PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP DANIEL REI CORONATO DISTENSÃO E UNIVERSALISMO: A POLÍTICA EXTERNA DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO IMPÉRIO BRASILEIRO (1870-1889) MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2013 DANIEL REI CORONATO MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Dissertação Examinadora apresentada da Pontifícia à Banca Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais (área de concentração: Ciência Política), sob a orientação do Prof. Dr. Edison Nunes. SÃO PAULO 2013 BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ AGRADECIMENTOS A realização dessa dissertação só foi possível graças à colaboração e paciência de vários amigos, familiares e instituições, às quais tentarei agradecer sem deixar ninguém de lado. Inicialmente, quero agradecer ao Prof. Henrique Altemani pelos conselhos no período que foi meu orientador, colaborando de forma crucial na definição da temática e no recorte histórico. Agradeço também ao meu orientador Prof. Edison Nunes, que aceitou o desafio em um momento decisivo e me possibilitou enxergar problemas e possibilidades onde não as tinha visto. Sua franqueza e pragmatismo possibilitaram desviar de muitos obstáculos durante a pesquisa. Por fim, quero agradecer ao Prof. Clodoaldo Bueno pelas inúmeras sugestões feitas durante a Qualificação e pela gentileza ao expor o que havia para se melhorar. Dos amigos e familiares, não poderia deixar de mencionar meus pais Alberto e Sandra, pelo apoio irrestrito aos meus sonhos; aos meus irmãos Raquel e Marcel, esse último colaborando, revisando, sugerindo mudanças e melhorias; e a Amanda, pela paciência e ajuda em diversos aspectos do trabalho; por fim, todos os amigos e companheiros de programa. Não poderia deixar de agradecer ao Museu Paulista da USP pela inestimável ajuda com as fontes e materiais de pesquisa, como também a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela colaboração no custeio da pesquisa. “O passado é o prólogo” “What’s past is prologue” (William Shakespeare – A Tempestade, Ato II, Cena 1) RESUMO O presente trabalho tem como eixo central o estudo das relações exteriores do Império Brasileiro durante o período de 1870-1889, fundamentandose na intenção de compreender o sentido geral da política externa nas últimas décadas do período monárquico. O objetivo será discutir e colocar à prova a análise da política externa do período e avaliar se a Distensão e o Universalismo teriam sido, de fato, os eixos essenciais de atuação externa nas décadas que antecederam a derrocada do regime monárquico. O estudo desse período conclusivo e dramático da trajetória nacional pretende contribuir com as pesquisas históricas das relações internacionais do Brasil e possibilitar uma maior compreensão à Política Externa Brasileira do período Imperial, preenchendo a grande lacuna existente nas análises da atuação externa dos últimos anos do Império Brasileiro. A explicação para essa realidade é que se conveniou olhar para o processo de erosão do regime monárquico brasileiro como sendo regido por uma supremacia dos assuntos internos sobre as problemáticas internacionais. Todas as crises institucionais e políticas dos anos finais do reinado de D. Pedro II parecem comprovar essa tese, especialmente pelo desenrolar dos eventos que culminariam em 15 de Novembro de 1889, com a Proclamação da República. Apesar dessa preponderância da esfera doméstica, o período é rico em aspectos elementares do processo de constituição histórica da política externa do Brasil. Nele são apresentados processos que agem como grandes catalisadores de movimentos internos, sistêmicos e especialmente nas relações múltiplas de poder, que derivaram em certas peculiaridades na execução e entendimento do interesse nacional. Palavras-Chave: Brasil, História da Política Externa Brasileira, Império Brasileiro ABSTRACT The present work has as its central axis to study of foreign relations of the Brazilian Empire during the period 1870-1889, with the primary intention to grasp the general meaning of foreign policy in the last decades of the monarchic period. The objective will be to discuss and try to put to the test analysis of foreign policy of the period and assess whether the Distension and Universalism would have been, in fact, the main thrusts of activity outside in the decades leading up to the overthrow of the monarchy. The study of this period of dramatic and conclusive trajectory national intends to contribute with historical studies of international relations in Brazil, enabling a better understanding of Brazilian Foreign Policy of the Imperial period and fill in the large gap in studies of external action concerning the last years of the Empire Dollars. The explanation for this is that reality became common to look at the erosion process of the Brazilian monarchy as being ruled by supremacy of the home affairs on international issues. All institutional and political crisis of the last years of the reign of D. Pedro II seemed to support that theory, especially the unfolding of events that culminated on November 15, 1889, with the proclamation of the Republic. Despite this preponderance of the domestic sphere, the period is rich in elementary aspects of the historical constitution of the foreign policy of Brazil. Therein are presented processes that act as major catalysts of internal movements, especially in systemic and multiple relations of power, which stemmed in certain peculiarities in the implementation and understanding of the national interest. Keywords: Brazil, History of Brazilian Foreign Policy, Brazilian Empire Sumário 1. INTRODUÇÃO......................... .......................................................................................... 8 1.1 A Política Externa Imperial e a Visão Paradigmática ...................................................... 10 1.2 O Paradigma Liberal-Conservador e o Sentido da Política Exterior: Distensão e Universalismo................... ................................................................................................... 12 1.3 Metodologia da Pesquisa ............................................................................................... 20 2. A DISTENSÃO EXTERNA .............................................................................................. 26 2.1 As Repúblicas do Subsistema do Prata ......................................................................... 40 2.1.1 O Fim da Guerra do Paraguai ..................................................................................... 41 2.1.2 A Paz em Separado e o Acirramento das Negociações .............................................. 44 2.1.3 O Encerramento das Negociações e a Distensão no Prata ......................................... 56 2.1.4. As Consequências da Guerra do Paraguai para a Política Externa............................ 60 2.2 A Diplomacia Imperial para o Pacífico............................................................................ 65 2.2.1 A Neutralidade na Guerra do Pacífico e as Repúblicas do Pacífico ............................ 66 2.3 A Distensão Histórica do Império e os Ideais de Integração no Continente Americano........................... ................................................................................................. 71 2.3.1 O Confederalismo Bolivariano e a Inflexão Imperial .................................................... 74 2.3.3 Os Congressos Durante o Final do Império ................................................................ 85 3. O UNIVERSALISMO EXTERNO ..................................................................................... 91 3.1 A Neutralidade na Guerra Franco-Prussiana e as Relações com a Alemanha............. 101 3.2 As Relações com a França .......................................................................................... 105 3.3 As Relações com a Santa Sé....................................................................................... 108 3.4 As Relações com a Grã-Bretanha ................................................................................ 112 3.5 O Problema da Mão-de-Obra ....................................................................................... 116 3.6 As Relações com os Estados Unidos........................................................................... 126 3.7 As Viagens de D. Pedro II e o Prestígio Imperial ......................................................... 131 3.8 A Primeira Conferência de Washington ....................................................................... 135 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 143 REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS ...................................................................................... 146 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 147 8 1. INTRODUÇÃO O período que vai de 1870-1889 é essencial na história do Império, por ser aquele que reúne o auge e o declínio do regime monárquico. O presente trabalho tem como eixo central o estudo das relações exteriores do Império Brasileiro durante esse período, fundamentando-se na intenção de compreender o sentido geral da política externa nas últimas décadas de Império Brasileiro. O objetivo será discutir e tentar colocar à prova a análise da política externa do período e avaliar se a Distensão e o Universalismo teriam sido de fato, os eixos essenciais de atuação externa nas décadas que antecederam a derrocada do regime monárquico, como sugere Amado Luiz Cervo na obra História da Política Exterior do Brasil (2008). O estudo desse momento conclusivo e dramático da trajetória nacional pretende contribuir com os estudos históricos das relações internacionais do Brasil e possibilitar uma maior compreensão à Política Externa Brasileira. Inicialmente, torna-se importante ressaltar a grande lacuna existente nos estudos de política externa referente aos últimos anos do Império Brasileiro. A explicação para essa realidade se dá no fato que se conveniou olhar para o processo de erosão do regime monárquico brasileiro como sendo regido por uma supremacia dos assuntos internos sobre as problemáticas internacionais. Todas as crises institucionais e políticas dos anos finais do reinado de D. Pedro II parecem comprovar essa tese, especialmente pelo desenrolar dos eventos que culminariam em 15 de Novembro de 1889, com a Proclamação da República. A preponderância da esfera doméstica não diminuiu as cores da atividade externa, apresentando na sua execução vários processos que agiram como grandes catalisadores de movimentos internos, sistêmicos e especialmente nas relações múltiplas de poder. As pesquisas em Relações Internacionais, e, portanto, também o estudo aqui pretendido em Política Externa, enfrenta dois perigos primários: o de considerações sobre os fatos desprovidos de reflexões teóricas ou de teorizações 9 sem o apoio da análise histórica. (HALLIDAY, 2007, p.13) A atuação externa de um país é incompreensível sem um esforço de situá-la em sua concretude histórica, usando de um aparato teórico capaz de lidar com suas peculiaridades. A política externa, entendida aqui como sendo o exercício de “traduzir as necessidades internas em possibilidades externas para ampliar o poder de controle de uma sociedade sobre seu destino”, não se situa no domínio das fatalidades. (LAFER, 2009, p. 16-17) Apesar de ser impossível desconsiderar a atuação do imponderável, sua atuação não se esgota na clássica dicotomia entre causas e efeitos, como se o curso da história humana ocorresse à revelia da ação dos indivíduos e dos agrupamentos humanos. A política externa “desafia a argúcia do estudioso que vai à busca da inteligibilidade da ação humana no tempo”, pois seu principal objetivo é dar um sentido aos processos históricos dispersos no tempo. (CERVO & BUENO, 2008, p. 11) A política de um Estado ou a compreensão de um fenômeno político qualquer passa pelo conhecimento do processo histórico, pois, se não é possível conhecimento absoluto sobre a verdade que cerca o observador, nada também pode ser apenas casual e fruto de fatores contingenciais. (BANDEIRA, 2003, p.36) Dessa forma, a natureza de uma determinada política externa torna-se averiguável apenas por meio do exame dos atos políticos realizados, contudo, não basta apenas o exame dos fatos. Para dar compreensão a uma política externa, devemos enfocar a realidade política com uma espécie de esboço racional, ou seja, um mapa que nos sugira as suas possíveis direções. (MORGENTHAU, 2003, p.6) Nessa pretensão reside a essência do estudo proposto, ou seja, realizar um esforço para compreender o sentido e dar maior inteligibilidade à Política Externa Brasileira. Além disso, a temática de pesquisa e o processo de escolha do recorte temporal são as duas variáveis que em conjunto nos darão a dimensão do objeto e sua relevância. Em ambos os casos, especialmente no que se refere ao período histórico a ser pesquisado, a escolha é arbitrária e sujeita a dúvidas quanto a sua 10 neutralidade. Logo, torna-se elementar exemplificar os fatores que pautaram essa escolha e definir a matriz teórica a ser trabalhada. 1.1 A Política Externa Imperial e a Visão Paradigmática Como foi apontado no início da Introdução, o período de 1870-1889 foi vital na trajetória do Brasil monárquico por reunir o momento áureo e a derrocada do Império. A grande questão que pode ser levantada é: Afinal, como se comportou a política externa do Brasil durante esses anos? Quais foram os seus eixos de atuação e seu sentido de atuação? Para ajudar a responder a essa pergunta, e outras que venham a surgir durante a discussão proposta, além de evitar uma análise puramente dos fatos históricos, procuraremos delimitar um marco conceitual para o debate. A diversidade teórica das relações internacionais nos ajuda nessa caminhada, sendo essa uma das maiores forças da área. (HALLIDAY, 2007, p.15-16) Com a necessidade de dar sentido para a discussão por meio de um marco conceitual pautado na teoria, usaremos o conceito de paradigma da forma como Amado Luiz Cervo propõe na sua obra Inserção Internacional: formação dos conceitos brasileiros (2008). O paradigma1 é normalmente definido como uma representação compreensiva do real. Nas ciências exatas e naturais ele é o elo que articula em uma teoria uma série de leis científicas. Quando uma lei é rejeitada pela experiência, o paradigma cai. Em ciências humanas, o paradigma tem a mesma importância de reunir as matérias que é objeto de investigação, mas não apresenta a mesma rigidez. Nesse caso, a sua função é dar inteligibilidade ao objetivo e iluminá-lo por meio de um aparato conceitual, dando 1 A discussão de paradigma é extensa. As perspectivas mais importantes são: a crença de que um paradigma único (normal) é desejável, por Thomas Khun na obra A Estrutura das Revoluções Científicas (1962); o outro argumento defende que a diversidade é desejável, realizado por Paul Feyerabend na obra Contra o Método (1977). 11 uma “compreensão orgânica ao complexo mundo da vida humana”. (CERVO, 2008, p.65-67) O paradigma em Relações Internacionais corresponde a um método que envolve determinados pressupostos. Em primeiro plano, por trás do paradigma, podemos verificar a existência de uma ideia de nação, que o povo e seus dirigentes, fazem de si mesmo e do resto do mundo. Esse elemento nos esclarece o conjunto de valores dessa sociedade, nos revelando os desígnios duradouros da política exterior. Em segundo plano temos a percepção de interesse, ou seja, a forma como o interesse nacional é entendido. Cada paradigma vai modificar a visão destes, especialmente para os formuladores das políticas externas. Por último, o paradigma envolve a elaboração dessa política, condicionando tendências de médio e longo prazo, envolvendo modos de se relacionar o interno ao externo e o cálculo estratégico que orienta as decisões. Da análise paradigmática se espera uma organização da matéria, sempre complexa e dispersa na realidade, conferindo o grau possível de inteligibilidade. Por outro lado, ela possibilita “colher as determinações internas e os condicionamentos externos, os fins da política, o peso da ideia de nação e da cosmovisão” (CERVO, 2008, p.66). Sua função é ser uma referência para a pesquisa, como um mapa de investigação, mostrando os pontos de chegada e saída. Importante ressaltar que o paradigma pressupõe uma longa duração, não servindo à análise de conjunturas passageiras, na medida em que as fatalidades de curto espaço de tempo devem se encontrar dentro do escopo do próprio paradigma. Segundo a proposta de Amado Luiz Cervo (2008, p.67), as relações internacionais do Brasil deram origem a quatro paradigmas: o liberal-conservador, que se estende do século XIX a 1930; o desenvolvimentista, entre 1930 e 1989; o normal ou neoliberal; e o logístico, sendo que os três últimos coexistem de 1990 para frente. Cada um deles possui um modo de funcionamento e cosmovisão próprios que se encaixam em seus fundamentos. O objeto de interesse dessa pesquisa se centrará no primeiro deles, o liberal-conversador, que engloba o 12 período histórico desse estudo. A metodologia usada a partir dele será a base conceitual para a investigação e elaboração das conclusões desse trabalho. 1.2 O Paradigma Liberal-Conservador e o Sentido da Política Exterior: Distensão e Universalismo Os estudos do século XIX, tempo histórico deste trabalho, são essenciais para constatarmos que o desenvolvimento desse período de fato merece a insígnia da mudança e da revolução que lhe é usualmente designada, sendo ele adjetivado como o “veloz” século XIX, no qual “numa década, se completavam transformações que dantes se mediam por cem anos”. (ALMEIDA, 2001, p.13) A Revolução Industrial criou euforia e novos espaços para a convivência das ideias e percepções da realidade, sendo um período de ampla ascensão de diversas formas de conhecimento. O crescente avanço do capitalismo, durante a marcha do século como sistema econômico e acompanhado das notórias tentativas de sistematização das diversas áreas do saber, fez do século XIX um período marcado pela mutação permanente. Essa aliança entre o saber e as possibilidades econômicas resultou em um sentimento geral de euforia. Diversas áreas como a Economia, a Física, a Metalurgia, entre outras, tiveram progressos até então incomensuráveis, transparecendo para seus contemporâneos um processo com possibilidades infinitas. Na arte, o individualismo e ritmo intenso das cidades, cada vez maiores e mais cosmopolitas, impulsionaram a criação de diversos movimentos, de perspectivas completamente díspares. De um lado, o Romantismo criticava as alterações dessa emergente sociedade industrial e buscava refúgio na tradição, na vida próxima à natureza e a exaltação dos sentimentos amorosos. Do outro, temos correntes como o Realismo e o Naturalismo, que valorizavam a reflexão crítica da sociedade que estavam inseridos. Nos dois casos, as reações foram diferentes aos mesmos desafios, ou seja, o fim das comunidades e a inserção de 13 uma nova forma de viver que caminhava para uma autonomia política e que ao mesmo tempo destruía a noção de coletividade para consolidar o individualismo moderno. No campo das ideias, poucos e tão influentes períodos da história humana podem se comparar ao século XIX. A sua efervescência criativa contemplou e propiciou a criação de axiomas que ainda norteiam boa parte das escolas de pensamento. Na literatura, temos a publicação de clássicos como: Frankenstein, de Mary Shelley; Folhas de Relva, de Walt Whitman; Madame Bovary, de Gustave Flaubert; Guerra e Paz, de Tolstoi; Orgulho e Preconceito, de Jane Austen; entre muitos outros. Nesse período também transitaram múltiplas perspectivas científicas que influenciaram a forma como o mundo até então era visto. Grandes obras como: Democracia na América, de Alexis de Tocqueville; A Origem das Espécies, de Charles Darwin; O Capital, de Karl Marx, entre outras, mudaram o papel do homem, sua religiosidade, a sociedade que o rodeava, o significado de liberdade, sua visão da história e acima de tudo a inserção do indivíduo na realidade social que o circundava. Em suma, pouquíssimas esferas da vida humana passaram intocadas pela marcha inexorável do século XIX. O reflexo primordial se deu nos campos econômico e político. Desde as décadas finais do século XVIII e os primeiros anos do XIX, o sistema internacional2 vivenciou uma nova dinâmica, representada pelas revoluções que as caracterizaram, tornando toda a estrutura absolutamente instável. Com a dupla revolução, ou seja, a revolução burguesa e a industrial, novos axiomas passaram a frequentar as pautas dos Estados. A nova distribuição do poder e a lógica capitalista se tornaram preponderantes para os cálculos de atuação e tomada de decisão, resultando em um dos períodos mais originais, de 2 “Um sistema de estados (ou sistema internacional) se forma quando dois ou mais estados têm suficiente contato entre si, com suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam, pelo menos até certo ponto, como partes de um todo. Naturalmente, dois ou mais estados podem existir sem formar um sistema internacional, neste sentido.” (BULL, 2001, p.15) 14 movimentações constantes e determinantes para a formação e consolidação de um sistema mundial de Estados. O centro do sistema internacional global era a Europa, que apoiados por essas mudanças, conseguiram transformar seus valores, interesses e padrões de conduta, em um sistema universal de regras padronizadas, convertendo-se em poderoso instrumento de expansão das potências centrais. Na periferia do sistema, a América Latina foi compelida a adotar o modo europeu na conduta diplomática, no modo de fazer comércio, de organizar a produção e das suas organizações políticas. O principal instrumento desse ordenamento eram os tratados bilaterais, que resultavam em uma capacidade de produzir regras para o mundo, reservada às estruturas centrais do capitalismo, que influíam diretamente na organização interna dos estados periféricos. Amado Luiz Cervo vai criticar os cepalinos 3 da América Latina por não perceberem essa forma de gerar poder em escala global, 3 A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) é um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1948, e concebida para produzir estudos que apoiassem aos governos desta região a programarem políticas públicas que minimizassem o atraso econômico, a miséria e a desigualdade social, pela qual se destacaram intelectuais importantes, tais como Celso Furtado, Enzo Faletto, Fernando Henrique Cardoso, Raúl Prebisch, entre outros. A vertente desenvolvimentista desse pensamento conseguiu elaborar vários conceitos que ganharam importância no pensamento latino americano. Conceitos originais desse corrente são os de Prebisch como centro-periferia, indústria de base, mercado interno, renda salarial e especialmente dos termos desiguais de troca, à teoria do desenvolvimento de Celso Furtado, até novamente Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto que aprofundaram o estudo da relação entre dominação e dependência, por meio da análise estrutural. Todos esses conceitos são atrelados ao poder nas relações internacionais e à estratégia de conduzir-se por vantagens comparativas naturais (América Latina) ou intangíveis (países desenvolvidos) (CERVO, 2008, p.73) 15 uma vez que esses não trabalhavam com o “conceito de sociedade internacional4 indutora de ordenamento global”. Por meio desse instrumento, os europeus introduziram a chamada política das portas abertas, que na prática significava a abertura do mercado da periferia aos produtos manufaturados europeus e, por consequência, bloqueava suas atividades de expansão manufatureiras. Esse liberalismo tinha como característica basilar possuir apenas uma face para fora e não aceitar o caminho inverso. Essa inclinação só se alterou quando o centro pode operar suas vantagens intangíveis, como o conhecimento, a tecnologia e a organização empresarial para a manutenção do abismo entre as partes. Essa lógica da prevalência de um centro e uma periferia, com funções complementares no sistema de produção, resultou na divisão internacional do trabalho, derivando em vantagens comparativas para o núcleo hegemônico do capitalismo. (CERVO, 2008, p.68-69) Apesar da conjuntura pouco favorável, a execução da política externa brasileira feita pelos negociadores imperiais na época da Independência tentou fazer valer os direitos dos exportadores de produtos primários, contudo, demorou décadas até a diplomacia brasileira, com muita dificuldade, conseguir conquistar os principais mercados mundiais, especialmente o norte-americano, para os produtos do setor agroexportador. A ideologia do corpo dirigente brasileiro era do 4 “Existe uma "sociedade de estados" (ou "sociedade internacional") quando um grupo de estados, conscientes de certos valores e interesses comuns, formam uma sociedade, no sentido de se considerarem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns. Se hoje os estados formam uma sociedade internacional é porque, reconhecendo certos interesses comuns e talvez também certos valores comuns, eles se consideram vinculados a determinadas regras no seu inter-relacionamento, tais como a de respeitar a independência de cada um, honrar os acordos e limitar o uso recíproco da força. Ao mesmo tempo, cooperam para o funcionamento de instituições tais como a forma dos procedimentos do direito internacional, a maquinaria diplomática e a organização internacional, assim como os costumes e convenções da guerra.” (BULL, 2001, p.19) 16 liberalismo de matriz europeu, que influenciou na construção das instituições políticas e na organização da sociedade, salvo a exceção da escravidão. A política externa e a inserção internacional do Brasil durante a vigência do paradigma liberal-conversador teve dois alicerces capitais: a vertente liberal com um maior primado sobre os assuntos da esfera econômica; e o conservador na esfera da política e do jogo geopolítico. A submissão e a autonomia são as imagens que representam cada um deles respectivamente, mesmo que de uma forma limitada. Apesar da inclinação apresentada nas matérias mencionadas, não houve momentos de subserviência completa, comprovados, por exemplo, pela dura resistência à manutenção da escravidão, mesmo com as mais fortes pressões internacionais. Também não houve completa soberania, uma vez que vários objetivos externos tiveram de ser intermediados por potências centrais. A vertente liberal do paradigma se reforçará em política externa no corpo dirigente brasileiro durante todo o período Imperial, defendendo o livre jogo das forças econômicas e da manutenção da condição de periferia com a assinatura dos tratados desiguais e, depois dele, da política aduaneira. Os estadistas e o corpo dirigente brasileiro do século XIX mostram a face conservadora do paradigma. Em sua maioria, eram realistas que entendiam que a ordem resultaria do primado da autoridade sobre os ideais. Compreendiam ser necessário exercer certo controle sobre o subsistema5 platino de relações internacionais e a negociação firme das fronteiras nacionais. A face liberal e a conservadora, apesar dos termos parecerem ser excludentes, formavam o núcleo duro de atuação externa do país. (CERVO, 2008, p.70). 5 “Em termos abstratos, um subsistema adquire realidade própria na medida em que os Estados e os povos vivem espontaneamente a solidariedade do seu destino, mesmo na ausência de um equilíbrio local de forças militares, e estabelecem uma diferença entre o que acontece dentro e fora da sua região geográfica e histórica.” (ARON, 2002, 495) 17 A política externa representada pelo paradigma liberal-conservador, portanto, seguindo as considerações levantadas por José Luiz Werneck da Silva sobre o Brasil Imperial (2009, p.13), em consonância com o modelo de Amado Luiz Cervo, seria duas faces da mesma moeda: uma face dependente e relativamente submissa às estruturas centrais, especialmente a Inglaterra; e outra que se apresentava dominante e relativamente autônoma, especialmente perante as questões envolvendo o subsistema do Prata. Dessa combinação de perspectivas, temos a figura dos liberaisconservadores, que eram de fato o segmento detentor do poder na sociedade brasileira. Em sua maioria, eram compostos por grandes proprietários de terras e burocratas ligados aos primeiros, que tratavam os seus próprios interesses como sendo os nacionais: Aqueles dirigentes confundiam, logicamente, o interesse nacional com os próprios interesses, ou seja, os do grupo socioeconômico hegemônico: dispor de mão-de-obra, exportar os frutos da lavoura e importar bens diversificados. A diplomacia da agroexportação, conceito elaborado por Clodoaldo Bueno, não explica toda a política exterior do Brasil, mas retrata a essência da funcionalidade do Estado na área externa. Tendo sido apropriado pelas elites sociais, o Estado manobrava o processo decisório em política exterior voltado àquela leitura restrita do interesse nacional que faziam os dirigentes. (...) Os impactos sobre a formação nacional são bem conhecidos de nossos historiadores: ilusão de modernidade em ilhas urbanas de consumo ou fazendas interioranas e atraso econômico da nação (CERVO, 2008, p.70) Como toda teoria deve ser tomada de forma crítica, exatamente pela impossibilidade de abarcar toda a realidade a sua volta, a visão paradigmática proposta por Cervo tem algumas limitações. A análise por paradigmas apenas nos dá um quadro de referência, mas só tem validade com um complemento histórico que tão somente pode vir da análise dos fatos e dos atos políticos, deixando muitas lacunas possíveis no seu entendimento central. Além disso, em alguns momentos fica a sensação de que existe na concepção deste paradigma um axioma indireto que consistiria no pressuposto de 18 que a política externa do Brasil deveria ter como meta central o desenvolvimento nacional. Essa é uma percepção desenvolvimentista, que tem como base o interesse nacional repousando na meta de romper a dependência externa e vencer o atraso econômico e social. Apesar da enorme validade dessa perspectiva e sua importância para o entendimento das relações internacionais, a escolha desse elemento como sendo fundamental esconde ou diminui outros pontos importantes para a condução dos assuntos externos e do próprio interesse nacional, como se na impossibilidade de avanços substantivos em matéria de desenvolvimento, a política externa deveria ser simplesmente taxada de fracassada. Ainda assim, a visão paradigmática proposta por Cervo em política externa permite evitar confusões metodológicas e pautar uma discussão mais sólida dentro do tema proposto. Compreendemos por ela os contornos mais importantes da atuação externa e a cosmovisão dos detentores do poder, possibilitando a procura do sentido da política externa no período de 1870-1889. O paradigma nos dá uma visão de longo prazo, por isso se torna elementar a compreensão das forças que interagiram na conjuntura do período que vai do término da Guerra do Paraguai (1870), até a queda da monarquia (1889). A hipótese do trabalho, defendida na obra História da Política Exterior do Brasil (2008), porém, carente de um estudo sistematizado, é que ao final do Império duas grandes tendências interagiam uma sobre a outra. A primeira delas seria uma Distensão externa, especialmente vinculada pelos eventos no subsistema do Prata e a segunda seria um Universalismo externo, especialmente nas questões econômicas e de prestígio. As lógicas da Distensão e do Universalismo se revelam de forma categórica dentro do funcionamento do paradigma liberal-conversador. Aparentemente contraditórias, as duas tendências conteriam o sentido da política externa naqueles anos. A primeira delas, a Distensão Externa teria sido, segundo a hipótese defendida por Cervo, desejada e administrada pelo Estado por inúmeros fatores, dentre eles: Primeiro - A Guerra do Paraguai desviou recursos e provocou grave 19 crise interna, ocasionando grandes repercussões na estrutura das instituições imperiais; Segundo - Os velhos conflitos com a Inglaterra, da navegação do Amazonas e das fronteiras estavam apaziguados; Terceiro - A Distensão era condição necessária para evitar um novo conflito ao sul, dessa vez contra a Argentina. (CERVO, 2008, p.129-130) Dentro do paradigma, a Distensão funcionaria como um impulso da vertente conservadora, imprimindo uma tentativa de manter a soberania e a balança de forças da região platina. A distensão seria a face da moeda que tem a autonomia como emblema, mas que por força das circunstâncias, ou seja, por estar o Império voltado a si mesmo para solução dos problemas internos, teria sido a melhor saída para a manutenção da estabilidade regional e evitado uma guerra que não desejava e nem podia levar a cabo. Do outro lado, o Universalismo seria a representação da perspectiva liberal do paradigma. No período que compreende os anos de 1870-1889, teria se imprimido maior prestígio e extensão na ação externa, refletidas especialmente na presença cada vez mais marcante do Império nos congressos, feiras, foros de arbitramento internacional, viagens do Imperador e finalmente aceitando participar, juntamente aos Estados Unidos, com as propostas pan-americanistas. Se por um lado o retraimento era necessário, em uma fase que as crises internas sugavam as energias do país, também não era aconselhável estar fora da ampliação capitalista global. A Alemanha de Bismarck agenciava as relações internacionais europeias e se preparava com os Estados Unidos para desempenhar um papel mais ativo no cenário mundial, tornando o sistema, como um todo, mais complexo e demandando do Império decisões de circunstância. A diplomacia da agroexportação vai aproveitar desse impulso para aumentar seus mercados e se beneficiar de forma mais intensiva do impulso cosmopolita do comércio internacional desse período de avanço capitalista global. (CERVO & BUENO, 2008, p.129-130) As duas tendências, Distensão e Universalismo, se sobreporiam e se uniriam, segundo a hipótese levantada, norteando as decisões externas no 20 período de 1870-1889. Usando como base os axiomas do paradigma liberalconservador, analisaremos os eventos ocorridos na política externa daqueles anos para dar ou não validade ao modelo proposto. 1.3 Metodologia da Pesquisa Nos caminhos da pesquisa, muitos são os obstáculos e dificuldades a serem vencidos. Para auxiliar nessa empreitada, contamos com a inestimável ajuda de trabalhos produzidos no meio acadêmico e fontes do governo brasileiro, possibilitando o uso de instrumentos conceituais e teóricos. Dentre as fontes essenciais, podemos ressaltar as Falas do Trono6, as Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros do Conselho de Estado7, os arquivos ministeriais do período, com atenção especial ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e os Relatórios apresentados à Assembleia Geral8, além dos Tratados e acordos firmados no período. O grande desafio desse tipo de pesquisa é evitar que as escolhas dos objetos sejam arbitrárias, dando ênfase para algum fator em detrimento de outro. Para solucionar o problema da amplitude do estudo e o longo recorte histórico proposto, se mostrou importante mapear quais eram os principais temas da política externa. Para que o processo fosse o mais fidedigno possível, a agenda internacional do Império foi retirada das fontes oficiais de maior abrangência do período, ou seja, nas Falas do Trono e nos Relatórios do Ministério dos Negócios Estrangeiros. 6 Falas do Trono. Prefácio de Pedro Calmon. São Paulo Cia. Melhoramentos, 1977. 7 O Conselho de Estado e a política externa do Império: Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros / Centro de História e Documentação Diplomática. – Rio de Janeiro: CHDD; Brasília: FUNAG, 2009. 8 Relatório da Repartição de Negócios Estrangeiros (RRNE) 21 A primeira delas, as Falas do Trono9, revelou quais assuntos estavam na pauta das mais relevantes esferas do poder Imperial. A importância da consolidação dessas informações foi fundamental. As Falas do Trono revelaram um resumo seguro, com uma periodicidade quase anual e de relevância impar. Nela se versava sobre política interna, finanças, problemas internos diversos, etc., e claro, os mais primordiais temas internacionais. Como metodologia para separar os pontos elementares em política externa de outros mais tangenciais, ou seja, menos prioritários para entender os movimentos gerais da diplomacia Imperial no período, foram mapeados os assuntos de forma esquemática e visual nos quadros a seguir: 9 “A Fala do Trono era a oração com que o Imperador abria e encerrava a sessão legislativa, chamada pela Constituição de 24 de março de 1824, ‘sessão Imperial de abertura’ – a 3 de maio e ‘também Imperial’ a última do ano, ‘reunidas ambas as câmaras’ em assembleia geral (art. 18 e 19 da Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824) (...) Vale dizer que o conjunto dessa conversa, da suprema autoridade com os delegados da massa, oferece à História, que pretende documentar-se, um farto material de questões, de soluções, de ideias, de propósitos, de resistências, de afirmativas e negações, absolutamente precioso, tanto para o retrospecto político como para o panorama social. (CALMON, 1977, p.7-8) 22 Quadro 1 – A Política Externa nas Falas do Trono (1870-1877): Falas do Trono (1870-1877) Países Mencionados Assuntos de Política Externa 1870 Paraguai Guerra do Paraguai Tratado da Tríplice Aliança 1871 1872 Paraguai Europa (sem distinção de países) Estados Unidos e GrãBretanha **** Paraguai Argentina 1872-1873 1873 1874 Argentina e Paraguai Argentina, Portugal, Itália e Grã-Bretanha Portugal Convite de Arbitramento Viagem do Imperador Ajustes de Paz em Separado Dúvidas e Reclamações Sobre o Acordo ImpérioParaguai Acordo de Paz - Acordo Preliminar Realizado Tratados de Extradição Cabo Transatlântico Brasil-Europa Convenção Postal **** Cabo Transatlântico Brasil-Europa Áustria Exposição Industrial Argentina e Paraguai Acordo de Paz - Sem Solução Grã-Bretanha Convenção Consular Bélgica Tratado de Extradição Argentina Convenção Postal Definição das Fronteiras do Império com o Paraguai Alemanha, Itália, França e Bélgica Argentina Negociação do Acordo de Paz Santa Sé Questão Religiosa **** Viagem do Imperador Grã-Bretanha Convenção Postal Portugal Paraguai Convenção Consular Celebração dos Tratados de Paz, de Limites e de Comércio Retirada das Tropas Imperiais de Assunção **** União Geral dos Correios Chile Convenção Postal Acessão do Império à Convenção Telegráfica Internacional Argentina e Paraguai 1877 Viagem do Imperador Peru Paraguai 1875 Acordo Prévio de Paz **** Convenção Postal 23 Quadro 2 – A Política Externa nas Falas do Trono (1878-1889): Falas do Trono (1878-1889) 1878 1879 1880 1881-1882 1882 1883 1884 Países Mencionados Assuntos de Política Externa Espanha Convenção Consular Uruguai Tratado de Extradição **** Adesão à Convenção Postal Universal de Paris Repúblicas do Pacífico Neutralidade na Guerra do Pacífico Chile, Peru e Bolívia Holanda Prolongamento da Guerra do Pacífico Arbitramento entre a República Francesa e os EUA Tratado de Extradição Chile, Peru e Bolívia Prolongamento da Guerra do Pacífico Chile, Peru e Bolívia Alemanha Prolongamento da Guerra do Pacífico Celebração o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação Convenção Consular Chile, Peru e Bolívia Prolongamento da Guerra do Pacífico **** Incentivo à Imigração Grã-Bretanha, França e Chile Alemanha, Bélgica e Chile Convite de Arbitramento Paz Entre o Chile e o Peru; Bolívia e Chile Permanecem em Guerra Convenção Consular Comissão Mista para Tratar dos Territórios em Litígio Convite de Arbitramento Uruguai Neutralidade nas Questões Internas Uruguaias **** Epidemia e Fechamento de Portos Argentina Trabalhos da Comissão Mista para Tratar dos Territórios em Litígio **** Viagem do Imperador **** Viagem do Imperador Argentina Trabalhos da Comissão Mista para Tratar dos Territórios em Litígio França e Estados Unidos China Chile, Peru e Bolívia Bélgica Argentina 1886 1887 1888 Argentina, Uruguai 1889 **** **** Convenção Sanitária Participação no Congresso de Estados da América do Sul Estímulo à Imigração 24 A pluralidade de países, acordos e temas apontados pelas Falas do Trono se mostrou clara. De forma preliminar, ela demonstra uma atividade externa permanente e afinada com os grandes eventos de sua época. Por meio deste grande mapa, foi possível delimitar com mais atenção os assuntos obrigatórios, criando um grande trajeto de investigação e análise. Após essa etapa, coube averiguar nos Relatórios do Ministério dos Negócios Estrangeiros outros tópicos de relevância tratados em suas exposições e cruzar com as informações reveladas pelas Falas do Trono. Todos os Relatórios desde o princípio da Guerra do Paraguai (1865) até os primeiros anos da República (1902) foram analisados, dando subsidio documental e histórico para análise. Seu conteúdo reafirmou a importância dos objetos já mencionados, além de apresentar uma infinidade de questões externas à análise política. No período que vai de 1870-1876, o principal assunto são as consequências da Guerra do Paraguai, os acordos por ela gerados e a escalada de tensão entre o Império e a República Argentina. Durante todo o período, com mais ou menos atenção, os relatórios tratam das questões gerais de limites, as relações com os Estados Unidos, Inglaterra e outras potências; a posição do país frente à Guerra Franco-Prussiana e a subsequente relação com a Alemanha. As problemáticas regionais e o avanço das ideias interamericanas, como exemplo final, a Conferência de Washington tem uma importância fundamental, como será visto nos próximos capítulos. A questão da mão-de-obra será outro assunto que tomará atenção dos formuladores de política externa, e terá na missão à China um dos episódios narrados com mais elementos a se explorar. As viagens do Imperador e a influencia de D. Pedro II na política externa do período também são apresentadas, além algumas outras questões secundárias; todas citadas e tratadas com mais ou menos atenção. Finalizada essa fase, passamos a investigar as notas, despachos e tratados firmados no período. Atenção especial foi dada para aqueles com vínculo nos grandes temas do período, que poderiam auxiliar com mais exatidão na 25 investigação do sentido geral da política externa do período e já apontados com maior destaque nas Falas do Trono e nos Relatórios. Com o apoio dessas fontes, a exposição será dividida em dois grandes eixos, sendo o primeiro com intuito de apresentar e discutir a política externa norteada pelo princípio da Distensão externa, onde serão apresentadas as origens do processo de erosão do regime e suas consequências na atuação internacional; o segundo tratando do Universalismo da diplomacia Imperial, englobando as relações com o resto do mundo, em especial com os países centrais do sistema global. Com isso, poderão ser tratados de forma ampla e pormenorizada os aspectos mais elementares do processo, estruturando a discussão da política externa com base no aparato conceitual e paradigmático exposto nessa introdução. 26 2. A DISTENSÃO EXTERNA A palavra Distensão tem múltiplos entendimentos. De forma geral, o termo é usado como sendo o ato ou efeito de distender, uma diminuição ou ausência de tensão ocasionada por um relaxamento ou afrouxamento. Há o uso da palavra para descrever também processos de continuação, prolongamento e desenvolvimento. No sentido sociopolítico, ele é usualmente atribuído “à diminuição ou término das tensões entre países, entre a população, ou parte dela, e o governo, entre grupos dentro de uma sociedade”. (HOUAISS, 2012). A política exterior do final do Império, segundo a hipótese levantada por Amado Luiz Cervo (2008), teria se comportado na sua vertente conservadora conforme o paradigma vigente, de forma a procurar a Distensão para evitar o conflito com a Argentina e se voltar aos temas internos. Dentro da esfera de Distensão, deve-se considerar que o raio de atuação dessa política foi apenas regional, ou seja, nos assuntos sul-americanos. Esse seria o máximo de inserção autônoma que o Império era capaz de suportar, o que irá diferir vertiginosamente a relação com as potências centrais. Dentro desse contexto, o final da Guerra do Paraguai simbolizaria o paradoxo do período de diversas formas. O ano de 1870 representou o período áureo do Império e suas instituições. Sua força no âmbito regional era incontestável, ao mesmo tempo em que a progressiva deterioração do equilíbrio político institucional começava a minar a estabilidade do regime monárquico. O fenômeno político que levou a Proclamação de República em 1889 derivou dos dois grandes problemas que o Império foi incapaz de solucionar de forma satisfatória: a abolição da escravatura e o novo papel dos militares no momento seguinte ao final do conflito. (Calmon, 2002, p.237-238) Além disso, problemas com a Igreja e a pressão das oligarquias, alocadas ou não em partidos, (CHACON, 1981, p.53) colocariam em xeque as bases de sustentação da monarquia. A deterioração e substituição do regime são a raiz da Distensão 27 externa, e só podem ser compreendidas com um recuo histórico, mais especificamente na origem do sistema político Imperial. Esse início se dá com a gênese da participação brasileira para o sistema internacional, no ano de 1808, quando o mundo ibérico foi acometido de mudanças profundas, que influenciariam sua parte europeia e americana consequentemente. Neste ano, Napoleão Bonaparte impôs a Carlos IV e seu filho Fernando VII da Espanha que abdicassem do trono em favor de José Bonaparte e se exilassem na França. Em Portugal, quando Napoleão adentrou pelo país, o príncipe regente português João fugiu para o Rio de Janeiro, levando consigo não somente a corte, mas toda a estrutura burocrática do Governo Português. Além dos arquivos, a biblioteca real e o tesouro público, acompanhavam junto do príncipe aproximadamente 15.000 pessoas, que variavam entre funcionários do Governo, seus familiares, como também alguns dos abastados da sede do Império Português. Enquanto o Brasil recebia a própria estrutura real da metrópole, a América Espanhola não reconhecera a nova autoridade imposta por Napoleão, sendo que emergiram juntas administrativas, muitas das quais, governavam em nome de Fernando VII, recusando-se a receber ordens de juntas semelhantes formadas na Espanha. Obviamente a oposição não tardou a chegar, sendo que grandes conflitos se seguiram nesse período. Após a derrota de Napoleão, os líderes locais que gozaram da autonomia e adquiriam grande experiência de autogestão, não aceitaram a volta o status anterior, mesmo com a recondução de Fernando VII em 1814. Este não aceitava a autonomia dos líderes locais e empreendeu esforços militares para restabelecer a submissão das colônias. A resistência dos americanos levou a um derramamento de sangue, especialmente quando o parlamento espanhol, sob um Governo constitucional, em 1820, provou ser somente um pouco mais ameno do que o rei, em relação aos planos de autogoverno. A completa independência resultou na criação de inúmeras Repúblicas Americanas. Em contraste com o resto da região, João (que se tornou D. João VI) elevou o Brasil à condição de Reino, unido a Portugal, e 28 permaneceu no Rio de Janeiro, até que as cortes exigiram seu retorno à Lisboa, em 1820, e que aceitasse uma constituição liberal. D. João VI deixou seu filho Pedro como príncipe regente no Brasil, e em 1822, este tomou medidas para declarar o Brasil independente, coroando a si mesmo como D. Pedro I. O Brasil, deste modo, tornou-se formalmente independente como uma monarquia constitucional. (GRAHAM, 2001, p.17-56) Formava-se, junto com a independência das colônias inglesas que formaram os Estados Unidos, uma nova geografia de poderes dentro da estrutura internacional de Estados que era centrada na Europa. O Brasil Imperial, cercado por diversas Repúblicas, inovou com a originalidade da presença de um príncipe português disposto a tomar a liderança do movimento que culminaria com a independência, sendo decisivo para garantir que, apesar dos percalços inexoráveis em movimentos de separação política, houvesse uma transição com estabilidade institucional, social e a manutenção da unidade territorial. Apesar de carregar consigo a legitimidade dinástica, foi impossível para D. Pedro I passar ileso de um período de tensões e conflitos políticos constantes, especialmente pelas desconfianças sobre seu comprometimento com o constitucionalismo, e, acima de tudo, dúvidas sobre a sua real autonomia frente à antiga metrópole portuguesa, especialmente pelos laços familiares do Imperador. (BETHELL & CARVALHO, 2001, p. 699) A Assembleia Constituinte foi um dos palcos mais importantes no arranjo de forças políticas no início da vida do país. Convocada inicialmente pelo ainda Príncipe Regente, em 3 de junho de 1822, mas só instalada oficialmente em 3 de maio de 1823, foi um foro de violentos embates sobre a organização futura do Estado Brasileiro. Mesmo com os mais ferozes críticos afastados do arranjo de 1822, como Joaquim Gonçalves Ledo e Cipriano Barata, tanto os tidos liberais “moderados” quanto os “extremados” tentaram conter os poderes do Imperador, especialmente aqueles que permitiam vetar leis e dissolver o parlamento. Prevendo um desastre se a Assembleia, em curso, conseguisse de fato seus objetivos, em 12 de novembro de 1823, D. Pedro a dissolveu à força e imediatamente criou um Conselho de Estado que rapidamente redigiu uma 29 constituição. A decisão de dissolução inflou a oposição ao Imperador, jogando boa parte da imprensa contra aquilo que foi categorizado como uma atitude arbitrária e despótica. Seria um fim abrupto na relação cordial do monarca com a sociedade política imperial. No plano internacional, o imobilismo gerado pelos tratados do período da Independência e a desastrada guerra contra as Províncias Unidas do Prata, na qual, o Brasil perde a região Cisplatina, atual Uruguai, dá o abalo decisivo na estabilidade institucional do país. Apesar da recusa de D. Pedro I, em 1830, após a morte de seu pai D. João VI, de assumir a coroa portuguesa sua por direito, não deixava de ser um estrangeiro para seus súditos, reinando em uma terra que não era a sua. O clima de hostilidade e ódio crescente resultaram nos fatos que derivaram na abdicação do Imperador Pedro I do Brasil, ocorrida em 7 de abril de 1831, em favor de seu filho D. Pedro de Alcântara, futuro D. Pedro II, então com apenas cinco anos. O novo Imperador, D. Pedro II, de sangue Habsburgo e Bragança, era demasiadamente jovem para assumir uma função ativa, sendo que nos anos que se seguiram foi preparado para suas futuras funções de monarca. No campo político foi instituída uma Regência para administrar o país, marcada por uma grande descentralização administrativa e aumento das lutas internas. Por um período de dez anos reproduziu-se no Brasil, em escala reduzida, o fenômeno centrífugo que agitou as colônias espanholas após a prisão de Carlos IV e Fernando VII. Agitações populares, revoltas federalistas, três delas separatistas, e ampla movimentação desestabilizadora, colocaram o Brasil e sua unidade nacional em sério perigo. Da Cabanagem no Pará, passando pelos Farroupilhas no Sul do país e pela Sabinada na Bahia, até a Balaiada no Maranhão, entre outros diversos movimentos, as demandas das elites locais e de setores sociais negligenciados desde a Independência pela Corte do Rio de Janeiro se fizeram ouvir. (CARVALHO, 2012, p.90-97) Na órbita palaciana, liberais e conservadores digladiavam pela disputa do poder e na representação de alguns dos seus ideais. Em geral, a disputa das 30 duas correntes de pensamento variavam na organização política que o Império deveria ter, sendo que com pouca variação, dominariam a cena política do Brasil Império até seu momento derradeiro. Os conservadores defendiam um Estado forte e altamente centralizado, e um Governo formado pelas classes por eles chamadas de conservadoras, ou seja, na sua maioria proprietários de terra voltados para a exportação, por grandes comerciantes e pela burocracia, concentrados especialmente nas províncias do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Os liberais defendiam uma descentralização política e administrativa. Em geral eram mais abertos às medidas como abolição do tráfico de escravos, e congregavam, especialmente, os proprietários rurais que tinham sua produção voltada ao mercado interno, como Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, além da classe média urbana. (CHACON, 1981, p.35-36) Em 1840, os conservadores no poder haviam aprovado várias medidas de centralização política e redução da autonomia das províncias, causando grande descontentamento entre os redutos liberais. Com medo de que novas reformas aumentassem ainda mais o componente de centralização do Estado, recorreram a uma causa popular que pedia a antecipação da maioridade do Imperador, que só se daria em dezembro de 1843. A movimentação teve um apoio generalizado da corte e a população aderiu em peso. D. Pedro, com apenas quatorze anos, aconselhado por seus mestres e tutores, aceitou a antecipação e sua maioridade foi aprovada pela Assembleia Geral. Durante toda a década de 1840, o Brasil aprenderia a lidar com mais naturalidade com o Poder Moderador. Nos tempos de seu pai, D. Pedro I, a falta de ‘brasilidade’ do representante real instigava a oposição permanente a sua figura, algo que D. Pedro II não teria de se preocupar. Brasileiro, Habsburgo e Bragança, contava com ampla base de legitimação simultaneamente nacional e dinástica. A Constituição Politica do Império do ‘Brazil’, de 25 de março de 1824, que perduraria até a República, sendo até hoje a constituição que mais tempo durou na história do Brasil, foi o caminho para a introdução do ‘quarto’ poder, ou seja, a fonte constitucional do poder real. Inspirados pelo pensamento do francês Benjamin Constant, o texto e a lógica de funcionamento da constituição de 1824 31 foram baseados na divisão dos poderes e tinha no centro de suas noções constitucionais a ideia de representação. Sua estrutura visava limitar qualquer poder que pudesse ser tão poderoso a ponto de sufocar os outros e ao mesmo tempo dar voz aos anseios de amplos setores da sociedade. Esse foi o momento de consolidação e ajuste dessa concepção de Estado, algo que estava incompleto desde a Independência e sofreu sério revés durante a Regência. Os liberais, que pelo apoio à maioridade do Imperador foram chamados a compor o primeiro gabinete do Segundo Reinado, logo perderiam seu posto e os conservadores voltariam ao poder. Temerosos da volta dos conservadores, recorreram às armas. Entre 1842-44, os liberais foram derrotados no campo de batalha pelas forças legais, e o Imperador já com alguma experiência, usou das prerrogativas do Poder Moderador, oferecendo-lhes anistia e a chance de voltar ao Governo. Nesse momento fica claro que a alternância de poder era possível sem a necessidade de recorrer à violência, e o poder monárquico poderia arbitrar e regulamentar as querelas políticas, legitimando de uma vez o poder de D. Pedro II. A última rebelião do período regencial, a Farroupilha, em 1845 é encerrada com um acordo entre a elite local e o Governo Central; e a última grande rebelião liberal, a Praieira, derrotada em 1845, fazendo com que a estabilização caminhasse a passos largos. Com a consolidação definitiva do Poder Moderador, da alternância entre conservadores e liberais sob os olhos atentos do Imperador e da estrutura de representação legislativa, o Brasil finalmente teve tranquilidade interna para sair do imobilismo que o aprisionava desde a Independência e criar uma matriz de política que o acompanharia até o final do Império. Eliminadas as revoltas, consolidado finalmente o regime, o Governo passa a olhar para os outros problemas urgentes, que perpassam a área social, econômica e a política externa. A escravidão foi um dos pontos mais importantes e urgentes a serem tratados. Na época da Independência, o Brasil tinha como objetivo central a aceitação nacional do seu novo status de soberania. Nesse período, o poder 32 britânico e seu reconhecimento era algo que o recém-empossado Governo brasileiro não poderia deixar de abrir mão. O Império pagou um alto preço, e entre eles estava à determinação para que o tráfico de escravos fosse extinto. Proibido em 1831 pelo acordo com a Grã-Bretanha, ele conseguiu inicialmente reduzir o fluxo de vinda de negros ao Brasil, mas com a escassez e completa dependência das estruturas econômicas dessa mão-de-obra, seu ritmo se intensificou. Os britânicos sentindo-se contrariados dos seus interesses, autorizando a sua Marinha a atacar e dar tratamento de piratas aos navios negreiros, levando-os a julgamento nos tribunais do Vice-Almirantado. A medida foi extremamente impopular na imprensa e nas ruas. Ela foi encarada com um completo desrespeito à soberania nacional, além de ameaçar frontalmente uma das matrizes essenciais da economia Imperial. Na década de 1850, os conservadores gozavam de força e prestígio interno e, incapazes de fazer frente aos ditames britânicos, resolvem de vez abolir o tráfico. A nova lei aprovada na Assembleia e publicada em 4 de setembro de 1850 conseguiu aquilo que a anterior de 1831 não foi capaz: reprimir e extinguir de fato o tráfico negreiro. Apesar de não solucionar o problema da escravidão dentro do país, a abolição foi essencial no esforço de fazer valer as determinações do Estado central e resolver um litígio que vinha se arrastando desde a década de 30 com os britânicos. Além disso, a década foi marcada pela criação de um código comercial e a mudança da lei fundiária que previa a venda de terras públicas para o financiamento de contratação de mão-de-obra livre para suprir os inconvenientes do fim da vinda dos escravos negros. Na esfera internacional, o período foi de definição sobre o ponto mais essencial durante todo o Império: a questão platina. Desde a perda da Cisplatina, na guerra de 1828, o Brasil manteve-se em um distanciamento que foi quebrado quando se viu obrigado a definir sua posição em função da política de Rosas, governador do Estado Confederado de Buenos Aires, que com suas pretensões expansionistas interferira no Uruguai a favor de Oribe. O Brasil preocupou-se ainda mais quando Oribe passou a hostilizar os proprietários brasileiros que 33 habitavam o Uruguai, levando o Governo brasileiro a romper relações com Rosas em 1851 e aliar-se com seus inimigos na disputa: Em 1852, Rosas foi derrotado pelas forças aliadas na batalha de Monte Caseros. Com essa intervenção, o ministério, sob a influência de Paulino José Soares de Sousa, futuro visconde do Uruguai, definiu a política do país na área, que poderia ser resumida na frase: não conquistar e não deixar conquistar. O alvo principal da política era, naturalmente, a Confederação Argentina. (CARVALHO, 2012, p. 101) A década de 1860 foi marcada pela luta política e efervescência do debate público, sendo uma das décadas de mais intensa mobilização, discussão de ideias e longos embates em conferências públicas e no Legislativo. Internamente, o receio de revoltas ou com uma possível fragmentação haviam sido deixados no passado, fazendo desse um período centrado, sobretudo, nas grandes disputas sobre a natureza do sistema político. Aos poucos os liberais começaram a colocar dúvidas sobre pontos essenciais do regime, em especial matérias constitucionais. Na mira das críticas estavam à vitalidade dos cargos senatoriais, as eleições indiretas, a longa discussão sobre centralização política e administrativa, a dependência do Judiciário ao Executivo e o Poder Moderador. As propostas reformistas só se abstinham de contestar àquela altura o sistema político, ou seja, a monarquia constitucional. (CARVALHO, 2012, p.103-110) O amplo processo de debates políticos foi interrompido por um acontecimento imprevisto: a Guerra da Tríplice Aliança ou Guerra do Paraguai, iniciada ao final de 1864, colocando Argentina, Brasil e Uruguai em uma inusitada aliança contra a República do Paraguai. Naqueles anos nenhum assunto podia rivalizar com o conflito em marcha. Sua importância se deu tanto no acirramento das contradições internas, mas também na visão de mundo sobre o Brasil. Não nos cabe aqui problematizar e contextualizar as causas e o andamento da guerra, já que as consequências na política externa serão tratadas em um espaço oportuno ainda neste estudo. De qualquer forma, a questão fronteiriça e a livre navegação dos rios, especialmente o Paraná, foram cruciais para levar a 34 escalada dos eventos à maior contenda internacional da história da América do Sul. O entendimento geral no início dos combates era de que seria um conflito rápido e uma vitória sem maiores consequências. A guerra, entretanto, se estendeu por cinco anos, representando consideráveis perdas materiais para todos os envolvidos, especialmente ao Paraguai, que perdeu parte significativa da sua população masculina. Com o fim da guerra, em 1870, o Paraguai não foi submetido a um acordo geral de paz, tendo que selar seus acordos individualmente com cada parte envolvida. À Argentina foi reconhecida a atual província de Formosa, localizada entre os rios Pilcomayo e Bermejo. Além disso, a soberania argentina foi reconhecida sobre a atual província de Missões, no nordeste do país, território que se encontrava em litígio e que foi ocupado pelas forças de López durante o conflito. O Brasil, em 1872, conseguiria a reinvindicação de livre navegação no Rio Paraná e o reconhecimento pelas autoridades paraguaias dos territórios reclamados desde os tempos coloniais, sendo que o novo limite entre o Império e o Paraguai passou a ser os rios Paraguai, no oeste, e Apa, no sul. A Guerra do Paraguai, nascida durante um gabinete liberal, sob a chefia de Zacarias, constituiu o ponto inicial da crise que desencadearia o Império. A ruptura entre o experiente marechal Caxias, que àquela altura era comandante das forças brasileiras no Paraguai, e os liberais, provocou a queda do Gabinete e a volta dos conservadores ao Governo (1868). Os liberais encararam como um golpe sério ao equilíbrio de poder que deveria ser patrocinado pela Coroa, e se distanciam do regime. Apesar de historicamente as tentativas de limitar os poderes imperiais e a acentuação do federalismo fossem tradicionais no movimento liberal brasileiro, a partir desse momento acrescenta-se ataques à própria instituição monárquica. (DONGHI, 2005, p.194-198) O apoio do Imperador à Caxias não garantiu o apoio dos militares. Outrora herói do exército, fazia parte de uma geração de militares que dominaria a cena pela última vez durante a Guerra do Paraguai. Do conflito, emerge uma 35 nova geração, mais consciente da própria força e mais exigente em face da Coroa, a qual se revela pouco sensível às pressões dos militares. O conflito que obrigou a esforços imprevisíveis ao corpo das forças armadas resultou em uma estruturação renovada, o que contrastava com a classe política cada vez mais distante das suas demandas. Se não todo o exército, mas ao menos os oficiais mais jovens, descobriram no positivismo a ideologia adequada para legitimar seus posicionamentos. No positivismo, os oficiais encontraram também os instrumentos para formular os moldes de um novo modelo de autoritarismo de tipo progressista, contrariando o padrão encontrado no resto da América Latina, e se mostrando sensível a causas como a abolição da escravidão. Delineia-se assim uma corrente militar Repúblicana, especialmente no exército, que consegue um poder de difusão à medida que é usada como instrumento de defesa dos interesses da corporação militar do corpo de oficiais. Em 1885, essa corrente se alinha em defesa de um colega, ameaçado de punição por ter criticado o ministro da guerra em um jornal. Era o ponto final da estabilidade institucional e do apoio de um dos principais alicerces do regime. O Repúblicanismo dos militares não foi o único a se manifestar no período. Em 1870, foi redigido o Manifesto Repúblicano que trazia várias reivindicações e ataques ao regime. O “Manifesto Repúblicano” que chegaria ao Rio de Janeiro levado pela voz do primeiro número do periódico A República, de 3 de Dezembro de 1870, tinha como líderes Quintino Bocaiúva, Joaquim Saldanha Marinho e outros, que viriam inclusive a participar do futuro Governo Repúblicano. Apesar de ainda não contar com apoio e representatividade política consistente, os novos ideais Repúblicanos defendidos pelos civis passariam a influenciar, mesmo que ainda marginalmente, a política brasileira. A visão sobre o Brasil e seu papel no mundo sofreria um processo de lenta mudança nos anos que se seguiram e a visão Repúblicana ganharia cada vez mais força: 36 Somos da América e queremos ser americanos. A nossa forma de Governo é, em sua essencia e em sua prática, antinômica e hostil ao direito e aos interesses dos Estados americanos. A permanência dessa forma tem de ser forçosamente, além da origem da oppressão no interior, a fonte perpetua da hostilidade e das guerras com os povos que nos rodeiam. Perante a Europa passamos por ser uma democracia monarchica que não inspira sympathia nem provoca adhesões. Perante a América passamos por ser uma democracia monarchisada, aonde o instincto e a força do povo não podem preponderar ante o arbítrio e a omnipotencia do soberano. Em taes condições pode o Brazil considerar-se um paiz isolado, não só no seio da América, mas no seio do mundo. O nosso esforço dirige-se a suprimir este Estado de cousas, pondo-nos em contacto fraternal com todos os povos, em solidariedade democratica com o continente que fazemos parte. (Manifesto Repúblicano de 1870). No livro O Ocaso do Império, Oliveira Vianna vai tomar como sendo a primeira grande fissura no sistema parlamentarista o caso do Gabinete Liberal de 1868. (VIANNA, 2006, p.26) Desse pequeno período que se estende a queda de Zacarias (1868) ao Manifesto Repúblicano (1870), está o ponto de partida de todo o movimento político que desembocará no golpe deflagrado pelos militares, que resultaria na destruição do último Gabinete e a queda do Império: Este fato (golpe de 1868) – a queda dos liberais chefiados por Zacarias – é decisivo para o prestígio das instituições em nosso país. Pode-se dizer que o grande processo de desintegração do sistema monárquico data daí – e isto pela maneira singular por que se operou a modificação da situação parlamentar, em perfeito contraste com as ideias dominantes no nosso ambiente político por aquele tempo, reflexo, por sua vez, das ideias dominantes no ambiente político do mundo. (VIANNA, 2006, p.8) O regime monárquico ainda enfrentaria outras ameaças às suas colunas de sustentação. O choque entre a maçonaria, que tinha o presidente do Conselho como Grão-Mestre, e o clero, comprometeram ainda mais a monarquia, comovendo a população e permitiu a oposição ao regime armar-se usando os descontentes como ponto de apoio. A ordem Imperial se enfraquecia com a postura de vários grupos políticos, aa perda do apoio seguro e decisivo do exército, além da debilidade da relação com a Igreja. 37 A decadência geral da sociedade Imperial era evidente e se abateu em quase todas as esferas da vida institucional. O último grande desafio ao Império seria a questão da escravidão, apesar de ter perdido muito da sua importância desde a proibição do tráfico negreiro na metade do século. A liberdade para os filhos dos escravos, a ‘Lei do Ventre Livre’ decretada em 1871, apressou ainda mais o desaparecimento de uma instituição já em declínio. A queda foi vertiginosa: em 1850, os escravos eram dois milhões e meio, em 1874 caiu para um milhão, e em 1887, setecentos e cinquenta mil. (CALÓGERAS, 1957, p. 373383) O Imperador declarava-se favorável a emancipação, a ponto de preocupar os velhos oligarcas que ainda usavam da mão-de-obra escravista. Com o passar dos anos, havia um consenso em toda a sociedade de que não demoraria muito a ocorrer à libertação dos cativos. O maior problema era a indefinição sobre a indenização aos proprietários, algo que as finanças brasileiras não tinham condição de enfrentar. Por outro lado, os setores emergentes cafeeiros não necessitavam mais recorrer à mão-de-obra negra e se negavam a colaborar em qualquer acordo sobre indenização. Finalmente, em 1888, pelas mãos da Princesa Isabel, chegou-se à emancipação sem indenização de qualquer espécie. O Barão de Cotegipe tentou resistir até o último momento contra a tomada dessa medida. Em conferência com a Princesa-Regente, que o havia inquerido sobre a demora na solução da questão, teria ouvido a profética resposta de Cotegipe: “Vossa Alteza redimiu uma raça, mas perdeu seu trono” (COTEGIPE apud CALÓGERAS, 1957, p.382) Nesse momento demoliu-se a última trincheira que protegia o Governo Imperial: os agrários escravagistas consideraram-se isentos da obrigação de fidelidade à monarquia que tanto haviam defendido. O Brasil do café não precisava mais da escravidão; a imigração europeia cobriria essa necessidade. A expansão demográfica passara em 1872, de dez milhões, para quatorze milhões em 1888. A velha ordem institucional pesava e limitava as margens de autonomia da oligarquia emergente cafeeira. A corrente Repúblicana cada vez mais popular no exército, enraizada na Província de São Paulo, sede de vanguarda do 38 desenvolvimento da produção do café, e em uma das províncias mais povoadas do Brasil no momento, Minas Gerais, que se afastava cada vez mais dos monarquistas. (COSTA, 1987, 357-360) O Imperador pouco fez para defender a monarquia e nunca cogitou pugnar pela coroa contra a vontade popular (CALÓGERAS, 1957, p.394). Seu longo reinado foi baseado especialmente no seu prestígio, e com ele ajudara a manter a unidade nacional mesmo nos conjunturas mais difíceis. Nos momentos finais viveu seu período de maior tranquilidade pessoal, com viagens ao exterior e contato com a cultura dos países centrais. Viajou por museus, assistiu a espetáculos teatrais e musicais, e teve a oportunidade de transitar nas rodas mais exclusivas de artistas, intelectuais e cientistas. Na França, teve contato com grandes nomes como Victor Hugo e foi eleito membro do Institut de France. Em 1887, a sua saúde deteriorara, forçando-o a se tratar na Europa, onde esteve a beira da morte no mês de maio de 1888. Ao voltar ao Brasil em agosto, não tinha mais condições de governar, mas não aceitou renunciar. Foi acusado de naqueles anos de ter aceitado quase com fatalismo a queda do regime, como se a República fosse inevitável, não se preocupando nem em preservar a monarquia para sua filha. (CARVALHO, 2012, p.126-127) A abolição, assim como as tentativas de reforma introduzidas pelo último gabinete de Ouro Preto, deveria ser vista como uma forma da monarquia preservar-se, uma vez que antecipariam mudanças que mais cedo ou mais tarde lhe seriam exigidas, no entanto, foram inócuas ao encaminhar do desenvolvimento histórico. Os Repúblicanos, com auxílio do apoio recémconquistado em 1889 do Marechal Deodoro da Fonseca, que foi líder dos conservadores no exército e historicamente apoiara D. Pedro II, deferiu um Golpe de Estado, que não encontrou a menor resistência e alheio de qualquer participação popular. O Golpe estava marcado para o dia 17 de Novembro de 1889, mas um boato de que Deodoro seria preso, e a Guarda Nacional atacaria os quartéis, anteciparam os eventos para o dia 15. Cerca de seiscentos militares 39 congregaram-se no Campo de Santana, em frente ao comando geral do Exército. Aproximadamente às 9 horas, Deodoro se encontrou com o Visconde de Ouro Preto, último presidente do Conselho de Ministros e o depôs, sem tocar no assunto do regime. O Imperador, avisado e sem dar muito crédito às noticias, desceu de Petrópolis em direção à capital. O dia foi de grande indefinição, até que somente à noite, quando Deodoro soube da indicação de que um inimigo pessoal iria substituir Ouro Preto no gabinete, decidiu-se pela Proclamação da República. A família Imperial foi intimidada a deixar o país na madrugada do dia 17. Foi escolhido o período matinal para evitar grandes aglomerações, uma vez que os golpistas receavam que movimentos e tumultos pudessem ocorrer, gerando derramamento de sague. O navio os levou a Lisboa, onde o Imperador e sua família foram recebidos com honras de Estado pelo seu sobrinho Carlos I, decretando o fim do Império. (CALÓGERAS, 1957, p. 398-399) Na atuação internacional, foco de interesse do estudo, no interlúdio entre o fim da Guerra do Paraguai (1870), até a crise derradeira (1889), prevaleceria a Distensão externa como força da face soberana, conforme os termos do paradigma. Durante os anos finais do regime, as relações com o Prata seriam intensas, especialmente antes de 1876. A relação e a proximidade com os países da região faziam com que as Repúblicas platinas fossem a prioridade sempre presente na pauta de assuntos externos e destino prioritário da projeção de poder Imperial. Com a consolidação da Argentina como uma ameaça potencial, o subsistema platino foi o palco mais importante da atuação internacional no período. Não se pode dizer o mesmo do Pacífico. A floresta Amazônica e as Cordilheiras dos Andes funcionaram historicamente como uma barreira quase intransponível dentro do continente, fazendo com que qualquer aproximação fosse difícil e desafiadora. Com exceção da Guerra do Pacífico e da aliança virtual com o Chile, não houve maiores interações na região. O reatamento das relações cortadas com o Peru por conta da Guerra do Paraguai marcou um período de 40 maior tranquilidade e afastamento do Império para a região, deixando transparecer uma possível Distensão histórica. (RRNE, 1869, p.18) Por fim, foi às propostas interamericanas um dos grandes desafios ao Império. Nelas, o Brasil monárquico tinha de lidar com seus vizinhos Repúblicanos, e tentar a todo custo evitar que sua influência minasse as bases fundamentais das instituições do país. Diferente do aspecto fundamentalmente conjuntural do Prata, seria nesse caso uma Distensão histórica do Império com finalidades objetivas. Dessa forma, a investigação e a exposição desse capítulo serão divididas em três partes: o primeiro tratando do Prata, das consequências da Guerra do Paraguai e da Distensão na região; a segunda explorando as questões do Pacífico e das questões que obrigaram o Império a se posicionar; e por último os ideais americanistas e a relação do Brasil com os fóruns regionais. As discussões se centrarão no objetivo de revelar em qual medida o sentido da Distensão esteve presente nos mais importantes eventos do período aqui tratado. 2.1 As Repúblicas do Subsistema do Prata No dia 01 de Março de 1870, morria em Cerro Corá o ex-presidente do Paraguai, Solano López, encerrando o longo conflito. Em toda a parte, o Governo Imperial declarava sua felicidade com o desfecho dos combates. O Império se apoiava na tese que a guerra, apesar do enorme ônus para o país, seria necessária para a defesa do interesse nacional. O relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros de 1869-1870, apresentado à Assembleia Geral pelo então Ministro Barão de Cotegipe, congratulava a vitória como um “triunfo da moral”, exaltando a participação do Brasil e dos aliados como sendo a de defensores de uma “causa justa, da liberdade e da civilização”. (RRNE, 1869, p.1-2) Na Fala do Trono (1977, p.392-393), durante a abertura da Assembleia Geral em 6 de Maio de 1870, D. Pedro II afirmava que a história atestaria em todos os tempos que a 41 geração que lutou a Guerra do Paraguai mostrou uma constante e inabalável força para recuperar a honra do Brasil. A situação objetiva, no entanto, apresentava desafios complexos à diplomacia do Império. De fato, desde a Independência em 1822 até a guerra generalizada no Prata, diferente das diversas nacionalidades ambíguas e conflituosas que surgiram do processo de fragmentação do Império Espanhol na região, o Brasil teve a seu dispor desde o primeiro momento um Estado relativamente organizado, dispondo de uma burocracia e de um quadro militar competente, possibilitando uma atuação até aquele período de uma preeminência na política externa regional. Com o conflito, encerrava-se um ciclo histórico, com o qual a região passaria a contar com a Argentina consolidada, passando a disputar espaço de força muito mais acintosa com os brasileiros, começando ainda durante os últimos eventos da guerra. (BANDEIRA, 2003, p.34-35) 2.1.1 O Fim da Guerra do Paraguai Assim que as tropas da aliança entraram em Assunção, portanto, antes da morte de López, os combates cada vez mais raros iam se transformando em batalhas diplomáticas entre os altos funcionários dos governos da região. A primeira grande discussão foi sobre a continuidade da guerra, uma vez que com a capital ocupada, não haveria mais forças materiais para uma perda na campanha. Os defensores dessa tese, entre eles Caxias, argumentavam que o Tratado da Tríplice Aliança10 seria categórico nas intenções da guerra ser exclusivamente com a finalidade de derrubar do Governo paraguaio e nada mais. Para eles, uma vez destituída a autoridade legal, moral e real do antigo presidente, não haveria motivos para prosseguir com uma campanha tão onerosa e mortífera. O Governo 10 Tratado de Alliança Offensiva e Defensiva entre o Brazil e as Repúblicas Argentina e Oriental do Urugay contra o Governo do Paraguay – (Tratado da Tríplice Aliança), 01/05/1865, RRNE, 1872, anexo I, p. 1-28. 42 Imperial, especialmente o Imperador, entendia ser absolutamente essencial para os interesses brasileiros a captura do rival, trabalhando em todas as instâncias para que assim o fosse. Enquanto a captura não ocorreria, um dos primeiros movimentos do Império para acelerar o término formal do conflito foi realizado pelo Conselheiro Paranhos, depois Visconde de Rio Branco, em tentar junto aos representantes argentinos e uruguaios a criação de um governo provisório no Paraguai. O seu objetivo era instituir, em uma atitude conjunta com os aliados, quais seriam as condições e mediante a quais delas poderiam os Governos aliados reconhecerem o novo poder legal. O seu estabelecimento era uma necessidade não só para os paraguaios, mas para todos os aliados, para que houvesse uma autoridade legal com representatividade, tendo a função de tratar das problemáticas oriundas da guerra. A lógica que determinava as ações de Paranhos era a clássica visão dos conservadores sobre os domínios do Prata, que desde de 1868, com a volta ao poder, pretendiam desempenhar: a defesa da autonomia e independência do Paraguai e Uruguai em contraposição à influência da Argentina e suas pretensões de expansão. Dessa forma, ao almejar um equilíbrio de poder platino, conseguiria o Governo Imperial conservar o status quo da região e o mesmo tempo resguardar-se de que não seria ameaçado em seus interesses. No dia 31 de março de 1869, trezentos paraguaios se reuniram em Assunção, nomeando nessa ocasião três membros, encarregados em nome do Governo do Paraguaio de entender-se com os plenipotenciários aliados a respeito do estabelecimento de uma autoridade que fosse a expressão “legítima da soberania popular” e que contribuísse para a derrubada dos resquícios do poder de López e seus seguidores. (RRNE, 1869, p.3) Em uma das primeiras conferências entre os representantes da Aliança, Paranhos ofereceu a seus colegas um apontamento de bases para os ajustes preliminares. Inicialmente afirmava que o Governo Provisório deveria ser livre escolha dos cidadãos paraguaios, constituídos por pessoas que garantissem a 43 paz, a estabilidade e a capacidade administrativa, definidos em eleições livres. Definia a adesão do Paraguai aos termos do Tratado da Tríplice Aliança, dessa forma, teriam direitos e autoridade moral e legal para ajustes complementares. O acordo afirmava que apesar da adesão ao Tratado garantir plena liberdade no exercício da sua soberania, no que se refere à guerra, e aos direitos dos aliados, por conta das causas e consequências da mesma guerra, ficaria ligado aquele pacto a proceder de inteiro acordo com os aliados, ou seja, reparações e outras necessidades oriundas da guerra. Além disso, o Governo Provisório não poderia entrar em contato com López ou qualquer pessoa que o represente e os generais aliados ficariam inteiramente livres e independentes do Governo provisório nas operações contra o inimigo comum, sendo esse obrigado a cooperar nas operações aliadas. Sua jurisdição civil e criminal não se estenderia aos quartéis, acampamentos e indivíduos pertencentes à Aliança, além de garantir a livre navegação dos rios às nações aliadas. (RRNE, 1869, p.3-5) Para finalizar, sugeria nas propostas, no intuito de “animar o espirito de união entre os paraguaios e de assegurar o apoio ao novo Governo, conviria à criação de uma Junta Governativa composta por três membros”, tendo um deles o título de presidente e exercendo o poder administrativo de delegação e representação. (RRNE, 1869, p.3-5) Logo houve divergência entre os representantes da aliança no que se refere à questão dos poderes de influir no Tratado da Tríplice Aliança pelo Governo Provisório do Paraguai. Em memorando do plenipotenciário argentino (RRNE, 1869, p.3-5), seu representante afirmava que só convinha “dar a mão aos poucos paraguaios que existem em Assunção” ajudando-os a constituírem um governo provisório que prepare a futura organização do país e que o poder de realização de Tratados, que demandam garantias futuras, seria demais para essa etapa do processo. O Governo do Uruguaio foi pelo mesmo caminho, lamentando discordar do representante de Sua Majestade Imperador do Brasil, mas entendia que a celebração dos ajustes de paz só poderia ser realizado com o Governo definitivo do Paraguai e “carregado de legitimidade popular”. 44 Após a troca de memorandos, em uma conferência final foram assinados dois protocolos, sendo que a proposta de Paranhos foi aceita quase na íntegra, com exceção à capacidade do Governo provisório em realizar Tratados. (RRNE, 1869, p.3-5) Essas condições foram comunicadas por nota coletiva de 8 de Junho de 1869 e assinado no dia 20 de Junho pelo Governo Provisório do Paraguai: 1. Estabelecia a paz entre o Império do Brasil, a República Argentina, a República Oriental do Uruguai e a República do Paraguai; 2. Aceitação dos Termos do Tratado da Tríplice Aliança pelo Paraguai; 3. Livre navegação dos rios as nações aliadas; 4. Os Aliados se comprometem a não influir direta nem indiretamente na política e eleição do futuro governo permanente; 5. Liberdade do Paraguai em defender sua soberania territorial, deixando os litígios de fronteira fora da lógica da conquista. O protocolo adicional afirmava que eleições deveriam ocorrer três meses após a criação do Governo Provisório, no entanto, as eleições só foram realizadas no dia 24 de novembro do mesmo ano. Do pleito saíram vencedores: D. Cirilo Antonio Rivarola como presidente e Caio Miltos como vice. No mesmo dia foi realizado o juramento à Constituição, a primeira da história do país, redigida com bases nas constituições dos Estados Unidos, Argentina e de outros países, abrindo espaço para as negociações definitivas de paz. 2.1.2 A Paz em Separado e o Acirramento das Negociações Com o encaminhar das conversas, o grande problema para o Império ficava por conta das ações argentinas e seu interesse territorial na guerra. Absolutamente proibido pelos termos da aliança, a conquista territorial parecia ser 45 um desejo da Argentina que o Brasil entendia ser essencial neutralizar. As movimentações mais explícitas ocorreram quando o general chefe do exército argentino ocupou a região do Chaco e as autoridades argentinas afirmaram por meio de uma comunicação que a região era exclusivamente sua, e não havia nada o que fazer ali as autoridades paraguaias. A comunicação formal foi resposta à atitude do Governo do Paraguai em ter ordenado que suas autoridades sujeitassem um cidadão americano, chamado de Eduardo Hopkins, ao imposto correspondente à sua indústria de corte de madeiras instalada na região. A região caiu imediatamente em litígio, já que o Paraguai afirmou que a região do Chaco pertencia a seu território, não aceitando a posição do vizinho. O argumento da República Argentina consistia em afirmar que o território em questão lhe pertencia exclusivamente, e que a posse dele por parte do Paraguai foi uma usurpação. Sua reinvindicação pela força das armas aliadas seria, portanto, uma ocupação material e lógica. Apesar disso, alegava que a vitória não dava direito por si só de declarar as definições de fronteira e que o Tratado definitivo deveria ser negociado com o Paraguai. Nessa linha, a Argentina defendia que não resolveu a questão de limites unilateralmente, mas sim, tomou pelo direito da vitória o que entendeu ser seu, mas declarou que estaria disposto a devolver se o Paraguai apresentasse melhores provas. (RRNE, 1869, p.9-11) A ocupação também não significaria que não queria discutir com a Bolívia suas reinvindicações, já que essa área também estava em disputa com aquele país muito antes desse período, e sua decisão foi adiada para após os entendimentos da Guerra do Paraguai. A delicada situação merecia uma resposta sábia do Império, uma vez que sem os ajustes de paz assinados por todos os membros da aliança com o Paraguai, a escalada dos desentendimentos poderia ter um resultado trágico. Paranhos, portanto, tentou criar uma postura neutra, afirmando que respeitava o ato praticado pelo general argentino, mas não vinculando responsabilidade desse ato ao Governo Imperial, já que apenas o Tratado da Aliança poderia estabelecer os ajustes finais da paz. Para reforçar a isenção do Brasil na questão, renovou em termos amigáveis o que previa o Tratado da Tríplice Aliança, e a única ressalva 46 relativa de sua parte ficou aos direitos que a Bolívia alegava ter sobre uma parte do Chaco. As forças brasileiras que estavam no Chaco permaneceram lá, como faziam antes, onde achassem mais convenientes, pelos termos da aliança. Não seria o primeiro problema desse tipo durante o processo. O Governo argentino solicitou também durante esse período a desocupação da ilha do Atajo, em que existe uma posição naval brasileira, usando como argumento que a ilha prestava-se com facilidade ao contrabando. A ilha do Atajo fica na foz do rio Paraguai, e foi ocupada desde a invasão do Paraguai para poder ser usada como ponte para as operações militares da aliança, servindo como um ponto de apoio para os sítios em Tuynty, Curapaity e Hummaitá. Os generais brasileiros ocuparam a ilha, certo de que estavam em território inimigo, já que ali existia um posto militar paraguaio, denominado guarda do Cerrito. Foram trocadas notas entre o Governo Imperial e o da República Argentina, nelas reconhecendo que a ilha de Atajo não pertencia ao Brasil. O Governo Imperial solicitou a saída das tropas brasileiras que a estavam ocupando, mas eximiu-se de qualquer responsabilidade quanto à questão de domínio sobre ela. A situação caminhava para um acirramento que ia contra os interesses brasileiros. Além disso, os representantes paraguaios enviaram à Corte, em maio de 1871, o Sr. Carlos Loizaga, ministro das relações exteriores, para solicitar a garantia do Governo Imperial, ou ao menos apoio moral para um empréstimo pretendido pelo seu país, destroçado pela guerra. O apoio moral referido consistia em fazer saber nas praças financeiras que, caso fosse necessário, o Brasil não apresentaria objeção nenhuma derivada das definições de paz. O Império respondeu não poder tomar sobre si a responsabilidade dos empenhos financeiros de outros países, mas que sempre animado das intenções mais justas e benévolas para com o Paraguai, não se opunha, e torcia para que conseguisse realizar a operação de captação de crédito que almejavam, apenas devendo ter atenção para que tal operação não prejudicasse os direitos dos aliados à reparação. O alto escalão paraguaio se indignou com a recusa 47 brasileira, criando um mal estar que acirraria ainda mais os sérios problemas envolvendo as negociações de paz. O comportamento do Império em todas essas matérias pouco variou no que se refere à doutrina em política externa. Como demonstração dessa visão, por ocasião de uma das três vezes que viajou ao exterior, D. Pedro II dirigiu conselhos à filha Isabel, que o substituiu como regente. Para exemplificar os contornos desses princípios, cabe à citação do seguinte trecho da carta endereçada a ela, e que endossa o espírito Imperial na relação com a esfera internacional: Cumpre ceder logo no que for justamente reclamado. Com os nossos vizinhos devemos ser generosos, e evitar tudo o que nos possa fazer sair da neutralidade a todos os respeitos, sem sacrifícios, todavia da honra nacional, que não depende, por nenhuma forma, do procedimento de quaisquer brasileiros, que tenham sido causa de seus justos sofrimentos em país estrangeiro. Esta política é às vezes dificílima; mas, por isso mesmo tanto mais necessária. Creio que assim desaparecerão finalmente as prevenções da parte de nossos vizinhos cujas instituições devemos considerar tão necessárias à sua prosperidade, com a qual não podemos deixar de lucrar, como julgamos das nossas quanto a nosso progresso. (D. PEDRO II – CARTAS À PRINCESA ISABEL – 03/05/1871) Rio Branco entendia e tentava executar essa doutrina durante sua missão na região. Pouco depois, o Visconde foi obrigado a interromper os trabalhos da sua missão nas Repúblicas do Prata, após concluir o acordo prévio entre os aliados, pois havia sido nomeado para o cargo de novo presidente do Conselho de Ministros. Seria o começo do gabinete de maior duração na política imperial, marcando uma época de transformações profundas do Brasil. (TORRES, 1968, p.75) O acordo tinha como objetivo uniformizar as propostas que seriam apresentadas ao Paraguai, para que fosse possível realizar o Tratado Definitivo de Paz. Os principais artigos versavam sobre11: Art.1 – haveria desde a data do 11 Negociações e ajustes definitivos de paz com a República do Paraguay, 25/01/1871 48 Tratado, paz entre o Imperador do Brasil, a República da Argentina, a República Oriental do Uruguai, a República do Paraguai, e seus cidadãos; Art. 3 a 6 – O Paraguai aceitaria como dívidas de guerra o total dos gastos com a campanha dos aliados, além dos danos e prejuízos às propriedades públicas e particulares argentinas, brasileiras e uruguaias. Seriam criadas três comissões mistas, cada uma das quais compostas por dois juízes e dois árbitros, para examinar as questões das indenizações provenientes a cada estado. Em caso de divergência entre os juízes, seria escolhido um dos árbitros e este decidiria a questão. Os artigos também fixavam dois anos de prazo para apresentação de todas as reclamações que deviam ser julgadas nas comissões mistas. A dívida seria paga pelo Paraguai, à medida que se for liquidando, em apólices ao par, que venceriam o juro de seis por cento e teriam a amortização de um por cento por ano; Art. 7 a 9 – A navegação dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai seria livre para o comércio de todas as nações desde o Rio do Prata até os portos habilitados e para os navios de guerra das nações ribeirinhas. A lei não se estendia aos afluentes para comércio, mas se mantinha para os navios de guerra dos estados ribeirinhos, ficando proibidos navios de guerra de países fora da região sem autorização expressa; Art. 15 – Os membros da aliança se comprometeriam a respeitar, cada um por sua parte, a independência, soberania e integridade do Paraguai, e a garanti-las coletivamente durante o prazo de cinco anos; Art. 17 – O Paraguai, como Estado soberano e perfeitamente independente, declarar-se-ia perpetuamente neutro, e também seria reconhecido como tal por outras partes contratantes, nos casos de guerra entre os seus vizinhos ou entre algum desde e qualquer outra potência. A questão de limites ficou adiada para ser decidida durante as negociações com o governo definitivo paraguaio. (RRNE, 1871, p.318) No dia 09 de Agosto, foi incumbido ao Barão de Cotegipe, na condição de enviado extraordinário e ministro plenipotenciário em missão especial nas Repúblicas Oriental do Uruguai, Argentina e do Paraguai, substituindo Rio Branco na tentativa de uma paz que fosse benéfica ao Império. A missão foi realizada juntamente com o representante argentino, Manuel Quintana, e o representante 49 uruguaio Adolfo Rodríguez. O grupo entregou em 3 de novembro as credenciais ao presidente do Paraguai, iniciando as negociações. As tratativas entre os plenipotenciários ficaram seriamente comprometidas por divergência sobre uma cláusula que garantia a independência, a integridade territorial e neutralidade da República do Paraguai, obrigando aos povos ribeirinhos a não levantar, sobre seu litoral e ilhas, fortificações ou baterias que pudessem impedir a liberdade de navegação comum. O representante argentino argumentou que essa disposição, pela sua natureza, tinha força de lei e deveria ser submetida à sua Câmara dos Deputados. O Barão de Cotegipe afirmou ser esse artigo um protocolo já aprovado em consonância com os termos da aliança, logo não poderia ser desaprovado por outros. Além disso, o plenipotenciário brasileiro temia que essa possibilidade de necessidade de aprovação pudesse trazer consequências inesperadas. A delegação do Uruguaia acompanhou o Brasil e entendeu ser válida a manutenção dos termos como previamente acordados. Além dessa problemática, outra divergência residia no fato da Argentina querer reafirmar a cláusula do art.º 16 do Tratado da Tríplice Aliança, que tratava da posse da região do Chaco. Cotegipe ponderou que uma decisão dessa natureza prematura, seria extremamente e que deveria ser discutida posteriormente entre a Argentina e o Paraguai. Sua tese se baseava na projeção que nenhum acordo que saísse daquele escopo seria aceito no futuro, e que muito possivelmente, pela desigualdade de condições, o Paraguai sairia prejudicado caso houvesse uma definição de limites com todos os aliados ao mesmo tempo. Os desentendimentos com o Brasil culminaram com o retorno do representante argentino à Buenos Aires, levando Cotegipe, ansioso por uma resolução rápida das tratativas de paz com o Paraguai a negociar a paz em separado com o Paraguai. Com a retirada do ministro plenipotenciário da Argentina para Buenos Aires, o Barão de Cotegipe recebeu do Paraguai uma nota na qual este indagava sobre a posição brasileira frente à decisão do enviado argentino. O Governo do 50 Paraguai desejava saber se realmente cessariam as negociações entre este e os aliados, devido aos acontecimentos. Cotegipe respondeu12: Nenhuma dúvida tenho em abrir negociações para o ajuste das questões pendentes entre o Brazil e o Paraguay, desde que o Governo da República nisso convenha enomeie o plenipotenciário com quem eu deva tratar (...) Estou convencido de que o Sr. plenipotenciário argentino fallará em nome do seu Governo e não dos aliados, havendolhe eu communicado a resolução de entabolar negociação com o Governo do Paraguay, desde que elle a isso se recusasse e sabendo que o Sr. Ministro plenipotenciário oriental achava-se de perfeito accôrdo com aminha opinião. (RRNE, 1871, p.16-17) As negociações foram retomadas sem a presença dos aliados e resultaram no Tratado Loizaga-Cotegipe, em 9 de janeiro de 1872, que incluíam quase na íntegra as cláusulas negociadas por Rio Branco. Essencialmente o Tratado tinha como objetivo referendar a paz e amizade entre o Império e a República do Paraguai, mas também versava sobre limites, comércio, navegação, entrega de criminosos e desertores, todos aprovados pelo congresso paraguaio e ratificados pelo Governo Imperial. As negociações sobre limite se encaminharam para estabelecer a fronteira entre o Brasil e o Paraguai no rio Apa, não levando em consideração o rio Igurei que constava no Tratado da Tríplice Aliança. A fronteira negociada coincidia com a que Paranhos propusera na década de 1850 ao Paraguai, ainda governado por Carlos Antonio López, pai do presidente Francisco Solano López, e remonta ao período colonial, quando Portugal e Espanha desejavam a região, dando à requisição uma áurea de desinteresse brasileiro em expandir seu território além daquelas em litígio há muitos anos. A navegação livre pelos rios paraguaios foi estabelecida, dessa forma, o Brasil conseguia uma via fluvial para a província do Mato Grosso. A paz final determinava também que os gastos brasileiros com a guerra eram de responsabilidade paraguaia. 12 Nota do Governo paraguaio ao plenipotenciário brasileiro, 13/12/1871. 51 O Império rompia com um dos principais pontos do Tratado da Tríplice Aliança, o artigo 6º, com o qual os países se comprometeram a não negociar a paz em separado. O argumento do Império quanto às acusações de contrariar o Tratado da Aliança foi que o acordo de paz prévio entre as nações aliadas e o Paraguai já havia sido assinado. A Argentina demonstrava nessa questão o interesse de seu país em anexar parte do território paraguaio. O Brasil prevendo que a se manutenção dos termos da aliança fosse mantida na íntegra, o Paraguai seria envolvido em uma rede de influência direta argentina, algo que contrairia os interesses brasileiros na região. O Império necessitou abrir mão do legalismo para prosseguir com sua atuação histórica de proteção ao Paraguai e Uruguai como estados soberanos, independentes e aliados brasileiros na região para contrabalançar a presença argentina. As notícias de que o plenipotenciário brasileiro estaria negociando separadamente com os paraguaios a paz definitiva, levou jornalistas de Buenos Aires a serem hostis ao Brasil, acusando-o de violar o Tratado da Aliança do 1º de maio de 1865. A opinião pública da República Argentina via nos ajustes firmados em Assunção como a criação de um protetorado brasileiro sobre o Paraguai, além de significar uma aliança dos vencedores com o vencido, algo categorizado como pérfida e desleal para vários jornais argentinos. O próprio presidente argentino Sarmiento descreveu um cenário de extrema tensão entre as duas potências regionais, uma vez que a paz assinada por Cotegipe levaria a uma situação guerra ou a simples aceitação do seu país de que o Paraguai passaria a ser uma província brasileira. (DORATIOTO, 2002, p.465-467) O Império sabia que era necessário responder as acusações feitas ao tratado para não deslegitimar o avanço. Em resposta à imprensa argentina e aos seus agentes diplomáticos, a defesa do Brasil enviou circulares ao governo argentino, afirmando que: Primeiro - O Brasil não pretendeu do Paraguai concessões que este não pudesse e não devesse fazer aos outros aliados; Segundo - Que exigiu, na questão dos limites, menos do que estava estabelecido no Tratado da Tríplice Aliança; Terceiro - Que não tinha pretensão e nem lhe foi oferecida nenhuma espécie de protetorado; Quarto - Que sua garantia à 52 independência do Paraguai não exclui a garantia coletiva; Quinto - Que o Brasil não violou nenhum termo no Tratado, que mantém seus compromissos, e estará sempre pronto a entender-se com seus aliados para empreendimentos comuns; Sexto - Que o Brasil optou pela paz em separado quando depois de repetidos esforços e de um adiamento de dois anos, não lhe deixaram outra opção após as declarações e retirada do negociador argentino; Sétimo - Que a questão do Chaco era a única dificuldade oferecida aos ajustes definitivos de paz entre a Argentina e o Paraguai, mas que o Governo Imperial estava certo de que a sabedoria e prudência do gabinete de Buenos Aires venceria essa dificuldade, sem criar uma situação complicada para si e para seus aliados, e sem agravar a sorte do estado paraguaio, extremamente dependente da aliança, merecendo a continuação de um procedimento justo e generoso. (RRNE, 1871, p.18-19) A resposta brasileira não diminuiu a perplexidade causada pela paz em separado. O Presidente Sarmiento sabia, porém, que não tinha condições materiais para fazer o Império recuar nos Tratados assinados e defender seus direitos resguardados no Tratado da Tríplice Aliança no Chaco pelas vias militares, pois a inferioridade era notória, especialmente no aspecto naval. Desse momento em diante, o Governo da Argentina tentou superar sua debilidade e encomendou nos estaleiros ingleses a construção de oito belonaves de maior porte e uma flotilha de pequenas torpedeiras, criando uma marinha moderna de guerra. O Império, por sua vez, também buscou fortalecer sua Marinha já existente, lançando ao mar nos anos seguintes uma canhoneira e uma corveta, além de um encouraçado e dois cruzadores. A corrida militar aumentava a tensão entre os dois países que pareciam caminhar a uma guerra. (DORATIOTO, 2002, p.465-467) O quadro militar de uma corrida armamentista e o tom das notas diplomáticas mostrava que a guerra era eminente, mas ao considerar sua fragilidade militar, restou à Argentina uma saída diplomática. Na metade de 1872, enviou ao Rio de Janeiro uma missão especial com a finalidade de chegar a um acordo sobre os pontos pendentes entre os dois países a respeito dos ajustes definitivos de paz com o Paraguai. Para essa missão foi incumbido o Brigadeiro 53 Geral D. Bartolomé Mitre, ex-presidente argentino durante a Guerra do Paraguai, com o caráter de enviado extraordinário e ministro plenipotenciário. Mitre chegou à corte no dia 6 de Julho, sendo recebido pouco depois pelo Imperador em audiência pública. Assim que se realizaram as negociações diretas entre os dois Governos, Mitre convidou o Brasil para finalizar as negociações referentes ao Tratado de Paz, no entanto, achou por bem o Governo Imperial convidar o Uruguai e o Paraguai para sentar a mesa de negociações. Por meio da Legação em Montevidéu, o Governo Imperial lembrou a importância de se fazer representar nas conferências que, em nome da aliança, poderia necessitar de sua aprovação conjunta. Em nota da Legação Imperial ao Uruguai, do dia 24 de Setembro de 187213, o Império convidava aos representantes uruguaios para discutirem os assuntos referentes à paz. (RRNE, 1871, Anexo I – p.67) A resposta Uruguai veio em nota do dia 1 de Outubro de 187214, afirmando que as negociações são exclusivamente assunto do Brasil e da Argentina, e o Governo Oriental julgou ser mais prudente não tomar parte nos debates, ao menos “por enquanto”. (RRNE, 1871, Anexo I – p.64-66) A intenção uruguaia era manter-se a distância, porém não totalmente alheio às questões, assim conseguiria conservar sua imparcialidade, que seria extremamente necessária se houvesse um rompimento entre os dois vizinhos, podendo agir como agente conciliador em favor da paz. Segundo afirmação da nota: O interesse da República Oriental consiste em que se dê um conflito que poderia ter funestas e incalculáveis consequências, é ele demasiadamente sincero para que o Governo do Brasil possa duvidar da lealdade de suas vistas, que neste caso lhe inspira a sua conduta. (RRNE, 1871, Anexo I – p.67) O Governo Imperial, tendo conhecimento desta resposta, em nota do dia 04 de Novembro de 187215, recomendou a sua Legação em Montevidéu que 13 Nota do Governo Imperial ao Governo do Uruguai, 24/09/1872. 14 Nota do Governo uruguaio ao Brasil, 01/10/1872. 15 Nota do Governo Imperial ao Governo do Uruguai, 04/11/1872. 54 declarasse oficialmente que não insistiria para demovê-lo das suas escolhas, mas que não lhe era possível aceitar os fundamentos em que essa se assentava. (RRNE, 1871, Anexo I – p.66) A nota ressaltava que as tratativas da conferência não eram assuntos exclusivamente de argentinos e brasileiros, mas sim sobre direitos e obrigações contraídos no Tratado da Tríplice Aliança. Caso o Governo Uruguaio entendesse ser melhor abster-se, seria por um ato de vontade e responsabilidade exclusivamente sua. E, finalmente, que se prometiam bons ofícios se infelizmente não chegasse a um acordo o Brasil e a Argentina, o mais certo e eficaz seria tomar parte nas negociações como lhe cabia sendo membro da aliança, colaborando com suas observações e seus votos para evitar um rompimento que pudesse levar a um conflito. Com a recusa uruguaia, as negociações foram retomadas no dia 5 de Novembro de 1872 apenas entre o plenipotenciário nomeado pelo Império, Marquês de S. Vicente, e o da República Argentina, Bartolomé Mitre. As negociações se encaminharam até o dia 19, chegando a um acordo assinado por eles de forma a resolver as questões pendentes entre os dois países relativos a paz com o Paraguai. Dentre os vários pontos no Tratado destacam-se: Primeiro Ficou declarado e acordado que o Tratado do 1º de maio de 1865 continuava em vigor, com todas as obrigações impostas por ele; Segundo – Ficou declarado que a paz em separado do Brasil continuava também em seu pleno vigor; Terceiro - A Argentina negociaria por sua parte com o Paraguai o seu respectivo Tratado de Paz, comércio e navegação, assim como limites, respeitando ao Tratado da Aliança. O Uruguai estava igualmente convidado, conjuntamente ou não com a Argentina, a celebrar com o Paraguai tratados de mesma natureza; Quarto - Que os aliados retirariam suas tropas três meses depois de celebrados os Tratados definitivos de paz entre os aliados e a República do Paraguai, ou antes, caso os aliados concordarem entre si. Caso demorasse mais de seis meses daquela data, o Brasil e a Argentina se entenderiam a fim de marcar um prazo razoável para a desocupação. Ficava subentendido também que o Brasil desocupará ao mesmo 55 tempo a ilha de Atajo, foco de litígio com a Argentina; Quinto – O Paraguai reconheceria as dívidas de guerra, nos termos do art. 1416 do Tratado da Tríplice Aliança; Sexto – Concluídos os ajustes definitivos dos outros aliados, entrar em pleno e inteiro vigor o compromisso da garantia de todos eles a favor da independência e integridade do Paraguai. O acordo realizado entre Brasil e Argentina acerca da paz definitiva com o Paraguai obrigava o Governo Imperial a cooperar eficazmente com sua força moral, quando os aliados julgassem oportuno, para que a República Argentina e o Uruguai chegassem a um acordo amigável com o Paraguai. Para dar cumprimento a essa obrigação, confiou ao Barão de Araguaia uma missão especial no Paraguai com o caráter de enviado especial extraordinário e ministro plenipotenciário. O representante argentino nas negociações foi o general Bartolomé Mitre, o mesmo das negociações no Rio de Janeiro, no ano anterior. O representante brasileiro chegou a Assunção e logo apresentou suas credenciais, mostrando a disposição do Governo Imperial em honrar o compromisso firmado por Mitre no Rio de Janeiro. A tensão se iniciou logo com a chegada do Barão do Araguaia, recebendo a informação do Governo Paraguaio que estava decidida a não entrar em negociação com o general Mitre sem que fosse primeiramente revogado o decreto argentino sobre a posse do Chaco. O Presidente do Paraguai, Salvador Jovellanos, desistiu dessa requisição logo depois, por vários motivos. Inicialmente o Paraguai já havia protestado sobre as determinações argentinas sobre o Chaco e a ocupação da Villa Ocidental, além de reconhecer o fato de que a Argentina ter enviado um ministro com plenos poderes para ajustar os seus limites era um reconhecimento tácito de que não 16 Art.14º Os aliados exigirão desse Governo o pagamento das despesas de guerra que se viram obrigados a aceitar, bem como reparação e indenização dos danos e prejuízos às suas propriedades públicas e particulares e às pessoas de seus concidadãos, em expressa declaração de guerra; e dos danos e prejuízos verificados posteriormente com violação dos princípios que regem o direito da guerra. (Tratado da Tríplice Aliança, 01/05/1865, RRNE, 1872, Anexo I, pp. 128) 56 bastavam as suas determinações unilaterais para resolver os litígios de ambas às partes. Ficou claro que recusar uma negociação, que poderia inclusive restaurar o território perdido, parecia ser pretexto para dificultar as negociações, algo que não seria vantajoso ao próprio Paraguai. As negociações se estenderam entre os meses de abril e junho de 1873, sendo acompanhadas muito de perto pelo representante brasileiro, que ao menos oficialmente tentou fazer parecer o Império neutro na questão. Como já se enunciava antes das negociações, a principal desavença entre as duas partes diziam respeito à posse do Chaco. A Argentina, que demonstrara estar aberta a uma discussão mais ampla no Rio de Janeiro, mostrou-se intransigente sobre seu pretenso direito de posse a todo o território em disputa. O Paraguai, por orientação do Império, deixava claro que só aceitaria um acordo em que tivesse que ceder até o rio Pilcomayo, ficando todo o resto sob seu território. A postura firme dos paraguaios causou um aumento ainda maior da tensão nas negociações, obrigando Mitre, uma vez que não haveria acordo, a voltar a Buenos Aires dar explicações ao governo do seu país. Ainda em 1873, o Paraguai assinou o seu Tratado de paz, amizade e comércio com o Governo Oriental, colocando ponto final nas pendências em aberto. A Argentina, portanto, era no final de 1873, o único dos países que participou do conflito contra López que ainda não havia assinado o Tratado com o Paraguai. 2.1.3 O Encerramento das Negociações e a Distensão no Prata Dentro do Paraguai, havia uma estabilidade fraca, que eventualmente rompia mudando completamente a conjuntura política. Na esfera interna, duas revoluções se acometeram contra o seu Governo, sendo que nas duas vezes o Governo Imperial foi solicitado a intervir em favor da ordem, tranquilidade e segurança da capital Assunção, ameaçada pelos revolucionários. A primeira delas foi vencida e a segunda houve conciliação entre as partes. 57 Em 1873, a primeira revolução, e várias tentativas de golpe ocorreram durante a estadia do Barão de Araguaia e do general Mitre, capitaneada por Bernadino Caballero e outros. O Barão de Araguaia, em ofício enviado ao Governo Imperial no dia 23 de Maio de 187317, confirmou que depois de uma conferência com o Presidente Paraguaio, general Mitre e ele, após ser exposto o estado crítico do país, agitados pela revolução, lhe foi requisitado socorro dos aliados para manter a ordem e a segurança de Assunção. (RRNE, 1873, Anexo I, p.123) De comum acordo, a ajuda foi assegurada e o acordo foi levado a conhecimento do general Barão de Jaguarão e do chefe de divisão Francisco Pereira Pinto, para o seu devido efeito em caso de necessidade. Os combates ocorreram até meados de Julho, sendo rechaçados pelas forças aliadas. No início de 1874, o Governo do presidente Jovellanos enfrentou a segunda rebelião. Novamente uma intervenção aliada foi solicitada, como no primeiro caso para manter a ordem pública, das vidas e propriedades na capital. Por outro lado, os chefes revoltosos pediram bons ofícios ao ministro brasileiro para que pudesse haver uma solução amigável para a questão. Após vários combates, um acordo entre os revoltosos e o Governo legal foi formulado, no qual, seus principais termos davam conta da criação de um ministério de conciliação, desarmamento geral de todas as forças após a criação do mesmo e reconhecimento das despesas da guerra da revolução e indenização dos prejuízos causados pela mesma. O acordo foi firmado, mas pouco depois houve uma grave crise e perturbou-se a harmonia duramente conquistada pelos bons ofícios. Com a ajuda do ministro Imperial, no entanto, houve nova reconciliação e o fim do processo revolucionário. A nova cena política foi dominada pelos líderes da rebelião, que receberam nomeação para algum Ministério. Em 25 de junho, Juan Bautista Gill, um dos ministros nomeados após o fim da revolução, foi eleito presidente do Paraguai, com apoio manifestado do Império. Na Argentina, em 12 de outubro, 17 Oficio da missão especial do Brasil ao Governo Imperial, 23/05/1873. 58 Nicolás Avellaneda chegou ao poder, tentando desde o início o Governo Imperial atuar como conciliador entre a Argentina e o Paraguai, sem conseguir grandes avanços. Com a ascensão de Gill no Paraguai e de Avellaneda na Argentina, as negociações ganharam uma nova dinâmica. Após o fracasso das negociações entre a Argentina e o Paraguai, foram ao Rio de Janeiro o representante argentino D. Carlos Tejedor e o paraguaio Jayme Soza. O representante brasileiro foi o Visconde do Rio Branco, autorizado a prestar apoio moral estipulado no acordo de 19 de Novembro de 1872 e a concluírem quaisquer ajustes concorrentes em matéria de acordo. Durante o período de quatro conferências na capital do Império, os representantes Tejedor e Sosa firmaram um acordo sem a presença do Brasil, no qual o Chaco, em litígio, seria dividido entre os dois, e Villa Ocidental se conservaria Argentina, em troca das indenizações que o Paraguai deveria pagar pela guerra. O acordo firmado descontentou profundamente o Império, e em nota do Governo Imperial ao Governo Argentino assinado pelo barão de Cotegipe em 31 de Agosto de 1875, afirmava que “não teve conhecimento perfeito do ajuste concluído entre os plenipotenciários Argentino e Paraguaio.” (RRNE, 1876, p.1516) A nota afirma também que não teve conhecimento e nem poderia ter, uma vez que a última conferência ocorreu um dia antes do ajuste final, logo o acordo foi à revelia brasileira. A nota seguiu com um tom elevado, acima do costumeiro usado mesmo em momentos críticos, acusando a Argentina de patrocinar uma espécie de guerra de conquista, algo totalmente excluído do Tratado da Aliança, uma vez que tirava vantagens do derrotado em troca de gastos de guerra. Além disso, afirmava que o Brasil nunca havia se oposto à Argentina para reivindicar o que considerava ser seu, e o fato do Tratado entre eles não estar assinado não constituía uma desigualdade nascida no seio da aliança, mas de um “estado de cousas anormal que a República Argentina, que não intencionalmente tem creado para si e para seus aliados.” E a nota conclui que a realidade é que com exceção a ilha do Cerrito, a Argentina “já ocupa os pontos principaes do território que disputa com o Paraguay”. (RRNE, 1876, p.15-16) 59 A diplomacia brasileira pressionou fortemente o Presidente Gill para que desautorizasse qualquer acerto daquele tipo, e sob o argumento que seus representantes acordaram cláusulas sem o seu consentimento, optou por não ratificar o acordo. A presença de tropas brasileiras na capital e a forte influência brasileira no Governo de Assunção foram decisivas para que o desfecho não fosse contra as vontades do Império. O impasse se prolongava com consequências sérias para o Paraguai, que com a recusa do Brasil em conceder um empréstimo, além da má relação com as autoridades brasileiras, tentou uma aproximação com a Argentina. No final de novembro já havia especulações de que o Paraguai e a Argentina estariam negociando de forma secreta, e que Villa Ocidental seria mesmo território argentino. Em dezembro, uma tentativa de golpe apoiada pelo representante brasileiro, sem o conhecimento do Governo Imperial foi um ponto sem volta nesse afastamento. Felipe José Pereira Leal, chefe da Legação brasileira em Assunção foi afastado do cargo e substituído por Antônio Araújo e Gondim, mas as relações nunca mais foram às mesmas. O presidente Gill recebeu então, apesar do receio, garantias de que o afastamento do Império não lhe seria prejudicial. A aproximação com a Argentina resultou, em 03 de fevereiro de 1876, no Tratado de Paz, Limites, Amizade e de Comércio e Navegação entre os dois Governos. (DORATIOTO, 2002, p.467-469) O Brasil, como “prova de deferência e de espírito conciliador que muito contribuiu para o bom êxito da negociação, (...) evitou cuidadosamente tudo quanto pudesse causar-lhe desnecessária dificuldade”, apesar de considerar que o justo seria que as novas negociações ocorressem na corte. (RRNE, 1876, p.6) O Tratado determinou o rio Paraguai como o limite entre a Argentina e o Paraguai, sendo que o território do Chaco Central e Missões ficariam mesmo com a Argentina. O restante do Chaco foi dividido em duas partes, com a renúncia Argentina das suas pretensões entre a Bahía Negra e o rio Verde. O litígio sobre Villa Ocidental continuaria e seria levada a arbitragem internacional, no entanto, ficaria sob administração argentina até que fosse decidido seu destino. As dívidas de guerra, sob as regras da aliança, foram também reconhecidas pelo Paraguai. 60 As tropas brasileiras se retiraram no dia 03 de junho de 1876, encerrando a ocupação e sendo tema de destaque na Fala do Trono proferida pela Princesa Isabel: As forças brasileiras, que ocupavam a capital do Paraguai, recolheram-se ao Império. A disciplina, de que deram constante e apreciável testemunho, e os sacrifícios, que por anos suportaram, têm direito a que deste lugar, eu, em nome do Imperador e da nação, lhes dirija um voto de agradecimento e louvor. (FALAS DO TRONO, 1977, p. 439) A independência, soberania e integridade territorial do Paraguai só foram totalmente asseguradas por um protocolo assinado em Montevidéu, no dia 30 de Julho de 187718, que determinava o prazo de cinco anos a contar da sua assinatura para que a segurança coletiva fosse mantida. (RRNE, 1877, p.3-4) 2.1.4. As Consequências da Guerra do Paraguai para a Política Externa Com a retirada das tropas de ocupação, já era possível enxergar com mais clareza as consequências do conflito para o Império e seu impacto direto nos anos que se seguiram até a queda da monarquia. As perdas de aproximadamente 50 mil mortos brasileiros foram trágicas, em um país que contava com uma população de nove milhões de habitantes, desses 139 mil participaram da guerra, ou seja, 1,5% da população. A guerra também foi o ápice do Império e sua obra de unificação, tornando-se um fato de fortalecimento da identidade nacional a existência de um inimigo. (DORATIOTO, 2002, p.458-461) O Brasil pouco ganhou da Guerra com o Paraguai, que arruinado pelo conflito, sequer pode pagar uma parcela da dívida de guerra. (PRADO JR., 1974, p.193) A longa e árdua campanha, em pleno processo de sua formação 18 Protocolo de Garantia colletiva da independência, soberania e integridade territorial do Paraguay 61 econômica, colocou o Império em uma situação delicada. No terreno econômico os resultados foram nulos, já que não havia lucro possível em uma guerra contra um vizinho militarmente equipado e economicamente fraco, que não representava ameaça a sua própria economia. Do ponto de vista do desenvolvimento, o único resultado positivo da vitória foi a ocupação de pequena área de fronteira, e assegurar a navegação dos rios Paraná e Paraguai, com grande importância para as comunicações com a província do Mato Grosso. O conflito também comprometeu as finanças públicas, já que as grandes despesas causaram profundos desequilíbrios na vida financeira do país. Apesar de o próximo decênio a guerra ser de volta promissora do crescimento econômico, prova que o Império seria naquele momento um organismo vivo em pleno crescimento, e as repercussões imediatas foram agudas. No plano regional, os anos seguintes de política do Partido Conservador foram determinantes para evitar que a Argentina se apossasse de todo o Chaco, como estava estipulado no Tratado da Tríplice Aliança, especialmente pela opção deliberada na Distensão externa. A preocupação sempre foi em evitar o aumento da fronteira com a Argentina, obrigando o Império a aliar-se com o vencido para impedir a concessão territorial argentina por direito. Apesar da hegemonia brasileira no Prata estar enfraquecida durante os acordos entre o Paraguai e a Argentina, em 1876, os objetivos do Império foram alcançados. O território em disputa foi retomado por solução arbitral dos Estados Unidos e a autonomia do Paraguai garantida, sendo esse último o desejo mais explícito da diplomacia Imperial. Quanto à questão da indenização de guerra, essa provocou grandes discussões, especialmente no Conselho de Estado. Pelo Tratado Definitivo de Paz assinado em Assunção entre o Império e o Paraguai, ficou estipulado que uma convenção especial iria se reunir para decidir quanto o Paraguai deveria pagar ao Brasil, sendo que o Governo se comprometeu a usar de benevolência nessa decisão. As discussões são esclarecedoras, e mostram como a diplomacia usou dessa matéria para neutralizar a posição argentina. No parecer do Conselheiro de Estado Bernardo de Souza Franco, a preocupação era evidente: 62 As exigências do Império parece que devem limitar-se, por um lado, pelas considerações tiradas da impossibilidade em que ficou o Paraguai de satisfazer uma dívida muito avultada e da má figura que faria o Império em exigi-la. Do outro lado, está a grande conveniência de não aliviar de todo o Paraguai de encargos que tornem menos cobiçada a sua absorção por alguns dos países vizinhos. (CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS,1871-74, p.164) O parecer do Conselheiro de Estado Barão das Três Barras também ia na mesma direção: Os cálculos do Tesouro elevam as despesas da guerra a 500 mil contos: seria grande generosidade do vencedor reparti-las em partes iguais com o vencido, dando-lhe longos prazos de modo a acomodar o pagamento às circunstâncias financeiras do devedor. Mas a questão do dinheiro não é a que deve preocupar o Brasil, até porque a insolubilidade do devedor tira-lhe toda a importância. Cumpre atender a outros interesses maiores. Pouco importa averiguar nosso estado financeiro, quando o devedor não pode contribuir para melhorá-lo. O que vale liquidar uma grande dívida, quando ela é puramente nominal? Quanto ao do Paraguai, sabemos que é deplorável no presente; e todos os cálculos relativos ao futuro serão falíveis. (CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, 1871-74, p.165-166) Para finalizar, o parecer duro do Conselheiro de Estado Francisco de Paula de Negreiros Sayão Lobato: (...)é mais do que suspeita a Confederação Argentina, para se pronunciar sobre a matéria, estreme do impulso do próprio interesse: é de primeira intuição que, adquirido o Chaco, pela sua parte, terá a Confederação alcançado sobeja indenização dos gastos da guerra, tão inferiores aos do Brasil e, pois, lhe é muito fácil a generosidade na aparente renúncia de toda a indenização dos gastos da guerra, como custosa ao Brasil a extrema redução de indenização dos enormes gastos, no que dará prova de verdadeira generosidade (CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, 1871-74, p.169) Como se pode ver, usando o expediente das indenizações, o Brasil diminuiu infinitamente seu valor para um patamar muito mais crível de pagamento, apesar de considerar a dívida apenas nominal. O perdão dela também não era positivo para os objetivos do Império, uma vez que a sua 63 existência garantiria que a Argentina não ameaçasse o Paraguai o anexando, o que consequentemente faria dela responsável pela enorme quantia da dívida para com o Brasil. Ano após ano, a morosidade das comissões para julgar os valores de indenização era retratada pelo Governo Imperial. Conforme os dispositivos da paz de 1872, as dívidas de guerra eram públicas, Paraguai ao Império e para com os particulares prejudicados pelo conflito, podendo o Governo apenas diminuir a parte que lhe cabia, ou seja, as dívidas para com o Estado Brasileiro. Algumas reclamações sequer haviam sido julgadas em 1879 e o relatório de 1880 trazia a situação trágica em que se encontrava o governo guarani: Por falta de recursos para remunerar sufficiente numero de empregados confiou o ser o serviço da expedição (de apólices de pagamento) a um só, e esse, o Contador Geral, sobrecarregado de trabalho, não póde desempenhar a sua commissão com breviedade. (RRNE, 1879, p.6) A situação elucida a situação precária que irá se encontrar o Paraguai nos anos que se seguiram até o final do Império e além. A derrota foi causa de uma ruptura definitiva do modelo de crescimento econômico que era realizado no país, além de minar todas as bases de expansão capitalista em todo o seu sistema produtivo. A reorganização levou décadas, e em termos comparativos com os vizinhos, o Paraguai não conseguiria alcançar os mesmos patamares do período pré-guerra. Para o Uruguai, as repercussões da guerra foram menores, apesar de o país ter sido o pivô central dos eventos que culminaram no conflito. Algumas convulsões internas se sucederam, mas em geral as consequências foram pequenas. (DORATIOTO, 2002, p.483-485) Na Argentina, o descontentamento do interior do país com o conflito e da aliança com o Império, contribuiu para a eclosão de várias rebeliões contra o Governo Central, que ao conseguir reprimi-las, consolidou definitivamente o Estado e suas bases de legitimação. Com os presidentes Bartolomé Miltre (186268) e Sarmiento (1868-74), a Argentina organizava pela primeira vez um exército nacional e permanente, reprimindo as dissidências federalistas. O presidente 64 Nicolás Avellaneda (1874-80) deflagrou a campanha para extermínio dos índios, promoveu a federalização de Buenos Aires, isto é, elevando a cidade como capital da Argentina. Com a estruturação do Estado, a rivalidade com o Brasil continuou a acirrar-se, levando em 1882 o general Julio A. Roca, então presidente da Argentina afirmar ser “inevitável” uma guerra contra o Brasil, uma “guerra fatal a que ambos os países estariam destinados por contraposição de interesses e choque de civilizações”, especialmente pelo acirramento de litígios de fronteira. (BANDEIRA, 2003, p.48-51) Se para a Argentina, as relações internacionais platinas durante os anos imediatos ao final do conflito constituíam-se como sendo um fracasso territorial e dos seus interesses regionais, a consolidação estrutural interna vai criar uma geração na década de oitenta que será lembrada como uma era de ouro na sua história. Com um crescimento econômico espetacular, mantido a uma taxa anual de mais ou menos cinco por cento, a Argentina impulsionou seu lugar de destaque no contexto regional e até mesmo global. Sua transformação foi em grande parte resultado das mudanças que ocorreram na América e na Oceania e na corrente principal do comércio mundial. De forma geral e sintética, a Argentina se beneficiou enormemente do estabelecimento das novas rotas de comércio, a redução dos custos de transporte, o aumento do comércio mundial, além do movimento agudo iniciado pelo deslocamento de capital e trabalho para a periferia do sistema. A contenda pela região de Missões será então o palco do último grande embate com o Brasil durante o período Imperial, apenas resolvido por laudo arbitral pelo presidente Cleveland, em 1895, portanto já na República Brasileira, dando ganho de causa ao Brasil. Até essa resolução, embora efetivamente os dois lados não quisessem a guerra, e a corrida armamentista iniciada no período após a guerra levaria a um acirramento das tensões, só houve um recrudescimento das relações em 7 de setembro de 1889, quando em Buenos Aires a negociação do Tratado que iria submeter a região à resolução arbitral foi assinado. 65 Apesar da rivalidade com a Argentina, as relações do Império para o todo platino será de uma vigilância a distância, apenas comparecendo em caso de necessidade. Com relação ao Paraguai, a partir de 1876 até o fim da monarquia, ela deixou de ser prioritária, embora a sua importância como contrapeso à influência argentina fosse extremamente importante. As relações próximas com o Uruguai, na mesma matriz de pensamento com relação ao Paraguai, se mantiveram nos últimos anos do Império. De forma geral, a política para a região seria norteada pela Distensão externa, nos moldes apresentados anteriormente nesse estudo, apesar dessa configuração só poder ser vista em todos os seus contornos após a retirada das tropas brasileiras de Assunção, em 1876. 2.2 A Diplomacia Imperial para o Pacífico As relações do Império e as Repúblicas do Pacífico foram raras ou mesmo sazonais na maior parte do período Imperial. Com a Hispano-América, só o Prata mereceu atenção constante e vigilante por parte do Império durante toda a sua duração. Desse fato, originou-se uma ampla tradição de pensamento sobre a política exterior que negligenciava essa esfera diplomática, por entender que nela não residiam discussões elementares para o entendimento do processo histórico. Nos últimos anos, alguns autores passaram a procurar nessa esfera de interação algo que pudesse auxiliar no desenho mais completo da diplomacia Imperial, e entre tantos, o que mais inovou foi Luís Cláudio Villafañe G. Santos, em sua obra O Império e as Repúblicas do Pacífico: As Relações do Brasil com Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia (1822-1889), que realizou uma análise sobre as relações do Brasil com as repúblicas do Pacífico. Segundo sua obra e as fontes consultadas para esse trabalho, apenas alguns problemas, especialmente nas demarcações de fronteira e definição de limites ocupavam a agenda Imperial para a região, marcando as relações do Império com essas repúblicas com afastamento, ou Distensão histórica, como usados nos moldes desse estudo. 66 Ainda assim, o período que compreende os anos de 1870-1889 foi marcado por uma alteração das interações ocasionais com o Pacífico por momentos de interesse agudo e contínuo. Contribuiriam para isso problemáticas residuais da Guerra do Paraguai, acertos de limite, convites para congressos internacionais, e acima de tudo a Guerra do Pacífico. Esse último foi um dos assuntos internacionais mais mencionados nas Falas do Trono, trazendo enorme preocupação para o Império sobre a estabilidade na região. 2.2.1 A Neutralidade na Guerra do Pacífico e as Repúblicas do Pacífico Com o final da década de 1860, o quadro geopolítico sul-americano sofreu importantes alterações. Enquanto no Prata a Guerra do Paraguai alterara definitivamente o quadro político regional, no Pacífico, após o fim da ameaça de recolonização, encarnada na Guerra da Quádrupla Aliança contra a Espanha, ressurgiam as tensões entre os antigos aliados, especialmente por questões econômicas. Além disso, a crescente rivalidade entre Argentina e Chile pela disputa da posse da Patagônia e dos Estreitos ao sul do continente quase levariam a uma guerra com potencial de envolver todos os países da região. Esse quadro de política continental transformou a interação entre os países das duas regiões em uma caricatura da política de balança de poder europeia, com várias sucessões de propostas de alianças e contra-alianças, às quais o governo Imperial evitou ao máximo associar-se. Desse caleidoscópio de alianças, resultaria apenas um resultado concreto, o Tratado de 1873 entre a Bolívia e o Peru. (SANTOS, 2002, p.166-167) Desse período nasce o embrião do mito que se arrastaria durante muitas décadas de uma aliança entre o Brasil e o Chile. Apesar de o Império ter negado qualquer tentativa de estabelecer qualquer tipo de pacto, o governo de Santiago não abandonou a ideia de ter auxílio brasileiro em caso de conflito com a Argentina. Para o Império, a falta de interesse tinha várias razões: inicialmente não havia peso econômico que vinculasse os dois países; no plano político, uma 67 aliança com o Chile só aumentaria as tensões com a Argentina, cada vez mais fortalecida e vivendo um período de esplendor econômico. O Governo Chileno nada fez para negar as suspeitas, pelo contrário, sempre que pode as reforçou para usar como contrapeso nas relações internacionais da região. Em outra oportunidade chegou a pedir ao Imperador que se apresentasse como árbitro dos litígios de fronteira com a Argentina, algo que foi negado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros para que não suscitasse mais dúvidas sobre a neutralidade do país frente às questões envolvendo os dois. (SANTOS, 2002, p.126-127) Em 1879 eclodiu a chamada Guerra do Pacífico (1879-1883), o segundo conflito mais intenso e importante da América do Sul, colocando em lados opostos o Chile, que por mais mal preparado que estivesse, estava a muitos passos de distância dos seus confrontadores, e do outro a Bolívia e o Peru. A escala do conflito tem sua gênese desde a Independência das Repúblicas do Pacífico, quando o Chile e seus vizinhos do Norte, a Bolívia e o Peru, vinham disputando a linha de fronteira do deserto do Atacama. As discussões mornas tiveram um grande revés quando os recursos do território, especialmente o guano e o nitrato, se tornaram passíveis de exploração comercial e o capital estrangeiro se apressou a explorá-los. As relações entre os vizinhos, que era regida por uma sucessão ininterrupta de tratados foi alterada, quando por uma anulação unilateral da Bolívia de um Tratado com o Chile sobre os interesses estrangeiros em Antofagasta, cidade que fazia parte do território boliviano, precipitou uma grave crise diplomática. O Peru, ligado por um Tratado de Aliança defensiva e ofensiva, tentou desesperadamente evitar o conflito. Assim que teve conhecimento da aliança dos vizinhos, o Chile tentou pressionar ambos os países a ceder, e diante da recusa das autoridades bolivianas, declarou a guerra. A Guerra do Pacífico obrigou o Governo Imperial a afirmar qual era seu posicionamento, especialmente pela desconfiança generalizada de que o Império teria uma aliança com o Chile, além de ter surpreendido a legação brasileira em Santiago que sempre imaginou que o conflito viria das querelas com a Argentina e não com a Bolívia e o Peru. Em nota do dia 27 de Maio de 1879, o Ministério 68 encaminhou circular aos Presidentes das Províncias, lamentando sinceramente que a questão não tivesse sido resolvida por meios pacíficos, fazendo votos para que em breve a paz se restabelecesse. Por ordem do Imperador, o Governo Imperial decidiu manter a mais estrita neutralidade. Nas Falas do Trono, o tom era de preocupação e reafirmação da neutralidade: Continuam inalteráveis as relações de benévola reciprocidade, que cultivamos com as potências estrangeiras. Lamento que perdure a guerra, que infelizmente travou-se entre algumas repúblicas do Pacífico. Neutros, como devemos ser, nessa luta de nações amigas, faço sinceros votos para que seja a paz entre elas quanto antes restabelecida, segundo o exigem os sentimentos de humanidade e os interesses da civilização (FALAS DO TRONO, 1977, p.457) Alguns incidentes atrapalharam a neutralidade brasileira. O mais importante foi o bloqueio decretado pelo Chile aos portos peruanos. O bloqueio apenas nominal por parte dos chilenos levou a secretaria de Relações Exteriores do Peru, em nota do dia 14 de Janeiro de 188019, reclamar da atitude do rival. Segundo o Governo Peruano, impotente para fechar a entrada dos principais portos da sua extensa costa por meio de uma ocupação real, o Chile introduziu no Pacífico o “bloqueio de papel”, ou seja, onde não há forças suficientes para se valer da determinação. (RRNE, 1880, Anexo I - p.15-16) A nota termina por afirmar que os países neutros tem o direito de considerar o bloqueio inócuo, uma vez que concordar com ele seria uma condescendência que poderia de algum modo prejudicar a própria neutralidade. O Governo brasileiro, em nota de 7 de Abril de 188020, afirmou que não tendo o Chile forças o bastante para bloquear efetivamente os portos peruanos, esse tende a introduzir no Pacífico a prática dos “bloqueios de papel’’, que não é 19 Nota do Governo Peruano ao Governo Imperial, 14/01/1880. 20 Nota do Governo Imperial ao Governo Peruano, 07/04/1880. 69 reconhecido por nenhuma potência. O Governo Imperial, respaldados na Convenção de Paris, de 1856, da qual era signatário, não reconheceria a obrigatoriedade do bloqueio se não fosse efetivo e voltasse às atividades comerciais de antes do pretenso cerco. (RRNE, 1880, Anexo I - p.16) Com o prolongamento da guerra, o Império por meio do seu corpo diplomático ofereceu aos três beligerantes os seus bons ofícios para o restabelecimento da paz. Nenhum dos países mostrou-se interessado. Logo depois, o Governo da Argentina convidou o Brasil para uma mediação conjunta. Essa proposta foi aceita pelo Império, e foi seguido de várias trocas de correspondências sobre o melhor modo de se proceder. Infelizmente, no entanto, os resultados foram nulos, levando a chancelaria brasileira a lamentar o fato da atuação conjunta não ter surtido resultados, especialmente por razão de problemáticas oriundas da guerra e da política interna de cada um dos países envolvidos. As legações imperiais em Lima, Santiago e em La Paz também se prestaram durante o período, com aprovação do Governo, a fazer chegar socorros aos peruanos que estavam prisioneiros no Chile, e a obter dos comandantes das forças chilenas as concessões e garantias das ambulâncias do Peru e da Bolívia. Apesar da falta de preparação de ambos os lados e um início incerto, as forças navais e terrestres chilenas venceram a guerra de forma categórica. O Chile, resistindo à pressão regional em favor de um tratamento magnânimo aos vizinhos derrotados, saiu do conflito com substancial aumento territorial, incluindo as regiões de nitrato do Atacama, transformando os minérios em grande riqueza nos anos seguintes, correspondendo a aproximadamente a metade da receita comum do Governo. (BLACKMORE, 2008, p.415-416) Terminada a guerra, o Chile assinou em 23 de junho de 1881, com o representante argentino um Tratado de Limites, que fazia desaparecer o espectro de uma guerra travada ao longo de todas as suas fronteiras, reconhecendo a Patagônia como Argentina. A perspectiva de abandonar as reinvindicações sobre a Patagônia foi objeto de intensos debates no parlamento chileno. Alguns dias da 70 assinatura do Tratado, o ministro brasileiro em Santiago, João Duarte, recebeu Adolfo Ibañez, ex-ministro das relações exteriores do Chile, para contar-lhe a situação das discussões no parlamento. Ele relatou que o argumento para aceitar aquele Tratado residiria no fato de que entre os parlamentares chilenos havia a certeza de que nenhum apoio poderia esperar do Império em caso de um conflito. A intenção de Ibañez era conseguir uma garantia para negar o Tratado: Assim sendo, afirmou que o Brasil, ‘com uma só palavra que nos inspire confiança, um ‘sim’ transmitido pelo telégrafo, o Tratado será imediatamente desaprovado sem que seu nome apareça até o momento oportuno e, chegada essa oportunidade, poderá contar com um decidido aliado’. Com esse telegrama, Ibañez poderia convencer os demais parlamentares de que o Império se poria ao lado do Chile frente a uma eventual agressão argentina (SANTOS, 2002, p.141-142) Quando informados da proposta, a chancelaria brasileira instruiu seus representantes a confirmar ao chileno que não havia nenhuma intenção do Império em concordar com aquela ideia. Por falta de apoio do Império, então, foi aprovado o Tratado e ratificado pelo congresso chileno. Pouco depois, a Itália, a Grã-Bretanha e a França fizeram com o Chile três convenções, em cada uma se ajustou respectivamente as reclamações sobre as operações executadas por forças chilenas nos territórios e a costa do Peru e Bolívia fossem submetidas a um julgamento definitivo de três comissões, um dos quais seria designado pelo Imperador. D. Pedro II aceitou o encargo, e de acordo com os seus Ministros, nomeou o ministro plenipotenciário em Washington, Conselheiro Felippe Lopes Netto. Antes da escolha ser realizada, o Governo Imperial argumentou com o Chile sobre a conveniência de mandar apenas um só juiz para as três comissões, para assim assegurar a harmonia das decisões, o que foi aceito pelo governo chileno. Após várias reclamações sobre sua conduta, Lopes Netto foi substituído pelo senador Lafayette Rodrigues Pereira, que em dezembro de 1886 renunciou ao posto. O terceiro e último escolhido foi o Barão de Aguiar de Andrada, e os julgamentos duraram até o ano de 1888. 71 Por fim, nos últimos anos do Império, o meio obrigatório de arbitragem em questões territoriais estava para ser discutido em Washington, em 1889. A perspectiva de ter o problema reaberto alarmava o governo chileno, que então visando obter o apoio do Império contra a adoção desse principio, enviando à corte Manuel Villamil. Conseguiu do Brasil a promessa que não sustentaria esse preceito, mantendo-se fiel às orientações do Congresso de Paris, as quais rejeitavam a obrigatoriedade de arbitramento, além de coordenarem as posições nas negociações que viriam a ocorrer. No entanto, antes que o congresso ocorresse, caiu a monarquia brasileira e as orientações não se mantiveram as mesmas. O último baile oferecido pelo Imperador foi, aliás, em homenagem à tripulação do navio de guerra “Almirante Cochrane”, que se encontrava no Rio de Janeiro, sendo inclusive oferecido pelo governo de Santiago o transporte para o Imperador deposto ir ao seu exílio europeu. Ainda assim, um mês depois, reconheceria o novo regime Republicano. (SANTOS, 2002, p.160-161) 2.3 A Distensão Histórica Do Império E Os Ideais De Integração No Continente Americano Desde a independência, a adoção do regime monárquico alçou o Império a um modelo que não identificava paralelos com seus vizinhos. O Estado Brasileiro se apresenta à comunidade internacional em 1822, preocupado em reivindicar um papel de novo membro e ator internacional. A verdade é que na ocasião, o Brasil tinha pouco de brasileiro: o Governo agia e pensava aos moldes europeus, na medida em que era ainda um transplante direto do Estado Português. Em contrapartida, os nexos de família entre D. Pedro e a princesa Leopoldina, em 1816, se não ajudariam no processo de reconhecimento do novo status político do Brasil pelos outros Estados, serviria ao menos para sustentar a única monarquia americana. (CERVO & BUENO, 2008, p.22-23) 72 Foi com a construção formal do Estado Brasileiro por meio da Constituição de 1824, e a escolha pelo modelo de monarquia constitucional, que fez o Brasil dar sua originalidade ao sistema internacional. Sua posição passa, e isso perdurará até o final do Império, a ser sustentada externamente por se chocar ao sistema americano e ao Repúblicanismo continental. Em uma escolha entre ser americano ou europeu, o Império terá quase que invariavelmente sua escolha orientada pela segunda opção. Dentro desse quadro constitucional, o Brasil além de destoar do resto, trazia consigo a problemática de geograficamente estar localizado em um continente que não tinha, e não queria na maior parte do tempo, ter ligações profundas. A ideia de América não casava com as opções adotadas pelas elites imperais, criando um abismo que permearia toda e qualquer proposta de criação de um sistema legitimamente americano. É importante notar que a denominação Novo Mundo foi uma fórmula encontrada para consolidar a tese de que a América era um terreno aberto e totalmente novo e, portanto, poderia chegar a ser outra Europa. Essa primeira ideia da terra americana era extremamente positiva, revestida por uma exaltação da exuberância e diversidade da natureza e especialmente na idealização da figura indígena. Com o decorrer da colonização e com a empresa colonial funcionando na sua plenitude, essa interpretação benevolente foi revertida e a definição americana passou a ser dada como um suposto caráter de inferioridade e decadência. (SANTOS, 2004, p.56-7). Essa nova tese americana acabaria por despertar uma reação intelectual e política das elites criollas na América espanhola, alimentando ainda mais os diversos movimentos de independência: Mas a ilusão é aqui (na América) mais forte do que a realidade porque emerge diretamente de uma experiência americana básica: a de que é possível fundar uma nova ordem e, mais ainda, a de que é possível fundá-la com a consciência profunda de um continuum histórico. Na verdade, a expressão «Novo Mundo» só ganha sentido face a um Mundo Antigo, mundo que, se bem que admirável por outras razões, foi rejeitado por não ter podido encontrar solução para os problemas da pobreza e da opressão. (ARENDT, p.27, 1979) 73 Do ponto de vista político, se pode considerar que a intenção de criar um sistema interamericano inicialmente foi dada como uma reação à tese antiamericana, criando rupturas ideológicas entre o Novo e o Velho Mundo. O mundo criado pela ordem da Santa Aliança, conservadora e avessa às demandas nacionais, não era e nem poderia ser aceita pelos povos americanos. Thomas Jefferson, um dos mais proeminentes Founding Fathers, criou em suas cartas datadas de 1808, 1809 e 1811, o conceito de hemisfério ocidental, relatando ser a unidade dos povos americanos devida à similaridade de seus modos de existência, o que os diferenciaria do resto do mundo. (SANTOS, 2004, p. 58) O conceito de hemisfério ocidental é um dos primeiros para designar politicamente o conjunto das Américas. A unidade geográfica do continente é assim vista como sendo uma unidade histórica única, diferenciada apenas pelas diferentes latitudes de zonas exploradas, mas em desacordo com o estado da cultura dos povos europeus da época colonial. Porém, apesar do advento das nacionalidades e das rivalidades continentais que nasceram já durante as Guerras da Independência, a ideia de ruptura com a Europa e seu sistema permaneceu pautando as iniciativas de integração por muito tempo. O repúdio à ideia de ser absorvido novamente pelo sistema europeu fez com que qualquer movimento que pudesse lembrar as ideologias da ‘Velha’ Europa causassem reações, por vezes exacerbadas. A independência, especialmente na América espanhola e nos Estados Unidos, conquistada à custa de sangrentas batalhas e por períodos de grandes incertezas ressaltou as diferenças fundamentais entre as teses europeias e americanas. Diferente do Brasil, como afirma Halperin Donghi (2005, p.94), que teve sua capital colonial, o Rio de Janeiro, tornada imprevistamente sede da corte portuguesa, e tendo sua independência feita por um membro de uma dinastia europeia reinante na antiga metrópole, o resto da América sofreu pesada herança material, e especialmente no inconsciente dos povos que participaram das suas lutas pelo fim do regime colonial. Esse sofrimento reforçou a tese de clivagem entre América e Europa, ainda mais com a perspectiva sempre aparente de uma 74 possível tentativa de retomada pelos europeus dos antigos impérios coloniais e consequentemente de risco da volta de perda da liberdade política. Em cada parte do continente, vários movimentos nasceram dessa perspectiva. Apesar de, como afirma Hélio Lobo (1939) na sua obra O PanAmericanismo e o Brasil, o termo pan-americanismo, lugar comum nas análises sobre integração continental, só ter sido usado pela primeira vez nos Estados Unidos por ocasião da Primeira Conferência Internacional Americana, a originalidade da tentativa de criação de sistema americano ressoou na política do continente durante todo o século XIX. A história dos movimentos interamericanos contou com duas vertentes originais: a norte-americana, inicialmente concebida como uma doutrina de interesse continental, encarnada na Doutrina Monroe, e o Bolivarianismo, explicitado pelas ideias do Libertador Simón Bolívar no Congresso do Panamá. Para o Brasil, significava lidar com o ‘outro’ irreconciliável, já que era o único Estado a ter no sistema dinástico sua base fundamental de legitimação nacional. 2.3.1 O Confederalismo Bolivariano e a Inflexão Imperial Para entender a relação do Império com os movimentos de integração, especialmente os Bolivarianos, se faz é necessário um breve recuo histórico. A Doutrina Monroe, antes dela, foi um alicerce fundamental na gênese do processo interamericano. Na declarada Guerra de Independência das antigas colônias espanholas em todo o continente (1810), as Treze Colônias já se constituíam como uma república organizada no norte do continente americano. Com o reconhecimento da independência das novas nações nascidas do escombro do Império Espanhol pelos americanos, ocorreu um processo nascente de solidariedade que foi intensificado com a manifestação política de proteção continental anunciada pelo presidente Monroe. (LOBO, 1939, p.3-4) Segundo Delgado de Carvalho, a Doutrina Monroe, nascendo nos primórdios da 75 independência dos países latino-americanos, despertou o “entusiasmo e aprovação, esperanças e fé.” (CARVALHO, 1959, p.295) Na obra, História Diplomática do Brasil, Delgado de Carvalho (1959, p. 282) afirma que a “Doutrina Monroe nos dá a impressão de um instrumento de música cujas cordas desprendem árias diferentes, segundo a inspiração de quem as tange”. A figura desenhada por ele demonstra a amplitude com que o monroísmo foi entendido, já que seu conceito é tão difícil de definir que, durante toda a história do presidencialismo americano, nunca a interpretação feita por dois presidentes americanos consecutivos foi idêntica, apesar de todos se sentirem na obrigação de dar sua visão ao conceito. De forma sintética, podemos caracterizar a doutrina como sendo a obrigação moral dos Estados Unidos em se interessar e intervir nos assuntos do continente americano, e não ver com indiferença o interesse que outros países, especialmente da Europa, poderiam vir a manifestar. (CARVALHO, 1959, p.282283) Sua aplicabilidade à realidade continental e aos inúmeros ataques sofridos por sua eficácia e verdadeiras intenções por trás do discurso americanistas, fez com ela adquirisse uma áurea de pouca credibilidade, quase sempre sendo citada como exemplo perigoso de um imperialismo disfarçado em princípios de direito internacional. O fato é que a doutrina se confunde com a própria história da construção dos Estados Unidos e da América Latina e sua aplicabilidade muito se deve aos momentos políticos dos norte-americanos. A doutrina Monroe surge com a tentativa da Santa Aliança, que reunia as potências vencedoras da Guerra contra Napoleão Bonaparte, de suprimir a revolução na Espanha de 1820. Porém esta doutrina contou com a oposição britânica, que não estava disposta a apoiar qualquer intervenção reformista no hemisfério ocidental e o ministro de Negócios Estrangeiros Britânico, George Canning, propôs uma ação conjunta com os Estados Unidos para manter a Santa Aliança fora do alcance das colônias espanholas na América. Do ponto de vista geopolítico, a Grã-Bretanha queria manter a América Latina fora do alcance de outra potência europeia, já que isso mudaria a dinâmica da política mundial. O 76 argumento britânico era de que a Espanha, com ou sem suas colônias, era uma potência de segunda ordem, mas se outra força europeia assumisse o controle do antigo Império Espanhol, a posição tanto dos Estados Unidos quanto da GrãBretanha ficaria seriamente afetada. No radar britânico também estava à ameaça restauradora, que após a invasão da Espanha pelos franceses, comandados por Napoleão Bonaparte, havia deixado as colônias a seus próprios recursos e livre iniciativa. A posterior restauração dos Bourbon no trono Espanhol configurava, assim, uma ameaça às conquistas realizadas sobre a maioria da antiga rede de comércio espanhol e que beneficiava, sobretudo, aos ingleses. Entretanto, as vitórias de San Martin e de Simon Bolívar haviam demonstrado que a presença europeia não era condição essencial para a manutenção de sistemas políticos razoavelmente estáveis na América Latina, sendo possível, sim, reconhecer aqueles movimentos como legítimos aos povos sul-americanos. Os Estados Unidos compreenderam a gravidade das preocupações britânicas, mas não confiaram em uma aliança para ações conjuntas com a exmetrópole. Sentindo-se forte, pela conjuntura política do momento, o presidente Monroe e Quincy Adams, seu Secretário de Estado, proclamaram em 1823 a Doutrina Monroe, que excluía o colonialismo europeu a partir de uma decisão unilateral: Com a doutrina Monroe, proclamada em 1823, o oceano que separava os Estados Unidos da Europa tornou-se um fosso. Até esse momento, a regra principal da política externa americana tinha sido a do não envolvimento nas disputas europeias de poder. A doutrina Monroe deu o passo seguinte, declarando que a Europa não devia envolver-se nos assuntos americanos. E a noção de Monroe do que constituía os assuntos americanos era, na realidade, extensiva: compreendia todo o hemisfério ocidental. [...]. Declarou que os Estados Unidos considerariam qualquer extensão do poder europeu a qualquer porção deste hemisfério como perigosa para a paz a segurança nacional. (KISSINGER, 2007, p.26) Se, em 1823, os Estados Unidos avisaram aos europeus de que deveriam se afastar do hemisfério ocidental, já em 1845 a explicação da 77 incorporação do Texas foi tratada como sendo necessário para prevenir que um estado independente se tornasse aliado ou dependente de uma potência estrangeira, ameaçando a segurança nacional dos Estados Unidos. Em outras palavras, a doutrina Monroe justificava a intervenção americana não só contra uma ameaça existente, mas contra qualquer possibilidade de desafio aberto – assim como os europeus fizeram com o equilíbrio de poder. (KISSINGER, 2007, p.27) A Doutrina Monroe muitas vezes está ligada a uma tentativa de enfrentamento dos Estados Unidos a graves situações. Uma política cujo objetivo essencial é o paradigma de segurança dos Estados Unidos. Se os dois princípios que regeram os ideais de 1823 tivessem se mantido intactos, o do não restabelecimento de colônias europeias na América e o da não intervenção, poderiam até supor que a doutrina teria sido uma base aceitável para uma verdadeira política pan-americana, ou mesmo um sistema de regulação do ainda emergente sistema interamericano. O fato é que os preceitos defendidos e recepcionados, em um primeiro momento com grande euforia pelos políticos emergentes dos diversos estados americanos, se transformaram em decepção e sinônimo de uma crescente assimetria de poder no continente. O diplomata boliviano Gaston Nerval (pseudônimo), citado por Delgado de Carvalho (1959, p.287), afirma que há duas Doutrinas Monroe, “a autêntica, original na Mensagem de 1823, e a outra, a dos sucessores de Monroe, mal compreendida, mal interpretada e mal empregada”. Desta forma, não se pode considerar a Doutrina Monroe como uma base para uma política interamericana, já que seu caráter unilateral e absolutamente não afirmativo vai de encontro a qualquer ideia de unidade continental. Interessante assinalar que a própria extensão geográfica da exclusão pretendida variou, sendo que o presidente James K. Polk em 1845 reduziu a “zona de proteção americana” apenas à América do Norte. A doutrina transformava-se, assim, em uma ferramenta de grande elasticidade, casada a cada necessidade conjuntural política da sua época. Até o 78 final do século XIX, a doutrina seguiu com usos diversos, mas sem criar maiores expectativas acerca do seu projeto interamericano. Entretanto, como seus autores visavam resolver contingências momentâneas e favorecer interesses americanos, ao invés de fomentar uma noção de unidade continental, a doutrina passou a ser vista como uma prática nociva para a manutenção da paz e da autonomia continental. Os políticos das novas nações independentes não aceitavam a ideia de trocar uma dominação de uma potência europeia por outra, dentro do seu próprio continente. Dessa forma, os movimentos de integração feitos na América espanhola recém-emancipada, tinham três grandes sentimentos: permitir a manutenção e o fortalecimento das conquistas das guerras de independência, conquistar real autonomia politica-institucional para os novos estados, rompendo ideologicamente com o Velho continente, ou seja, com o modo europeu de fazer politica e por fim estabelecer uma autonomia aos Estados Unidos. A Carta da Jamaica, escrita em 1815 pelo Libertador Simón Bolívar, é um marco inicial nesse processo de construção de um sentimento interamericano, independente e absolutamente novo. Bolívar propunha formar no Novo Mundo uma única nação, com vínculos que ligassem suas partes entre si e como um todo. Mais do que uma simples confederação, a base da sua proposta explicitava uma unificação clara e formal, baseada no que seria “para si” essa América: os países hispano-americanos, já que eles tinham uma origem única, uma língua hegemônica, costumes próximos e uma mesma religião. O ideal de se formar uma unidade fundamentada juridicamente em um Governo, para os diversos Estados que viriam a formar essa Confederação, mostrava uma noção política diferente de América, já que nessa proposta estavam excluídos o Brasil e os povos de origem anglo-saxã, ao norte. (BOLÍVAR. Carta da Jamaica-1815) Para Bolívar, e explicitado com muita preocupação, a escolha do melhor regime de Governo era crucial para que pudesse assegurar os ganhos da guerra de independência, garantir a prosperidade e, acima de tudo, garantir a capacidade de guerra em uma eventual tentativa de reconquista espanhola, que 79 àquela altura estava extremamente presente na mente das elites criollas. O projeto de Bolívar era amplamente apoiado pelo Repúblicanismo, já que, para ele, as pequenas Repúblicas eram regimes de Governo mais confiáveis pelo seu caráter durável, e melhor para assegurarem os ideais americanos que todos os povos hispano-americanos tanto almejavam. No ideal do Libertador, todas as pequenas repúblicas partilhariam assento em uma Confederação com um único Governo, tendo sua sede no Panamá, onde as diversas nações poderiam dialogar entre si e com o resto do mundo sobre a paz, a guerra e as demais questões internacionais: ¡Qué bello sería que el istmo de Panamá fuese para nosotros lo que el de Corinto para los griegos! Ojalá que algún día tengamos la fortuna de instalar allí un augusto Congreso de los representantes de las repúblicas, reinos e imperios a tratar y discutir sobre los altos intereses de la paz y de la guerra, con las naciones de las otras tres partes del mundo.” (BOLÍVAR. Carta da Jamaica-1815). 21 Os ideais de Simon Bolívar e suas iniciativas resultaram em uma vertente diferente daquela de segurança continental estipulada pelo Governo de Washington. Ainda, no seu período embrionário, já davam uma dimensão nova e evidenciavam, entre outras coisas, um novo modo de se fazer política internacional. O americanismo Bolivariano nasce como paradigma ainda hoje não realizado por completo: 21 Que bonito seria se o istmo do Panamá fosse para nós o que foi Corinto para aos gregos! Esperemos que algum dia nós tenhamos a sorte de instalar ali um augusto congresso dos representantes das repúblicas, reinos e impérios, para deliberar sobre os altos interesses da paz e da guerra, com as nações das outras três partes do mundo. (Bolívar. Carta da Jamaica-1815 Tradução nossa) 80 Tinha sem dúvida o pan-americanismo Bolívariano grandiosos ideais a perseguir: implantar soberanias temperadas por interesses comuns supranacionais, regulamentados por acordos de comércio, por meios de se evitar a guerra, de superar os conflitos de fronteira, de uniformizar o direito público, de conciliar os litígios por arbitramentos obrigatórios, em suma, a criação do direito internacional americano, visando compensar o esfacelamento político regional resultante das independências políticas. (CERVO & BUENO, 2008, p. 142) Bolívar organiza e inicia um movimento que se repetiria por quase todo o século XIX. Com o Congresso do Panamá, em 1826, iniciava uma série de reuniões que seriam a base de atividade interamericana, funcionando como um fórum onde as proposições poderiam ser colocadas em pauta e as ideias poderiam sair do campo teórico para adquirir contornos na realidade. O Congresso se inicia por proposta do próprio Bolívar, (que não compareceu, por se encontrar envolvido com problemas no Alto Peru) sendo essa a primeira reunião com intuito claro dos plenipotenciários de criar uma organização supra estatal, dotada de códigos de conduta e regulamentação para todos os Estados representados. Encabeçados pelos Estados Unidos da Colômbia (Colômbia, Venezuela e Equador), o convite foi enviado por Bolívar para Buenos Aires, México, Peru e Chile. Por sua vez, Francisco de Paula Santander, libertador da Colômbia, estendeu o convite aos Estados Unidos, ao Império do Brasil e à Guatemala. (CARVALHO, 1959, p. 296) Aceitaram o convite, mas deixaram de comparecer, os Estados Unidos, o Brasil, o Chile e Buenos Aires. As razões foram diversas: Buenos Aires não aceitava nenhuma autoridade supranacional; os Estados Unidos discutiram tanto no Senado a questão, que seus representantes não chegaram a tempo; o Chile também chegou tarde. Quanto ao representante nomeado pelo Brasil, ele nem sequer chegou a partir: Tendo desejos de entrar em relações com as novas repúblicas e trabalhar em concerto com elas para a prosperidade geral da América, como se expressou, evitava o Brasil comprometer-se em projetos de anfictiônia, como os que se anunciavam, além de saber que, nos planos políticos do Libertador, se continha, a propósito de nossa guerra na Cisplatina, o de uma coligação para arrancar da América a planta exótica, isto é, nossa Monarquia. (LOBO, p. 11-12, 1939). 81 No dizer de Delgado de Carvalho, referindo-se aos resultados do Congresso do Panamá “só se pode dizer que foram um glorioso fracasso”. (CARVALHO, p. 297, 1959). De todas as matérias discutidas e não ratificadas, tratou-se de solução de litígios por arbitramento, de abolição do tráfico, de garantias de integridade territorial, de incremento das relações comerciais, da criação de ações e práticas para tornar efetiva a Doutrina Monroe. Apesar do não avanço nessas importantes questões, cada vez mais com o afastamento do tempo da reunião ocorrida no Istmo do Panamá cresce a importância e o valor que aqueles delegados ainda não estavam em condições para compreender. Com o fracasso de suas ideias, Hélio Lobo nos conta que Bolívar teria exclamado “He arado en el mar”22. O andamento da história mostraria, no entanto, que o Congresso do Panamá lançaria sementes do que viria a ser o direito interamericano moderno e foi o primeiro de uma série de congressos que se realizariam sempre sobre a égide e inspiração das ideias do Libertador. Aproximadamente vinte anos depois foram feitas novas tentativas, cabendo ao Peru à iniciativa. Novamente o perigo da reconquista pairava sobre as Repúblicas da região e um pacto defensivo se fazia necessário para conter a ameaça externa. Em dezembro de 1847 reuniram-se em Lima os representantes da Bolívia, Chile, Equador e Nova Granada. Assim como no Panamá, vários dispositivos deixaram de ser assinados, mas mantiveram-se as ideias Bolivarianas, fazendo com que algumas questões referentes ao comércio, guerra e direitos fossem discutidos. Após esse encontro, teríamos mais alguns outros Congressos interamericanos, todos tratando de temas de interesse regional e sempre permeados da questão de segurança e ameaça externa. Uma segunda Conferência de Lima foi reunida em 1864 e outra de fins jurídicos realizada em 1878. Todas tomadas pelo ideal americano criado por Bolívar, mas sem realizar os ideais do Libertador. O sistema americano de estado estaria sempre norteado 22 Algo como: é como arar no mar 82 pelas forças da assimetria entre a Grande República do Norte e os países do Sul, e pelas múltiplas tentativas de criar na América algo que na Europa não foi possível: um verdadeiro instrumento de regulação entre os Estados que aqui nasceram. De todos os congressos interamericanos, Panamá (1826), Lima (18471848), Santiago (1856), Washington (1856), Lima (1864-1865) e novamente Washington (1889-1890), o Brasil somente participou do último desses encontros - a Primeira Conferência Interamericana, convocada pelos Estados Unidos. O Governo Imperial, desde 1826, ocasião do Congresso do Panamá, entendia que essas iniciativas poderiam ser uma fonte de resistência. O Governo era norteado pela Distensão histórica que resultava na ambivalência de entender que, ao mesmo tempo, poderia se tornar uma frente comum contra os interesses brasileiros e, também, pelo receio de se ver excluído, caso algumas das iniciativas propostas alcançassem sucesso. Além disso, o Império foi na América, pelo menos até 1889, um grande problema para uma configuração segura do continente na visão dos seus vizinhos. O Brasil e sua monarquia bragantina, foi um dos destaques de um quadro marcado por Repúblicas, e especialmente na América do Sul viam na antiga colônia portuguesa uma ameaça constante à manutenção da independência e no Imperador brasileiro um possível instrumento da Santa Aliança nos assuntos americanos. Apesar de a história diplomática dar pouco suporte a essa tese, essa lógica permeou todo o período Imperial brasileiro. Apesar disso, as originalidades dos instrumentos aqui empregados fizeram do sistema interamericano um dos menos intempestivos, e mesmo com alguns conflitos de largas proporções, nunca vivenciou um estado de guerra geral que arrastasse todos os membros para a destruição mútua. A explicação para a excepcional firmeza e consistência da política americanista do Império está, como já mostramos, na natureza de legitimação do Estado Brasileiro em contraste com seus vizinhos americanos. A adoção de um regime monárquico condicionava a política externa brasileira para temer e por 83 vezes repudiar as iniciativas interamericanas. Ao adotar o modelo de legitimação, como sendo o princípio dinástico, os vizinhos americanos passaram a representar, no imaginário, o Império como sendo o outro irreconciliável. Deve-se ressaltar que a identidade das Repúblicas americanas nascia exatamente na ideia de ruptura com o Antigo Regime e metaforicamente com a Europa. A noção de Novo e Velho Mundo, América e Europa, influenciava decisivamente as iniciativas interamericanas, tornando para o Império a tarefa de associar-se muito difícil, sem colocar em xeque sua própria base de legitimidade: O Império via-se civilizado e europeu, e assim de uma natureza distinta daquela de seus anárquicos vizinhos. Integrar-se a eles seria pôr em risco a própria essência de sua identidade. Se a ideia de civilização propagada pelas elites brasileiras era, estranhamente, compatível com a escravidão a exclusão da maioria da população do corpo politico da nação, a adoção do nacionalismo e da cidadania como fonte de legitimação do Estado era potencialmente explosiva em uma sociedade fracamente integrada regionalmente e com população composta em grande parte por escravos. (SANTOS, 2004, p.28) O Brasil sentia enorme dificuldade em integrar-se com seus vizinhos, que tinham como principal bandeira a ideia de ruptura com os antigos laços, uma síntese ideológica pautada na diferença entre América e Europa, nascida especialmente nos movimentos pela independência ocorridos em toda a América. No continente americano, ao lado dos Estados Unidos, o Brasil representava uma variante linguística e de costumes. No ponto de vista da política externa, a Guerra Cisplatina e a Guerra do Paraguai foram, diversas vezes, interpretadas como um movimento do Império em realizar suas ambições egoístas e expansionistas. O Governo Imperial chegou a reconhecer a fugaz experiência do Império de Maximiliano no México, uma precipitação que não colaborou para melhorar a imagem ou ao menos evitar tensões desnecessárias com as Repúblicas vizinhas. A própria constituição do quadro político brasileiro não propiciava a integração continental. Os estadistas brasileiros do século XIX, formados na escola de pensamento conservador, eram essencialmente realistas. Para o corpo institucional e político brasileiro, a ordem resultaria do primado da autoridade sobre os ideais. As instituições pretendidas pelos hispânicos e tidas como 84 utópicas pelos imperiais, não lhes davam garantias, resultando em um deliberado afastamento ou Distensão. Por isso, não acreditavam que as relações interamericanas pudessem fluir de forma harmônica, oriunda de estatutos jurídicos convencionados pelos Estados, negando participarem do Congresso de Lima (1878) e aceitando a contragosto participar do convite americano de 1881 para uma conferência, que não aconteceu por causa da guerra do Pacífico. (CERVO & BUENO, 2008, p.142) O realismo brasileiro também denotava uma habilidade fundamental para a diplomacia no período. O Governo Imperial nunca se obstou categoricamente a qualquer iniciativa pelo temor de que qualquer movimentação nesse sentido evoluísse para um foro puramente hispânico e antibrasileiro. A ameaça de reconquista espanhola e as rivalidades entre as Repúblicas diminuíam a eminência desses perigos, mas convinha ao Governo acompanhar congresso por congresso, ponderar sobre a decisão de participar ou não, dependendo das conveniências e conjunturas políticas do momento, e protelar ao máximo a presença brasileira: Aceitou o convite para participar do Congresso do Panamá, mas seu enviado não chegou. Acompanhava desde 1840 o possível ‘congressos geral de plenipotenciários dos Estados americanos’, respondia positivamente ao convite chileno, depois ao mexicano, mas não esteve em Lima, em 1847, em última análise porque os hispânicos consideravam sua presença dispensável. Aderiu em1864 ao pensamento de um congresso americano a convite do Peru, mas não compareceu para evitar debate sobre a guerra da tríplice aliança. Recusou o convite do Peru para o Congresso de Lima (1878) alegando não acreditar em seu propósito de uniformizar as legislações de alguns Estados. Após aceitar o convite norte-americano de 1881, manifestou-se contrário ao congresso oficioso de Caracas (1883) por ocasião do centenário de Bolívar, quando se lançou um projeto de ‘União dos Estados Americanos’, sob a forma de aliança ampla, cujas consequências não se podia medir. Esteve presente pela primeira vez em um congresso americano em 1888, em Montevidéu, para firmar quatro convenções sobre direito internacional privado, que aliás não ratificou (CERVO & BUENO, 2008, p. 142-143) O Governo brasileiro contrapunha a diplomacia idealista do interamericanismo como sua própria diplomacia pragmática e realista, pela qual resolveu totalmente ou parcialmente, durante o Império, todos os problemas 85 centrais de relacionamento, como limites, navegação, comércio e segurança. A Distensão externa, pensando no sentido de um afastamento vigilante, foi exercida de forma peculiar e exitosa. 2.3.3 Os Congressos Durante o Final do Império Após a Guerra do Paraguai e o acirramento de forças no âmbito interno, a adesão parcial ao pan-americanismo passa a representar uma tentativa do Império de se adequar à nova conjuntura, sendo que em um contexto mais amplo o Imperador se esforçava para trocar ‘a coroa pela cartola’. Durante o período final do Império, ou seja, entre 1870 e 1889, o Brasil foi convidado para participar de vários fóruns e convenções. Em sua maioria, versavam sobre a tentativa de criar um direito interamericano que pudesse regular com mais facilidade as relações da região. O Império foi chamado a participar das reuniões por diversas vezes, mas as respostas em maioria foram reativas, em consonância com a política histórica de Distensão externa para com o tema, apesar de experimentar uma morosa flexibilização. Em um deles, o Governo peruano convidou o Brasil, por meio de nota expedida pelo seu ministério das relações exteriores no dia 11 de Dezembro de 187523, a mandar representantes a um congresso de plenipotenciários jurisconsultos para tratar de uniformizar as legislações dos diversos Estados Americanos. As pretensões eram ousadas, dentre elas a de chegar a um acordo geral em matéria de leis civis, uniformidade na legislação de casamentos, formalidades nas relações externas, códigos de extradição uniformizados, legislação comercial no que se refere à falência e privilégios, propriedade intelectual, uniformidade de pesos e medidas, sistema monetário e uma convenção posta entre os Estados Americanos. O Governo Peruano argumentava 23 Nota do Governo peruano ao Governo Imperial, 11/12/1875. 86 que “com o desenvolvimento das relações internacionais, as rápidas communicações entre os povos mediante estabelecimento da navegação a vapor e da correspondência telegráfica”, mudava a dinâmica das relações entre os povos do continente americano, e essa problemática deu origem um projeto para lidar com esses ‘novos’ desafios. (RRNE, Anexo I, p.191-193) Em nota do dia 20 de abril de 187624, assinada pelo Barão do Cotegipe em nome do ministério dos negócios estrangeiros, o Império reconheceu à conveniência e a necessidade de se tornarem uniformes as legislações nos pontos indicados. (RRNE, Anexo I, p.193-194) Ainda assim, o Governo Imperial alegou que essa matéria só seria resolvida em futuro remoto, porque “depende de trabalho lento e constante e muito mais acção scientifica individual e colletiva do que a acção diplomática”. O posicionamento brasileiro assegurou que esperaria os resultados dos trabalhos internacionais das nações europeias sobre direito internacional antes de qualquer outra posição e que conviria um congresso geral, antes do que exclusivamente americano, como proposto pelo Governo Peruano. O Império, sem negar a necessidade da discussão, mas pelos motivos expostos, julgou conveniente não tomar parte no projeto do congresso, apesar de agradecer o convite a ele dirigido. Em outro caso, em uma reunião na cidade de Caracas, no dia 14 de Agosto de 1883, os representantes de alguns Estados Americanos firmaram uma ata contendo declarações que procuravam o estabelecimento de uma União Americana e à convocação de um congresso. O convite partiu do Presidente dos Estados Unidos da Venezuela, imbuídos de espírito americanista por ocasião das festas do centenário do Libertador Símon Bolívar. O encarregado de assuntos brasileiros foi consultado verbalmente sobre a possibilidade de tomar parte na conferência, e respondeu que não estava autorizado para isso. Por seu intermédio, logo depois disso, o Governo Imperial foi convidado a aderir às referidas declarações. 24 Nota do Governo Imperial ao Peru, 20/04/1876. 87 O Governo Imperial após refletir sobre o convite optou por diversos motivos a não aceitar a proposta venezuelana. Inicialmente, a ata que se lavrou foi assinada pelo Primeiro Magistrado da Venezuela, e exprimia o pensamento do seu Governo; mas além dele foi também assinada por agentes diplomáticos e consulares de outros Governos Hispânicos presentes em Caracas para fim diverso, sem poderes que o autorizassem a tratar de um assunto tão amplo e complexo. A ata, portanto, não tinha base suficiente para a solicitação de adesão. Quanto às declarações em sua generalidade, ela tratava de uma ampla e perpétua aliança para todos que com ela se comprometessem, algo com consequências difíceis de prever, segundo o Governo Imperial. Além disso, vários itens iam contra os interesses históricos brasileiros. Suas menções não incluiam a parte portuguesa da América25 e em outros temas versavam sobre uma resolução única para os litígios territoriais, obrigatoriedade da arbitragem como única solução de toda a controvérsia, e uma tentativa de unificação do direito internacional e dos pesos e medidas. (RRNE, Anexo I, p. 210-212) O Império também não considerou conveniente se sujeitar a qualquer uma dessas decisões do congresso, uma vez que as questões territoriais, segundo o Governo Brasileiro vinham sendo resolvidas de forma direta e amigável; não podia contrair compromisso algum sobre os direitos do cidadão sem violar algumas disposições da constituição Imperial; além de manter as opiniões já registradas em outros fóruns de mesma natureza sobre unificações de direito internacional privado e outras questões. Por fim, outro ponto de interação e conflito foram as questões de saúde, que tiveram momentos dramáticos no pós-guerra especialmente na região platina, originando vários congressos para tratar da questão. Em um dos casos, uma grande epidemia se acometeu de Montevidéu durante três meses, e por isso a República Argentina fechou os portos aos navios uruguaios, como medo de uma possível contaminação. A epidemia não cessou por conta dessa medida, 25 Nota do Governo Venezuelano à Legação Imperial (Protocolo da Conferencia), 08/10/1883. 88 com reclamação do Uruguai a tal procedimento. Para que fossem retiradas tais deliberações, exigiu-se que Montevidéu se impusesse quarentena aos navios procedentes dos portos brasileiros, sob pretexto que no Império havia surtos de febre amarela. A exigência foi atendida, impedindo-se que tivessem livre prática os navios procedentes do Brasil para Buenos Aires e Montevidéu, com exclusão dos que não tivessem passado pelo país recebendo passageiros, carregamento ou malas. Várias foram às reclamações por parte do Império. Classificada como “vexatória medida”, que não era aconselhada pelo estado sanitário do Império, só serviria para prejudicar o comércio e excitar os ânimos entre os dois países. Internamente, a Direção da Associação Comercial do Rio de Janeiro enviou uma representação contra essa medida à repartição de negócios estrangeiros, da qual foram comunicadas as legações em Buenos Aires e Montevidéu, fazendo as recomendações necessárias para que sejam defendidos os interesses comerciais brasileiros. Para tentar solucionar a questão, o governo Imperial expediu poderes ao seu ministro, Conselheiro Antonio José Duarte de Araujo Gondim, para celebrar com os plenipotenciários das Repúblicas do Uruguai, Argentina e Paraguai, que iriam se reunir em Montevidéu para discutir uma convenção que regule o regime sanitário que deveria ser aplicado em cada um dos estados com relação às embarcações procedentes de lugares infecionados ou suspeitos, mas não houve resolução para o caso. (RRNE, 1871, p.25) Os recorrentes problemas sanitários levavam problemas e reclamações de lado a lado na região do Prata, especialmente por medidas adotadas unilateralmente para evitar a invasão de alguma epidemia do país vizinho. O Brasil por meio do então ministro Cotegipe, respondendo às legações das Repúblicas da região platina, afirmou que o único meio de evitar questões desta natureza seria uma convenção que regulasse os direitos e deveres recíprocos de cada Estado, e não imposição de opiniões que contrariam interesses de um e de outro. Da iniciativa brasileira nasceu uma convenção sanitária que ocorreu no Rio de Janeiro em 25 de Novembro de 1887. O Paraguai, convidado a participar das conferências em que seriam discutidos os atos internacionais, alegou falta de 89 tempo, mas que poderia oportunamente aderir, assim como outros Estados da América do Sul. Finalmente, o Brasil recebeu um convite simultâneo dos governos argentino e uruguaio, por comunicado do Ministério das Relações Exteriores do Uruguai, datado do dia 1º de Março de 1888, a participar de um congresso no qual se formulariam tratados sobre matérias compreendidas no Direito Internacional Privado. O convite foi aceito, mas não mandou logo seus plenipotenciários, autorizando que os Ministros residentes em Montevidéu e Buenos Aires a representá-lo no ato da abertura do Congresso e nos subsequentes que não exigissem discussão. O nome escolhido para participar das conferências ficou a cargo do Conselheiro de Estado Domingos de Andrade Figueira, pela aptidão com as matérias que iam ser discutidas. O Congresso foi aberto no dia 25 de Agosto de 1888 e foram firmados Tratados sobre: propriedade literária e artística; processo judicial; marcas de comércio e de fábrica; patentes; direito comercial internacional; direito penal internacional; direito civil internacional; exercício de profissões; além de um protocolo adicional estabelecendo regras gerais para a aplicação das leis de qualquer Estado contratante nos territórios dos outros, nos casos determinados nos referidos Tratados. O plenipotenciário brasileiro só assinou os primeiros cinco Tratados e o protocolo adicional, abstendo-se quanto aos outros por razões diversas. Em geral, os Tratados continham, nos seus dispositivos, atribuições que iam contra as leis internas do Império ou continham matérias que o plenipotenciário considerou sendo fora da esfera do direito internacional. Os casos destacados pelos Relatórios da Repartição dos Negócios Estrangeiros (RRNE) demonstram a inflexibilidade apresentada pelo Império até os últimos anos de regime monárquico em suportar qualquer intenção mais profunda de criação de um verdadeiro interamericanismo, apesar de ser possível vislumbrar pequenas aberturas nessa conduta. A Distensão externa e histórica representada nas iniciativas regionais, sempre acompanhadas de uma constante vigilância para evitar qualquer coalisão antibrasileira, foi o sentido atribuído pelos 90 formuladores da política externa e pela elite Imperial para evitar qualquer consequência que poderia afetar a estabilidade do regime monárquico. Essa postura só começou a ser alterada quando as forças internas passaram a questionar a validade de tal conduta ou quando um problema prático obrigava a atuar na direção contrária a Distensão histórica, como no caso dos diversos problemas sanitários. Esse impulso de afastamento iria contrastar vertiginosamente com os impulsos Universalistas verificados para com as potências centrais e fora do contexto regional, tema esse do próximo capítulo. 91 3. O UNIVERSALISMO EXTERNO Assim como Distensão, são muitos os sentidos atribuídos ao termo Universalismo. Seu uso é normalmente conferido em descrições e adjetivações sobre o caráter universal ou universalista de uma conduta ou instituição. O mais frequente dos seus usos é aquele em que define uma “tendência de se tornar universal uma religião, uma ideia, um sistema, etc., fazendo com que se dirija ou abranja a totalidade e não um grupo particular”. (HOUAISS, 2012) A tendência ao Universalismo na política externa Imperial teria sido elevada como sentido norteador de sua atuação por conta de uma conjuntura onde o retraimento não era aconselhável, segundo a hipótese levantada por Amado Luiz Cervo (2008). Sua atuação seria explicada pela face subordinada de atuação externa, aquela que condicionava e beneficiava os setores agroexportadores, alinhados com o elemento liberal do paradigma liberalconservador. As transformações no cenário internacional do período que se estende entre a Guerra do Paraguai e a Proclamação da República são essenciais para reforçar o sentido Universalista na postura externa Imperial, conforme se faz necessário esclarecer de forma mais objetiva antes de uma análise mais focada em cada uma das ações externas do período individualmente. A maior dessas alterações acontece no começo da década de 1870, quando tem início o sistema europeu de alianças criada por Otto von Bismarck. Ainda que a pentarquia do Concerto Europeu26, fundado em 1815 pelo Congresso 26 O Concerto Europeu, iniciado pelos Acordos de Viena (1814-1815), puseram fim a um quarto de século de levantes e de guerras, trazendo novo equilíbrio para o sistema europeu. O mapa da Europa foi redefinido sem se levar em conta aspirações dos povos ou qualquer direito dos inúmeros príncipes destituídos pelos franceses, mas com considerável atenção ao equilíbrio dos cinco grandes: a Rússia, a Grã-Bretanha, a França, a Áustria e a Prússia. A declaração das cinco 92 de Viena para conter os efeitos da Revolução Francesa, fosse a característica essencial do sistema político europeu, o equilíbrio de poder tornou-se diferente durante o período de 1870-1889. A França experimentou uma fase de introspecção após a derrota na guerra Franco-Prussiana, tentando de alguma forma restaurar seu prestigio internacional abalado pela derrota. A Grã-Bretanha, que desde o final das Guerras Napoleônicas dominava a economia global, passava a conhecer um incômodo pluralismo econômico oriundo das outras potências industriais, vendo-se forçada a repensar a sua política de isolamento dos assuntos continentais. A Áustria e a Rússia, alijadas pela nova conjuntura, passaram a desempenhar um papel menor daquele que vinham realizando até então. Dessa forma, o arranjo central das forças europeias se centrou na Alemanha, que apesar de possuir potencial econômico e militar suficientemente poderoso para romper com toda a lógica dos poderes consagrados desde Viena, optou nesse período uma postura cautelosa, protegendo a recém-unificação e neutralizando a possibilidade de um revanchismo francês. (LESSA, 2008, p.131133) A construção vitoriosa do Segundo Reich constituiu o evento mais importante do último quartel do século XIX, e a influência da sua presença e do seu chanceler Bismarck foi tão grande, que é possível falar em um sistema Bismarckiano no período que compreende entre 1870-1890: potências foi formalizada em 1818 pela Declaração de Aachen (Aquisgrana), em que declaravam sua intenção de manter uma união íntima de consultas regulares para a preservação da paz. (WATSON, 2004, p. 334-335) Como Hobsbawn (2007, p.168-172) afirma: “Os reis e estadistas não eram mais sábios nem tampouco mais pacíficos do que antes. Mas inquestionavelmente estavam mais assustados”, e talvez por isso eles tenham sido inusitadamente tão bem-sucedidos. De fato, não houve nenhuma guerra total na Europa, nem qualquer conflito armado entre duas grandes potências, da derrota de Napoleão à Guerra da Crimeia (1854-1856). Além disso, com exceção desta, não houve nenhuma guerra que envolvesse mais do que duas grandes potências entre 1815 e a Primeira Guerra Mundial. 93 A paz não era confortável. (...) O equilíbrio que havia mantido e ajustado desde Viena, primeiro na paz, e depois em guerras menores, tornou-se estável. Durante alguns anos, o controle considerável de Bismark e seu hábil malabarismo diplomático mantiveram a ordem europeia. Lembrando o destino de Napoleão, ele estava determinado a evitar uma querela com a Rússia ou com a Inglaterra. (...) Em todo o sistema, ele fez com que a sua Prússia aumentada se comportasse como uma potência satisfeita e pronta a cooperar. (Watson, 2004, p. 348) As intenções de Bismarck foram atendidas, agindo de forma a preservar a paz e a consolidação do Império, ao passo que impediram a França de levar a cabo qualquer pretensão de seu nacionalismo chauvinista. Morgenthau, no clássico A Política Entre as Nações (2003, p.92) afirma que Bismarck soube usar dos tratados de aliança de forma muito particular, já que ele empregou da função frequente de preservar o status quo em uma determinada área. Segundo ele, após a conclusão vitoriosa da Guerra Franco-Prussiana, e a fundação do Segundo Reich, em 1871, Bismarck tentou proteger a posição hegemônica conquistada na Europa pela Alemanha, e para isso recorreu a alianças para prevenir e isolar a França em qualquer intuito de uma guerra de vingança. Já em 1879, a Alemanha e a Áustria concluíram uma aliança de defesa mútua contra a Rússia e, em 1884, a França e a Rússia firmaram uma aliança defensiva contra a combinação da Alemanha com a Áustria. O sistema bismarckiano irá durar até 18 de março de 1890, quando o Chanceler de Ferro se indispôs com o herdeiro do trono alemão por problemas de política interna e renuncia ao posto. Durante todo o período, conseguiu transformar as relações internacionais europeias em um sistema que girava em torno da Alemanha. Para o sistema mundial, que dependia e tinha relações diretas com a Europa, era uma nova porta na relação com os países centrais. O sistema europeu conviveria com uma nova multipolaridade, muito mais aguda do que aquela experiência vivenciada durante todo o século XIX até então, especialmente pela emergência de novas potências e o declínio de outras, dando uma dinâmica original ao sistema. 94 Dentro dessa lógica que vai de 1870 a meados de 1890, os nacionalismos e as rivalidades geravam grandes pressões na Europa. De uma forma geral, o período foi marcado por uma grande expansão territorial para fora das fronteiras continentais do Velho Continente, resultando em um deslocamento das tensões para fora do centro do sistema. As pretensões coloniais foram vorazes no período, sendo que a partir da segunda metade da década de 1870 o continente africano em sua quase totalidade já estava retaliado. Apesar disso, dentro do intervalo entre 1870-1889, essa competição por novos mercados não teve maiores consequências para a política continental europeia, sendo que suas crises foram em sua maioria administráveis. No geral, os europeus se focaram na gerência da prática competitiva por meio de acordos e da regulação da nova corrida colonial, por exemplo, a Conferência de Berlim (1884-1885) que realizou a partilha da África entre as diversas potências que nela participaram. A Alemanha, por exemplo, via com benevolência as pretensões francesas nas possessões coloniais, já que desviavam o foco do rival a não intervir no equilíbrio de poder europeu. (LESSA, 2008, p.131-133) Na economia, o período foi marcado por uma longa recessão econômica na Europa e mudança paulatina no poder mundial. Ainda que os ritmos das correntes de comércio se mantiveram crescendo, a produtividade cresceu de forma abrupta, gerando um grande descompasso entre a oferta e a demanda, afetando diretamente os preços. As relações econômicas se mundializaram, transformando as realidades locais por meio do capital dos países centrais, cada vez mais pulverizados ao redor do planeta. Os fluxos financeiros alcançaram níveis inéditos, especialmente pela velocidade decorrente das novas tecnologias. A Grã-Bretanha, por conta da grande acumulação de riquezas nas décadas anteriores, especialmente pelo pioneirismo do desenvolvimento industrial, tinha supremacia nos investimentos estrangeiros e na capilaridade do seu capital ao redor do globo. Ao mesmo tempo em que os concorrentes industriais (especialmente Alemanha, Estados Unidos, França) concorriam contra 95 a sua participação nos fluxos de comércio internacional, crescia a importância do mercado financeiro para a economia do país, que passara a ser a partir de 1870 o maior exportador de investimentos do mundo e de serviços como fretes e seguros. Londres deixava de ser a capital industrial de outrora, tornando-se a praça financeira mais importante do planeta, elevando a economia britânica a um novo patamar. De forma sintética, a Grã-Bretanha que atuou durante um longo período como o motor industrial da economia global, agora atuava como centro financeiro de uma estrutura global que se tornava cada vez mais complexa. O período também será marcado por profundas transformações na relação do homem com o meio, como consequência do maciço desenvolvimento científico que tiveram consequências irreversíveis para a economia e a sociedade. A formação de um novo paradigma tecnológico, usualmente chamado de Segunda Revolução Industrial ou Revolução Técnico-Científica, diferia do primeiro por não se tratar de mudanças nos processos produtivos decorrentes de experimentos ocasionais de homens práticos, ou seja, de um empirismo tecnológico, sendo que sua principal base foi a ciência, sendo usada pelas grandes empresas para produção de novos modos de produção e tecnologia. Além do uso ostensivo de novas fontes de energia, como a eletricidade e o petróleo, a revolução nos transportes e nas telecomunicações, com o desenvolvimento das técnicas de refrigeração e pasteurização, foi possível o translado mais rápido e seguro dos gêneros alimentícios, o que colaborou para a diminuição global dos preços. Com a abertura do Canal de Suez, em 1869, que reduziu as distâncias do Ocidente com o Oriente, e entregou comercialmente uma parte substancial do planeta que estava apartada do centro do sistema internacional, provocou uma queda acentuada no preço dos produtos agrícolas. (LESSA, 2008, p.122-131) Com as novas tecnologias e a influência cada vez mais esmagadora da pesquisa e desenvolvimento na capacidade de produção, houve uma crescente concentração empresarial, uma vez que os competidores menores não podiam arcar com as despesas necessárias para manter a rentabilidade. Com a crise da superprodução, a disputa por mercados tornou-se cada vez mais feroz, uma vez 96 que a oferta crescia em escala muito superior a capacidade de aquisição de novos mercados. Essa conjuntura econômica estagnou, ou em alguns casos forçou a queda dos salários, ao mesmo passo que com a revolução incessante nas técnicas de produção, a oferta de novos empregos também sofria consequências negativas. A estrutura social europeia sofria por conta da depressão econômica, sendo que o aumento da pobreza criava uma pressão que só conseguiu ser moderada com as imigrações ultramarinas, cujo volume cresceu exponencialmente nos anos 1880, até tornar-se um fenômeno generalizado, especialmente em países que haviam sofrido grandes perdas por ainda terem economias extremamente dependentes do campo. Entre os principais, podemos citar a Itália, a Espanha, Áustria-Hungria, Rússia e toda a região balcânica, e tinha como seus principais destinos a América, entre eles o Brasil, ávido por mão-deobra por conta da questão servil. Para se proteger dessa tendência, a maioria dos países centrais interromperam décadas de liberalismo econômico, e passaram a executar medidas de proteção à economia e criação de reservas de mercado, criando obstáculos ainda maiores para a recuperação econômica. A depressão que marcou o período de 1870-1890, aliado a velocidade e intensidade da industrialização em várias partes do globo e os ideais nacionalistas do período, fizeram desse ciclo um dos mais elementares na formação do que iríamos conhecer como um sistema global de Estados. A integração econômica e política, sendo acompanhada das transformações resultantes da chegada do capital em diversas regiões que antes estavam distantes da lógica capitalista, fizeram desse um momento de violentas transformações. Por um lado, a conjuntura levou os britânicos a serem cada vez mais eclipsados por novos adversários, em uma estrutura com a qual nenhum poder isolado poderia resolver todas as disputas e por outro, com a competição por mercados e o colonialismo, a defesa comercial encarnada no protecionismo deu fim a décadas de expansão do liberalismo econômico. 97 Voltada para a produção de produtos primários e de exportação, a América Latina passou por sérias mudanças por conta das alterações no sistema capitalista global. Após décadas de crises internas, os países da região começavam a respirar a consolidação do projeto econômico-político das suas elites, que tem nesse período o nascedouro de uma hegemonia que só irá sofrer seus primeiros revezes decisivos por ocasião da Primeira Grande Guerra. A aceitação e preferência das elites locais de forma quase incondicional com a sua posição na divisão internacional do trabalho trouxe um avanço rápido no crescimento material e um período de esplendor, consolidação política e dos arcabouços institucionais, só possíveis pela nova conjuntura. (MALAMUD, 2005, p.327) Em muitos casos, o crescimento econômico se deu em ambiente representativo, quase sempre com o Parlamento em seu pleno funcionamento, dando ao período a sua versão latina americana da belle époque. A presença europeia na região se fez sentir, especialmente na economia, com a circulação de capitais, tecnologias e produtos; social, pela chegada massiva de imigrantes europeus em vários países sul-americanos; e finalmente política, por pressão de estarem presentes nos acordos comerciais, necessários para as potências europeias na briga por novos mercados. Nesse complexo sistema internacional estava inserido o Brasil, composto por sua sociedade baseada em uma economia agrária, um regime político de tipo monárquico, que ainda fazia uso da mão de obra negra na sua estrutura de produção e estava inserido em uma lógica global e especialmente regional muito díspar daquela que se fazia presente no país. A nova ordem internacional que vinha se consolidando desde a metade do século XIX foi o desafio essencial para os formuladores de política externa do Império do Brasil. O Império se esforçava para manter a intensidade dos vínculos políticos e econômicos mantidos pelo país com o resto do mundo, especialmente do centro, saindo de um bilateralismo para um universo crescente do multilateralismo, sendo essa uma tendência crescente até o final da monarquia. (ALMEIDA, 2001, p.375-381) 98 Em 1851, a Exposição Universal do Crystal Palace, em Londres, realizada pela “iniciativa privada”, dava início a uma sucessão de conferências, congressos, seminários científicos e industriais. É nessas reuniões, com múltiplos objetivos, normalmente vinculados a algum assunto “técnico”, que se ressaltam a maior participação de atores no jogo da política mundial, denotando uma amplitude universalista nas relações internacionais. Os convites foram usuais em toda a década de 1870, e especialmente de 1880. Os Relatórios do Ministério dos Negócios Estrangeiros contêm uma infinidade de convites ao Brasil, sendo solicitado para quase todos os assuntos consideráveis do período, entre eles: convenções postais, união postal, acordos referente aos mares, convenção telegráfica, acordos de proteção industrial e de marca, exposições internacionais, entre outros. O Império participou das mais importantes realizações do período, em especial as grandes Exposições ‘Universais’ do período. Em 1876, milhões de visitantes foram visitar a Feira da Filadélfia para conhecer a invenção do telefone, entre eles o próprio Imperador, em uma das suas visitas internacionais, que junto do presidente americano Grant, inaugurou a exposição, em plena euforia do centenário da independência dos Estados Unidos. Na Feira de Paris, em 1889, onde foi inaugurada a Torre Eiffel, o Brasil foi representado com um grande pavilhão, próximo à torre. A importância desses eventos se dava na promoção comercial e aumento do prestígio do Império, que por mais que tivesse àquela altura uma econômica praticamente monoprodutora, sua ação determinava a importância brasileira ao resto do mundo. No comércio internacional, a alteração na matriz das exportações do Império determinou a reorientação geográfica do destino dos produtos brasileiros, especialmente com a Grã-Bretanha, mercado modesto para o essencial café, perdendo importância principalmente para os Estados Unidos, mas também para países da Europa continental, marcando assim um Universalismo também na atuação econômica externa. (ABREU & LAGO, 2010, p.24) 99 O café foi um dos responsáveis para essa atuação e agente fundamental na tentativa Universalista da política externa brasileira. Com sua cultura totalmente adaptada ao solo do sudeste do Brasil, e com o fácil escoamento da produção e armazenagem, a mercadoria era o mais bem sucedido produto brasileiro no comércio internacional durante o período final do Império. Na década de 1870 foram introduzidos vários tipos de despolpadores mecânicos e aperfeiçoadas as técnicas de torrefação. Na de 1880, uma praga assolou os concorrentes asiáticos do café brasileiro, fazendo com que a conjuntura favorável expandisse rapidamente as plantaçõe. Se durante a década de 1830, as exportações de café eram de aproximadamente 60.000 toneladas anuais; em 1871 o Brasil exportaria 216.000 toneladas, chegando até os últimos anos do Império na casa das 888.000 toneladas. (DEAN, 2008, p.669-670) A partir de 1873, o café brasileiro teve assegurada a livre entrada no mercado americano com a política Republicana do “free breakfast table”. No final dos 1880, o Brasil era responsável por aproximadamente 70% do total de importações de café dos Estados Unidos, o que contrastava com a Europa, onde o café era pesadamente taxado por impostos de importação ou sobre consumo. As exportações para a Grã-Bretanha caíram de forma vertiginosa, enquanto as exportações para os Estados Unidos tendiam a ultrapassar 40% do total (ver quadro 3). A mudança da estrutura de origem das importações no período Imperial também refletiu a mudança das posições dos países centrais no sistema capitalista global. O declínio da capacidade competitiva das importações britânicas foram paulatinamente substituídos por produtores concorrentes, especialmente a Alemanha e os Estados Unidos (ver quadro 3). O Brasil dependia quase que exclusivamente de importações para o suprimento de um amplo leque de bens manufaturados. Em meados dos 1870 “artefatos de algodão” correspondiam a 27,5% das importações, bebidas a 18%, peixes a 10%, “artefatos de lã” a 6,6%, trigo e farinha de trigo a 5%, carvão a 3,9%. Máquinas respondiam por apenas 1,7% do total, embora sua importância tenha talvez dobrado na década de 1880 (ABREU & LAGO, 2010, p.24) 100 Quadro 3 – Setor Externo (1820-1889) Brasil: Setor Externo, 1820-1889* 1820 1830 1850 1870 1889 Estrutura Café (% do total) 18,4 43,8 48,1 56,6 61,5 Açúcar (% do total) 30,1 24 21,2 11,8 9,9 Algodão (% do total) 20,6 10,8 6,2 9,5 4,2 Couros e Peles (% do total) 13,6 7,9 7,2 5,6 3,2 Borracha (% do total) 0,1 0,3 2,3 5,5 8 Grã-Bretanha (% do total) 17,4 27,9 35,5 36,9 13 Estados Unidos (% do total) 0 16,6 32,4 29,3 43 França (% do total) 34,8 6 6,1 8,7 11,7 Alemanha (% do total) 17,1 11,8 5 7,6 14,8 Grã-Bretanha (% do total) 40 48,4 53,3 51,5 31,4 Estados Unidos (% do total) 0,6 11,8 8,5 5,6 12,4 França (% do total) 7,8 12 13,5 14,6 8 Alemanha (% do total) 7,6 5 5,9 6,8 9,4 Destino – Exportações Origem - Importações * Média por década. Fonte: IBGE, EHB, 1990; IBGE, Anuário, 1939-1940; BALBI (2004) apud ABREU & LAGO (2010, p.23-24) A procura por maior prestígio e a procura de resoluções de problemas internos pelas vias externas também se fizeram sentir. As viagens do Imperador, a tentativa de solução do problema servil, os impactos e as tentativas de solução da Questão Religiosa, além da pluralidade de parceiros no centro do sistema internacional, fizeram com que o Império tivesse de se relacionar com os mais diferentes parceiros, nos mais diferentes temas. A explosão de interações internacionais, que chamamos aqui de Universalismo pela hipótese de Cervo, seria, portanto, muito mais reativa do que positiva; ou seja, não foi uma política deliberada, mas a forma como a conjuntura impôs a necessidade ao Império. Para analisarmos e por a prova a hipótese será analisada de forma pormenorizada nesse capítulo os fatos essenciais levantados pelas Falas do Trono e nos Relatórios do Ministério dos Negócios Estrangeiros, divididos em subitens com as relações bilaterais mais importantes e outros assuntos de grande relevância. 101 3.1 A Neutralidade na Guerra Franco-Prussiana e as Relações com a Alemanha Um dos grandes desafios que o sistema internacional reservou ao Governo Imperial foi à posição durante a Guerra Franco-Prussiana. O Brasil, em 14 de agosto de 1870, recebeu um comunicado do Sr. Hocmelle, encarregado de negócios da França, que por ordem do seu governo, declarava que para defender a honra e o interesse dos franceses, seu governo viu-se na necessidade de declarar guerra à Prússia e seus aliados que lhe prestavam auxílio. O Imperador dos franceses deu ordem afim de que, durante a guerra, os comandantes de suas forças de terra e de mar que conservassem neutras as regras do direito internacional, e se conformem especialmente aos princípios assistidos na declaração do Congresso de Paris, de 16 de Abril de 1856.27 O Brasil respondeu que declarava manter a mais “escrupulosa neutralidade”, como era do interesse do Brasil. (RRNE, 1870, p.7) A autoridade Imperial declarava lamentar profundamente que o desentendimento entre a França e a Prússia não pudesse ser resolvida de forma pacífica e amigável. De acordo com circular expedida aos presidentes das províncias de 27 de Agosto de 1870, o Imperador determinou que fosse cumprido por todas elas o mais rigoroso processo de neutralidade, incluindo auxílio às embarcações litigantes, uso do telégrafo para anunciar a chegada e partida de navios de alguns dos lados ou qualquer outro ato que pudesse comprometer a posição oficial do país. (RRNE, 1870, p.7) Durante o conflito, vários problemas na condição de país neutro constrangeram o Brasil e criaram zonas de atrito com os países litigantes. Em um 27 Congresso de Paris, de 16 de Abril de 1856: 1º O corso é e fica proibido; 2º O pavilhão neutro cobre a mercadoria inimiga, com exceção do contrabando de guerra; 3º A mercadoria neutra, com exceção do contrabando de guerra, não pode ser apresada sob pavilhão inimigo. 4º Os bloqueios, para serem obrigatórios, devem ser efetivos, isto é, mantidos por força suficiente para proibir o acesso ao litoral inimigo. 102 deles, no dia 14 de Setembro de 1870, entraram no porto do Rio de Janeiro os navios mercantes alemães Lucie e Concordia, que haviam sido apreendidos pelo navio de guerra francês Hamelin. Esse fato originou uma discussão diplomática entre o governo Imperial e as legações prussianas e francesas. Além dessa problemática, ocorreu em 17 de Outubro do mesmo ano um caso de dezoito passaportes, dados pelo cônsul da França a cidadãos franceses, com a declaração de que estes se achavam contratados para o serviço militar, e que deviam apresentar-se ao seu país à autoridade competente. O chefe de polícia entendeu que devia recusar o visto, por ser contra a neutralidade do Brasil, uma vez que não era lícito a nenhum agente de qualquer um dos beligerantes arregimentarem forças militares do seu governo por meio de recrutamento ou de contratos semelhantes no território brasileiro. Com o avançar das tropas prussianas, o corpo diplomático manifestou ao Conde de Bismark, por intermédio do seu ministro dos negócios estrangeiros, o desejo de serem avisados no caso de bombardeamento de Paris e habilitados para se retirarem da cidade, assim como de que lhes fossem autorizado expedir cada semana um correio exclusivamente diplomático. O Chanceler Alemão respondeu que não poderia por questões militares avisar sobre a ocupação e confrontos em Paris e que autorizaria a saída de cartas abertas dos agentes diplomáticos, uma vez que seu conteúdo não resultasse inconveniente ao serviço militar. Os membros do corpo diplomático mandaram então uma nota coletiva ao Conde Bismarck, na qual disseram que aceitariam de bom grado as ordens, porém, era impossível para eles, por conta do compromisso da confidencialidade dos dados, mandarem cartas abertas, ficando então impossível encaminhar relatórios oficiais com os respectivos governos. (RRNE, 1871, p.23-26) Com o bombardeamento de Paris, em outra nota coletiva, datada em 13 de Janeiro de 1871, o corpo diplomático denunciando à Bismarck os desastrosos efeitos do bombardeamento da cidade, pediu intervenção para que as autoridades militares providenciassem aos súditos das potências neutras 103 meios de salvarem seus familiares e pertences. A resposta do Chanceler ponderou que a reclamação do corpo diplomático não encontrava nos princípios de direito internacional suficiente base para sua justificação. Sua nota afirmava que as pessoas que estabeleciam residência em uma região de guerra e nela permaneceram por livre vontade durante as operações de guerra deviam estar preparadas para os inconvenientes que dela resultassem. Bismarck reitera que não faltaram avisos e recomendações aos súditos das potências neutras para deixarem a cidade, sendo que depois destes e durante meses, permitiu-se que os neutros atravessassem as fronteiras sem outra condição além de provarem sua nacionalidade e identidade. (RRNE, 1871, p.23-26) As informações de Bismarck rebatem a acusação feita pelo governo Imperial que foi recusada a alguns brasileiros a permissão de sair de Paris. O caso ocorreu em 21 de Novembro, quando se vendo prolongar o cerco, foi solicitado o pedido e recusado por Bismarck com o argumento de que houve sequências de abusos resultantes de anteriores concessões, portanto, as autoridades militares resolveram não renová-las. A guerra trouxe como resultado a queda de Napoleão III e sua dinastia. Em nota, o Sr. Julio Favre, ministro dos negócios estrangeiros, comunicou o fato ao representante do Brasil em Paris. No dia 4 de Abril de 1871, a mesma legação comunicou que tendo sido declarada a deposição da dinastia, fora proclamada a República; e que a Assembleia Constituinte nomeou em 17 de Março o Sr. Thiers Chefe do Poder Executivo e Presidente do Conselho. Em resposta a esse comunicado e satisfazendo ao pedido francês, o Brasil reconheceu o novo governo adotado pela França. Com a nova reorganização do poder na Europa, mudou também a atuação da Alemanha em escala global. Do ponto de vista político, as relações do Império com a Alemanha, especialmente comerciais, eram uma prova do caráter multifacetado do sistema que emergiu nas décadas de 1870 e 1880. Se culturalmente a preferência das elites imperiais sempre foi pela França e politicamente as relações mais estreitas eram para com a Inglaterra, a Alemanha 104 despontava naqueles anos como um competidor à altura do desafio. O Brasil parecia também estar disposto a ampliar seu intercâmbio com outros polos de poder, e dentro das possibilidades escapar da alternativa britânica. A Alemanha empenhando-se na concorrência com a Inglaterra, logo após o conflito contra a França, faz do Império Brasileiro mais um dos cenários em que se desenrolaria o conflito econômico das grandes potências. (CAMPOS, 2004, p.253-254) Com o progresso originado pela unificação política, apesar da constante oposição inglesa, houve espetacular crescimento da marinha mercante alemã, cabendo a Hamburgo um papel decisivo nos contatos com o Brasil. Em 1867 fundou-se a Hamburg-Sued, cujos vapores, a partir de 1871, levavam pela primeira vez a bandeira de Hamburgo ao Atlântico Sul e mais onze empresas diversas. Em 1876, estenderam-se suas linhas ao Brasil o Norddeutscher Lloyd, que foi fundada em Bremen, pelo Consul H. H. Meyer, em 1857. Nessa época já se encontrava o Brasil integrado a navegação no amplo episódio de concorrência teuto-britânica, que ajudaria a culminar na guerra de 1914. Não apenas empreendimentos procedentes da Alemanha, mas também de alguns alemães radicados no Brasil, e passou-se depois da unificação a aumentar o intercâmbio entre os dois países e com o resto da Europa Central, incluindo o Império AustroHúngaro, denotando um Universalismo com gênese na conjuntura ímpar do período. As atividades desses empreendimentos se expandiram de tal forma que, mesmo levando em conta o papel secundário do Brasil nos interesses comerciais alemães, especialmente comparados à África, acabou por desempenhar um papel importante na luta global por novos mercados. Em vários produtos importados pelo Brasil, especialmente vinculados à indústria açucareira no Nordeste, até importações de artigos como louças, vidros, entre outros, cada vez mais as mercadorias alemãs passaram a rivalizar com qualquer outro nos portos do Império, especialmente em Santos. No âmbito da exportação, o tabaco e o café foram os principais itens, apesar do pessimismo do Império com a capacidade de absorção daquele mercado dos produtos brasileiros. (CAMPOS, 2004, p.259-266) 105 3.2 As Relações com a França As relações foram amistosas entre o Governo Imperial e o Governo da França durante os últimos anos da monarquia, salvo os pequenos problemas durante a Guerra Franco-Prussiana e algumas questões de limites. Do ponto de vista das relações culturais, a influência francesa foi sentida durante todo o século XIX e é muito anterior ao período de Universalismo dos anos 1870-1889. Especialmente nas artes plásticas, a vinda da Missão Francesa no começo do século e sua permanência durante todo o período Imperial promoveram com êxito o ensino de esquemas acadêmicos no desenho, na pintura, na escultura e na arquitetura. (BOSI, 2012, p.227-228) Na elite Imperial, as representações externas dominantes em todos os aspectos da vida social e cultural pertenciam à França. A literatura consumida no país, artigo de luxo em uma sociedade composta de uma pequena elite cercada por analfabetos, era prioritariamente francesa, sendo que mesmo os romances ingleses eram traduções francesas. Com exceção de Darwin e Spencer, os pensadores franceses como Auguste Comte, Ernest Renan Arthur, Conde de Gobineau, predominavam na vida intelectual da fase final do Império. Apenas a ópera italiana era mais apreciada do que a francesa nos teatros cariocas e de outras cidades brasileiras. Na moda, as tendências parisienses eram as mais procuradas na Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro. (BETHELL, 2012, p.153) Grandes políticos, letrados e até o Imperador tinham grande fascínio pela representatividade da França na história. A capital francesa, Paris, exercia grande admiração entre a elite Imperial. Joaquim Nabuco, apesar da sua notória preferencia por Londres, afirmava ser quase impossível chegar pela primeira vez em Paris e tornar-se indiferente ao maravilhoso que o surpreende a cada passo. Independente do seu gosto pessoal reconhecia que Paris “foi, e é (era) a paixão cosmopolita em redor de nós”. (NABUCO, 1963, p. 50-84) 106 Nas trocas comerciais, a supremacia das importações francesas feitas pelo Império eram de artigos que vestiam e alimentavam o brasileiro, além de itens para uso doméstico e nas estruturas de produção aqui residentes. As mercadorias variavam, com preeminência de manufaturas e tecidos, além de vinhos, manteiga, vestes e produtos industrializados em geral. As exportações acompanhavam o resto das operações com as potências centrais, com grande primazia do café, conquistando em alguns exercícios fiscais, inclusive, superávit nas relações comerciais. (DEVEZA, 2004, p.198-200) No campo diplomático, o Governo Francês, por meio da legação brasileira em Paris, solicitou ao Governo Imperial que auxiliasse na comissão mista para tratar de reclamações de nacionais francesas que sofreram perdas durante a Guerra de Secessão Americana. A comissão mista seria composta por três membros, sendo um francês e outro americano, e o terceiro nomeado por uma terceira potência, nesse caso por comum acordo indicado pelo Imperador do Brasil. O governo Imperial aceitou o convite e os trabalhos se estenderam até 31 de Março de 1883, e a escolha do Império recaiu sobre o Barão de Arinos, ministro plenipotenciário em Bruxelas, mostrando o prestígio externo do Império e o alcance do Universalismo do período. (RRNE, 1879, p.11-12) Em outra oportunidade, o Governo Francês, por meio da sua legação no Rio de Janeiro, em detrimento de uma guerra da França contra a China, classificou o arroz entre os artigos de contrabando, mas que, para não prejudicar o comércio dos países neutros, admitia que continuasse a ser livre a comercialização destinada apenas aos portos do Sul do Império Chinês. O Império, não entendendo o arroz por artigo reputado à guerra, ou seja, sairiam das regras conveniadas em artigos anteriores entre os dois países, julgou do seu dever chamar atenção dos franceses sobre a matéria em nota do dia 24 de Abril de 188528. Apesar de nessa correspondência reafirmar essa resolução, não comprometia os interesses do Império, uma vez que parecia improvável que 28 Nota do Governo Imperial à Legação da República Franceza (1884) 107 navios brasileiros fossem a China e ali se empregassem no transporte de arroz; ainda assim, pedia atenção para que se evitasse qualquer situação que pudesse comprometer interesses brasileiros legítimos na região. (RRNE, 1884, Anexo I, p.57-58) Por fim, houve um incidente em 1886, classificado por Delgado de Carvalho como “um acontecimento mais cômico do que sério no Amapá”. O incidente tem origens que remontam o período colonial e estava em litígio as áreas na fronteira norte do país com a Guiana Francesa. A questão teve início quando um geógrafo francês, Jules Gros, fundou uma república no contestado: a República do Cunani, com um Ministério e uma ordem honorífica, a “Estrela do Cunani”. A nova vizinha do Brasil teve pouca duração, mas motivou alguns protestos da parte do Governo Francês que tomou para si a defesa da região, não gerando grandes consequências. (CARVALHO, 1959, p.203) Por fim, no apagar das luzes do regime monárquico, o Brasil teria uma participação importante na Exposição Universal de Paris, em 1889. Originalmente concebida em um formato nacional, no intuito de comemorar o centenário da Revolução Francesa, foi fortemente criticada pelos monarquistas e passou a sofrer o boicote das principais casas reais da Europa. O Império havia por um decreto de 1888 autorizado a criação de uma comissão para o evento, com um gasto de até 300 contos de réis, mas chegou a hesitar quanto a sua participação. Depois de muita discussão, e com restrições orçamentárias, o Brasil, a última monarquia da América, aceitou participar da exposição. (ALMEIDA, 2001, p.240242) Para a exposição, a comissão brasileira preparou uma grande obra de apresentação do Brasil, Le Brésil em 1889, além de um pavilhão em três andares de ferro e vidro, inaugurado em 14 de Junho de 1889. O projeto foi assinado pelo renomado arquiteto francês Louis Dauvergue, ocupando 1.2 mil metros quadrados em uma ótima localização perto da Torre Eiffel, mostrando um país progressista, recém-emancipado da questão escravista, em pleno desenvolvimento econômico e moderno. O sucesso e a impressão positiva causada foram tão grandes, a 108 ponto de ter ocorrido uma verdadeira consternação da opinião pública francesa com a queda da monarquia, já nos momentos finais da exposição na capital parisiense. 3.3 As Relações com a Santa Sé A constituição de 1824 referendava o Catolicismo como sendo a religião oficial do Império29, o que trazia consequências imediatas nas relações com as autoridades da Igreja em Roma. (CALÓGERAS, 1957, p. 348-351) No Brasil, diferente do ocorrido em várias repúblicas hispânicas, as duas instituições conviveram com relativa harmonia e respeito mútuo. A grande mudança ocorreu quando o Papa Pio IX (1846-1878) mudou as diretrizes da Igreja e estabeleceu a autoridade suprema do papado. Como efeito dessa mudança, os bispos e padres no Brasil começaram a se rebelar contra a subordinação do Estado. O conflito se iniciou na sentença do Bispo de Olinda, Dom Vital, que julgou interditada uma irmandade da cidade de Recife por não ter afastado os membros notoriamente maçons (5 de janeiro de 1873). A irmandade viu-se na impossibilidade de cumprir o mandato episcopal, e o Bispo impôs à corporação a pena de interdito. No Pará, o bispo Dom Antônio de Macedo Costa agiu de forma idêntica (março de 1873). A irmandade recorreu, segundo as leis do Império, à Coroa. Interpelado pelo presidente da província, o Bispo limitou-se a declarar que semelhante recurso era condenado por várias disposições da Igreja, preferindo assim deixar sua causa à revelia, a dar uma prova de submissão às leis do país. Depois de ouvir o Conselho de Estado, o Imperador por meio do Ministro do 29 Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 25 DE MARÇO DE 1824) 109 Império respondeu que o ato foi uma desobediência formal das leis imperiais, declarando, em suma, que as atitudes foram completa oposição aos poderes do Estado. (CALÓGERAS, 1957, p. 351-360) O Governo, para evitar o agravamento do conflito, resolveu enviar em missão especial o Ministro plenipotenciário do Brasil em Londres, Barão de Penedo. As ordens dadas a ele eram de procurar obter que o Papa deixasse de instigar os bispos à sua desobediência e, ao contrário, aconselhá-los que agissem em conformidade com os preceitos constitucionais e com as regras de convivência entre as relações da Igreja e o Estado. O Império usava da política externa como instrumento de solução interna, algo que se mostrou vital durante aqueles anos. (CALÓGERAS, 1957, p. 360-363) As instruções no trato com os representantes da Santa Sé davam o tom das animosidades: (...)tanto nas conferencias que tiver, como nas communicações que dirigir ao cardeal secretario, usará V. Ex. de uma linguagem moderada, mas firme. O Governo Imperial não pede favor, reclama o que é justo e não entra em transacção. (RRNE, 1873, p.42) Dando continuidade às instruções, foi informado que em paralelo à missão com o Papa, o Governo Imperial ordenou abertura do processo contra o Bispo de Pernambuco e, deixando claro sua intenção, se necessário, de empregar outros meios legais para solucionar o caso. Em Roma, o enviado brasileiro dirigiu-se aos representantes da Santa Sé em inúmeras conferências e conversas sobre o caso. Em oficio de 25 de Novembro de 1874, o Barão de Penedo comunicava a solução final da questão, como a mais “completa e satisfaria possível”. Com desfecho das negociações, ficou acertado que o Papa estaria disposto a empregar os meios que julgasse apropriados para por fim ao “deplorável conflito”. Dentre os métodos que ele se referia estava uma carta que seria endereçada ao bispo de Olinda, fazendo 110 censuras sobre seu posicionamento e recomendando que levantasse os interditos lançados sobre as igrejas da sua diocese. (RRNE, 1873, p.42) A carta que seria enviada ao bispo foi mostrada ao Barão de Penedo e declarava que a atitude do bispo causara ao Santo Padre um grande pesar. Dizia que o bispo entendera mal as instruções da Santa Sé, e que se houvesse a tempo o consultado sobre o assunto, teria lhe poupado essa amargura. Por fim, o Papa ordenava que restabelecesse o antigo estado das coisas, ou seja, a volta da paz da Igreja com o Estado Imperial. Permanecia ainda o problema do julgamento do Bispo. O Barão afirmou não ter levado a questão aos encontros, já que seria demais pretender que a Santa Sé reconhecesse o direito que, segundo a Igreja, só ela tem direito. Dom Vital foi preso em 24 de janeiro de 1874 e enviado ao Rio de Janeiro, onde pouco depois, foi condenado a quatro anos de prisão com trabalho forçado, algo que ocorreria em breve com o bispo do Pará, também envolvido com a questão. No Supremo Tribunal de Justiça e durante a sentença proferida, o representante apostólico no Brasil afirmou ser essa uma violação dos direitos e leis da Igreja, especialmente da imunidade eclesiástica e protestou contra o pretenso abuso. A resposta do Império foi enérgica, e em uma nota do Governo Imperial aos representantes apostólicos do dia 1ª de Março de 187430, disse: O tribunal, que julgou o Rev. Bispo de Olinda e que há de julgar o do Pará, é o Supremo Tribunal de Justiça do Império, por nossas leis competentes; e esta competência não depende do juízo de nenhuma autoridade estrangeira, seja ella qual fôr. (RRNE, 1874, Anexo I, p.307308) O protesto foi considerado pelo Império impertinente e nulo, e como tal sem capacidade de produzir algum efeito, no entanto, o conflito entre a Santa Sé e o Brasil não se resolveu com a resposta. Em nota do cardeal secretário de 30 Nota do Governo Imperial à Nunciatura Apostólica, 01/03/1874. 111 Estado à Legação Imperial junto a Santa Sé, do dia 30 de Março de 1874, afirmava que: (...) o sr. barão de Penedo assegurou (...) que seu Governo não tomaria medida alguma desagradável entre o bispo de Pernambuco e, era muito natural que assim acontecesse, achando-se pendentes as negociações entre a Santa Sé e o Governo Imperial. (RRNE, 1873, p.44) O Governo Imperial alegou que não duvidava das palavras do Secretário de Estado de Sua Santidade, mas não podia deixar de ter inteira fé ao seu agente, cujas informações contrariam aquela versão. O Governo afirmou que sabendo a Santa Sé da inteira independência dos poderes políticos do Estado, e tendo conhecimento que uma vez o processo instaurado, devia seguir todos os trâmites legais, não deveria ser surpresa o ocorrido. Por fim, alegou ser impossível ao Barão de Penedo ter feito uma promessa que não estava autorizado e que em nenhum caso seria cumprida. Além disso, reafirmava que nos ofícios trocados entre a Santa Sé e o Império, havia a informação do procedimento judiciário, e a surpresa do representante do papado deve ter ficado a cargo de pensar que apenas as palavras do Santo Padre poderiam resolver por si só a questão. Em seguida o Papa enviou uma carta ao Imperador ameaçando-o com o juízo divino que: "quanto mais alto estiver alguém, mais severo será o ajuste de contas". Em uma análise política precisa, o Santo Padre também disse que "Vossa Majestade (...) descarregou o primeiro golpe na Igreja, sem pensar que ele abala ao mesmo tempo os alicerces do seu trono". A Questão Religiosa só iria se resolver definitivamente em 1875, durante o Ministério de Caxias, quando este obtém do Imperador a anistia aos religiosos, porém, o estrago causado seria permanente e fundamental para a derrocada do regime. (BARROS, 1974, p. 362363) 112 3.4 As Relações com a Grã-Bretanha Se a face subordinada e liberal tinha um grande farol, não podia ser outro que não o britânico. Apesar de se enquadrar dentro do Universalismo daqueles anos, as relações com a Grã-Bretanha são anteriores e fundamentais na compreensão do Brasil. O tema basilar das relações do Império com os ingleses se centrou historicamente na discussão acerca da natureza desse vínculo, ou seja, se o Brasil teria ou não sido um mero interlocutor dos interesses britânicos na América do Sul, em especial na região do Prata. A árdua disputa pelo entendimento do verdadeiro caráter dessa relação entre os dois atores não chegou a nenhum consenso, mesmo que tenha se conveniado por alguns setores da intelectualidade atribuir ao Brasil um papel de representante de uma espécie de Império informal britânico. Por outro lado, grandes nomes como Oliveira Lima, no capítulo sobre o Império e a Política Exterior da obra O Movimento da Independência – O Império Brasileiro (1821-1889) sentencia que a Grã-Bretanha “nunca exerceu sobre o Brasil a espécie de protetorado que sob o disfarce de aliança de há séculos exerce sobre Portugal.” (LIMA, 1962, p.468) De qualquer forma, o Império gozou nos últimos anos de uma inegável margem de autonomia frente à política externa britânica, especialmente após a extinção do tráfico negreiro, o reatamento das relações diplomáticas depois do término da Questão Christie (1862-1865) e o apaziguamento das disputas regionais, originando uma relação entre os dois países no mínimo amigáveis. O Império sempre lidou de forma extremamente dual em relação às requisições inglesas: era corriqueiro estes fazerem exigências exorbitantes, e em geral, a diplomacia do Império respondia verbalmente e publicamente manifestava suas intenções de satisfazer aos pedidos; por outro lado, usava do expediente de adiar, procrastinar e tornava insignificante grande parte da substância objetivada pelos britânicos. A única diferença se dava quando as forças internas se somavam aos pedidos britânicos ou quando entendia ser necessário realmente tomar determinada posição, o Império cedia. (GRAHAM, 2004, p.168-172) 113 Apesar de a relação de subordinação ser o elemento condicionador das ligações entre os dois Estados, o Brasil parecia usar desse expediente para de alguma forma resguardar um pouco de sua autonomia frente ao poder britânico. Esse recurso não invalida o paradigma e sua face subserviente ao capitalismo europeu, mas demonstra que a simplificação da análise pode resultar em sínteses que não levam em conta toda a realidade. As questões econômicas, especialmente comércio e investimentos, eram sem dúvidas, as matérias essenciais entre os dois países naqueles anos. Não que se possam ignorar as esferas de influência cultural, sobretudo nos núcleos da intelectualidade brasileira, entre eles Rui Barbosa e Joaquim Nabuco, esse último, confesso apaixonado pelos ingleses e grande apreciador das suas instituições. De qualquer forma é incontestável terem sido os interesses britânicos no Império de ordem acentuadamente econômico, incluindo nesse contexto a questão da escravidão, tão cara à diplomacia destes. A Lei do Ventre-Livre, em 1871, muito deve à pressão britânica, fruto de uma das mais acirradas controvérsias entre o Brasil e a Inglaterra, que era a questão servil. As relações econômicas da Grã-Bretanha com o Brasil, e com toda a América Latina durante os anos de 1870 e de 1880, representaram uma época de ouro para esses países, especialmente pelo salto exponencial dos setores da economia baseados na exportação. Essa explosão se deu, especialmente, pelo aumento da demanda (inclusive inglesa) de gêneros alimentícios e matériasprimas, que só foi possível pela revolução comandada pelos britânicos nas comunicações e nos transportes, além da maciça entrada de capitais daquele país. O tamanho dos investimentos estrangeiros na América Latina é difícil de mensurar, porém, há algum consenso de que o investimento britânico era de ao menos 200 milhões de libras em 1880, sendo que quase um quarto de valor seria investimento no Brasil. Naqueles anos era desnecessária qualquer interferência direta nos assuntos da região, e em especial do Império, uma vez que o avanço das relações econômicas fazia das intervenções diretas absolutamente dispensáveis. Usualmente as elites viam com muito bons olhos a penetração do capital britânico, recebendo daquela fonte os benefícios da modernização 114 capitalista, parecendo ser essa uma das explicações mais elementares do Universalismo daqueles anos para com o centro do sistema capitalista. (BETHELL, 2009, p.582-598) A situação britânica, no entanto, não foi isenta de dificuldades e desafios. As ameaças alemãs e especialmente norte-americanas incomodavam a primazia comercial na região, apesar de até o derradeiro momento da queda da monarquia, os investimentos de nenhum deles tirarem a soberania do capital britânico. No comércio imperavam as importações de produtos manufaturados, especialmente têxteis, artigos de algodão, mesmo quando as manufaturas têxteis brasileiras começaram a produzir sua própria roupa. Vários artigos de produção também vinham da Grã-Bretanha, e isso contribuía para aumentar a dependência estrutural da economia brasileira àquele país. As exportações de café para com os britânicos nunca alcançaram os patamares que o mercado americano possuía, sendo que somente com o aumento da produção de borracha que o mecanismo exportador brasileiro voltou a vender produtos em grande escala. Nessas condições deficitárias, as importações deveriam ser pagas por outros meios pelo Império. Um dos meios mais relevantes desse pagamento consistia nos lucros obtidos pelos comerciantes britânicos no Brasil. Em meados de 1870, a sociedade de Philips Brothers & Co. exportava anualmente cerca de meio milhão de sacas de café, avaliadas em 2 milhões de libras esterlinas, e outra importante sociedade mercantil, a de E. Johunston & Co. abriu uma filial em Santos em 1881, sem contar as múltiplas empresas de transporte, que praticamente monopolizavam os fretes internacionais dos produtos brasileiros. Além disso, as casas bancárias, empresas de serviços urbanos, as ferrovias, ou seja, quase todos os serviços essenciais tinham presença hegemônica do capital direto britânico, e assim o foi durante todo o período final do Império. (GRAHAM, 2004, p.172-180) Na diplomacia, o caso das Guianas merece alguma atenção. A origem deste litígio se deu quando um alemão chamado Schombourg fez nos anos de 1836 e 1838 algumas viagens e explorações pelo Rio Branco, e pela Guiana 115 Britânica, sobre a qual escreveu uma obra intitulada A descripition of British Guyna, publicada em 1840 na capital britânica. Pouco depois da sua partida para a Inglaterra, um missionário inglês chamado Youd saiu de Demerára e estabeleceu uma missão no campo do Pirára. O Presidente da província do Pará, à qual pertencia o território naquele momento, tendo conhecimento do ocorrido, ordenou que um oficial acompanhado de uma escolta intimidasse o missionário a voltar para os territórios de possessão britânica. A execução dessa ordem gerou longas discussões, na qual o governo britânico declarou ao Brasil que os índios de Pirára, que por ele considerava independentes, tinha se colocado sob sua proteção. O impasse terminou temporariamente com um acordo provisório, cujas principais condições eram o Brasil retirar qualquer destacamento da região, reconhecer provisoriamente a neutralidade do território, sob a condição de ficarem as tribos de índios independentes e de posse exclusivamente do terreno até a decisão definitiva dos limites. Em 1843, não se tendo um acordo sobre as bases de um tratado definitivo, foi mandado a Londres o Conselheiro Araujo Ribeiro, depois Visconde de Rio Grande, para negociar um sobre limites com a Guiana Britânica. A negociação foi interrompida pelos britânicos, e o território ficou neutralizado. Em 1887, sendo o Barão de Cotegipe o Ministro dos Negócios Estrangeiros, expediu à legação Imperial em Londres instruções para propor um ajuste por meio de uma comissão mista encarregada de reconhecer o dito território, como um ato preparatório para um tratado definitivo de limites. Houve grande esforço para a resolução da contenda pela região, especialmente em 1888, quando uma tentativa feita pelo Barão de Penedo junto ao Lord Salisbury para a nomeação de uma comissão mista encarregada de reconhecer o território litigioso, mas não surtiu efeito algum. (CARVALHO, 1959, p.212) A definição só se daria em 1904, mediante arbitragem do rei da Itália, Victor Emanuel II, que alegou ser impossível definir qual o direito preponderante na região litigiosa, resolvendo assim dividi-la. 116 3.5 O Problema da Mão-de-Obra Nenhum assunto ocupou maior atenção dos homens do Império naqueles últimos anos de regime monárquico do que o sistema servil. A escravidão era a contradição mais essencial da sociedade brasileira, uma vez que a sua autoimagem, projetada pelas velhas elites, especialmente sobre os vizinhos, traziam no Império a ideia de civilização e luzes. O fim da Guerra do Paraguai trouxe uma nova fase nas questões abolicionistas, e sua luta contra “o cancro que roía as entranhas da sociedade brasileira”, como bem definiu José Bonifácio. (CARVALHO, 2007, p.130) Desde a Guerra de Secessão Americana, o Imperador já havia demonstrado interesse em resolver a questão escravista, ao menos sobre os filhos de escravos nascidos no Brasil. A tese sustentada pelos defensores da alternativa gradual de eliminação da mão-de-obra escrava residia no argumento de que controlando e eliminando a vinda de novos cativos para o Brasil, com a posterior iniciativa do ‘Ventre Livre’, a prática se erradicaria naturalmente. Seria uma forma de conter os movimentos abolicionistas que passaram a cada vez mais encampar a sua luta no cenário político Imperial. Para a diplomacia era grande o desafio. A pressão vinha de importantes setores da opinião pública interna, além das pressões externas originadas especialmente pela Inglaterra e no final da década de 1880 da Santa Sé. Incapaz de evitar as consequências da manutenção da escravidão, coube à diplomacia o papel naquelas duas décadas de potencializar qualquer avanço rumo à abolição e ao mesmo tempo trabalhar para garantir que não faltasse mãode-obra. Em mais um caso, a face Universalista externa deveria agir para garantir e solucionar as demandas internas. 117 Por ocasião da promulgação da lei de reforma servil, pela Lei nº2040 de 28 de Setembro de 1871, a ‘Lei do Ventre Livre’31, o Império recebeu diversas congratulações por parte das legações estrangeiras e consulados, que felicitaram por haver adotado uma tão importante reforma econômica e social, algo que “não podia deixar de ser acolhida com satisfação pelas nações civilizadas”. Aproveitando a oportunidade, as legações brasileiras na Europa e na América manifestaram a satisfação que causou ao Império a realização de uma medida tão importante para o futuro do Brasil. (RRNE, 1871, p.28) Foram muitas as trocas de ofícios e notas oficiais congratulando o Império pelo avanço na emancipação, demonstrando a pluralidade das relações do Brasil naquele momento. Dentro os principais foram: a Santa Sé, Portugal, Estados Unidos, França, Rússia, Alemanha, Itália, Bélgica, Áustria, Espanha, Peru, Uruguai, Chile, Argentina, Países Baixos, Suécia, Noruega, Baviera, Dinamarca, Suíça e Bolívia. O conteúdo pouco variou entre elas, que de forma sintética se mostravam extremamente alegres com a iniciativa do país estar lidando com tamanho problema. A Legação portuguesa, por exemplo, felicitou o Império por ser “de agora em diante livres todos os que nascerem nas terras de Santa Cruz”, e dessa forma elevando o país no conceito de “todos os povos cultos”.32 O representante alemão, Hermann Haupt, ressaltou o fato de o Brasil ter resolvido pacificamente e espontaneamente uma questão, que “tem custado a outros países rios de sangue e profundos abalos”.33 O encarregado Thomaz Clement Cobbold, da Grã-Bretanha, ressaltava que a promulgação daquela lei contribuiria para fortalecer os laços de amizade entre os dois povos, em clara alusão à histórica requisição britânica para que o Império acabasse com a instituição 31 Art.1º - Os filhos da mulher escrava, que nasceram no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. Lei nº2040 de 28 de Setembro de 1871. 32 Nota de S. Magestade Fidelissima de Portugal ao Governo Imperial, 28/08/1871. 33 Nota da Legação da Alemanha ao Governo Imperial, 30/09/1871, RRNE, 1871. 118 escravocrata.34 (RRNE, 1871, Anexo I, p.402-412) O governo Imperial fez questão de responder a todos com o agradecimento devido e trabalhou para potencializar o prestígio externo conquistado com essa medida. Internamente, não obstante, a Lei do Ventre Livre mostrava-se tacanha perto das pretensões dos abolicionistas e setores da sociedade favoráveis a abolição imediata. As maiores críticas versavam sobre seu dispositivo legal que respeitava o princípio de inviolabilidade do domínio do senhor sobre o escravo, além de efetivamente ter proporcionado um avanço questionável. (NABUCO, 2000, p.3-6) Após período de apatia sobre o assunto, o movimento abolicionista fundou em setembro de 1880 a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, com participação ativa de Joaquim Nabuco, que faria dessa a maior luta de sua vida. O declínio da população escrava, apesar de ainda não estar emancipada como gostariam os grupos abolicionistas, era perceptível. Em 1874, a população escrava no Brasil era de 1.540.829; em 1884 eram 1.240.806, e em 1887, ou seja, nos últimos momentos antes da abolição, a população era de 723.419. O aumento dos preços dos escravos e a falta que sentiam as áreas cafeeiras da região Sudeste, especialmente São Paulo, de mão-de-obra para a produção rural fizeram com quem houvesse uma procura enorme por alternativas além da escravista. Ainda assim, contrariando o movimento geral de praticamente todas as regiões brasileiras, São Paulo passou a usar cada vez mais desse tipo de força de trabalho, sendo que no período de 1874, com 80.000 escravos, a província passa a 107.329 pouco antes da Lei Aurea. (REIS, 2000, p.91) A sensação geral de que a manutenção da escravidão seria temporária e que a solução de trazer escravos de outras regiões do país era apenas paliativa, levaram os fazendeiros de café e seus representantes no governo a pensar seriamente a partir dos anos 1870 e 1880 em uma alternativa viável para a agricultura do Império. A preferência notória sempre foi pela mão-de-obra europeia, especialmente pelos laços civilizatórios e pelas teses carregadas de um 34 Nota da Legação da Grã-Bretanha ao Governo Imperial, 02/10/1871. 119 grande componente racista, onde predominaria a ideia de transformar a população negra em branca por meio da imigração. Não era essa a primeira iniciativa, sendo que elas remontam desde os primeiros anos do Império, contudo, por conta da distância, da língua e o caráter exótico, o potencial imigrante não se sentia tentado a se aventurar no Brasil. Apesar das dificuldades, a crise europeia e a mudança nas matrizes econômicas auxiliou o Império na recepção de estrangeiros a procura de uma melhor oportunidade de vida. O grande problema é que a quantidade de imigrantes ainda era incipiente para compensar as dificuldades em substituir a mão-de-obra escrava, e até a década de 1880, São Paulo, o maior polo de necessidade de braços para a lavoura, só havia recebido algumas centenas de imigrantes ao ano. (IBGE, 1960) A Repartição dos Negócios Estrangeiros foi mobilizada para auxiliar na empreitada. Em 1872, o regulamento consular preocupado com a atração cada vez mais necessária de imigrantes e recomendava que os Cônsules se esmerassem em indagar se havia “pobres robustos, trabalhadores e diligentes no serviço, entre criados de servir, lavradores, ferreiros, carpinteiros, pedreiros e mais ofícios mecânicos dispostos a emigrar.” (CASTRO, 2009, p.146) As grandes dificuldades não paravam por ai. Teve a diplomacia Imperial de lidar com inúmeros casos problemáticos que comprometeriam a já complicada imigração ao Brasil. Em um deles, a Legação alemã, por nota de 28 de Abril de 1872, protestou contra o fato de um padre católico ter casado duas mulheres alemãs da colônia de Santa Leopoldina mesmo sabendo que elas eram casadas com protestantes. O assunto foi levado ao Conselho de Estado e seu parecer foi: Primeiro - Que o sacerdote católico, pelo fato de conferir matrimônio, violou os cânones aceitos no Brasil, e, além disso, incorreu em criminalidade, não podendo, contudo, ser processado senão por queixa dos ofendidos; Segundo Que as ditas alemãs cometeram poligamia, e podiam ser processadas mediante ação pública ou particular; Terceiro - Convinha chamar atenção aos bispos brasileiros para os inconvenientes de ordem pública, que poderiam acarretar fatos 120 semelhantes, comprometendo inclusive a imigração alemã ao Brasil. (RRNE, 1873, p.45-46) Outros problemas se seguiram. Em agosto de 1875, uma circular do Governo da França publicou um ato proibindo a imigração para o Brasil, por necessidade de proteger seus cidadãos contra abusos de alguns agentes de colonização. Poucos colonos franceses vinham ao Brasil, sendo a questão de importância moral, e talvez por isso muito maior do que parecesse à primeira vista. O problema aumentou quando em setembro de 1875 o Governo Italiano também tomou a mesma medida. A legação em Roma foi instruída a interceder sobre o caso e recebeu a resposta do que a imigração era livre, mas a medida era destinada apenas a impedir abusos por parte de agentes de imigração. Pouco depois houve mudança de ministério na Itália, e o novo Ministro do Interior expediu outra circular, substituindo a primeira por uma série de dispositivos para prevenir abusos, mas respeitando o direito de imigração a todos os italianos. Entre esses e outros problemas, o relativo insucesso na atração de imigrantes europeus durou até a abolição da escravidão, incitando o Governo Imperial a considerar a importação de força de trabalho chinesa. A prática não era nova, já que naquela mesma época os Estados Unidos faziam uso do mesmo expediente, os chamados coolies, trazidos para a construção das grandes linhas ferroviárias que deviam unir as duas costas. Na América do Sul a prática não era novidade, uma vez que o Peru também havia recorrido a essa saída. Pelo porto de Callao, entre 1850 e 1874, haviam entrado no país um total de 87.952 trabalhadores chineses, mais de um quarto dos quais, 25.303, chegaram ao país no biênio de 1871-1872. (BONILLA, 2001, p.556-557) Em 1880, ao custo de 120 contos de réis especialmente alocados na ocasião, decidiu-se enviar uma missão diplomática especial à China. (ALMEIDA, 2001, p.364) Na esfera interna, longos foram os debates sobre o assunto. O alto custo da missão à China e as disputas acerca da imigração levaram a apaixonados debates nas tribunas parlamentares. O grande adversário da proposta era Joaquim Nabuco, e mais tarde, Alfredo d’Escragnolle Taunay, sendo 121 o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Antônio Moreira de Barros, o principal defensor da empreitada. A oposição à imigração chinesa contava com algumas das maiores inteligências da época, que souberam combatê-la com grande veemência, dissuadindo as diversas vozes no confronto de ideias do Parlamento. Os argumentos eram de várias naturezas: políticos, econômicos, históricos, biológicos e até mesmo racistas. (CERVO, 1981, p.178-180) Em um dos momentos de maior exaltação, na sessão do dia 3 de Setembro de 1879, Nabuco afirma que: Perguntei em primeiro lugar se os chins eram reclamados pela lavoura e provei que não. A lavoura do Norte não os quer, a lavoura do Sul não os pediu. Mas, sendo os chins reclamados pela lavoura, serão eles convenientes? Não, por muitos motivos: etnologicamente, porque vêm criar um conflito de raças e degradar as existentes no país; economicamente, porque não resolvem o problema da falta de braços; moralmente, porque vêm introduzir na nossa sociedade essa lepra de vícios que infesta todas as cidades onde a imigração chinesa se estabelece; politicamente, afinal, porque, em vez de ser a libertação do trabalho, não é senão o prolongamento, como até disse o nobre ministro, do triste nível moral que a caracteriza e a continuação ao mesmo tempo da escravidão. (NABUCO, 2010, p.241) Nabuco após uma série de antagonismos nos discursos, ao mesmo tempo exalta e rebaixa os povos asiáticos, apelando às leis da evolução das espécies, e conclui que se viessem os chineses, aos poucos iriam dominar a civilização ocidental, transformando-a em uma civilização imóvel e asiática. O medo de que a lógica de escravidão se reconstituísse também estava na sua tese, uma vez que vários chineses que foram para Cuba, Peru e Hong Kong tinham contratos que se assemelhavam ao sistema escravista. Moreira Barros foi à tribuna e refutou as ideias de Nabuco, que por vezes subiu a tribuna para defender-se. Ainda assim, o crédito para a viagem foi aprovado, mesmo sob fortes protestos de vários setores políticos. Com os valores disponíveis para a viagem, a delegação estava incumbida de propor, negociar e concluir um tratado de amizade, comércio e 122 navegação com a China. Além disso, havendo possibilidade, se atentasse também a demanda crescente por imigrantes de trabalhadores agrícolas, cada vez mais escassos depois das últimas reformas no trabalho escravo. Para este fim foram nomeados em caráter de enviados extraordinários o ministro plenipotenciário Eduardo Callado, então ministro residente no Paraguai, e o Chefe de Divisão Arthur Silveira da Motta. Um primeiro acordo com a China foi firmado em 5 de Setembro de 1880, que os brasileiros aceitariam, se não fosse possível realizar mais algumas alterações. A tentativa que se fazer novas negociações foi bem sucedida em quase todos os pontos submetidos à revisão, e o novo tratado então foi aprovado e assinado em 3 de outubro de 1880, pelo representante brasileiro Callado. Estava prevista a promulgação para alguns meses após ter sido assinado e aceito, uma vez que por conta da grande distância, a demora tornava-se inevitável. Na segunda fase da negociação, o governo pode corresponder-se com o representante brasileiro pelo telégrafo. O tratado foi finalmente promulgado pelo decreto nº8651 de 24 de Agosto de 188235 e tinha como os principais artigos: 1º Tratado afirmava que haveria paz perpétua e amizade entre os Impérios do Brasil e da China, além de estar livre de um para outro o transito de súditos, inclusive para residência; 2º Para facilitar as relações dos dois Estados, ficaram acertados que se julgasse conveniente, os dois poderiam trocar nas respectivas capitais representantes diplomáticos, gozando dos dois lados de todas as prerrogativas, isenções e imunidades concedidas aos agentes diplomáticos; 3º A troca de consulados para os portos e cidades mais importantes também estaria resguardada; 4º e 5º O trânsito e o comércio poderiam ser efetuados por súditos dos dois países, conforme regras pré-estabelecidas; 6º Os súditos e navios mercantes das duas nações contratantes ficariam sujeiras, nos portos abertos da outra, aos 35 Tratado de amizade, commercio e navegação celebrada entre o Brazil e a China em 03/10/1881 – Promulgado 24/06/1882. 123 regulamentos comerciais em vigor, ou que pudesse vir a vigorar. (RRNE, 1882, Anexo I, p. 41-52) Além disso, os súditos dos dois países não seriam obrigados a pagar imposto de importação ou exportação mais elevada do que pagavam os súditos da nação mais favorecida; Artigo 7º Os navios de guerra de cada um dos dois Estados seriam admitidos nos portos do outro, e seriam tratados no mesmo pé que os da nação mais favorecida. Os comandantes dos navios de guerra brasileiros, na China, tratariam em pé de igualdade com as autoridades locais; 9º Os brasileiros na China que tivessem qualquer motivo de queixa contra algum chinês, deveriam se dirigir-se ao cônsul brasileiro. Se um chinês tivesse alguma reclamação contra um brasileiro na China, deveria o cônsul brasileiro ouvi-lo e esforçar-se por fazê-los chegar a um acordo amigável. 10º Os súditos brasileiros, na China, que cometessem algum crime contra súditos chineses, seriam presos pela autoridade consular e punidos pelas leis brasileiras. Os súditos chineses que fossem culpados de um ato contra brasileiros na China, seriam presos e punidos pelas autoridades chinesas. Em regra geral, todo o processo civil ou criminal na China, deveria ser julgado em conformidade com as leis e pelas autoridades da nação a que pertencia o réu acusado. Se, na China, qualquer súdito chinês fosse autor ou cumplice contra algum súdito brasileiro, a autoridade chinesa informaria o fato a autoridade consular brasileira e ambas nomeariam agentes para a captura dos criminosos, os quais não poderiam ser protegidos ou ocultados. 13º Os súditos chineses no Brasil teriam livre acesso aos tribunais e justiça, ficando sobre as regras brasileiras, e gozariam dos direitos e privilégios da nação mais favorecida. (RRNE, 1882, Anexo I, p. 41-52) O Brasil fazia seu tratado desigual, típico do período e extremamente semelhante àqueles que as potências centrais impunham a diversos Estados ao redor do mundo, conforme foi mencionado na introdução. O episódio, um dos mais coloridos e interessantes do período, deixa com contornos claros as justificas para o argumento do sentido Universalista da conduta internacional. 124 O grande objetivo da negociação, que era a introdução de trabalhadores no Brasil em benefício da agricultura não foi alcançado diretamente. Apesar dos esforços dos representantes brasileiros, houve grande resistência do Governo Chinês, contudo, havia fé na capacidade do artigo 1º do tratado, que versava sobre a capacidade dos súditos dos dois países contratantes poderem ir de um Estado para outro residir, pudesse indiretamente ter o efeito esperado. Ainda assim, a imigração pretendida não foi alcançada, sendo considerada a missão um total fracasso para uma parcela dos deputados. Não se pode, porém, atribuir total perda de tempo à missão brasileira na China, uma vez que à resistência se deu por conta dos líderes chineses estarem àquela altura sensibilizados com as campanhas de difamação contra os seus imigrantes. Por isso, tomaram a defesa de seus súditos e não aceitaram o acordo, apesar de ter conseguido garantir a abertura dos portos brasileiros ao comércio e a imigração voluntária chinesa. (CERVO,1981, p.184-187) A imigração chinesa foi apenas esporádica nos momentos derradeiros do Império, ainda que a imigração europeia, especialmente portuguesa, italiana e alemã tenham aumentado substancialmente. Por fim, ainda faltava dar o último golpe na escravidão e destruir a instituição escravista. Durante esse período, o Imperador teve de viajar à Europa para tratamento médico, e em 1887, deixou a regência para sua filha Isabel. Notoriamente favorável à abolição e uma católica fervorosa, fizeram com que Joaquim Nabuco, um dos mais notáveis abolicionistas, políticos do Império e ferrenho opositor da mão-de-obra chinesa, fosse por intermédio de amigos em Londres visitar o Papa Leão XIII e solicitar uma Encíclica36 de condenação à escravidão. Nabuco sempre lastimou a neutralidade do clero perante a escravidão. A sua esperança, e do partido abolicionista, só reacenderam quando por ocasião do jubileu de Leão XIII, a Igreja publicou cartas convidando os seus diocesanos a 36 Mensagem dirigida pelo Papa, em formato de carta, a todos os fiéis católicos 125 oferecer como dádiva ao Santo Padre cartas de liberdade aos escravos. Ele sabia que recorrer ao Papa inspiraria mais do que qualquer outra coisa a Princesa Isabel a realizar o projeto de finalmente acabar com a instituição escravista, além de considerar legítimo o uso da opinião pública mundial como arma contra esta. Com cartas de apresentação assinadas pelo cardeal Manning, obtidas por seus colegas da Anti-Slavery Society e Mr. Lilly, da União Católica Inglesa, foi recepcionado pelo Pontífice. (NABUCO, 1963, p.222-224) Em seu diário do dia 10 de Fevereiro de 1888, Nabuco escreveu: Hoje, o Papa recebeu-me em audiência particular e conversou cerca de uma hora comigo, prometendo-me publicar brevemente a sua Encíclica aos bispos brasileiros contra a escravidão (...) Não vi a mínima vacilação no seu espírito a respeito do modo de pronunciar-se na questão. Interrogou-me sobre as disposições do governo, dos partidos, da família Imperial, dizendo mais de uma vez: ‘Quando o Papa falar, [os católicos] hão de obedecer’(NABUCO, 2006, p.258) Leão XIII prometeu que publicaria a Encíclica o mais breve possível, mas Nabuco esperava que fosse divulgado antes da abertura do Parlamento Imperial em Maio, o que não se concretizou por pressões de Cotegipe junto ao Vaticano. Apesar de tentar ao máximo protelar a publicação do conteúdo da Encíclica, seu conhecimento se tornou público e contribuiu para a abolição da escravidão, pela Lei Áurea de 13 de maio 1888. A Princesa Izabel explicitava a importância do momento para a história do país na Fala do Trono, em 3 de Maio de 1888: Quando o próprio interesse privado vem espontaneamente colaborar para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura haviam mantido confio que não hesitareis em apagar do direito pátrio a única exceção que nele figura em antagonismo com o espirito cristão e liberal das nossas instituições. Mediantes providências que acautelem a ordem na transformação do trabalho, apressem pela imigração o povoamento do país, facilitem as comunicações, utilizem as terras devolutas, desenvolvam o crédito agrícola e a aviventem a indústria nacional, pode-se asseverar que a produção sempre crescente, tomará forte impulso e nos habilitará a chegar mais rapidamente aos nossos auspiciosos destinos.(FALAS DO TRONO, 1977, p. 504) 126 Terminada a escravidão, a grande maioria dos imigrantes, 60% em 1888/1889, eram de italianos em São Paulo, que colhia os benefícios por estar desde a metade da década de 1880 subsidiando as passagens. O Censo de 1890 mostrava uma população de 22% de estrangeiros em São Paulo, a maior parte de italianos, usados em grande escala na produção do café. Assim, os anos finais do Império foram marcados pelo início em massa da imigração italiana, somando uma nova dimensão aos múltiplos vínculos do Brasil com a Europa, e impactando de forma aguda em várias esferas diplomáticas do período republicano. (BETHELL, 2012, p.152-153) 3.6 As Relações com os Estados Unidos Os Estados Unidos conquistaram sua independência da Grã-Bretanha após uma sangrenta guerra de independência no século XVIII, com a ajuda do então maior inimigo de sua ex-metrópole, a França. O primeiro Estado americano era dominado e em grande escala ocupado por povos de origem britânica ou de outras origens europeias. Seus valores e princípios vinham de uma tradição extremamente marcada pelo pensamento europeu, sendo que a organização política do Estado americano foi amplamente influenciada pelas ideias do Velho Continente, apesar de boa parte da ideologia do novo Estado estar baseada na ideia de superação e até mesmo antagonismo para com os europeus. (WATSON, 2004, p. 371) Tornado poderoso pela expansão a partir da costa leste e dotado de um sistema econômico e politico inovador, em um continente rico e virtualmente inexplorado, os Estados Unidos já surgiram como Nação em condição de exercer supremacia continental. Como aponta Kissinger, na obra Diplomacia (2007, p.21), dois fatores são essenciais para entender a projeção mundial dos Estados Unidos para os assuntos internacionais: seu poder, em rápida expansão, e o desmoronar gradual da lógica do sistema internacional centrado na Europa. 127 Os Estados Unidos traziam um novo impulso para o modelo Ocidental que entrava, ainda no século XIX, em uma fase de grande crise, sendo que sua política externa acompanhava essa evolução. Nos primeiros anos da República Americana, as questões internacionais refletiam o seu interesse nacional, que tinha como meta essencial o fortalecimento da independência de uma nova nação. Por diversas vezes, os fundadores manipularam as potências da época, França e Grã-Bretanha, usando os argumentos de não alinhamento e neutralidade como armas efetivas no jogo global e sempre que possível negando o modo europeu de fazer política internacional. A própria expansão para o oeste, em territórios não pertencentes às antigas Treze Colônias, eram para os políticos americanos considerados como um assunto interno da América e não uma questão de política externa. Evitando o jogo europeu, que desencadeara inúmeras guerras para prevenir a ascensão de forças potencialmente dominantes, e se centrando em um crescimento rápido no âmbito interno, inspirado pela confiança do processo revolucionário e suficientemente afastado para engrenar a sua política, os Estados Unidos se tornavam distantes e imparciais suficientemente para seguir um caminho novo na realidade internacional. (KISSINGER, 2007, p.23) Com o passar dos anos, a política americana teve pouca inflexão. A tese básica dos Estados Unidos era defender a causa da desaprovação da política europeia baseada no equilíbrio de poder, enquanto consideravam a sua expansão como sendo um “destino manifesto”. De forma sintética podemos dizer que, durante todo o século XIX, a política externa americana era basicamente cumprir seu destino e permanecer livre de qualquer envolvimento estrangeiro. Dentro desse quadro histórico e político, a decisão de excluir a política europeia do poder no hemisfério ocidental, usando se necessário alguns dos métodos da diplomacia europeia, era absolutamente inovadora. (KISSINGER, 2007, p.23-24) Na década de 1860, contradições internas levaram a Guerra de Secessão Americana (1861-1865), entre o Norte industrial e Sul escravocrata. Em 1865, o povo americano estava exaurido pela longa guerra civil. Os quatro anos de carnificina haviam deixado mais de seiscentos mil soldados mortos e mais um 128 número não conhecido de inválidos e muitos cidadãos de luto por algum parente ou conhecido. Para a história americana, no entanto, o conflito e a vitória do Norte significou a abolição da escravidão, a preservação do governo central e o término das longas disputas internas que permeavam o país desde a independência. (SCHOULTZ, p.101, 2000) A conquista da estabilidade interna possibilitou um avanço rápido rumo ao desenvolvimento econômico e militar. No ano de 1885 os americanos já haviam ultrapassado a Grã-Bretanha, até então considerada a maior potência industrial do mundo em termos de produção. No limiar do século, os Estados Unidos já consumiam mais energia do que a Alemanha, a França, a Áustria-Hungria, a Rússia, o Japão e a Itália juntos. Após a Guerra Civil, a produção de carvão, os carris de aços, as estradas de ferro e a produção de trigo já estavam entre as maiores do planeta. A imigração e a vibrante economia produziam um acúmulo de riqueza em uma velocidade não antes vista e parecia acelerar. (KISSINGER, p.28, 2007) Com exceção do breve interlúdio dos anos de Guerra Civil, dando espaço para que a Europa assumisse posições na região, a influência dos Estados Unidos na América Latina foi ampla. Durante o intervalo que se estende entre 1870-1889, ainda não se verá com contornos claros o imperialismo na condução dos assuntos hemisféricos como nos anos subsequentes, mas tornava-se a partir de então cada vez mais impossível mensurar qualquer impacto na região sem considerar a influência americana. Nos anos de 1870, já não havia dúvidas sobre o papel crescente de poder da grande República do continente. A fascinação era exercida em vários setores da sociedade Imperial, especialmente entre os núcleos Repúblicanos e mesmo entre monarquistas, caso de Joaquim Nabuco, que apesar da sua preferência pelas instituições britânicas, reconhecia a pujança da nova nação que pareciam “estar inventando a vida, como se nada existisse até hoje”. (NABUCO,1963, p.157) A posição cada vez mais central que os Estados Unidos desempenhavam no jogo mundial fazia com que sua presença não pudesse ser negligenciada. 129 Historicamente, as relações do Império com os Estados Unidos sempre foram cordiais, a iniciar pelo fato de terem sido os primeiros a reconhecer a Independência com Portugal e as animosidades terem sido rapidamente solucionadas. Apesar de alguns atritos originados pela tentativa americana de apresentar bons ofícios durante a Guerra do Paraguai, e encontrando a total recusa por parte do Brasil, com o fim do conflito, em 1870, as relações bilaterais passaram a ser ditadas pelo respeito mútuo. Em 1876, no tempo da Presidência Grant, D. Pedro II fez uma visita aos Estados Unidos, onde passou por várias cidades e deixou uma impressão muito positiva da sua figura e do Brasil, algo que iremos tratar mais adiante. (CARVALHO, 1959, p.362-363) No campo diplomático, houve vários convites do Brasil para participar de convenções e fóruns internacionais, o mais importante deles, o Congresso de Washington, de iniciativa americana, será retomado mais à frente. Em um dos momentos de maior relevância na relação bilateral, os Governos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, desejando chegar a acordo amigável relativo às reclamações provenientes de atos durante a guerra entre os Estados do Norte e os do Sul da União Americana, celebraram um Tratado, assinado em Washington, em 8 de Maio de 1871, com o fim de darem solução as reclamações de ambos os lados. Conforme com o art.1º do mesmo Tratado, as reclamações seriam levadas a um tribunal de arbitramento, composto de cinco membros, sendo um deles nomeados pelo Imperador do Brasil. (RRNE, 1871, p. 02-03) O convite foi feito em notas entregues no dia 21 de Agosto de 1871, sendo que os representantes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha manifestaram inteira confiança que o Imperador, amigo comum dos dois Estados, julgaria com espírito de justiça e imparcialidade que o distingue. O pedido foi acompanhado de um sincero desejo que D. Pedro II não recusasse a prestar os bons ofícios que lhe foi solicitado. As Falas do Trono mencionaram o fato com grande destaque, mostrando a importância e prestígio conferido ao governo Imperial: 130 O governo Imperial foi convidado para nomear um dos árbitros que, em virtude do tratado de Washington, tem de decidir as reclamações pendentes entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da América. Aceitei aquele convite com o cordial desejo de dar novo testemunho de nossa amizade às duas altas partes contratantes, e de corresponder à confiança que elas depositam no governo do Brasil (FALAS DO TRONO, 1977, p.401) O convite foi recebido de bom grado pela Princesa Isabel em nome do Imperador, e por meio do Decreto de 13 de Setembro de 1871, foi nomeado como membro do tribunal de arbitramento o Sr. Barão de Itajabá, ministro plenipotenciário na França. As legações dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, ao terem conhecimento da nomeação, declararão que lhes fora agradável a notícia da escolha. Ainda que cordiais, as relações do Brasil com os Estados Unidos sofreram alguns abalos substanciais. O mais importante deles foi em 1869, quando houve a suspensão das relações entre o Império Brasileiro e os Estados Unidos. Alguns anos antes, 1867, o general Webb, representante norte-americano na corte do Rio de Janeiro conseguiu, por meio de uma política de ameaças e pressão, uma enorme quantia de indenização do Império por supostas perdas de proprietários de navios americanos. Após conseguir as reparações pretendidas, reclamou indenização pela embarcação Canadá, que havia encalhado a mais de dez anos. As relações se estremeceram e foram rompidas em 10 de maio de 1869. O Governo Americano desautorizou a atitude de Webb e restabeleceu as relações com o Império. Em 1872, depois de pedido da Legação Brasileira na capital americana, os Estados Unidos entenderam que o Brasil sofreu uma extorsão no caso da reparação de 1867, especialmente no caso de um dos navios, o Caroline. O Governo Americano, em ação contra o Webb, atribuiu ao general a culpa por embolsar parte considerável da indenização paga pelo Brasil, remetendo apenas uma parte ao Departamento de Estado e de “segundo a qual elle gastou parte do dinheiro recebido em subornar brazileiros que exerciam funcções oficiais” (RRNE, 1874, p.22-28) 131 Após várias investigações, também no Brasil, sobre a corrupção que poderia ter havido, chegou-se a conclusão que não houve influencia oficial dentro do Governo em favor de Webb. A reclamação foi paga unicamente, segundo o Marquês de Caravellas, porque o Governo Imperial quis evitar rompimento com os Estados Unidos, já que na ocasião necessitava de toda a energia e recursos na guerra contra López. (RRNE, 1874, p.22-28) Optou naquela situação por não abalar as relações por conta de um assunto financeiro. Em 1974, o Governo norte-americano devolveu ao representante brasileiro US$96.406,73, valor correspondente a quantia paga pelo Caroline, acrescido de juros anuais de 6%. (BANDEIRA, 1978, p.114) As relações diplomáticas, em geral amistosas, escondiam um crescimento enorme da participação americana na economia brasileira, eclipsando junto de outros desafiantes, como a Alemanha e a França, o domínio histórico britânico. No ano de 1870, os Estados Unidos, segundo dados apresentados por Bethell (2012, p.172), respondiam por aproximadamente 6% das importações brasileiras, especialmente farinha e laticínios, sem que não houvesse um grande investimento direto significativo da sua parte no Brasil. Aos poucos essa realidade mudaria: em 1880 a Singer Manufacturing Co., uma subsidiária da Standard Oil, especializada em vaselina, abriu escritórios no Rio de Janeiro e as exportações brasileiras com destino os Estados Unidos ultrapassou os 15% nos anos 1840 para aproximadamente 30% a 40% nos anos de 1870 e 1880. Data dos últimos anos do Império, especificamente 1872, a eliminação da tarifa sobre o café, fazendo com que quase dois terços do café exportado pelo Brasil tivessem destino o mercado americano. 3.7 As Viagens de D. Pedro II e o Prestígio Imperial O Imperador realizou três longas viagens entre as décadas de 1870 e 1880, causando ampla repercussão interna e pelos lugares de seu destino, imprimindo grande prestígio externo, tão caro ao Império. A viagem do Imperador 132 pelos mais importantes seios políticos, científicos e intelectuais do período parece ser a metáfora perfeita para justificar o sentido Universalista da ação externa. A discussão sobre o assunto, contudo, é vasta, uma vez que o real impacto dessas viagens para o prestígio nacional ainda não é totalmente consensual e perpassa inclusive a própria estrutura constitucional Imperial. O regime monárquico caracterizava e condicionava as opções do Império, agindo simultaneamente e norteando as opções disponíveis. A relação da Casa Imperial com as monarquias europeias era fator de grande relevância para o próprio Imperador e para a posição do país nas redes de interesses internacionais. Internamente, o regime levou a uma grande concentração da política externa nas mãos do Executivo e do Imperador. Com o Conselho de Estado, os ministros e especialmente com o monarca, figura que nas querelas internacionais todos devem aconselhar-se e a quem todos devem se submeter às decisões, fizeram com que a tomada de decisão na esfera externa ficasse extremamente encapsulada. A política externa em todas as suas faces é por definição a atribuição mais essencial da figura do chefe de Estado. Nele reside a personificação da Nação e, portanto, sua face externa. No caso de um regime monárquico, como era o brasileiro, o Imperador era a personificação do Brasil, estando dentro ou fora do Império, na situação que fosse. Apesar de absolutamente óbvio que a passagem do Imperador do Brasil, por onde quer que ele fosse, tivesse causado grande mobilização, para não dizer comoção, torna-se difícil avaliar se as suas viagens realmente foram um instrumento para elevar o prestígio Imperial, ou meramente viagens particulares, de um Imperador cansado e entediado pelos longos anos de atividade política sem trégua. As opiniões se dividem na importância das viagens e suas consequências práticas. Amado Luiz Cervo, por exemplo, atribue grande relevância para o Império e sua visão externa: 133 Empreendeu três importantes viagens pelo Ocidente (1871, 1875 e 1887), durante as quais estabeleceu contatos de alto nível com governos e instituições dos Estados Unidos, de quase todos os países europeus, incluindo a Rússia dos czares, o Império Otomano, a Grécia, a Terra Santa e o Egito. O chefe do Estado brasileiro tornava assim o país mais conhecido e respeitado no exterior. (CERVO & BUENO, 2002, p.135-136) A grande controvérsia das viagens foram as acusações de uma possível falta de conteúdo diplomático e a reação desfavorável que produziram nos meios políticos, da imprensa e da opinião pública do Império. Os críticos afirmavam que as visitas eram apenas turísticas e com pouca profundidade nos contatos mantidos, além das dúvidas suscitadas quanto ao real interesse que teria levado D. Pedro II a decidir por elas. O caráter ambíguo das viagens era, inclusive, reiterado pelos meios oficiais. No Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros de 1881, afirmava-se que: Com maior jubilo vos communico que a presença de Sua Magestade o Imperador e de sua Augusta Consorte na Europa, foi saudada por modo summamente lisongeiro a nação brazileira. Apezar de viajarem como simples particulares, forao Suas Majestades acolhidos em todos os paízes que visitárão com demonstrações de especial symphatia e consideração (RRNE, 1871, p.1-2) Após grandes discussões no Parlamento, uma vez que pelo art. 104 37 da constituição do Império era obrigatório à liberação deste para que a ausência do Imperador não configurasse abdicação do trono, o Imperador embarcou para a primeira delas, mesmo com gritos da oposição, especialmente pelo momento político sério após o término da Guerra do Paraguai. O Imperador confiante que o Gabinete Rio Branco equilibraria o quadro de inquietações políticas, não hesitou 37 Art. 104. O Imperador não poderá sahir do Imperio do Brazil, sem o consentimento da Assembléa Geral; e se o fizer, se entenderá, que abdicou a Corôa. (CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 25 DE MARÇO DE 1824) 134 em fazer a primeira viagem, ainda mais quando recebeu a noticia do falecimento de sua filha, Princesa Leopoldina, Duquesa de Saxe. (GOUVÊA, 1978, p.107-108) Usando das prerrogativas de um chefe de estado que tinha ligações com várias casas reinantes europeias e por ser monarca do maior país da América do Sul, o Imperador conseguiu acesso natural aos mais restritos meios políticos e culturais, que renderam ganhos na promoção da sua autoimagem, e por consequência, a imagem do Império no exterior. Do dia 25 de maio de 1871 a 30 de março de 1872, visitou Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Itália, Ásia Menor e Palestina. Durante o percurso, se encontrou com diversas personalidades do mundo político e acadêmico-intelectual, como: Thiers, a rainha Vitória, o rei Leopoldo, Guilherme I, Francisco José I da Áustria, Vitor Emanuel, Papa Pio IX, Leão XIII, Gladstone, Alexandre Herculano, Gobineaus, Richard Wagner e Camilo Castelo Branco. (DANESE, 1999, p.246) A segunda viagem se estendeu do dia 26 de março de 1876 a 26 de setembro de 1877, após ter visitado os Estados Unidos – no momento histórico do primeiro monarca em visita pelo país -, visitou o Canadá, Alemanha, Suécia, Finlândia, Rússia, Áustria, França, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Holanda, Suíça e Portugal. O trecho relativo aos Estados Unidos tornou-se o mais conhecido, pois não só percorreu várias cidades em todo o Estados Unidos, além de ter acompanhado o presidente Grant na Exposição da Filadélfia, por ocasião do centenário da Independência americana: E, para realçar o significado histórico do dia, o Imperador do Brasil mostrará, pela sua presença, a amizade do Brasil ao nosso povo e o interesse pela feira internacional. O caráter americano da Exposição do Centenário sobreleva no fato notável de que os governantes das suas grandes nações americanas tomarão parte na solenidade. (GUIMARÃES, 1961, p.225) Essa viagem foi dedicada a contatos sociais, oficiais e com grandes acadêmicos e cientistas. Nos Estados Unidos conheceu Alexander Bell e falou ao 135 seu invento, o telefone, a sensação da exposição; encontrou o filósofo Emerson e os poetas John Whittier e Longfellow. Na Europa, reencontrou Gobineau, que foi guia de parte da viagem do Imperador na sua segunda passagem pelo continente. Encontrou por duas vezes Victor Hugo e Alexandre Herculano, além de visitar Guilherme I, o czar Alexandre II e o Papa Pio IX. Por fim, na sua terceira viagem, dessa vez com fins médicos, ficou fora do Império entre 30 de junho de 1887 a 22 de agosto de 1888, visitando Portugal, França, Alemanha, Bélgica e Itália. (DANESE, 1999, p.246-247) Pouco depois cairia a monarquia brasileira, mas com poucas exceções, a impressão geral deixada pelo Imperador ao mundo não criou grande comoção sobre a adoção do regime Repúblicano. O poliglota soberano, Bragança e Habsburgo, com livre circulação entre os círculos mais restritos dos países ‘civilizados’, deixou por onde passou a melhor das impressões, transparecendo uma visão modernizadora do exótico reino do Atlântico Sul. 3.8 A Primeira Conferência de Washington As iniciativas interamericanas, como foram vistas em momento oportuno, foram um dos focos mais acentuados de Distensão, inflexão e resistência da autoridade Imperial, apesar da pequena abertura apresentada em alguns eventos. Seria apenas com o Congresso de Washington, norteada pelos impulsos Universalistas, que o Império aceitaria se encontrar com todo o continente pela primeira vez na mesma tribuna, dando início a uma história de convivência em escala continental. Não deixa de ser paradoxal a queda do regime monárquico ocorrer em paralelo a esse evento de enormes proporções. Com a dupla influência de mudanças internas e alterações profundas nas relações de poder continentais e mundiais, o Brasil foi convidado a ter assento nas deliberações daquele que seria o Primeiro Congresso de Washington, realizado em 1889. 136 James G. Blaine foi um dos primeiros e mais importantes articuladores da ideia de um encontro continental. O ideal de hemisfério ocidental, defendido por Jefferson, as relações pacíficas, a mediação de conflitos, a redução da influência europeia e o aumento do comércio dos Estados Unidos, tudo se encontra ligado de maneira intrínseca. Nesse contexto, o Governo Imperial foi convidado pelos Estados Unidos, por meio da sua Legação no Rio de Janeiro, no dia 3 de Fevereiro de 188238, a participar com dois representantes de um congresso de todas as nações americanas, que ocorreria em Washington, no dia 22 de novembro do mesmo ano. (RRNE, 1882, Anexo I - p.3-4) O assunto que seria discutido versaria sobre os meios mais oportunos de manter a paz no continente americano. Entendendo ser a matéria muito complexa e de difícil resolução, mas digna de apreciação, o Governo Imperial aceitou participar como lhe foi solicitado, em consonância com o Universalismo para com as potências centrais. O Governo americano indicou a abertura com tanta distância, com a esperança de que Bolívia, Chile e Peru, que estavam em guerra, pudessem comparecer ao encontro, porém, o objetivo não foi alcançado. Por meio de uma nota39 ao Governo Brasileiro do dia 9 de Agosto de 1882, o Governo americano adiou indefinidamente a sua realização. (RRNE, Anexo I, p.39-40) As causas apresentadas foram duas: primeiramente a continuidade da Guerra do Pacífico, já que era considerado essencial a uma reunião que fosse tratar de evitar a guerra ter a mais profícua e harmoniosa relação entre seus participantes; segundo por que o Congresso, a quem o Governo Americano submetera o projeto de convocação, não havia tomado nenhuma resolução a esse respeito. A nota terminava por ressaltar que não foi totalmente inútil o convite para a reunião, uma vez que chamou a atenção de todos os povos da América para a necessidade de 38 39 Nota da Legação Americana ao Governo Imperial, 03/02/1882. Nota da Legação Americana ao Governo Imperial, 09/08/1882. 137 se pensar numa alternativa de paz hemisférica, fazendo com que as relações internacionais do continente se dirigissem de forma mais satisfatória a todos. Após o fracasso ao tentar convocar uma conferência anos antes, a ideia de um papel mais ativo dos Estados Unidos no continente ganhou maior apoio no final década de 1880. Em maio de 1888, o Congresso solicitou ao Presidente Grover Cleveland que convidasse os Estados latino-americanos para uma conferência que trataria de assuntos de interesse geral. (SMITH, 2009, p.616-617) A convocação formulada pela Secretaria de Washington fora feita nos termos mais convidativos e sedutores. Nela, descrevia que todos os estados independentes da América estariam em absoluta igualdade, a necessidade de franqueza e de simpatia, e a mais absoluta ausência de maquinações secretas e alianças egoístas, recomendando prudência, oportunidade e disposição pacífica. Junto do convite de participação endereçado, o Governo Imperial é informado que a conferência seria incumbida de tomar em consideração as medidas tendentes à conversação e prosperidade dos Estados da América, tais a formação de uma união aduaneira americana; estabelecimento de comunicação regular e frequente dos portos; estabelecimento de um sistema uniforme de regulamentos sobre importação e exportação; criação de um sistema uniforme de pesos e medidas e de leis protetoras às patentes; adoção de uma moeda comum de prata, que seria emitida por cada um dos governos, com curso legal em todas as transações comerciais continentais; acordo sobre um plano definitivo de arbitragem a fim de se resolver pacificamente os conflitos e evitar a guerra; e, por fim, considerar quaisquer outros assuntos relativos à prosperidade dos diversos Estados representados na conferência. A ambiciosa agenda de discussão, o caráter interamericanista do convite e o fato de ter sido feito pela maior potência continental, logo provocou grandes discussões acerca do tema. No final de 1888, o Conselho de Estado realizou consulta conjunta das seções dos Negócios Estrangeiros e da Fazenda, questionando se devia ou não aceitar o convite; caso aceitá-lo, para quais assuntos iria se dispor discutir ou se algum deles ele solicitaria excluir. 138 A lucidez dos membros do Conselho deve ser registrada. O Conselheiro de Estado, Marquês de Paranaguá, por exemplo, registra a mudança de paradigma continental e a situação brasileira no continente em detrimento às iniciativas interamericanas. Afirma: Não é só um dever de cortesia, a aceitação, por nossa parte; é de alta política, quaisquer que sejam as vistas daquela grande nação [...]. Devemos, igualmente, ter em vista que os Estados Unidos, sendo uma nação eminentemente manufatureira, a conferência sugerida pode, com razão, despertar ciúmes das potências rivais da Europa, cujas simpatias não nos convém alienar. E, pois, é sobremaneira delicada e difícil a nossa posição: se, por um lado, o Brasil, única monarquia na América, não deve isolar-se do convívio, sempre útil, das nações do mesmo continente, por outro lado – nada tendo a recear, ao contrário, tudo a esperar das nações da Europa – não pode, de maneira nenhuma, entrar em liga contra elas. (CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, 1875-89. p.336-7). Na mesma consulta realizada, o Conselheiro de Estado Lafayette Rodrigues Pereira faz observações de grande valor analítico: O Brasil é uma potência americana e a mais importante, por sua população, riqueza, civilização e poder, entre as sul-americanas. [...]. A abstenção do Brasil de se fazer representar na conferência importaria de sua parte, como que o abandono de interesses internacionais, a que razoavelmente não pode nem deve ser estranho; e abriria espaço a suspeita de que alimenta repugnância de entrar no sistema de política internacional, que evidentemente se forma entre os Estados americanos, e de participar da solidariedade que, em termos corretos, deve existir entre povos vizinhos e que ocupam o mesmo continente: suspeita que naturalmente se suscitaria, porque o Brasil já tem sido arguido, na tribuna e na imprensa de alguns Estados da América do Sul, de mais imbuído do espírito europeu do que do americano, suspeita que convém afastar, porque tenderia a nos colocar debaixo de uma certa prevenção da parte desses Estados, a nos alienar a sua confiança e a pôr-nos em isolamento.(CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, 1875-89, p.339) As intenções do Governo americano visavam estabelecer instrumentos que viabilizassem o programa de expansão capitalista sobre o continente. Apesar de fazer concessões aos idealistas, a iniciativa americana dava contornos pragmáticos e trazia pela primeira vez a esfera econômica para discussões que sempre tiveram como plano central as questões políticas. Pela via do 139 panamericanismo, os Estados Unidos miravam uma reserva de domínio continental, semelhante como procediam aos colonialistas europeus em suas áreas de expansão. Em uma hábil manobra, os americanos conseguiriam por meio das propostas do encontro manter o protecionismo diante das outras grandes potências capitalistas e agir de forma liberal no contexto regional, criando uma Zollverein, ou seja, um mercado comum, que fundasse bases concretas de uma política claramente nacionalista. (CERVO & BUENO, 2008, p.144) Foram decisivas para o aceite do convite e participação ativa nas discussões que se desenrolaram durante a reunião as perspectivas de poder no continente, a mudança da esfera interna e o peso dos assuntos tratados, que poderiam colocar em jogo o interesse nacional em todos os aspectos. O impulso Universalista, ligado a subordinação aos países centrais, incluídos aqui os Estados Unidos, também foi decisivo por essa opção, mesmo reticente sobre qual seria sua contribuição. Todos os países americanos aceitaram o convite dos Estados Unidos, especialmente por ponderarem, como o Brasil, que os assuntos tratados não poderiam ser simplesmente ignorados. O Governo Imperial, preocupado com tais questões, deu as instruções que convinham para a manutenção da clássica posição brasileira de neutralidade e cordialidade. A proposta de pesos e medidas não era oportuna para o Império, já que no entendimento brasileiro, o sistema adotado no país era o melhor e não parecia provável outro o substituir; o direito de invenção já contemplado em Tratado assinado em Montevidéu, sem que ainda houvesse um pronunciamento oficial do Governo àquela altura; quanto à propriedade literária, o Governo Imperial também havia firmado em Montevidéu um acordo, sem que o Governo tivesse naquele momento enunciado o seu juízo; as marcas de comércio já possuem uma resolução legislativa expedida em 23 de outubro de 1875, que regulava o direito que tem o fabricante e o negociante de criar marcas para os produtos de sua indústria e do seu comercio, além disso, o Brasil havia ajustes em separados com várias nações, e era signatário da convenção de 1883 de propriedade industrial; na extradição de criminosos, o Império tinha o imperativo 140 legal de se o criminoso reclamado for cidadão brasileiro, não poderia ser entregue, a não ser que seja um caso de crime político. Foi claro sobre a posição do não estabelecimento de arbitragem dentro do continente, pois sentia que poderia ser vítima das históricas antipatias antimonarquistas e não convinha aceitar arbitragem das “inconstantes Repúblicas do continente”, além do fato de temer a possibilidade dos Estados Unidos usarem de instrumento e, como projeção de sua força, virasse árbitro da região. Em relação à União Aduaneira, novamente o Brasil tinha interesses diversos do que era proposto na conferência para a qual fora convidado. O Brasil, que iniciara a conferência como Monarquia e terminaria como República, participou da Conferência de Washington mesmo que pronto para discordar de todos os pontos essenciais na discussão. A alternativa de ser o único Estado a não comparecer e o Congresso transformar-se em tribuna antibrasileira fez com que o Governo assumisse o ônus do tipo de negociação que o Império estava pronto a fazer. Porém, o fim do Império reverteu a situação e permitiu a delegação brasileira participar ativamente e de forma propositiva no encontro. A chefia da missão passou para Salvador de Mendonça, que recebeu dos novos representantes da República mudanças elementares nas instruções anteriores, ou seja, carregar a participação brasileira de um “espírito americano”. (SANTOS, 2004, p. 127) Essa mudança se traduziu na reversão da questão do arbitramento obrigatório, que passou a ser apoiada em conjunto com a abolição da conquista territorial por meio de guerras. Mendonça rompia assim com a tradição de uma diplomacia iniciada desde o início do Império, tornando-a positivamente caudatária dos interesses econômicos e políticos da grande potência do Norte. (CERVO & BUENO, 2008, p.144-145) O resultado final da conferência foi modesto, em detrimento à sua ousadia programática: os planos de criação de uma União Aduaneira hemisférica foram negados por liderança conjunta da Argentina e do Brasil; o arbitramento obrigatório sofreu sérias objeções do Chile, que havia obtido importantes 141 conquistas territoriais na Guerra do Pacífico. Todavia, a conferência criou a União Internacional das Repúblicas Americanas, com um Conselho Comercial das Repúblicas Americanas autorizado a coletar e divulgar informações relativas às tarifas e às regulamentações comerciais. (SMITH, 2009, p.617) Apesar dos resultados questionáveis, o Congresso de Washington foi a maior e a última grande expressão interamericana durante o século XIX. A originalidade do encontro pela relevância e substancialidade dos assuntos tratados, a união de todos os plenipotenciários em prol de discussões de interesse geral e o caráter americano foi de grande importância histórica. O encontro, realizado na capital americana, criou laços que sedimentariam espaços que viriam a ser ocupados com a criação do direito interamericano no século seguinte. Do ponto de vista econômico foi um grande avanço, já que o fórum deu espaço para temas antes deixados em segundo plano e para as contingências políticas. Para o Brasil, foi também a primeira demonstração das prioridades políticas do governo republicano que viria a sofrer várias alterações no seu curso externo, mas que, naquela altura, foi recepcionado de forma geral com grande entusiasmo. Terminada a conferência, o Brasil tentou bilateralmente estabelecer com os Estados Unidos uma aliança ofensiva e defensiva, mas não conseguiu interessar os americanos, que acabariam por firmar com o novo governo brasileiro, em 31 de janeiro de 1891, um convênio comercial. Terminava assim a longa tradição Imperial quanto ao resto do continente, e acima de tudo, demolida as bases de legitimação do poder monárquico, foram possíveis uma aproximação mais efetiva com o resto dos vizinhos continentais. O novo regime abandonou, em detrimento à política realizada durante todo o Império, a oposição sistemática às iniciativas interamericanas. Com o fim do regime, findou o período de negação e passou a tentar, de fato, criar uma identidade americana, algo impossível nos períodos anteriores. A participação peculiar brasileira na Conferência em Washington foi emblemática nesta mudança de paradigma. O Brasil mudaria sua situação marcada pelo 142 isolamento e passaria a atuar como um dos líderes no avanço dos ideais interamericanos, que culminariam com a criação da Organização dos Estados Americanos e das diversas organizações internacionais regionais. De qualquer forma, a síntese do período Imperial é de profunda resistência, ou mesmo de uma impossibilidade a uma ‘americanização’ efetiva da sua política externa, sendo traduzida na sua relação com o interamericanismo continental. Uma afinidade próxima com os vizinhos e uma ruptura ideológica com o sistema europeu poderia representar desarticulações, especialmente na esfera interna, algo que o Império não permitiu acontecer durante toda sua duração. Cabe reafirmar que mesmo contando com posição diversa daquela que seria tomada pela República posteriormente, foi ainda durante o regime monárquico que houve o aceite do convite para o Congresso, o que denota uma pressão das circunstâncias sobre os tomadores de decisão do Império, refletindo no sentido Universalista da medida. 143 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS As duas tendências, Distensão e Universalismo, se sobrepunham e se uniam para formar o grande periscópio das relações internacionais do Império no período de 1870-1889. Essa hipótese testada, baseada nos eventos ocorridos na política externa daqueles anos, com base na análise do paradigma liberalconservador, revelou que de fato foram elas os principais eixos de atuação e o sentido máximo da atuação externa, ainda que caibam algumas ressalvas, especialmente quando analisados os eventos de forma mais minuciosa. No subsistema do Prata, onde reside boa parte da face soberana e autônoma do Império, apenas em 1876, com a retirada das tropas de Assunção pode-se afirmar haver uma verdadeira Distensão da região. As relações após esse período tornaram-se cada vez menos centrais para os últimos anos do Império, o que não significou um período livre de sérios contratempos. Apesar da escalada de tensão entre Brasil e a Argentina no pós-guerra, levando muitos a acreditarem na guerra inevitável, essa possibilidade não se concretizou. No Uruguai e no Paraguai a influência brasileira oscilou, especialmente pelo aumento da presença argentina. De qualquer forma, a política da Distensão evitou a guerra e possibilitou uma vigilância distante, o que contrastava com as soluções de força das décadas anteriores. Com o Pacífico, as interações ocasionais foram substituídas por momentos de interesse contínuo, especialmente se ressaltarmos a atenção dada pelas Falas do Trono, notadamente fonte que só tratava dos assuntos da mais alta urgência e relevância para o Império. Contribuiriam para isso problemáticas residuais da Guerra do Paraguai, acertos de limite, convites para congressos internacionais, e acima de tudo a Guerra do Pacífico. No entanto, é impossível dizer que as relações com aquela parte da América do Sul teriam evoluído para algo além de uma lógica de distanciamento histórico. Diferente da região platina, o Império não tinha intenção ou mesmo possibilidades de projetar seu poder 144 naquela região, transparecendo uma Distensão histórica e não apenas conjuntural, como no caso do Prata. Algo muito semelhante com o ocorrido nas tentativas interamericanistas, especialmente as com tendências fundadas no Bolivarianismo. Usando a noção de Distensão como sinônimo de distanciamento, o período pode ser interpretado como sendo a reprodução da tendência histórica do Império de resistência a qualquer uma dessas experiências, ainda que as pressões externas obrigassem o Brasil a abrir algumas frentes de conversa. Mesmo quando por força das circunstâncias foi obrigado a participar de qualquer tribuna internacional, e assim evitar a formação de qualquer coligação antibrasileira, as recomendações aos representantes imperiais eram de manter a neutralidade e minar qualquer medida que contrariasse o interesse histórico do regime e suas elites. Mesmo no caso emblemático e paradoxal do Congresso de Washington, quando o Brasil entra uma Monarquia e sai República, as primeiras instruções ainda durante o regime Imperial eram de resistência a qualquer inovação desagradável aos interesses nacionais. Sendo assim, ainda que estivesse nesse último caso sob o efeito do Universalismo externo, como foi visto, muito mais reativo do que propositivo, o Império ainda era incapaz de ultrapassar certas barreiras, especialmente por essas contrariarem as velhas instituições imperiais. A explosão do multilateralismo após a adoção do sistema bismarckiano na política continental europeia, a pauta ampla de assuntos com as principais potências capitalistas e a mudança nos fluxos de comércio internacional dos produtos brasileiros, especialmente o café, foram fundamentais para reforçar esse sentido último de Universalismo. A abertura de novos mercados auxiliou a consolidar a dominação da elite agroexportadora também pela política externa, se transformando em um dos elementos primordiais de inserção internacional. Um dos caminhos para isso foi a participação em todos as conferências, congressos, seminários científicos e industriais possíveis, como meio de usar do prestígio desses eventos como motor propulsor do aumento das exportações. 145 A experiência global do período obrigava o Império, o Imperador e todos os formuladores de política externa de expandirem as relações em níveis até então inéditos, denotando claramente a vertente Universalista como sentido da condução dos assuntos externos. Isso vai ficar claro no uso ostensivo da esfera internacional para auxiliar em graves problemas internos, inclusive alguns deles responsáveis diretos pela queda do regime, como a Questão Religiosa e a Questão Servil; e na procura pelo prestígio externo, simbolizado nas viagens de D. Pedro II aos recantos mais civilizados do globo e das inúmeras arbitragens e mediações nos quais o Brasil foi convidado a participar. As duas tendências, portanto, foram fundamentais para dar inteligibilidade ao período e se apoiam com maior ou menor assertividade nos eventos mencionados do período. 146 REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS BOLÍVAR, Simon. Carta de Jamaica, 1815. Tradução nossa. Disponível em: http://www.analitica.com/Bitblio/Bolívar/jamaica.asp - Acesso em: 13/02/2013. Cartas à Princesa Isabel – 03/05/1871. In: Conselhos à Regente por D. Pedro II. Introdução e notas de João Camillo de Oliveira Torres. Rio de Janeiro, Livraria São José, 1958. Cartas do Imperador D. Pedro II ao Barão de Cotegipe - Imperador do Brasil Pedro II, JW Pinho - Companhia Editora Nacional, 1933. Constituição Política do Império do Brasil (de 25 de março de 1824): http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao24.htm acesso: 12/12/2011 Hora: 20h40min. Falas do Trono. Prefácio de Pedro Calmon. São Paulo Cia. Melhoramentos, edição de 1977. Manifesto Repúblicano de 1870. Disponível em: http://www.aslegis.org.br/aslegisoriginal/images/stories/cadernos/2009/Caderno37 /p42-p60manifestoRepúblicano.pdf - Acesso em: 08/03/2013. O Conselho de Estado e a política externa do Império: Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros / Centro de História e Documentação Diplomática. – Rio de Janeiro: CHDD; Brasília: FUNAG, 2009. Relatórios da Repartição dos Negócios Estrangeiros (RRNE). 147 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Marcelo de Paiva; LAGO, Luiz Aranha Correa do. A economia brasileira no Império, 1822-1889. No. 584. Departamento De Economia Puc-Rio. 2010. ALMEIDA, P. R. Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais do Império. São Paulo: Editora Senac-Funag. 2001 ALMINO,J.; CARDIM, C. H.(Orgs.) Rio Branco, a América do Sul e a Modernização do Brasil. Rio de Janeiro: EMC Edições/FUNAG, 2002. ARENDT, H. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 221-247. ARON, R. Paz e guerra entre as nações. Brasília: EdUnB, 2002. BALBI, A. Essai statistique sur le royaume de Portugal et D’Algarve, 2 vols., Lisboa: Imprensa Nacional, 2004. Primeira edição, Paris: Chez Rey et Gravier, 1822. Imprensa Nacional, 2004. Primeira edição, Paris: Chez Rey et Gravier, 1822. BANDEIRA, L. A. M. Conflito e integração na América do Sul (Da Tríplice Aliança ao Mercosul 1870-2003) - Rio de Janeiro, Revan, 2ºedição, 2003. BANDEIRA, L. A. M. Presença dos Estados Unidos no Brasil (dois séculos de história). 2ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. BARROS, R. S. A Questão Religiosa. In: História Geral da Civilização Brasileira volume 4. Sob direção de Sérgio Buarque de Holando - São Paulo: Difel, 1974. BESOUCHET, L. Pedro II e o século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. BETHELL, L. O Brasil e a ideia de “América Latina” em perspectiva histórica, in Est. Hist., Rio de Janeiro, vol. 22, n. 44, p. 289-321, julho-dezembro de 2009. Tradução: Érica Cristina de Almeida Alves. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/eh/v22n44/v22n44a01.pdf, acesso: 12/01/2012. BETHELL, L. O Brasil no Mundo. In: A Construção Nacional (1830-1889), volume 2. coordenação de José Murilo de Carvalho - Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. BETHELL, L.; CARVALHO, J. M. C. O Brasil da Independência a Meados do Século XIX In: In: BETHELL, Leslie. História da América Latina: volume III: Da Independência Até 1870. Tradução Maria Clara Cescato – São Paulo: Editoria da 148 Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF; Fundação Alexandre de Gusmão, 2001 v3: 695-770 BLACKMORE, H. O Chile da Guerra do Pacífico à Grande Depressão, 18801932. In: História da América Latina de 1870 a 1930, volume V. Tradução Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão,2008. BONILLA, H. O Peru e a Bolívia da Independência à Guerra do Pacífico. In: BETHELL, L. História da América Latina: volume III: Da Independência Até 1870. Tradução Maria Clara Cescato – São Paulo: Editoria da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF; Fundação Alexandre de Gusmão, 2001 v3: 695-770 BOSI, A. Cultura. In: A Construção Nacional (1830-1889), volume 2. Coordenação de José Murilo de Carvalho - Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. BUENO, C. A República e sua Política Exterior (1889 – 1902). Marília: Unesp, 1984 BUENO, C. Política Externa da Primeira República; Os anos de apogeu – de 1902-1918. São Paulo: Paz e Terra, 2003 BULL, H. A sociedade anárquica; trad. Sérgio Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001. CALDEIRA, J. Mauá, empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. CALMON, P. História da civilização brasileira- Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2002. CALÓGERAS, P. A política exterior do Império. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, Cia. Editora Nacional Brasiliana, Câmara dos Deputados, 1989. CALÓGERAS, P. Formação Histórica do Brasil. 5ª Edição - Biblioteca do Exército Editora: Rio de Janeiro, 1957. CAMPOS, P. M. Brasil - Alemanha. In: História Geral da Civilização Brasileira volume 6: Declínio e Queda do Império. Sob direção de Sérgio Buarque de Holanda, assistido por Pedro Moacyr Campos - 6ºedição - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. CARDOSO O. J. M.(1912) Actos Diplomaticos do Brasil: tratados do periodo 149 colonial e varios documentos desde 1492. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1912. 2 v. (Ed. Fac-similar: __________ . Actos Diplomáticos do Brasil: tratados do período colonial e vários documentos desde 1492. Introd. Paulo Roberto de Almeida. Brasília: Senado Federal, 1997. CARVALHO, D. História Diplomática do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1959. CARVALHO, J. M. A Vida Política. In: A Construção Nacional (1830-1889), volume 2. coordenação de José Murilo de Carvalho - Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. CARVALHO, J. M. D. Pedro II: ser ou não ser. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. CASTRO, F. M. O. Dois séculos de história da organização do Itamaraty (18082008) / Flávio Mendes de Oliveira Castro. Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. CERVO, A. L.; BUENO, C. História da política exterior do Brasil. 3ª ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. CERVO, A. L. Inserção Internacional: formação dos conceitos brasileiros – São Paulo: Saraiva: 2008. CERVO, A. L. O parlamento brasileiro e as relações exteriores (1826-1889). Brasília: Ed. Univ. de Brasília, 1981. CHACON, Vamireh. História dos partidos brasileiros: discurso e práxis dos seus programas. Brasília, Editoria Universidade de Brasília, 1981. COSTA, E. V. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo, Brasiliense, 1987. DANESE, S. Diplomacia Presidencial. 1. ed. São Paulo: TopBooks, 1999. DEAN, W. A Economia Brasileira, 1870-1930. In. História da América Latina: de 1870 a 1930, volume V / Leslie Bethell organização; tradução Geraldo Gerson de Souza. – 1.ed., 1. reimpr. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. DEVEZA, G. Brasil-França. In: História Geral da Civilização Brasileira - volume 6: Declínio e Queda do Império. Sob direção de Sérgio Buarque de Holanda, assistido por Pedro Moacyr Campos - 6ºedição - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 150 DICIONÁRIO HOUAISS. Disponível em: http://www.houaiss.uol.com.br. Acesso em: em 24 jan. 2012. DONGHI, H. T. História Contemporânea da América Latina; tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. DORATIOTO, F. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, DORATIOTO, F. O Império do Brasil e as grandes potências. In: MARTINS, Estevão Chaves de Rezende (Org.). Relações internacionais, visões do Brasil e da América Latina. Brasília: IBRI/Funag, 2003a. p. 133-151 FEYERABEND, Paul. Contra o método; tradução de Octanny S. da Mota e Leonidas Hegenberg. Rio de Janeiro, F. Alves, 1977. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Estatísticas Históricas Brasileiras (EHB), segunda edição, Rio de Janeiro: FIBGE, 1990. GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. Tradução de Sérgio Faraco. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010. GARCIA, E. V. Cronologia das relações internacionais do Brasil. Rio de Janeiro; Brasília: Contraponto; Funag, 2005. GOUVÊA, F. C. O Imperador Itinerante. Governo do Estado de Pernanbuco Secretaria de Educação e Cultura: Recife, 1978. GRAHAM, R. Brasil - Inglaterra. In: História Geral da Civilização Brasileira volume 6: Declínio e Queda do Império. Sob direção de Sérgio Buarque de Holanda, assistido por Pedro Moacyr Campos - 6ºedição - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. GRAHAM, R. Constructing a Nation in Nineteenth-Century Brazil: Old and New Views on Class, Culture, and the State, in The Journal of the Historical Society, v. 1, no. 2-3, p. 17-56, 2001. Disponível em: http://www.dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol5_mesa1.html#_edn1 , acesso: 12/12/2011 GRAMSCI, A. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Tradução e orelha de Luiz Mário Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968 (8a. ed., 1987). GUIMARÃES, A. D. Pedro nos Estados Unidos: as reportagens de James O’ Kelly e o Diário do Imperador. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1961. 151 GUIMARÃES, S. P. Quinhentos Anos de Periferia. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2a Edição, 2000 HALLIDAY, Fred. Repensando as relações internacionais. Tradução de Cristina Soreanu Pecequilo – 2ªed. – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. HOBSBAWM, E. J. Nações e Nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. HOBSBAWM, E. J. A Era das Revoluções, 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra; 2011. HOBSBAWM, E. J. A Era do Capital, 1948-1875. Rio de Janeiro, Paz e Terra; 2011. HOBSBAWM, E. J. A Era dos Extremos: o Breve Século XX, 1914-1989. São Paulo, Companhia das Letras, 2007. HOBSBAWM, E. J. A Era dos Impérios, 1875-1914. Rio de Janeiro, Paz e Terra; 2010. KISSINGER, H. Diplomacia. 1. ed. Trad. Ana Cecilia Simões. Lisboa: Gradiva Editora, 2007. KUHN, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5.ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1962. LAFER, C. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009. LESSA, A. C. História das relações internacionais: a Pax Britannica e o mundo do século XIX. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. LIMA, M. O. O movimento da independência. São Paulo: Melhoramentos, 1922. LIMA, M. O. O Império brasileiro (1821-1889). São Paulo: Melhoramentos, 1962. LOBO, H. O pan-americanismo e o Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1939. MALAMUD, C. Historia de America. Madri: Alianza Editorial, 2005. MOREIRA, L. F. V. As Relações Internacionais da América Latina – Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. MORGENTHAU, H. J. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: EdUnb, IPRI; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003. 152 NABUCO, J. Joaquim Nabuco Diários (1873-1910), 2ºEdição. Bem-Te-Vi: Rio de Janeiro, 2005. NABUCO, J. 1849-1910. Joaquim Nabuco / textos de Munhoz da Rocha Netto e Gilberto Freire e seleção de discursos de Gilberto Freire. – 2. ed., ampl. Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2010. NABUCO, J. Minha formação. Introdução de Gilberto Freyre - Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1963. NABUCO, J. O abolicionismo. São Paulo : Publifolha, 2000. NABUCO, J. Um Estadistra do Império. 5. ed.; Rio de Janeiro: Topbooks, 1997 NOGUEIRA, M. A. As desventuras do Liberalismo – Joaquim NABUCO, a Monarquia e a República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984 PRADO J. C. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1974. PRADO, E. A Ilusão Americana. 3. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1961. REIS, João José. Presença Negra: conflitos e encontros. In Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. RENOUVIN, P.; DUROSELLE, J. B. Introdução à história das relações internacionais. São Paulo: Difel, 1967. SALLES, R. Joaquim Nabuco: um pensador do Império. Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 2002 SANTOS, L. C. V. O Brasil entre a América e a Europa. O Império e o interamericanismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). São Paulo: Editora UNESP, 2004. SANTOS, L. C. V. G. O Império e as Repúblicas do Pacífico. Curitiba: Editora UFPR, 2002. SANTOS, L. C. V. G. A América do Sul no discurso diplomático brasileiro. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 48, n. 2, p.185-204, 2005. SCHOULTZ, L. Estados Unidos: poder e submissão: uma história da política norte-americana em relação a América Latina, trad. Raul Fiker – Bauru, SP: EDUSC, 2000. SCHWARCZ, L. M. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 153 SHAKESPEARE, William. The Complete Works of William Shakespeare. Ware, Hertfordshire: Wordsworth Editions Limited, 2007. SILVA, J. W. Relações Exteriores do Brasil (1808-1930): A política externa do sistema agroexportador / José Luiz Werneck da Silva, Williams Gonçalves. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. SMITH, R. F. Os Estados Unidos e a América Latina, 1830-1930 In: BETHELL, Leslie. História da América Latina: volume IV: De 1871 a 1930. Tradução Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão,2009. v.4: pp 609-49 TOCQUEVILLE, A. O Antigo Regime e a Revolução, tradução Yvonne Jean, 4. Edição, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. TORRES, J. C. A Democracia Coroada. Rio de Janeiro: Vozes, 1964. TORRES, J. C. Os Construtores do Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968. VIANNA, O. O Ocaso do Império / Oliveira Vianna ; [introdução de José Murilo de Carvalho]. – 3. ed. – Rio de Janeiro : ABL, 2006. WATSON, A. A evolução da sociedade internacional: Uma análise histórica comparativa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. WIGHT, M. A Política do Poder, trad. De Carlos Sérgio DUARTE, Clássicos IPRI, Brasília, 2001.