Irving. M. Introdução à lógica. Tradução Álvaro Cabral .2. ed. São Paulo: Mestre Jou,
1978, p. 21.
248
Ibidem, p.22.
249
Ibidem, p.23.
250
Ibidem, p.38.
251
Ibidem, p.39.
252
FOSL, Peter. S.;BAGGINI, Julian. As ferramentas dos filósofos: um compêndio sobre conceitos
e métodos filosóficos. São Paulo: Loyola, 2008, p. 16.
72
argumentos quando se elabora uma teoria, ou em uma decisão judicial (ao menos
em sua motivação).
Dessa forma, das proposições que demonstram uma teoria ou decisão podese diz de sua falsidade ou veracidade. Outrossim, dos argumentos formados a partir
dessas proposições julga-se como argumentos válidos ou inválidos. Em uma
decisão judicial, o juiz, além de demonstrar por argumentos que sua decisão “não é
contraditória com o sistema jurídico (teste de consistência) e, de outro lado, razões
segundo as quais a decisão realiza os fins e valores perpetrados pelo sistema (teste
de coerência)... o juiz deve apresentar as razões pelas quais a decisão possui
consequências jurídicas aceitáveis”. 253
Em regra, os argumento jurídicos partem de um base normativa para a
tomada de decisão. Todavia, há argumentos que se distanciam do normativo para
aproximarem-se do factual. O argumento consequencialista opera dessa forma
quando se utiliza das consequências de uma determinada decisão judicial para
avaliar tal decisão como boa ou má. O argumento consequencialista pode ser
ilustrado da seguinte forma:
1. Decisão x produz consequências y.
2. Consequências y são ruins.
3. Logo, decisão x é ruim.
Argumentar pelas consequências é uma atitude pragmática, pois revela uma
preocupação maior com a ação prática do que com estrutura conceituais e sistemas
normativos. Do ponto de vista ético, o consequencialismo vincula-se ao utilitarismo,
que tem Jeremy Bentham e John Stuart Mill como seus principais expoentes. O
utilitarismo identifica o bem com o útil, e a utilidade de um ato depende de suas
consequências.
Assim,
“um
ato
será bom
se
tem
boas consequências,
independentemente do motivo que levou a fazê-lo ou da intenção que se pretende
concretizar”.
254
São Tomás de Aquino, em sua teoria do duplo efeito, já levava em
conta as consequências ruins dos atos que, em si mesmos, seriam obrigatórios ou
permitidos, afirmando que se o bem visado levar vantagem em relação às
253
PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando pelas consequências no direito tributário.
São Paulo: Noeses, 2011/2012, p.21.
254
VÁZQUEZ, Adolfo Sánches. Ética. Tradução João Dell’ Anna. 23. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileiro, 2002, p.169.
73
consequências ruins, este ato poderia ser praticado.255 Para o direito, porém, há um
questionamento importante: qual a classe de consequências que poderia integrar a
justificação de uma decisão judicial? Neil MacCormick defende que apenas as
consequências lógicas de uma decisão podem ser utilizadas como justificação, pois
as
consequências fáticas
seriam
contingentes e
imprevisíveis.
256
Essas
consequências lógicas que são relevantes para a tomada de decisão serão tãosomente aquelas universalizáveis, que são aceitáveis independentemente da
posição que os sujeitos ocupem na relação jurídica.257
Andrade admite o uso do argumento consequencialista, desde que haja a
devida ponderação e ele não seja exclusivo na motivação judicial, devendo ser
usado como reforço de teses jurídicas:
Caso a decisão judicial seja baseada exclusiva ou predominantemente nos
argumentos pragmáticos ou consequencialistas de cunho econômico em
matéria tributária, podem ocorrer potenciais violações aos direitos
fundamentais prescritos no art. 5º da Constituição da República, além
daquelas possíveis afrontas já descritas anteriormente (ao princípio
republicano, democrático e da separação dos poderes). A sua utilização
legítima deve ser parcimoniosa e sujeita a um maior ônus argumentativo
para corroborar os argumentos jurídicos centrais que o magistrado explicita
258
com fundamento em sua decisão.
Em outra passagem, Andrade deixa mais claro sua convicção na insuficiência
no uso exclusivo do argumento consequencialista:
No atual estado de coisas, é absolutamente temerário e contrário a qualquer
lógica razoável permitir que um ou mais argumentos pragmáticos ou
consequencialistas de cunho econômico prevaleçam ou sejam dados como
suficientes para determinar o rumo da decisão final que deve ser prolatada.
Caso contrário, teríamos a violação frontal aos princípios da moralidade, da
responsabilidade objetiva do Estado e do locupletamento ilícito, agravado
ainda mais pelo prejuízo causado sobre os contribuintes, que são
259
protegidos de modo claro pelo estatuo previsto na Constituição.
Haveria, então, um roteiro ou manual para o uso do argumento
consequencialista? Andrade sugere as seguintes regras:
 Regra A: o argumento pragmático ou consequencialista de cunho
econômico não deve ser computado sozinho na decisão judicial em matéria
tributária, sob pena de sua manifesta ilegitimidade.
 Regra B: o argumento pragmático ou consequencialista de cunho
econômico pode ser legitimamente computado na decisão judicial em
255
DUPLO EFEITO. In: SPERBER, Monique Canto (Org.). Dicionário de ética e filosofia moral.
São Leopoldo: Unisinos, 2003, p.488, v.2.
256
MACCORMICK, Neil (1983) apud PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando pelas
consequências no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2011/2012. p. 22.
257
Ibidem, p. 27.
258
ANDRADE, Fábio Martins. Modulação em matéria tributária: o argumento pragmático ou
consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.
187.
259
Ibidem, p. 196.
74
matéria tributária, desde que seja considerado de modo explícito, seja
capaz de corroborar os argumentos jurídicos que a sustentam e seja
fundamentado em sede constitucional de maneira clara.
 Regra C: em nenhuma hipótese deve ser admitido na decisão judicial o
argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico em
matéria tributária sustentado de maneira implícita, camuflada ou de modo
que não seja fundamentado em sede constitucional, sob pena de sua
260
flagrante ilegitimidade.
No
Recurso
Extraordinário
nº
363.852/MG,
onde
se
decidiu
pela
inconstitucionalidade da contribuição sindical sobre a receita bruta proveniente da
comercialização da produção devida por empregadores rurais (FUNRURAL),
argumentos consequencialistas foram utilizados tanto para negar quanto para
conceder eficácia ex nunc à decisão (modulação de efeitos). Por exemplo, o Ministro
Marco Aurélio afirmou que a decisão pela inconstitucionalidade e sua eficácia ex
tunc teriam a consequência de desestimular a elaboração de leis inquinadas de
vícios.
261
Em outro ponto, a Ministra Ellen Graice, favorável à modulação de efeitos
em prol da Fazenda Pública, assentou que o indeferimento da concessão de eficácia
ex nunc incentivaria a multiplicação de processos de repetição de indébito tributário
(efeito
multiplicador).
262
Porém,
segundo
MacCormick,
“o
raciocínio
consequencialista [...] não é focado na estimada mudança comportamental por conta
da decisão - ainda que, de fato, o posicionamento do judiciário atue como causa
para a escolha das pessoas, com destaque ao direito tributário [...]”263 Na verdade,
os efeitos indutores de comportamento são contingentes e imprevisíveis, não sendo,
pois, adequados para figurar como razão para decidir. Além disso, in casu, a
modulação de efeitos violaria direito fundamental dos contribuinte à propriedade,
pois restaria inviabilizada todas as ações de repetição de indébito. Nesse sentido,
assevera Carrazza que “os direitos fundamentais, evidentemente, também amparam
o contribuinte contra os Poderes do Estado, inclusive o Legislativo. Deveras, todo o
Capítulo I do Título II da Constituição Brasileira delimita o exercício de competências
tributárias das pessoas políticas, impedindo-as de ingressarem nas áreas
260
ANDRADE, Fábio Martins. Modulação em matéria tributária: o argumento pragmático ou
consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF. São Paulo: Quartier Latin, 2011.p.
204-205.
261
GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat, Modulação de efeitos da declaração de
inconstitucionalidade em matéria tributária. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/19799/modulacao-de-efeitos-da-declaracao-de-inconstitucionalidadeem-materia-tributaria>. Acesso em: 03 set. 2012.
262
Ibidem.
263
PISCITELLI, Tathiane dos Santos. Argumentando pelas consequências no direito tributário.
São Paulo: Noeses, 2011/2012. p.22.
75
reservadas aos direitos ‘à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade’ dos contribuintes”264
É certo que, atualmente, em doutrina e jurisprudência, aceita-se restrições a
direitos fundamentais baseados no sopesamento diante de uma colisão de
princípios265, partindo-se da premissa de que o “direito em si” existe e é
ontologicamente diverso de suas restrições (teoria externa). 266 Essa concepção a
respeito dos direitos subjetivos e do seu exercício é questionada pela teoria interna
que entende a estrutura de um direito subjetivo compõe-se de limites imanentes, ou
seja, que fazem parte da própria configuração do direito. 267 Dessa forma, a fixação
desses limites, por ser um processo interno, não é definido nem influenciado por
aspectos externos, sobretudo, por colisões com outros direitos.268Tanto a alegada
insegurança jurídica causada pelo impacto econômico-financeiro ao erário, quanto o
efeito multiplicador da decisão judicial são aspecto externos aos direitos subjetivos
tratados, não se podendo especular nem sequer uma colisão de direitos, pois em
relação à Fazenda Pública não existe um direito subjetivo ao não pagamento do
indébito, ao contrário, há uma obrigação jurídica confirmada pelo princípio da
legalidade, tão importante ao direito tributário.
Outro aspecto a considerar é que o argumento consequencialista está
vinculado ao utilitarismo, o qual sofre severa crítica por ser incompatível com o ideal
de justiça (em especial, com relação ao princípio da igualdade), e, ademais, “a
noção dos direitos de uma pessoa não é uma noção utilitarista. É bem o oposto: é
uma noção que estipula limites de como um indivíduo deve ser tratado,
independentemente dos bons propósitos, que podem ser alcançados”269
Para finalizar a análise, deve-se, ainda, considerar que a afirmativa de que
modular efeitos em favor da Fazenda produziria efeito multiplicador de ações de
repetição de débito incide em falácia da falsa causa. A falácia informal pode ser
definida como “[...] um erro de raciocínio ou uma tática de argumento que pode ser
264
CARRAZZZA, Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008,
p.420.
265
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2.ed.
São Paulo: Malheiros, 2001, p.143.
266
Ibidem, p. 138.
267
Ibidem, p. 128.
268
BOROWSKI, Martin (1998) apud SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo
essencial, restrições e eficácia. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.128.
269
RACHELS, James. Os elementos da filosofia moral. 4.ed. Barueri, São Paulo: Manole, 2006,
p.109.
76
usada para persuadir alguém com o qual estamos discutindo de que nosso
raciocínio é correto, quando na realidade não o é”. 270 A falácia da falsa causa (post
hoc, erga proter hoc) “[...]consiste em inferir, a partir da simples existência de uma
correlação ou variação sistemática entre dois acontecimentos, a conclusão de que
um deles é causa do outro”271. De fato, pois a verdadeira causa das ações em
número elevado reside na incúria do legislador em elaborar leis tributárias
inconstitucionais.
270
FALÁCIA INFORMAL. In: AUDI, Robert .Dicionário de filosofia de Cambridge. Tradução Edwino
Aloysius Royer et al. São Paulo: Paulus, 2006., p. 321.
271
POST HOC, ERGO PROPTER HOC. In: BRANQUINHO, J.;MURCHO, D.; GOMES, N.G.
Enciclopédia de termos lógico-filosóficos. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 607.
77
6 CONCLUSÃO
A presente dissertação abordou o tema do argumento consequencialista no
direito tributário sem restringir o discurso a um ambiente puramente jurídico. Nos
dias atuais, em que há uma aumento progressivo do fenômeno da globalização em
todos os sentidos, em especial, na ciência, não se pode adentrar em um problema
sem um olhar extradisciplinar. Morin faz uma crítica severa ao isolamento disciplinar
que pode desaguar em uma mentalidade hiperdisciplinar na qual se “proíbe qualquer
incursão estranha em sua parcela de saber”.272
Iniciou-se pela teoria da ciência, verificando-se que quanto mais avança-se na
ciência, mais descobre-se que suas bases não são tão seguras e que há um estado
de alteração contínua.273 Apesar disso, a teoria da ciência fornece instrumentos
valiosos para a discussão teórica jurídica, como os conceitos de paradigma,
falsificação e incomensurabilidade. A principal conclusão do capítulo sobre a teoria
da ciência é que a rivalidade entre os paradigmas do positivismo do positivismo
jurídico e o pragmatismo jurídico, acrescida da insuficiência do positivismo jurídico
para solucionar os casos difíceis, não é bastante para uma falsificação do paradigma
positivista.
No segundo momento, este trabalho procurou aproximar a teoria do
conhecimento da teoria ética, isto é, relacionar a verdade e o valor. De certa forma,
o pragmatismo utilitarista promove essa articulação quando relaciona a teoria
econômica, a ideia do útil e a ideia do justo, identificando as duas últimas.
Esse vínculo entre conhecimento e ética não é novo, como adverte Popper:
“O homem pode conhecer: por isso pode ser livre. É essa a fórmula que explica a
conexão entre optimismo epistemológico e as ideias do liberalismo.”274 Da mesma
forma, as Escrituras Sagradas dizem: “conhecereis a verdade e a verdade vos
tornará livres.” 275
No quarto capítulo, a teoria do direito foi desenvolvida tomando como ponto
de partida o paradigma do pragmatismo filosófico, no qual está inserida a questão do
272
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma reformar o pensamento. 14. ed.
Tradução Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. p. 106.
273
POPPER, Karl Raymund. A lógica da pesquisa científica. Tradução Leonidas Hegenberg e
Octanny Silveira da Mata. São Paulo: Cultrix, 2007. p. 13.
274
Idem. Conjecturas e refutações. Tradução Benedita Bettencourt.Coimbra: Almedina, 2006.p. 20.
275
JOÃO 8,32. In: Bíblia Sagrada. 5.ed. rev. Lisboa/Fátima: Difusora Bíblica, 2006.p. 1742.
78
retorno aos fatos e da rejeição ao essencialismo, para alcançar como ponto de
chegada o pragmatismo jurídico e sua estreita relação com o utilitarismo ético.
Conclui-se que, de fato, o pragmatismo jurídico concebe a justiça identificando ao
bem-estar, estabelecendo um vínculo entre o direito e a ética.
No quinto e último capítulo, investigou-se a estrutura argumentativa na lógica
informal, por ser mais adequada ao direito do que a lógica formal. Além disso, foi
examinado o conceito de consequência a partir de sua noção antecedente, a causa,
estabelecendo-se a discussão a respeito da causalidade e sua limitação no âmbito
da razão prática, pois segundo Posner, os métodos da razão prática são diferentes
dos métodos de investigação exata, trabalhando não com uma regularidade causal,
mas apenas com uma expectativa de regularidade:
Em contraste com os métodos de investigação exata existem aqueles de
“razão prática”. Infelizmente, o termo carece de um significado-padrão. É
mais comumente usado para designar os métodos (“deliberação” e
“silogismo prático” são, expressões-chave) que as pessoas usam para fazer
uma opção prática ou ética, como, por exemplo, se devem ou não ir ao
teatro ou mentir para um conhecido.
A razão prática nesse sentido não é um método analítico único, nem mesmo
uma família de métodos afins. É uma caixa de surpresas que inclui relatos
de fatos isolados, introspecção, imaginação, senso comum, empatia,
atribuição de motivos, a autoridade do locutor, metáfora, analogia,
precedente, costume, memória, “experiência”, intuição e indução (a
expectativa de regularidades, uma disposição associada tanto à intuição
276
quanto à analogia).
E por fim, trata-se do argumento consequencialista e de sua limitação quando
utilizado em matéria tributária, tendo em conta o cuidado de examinar se não se
incide na falácia da falsa causa, se há apenas mera correlação entre causa e
consequência, se há violação frontal à direitos fundamentais e se o argumento
consequencialista não é utilizado de forma exclusiva na motivação judicial.
276
POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 97
79
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