Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial PRODUTO POTENCIAL E CRESCIMENTO Março 2006 Conselho do IEDI Abraham Kasinski Josué Christiano Gomes da Silva Sócio Emérito Presidente do Conselho Amarílio Proença de Macêdo Lirio Albino Parisotto Andrea Matarazzo Luiz Alberto Garcia Antonio Marcos Moraes Barros Marcelo Bahia Odebrecht Benjamin Steinbruch Miguel Abuhab Carlos Antônio Tilkian Nildemar Secches Carlos Francisco Ribeiro Jereissati Olavo Monteiro de Carvalho Carlos Mariani Bittencourt Paulo Guilherme Aguiar Cunha Carlos Pires Oliveira Dias Paulo Setúbal Neto Claudio Bardella Pedro Eberhardt Daniel Feffer Pedro Franco Piva Décio da Silva Pedro Grendene Bartelle Eugênio Emílio Staub Pedro Luiz Barreiros Passos Flávio Gurgel Rocha Rinaldo Campos Soares Francisco Amaury Olsen Robert Max Mangels Ivo Rosset Roberto de Rezende Barbosa Ivoncy Brochmann Ioschpe Roger Agnelli Jacks Rabinovich Salo Davi Seibel Jorge Gerdau Johannpeter Thomas Bier Herrmann José Antonio Fernandes Martins Victório Carlos De Marchi José Roberto Ermírio de Moraes Walter Fontana Filho Diretor Geral Hugo Miguel Etchenique Membro Colaborador Paulo Diederichsen Villares Membro Colaborador Paulo Francini Membro Colaborador Roberto Caiuby Vidigal Membro Colaborador Julio Sergio Gomes de Almeida Diretor-Executivo PRODUTO POTENCIAL E CRESCIMENTO Principais Conclusões e Sugestões.......................................................................................1 O PIB em 2005 e a Perspectiva para 2006..........................................................................3 Funções de Produção e Produto Potencial .........................................................................7 Problemas de Funções de Produção Agregadas ................................................................9 Identidades Contábeis ........................................................................................................9 Endogeneidade da produtividade.....................................................................................10 Crescimento e investimento ..............................................................................................13 Hiato do produto e inflação..............................................................................................14 O Filtro HP e a Tendência de Crescimento......................................................................15 O Filtro HP Com Função de Produção ............................................................................20 Conclusão ............................................................................................................................22 Principais Conclusões e Sugestões O crescimento de 2,3% do PIB brasileiro em 2005 foi modesto, levando-se em conta tanto o dinamismo da economia mundial, principalmente dos países emergentes, quanto o objetivo de desenvolvimento nacional. Por trás do fraco desempenho está a política monetária adotada pelo governo. O principal instrumento para contenção da inflação utilizado no Brasil, assim como em vários outros países, é a taxa de juros que é usada para conter a demanda doméstica quando esta está aquecida. Segundo a perspectiva do Banco Central brasileiro, a elevação da taxa real de juro entre os meses finais de 2004 e o primeiro trimestre de 2005 foi um mal necessário para reduzir o ritmo de crescimento do PIB a um nível compatível com o crescimento da capacidade produtiva da economia. O argumento é que, diante da forte aceleração do crescimento do PIB em 2004 (4,9% de expansão), o Banco Central foi forçado a elevar a taxa básica de juro para evitar que o superaquecimento da economia gerasse pressões inflacionárias de demanda e, portanto, inviabilizasse a convergência da inflação para as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional. Há três pontos críticos em relação ao argumento: • Primeiramente coloca-se a indagação: Como sabemos se a economia está aquecida? A resposta reside na diferença entre o seu produto potencial – aquele que uma economia atinge quando seus fatores de produção (trabalho, capital etc.) estão plenamente empregados – e o produto registrado de fato. Todavia, a partir dessa resposta, emerge outra questão: a de como estimar o produto potencial, pois só assim será possível ver o quão forte está a pressão sobre os preços exercida pela demanda interna. O fato é que, por maior que seja a sofisticação matemática do método adotado para estimação do produto potencial, todas as metodologias, inclusive a que é adotada pelo Banco Central, tendem a extrapolar o passado recente para o futuro. Como decorrência, estimativas de produto potencial ou de hiato do produto devem ser utilizadas com cuidado e pragmatismo na condução da política monetária. No caso específico do Brasil, isto significa projeções muito conservadoras e possivelmente auto-realizáveis sobre a capacidade de crescimento da economia. Se o passado recente foi de lento crescimento, projeta-se um crescimento lento para o produto potencial e, na medida em que a política monetária se guia por tal estimativa, ela pode acabar produzindo o baixo crescimento projetado inicialmente. Em outras palavras, o Banco Central pode acabar “produzindo” o hiato do produto que justifica sua política monetária. • Outra questão relevante diz respeito à constatação de que a taxa de inflação não depende exclusivamente de fatores de demanda, dependendo também de fatores de oferta. Como choques de oferta podem alterar a inflação independentemente do nível de atividade da economia, estimativas de produto potencial não são um bom indicador para o comportamento da inflação. • Por fim, é importante sublinhar que o crescimento de hoje determina o investimento e a produtividade de amanhã, fazendo com que as taxas de crescimento efetivo e potencial sejam interdependentes. Saindo do mundo dos modelos, cabe advertir que existem condições concretas e objetivas para o Brasil sustentar um rápido crescimento econômico nos próximos anos: Produto Potencial e Crescimento 1 • Em primeiro lugar, a taxa de desemprego ainda é elevada no país, situação que permite um rápido crescimento do emprego sem gerar pressões inflacionárias excessivas via aumento do salário real médio da economia. • Segundo, como grande parte da força de trabalho brasileira está empregada em setores de baixa produtividade do trabalho, a aceleração do crescimento levará a um aumento da taxa de crescimento da produtividade pela simples transferência de trabalhadores dos setores “atrasados” para os setores “modernos”. Este efeito composição é limitado no tempo, pois em algum momento a transferência de trabalhadores se esgota. No entanto, como atestam os exemplos de China e Índia, bem como do próprio Brasil entre as décadas de 1950 e 1980, o efeito composição pode ser longo o suficiente para permitir, pelo menos, uma década de rápido crescimento econômico. • Terceiro, pelo lado do capital, a taxa de investimento do Brasil normalmente responde rapidamente a uma aceleração do crescimento. Logo, dada uma expansão maior do PIB por mais de dois anos consecutivos, é plausível esperar um grande aumento da taxa de investimento, o que por sua vez ampliará o estoque de capital e a capacidade produtiva da economia. Ademais, como o aumento do investimento em novas máquinas, equipamentos e estruturas também vem associado a novas tecnologias, a própria aceleração do crescimento e do investimento traz consigo um aumento estrutural da produtividade e da eficiência da economia. • Assim, devido ao atual potencial de crescimento de sua produtividade e de seus mercados externo e interno, o Brasil possui plenas condições de entrar em um círculo virtuoso de crescimento não inflacionário nos próximos anos, no qual o incremento de produtividade permite um aumento dos salários reais sem comprometer a estabilidade da inflação. Como o maior crescimento da economia também expande a massa salarial e o mercado interno, gera-se um novo estímulo para o aumento do investimento e da produtividade, potencializando o círculo virtuoso de crescimento. No lado externo, o incremento da produtividade e da escala de produção gerado pelo crescimento também aumenta a competitividade das empresas brasileiras, incentivando as exportações. Se, por um lado, as atuais condições internas e externas favorecem o crescimento de longo prazo da economia, por outro, é preciso não temer o crescimento econômico. Durante o início de uma expansão econômica é natural que se verifiquem algumas pressões localizadas de inflação, devido ao aumento da utilização da capacidade produtiva da economia. Mas, são justamente tais sinais de aquecimento econômico que levam ao aumento do investimento e, conseqüentemente, à sustentação do crescimento com estabilidade de preços no médio prazo. Para entrar em um círculo virtuoso de expansão é necessário, portanto, deixar que a economia cresça por algum tempo. Isto não significa relaxar o controle da inflação, mas trabalhar com um horizonte temporal mais amplo do que o ano calendário. Além disso, as autoridades monetárias devem olhar para inflação não somente como um fenômeno derivado do comportamento da demanda. Interromper prematuramente uma expansão por medo da inflação pode acabar prejudicando a própria política de controle inflacionário, pois se a política monetária não permite um aumento do investimento e da produtividade, o produto potencial não cresce e qualquer pequena expansão da economia sempre parecerá representar uma ameaça inflacionária. Em decorrência, se reproduz o “stop and go”, tão característico da trajetória da economia nos últimos anos e que vem impedindo o crescimento sustentado brasileiro. Produto Potencial e Crescimento 2 O PIB em 2005 e a Perspectiva para 2006 De acordo com os dados do IBGE, o produto interno bruto (PIB) da economia brasileira cresceu apenas 2,3% no ano passado, uma variação praticamente idêntica à média de crescimento dos últimos 10 anos (2,2%). Devido a essa desaceleração, a taxa de crescimento do PIB no corrente ano terá um pequeno efeito de carregamento (“carry-over”) herdado do ano anterior, o que reduz a expectativa de crescimento no ano. Assim, mesmo com uma recuperação que esperamos para a economia em 2006, a evolução do PIB no ano como um todo deverá ficar em 3,5%. A tabela 1 abaixo relaciona a taxa de crescimento do PIB em 2006 com diferentes trajetórias de recuperação da economia ao longo do ano. A principal conclusão do exercício é que, mesmo que a economia se recupere significativamente e cresça em média, por exemplo, 1% por trimestre com ajuste sazonal, a taxa de crescimento final do PIB será de apenas 3,1% ao final do ano. Em outras palavras, mesmo que a economia cresça a um ritmo trimestral de 4% em termos anualizados ao longo de 2006, o crescimento anual do PIB será de apenas 3,1% neste ano devido ao fraco desempenho de 2005. Tabela 1: Crescimento do PIB em 2006 com Base em Diferentes Hipóteses para o Crescimento Trimestral do PIB com Ajuste Sazonal Crescimento trimestral do PIB com ajuste sazonal 0,0% 0,5% 1,0% 1,5% 2,0% Crescimento do PIB em 2006 0,5% 1,8% 3,1% 4,4% 5,7% Voltando ao resultado econômico de 2005, a conclusão inevitável é que nesse ano o Brasil fechou mais um curtíssimo ciclo de aceleração e desaceleração de crescimento econômico, algo que vem se repetindo nos últimos anos e que tem efeitos muito negativos sobre o investimento. Para ilustrar este ponto, as figuras 1 e 2 apresentam a evolução da taxa de crescimento do PIB, do consumo e do investimento desde 1992. É possível identificar quatro episódios de redução do nível de atividade econômica ou de significativa desaceleração do crescimento do PIB: (i) em 1995, após a crise do México; (ii) em 1998-99, devido às crises da Ásia, da Rússia e do próprio Brasil; (iii) em 2001, devido ao “apagão” e à crise argentina; e (iv) em 2002, devido à crise de confiança no ano de eleições presidenciais. A desaceleração de 2005 é, portanto, a quinta em apenas uma década. Produto Potencial e Crescimento 3 Figura 1: Taxa de Crescimento Anual do PIB do Brasil (% Acumulado nos Últimos 4 Trimestres) 10% Crise do México (1994-95) 8% 6% Desaceleração em 2005 Crises da Ásia (1997), Rússia (1998) e Brasil (1999) 4% Apagão e crise da Argentina Eleição de 2002 2% 0% 2005-4 2004-4 2003-4 2002-4 2001-4 2000-4 1999-4 1998-4 1997-4 1996-4 1995-4 1994-4 1993-4 1992-4 -2% Fonte: IBGE, Sistema de Contas Nacionais Trimestrais (www.ibge.gov.br). Figura 2: Taxas de Crescimento Anual da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) e do Consumo Privado no Brasil (% Ao Ano Acumulado nos Últimos 4 Trimestres) 25% 20% 15% 10% 5% 0% -5% Fonte: IBGE, Sistema de Contas Nacionais Trimestrais (www.ibge.gov.br) Produto Potencial e Crescimento Consumo das famílias 2005-4 2004-4 2003-4 2002-4 2001-4 2000-4 1999-4 1998-4 1997-4 1996-4 1995-4 1994-4 1993-4 1992-4 -10% Formação Bruta de Capital Fixo 4 A principal diferença entre a desaceleração atual e as anteriores é que, desta vez, a queda do ritmo de crescimento não foi resultado de um fator exógeno, como um racionamento de energia, uma crise externa ou um ataque especulativo à moeda brasileira. Desta vez o recuo foi produzido pelo Governo, notadamente pelo Banco Central, através do aumento da taxa de juros, sob o argumento da necessidade de fazer a inflação convergir para um valor próximo da meta ajustada de 5,1% estabelecida para 2005. A redução da inflação é obviamente uma meta válida e necessária para a estabilidade macroeconômica. Contudo, deve ser perseguida de modo responsável para não acabar inviabilizando o crescimento sustentável da economia e prejudicar o próprio controle da inflação. De fato, a incapacidade de sustentar uma taxa de crescimento elevada por mais de dois anos consecutivos tem sido uma das principais causas da estagnação do investimento no Brasil nos últimos dez anos, o que inibe o crescimento e dificulta a obtenção da estabilidade inflacionária. A figura 3 ilustra este ponto: desde 1996 a formação bruta do capital fixo tem flutuado em torno do mesmo patamar. Figura 3: Formação Bruta de Capital Fixo no Brasil (1990=100) 140 130 120 110 100 90 Fonte: IBGE, Sistema de Contas Nacionais Trimestrais (www.ibge.gov.br). Formação Bruta de Capital Fixo 2005-1 2004-1 2003-1 2002-1 2001-1 2000-1 1999-1 1998-1 1997-1 1996-1 1995-1 1994-1 1993-1 1992-1 1991-1 80 Média 1996-2005 A queda do PIB no terceiro trimestre de 2005 foi um resultado direto da política macroeconômica do Governo Federal. De um lado, a alta taxa de juro real praticada pelo Banco Central e a valorização cambial por ela induzida desestimularam o investimento privado e reduziram a rentabilidade das exportações brasileiras. De outro lado, o alto superávit primário praticado pelo Tesouro Nacional para compensar o alto custo da dívida Produto Potencial e Crescimento 5 interna teve, como contrapartida, uma elevada carga tributária e um baixo investimento público, prejudicando ainda mais o crescimento econômico e a competitividade das empresas brasileiras. Por que sacrificar o crescimento econômico em um ambiente internacional tão propício para o Brasil? Segundo a perspectiva do Banco Central, a elevação da já alta taxa real de juro entre os meses finais de 2004 e o primeiro trimestre de 2005 foi um mal necessário para reduzir o ritmo de crescimento do PIB a um nível compatível com o aumento da capacidade produtiva da economia. Ou seja, o argumento é que, diante da aceleração do crescimento do PIB em 2004, o Banco Central teria sido forçado a elevar a taxa básica de juro para evitar que um superaquecimento da economia gerasse pressões inflacionárias de demanda e, assim, inviabilizasse a convergência da inflação para as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional. A questão crucial é, obviamente, como saber se a economia está ou não superaquecida. Teoricamente, para responder a esta pergunta bastaria comparar a produção efetiva e a produção potencial do país, sendo esta última definida tautologicamente como o nível do PIB para o qual a taxa de inflação tende a permanecer estável. Em outras palavras, quando a economia ultrapassa seu produto potencial, o excesso de demanda causa uma aceleração da inflação. Quando o oposto acontece, a insuficiência de demanda causa uma desaceleração da inflação. Ao Banco Central caberia, portanto, administrar a política monetária de modo a manter a economia próxima ao seu produto potencial. O problema com este raciocínio é que, como diz o ditado popular, na prática a teoria é outra. A economia não é uma ciência exata e a política monetária não é uma questão simplesmente técnica. A utilização de estimativas de produto potencial como guia para a política monetária é um tema naturalmente controverso por três motivos. Primeiro, existem várias formas de medir o produto potencial e, dependendo da metodologia e hipóteses utilizadas, os resultados variam substancialmente.1 Segundo, a taxa de inflação depende não só de fatores de demanda, mas também de fatores de oferta. Como choques de oferta podem alterar a inflação independentemente do nível de atividade da economia, estimativas de produto potencial não são um bom indicador para o comportamento da inflação. Terceiro, o crescimento de hoje determina o investimento e a produtividade de amanhã, fazendo com que as taxas de crescimento efetivo e potencial sejam interdependentes. Políticas de administração de demanda para fins de estabilização macroeconômica de curto prazo têm efeitos permanentes sobre a estrutura produtiva e o crescimento da economia no longo prazo. O objetivo deste texto é apresentar e discutir a pertinência e as implicações da utilização de estimativas de produto potencial como guia para a política monetária no Brasil. Para tanto a análise começa com o conceito de função de produção agregada. 1 Uma análise das diferentes metodologias para o caso brasileiro foi apresentada recentemente em três textos: (i) Araújo, C.H.V., Areosa, M.B.M., e O.T.C. Guillén (2004), “Estimating potential ouput and the output gap for Brazil” texto apresentado no XXXII Encontro Nacional de Economia da ANPEC, disponível em www.anpec.org.br; (ii) Barbosa-Filho, N.H. (2005), “Estimating potential output: a survey of the alternative methods and their aplications to Brazil”, Texto para Discussão 1092, IPEA; e (iii) Souza Júnior, J.R.de C., (2005), “Produto Potencial: Conceitos, Métodos de Estimação e Aplicação à Economia Brasileira”, Texto para Discussão 1130, IPEA. Os dois últimos textos estão disponíveis em www.ipea.gov.br. Produto Potencial e Crescimento 6 Funções de Produção e Produto Potencial Modelos de função de produção normalmente reduzem a análise do crescimento econômico a três variáveis: o crescimento do emprego, o crescimento do estoque de capital, e o crescimento da chamada produtividade total dos fatores de produção (a PTF), que representa o aumento da produtividade conjunta do capital e do trabalho.2 A idéia básica de uma função de produção é que, pela ótica da oferta, um aumento da produção pode ser obtido por três formas distintas: (i) pelo acréscimo no número de horas trabalhadas na produção; (ii) pelo aumento do estoque de bens de capital utilizados na produção; ou (iii) pelo incremento da produtividade dos trabalhadores e dos bens de capital. Como na prática estas três formas de crescimento ocorrem simultaneamente, o grande atrativo para se utilizar uma função de produção agregada em estudos aplicados é que tal conceito permite separar as três fontes de aumento da produção. Para ilustrar o ponto acima, a figura 4 decompõe o crescimento da economia brasileira no período 1991-2005 com base nos dados do IPEA e do IBGE. As contribuições do capital e do trabalho para o crescimento foram calculadas a partir das taxas de crescimento e da participação de cada um desses dois fatores no valor adicionado total da economia.3 Tomando essas contribuições e considerando ainda o crescimento observado do PIB, a taxa de crescimento da PTF foi calculada residualmente. Como a figura 4 sugere, a taxa de crescimento da PTF tende a seguir o comportamento do PIB. Em anos de alto crescimento econômico a PTF tende a subir e em anos de baixo desempenho da economia a PTF tende a cair. A razão é que, por definição, a PTF é uma média ponderada da produtividade média do capital e do trabalho, sendo que cada um destes dois fatores entra no cálculo com um peso equivalente a sua participação no valor adicionado total da economia. Em outras palavras, períodos de rápido crescimento são caracterizados por economias de escala e ganhos de eficiência na utilização de máquinas e equipamentos e, conseqüentemente, verifica-se um aumento da produtividade média do capital. No mesmo sentido, períodos de rápido crescimento também são caracterizados por um aumento na produtividade média por empregado devido ao aumento no número de horas trabalhadas por trabalhador. O resultado final é um comportamento pró-cíclico da taxa de crescimento da PTF. Para efeito de estimação da taxa de crescimento potencial da economia é necessário eliminar flutuações cíclicas da análise. Assumindo que as taxas de desemprego e de participação sejam estáveis no longo prazo,4 o crescimento potencial do emprego é dado pelo crescimento da população em idade ativa. No mesmo sentido, o crescimento do estoque de capital depende fundamentalmente da taxa de investimento, da taxa de depreciação do capital 2 Uma função de produção pode ser especificada para qualquer número de insumos, mas a maioria dos modelos macroeconômicos trabalha com apenas com duas categorias, capital e trabalho, para simplificar e facilitar a análise. 3 A contabilidade do crescimento seguiu a metodologia adotada pelo Congressional Budget Office do Governo dos Estados Unidos (www.cbo.gov). A taxa de crescimento do capital levou em consideração a variação do estoque de capital medida pelo IPEA, até 2003, e projeções, para 2004 e 2005, com base na taxas de crescimento do investimento. A taxa de crescimento do trabalho foi obtida pela taxa de variação do número de pessoas empregadas na economia, segundo os dados do Sistema de Contas Nacionais Anuais até 2003 e no crescimento do emprego segundo a Pesquisa mensal do Emprego, para 2004 e 2005. Por fim, a particpação do trabalho na renda também foi obtida do Sistema de Contas Nacionais, até 2003, repetindo-se os valores de 2003 para 204 e 2005, pois o IBGE ainda não divulgou estes dados para os dois últimos anos. 4 A taxa de participação é a razão entre a força de trabalho e a população em idade ativa. Produto Potencial e Crescimento 7 e da relação capital-produto da economia. O ponto mais controverso na estimação do produto potencial é, portanto, a projeção da taxa de crescimento de longo prazo da PTF. Como exemplo do raciocínio acima, considere um simples exercício baseado nos últimos números do Brasil. De acordo com as projeções populacionais do IBGE, o crescimento anual da população em idade ativa será de aproximadamente 1,5% nos próximos anos. Segundo os dados do IPEADATA, a relação capital/produto do Brasil está atualmente em cerca de 3,1, a preços de 1999, e a taxa de depreciação do estoque de capital agregado é de aproximadamente 4% ao ano. Por fim, segundo os dados do IBGE, a taxa de investimento da economia brasileira está em torno de 20% do PIB. Com base nestes números, e assumindo que capital e trabalho respondam, cada um, por 50% do valor adicionado, a contribuição do trabalho para a taxa de crescimento potencial seria atualmente de aproximadamente 0,7% ao ano. Já a contribuição do capital para o crescimento seria de aproximadamente 1,3% ao ano. Tomadas conjuntamente, o trabalho e o capital permitiriam, portanto, uma taxa de crescimento de cerca 2% ao ano. A esse número deve ser adicionado o crescimento projetado da PTF para se obter a taxa de crescimento potencial da economia no longo prazo. Com base nos dados da figura 4 crescimento médio anual da PTF foi de aproximadamente 2,8% de 1993 a 1997. Já no período 1998-2002 o aumento anual médio foi negativo em 0,5%. A conclusão óbvia é que o crescimento da PTF depende fortemente do crescimento efetivo da economia, o que introduz uma circularidade no cálculo da taxa de crescimento potencial: quanto mais a economia cresce... Mais ela pode crescer! Esta circularidade lógica é um resultado natural do caráter descritivo da contabilidade do crescimento e evidencia porque projeções de limites ao crescimento derivadas de funções de produção agregadas são problemáticas. Figura 4: Contabilidade do Crescimento do PIB no Brasil (Variáveis em Pontos Percentuais) em 1991-2004 5,9 7 3,8 4,0 5 2,5 0,8 1,6 0,9 0,5 0,7 0,8 0,6 1,3 1,4 1,1 1,2 1,9 2,0 1,2 1,2 0,8 1,5 1,4 1,1 2004 2005 0,1 0,3 0,5 1,6 1,4 1,3 0,7 1,2 0,7 0,8 1,0 0,7 0,4 1 0,2 1 0,4 2 0,9 2 1,4 2,2 3 2,5 2,7 3 2,3 4 2,3 3,3 4 4,2 5 4,4 4,9 6 4,9 6 1991 1992 1993 Contribuição do capital Produto Potencial e Crescimento 1994 1995 1996 1997 Contribuição do emprego 1998 -0,8 -1,0 -0,6 -0,5 -3 -1,8 -2 -1,9 -1,4 -2 -1,2 -1 -0,5 -1 -0,3 0 1999 2000 2001 Taxa de crescimento da PTF 2002 2003 Taxa de crescimento do PIB 8 Problemas de Funções de Produção Agregadas Existe um longo debate sobre a validade e aplicação de funções de produção agregadas na literatura econômica. No entanto, para entender por que tal abordagem é problemática para guiar a política monetária no Brasil, basta considerar quatro pontos: • Funções de produção agregadas são sempre válidas ex-post. • O crescimento da produtividade dos fatores depende do crescimento efetivo da economia. • O crescimento do estoque de capital também depende do crescimento efetivo da economia. • Medidas do hiato do produto nem sempre são um bom guia para inflação. Para facilitar a exposição, vejamos cada um desses pontos separadamente. Identidades Contábeis Em primeiro lugar, funções de produção agregadas são uma construção teórica sem ligação direta com a realidade. Somente em condições muito especiais e altamente irrealistas seria possível construir uma função de produção global para a economia a partir da agregação das funções de produção de cada unidade produtiva no país.5 O aparente sucesso de funções de produção em explicar o crescimento não se deve à adequação de suas hipóteses ao mundo real. O sucesso prende-se ao fato de que é possível chegar à contabilidade do crescimento a partir das contas nacionais, sem nenhuma hipótese sobre a suposta “tecnologia agregada de produção”. Por definição o valor adicionado a custo de fatores é igual à soma da renda do trabalho e da renda do capital. Como conseqüência, o crescimento do valor adicionado pode ser decomposto em termos de apenas quatro variáveis: o crescimento do número de horas trabalhadas, o crescimento do capital utilizado na produção, o crescimento da remuneração real por hora trabalhada e o crescimento da remuneração real por unidade de capital utilizada na produção. Esta decomposição vem das contas nacionais e independe da existência de uma função de produção agregada. Mais importante, por se tratar de uma identidade contábil, essa decomposição do crescimento econômico não estabelece uma relação de causalidade entre as variáveis envolvidas. A contabilidade do crescimento baseada em funções de produção é uma forma de interpretação da realidade pelo lado da oferta, na qual as remunerações reais do capital e do trabalho são consolidadas em um índice de produtividade total dos fatores de produção. Desta forma, a análise do crescimento é reduzida de quatro para três variáveis. Apesar desta 5 Este ponto é analisado com detalhes por Felipe, J. e F. Fisher (2003), “Aggregation in Production Functions: What Applied Economists should Know”, Metroeconomica 54. Produto Potencial e Crescimento 9 “sofisticação”, funções de produção agregadas nada mais são do que uma maneira que os economistas encontraram para ler as contas nacionais. O objetivo primordial de tal construção teórica é apenas organizar a análise do crescimento em apenas três variáveis (capital, trabalho e produtividade), de modo a obter uma descrição didática e parcimoniosa do processo de crescimento ex-post. Utilizar estimativas de funções de produção agregadas para fazer previsões sobre os limites ao crescimento é problemático, pois, qualquer que seja a evolução da economia, ela será por definição compatível com uma função de produção ex-post. Por serem baseadas em uma identidade contábil, funções de produção agregadas sempre se ajustam à realidade, não o contrário. Endogeneidade da produtividade Em segundo lugar, como a taxa de crescimento da PTF é uma média ponderada das taxas de crescimento da produtividade do capital e da produtividade do trabalho, uma aceleração do crescimento efetivo da economia tende a gerar um aumento estrutural da PTF devido às economias de escala e aos ganhos permanentes de produtividade decorrentes do aumento do tamanho do mercado. Em outras palavras, o crescimento efetivo da economia aumenta a produtividade e eleva a taxa de crescimento potencial. No caso específico do Brasil, existe ainda um outro fator muito importante que afeta a PTF: quando o crescimento se acelera, trabalhadores tendem a se deslocar de atividades de baixa produtividade (normalmente no setor informal em segmentos de serviços) para atividades de maior produtividade (na indústria e no setor formal de serviços). Esta mudança na composição do emprego acaba por elevar a produtividade média na economia, ou seja, o crescimento acaba por gerar um aumento da PTF, que por sua vez eleva o crescimento potencial da economia. Naturalmente, o oposto acontece quando o crescimento se desacelera. Para ilustrar o ponto acima, as tabelas 2 e 3 apresentam as taxas de crescimento da produtividade do trabalho entre 1990 e 20036 nos 42 setores da economia brasileira. Os dados indicam um rápido crescimento da produtividade na agricultura, um aumento mediano da produtividade na indústria, e estagnação da produtividade no setor de serviços, especialmente nos setores de alta informalidade do trabalho. Devido à diferença entre as taxas de crescimento da produtividade do trabalho entre a indústria e os serviços, a queda relativa do emprego industrial nos últimos anos tem atuado como um redutor da taxa de crescimento da produtividade do trabalho de toda a economia. Mais importante, caso o crescimento do PIB e da indústria se acelerem nos próximos anos o inverso deve ocorrer. Dito de outra forma, caso a indústria cresça mais e venha a absorver mais trabalhadores, os índices de produtividade do trabalho da economia aumentarão devido à mudança na composição do emprego em direção a setores de maior produtividade. 6 Até o momento o IBGE não divulgou o sistema de contas nacionais anuais de 2004 e 2005; Produto Potencial e Crescimento 10 Tabela 2: Taxa de Crescimento Acumulada e Média da Produtividade do Trabalho no Brasil em 1991-2003 AGROPECUÁRIA INDUSTRlA Extrativa mineral (exceto combustíveis) Extração de petróleo e gás natural, carvão e outros combustíveis Fabricação de minerais não-metálicos Siderurgia Metalurgia dos não-ferrosos Fabricação de outros produtos metalÚfgicos Fabricação e manutenção de máquinas e tratores Fabricação de aparelhos e equipamentos de material elétrico Fabricação de aparelhos e equipamentos de material eletrônico Fabricação de automóveis, caminhões e ônibus Fabncação de outros veículos, peças e acessórios Serrarias e fabricação de artigos de madeira e mobiliário Indústria de papel e gráfica Indústria da borracha Fabricação de elementos químicos não-petroquímicos Refino de petróleo e indústria petroquímica Fabricação de produtos químicos diversos Fabricação de produtos farmacêuticos e de perfumaria Indústria de transformação de material plástico Indústria têxtil Fabricação de artigos do vestuário e acessórios Fabricação de calçados e de artigos de couro e peles Indústria do café Beneficiamento de produtos de origem vegetal, inclusive fumo Abate e preparação de carnes Resfriamento e preparação do leite e laticínios Indústria do açúcar Fabricação e refinq de óleos vegetais e de gorduras para alimentação Outras indústrias alimentares e de bebidas Indústrias diversas Serviços industriais de utilidade pública Construção civil SERVIÇOS Comércio Transporte Comunicações Instituições financeiras Serviços prestados às famílias Serviços prestados às empresas Aluguel de imóveis Administração pública Serviços privados não-mercantis Crescimento acumulado 82,8% 33,5% 49,1% 9,2% 58,1% 135,5% 56,7% 24,0% 23,0% 161,2% 52,6% 113,5% 72,2% 12,7% 52,6% 88,5% 53,8% 114,7% 60,0% 27,9% -26,8% 27,7% -25,9% -8,0% 51,9% 27,7% 17,5% 24,4% 48,7% 106,8% 46,8% 5,4% 109,6% 10,7% -2,2% -15,5% -0,7% 152,5% 10,8% -13,5% -6,8% 63,4% 8,5% -13,8% Taxa média de crescimento anual 4,8% 2,2% 3,1% 0,7% 3,6% 6,8% 3,5% 1,7% 1,6% 7,7% 3,3% 6,0% 4,3% 0,9% 3,3% 5,0% 3,4% 6,1% 3,7% 1,9% -2,4% 1,9% -2,3% -0,6% 3,3% 1,9% 13,0% 1,7% 3,1% 5,7% 3,0% 0,4% 5,9% 0,8% -0,2% -1,3% -0,1% 7,4% 0,8% -1,1% -0,5% 3,8% 0,6% -1,1% Fonte: IBGE. Produto Potencial e Crescimento 11 Tabela 3: Taxa de Crescimento Anual da Produtividade do Trabalho no Brasil AGROPECUÁRIA INDÚSTRIA Extrativa mineral (exceto combustíveis) Extração de petróleo e gás natural, carvão e outros combustíveis Fabricação de minerais não-metálicos Siderurgia Metalurgia dos não- ferrosos Fabricação de outros produtos metalÚfgicos Fabricação e manutençáo de máquinas e tratores Fabricacão de aparelhos e equipamentos de meteriai elétrico Fabricação de aparelhos e equipamentos de material eletrônico Fabricação de automóveis, caminhões e ônibus Fabricação de outros veículos, pecas e acessórios Serrarias e fabricacão de artigos de madeira e mobiliário Indústria de papel e gráfica Indústria da borracha Fabricacão de elementos químicos não-petroquímicos Refino de petróleo e indljstria petroquimica Fabricacão de produtos químicos diversos Fabricacão de produtos farmacêuticos e de perfumaria Indústria de transformeção de material plástico Indústria têxtil Fabricação de artigos do vestuário e acessórios Fabricacáo de cal ados e de artigos de couro e peles Indústria do café Beneflciamento de produtos de origem vegetal, inclusive fumo Abole e preparação de carnes Resfriamento e preparacão do lee e laticínios Indústria do acúcar Fabricacão e refino de óleos vegetais e de gorduras para alimentação Outras indústrias alimentares e de bebidas Indústrias diversas Serviços industriais de utilidade pública Construcão civil SERVIÇOS Comércio Transporle Comunicações Instuições financeiras Servicos prestados às fammas Serviços prestados às empresas Aluguel de imóveis Administracão pública Servicos privados não-mercantis 1991 1992 -1,0% 2,4% 6,1% 0,9% 10,8% 0,8% -2,3% 1,7% 9,0% -1,8% 8,9% 9,0% 8,7% 10,2% 6,0% 3,7% 6,2% 0,7% 15,6% 19,3% 11,6% -5,5% 28,7% 7,7% 8,7% 9,9% -0,6% 1,5% 8,3% 0,2% 6,2% 3,6% 8,2% -4,1% 12,6% 7,4% 7,8% 4,7% 3,2% -6,5% 4,3% -2,9% 1,4% 1,0% -9,0% -2,4% -1,8% 4,7% -6,5% 16,8% 1,9% -0,9% -0,8% -1,2% -9,9% -1,0% -2,6% -13,3% 14,0% -3,8% 1,3% -6,2% -0,5% -6,3% 13,0% 5,4% 5,6% 0,0% -0,8% -0,1% -1,4% -4,5% 2,7% 3,7% 23,2% 2,5% 3,5% 1,3% -0,4% 1,8% -0,3% -0,3% 17,9% 14,8% -3,0% -2,8% -8,9% -0,1% 1993 0,4% 5,8% -1,0% 12,1% 7,5% 16,3% 13,8% 12,3% 18,7% 12,5% 26,3% 21,0% 16,1% 4,0% 17,9% 13,3% 11,7% 5,5% 13,7% 3,2% 6,0% 4,7% -1,1% 9,4% 2,7% 9,1% 5,5% -3,0% -4,8% 5,6% 8,5% 1,9% -3,2% 1,6% 2,2% 1,4% 3,0% 7,1% -3,3% 4,4% 4,8% 7,1% 7,6% -0,4% 1994 6,9% 7,2% 13,8% 5,6% 6,0% 14,1% 17,2% 8,8% 9,1% 5,3% 22,0% 10,1% 10,2% -0,7% -0,8% 5,1% 6,8% 8,3% 8,7% 1,5% 6,2% 5,2% 0,7% -2,5% -5,0% 2,9% -6,2% -4,1% 7,6% 2,7% 8,0% 9,3% 15,8% 9,0% 1,4% 5,4% -0,6% 9,9% 2,3% -2,3% -2,2% -6,0% 6,4% -1,1% 1995 5,5% 3,0% 12,6% 0,4% 7,6% 3,0% 1,0% -2,3% 0,1% 5,1% 11,1% 6,6% 3,6% -0,1% -0,2% 3,6% -2,0% 7,5% 3,4% 7,3% 8,1% 5,4% -0,6% 4,9% -9,5% 2,2% 9,5% 15,6% 5,2% 6,7% 8,9% 5,2% 19,6% 1,2% 0,9% 4,6% 1,8% 24,3% -3,4% -5,1% -2,5% -8,9% 6,8% -1,3% 1996 12,4% 5,5% 12,6% 29,6% 7,4% 18,8% 8,8% 1,6% 1,5% 7,0% 16,5% 11,7% 11,8% 2,2% 4,4% 22,8% 8,6% 11,1% 8,0% 0,2% 0,6% 17,8% 1,8% 7,2% 1,3% 6,9% 4,8% 8,9% 1,8% 4,6% 5,2% 17,0% 16,5% 2,4% 2,1% 3,3% 2,8% 16,3% 9,2% 0,6% -1,9% 5,5% 0,5% -2,6% 1997 1998 1999 2000 2001 0,8% 4,2% 0,3% 8,7% 17,3% 4,8% -2,4% -1,9% -2,0% 0,1% 4,1% -2,0% 0,5% 0,5% 2,6% 12,6% 3,4% -17,8% -11,8% -17,4% 2,3% 7,9% -6,3% -4,7% 2,4% 8,8% 4,5% 7,0% -7,8% 2,5% 5,1% -11,4% 5,8% -10,4% 4,4% 5,5% -7,0% -4,1% -5,3% 5,3% 6,0% 1,9% -2,9% -5,1% -4,7% 7,3% 0,5% 0,1% 7,4% 6,2% -2,4% -14,1% -10,0% -7,9% -7,8% 11,5% -3,1% -18,9% 11,3% 4,0% 8,4% -3,9% -7,8% 3,1% -5,3% 3,6% 3,7% -1,2% -3,5% 1,9% 4,5% -0,4% -0,7% 1,5% 4,7% 6,0% 2,7% 0,4% -3,1% -1,6% 4,7% 17,7% 5,3% -2,9% 0,3% 10,6% 25,4% 9,4% 0,2% 1,6% -2,3% -1,2% 0,8% 8,9% -4,1% 6,1% -0,3% 9,5% -5,4% 1,4% -0,5% -0,5% -19,6% -14,3% -1,5% -2,7% 0,9% -7,6% -4,1% 0,7% 1,2% 0,8% -4,7% -1,4% -11,3% -0,8% -9,9% -0,2% -11,4% 4,5% 1,2% 1,7% 17,1% -1,7% 20,4% 4,2% 0,4% -5,9% 6,4% -2,9% 3,8% -3,8% 1,6% -6,2% -3,6% 5,2% 6,5% -2,7% 11,9% -9,1% 13,9% 18,5% 10,5% -22,3% 21,3% 1,9% 35,2% 2,1% 11,4% 0,6% -3,0% 0,7% 0,8% 3,7% 4,1% -1,5% -9,2% 0,3% -8,1% 9,2% 5,1% 3,4% 2,7% 13,8% -7,9% 2,4% -6,9% -0,5% 0,0% -0,5% 0,8% -1,6% -0,2% -3,2% 0,0% 1,4% -6,7% -3,2% -3,9% -0,1% -0,8% -5,5% -0,3% -2,7% -1,2% 10,1% -13,8% 11,8% -4,2% 8,0% 3,0% 7,1% -0,7% 0,5% -1,5% -1,3% -2,3% -0,8% -4,5% -2,5% 0,9% -1,3% 0,8% 0,4% 0,8% 6,2% 7,4% 10,5% 1,6% -0,9% 2,4% -1,7% -0,4% -2,4% 1,0% 0,1% -2,7% -0,2% 0,6% -0,1% 2002 2,6% 0,7% -3,3% 3,6% 2,6% 7,0% -4,0% 3,2% 1,8% 14,0% 9,0% -3,8% 5,1% -3,8% 3,7% 7,2% 3,2% 1,2% 2,4% 5,4% 1,9% 4,3% 0,6% -2,4% -7,3% 6,1% 7,8% 2,8% 3,3% -8,1% 3,3% 3,9% 1,2% -5,2% -1,8% -5,7% -3,4% 6,3% -3,2% -1,7% 0,0% -2,8% -3,3% 0,0% 2003 2,8% 2,2% -8,7% -1,1% 8,4% -0,6% 0,8% -4,0% -9,4% 1,4% 4,0% -0,5% -1,2% 5,5% 1,4% 1,1% -10,4% -16,8% -1,3% 0,5% -13,8% -0,1% -3,1% -7,3% 17,7% -4,4% 6,9% 4,4% 10,5% 7,4% 4,6% -11,8% -4,9% 2,2% -1,8% -6,3% 0,1% 0,6% -3,3% 0,0% -5,7% 1,0% -1,9% 2,3% Fonte: IBGE. Produto Potencial e Crescimento 12 Crescimento e investimento Terceiro, o produto potencial depende da taxa de crescimento do capital, que por sua vez depende da taxa de investimento da economia, que a seu turno depende do crescimento efetivo e esperado do PIB. A conclusão óbvia é que crescimento hoje gera mais crescimento amanhã devido ao impacto positivo do aumento da utilização da capacidade produtiva sobre as decisões de investimento. Para ilustrar este efeito, a figura 5 mostra o comportamento da taxa de investimento da economia brasileira desde 1991, a preços do terceiro trimestre de 2005. Não surpreendentemente, períodos de redução da taxa de investimento coincidem ou ocorrem ligeiramente após uma desaceleração do crescimento. No mesmo sentido, os períodos de elevação da taxa de investimento coincidem ou ocorrem ligeiramente após períodos de aceleração do crescimento econômico. Figura 5: Taxa de Investimento no Brasil (Formação Bruta de Capital Fixo em % do PIB a Preços do Terceiro Trimestre de 2005) 26% 25% Crise do México (1994-95) Crises da Ásia (1997), Rússia (1998) e Brasil (1999) 24% Apagão e crise da Argentina 23% Desaceleração em 2005 22% Eleição de 2002 21% 20% 19% 2005-4 2004-4 2003-4 2002-4 2001-4 2000-4 1999-4 1998-4 1997-4 1996-4 1995-4 1994-4 1993-4 1992-4 18% Com base nos dados da figura 5 pode-se esperar uma elevação da taxa de investimento caso a economia entre em um processo de crescimento rápido por mais de dois anos consecutivos. A seqüência é o fator crucial. Em um primeiro momento, a aceleração da expansão se traduz em um aumento do grau de utilização de capacidade produtiva na indústria. Em um segundo momento, a maior utilização da capacidade produtiva leva ao aumento do investimento, gerando o aumento de oferta necessário para atender a expansão continuada da demanda no futuro. Se o processo é abortado no seu início a economia não decola e o país permanece preso à armadilha do baixo crescimento. Produto Potencial e Crescimento 13 Hiato do produto e inflação Finalmente, tão importante quanto saber a taxa de crescimento potencial da economia é saber o quanto a economia se encontra abaixo ou acima de seu potencial. Em outras palavras, é preciso saber a diferença entre o produto efetivo e o produto potencial, o hiato do produto, para calcular o potencial de crescimento não inflacionário da economia. Um exemplo ajuda a explicar este ponto. Suponha que o produto potencial cresça 4% ao ano e que a economia se encontre 2% abaixo de seu potencial. O hiato entre o produto potencial e efetivo permite, portanto, que a economia cresça até cerca de 6% no próximo ano sem atingir seu produto potencial. Se o conceito de função de produção já é complicado, a mensuração do hiato do produto é um ponto ainda mais controverso na teoria econômica.7 Tradicionalmente, os economistas definem o hiato do produto com base nos níveis “naturais” da taxa de desemprego e da taxa de utilização da capacidade produtiva. Mas o que são estes níveis naturais? São os níveis de taxa de desemprego e de utilização da capacidade para os quais a inflação fica constante. Em outros termos, o raciocínio é circular. Qual é a taxa natural? Aquela que estabiliza a inflação. E quando a inflação se estabiliza? Quando a taxa está em seu nível natural! A saída desta armadilha lógica é recorrer à econometria, isto é, estimar as taxas de desemprego e de utilização para as quais a inflação fica estável. O problema em recorrer à econometria para resolver o problema é que, como mencionado anteriormente, no mundo real não existe somente inflação de demanda. Por exemplo, suponha que a economia esteja operando em seu nível natural, isto é, com uma taxa de inflação constante. Dado um choque de oferta, digamos, uma desvalorização cambial, a inflação aumenta e, conseqüentemente, torna-se necessário aumentar o desemprego e reduzir a utilização da capacidade produtiva para compensar as pressões de custos através de uma redução da demanda agregada e, desta forma, manter a inflação constante. Logo, o que antes era um nível de atividade natural passa a ser um nível de atividade aquecido devido às pressões inflacionárias criadas pelo choque de oferta. A conclusão final é que, ao utilizarmos uma definição empírica, as taxas naturais de desemprego e de utilização da capacidade tendem a variar ao sabor dos choques de oferta de curto prazo experimentados pela economia e, portanto, deixam de ser um guia estável e confiável para a inflação.8 Diante desta dificuldade, a resposta padrão na literatura sobre o tema é abandonar a estabilidade da inflação como critério de referência para as taxas naturais de desemprego e de utilização da capacidade. No seu lugar coloca-se uma hipótese simples e intuitiva: no longo prazo os níveis de produção efetiva e potencial tendem a convergir e, portanto, é possível estimar os níveis naturais de qualquer indicador de demanda a partir das tendências de longo prazo observadas na economia. Em outras palavras, ainda que não se saiba exatamente qual é o produto potencial hoje, se sabe que o produto efetivo não pode se desviar indefinidamente do potencial e vice versa. Logo, a tendência do produto efetivo torna-se boa proxy para o produto potencial. 7 Ver, por exemplo, Stiglitz, J. (1997), “Reflections on the Natural Rate Hypothesis”, Journal of Economic Perspectives 10. Para maiores detalhes sobre este ponto ver Galbraith, J.K. (1997), “Time to Ditch the NAIRU”, Journal of Economic Perspectives 11. 8 Produto Potencial e Crescimento 14 O Filtro HP e a Tendência de Crescimento Existem várias formas de estimar a tendência de uma série temporal, cada uma com suas vantagens e desvantagens. O chamado filtro HP foi proposto por Hodrick e Prescott (1997)9 e é um dos métodos mais utilizados em macroeconomia aplicada devido a sua fácil aplicação e interpretação intuitiva. De um lado, o filtro HP consiste em uma simples operação linear sobre a série em análise. De outro lado, o filtro HP define a tendência de longo prazo como uma média ponderada da série em análise, cabendo ao analista definir quão “suave” deve ser a taxa de variação desta tendência.10 Deixando as tecnicalidades de lado e passando diretamente para o caso brasileiro, a figura 6 apresenta a evolução do PIB do País e sua tendência de longo prazo com base no filtro HP.11 Com base nos dados da figura 6, a figura 7 apresenta a relação entre o PIB efetivo e o PIB potencial do Brasil. Valores superiores a 100 indicam que o PIB efetivo está acima do potencial e vice-versa. Figura 6: Valor Efetivo e Tendência de Longo Prazo do PIB Brasileiro (Série Com Ajuste Sazonal, 1990=100) 150 140 130 120 110 100 Tendência HP 2005-1 2004-1 2003-1 2002-1 2001-1 2000-1 1999-1 1998-1 1997-1 1996-1 1995-1 1994-1 1993-1 1992-1 1991-1 90 PIB 9 Hodrick, R.J. and E.C. Prescott (1997), “Postwar US business cycles: An empirical investigation,” Journal of Money, Credit and Banking 29, pp-1-16. 10 Em um linguajar mais técnico, o filtro HP é obtido a partir da minimização da soma do quadrado das diferenças entre a série efetiva e a tendência de longo prazo, sujeita à restrição que a soma do quadrado das segundas diferenças da tendência deve ser zero. O peso desta última restrição varia de acordo com o analista e a intuição é que, quanto maior este peso, mais a tendência derivada do filtro HP se aproxima de uma reta. Em constraste, quanto menor o peso atribuído à “suavização” da tendência, mais esta se aproxima da série original. 11 O parâmetro de suavização foi fixado em 1.600, que é o valor padrão na literatura sobre o tema. Devido ao pequeno número de observações disponíveis, o valor da tendência de longo prazo não varia muito quando outros valores são utilizados para suavizar a série. Produto Potencial e Crescimento 15 Figura 7: Estimativa do Nível de Atividade Econômica no Brasil, Calculada com Base no Filtro HP Univariado (Índice=100*Produto Efetivo/Produto Potencial) 106 105 104 103 102 101 100 99 98 97 2004-1 2005-1 2004-1 2005-1 2003-1 2002-1 2001-1 2000-1 1999-1 1998-1 1997-1 1996-1 1995-1 1994-1 1993-1 1992-1 1991-1 96 Figura 8: Estimativa da Taxa de Crescimento Anual de Longo Prazo do PIB Brasileiro, Calculada com Base em no Filtro HP Univariado 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 Produto Potencial e Crescimento 2003-1 2002-1 2001-1 2000-1 1999-1 1998-1 1997-1 1996-1 1995-1 1994-1 1993-1 1992-1 1991-1 1,5 16 Por definição os desvios entre o PIB efetivo e potencial obtidos pelo filtro HP se cancelam no longo prazo, já que a tendência de longo prazo é simplesmente uma média móvel ponderada do PIB efetivo da economia. Apesar da tendência de longo prazo apresentada na figura 6 ter um comportamento muito mais suave do que o PIB efetivo da economia, sua taxa de crescimento varia ao longo do tempo. Para ilustrar este ponto, a figura 8 apresenta a taxa de crescimento do produto potencial com base na tendência obtida pelo filtro HP. Como é de se esperar de uma média móvel, o crescimento potencial da economia segue a evolução do crescimento efetivo do PIB. Em outras palavras, a interpretação estatística é diferente da interpretação econômica: é o produto potencial que se adequa ao produto efetivo e não o contrário. No início dos anos 1990, a taxa de crescimento “de longo prazo” da economia brasileira se acelerou devido à expansâo verificada em 1992-95. Após o pico atingido durante o plano real, a taxa de crescimento potencial se desacelerou até atingir um vale em 1998. Desde então há uma recuperação e, ao final da amostra, a taxa de crescimento potencial está em 2,55% ao ano. Novamente é importante ressaltar que esta medida não deve ser interpretada como um teto para o crescimento da economia, mas simplesmente como um indicador do passado recente. Por se tratarem de uma média móvel, estimativas de crescimento potencial derivadas do filtro HP tem um problema grave que não pode ser ignorado na formulação da política macroeconômica: os valores obtidos pelo filtro HP ao final da amostra variam conforme novas observações são incorporadas. Ou seja, como a tendência de longo prazo é uma média dos valores observados, o crescimento potencial da economia ao final da amostra é revisado na medida em que novas observações são incorporadas. Se o PIB cresce, a tendência é revisada para cima, se o PIB cai, a tendência é revisada para baixo. O ponto acima pode ser ilustrado por uma simples comparação entre as tendências de crescimento da economia em uma mesma data, mas estimadas em diferentes pontos do tempo. Por exemplo, suponha um observador no final de 2003 tenha que estimar a taxa de crescimento do produto potencial do Brasil pelo filtro HP. Como os anos imediatamente anteriores foram de crescimento lento, esse analista naturalmente obterá uma estimativa baixa conforme apresentado na figura 9. Produto Potencial e Crescimento 17 Figura 9: Estimativas da Taxa de Crescimento Anual de Longo Prazo do PIB Brasileiro, Calculadas com Base no Filtro HP Univariado, Ao Final de 2003 e Ao Final de 2005 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 Estimativa em 2005 2005-1 2004-1 2003-1 2002-1 2001-1 2000-1 1999-1 1998-1 1997-1 1996-1 1995-1 1994-1 1993-1 1992-1 1991-1 1,5 Estimativa em 2003 Agora passemos para um momento como o ano de 2005. Devido ao excepcional desempenho da economia em 2004, quando o analista realizar o mesmo exercício sua estimativa de crescimento do produto potencial obtida no final de 2003 se revelará muito conservadora. O motivo é simples: na medida em que novas observações foram incorporadas, a tendência de crescimento da economia foi revisada para cima, como também é apresentado na figura 9. Note que a revisão da taxa de crescimento potencial apresentada na figura 9 é substancial. Com base nos dados disponíveis ao final de 2003 o crescimento potencial da economia brasileira seria de 1,6% ao ano. Já com base nos dados mais recentes, a taxa de crescimento “potencial” segundo o filtro HP ao final de 2005 era de 2,4% ao ano. Ou seja, uma diferença de 0,8%! O mesmo raciocínio vale para a estimativa do nível de atividade da economia, como apresentado na figura 10. Ao final de 2003, quem se utilizasse do filtro HP estimaria que a economia brasileira estava 0,3% ACIMA de seu produto potencial. No entanto, com base nos dados mais atuais, a economia brasileira estaria 1,1% ABAIXO de seu produto potencial no final de 2003! Neste caso, a estimativa de hiato do produto foi revisada em 1,4% do PIB, ou seja, uma revisão substancial que evidencia o caráter endógeno de estimativas de hiato do produto. Produto Potencial e Crescimento 18 Figura 10: Estimativas do Nível de Atividade Econômica no Brasil, Calculadas com Base no Filtro HP Univariado, ao Final de 2003 e ao Final de 2005 (Índice=100*Produto Efetivo/Produto Potencial) 106 104 102 100 98 Estimativa em 2003 2005-2 2004-3 2003-4 2003-1 2002-2 2001-3 2000-4 2000-1 1999-2 1998-3 1997-4 1997-1 1996-2 1995-3 1994-4 1994-1 1993-2 1992-3 1991-4 1991-1 96 Estimativa em 2005 O ponto fundamental do exercício apresentado nas figuras 9 e 10 é que a taxa de crescimento do produto potencial depende fortemente da evolução esperada da economia no futuro próximo. Uma estimativa obtida hoje pode se revelar conservadora caso a economia apresente um rápido crescimento no próximo ano. Por analogia, uma estimativa obtida hoje pode se revelar otimista caso a economia apresente um lento crescimento no próximo ano. E qual é implicação desta endogeneidade de estimativas do produto potencial para a formulação da política monetária? Simplesmente CRUCIAL! Caso o Banco Central não leve em consideração a sensibilidade de suas estimativas à evolução futura da economia, introduzse um profecia auto-realizável na política monetária. Para entender esse ponto, imaginemos o caso de um banco central que pratica altas taxas de juros sob a justificativa de que suas estimativas de produto potencial indicam que a economia está superaquecida. Ao proceder dessa forma, a autoridade monetária acaba por desacelerar o crescimento efetivo da economia, o que por sua vez resultará em uma revisão para baixo das estimativas do produto potencial, confirmando as expectativas iniciais do banco central! No final das contas o banco central parecerá estar certo não porque suas previsões estavam corretas, mas por que suas ações fizeram a economia se adequar a suas previsões. Produto Potencial e Crescimento 19 O Filtro HP Com Função de Produção Além de utilizar um método baseado em uma função de produção agregada e outro método baseado no filtro HP para estimar o produto potencial, o Banco Central do Brasil também utiliza um método misto que combina estas duas abordagens.12 Para ver como isto pode ser feito, cabe relembrar que a forma mais usual de estimar as taxas naturais de desemprego e de utilização da capacidade produtiva consiste simplesmente no cálculo da tendência de longo prazo destas variáveis. O filtro HP pode, portanto, ser utilizado para estimar não só o PIB potencial, mas também as taxas naturais de desemprego e de utilização da capacidade produtiva. Em princípio nada impede que o filtro HP seja aplicado a mais de uma série ao mesmo tempo. O método adotado pelo Banco Central consiste justamente em “filtrar” o produto, a taxa de desemprego e a taxa de utilização da capacidade simultaneamente. Além disso, para garantir que o resultado da aplicação de tal filtro seja compatível com uma função de produção, impõe-se, ainda, a condição de que as séries filtradas satisfaçam uma determinada relação matemática em cada período sob análise.13 Com intuito de ilustrar o método acima, a figura 11 apresenta os resultados da aplicação de um filtro HP multivariado com pesos idênticos para as três séries envolvidas.14 Não obstante a maior sofisticação matemática deste método, o sentido intuitivo dos resultados é o mesmo que foi analisado anteriormente: as tendências de longo prazo são uma média móvel ponderada dos valores efetivos das séries sob análise. Apenas os pesos das médias móveis foram calculados de uma forma mais sofisticada. Em comparação com o PIB potencial estimado pelo filtro HP univariado, a principal diferença do método multivariado é que as variações da tendência de longo prazo do PIB obtidas pelo método multivariado são menos suaves do que quando apenas o PIB é filtrado. Apesar disso, os resultados qualitativos são basicamente os mesmos, isto é, o nível de atividade da economia varia na mesma direção de acordo com as duas metodologias. Por fim, cabe ressaltar que a maior sofisticação matemática da combinação do filtro HP com uma função de produção não elimina o problema mencionado anteriormente da endogeneidade da estimativa de produto potencial ao final da amostra. A figura 12 ilustra este ponto apresentando a diferença entre as estimativas do nível de atividade da economia ao final de 2003 com base nos dados disponíveis naquela época e atualmente. 12 Ver Banco Central do Brasil, Relatório de Inflação de setembro de 2005, pp.106-107, disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2005/09/ri200509b6p.pdf. 13 Por incluir mais de uma variável, é preciso atribuir um peso para cada série na aplicação de tal filtro, ou seja, além do parâmetro de suavização mencionado anteriormente, também é preciso definir quais serão os pesos do produto, da taxa de desemprego e da taxa de utilização no resultado final. 14 O parâmetro de suavização foi mantido em 1600 e os resultado foram obtidos de modo a satisfazer uma função de produção de Cobb-Douglas com retornos constantes de escala, onde a elasticidade de cada fator de produção corresponde a sua participação na distribuição funcional do valor adicionado a custo de fatores no Brasil. Produto Potencial e Crescimento 20 Utilização Tendênca HP Emprego 150 104 140 103 130 102 120 101 110 100 100 99 2005Q1 2004Q1 2003Q1 2002Q1 2001Q1 2000Q1 1999Q1 1998Q1 1997Q1 1996Q1 1995Q1 1994Q1 1992Q1 2005Q1 0,86 2004Q1 0,70 2003Q1 0,87 2002Q1 0,88 0,72 2001Q1 0,89 0,74 2000Q1 0,76 1999Q1 0,90 1998Q1 0,78 1997Q1 0,91 1996Q1 0,80 1995Q1 0,92 1994Q1 0,82 1993Q1 0,93 1992Q1 0,84 1993Q1 Figura 11: Estimativas do Nível de Atividade na Economia Brasileira e das Tendências de Longo Prazo do Nível de Utilização da Capacidade Instalada na Indústria, da Taxa de Emprego, e do PIB, Calculadas com Base no Filtro HP Multivariado, com Função de Produção, ao Final de 2005 (índice=100*Produto Efetivo/Produto Potencial) Tendênca HP 98 2005Q1 2004Q1 2003Q1 2002Q1 2001Q1 2000Q1 1999Q1 1998Q1 1997Q1 1996Q1 1995Q1 1994Q1 1993Q1 2005Q1 2004Q1 2003Q1 2002Q1 2000Q1 2001Q1 Tendênca HP 97 1992Q1 PIB 1999Q1 1998Q1 1997Q1 1996Q1 1995Q1 1994Q1 1993Q1 1992Q1 90 Assim como na figura 11, a estimativa obtida ao final de 2003 se revela conservadora face ao desempenho favorável da economia em 2004. Em números, ao final de 2003 a estimativa indicava que a economia estava 0,3% abaixo de seu potencial. Já com base nos dados atuais, a estimativa revisada indica que a economia estava 1,4% abaixo de seu potencial ao final de 2003. Em outras palavras, com base nos dados mais atualizados, verifica-se que, ao final de 2003, a economia estava muito mais desaquecida do que ela parecia estar. Caso o Banco Central siga esta metodologia cegamente, o risco da política monetária impor uma profecia auto-realizável à economia não é desprezível. Produto Potencial e Crescimento 21 Figura 12: Estimativas do Nível de Atividade Econômica no Brasil Calculadas com Base no Filtro HP Multivariado, com Função de Produção, ao Final de 2003 e ao Final de 2005 (Índice=100*Produto Efetivo/Produto Potencial) 104 103 102 101 100 99 98 Estimativa em 2003 2005Q1 2004Q1 2003Q1 2002Q1 2001Q1 2000Q1 1999Q1 1998Q1 1997Q1 1996Q1 1995Q1 1994Q1 1993Q1 1992Q1 97 Estimativa em 2005 Conclusão Estimativas de produto potencial ou de hiato do produto devem ser utilizadas com cuidado e pragmatismo na condução da política monetária. Não obstante a maior ou menor sofisticação matemática de cada método de estimação do produto potencial, no final das contas todas as metodologias tendem a extrapolar o passado recente para o futuro. No caso específico do Brasil isto significa projeções muito conservadoras e possivelmente autorealizáveis sobre a capacidade de crescimento da economia. Se o passado foi de lento crescimento, projeta-se um crescimento lento para o produto potencial e, na medida em que a política monetária se guie por tal estimativa, ela pode acabar produzindo o baixo crescimento projetado inicialmente. Em outras palavras, o Banco Central pode acabar “produzindo” o hiato do produto que justifica sua política monetária. Saindo do mundo das funções de produção agregadas e dos filtros estatísticos, existem condições concretas e objetivas para o Brasil sustentar um rápido crescimento econômico nos próximos anos. Em primeiro lugar, a taxa de desemprego ainda é elevada no país e, conseqüentemente, isto permite um rápido crescimento do emprego sem gerar pressões inflacionárias excessivas via aumento do salário real médio da economia. Segundo, como grande parte da força de trabalho brasileira está empregada em setores de baixa produtividade do trabalho, a aceleração do crescimento levará a um aumento da taxa de crescimento da produtividade pela simples transferência de trabalhadores dos setores “atrasados” para os setores “modernos”. Este efeito composição é obviamente limitado, uma vez que em algum momento a transferência de trabalhadores se esgota. No entanto, como atestam os exemplos da China e Índia atualmente, e do próprio Brasil de 1950 a 1980, este Produto Potencial e Crescimento 22 efeito composição “transitório” pode ser longo o suficiente para permitir, pelo menos, uma década de rápido crescimento econômico. Terceiro, pelo lado do capital, a taxa de investimento do Brasil normalmente responde a uma aceleração do crescimento. Logo, dada uma expansão rápida do PIB por mais de dois anos consecutivos, é plausível esperar um grande aumento da taxa de investimento, o que por sua vez aumentará o estoque de capital e a capacidade produtiva da economia. Além disso, como o aumento do investimento em novas máquinas, equipamentos e estruturas também vem associado a novas tecnologias, a própria aceleração do crescimento e do investimento traz consigo um aumento estrutural da produtividade e da eficiência da economia. Por fim, devido ao atual potencial de crescimento de sua produtividade e de seus mercados externo e interno, o Brasil tem plenas condições de entrar em um círculo virtuoso de crescimento não inflacionário nos próximos anos, no qual o aumento de produtividade permite um aumento dos salários reais sem comprometer a estabilidade da inflação. Como o maior crescimento da economia também expande a massa salarial e o mercado interno, gerase um novo aumento do investimento e da produtividade, ou seja, o círculo virtuoso de crescimento é potencializado. No lado externo, o aumento da produtividade e da escala de produção gerado pelo crescimento também aumenta a competitividade das empresas brasileiras, incentivando o aumento das exportações. As atuais condições internas e externas favorecem o rápido crescimento da economia brasileira por um longo período. Para que esta oportunidade seja aproveitada é preciso, antes de tudo, não temer o crescimento econômico. Durante o início de uma expansão econômica é natural que se verifiquem algumas pressões localizadas de inflação devido ao aumento da utilização da capacidade produtiva da economia. No entanto, são justamente estes sinais de aquecimento econômico que levam ao aumento do investimento e, conseqüentemente, à sustentação do crescimento no médio prazo. Para entrar em um círculo virtuoso de crescimento é necessário, portanto, permitir que a economia cresça por algum tempo. Isto não significa relaxar o controle da inflação, mas trabalhar com um horizonte temporal mais amplo do que o ano calendário. Além disso, as autoridades monetárias devem olhar para inflação não somente como um fenômeno derivado do comportamento da demanda. Interromper prematuramente uma expansão por medo da inflação pode acabar prejudicando a própria política de controle inflacionário, pois se a política monetária não permite um aumento do investimento e da produtividade, o produto potencial não cresce e qualquer pequena expansão da economia sempre parecerá representar uma ameaça inflacionária. Produto Potencial e Crescimento 23