PALESTRA O papel da sociedade no controle da dengue. 213 O PAPEL DA SOCIEDADE NO CONTROLE DA DENGUE Carlos Fernando S. Andrade Depto de Zoologia, Instituto de Biologia/UNICAMP Campinas – SP E-mail: [email protected] RESUMO Discutem-se as dificuldades encontradas atualmente em se promover a mobilização das comunidades, que leve a uma efetiva redução dos criadouros de mosquito para o controle da dengue. Algumas características de programas de erradicação de Aedes aegypti são comparadas em relação à época em que foram lançados. Discute-se finalmente a falta de avaliações sobre projetos baseados na educação, o papel da legislação de apoio, o envolvimento de empresas privadas e os recentes esforços ministeriais, através do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) em promover uma participação social efetiva. PALAVRAS-CHAVE: Participação comunitária, mosquito, Aedes aegypti, erradicação. ABSTRACT THE ROLE OF SOCIETY IN CONTROL DENGUE. Here are discussed the difficulties nowadays in promoting community mobilization, that effectively leads to a reduction in the number of mosquito breeding sites for dengue control. Some features for Aedes aegypti erradication programs are compared in relation to the time they where launched. Finally there is a discussion of the lack of evaluation for education based projects, the role of law enforcement, the involvement of private enterprises, and the recent ministerial efforts, through the National Program for Dengue Control (PNCD), in promoting effective social participation. KEY WORDS: Community participation, Aedes aegypti, erradication. Esse mês faz quatro anos que fui convidado, e dois anos que escrevi em co-autoria com uma orientada de mestrado um capítulo para um livro a ter como título "Bioecologia, Fisiologia e Controle de Aedes aegypti e Aedes albopictus". O capítulo que nos foi encomendado foi o capítulo 8: "O controle da dengue pela educação e envolvimento social", na parte 3: Monitoramento e controle de Aedes aegypti e Aedes albopictus. E era sobre a tese da co-autora, Rejane (BRASOLATTI, 1999). Não achamos que estaríamos escrevendo sobre algo muito novo, pois as bases que nos fizeram desviar um pouco da entomologia e investir na Educação e Participação Social foram lançadas muitos anos antes. Nos baseamos para a tese nos trabalhos de uma oficina realizada em Baltmore, Maryland (EUA) em 1988, dez anos antes. O encontro, sediado na 'The John Hopkins University of Hygiene and Public Health' chamou-se 'Dengue Control – The Challenge to the Social Sciences'. O livro ainda não foi publicado, e o desafio às ciências sociais lançado naquele encontro americano continua vigente e cada vez mais atual. Um pouco de história ajuda a entender o papel atual da sociedade, ou mais especificamente a pouca mobilização das comunidades afetadas. Quando o controle do vetor da dengue (que na verdade estava transmitindo a febre amarela) era plenamente assumido pelas autoridades sanitárias, os exemplos de sucesso foram muitos. Eram modelos de cima para baixo, militarizados, e de extrema prioridade devido à elevada mortalidade que a febre causava. E também devido a prejuízos econômicos. É bom lembrar que no início do século passado navios cargueiros evitavam os portos brasileiros ou perdiam parte da tripulação. Eram outros tempos e certamente outras motivações, tanto entre os civis como entre os militares. Na passagem do século IX para o XX o médico cubano Carlos Finlay descobriu o mosquito vetor. O Coronel americano Walter Reed foi a Cuba, repetiu os experimentos de Finlay e nove meses depois o vetor estava erradicado da ilha. No Brasil o exemplo foi igualmente fantástico. Depois de definido o objetivo, foi necessário apenas Biológico, São Paulo, v.64, n.2, p.213-215, jul./dez., 2002 214 C.F.S Andrade oito anos para o Dr. Fred Soper conseguir em 1950 a erradicação do mosquito. Na década seguinte, 21 países das Américas conseguiram erradicar o vetor. Hoje ele está de volta e bem estabelecido em todos os pontos de onde foi erradicado. Ainda assim aqueles exemplos excepcionais continuam atrativos. Foi assim que nasceu em 1996, no Ministério do Dr. Adib Jatene, o Plano Nacional de Erradicação do Aedes aegypti (PNEAa). Por ocasião do seu lançamento em São Paulo, o assessor da OPAS apresentou um levantamento entre países da América Latina, que permitia boas reflexões a respeito daquela confiança ministerial em erradicar o mosquito do nosso País. Entre 25 países consultados, 21 possuíam programas contra o mosquito, sendo que 18 desses chamavam seus programas de ‘Controle’ e dois países o chamavam de ‘Erradicação’. Entre 26 países, apenas 15 indicaram que um Programa de Erradicação seria compatível com suas políticas de Saúde Pública. Apenas 11 países consideraram a erradicação em seu território oportuna, viável e factível. E apenas um país indicou possuir recursos suficientes para a erradicação (NELSON , M., comunicação verbal). O Secretário Executivo do Plano de Erradicação, Jaime Calado, salientou na ocasião que existiam pessoas descrentes da erradicação (entre eles, eu), e desafiou: “- Pois quero que me provem, que não é possível erradicar”. Realmente uma tarefa difícil, mas nem por isso ele tinha um bom argumento para tentar. Algumas diretrizes políticas e administrativas no Brasil de hoje estão ainda embrionadas, com a recente eleição do novo governo petista que assume a partir de janeiro do ano que vem. Espera-se que a experiência dessa última década seja minuciosamente considerada. Qual a melhor estratégia? Sabemos que o mosquito está em nossas casas. Quando a dengue voltou a ser registrada no Brasil, depois de mais de 50 anos sem notificação, foi uma epidemia em Boa Vista, Roraima (1981-1982) que durou mais de um ano acometendo 12.000 pessoas (MARZOCHI, 1994). O índice predial chegou a ser de até 80% (DUARTE, 1998). Por muito menos (com índices prediais de 3%), em 1978 uma epidemia em Cingapura provocou 384 casos de dengue hemorrágica e síndrome de choque da dengue. Como direcionar as comunidades para uma tolerância zero? A EDUCAÇÃO - tem sido a ferramenta mais clássica de trabalho com as comunidades para se conseguir motivação. Projetos de todo tipo são desenvolvidos, mas quase nenhum deles tem sido avaliado do ponto de vista entomológico, quanto à redução de criadouros ou o efeito na dinâmica populacional do mosquito. Mas a julgar por alguns exemplos (BRASSOLATTI & ANDRADE, 2002) e pela reincidência do número de casos, essa ferramenta tem funcionado pouco. Um dos maiores problemas para isso é a prioridade que hoje em dia a sociedade dá para o fato de 'não contrair dengue'. Um jornal de Campinas, SP, noticiou em uma segunda-feira do começo do ano passado, a primeira morte por dengue hemorrágica no Estado de São Paulo. A mesma edição tratava, na coluna policial, de descrever 19 mortes na cidade no fim de semana, pela violência. A TV Globo menciona 47 assassinatos por dia no Estado. E o canal a cabo Discovery fala em 1:1milhão as chances de se ficar infectado pela picada de um mosquito, e que o risco de morrer ao cair da cama é três vezes maior (sic). AS LEIS E DECRETOS MUNICIPAIS – têm colaborado bastante no sentido de deixar claro, que para a administração pública a questão da dengue tem prioridade. Municípios de veraneio aprovam decretos que dão autonomia para agentes de endemias pularem os muros dos imóveis fechados. Vasos em cemitérios são proibidos. Advertências e multas. Prisão? Por enquanto parece que só em Cingapura. O CONTROLE TERCEIRIZADO – parece que foi proposto a primeira vez por OLIVEIRA & ARAGÃO (1994). Os autores se justificam dizendo que dessa vez o governo foi derrotado, o que não teria acontecido entre 1903-1905 ou ainda entre 1928-1029. De novo o apego a um Brasil que não existe mais. O fato é que passados oito anos, hoje em vários municípios (e.g. Campinas e Curitiba) os órgãos públicos dão treinamento gratuito, pagam e ainda inspecionam o serviço de desinsetizadoras. E algumas delas ainda não aprenderam que SUCEN é com 'N' no final. Voltamos à questão do papel da sociedade. Cabe a ela sim um grande trabalho. Alavancado evidentemente pelos recursos federais de mais de um bilhão de reais do atual PNCD [Programa Nacional de Controle (mais sensato) da Dengue], que permitirão a contratação e treinamento de técnicos, médicos, agentes de endemias e multiplicadores. Estes últimos, para especificamente atuarem nas instituições da sociedade civil como igrejas, associações comunitárias, ONGs etc (http://www.funasa. gov.br/not/not30/htm). Vale a pena investir. Qualquer que seja o resultado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, C.F.S. Uma educação especial para o controle biológico dos vetores da dengue. In: SICONBIOL Simpósio de Controle Biológico, 6., 1998. Rio de Janeiro, RJ. Anais. Rio de Janeiro: 1998. p.156. BRASSOLATTI, R.C. & ANDRADE, C.F.S. Controle da Dengue Um desafio à educação da sociedade. Revista Ciência & Ensino. GEPCE - Grupo de Estudo e Pesquisa em Biológico, São Paulo, v.64, n.2, p.213-215, jul./dez., 2002 O papel da sociedade no controle da dengue. Ciência e Ensino, Faculdade de Educação - UNICAMP, Campinas, SP. 1999. DUARTE, J.R. Dengue uma tragédia anunciada. Ver. Vetores & Pragas. Rio de Janeiro, v.1, p.9-13, 1998. MARZOCHI, K.B.F. Dengue in Brazil - Situation, Transmission and Control - A Proposal for Ecological Control. Mem. 215 Inst. Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v.89, n.2, p. 235245, 1994. OLIVEIRA, S.J. & ARAGÃO, M.B. Algumas sugestões para o controle dos mosquitos do gênero Aedes no Brasil. Cartas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.11, n.4, p.629, 1994. Biológico, São Paulo, v.64, n.2, p.213-215, jul./dez., 2002