Daniel Rei Coronato - Sapientia

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
DANIEL REI CORONATO
DISTENSÃO E UNIVERSALISMO: A POLÍTICA EXTERNA
DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO IMPÉRIO BRASILEIRO
(1870-1889)
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2013
DANIEL REI CORONATO
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação
Examinadora
apresentada
da
Pontifícia
à
Banca
Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em
Ciências Sociais (área de concentração:
Ciência Política), sob a orientação do Prof.
Dr. Edison Nunes.
SÃO PAULO
2013
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
AGRADECIMENTOS
A realização dessa dissertação só foi possível graças à colaboração e
paciência de vários amigos, familiares e instituições, às quais tentarei agradecer
sem deixar ninguém de lado.
Inicialmente, quero agradecer ao Prof. Henrique Altemani pelos conselhos
no período que foi meu orientador, colaborando de forma crucial na definição da
temática e no recorte histórico.
Agradeço também ao meu orientador Prof. Edison Nunes, que aceitou o
desafio em um momento decisivo e me possibilitou enxergar problemas e
possibilidades onde não as tinha visto. Sua franqueza e pragmatismo
possibilitaram desviar de muitos obstáculos durante a pesquisa.
Por fim, quero agradecer ao Prof. Clodoaldo Bueno pelas inúmeras
sugestões feitas durante a Qualificação e pela gentileza ao expor o que havia
para se melhorar.
Dos amigos e familiares, não poderia deixar de mencionar meus pais
Alberto e Sandra, pelo apoio irrestrito aos meus sonhos; aos meus irmãos Raquel
e Marcel, esse último colaborando, revisando, sugerindo mudanças e melhorias; e
a Amanda, pela paciência e ajuda em diversos aspectos do trabalho; por fim,
todos os amigos e companheiros de programa.
Não poderia deixar de agradecer ao Museu Paulista da USP pela
inestimável ajuda com as fontes e materiais de pesquisa, como também a CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela
colaboração no custeio da pesquisa.
“O passado é o prólogo”
“What’s past is prologue”
(William Shakespeare – A Tempestade, Ato II, Cena 1)
RESUMO
O presente trabalho tem como eixo central o estudo das relações
exteriores do Império Brasileiro durante o período de 1870-1889, fundamentandose na intenção de compreender o sentido geral da política externa nas últimas
décadas do período monárquico. O objetivo será discutir e colocar à prova a
análise da política externa do período e avaliar se a Distensão e o Universalismo
teriam sido, de fato, os eixos essenciais de atuação externa nas décadas que
antecederam a derrocada do regime monárquico.
O estudo desse período conclusivo e dramático da trajetória nacional
pretende contribuir com as pesquisas históricas das relações internacionais do
Brasil e possibilitar uma maior compreensão à Política Externa Brasileira do
período Imperial, preenchendo a grande lacuna existente nas análises da atuação
externa dos últimos anos do Império Brasileiro. A explicação para essa realidade
é que se conveniou olhar para o processo de erosão do regime monárquico
brasileiro como sendo regido por uma supremacia dos assuntos internos sobre as
problemáticas internacionais. Todas as crises institucionais e políticas dos anos
finais do reinado de D. Pedro II parecem comprovar essa tese, especialmente
pelo desenrolar dos eventos que culminariam em 15 de Novembro de 1889, com
a Proclamação da República.
Apesar dessa preponderância da esfera doméstica, o período é rico em
aspectos elementares do processo de constituição histórica da política externa do
Brasil. Nele são apresentados processos que agem como grandes catalisadores
de movimentos internos, sistêmicos e especialmente nas relações múltiplas de
poder, que derivaram em certas peculiaridades na execução e entendimento do
interesse nacional.
Palavras-Chave: Brasil, História da Política Externa Brasileira, Império Brasileiro
ABSTRACT
The present work has as its central axis to study of foreign relations of the
Brazilian Empire during the period 1870-1889, with the primary intention to grasp
the general meaning of foreign policy in the last decades of the monarchic period.
The objective will be to discuss and try to put to the test analysis of foreign policy
of the period and assess whether the Distension and Universalism would have
been, in fact, the main thrusts of activity outside in the decades leading up to the
overthrow of the monarchy.
The study of this period of dramatic and conclusive trajectory national
intends to contribute with historical studies of international relations in Brazil,
enabling a better understanding of Brazilian Foreign Policy of the Imperial period
and fill in the large gap in studies of external action concerning the last years of
the Empire Dollars. The explanation for this is that reality became common to look
at the erosion process of the Brazilian monarchy as being ruled by supremacy of
the home affairs on international issues. All institutional and political crisis of the
last years of the reign of D. Pedro II seemed to support that theory, especially the
unfolding of events that culminated on November 15, 1889, with the proclamation
of the Republic.
Despite this preponderance of the domestic sphere, the period is rich in
elementary aspects of the historical constitution of the foreign policy of Brazil.
Therein are presented processes that act as major catalysts of internal
movements, especially in systemic and multiple relations of power, which
stemmed in certain peculiarities in the implementation and understanding of the
national interest.
Keywords: Brazil, History of Brazilian Foreign Policy, Brazilian Empire
Sumário
1. INTRODUÇÃO......................... .......................................................................................... 8
1.1 A Política Externa Imperial e a Visão Paradigmática ...................................................... 10
1.2 O Paradigma Liberal-Conservador e o Sentido da Política Exterior: Distensão e
Universalismo................... ................................................................................................... 12
1.3 Metodologia da Pesquisa ............................................................................................... 20
2. A DISTENSÃO EXTERNA .............................................................................................. 26
2.1 As Repúblicas do Subsistema do Prata ......................................................................... 40
2.1.1 O Fim da Guerra do Paraguai ..................................................................................... 41
2.1.2 A Paz em Separado e o Acirramento das Negociações .............................................. 44
2.1.3 O Encerramento das Negociações e a Distensão no Prata ......................................... 56
2.1.4. As Consequências da Guerra do Paraguai para a Política Externa............................ 60
2.2 A Diplomacia Imperial para o Pacífico............................................................................ 65
2.2.1 A Neutralidade na Guerra do Pacífico e as Repúblicas do Pacífico ............................ 66
2.3 A Distensão Histórica do Império e os Ideais de Integração no Continente
Americano........................... ................................................................................................. 71
2.3.1 O Confederalismo Bolivariano e a Inflexão Imperial .................................................... 74
2.3.3 Os Congressos Durante o Final do Império ................................................................ 85
3. O UNIVERSALISMO EXTERNO ..................................................................................... 91
3.1 A Neutralidade na Guerra Franco-Prussiana e as Relações com a Alemanha............. 101
3.2 As Relações com a França .......................................................................................... 105
3.3 As Relações com a Santa Sé....................................................................................... 108
3.4 As Relações com a Grã-Bretanha ................................................................................ 112
3.5 O Problema da Mão-de-Obra ....................................................................................... 116
3.6 As Relações com os Estados Unidos........................................................................... 126
3.7 As Viagens de D. Pedro II e o Prestígio Imperial ......................................................... 131
3.8 A Primeira Conferência de Washington ....................................................................... 135
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 143
REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS ...................................................................................... 146
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 147
8
1. INTRODUÇÃO
O período que vai de 1870-1889 é essencial na história do Império, por
ser aquele que reúne o auge e o declínio do regime monárquico. O presente
trabalho tem como eixo central o estudo das relações exteriores do Império
Brasileiro durante esse período, fundamentando-se na intenção de compreender
o sentido geral da política externa nas últimas décadas de Império Brasileiro. O
objetivo será discutir e tentar colocar à prova a análise da política externa do
período e avaliar se a Distensão e o Universalismo teriam sido de fato, os eixos
essenciais de atuação externa nas décadas que antecederam a derrocada do
regime monárquico, como sugere Amado Luiz Cervo na obra História da Política
Exterior do Brasil (2008). O estudo desse momento conclusivo e dramático da
trajetória nacional pretende contribuir com os estudos históricos das relações
internacionais do Brasil e possibilitar uma maior compreensão à Política Externa
Brasileira.
Inicialmente, torna-se importante ressaltar a grande lacuna existente nos
estudos de política externa referente aos últimos anos do Império Brasileiro. A
explicação para essa realidade se dá no fato que se conveniou olhar para o
processo de erosão do regime monárquico brasileiro como sendo regido por uma
supremacia dos assuntos internos sobre as problemáticas internacionais. Todas
as crises institucionais e políticas dos anos finais do reinado de D. Pedro II
parecem comprovar essa tese, especialmente pelo desenrolar dos eventos que
culminariam em 15 de Novembro de 1889, com a Proclamação da República. A
preponderância da esfera doméstica não diminuiu as cores da atividade externa,
apresentando na sua execução vários processos que agiram como grandes
catalisadores de movimentos internos, sistêmicos e especialmente nas relações
múltiplas de poder.
As pesquisas em Relações Internacionais, e, portanto, também o estudo
aqui pretendido em Política Externa, enfrenta dois perigos primários: o de
considerações sobre os fatos desprovidos de reflexões teóricas ou de teorizações
9
sem o apoio da análise histórica. (HALLIDAY, 2007, p.13) A atuação externa de
um país é incompreensível sem um esforço de situá-la em sua concretude
histórica, usando de um aparato teórico capaz de lidar com suas peculiaridades.
A política externa, entendida aqui como sendo o exercício de “traduzir as
necessidades internas em possibilidades externas para ampliar o poder de
controle de uma sociedade sobre seu destino”, não se situa no domínio das
fatalidades. (LAFER, 2009, p. 16-17) Apesar de ser impossível desconsiderar a
atuação do imponderável, sua atuação não se esgota na clássica dicotomia entre
causas e efeitos, como se o curso da história humana ocorresse à revelia da ação
dos indivíduos e dos agrupamentos humanos. A política externa “desafia a
argúcia do estudioso que vai à busca da inteligibilidade da ação humana no
tempo”, pois seu principal objetivo é dar um sentido aos processos históricos
dispersos no tempo. (CERVO & BUENO, 2008, p. 11)
A política de um Estado ou a compreensão de um fenômeno político
qualquer passa pelo conhecimento do processo histórico, pois, se não é possível
conhecimento absoluto sobre a verdade que cerca o observador, nada também
pode ser apenas casual e fruto de fatores contingenciais. (BANDEIRA, 2003,
p.36) Dessa forma, a natureza de uma determinada política externa torna-se
averiguável apenas por meio do exame dos atos políticos realizados, contudo,
não basta apenas o exame dos fatos. Para dar compreensão a uma política
externa, devemos enfocar a realidade política com uma espécie de esboço
racional, ou seja, um mapa que nos sugira as suas possíveis direções.
(MORGENTHAU, 2003, p.6) Nessa pretensão reside a essência do estudo
proposto, ou seja, realizar um esforço para compreender o sentido e dar maior
inteligibilidade à Política Externa Brasileira.
Além disso, a temática de pesquisa e o processo de escolha do recorte
temporal são as duas variáveis que em conjunto nos darão a dimensão do objeto
e sua relevância. Em ambos os casos, especialmente no que se refere ao período
histórico a ser pesquisado, a escolha é arbitrária e sujeita a dúvidas quanto a sua
10
neutralidade. Logo, torna-se elementar exemplificar os fatores que pautaram essa
escolha e definir a matriz teórica a ser trabalhada.
1.1
A Política Externa Imperial e a Visão Paradigmática
Como foi apontado no início da Introdução, o período de 1870-1889 foi
vital na trajetória do Brasil monárquico por reunir o momento áureo e a derrocada
do Império. A grande questão que pode ser levantada é: Afinal, como se
comportou a política externa do Brasil durante esses anos? Quais foram os seus
eixos de atuação e seu sentido de atuação? Para ajudar a responder a essa
pergunta, e outras que venham a surgir durante a discussão proposta, além de
evitar uma análise puramente dos fatos históricos, procuraremos delimitar um
marco conceitual para o debate. A diversidade teórica das relações internacionais
nos ajuda nessa caminhada, sendo essa uma das maiores forças da área.
(HALLIDAY, 2007, p.15-16)
Com a necessidade de dar sentido para a discussão por meio de um
marco conceitual pautado na teoria, usaremos o conceito de paradigma da forma
como Amado Luiz Cervo propõe na sua obra Inserção Internacional: formação
dos conceitos brasileiros (2008). O paradigma1 é normalmente definido como uma
representação compreensiva do real. Nas ciências exatas e naturais ele é o elo
que articula em uma teoria uma série de leis científicas. Quando uma lei é
rejeitada pela experiência, o paradigma cai. Em ciências humanas, o paradigma
tem a mesma importância de reunir as matérias que é objeto de investigação,
mas não apresenta a mesma rigidez. Nesse caso, a sua função é dar
inteligibilidade ao objetivo e iluminá-lo por meio de um aparato conceitual, dando
1
A discussão de paradigma é extensa. As perspectivas mais importantes são: a crença de que um paradigma
único (normal) é desejável, por Thomas Khun na obra A Estrutura das Revoluções Científicas (1962); o
outro argumento defende que a diversidade é desejável, realizado por Paul Feyerabend na obra Contra o
Método (1977).
11
uma “compreensão orgânica ao complexo mundo da vida humana”. (CERVO,
2008, p.65-67)
O paradigma em Relações Internacionais corresponde a um método que
envolve determinados pressupostos. Em primeiro plano, por trás do paradigma,
podemos verificar a existência de uma ideia de nação, que o povo e seus
dirigentes, fazem de si mesmo e do resto do mundo. Esse elemento nos
esclarece o conjunto de valores dessa sociedade, nos revelando os desígnios
duradouros da política exterior. Em segundo plano temos a percepção de
interesse, ou seja, a forma como o interesse nacional é entendido. Cada
paradigma vai modificar a visão destes, especialmente para os formuladores das
políticas externas. Por último, o paradigma envolve a elaboração dessa política,
condicionando tendências de médio e longo prazo, envolvendo modos de se
relacionar o interno ao externo e o cálculo estratégico que orienta as decisões.
Da análise paradigmática se espera uma organização da matéria, sempre
complexa e dispersa na realidade, conferindo o grau possível de inteligibilidade.
Por outro lado, ela possibilita “colher as determinações internas e os
condicionamentos externos, os fins da política, o peso da ideia de nação e da
cosmovisão” (CERVO, 2008, p.66). Sua função é ser uma referência para a
pesquisa, como um mapa de investigação, mostrando os pontos de chegada e
saída. Importante ressaltar que o paradigma pressupõe uma longa duração, não
servindo à análise de conjunturas passageiras, na medida em que as fatalidades
de curto espaço de tempo devem se encontrar dentro do escopo do próprio
paradigma.
Segundo a proposta de Amado Luiz Cervo (2008, p.67), as relações
internacionais do Brasil deram origem a quatro paradigmas: o liberal-conservador,
que se estende do século XIX a 1930; o desenvolvimentista, entre 1930 e 1989; o
normal ou neoliberal; e o logístico, sendo que os três últimos coexistem de 1990
para frente. Cada um deles possui um modo de funcionamento e cosmovisão
próprios que se encaixam em seus fundamentos. O objeto de interesse dessa
pesquisa se centrará no primeiro deles, o liberal-conversador, que engloba o
12
período histórico desse estudo. A metodologia usada a partir dele será a base
conceitual para a investigação e elaboração das conclusões desse trabalho.
1.2
O Paradigma Liberal-Conservador e o Sentido da Política Exterior:
Distensão e Universalismo
Os estudos do século XIX, tempo histórico deste trabalho, são essenciais
para constatarmos que o desenvolvimento desse período de fato merece a
insígnia da mudança e da revolução que lhe é usualmente designada, sendo ele
adjetivado como o “veloz” século XIX, no qual “numa década, se completavam
transformações que dantes se mediam por cem anos”. (ALMEIDA, 2001, p.13) A
Revolução Industrial criou euforia e novos espaços para a convivência das ideias
e percepções da realidade, sendo um período de ampla ascensão de diversas
formas de conhecimento.
O crescente avanço do capitalismo, durante a marcha do século como
sistema econômico e acompanhado das notórias tentativas de sistematização das
diversas áreas do saber, fez do século XIX um período marcado pela mutação
permanente. Essa aliança entre o saber e as possibilidades econômicas resultou
em um sentimento geral de euforia. Diversas áreas como a Economia, a Física, a
Metalurgia, entre outras, tiveram progressos até então incomensuráveis,
transparecendo para seus contemporâneos um processo com possibilidades
infinitas.
Na arte, o individualismo e ritmo intenso das cidades, cada vez maiores e
mais cosmopolitas, impulsionaram a criação de diversos movimentos, de
perspectivas completamente díspares. De um lado, o Romantismo criticava as
alterações dessa emergente sociedade industrial e buscava refúgio na tradição,
na vida próxima à natureza e a exaltação dos sentimentos amorosos. Do outro,
temos correntes como o Realismo e o Naturalismo, que valorizavam a reflexão
crítica da sociedade que estavam inseridos. Nos dois casos, as reações foram
diferentes aos mesmos desafios, ou seja, o fim das comunidades e a inserção de
13
uma nova forma de viver que caminhava para uma autonomia política e que ao
mesmo tempo destruía a noção de coletividade para consolidar o individualismo
moderno.
No campo das ideias, poucos e tão influentes períodos da história
humana podem se comparar ao século XIX. A sua efervescência criativa
contemplou e propiciou a criação de axiomas que ainda norteiam boa parte das
escolas de pensamento. Na literatura, temos a publicação de clássicos como:
Frankenstein, de Mary Shelley; Folhas de Relva, de Walt Whitman; Madame
Bovary, de Gustave Flaubert; Guerra e Paz, de Tolstoi; Orgulho e Preconceito, de
Jane Austen; entre muitos outros. Nesse período também transitaram múltiplas
perspectivas científicas que influenciaram a forma como o mundo até então era
visto. Grandes obras como: Democracia na América, de Alexis de Tocqueville; A
Origem das Espécies, de Charles Darwin; O Capital, de Karl Marx, entre outras,
mudaram o papel do homem, sua religiosidade, a sociedade que o rodeava, o
significado de liberdade, sua visão da história e acima de tudo a inserção do
indivíduo na realidade social que o circundava.
Em suma, pouquíssimas esferas da vida humana passaram intocadas
pela marcha inexorável do século XIX. O reflexo primordial se deu nos campos
econômico e político. Desde as décadas finais do século XVIII e os primeiros anos
do XIX, o sistema internacional2 vivenciou uma nova dinâmica, representada
pelas revoluções que as caracterizaram, tornando toda a estrutura absolutamente
instável. Com a dupla revolução, ou seja, a revolução burguesa e a industrial,
novos axiomas passaram a frequentar as pautas dos Estados. A nova distribuição
do poder e a lógica capitalista se tornaram preponderantes para os cálculos de
atuação e tomada de decisão, resultando em um dos períodos mais originais, de
2
“Um sistema de estados (ou sistema internacional) se forma quando dois ou mais estados têm
suficiente contato entre si, com suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que
se conduzam, pelo menos até certo ponto, como partes de um todo. Naturalmente, dois ou mais
estados podem existir sem formar um sistema internacional, neste sentido.” (BULL, 2001, p.15)
14
movimentações constantes e determinantes para a formação e consolidação de
um sistema mundial de Estados.
O centro do sistema internacional global era a Europa, que apoiados
por essas mudanças, conseguiram transformar seus valores, interesses e
padrões de conduta, em um sistema universal de regras padronizadas,
convertendo-se em poderoso instrumento de expansão das potências centrais. Na
periferia do sistema, a América Latina foi compelida a adotar o modo europeu na
conduta diplomática, no modo de fazer comércio, de organizar a produção e das
suas organizações políticas.
O principal instrumento desse ordenamento eram os tratados bilaterais,
que resultavam em uma capacidade de produzir regras para o mundo, reservada
às estruturas centrais do capitalismo, que influíam diretamente na organização
interna dos estados periféricos. Amado Luiz Cervo vai criticar os cepalinos 3 da
América Latina por não perceberem essa forma de gerar poder em escala global,
3
A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) é um órgão da Organização das
Nações Unidas (ONU), criada em 1948, e concebida para produzir estudos que apoiassem aos
governos desta região a programarem políticas públicas que minimizassem o atraso econômico, a
miséria e a desigualdade social, pela qual se destacaram intelectuais importantes, tais como Celso
Furtado, Enzo Faletto, Fernando Henrique Cardoso, Raúl Prebisch, entre outros. A vertente
desenvolvimentista desse pensamento conseguiu elaborar vários conceitos que ganharam
importância no pensamento latino americano. Conceitos originais desse corrente são os de
Prebisch como centro-periferia, indústria de base, mercado interno, renda salarial e especialmente
dos termos desiguais de troca, à teoria do desenvolvimento de Celso Furtado, até novamente
Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto que aprofundaram o estudo da relação entre
dominação e dependência, por meio da análise estrutural. Todos esses conceitos são atrelados ao
poder nas relações internacionais e à estratégia de conduzir-se por vantagens comparativas
naturais (América Latina) ou intangíveis (países desenvolvidos) (CERVO, 2008, p.73)
15
uma vez que esses não trabalhavam com o “conceito de sociedade internacional4
indutora de ordenamento global”.
Por meio desse instrumento, os europeus introduziram a chamada
política das portas abertas, que na prática significava a abertura do mercado da
periferia aos produtos manufaturados europeus e, por consequência, bloqueava
suas atividades de expansão manufatureiras. Esse liberalismo tinha como
característica basilar possuir apenas uma face para fora e não aceitar o caminho
inverso. Essa inclinação só se alterou quando o centro pode operar suas
vantagens intangíveis, como o conhecimento, a tecnologia e a organização
empresarial para a manutenção do abismo entre as partes. Essa lógica da
prevalência de um centro e uma periferia, com funções complementares no
sistema de produção, resultou na divisão internacional do trabalho, derivando em
vantagens comparativas para o núcleo hegemônico do capitalismo. (CERVO,
2008, p.68-69)
Apesar da conjuntura pouco favorável, a execução da política externa
brasileira feita pelos negociadores imperiais na época da Independência tentou
fazer valer os direitos dos exportadores de produtos primários, contudo, demorou
décadas até a diplomacia brasileira, com muita dificuldade, conseguir conquistar
os principais mercados mundiais, especialmente o norte-americano, para os
produtos do setor agroexportador. A ideologia do corpo dirigente brasileiro era do
4
“Existe uma "sociedade de estados" (ou "sociedade internacional") quando um grupo de estados,
conscientes de certos valores e interesses comuns, formam uma sociedade, no sentido de se
considerarem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de
instituições comuns. Se hoje os estados formam uma sociedade internacional é porque,
reconhecendo certos interesses comuns e talvez também certos valores comuns, eles se
consideram vinculados a determinadas regras no seu inter-relacionamento, tais como a de
respeitar a independência de cada um, honrar os acordos e limitar o uso recíproco da força. Ao
mesmo tempo, cooperam para o funcionamento de instituições tais como a forma dos
procedimentos do direito internacional, a maquinaria diplomática e a organização internacional,
assim como os costumes e convenções da guerra.” (BULL, 2001, p.19)
16
liberalismo de matriz europeu, que influenciou na construção das instituições
políticas e na organização da sociedade, salvo a exceção da escravidão.
A política externa e a inserção internacional do Brasil durante a
vigência do paradigma liberal-conversador teve dois alicerces capitais: a vertente
liberal com um maior primado sobre os assuntos da esfera econômica; e o
conservador na esfera da política e do jogo geopolítico. A submissão e a
autonomia são as imagens que representam cada um deles respectivamente,
mesmo que de uma forma limitada. Apesar da inclinação apresentada nas
matérias mencionadas, não houve momentos de subserviência completa,
comprovados, por exemplo, pela dura resistência à manutenção da escravidão,
mesmo com as mais fortes pressões internacionais. Também não houve completa
soberania, uma vez que vários objetivos externos tiveram de ser intermediados
por potências centrais.
A vertente liberal do paradigma se reforçará em política externa no
corpo dirigente brasileiro durante todo o período Imperial, defendendo o livre jogo
das forças econômicas e da manutenção da condição de periferia com a
assinatura dos tratados desiguais e, depois dele, da política aduaneira. Os
estadistas e o corpo dirigente brasileiro do século XIX mostram a face
conservadora do paradigma. Em sua maioria, eram realistas que entendiam que a
ordem resultaria do primado da autoridade sobre os ideais. Compreendiam ser
necessário exercer certo controle sobre o subsistema5 platino de relações
internacionais e a negociação firme das fronteiras nacionais. A face liberal e a
conservadora, apesar dos termos parecerem ser excludentes, formavam o núcleo
duro de atuação externa do país. (CERVO, 2008, p.70).
5
“Em termos abstratos, um subsistema adquire realidade própria na medida em que os Estados e
os povos vivem espontaneamente a solidariedade do seu destino, mesmo na ausência de um
equilíbrio local de forças militares, e estabelecem uma diferença entre o que acontece dentro e
fora da sua região geográfica e histórica.” (ARON, 2002, 495)
17
A política externa representada pelo paradigma liberal-conservador,
portanto, seguindo as considerações levantadas por José Luiz Werneck da Silva
sobre o Brasil Imperial (2009, p.13), em consonância com o modelo de Amado
Luiz Cervo, seria duas faces da mesma moeda: uma face dependente e
relativamente submissa às estruturas centrais, especialmente a Inglaterra; e outra
que se apresentava dominante e relativamente autônoma, especialmente perante
as questões envolvendo o subsistema do Prata.
Dessa combinação de perspectivas, temos a figura dos liberaisconservadores, que eram de fato o segmento detentor do poder na sociedade
brasileira. Em sua maioria, eram compostos por grandes proprietários de terras e
burocratas ligados aos primeiros, que tratavam os seus próprios interesses como
sendo os nacionais:
Aqueles dirigentes confundiam, logicamente, o interesse
nacional com os próprios interesses, ou seja, os do grupo
socioeconômico hegemônico: dispor de mão-de-obra, exportar os frutos
da lavoura e importar bens diversificados. A diplomacia da
agroexportação, conceito elaborado por Clodoaldo Bueno, não explica
toda a política exterior do Brasil, mas retrata a essência da
funcionalidade do Estado na área externa. Tendo sido apropriado pelas
elites sociais, o Estado manobrava o processo decisório em política
exterior voltado àquela leitura restrita do interesse nacional que faziam
os dirigentes. (...) Os impactos sobre a formação nacional são bem
conhecidos de nossos historiadores: ilusão de modernidade em ilhas
urbanas de consumo ou fazendas interioranas e atraso econômico da
nação (CERVO, 2008, p.70)
Como toda teoria deve ser tomada de forma crítica, exatamente pela
impossibilidade de abarcar toda a realidade a sua volta, a visão paradigmática
proposta por Cervo tem algumas limitações. A análise por paradigmas apenas
nos dá um quadro de referência, mas só tem validade com um complemento
histórico que tão somente pode vir da análise dos fatos e dos atos políticos,
deixando muitas lacunas possíveis no seu entendimento central.
Além disso, em alguns momentos fica a sensação de que existe na
concepção deste paradigma um axioma indireto que consistiria no pressuposto de
18
que a política externa do Brasil deveria ter como meta central o desenvolvimento
nacional. Essa é uma percepção desenvolvimentista, que tem como base o
interesse nacional repousando na meta de romper a dependência externa e
vencer o atraso econômico e social. Apesar da enorme validade dessa
perspectiva e sua importância para o entendimento das relações internacionais, a
escolha desse elemento como sendo fundamental esconde ou diminui outros
pontos importantes para a condução dos assuntos externos e do próprio interesse
nacional, como se na impossibilidade de avanços substantivos em matéria de
desenvolvimento, a política externa deveria ser simplesmente taxada de
fracassada.
Ainda assim, a visão paradigmática proposta por Cervo em política
externa permite evitar confusões metodológicas e pautar uma discussão mais
sólida dentro do tema proposto. Compreendemos por ela os contornos mais
importantes da atuação externa e a cosmovisão dos detentores do poder,
possibilitando a procura do sentido da política externa no período de 1870-1889.
O paradigma nos dá uma visão de longo prazo, por isso se torna
elementar a compreensão das forças que interagiram na conjuntura do período
que vai do término da Guerra do Paraguai (1870), até a queda da monarquia
(1889). A hipótese do trabalho, defendida na obra História da Política Exterior do
Brasil (2008), porém, carente de um estudo sistematizado, é que ao final do
Império duas grandes tendências interagiam uma sobre a outra. A primeira delas
seria uma Distensão externa, especialmente vinculada pelos eventos no
subsistema do Prata e a segunda seria um Universalismo externo, especialmente
nas questões econômicas e de prestígio. As lógicas da Distensão e do
Universalismo se revelam de forma categórica dentro do funcionamento do
paradigma liberal-conversador. Aparentemente contraditórias, as duas tendências
conteriam o sentido da política externa naqueles anos.
A primeira delas, a Distensão Externa teria sido, segundo a hipótese
defendida por Cervo, desejada e administrada pelo Estado por inúmeros fatores,
dentre eles: Primeiro - A Guerra do Paraguai desviou recursos e provocou grave
19
crise interna, ocasionando grandes repercussões na estrutura das instituições
imperiais; Segundo - Os velhos conflitos com a Inglaterra, da navegação do
Amazonas e das fronteiras estavam apaziguados; Terceiro - A Distensão era
condição necessária para evitar um novo conflito ao sul, dessa vez contra a
Argentina. (CERVO, 2008, p.129-130)
Dentro do paradigma, a Distensão funcionaria como um impulso da
vertente conservadora, imprimindo uma tentativa de manter a soberania e a
balança de forças da região platina. A distensão seria a face da moeda que tem a
autonomia como emblema, mas que por força das circunstâncias, ou seja, por
estar o Império voltado a si mesmo para solução dos problemas internos, teria
sido a melhor saída para a manutenção da estabilidade regional e evitado uma
guerra que não desejava e nem podia levar a cabo.
Do outro lado, o Universalismo seria a representação da perspectiva
liberal do paradigma. No período que compreende os anos de 1870-1889, teria se
imprimido maior prestígio e extensão na ação externa, refletidas especialmente na
presença cada vez mais marcante do Império nos congressos, feiras, foros de
arbitramento internacional, viagens do Imperador e finalmente aceitando
participar, juntamente aos Estados Unidos, com as propostas pan-americanistas.
Se por um lado o retraimento era necessário, em uma fase que as crises internas
sugavam as energias do país, também não era aconselhável estar fora da
ampliação capitalista global. A Alemanha de Bismarck agenciava as relações
internacionais europeias e se preparava com os Estados Unidos para
desempenhar um papel mais ativo no cenário mundial, tornando o sistema, como
um todo, mais complexo e demandando do Império decisões de circunstância. A
diplomacia da agroexportação vai aproveitar desse impulso para aumentar seus
mercados e se beneficiar de forma mais intensiva do impulso cosmopolita do
comércio internacional desse período de avanço capitalista global. (CERVO &
BUENO, 2008, p.129-130)
As duas tendências, Distensão e Universalismo, se sobreporiam e se
uniriam, segundo a hipótese levantada, norteando as decisões externas no
20
período de 1870-1889. Usando como base os axiomas do paradigma liberalconservador, analisaremos os eventos ocorridos na política externa daqueles
anos para dar ou não validade ao modelo proposto.
1.3
Metodologia da Pesquisa
Nos caminhos da pesquisa, muitos são os obstáculos e dificuldades a
serem vencidos. Para auxiliar nessa empreitada, contamos com a inestimável
ajuda de trabalhos produzidos no meio acadêmico e fontes do governo brasileiro,
possibilitando o uso de instrumentos conceituais e teóricos. Dentre as fontes
essenciais, podemos ressaltar as Falas do Trono6, as Consultas da Seção dos
Negócios Estrangeiros do Conselho de Estado7, os arquivos ministeriais do
período, com atenção especial ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e os
Relatórios apresentados à Assembleia Geral8, além dos Tratados e acordos
firmados no período.
O grande desafio desse tipo de pesquisa é evitar que as escolhas dos
objetos sejam arbitrárias, dando ênfase para algum fator em detrimento de outro.
Para solucionar o problema da amplitude do estudo e o longo recorte histórico
proposto, se mostrou importante mapear quais eram os principais temas da
política externa. Para que o processo fosse o mais fidedigno possível, a agenda
internacional do Império foi retirada das fontes oficiais de maior abrangência do
período, ou seja, nas Falas do Trono e nos Relatórios do Ministério dos Negócios
Estrangeiros.
6
Falas do Trono. Prefácio de Pedro Calmon. São Paulo Cia. Melhoramentos, 1977.
7
O Conselho de Estado e a política externa do Império: Consultas da Seção dos Negócios
Estrangeiros / Centro de História e Documentação Diplomática. – Rio de Janeiro: CHDD; Brasília:
FUNAG, 2009.
8
Relatório da Repartição de Negócios Estrangeiros (RRNE)
21
A primeira delas, as Falas do Trono9, revelou quais assuntos estavam na
pauta das mais relevantes esferas do poder Imperial. A importância da
consolidação dessas informações foi fundamental. As Falas do Trono revelaram
um resumo seguro, com uma periodicidade quase anual e de relevância impar.
Nela se versava sobre política interna, finanças, problemas internos diversos, etc.,
e claro, os mais primordiais temas internacionais.
Como metodologia para separar os pontos elementares em política
externa de outros mais tangenciais, ou seja, menos prioritários para entender os
movimentos gerais da diplomacia Imperial no período, foram mapeados os
assuntos de forma esquemática e visual nos quadros a seguir:
9
“A Fala do Trono era a oração com que o Imperador abria e encerrava a sessão legislativa,
chamada pela Constituição de 24 de março de 1824, ‘sessão Imperial de abertura’ – a 3 de maio e
‘também Imperial’ a última do ano, ‘reunidas ambas as câmaras’ em assembleia geral (art. 18 e 19
da Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824) (...) Vale dizer que o
conjunto dessa conversa, da suprema autoridade com os delegados da massa, oferece à História,
que pretende documentar-se, um farto material de questões, de soluções, de ideias, de propósitos,
de resistências, de afirmativas e negações, absolutamente precioso, tanto para o retrospecto
político como para o panorama social. (CALMON, 1977, p.7-8)
22
Quadro 1 – A Política Externa nas Falas do Trono (1870-1877):
Falas do Trono
(1870-1877)
Países Mencionados
Assuntos de Política Externa
1870
Paraguai
Guerra do Paraguai
Tratado da Tríplice Aliança
1871
1872
Paraguai
Europa (sem distinção de
países)
Estados Unidos e GrãBretanha
****
Paraguai
Argentina
1872-1873
1873
1874
Argentina e Paraguai
Argentina, Portugal, Itália e
Grã-Bretanha
Portugal
Convite de Arbitramento
Viagem do Imperador
Ajustes de Paz em Separado
Dúvidas e Reclamações Sobre o Acordo ImpérioParaguai
Acordo de Paz - Acordo Preliminar Realizado
Tratados de Extradição
Cabo Transatlântico Brasil-Europa
Convenção Postal
****
Cabo Transatlântico Brasil-Europa
Áustria
Exposição Industrial
Argentina e Paraguai
Acordo de Paz - Sem Solução
Grã-Bretanha
Convenção Consular
Bélgica
Tratado de Extradição
Argentina
Convenção Postal
Definição das Fronteiras do Império com o
Paraguai
Alemanha, Itália, França e
Bélgica
Argentina
Negociação do Acordo de Paz
Santa Sé
Questão Religiosa
****
Viagem do Imperador
Grã-Bretanha
Convenção Postal
Portugal
Paraguai
Convenção Consular
Celebração dos Tratados de Paz, de Limites e de
Comércio
Retirada das Tropas Imperiais de Assunção
****
União Geral dos Correios
Chile
Convenção Postal
Acessão do Império à Convenção Telegráfica
Internacional
Argentina e Paraguai
1877
Viagem do Imperador
Peru
Paraguai
1875
Acordo Prévio de Paz
****
Convenção Postal
23
Quadro 2 – A Política Externa nas Falas do Trono (1878-1889):
Falas do Trono
(1878-1889)
1878
1879
1880
1881-1882
1882
1883
1884
Países Mencionados
Assuntos de Política Externa
Espanha
Convenção Consular
Uruguai
Tratado de Extradição
****
Adesão à Convenção Postal Universal de Paris
Repúblicas do Pacífico
Neutralidade na Guerra do Pacífico
Chile, Peru e Bolívia
Holanda
Prolongamento da Guerra do Pacífico
Arbitramento entre a República Francesa e os
EUA
Tratado de Extradição
Chile, Peru e Bolívia
Prolongamento da Guerra do Pacífico
Chile, Peru e Bolívia
Alemanha
Prolongamento da Guerra do Pacífico
Celebração o Tratado de Amizade, Comércio e
Navegação
Convenção Consular
Chile, Peru e Bolívia
Prolongamento da Guerra do Pacífico
****
Incentivo à Imigração
Grã-Bretanha, França e Chile
Alemanha, Bélgica e Chile
Convite de Arbitramento
Paz Entre o Chile e o Peru; Bolívia e Chile
Permanecem em Guerra
Convenção Consular
Comissão Mista para Tratar dos Territórios em
Litígio
Convite de Arbitramento
Uruguai
Neutralidade nas Questões Internas Uruguaias
****
Epidemia e Fechamento de Portos
Argentina
Trabalhos da Comissão Mista para Tratar dos
Territórios em Litígio
****
Viagem do Imperador
****
Viagem do Imperador
Argentina
Trabalhos da Comissão Mista para Tratar dos
Territórios em Litígio
França e Estados Unidos
China
Chile, Peru e Bolívia
Bélgica
Argentina
1886
1887
1888
Argentina, Uruguai
1889
****
****
Convenção Sanitária
Participação no Congresso de Estados da
América do Sul
Estímulo à Imigração
24
A pluralidade de países, acordos e temas apontados pelas Falas do
Trono se mostrou clara. De forma preliminar, ela demonstra uma atividade
externa permanente e afinada com os grandes eventos de sua época. Por meio
deste grande mapa, foi possível delimitar com mais atenção os assuntos
obrigatórios, criando um grande trajeto de investigação e análise.
Após essa etapa, coube averiguar nos Relatórios do Ministério dos
Negócios Estrangeiros outros tópicos de relevância tratados em suas exposições
e cruzar com as informações reveladas pelas Falas do Trono. Todos os Relatórios
desde o princípio da Guerra do Paraguai (1865) até os primeiros anos da
República (1902) foram analisados, dando subsidio documental e histórico para
análise. Seu conteúdo reafirmou a importância dos objetos já mencionados, além
de apresentar uma infinidade de questões externas à análise política.
No período que vai de 1870-1876, o principal assunto são as
consequências da Guerra do Paraguai, os acordos por ela gerados e a escalada
de tensão entre o Império e a República Argentina. Durante todo o período, com
mais ou menos atenção, os relatórios tratam das questões gerais de limites, as
relações com os Estados Unidos, Inglaterra e outras potências; a posição do país
frente à Guerra Franco-Prussiana e a subsequente relação com a Alemanha. As
problemáticas regionais e o avanço das ideias interamericanas, como exemplo
final, a Conferência de Washington tem uma importância fundamental, como será
visto nos próximos capítulos. A questão da mão-de-obra será outro assunto que
tomará atenção dos formuladores de política externa, e terá na missão à China
um dos episódios narrados com mais elementos a se explorar. As viagens do
Imperador e a influencia de D. Pedro II na política externa do período também são
apresentadas, além algumas outras questões secundárias; todas citadas e
tratadas com mais ou menos atenção.
Finalizada essa fase, passamos a investigar as notas, despachos e
tratados firmados no período. Atenção especial foi dada para aqueles com vínculo
nos grandes temas do período, que poderiam auxiliar com mais exatidão na
25
investigação do sentido geral da política externa do período e já apontados com
maior destaque nas Falas do Trono e nos Relatórios.
Com o apoio dessas fontes, a exposição será dividida em dois grandes
eixos, sendo o primeiro com intuito de apresentar e discutir a política externa
norteada pelo princípio da Distensão externa, onde serão apresentadas as
origens do processo de erosão do regime e suas consequências na atuação
internacional; o segundo tratando do Universalismo da diplomacia Imperial,
englobando as relações com o resto do mundo, em especial com os países
centrais do sistema global. Com isso, poderão ser tratados de forma ampla e
pormenorizada os aspectos mais elementares do processo, estruturando a
discussão da política externa com base no aparato conceitual e paradigmático
exposto nessa introdução.
26
2. A DISTENSÃO EXTERNA
A palavra Distensão tem múltiplos entendimentos. De forma geral, o
termo é usado como sendo o ato ou efeito de distender, uma diminuição ou
ausência de tensão ocasionada por um relaxamento ou afrouxamento. Há o uso
da palavra para descrever também processos de continuação, prolongamento e
desenvolvimento. No sentido sociopolítico, ele é usualmente atribuído “à
diminuição ou término das tensões entre países, entre a população, ou parte dela,
e o governo, entre grupos dentro de uma sociedade”. (HOUAISS, 2012).
A política exterior do final do Império, segundo a hipótese levantada por
Amado Luiz Cervo (2008), teria se comportado na sua vertente conservadora
conforme o paradigma vigente, de forma a procurar a Distensão para evitar o
conflito com a Argentina e se voltar aos temas internos. Dentro da esfera de
Distensão, deve-se considerar que o raio de atuação dessa política foi apenas
regional, ou seja, nos assuntos sul-americanos. Esse seria o máximo de inserção
autônoma que o Império era capaz de suportar, o que irá diferir vertiginosamente
a relação com as potências centrais.
Dentro desse contexto, o final da Guerra do Paraguai simbolizaria o
paradoxo do período de diversas formas. O ano de 1870 representou o período
áureo do Império e suas instituições. Sua força no âmbito regional era
incontestável, ao mesmo tempo em que a progressiva deterioração do equilíbrio
político institucional começava a minar a estabilidade do regime monárquico. O
fenômeno político que levou a Proclamação de República em 1889 derivou dos
dois grandes problemas que o Império foi incapaz de solucionar de forma
satisfatória: a abolição da escravatura e o novo papel dos militares no momento
seguinte ao final do conflito. (Calmon, 2002, p.237-238) Além disso, problemas
com a Igreja e a pressão das oligarquias, alocadas ou não em partidos,
(CHACON, 1981, p.53) colocariam em xeque as bases de sustentação da
monarquia. A deterioração e substituição do regime são a raiz da Distensão
27
externa, e só podem ser compreendidas com um recuo histórico, mais
especificamente na origem do sistema político Imperial.
Esse início se dá com a gênese da participação brasileira para o sistema
internacional, no ano de 1808, quando o mundo ibérico foi acometido de
mudanças profundas, que influenciariam sua parte europeia e americana
consequentemente. Neste ano, Napoleão Bonaparte impôs a Carlos IV e seu filho
Fernando VII da Espanha que abdicassem do trono em favor de José Bonaparte e
se exilassem na França. Em Portugal, quando Napoleão adentrou pelo país, o
príncipe regente português João fugiu para o Rio de Janeiro, levando consigo não
somente a corte, mas toda a estrutura burocrática do Governo Português. Além
dos arquivos, a biblioteca real e o tesouro público, acompanhavam junto do
príncipe aproximadamente 15.000 pessoas, que variavam entre funcionários do
Governo, seus familiares, como também alguns dos abastados da sede do
Império Português.
Enquanto o Brasil recebia a própria estrutura real da metrópole, a América
Espanhola não reconhecera a nova autoridade imposta por Napoleão, sendo que
emergiram juntas administrativas, muitas das quais, governavam em nome de
Fernando VII, recusando-se a receber ordens de juntas semelhantes formadas na
Espanha. Obviamente a oposição não tardou a chegar, sendo que grandes
conflitos se seguiram nesse período. Após a derrota de Napoleão, os líderes
locais que gozaram da autonomia e adquiriam grande experiência de autogestão,
não aceitaram a volta o status anterior, mesmo com a recondução de Fernando
VII em 1814. Este não aceitava a autonomia dos líderes locais e empreendeu
esforços militares para restabelecer a submissão das colônias.
A resistência dos americanos levou a um derramamento de sangue,
especialmente quando o parlamento espanhol, sob um Governo constitucional,
em 1820, provou ser somente um pouco mais ameno do que o rei, em relação
aos planos de autogoverno. A completa independência resultou na criação de
inúmeras Repúblicas Americanas. Em contraste com o resto da região, João (que
se tornou D. João VI) elevou o Brasil à condição de Reino, unido a Portugal, e
28
permaneceu no Rio de Janeiro, até que as cortes exigiram seu retorno à Lisboa,
em 1820, e que aceitasse uma constituição liberal. D. João VI deixou seu filho
Pedro como príncipe regente no Brasil, e em 1822, este tomou medidas para
declarar o Brasil independente, coroando a si mesmo como D. Pedro I. O Brasil,
deste modo, tornou-se formalmente independente como uma monarquia
constitucional. (GRAHAM, 2001, p.17-56) Formava-se, junto com a independência
das colônias inglesas que formaram os Estados Unidos, uma nova geografia de
poderes dentro da estrutura internacional de Estados que era centrada na Europa.
O Brasil Imperial, cercado por diversas Repúblicas, inovou com a
originalidade da presença de um príncipe português disposto a tomar a liderança
do movimento que culminaria com a independência, sendo decisivo para garantir
que, apesar dos percalços inexoráveis em movimentos de separação política,
houvesse uma transição com estabilidade institucional, social e a manutenção da
unidade territorial. Apesar de carregar consigo a legitimidade dinástica, foi
impossível para D. Pedro I passar ileso de um período de tensões e conflitos
políticos
constantes,
especialmente
pelas
desconfianças
sobre
seu
comprometimento com o constitucionalismo, e, acima de tudo, dúvidas sobre a
sua real autonomia frente à antiga metrópole portuguesa, especialmente pelos
laços familiares do Imperador. (BETHELL & CARVALHO, 2001, p. 699)
A Assembleia Constituinte foi um dos palcos mais importantes no arranjo
de forças políticas no início da vida do país. Convocada inicialmente pelo ainda
Príncipe Regente, em 3 de junho de 1822, mas só instalada oficialmente em 3 de
maio de 1823, foi um foro de violentos embates sobre a organização futura do
Estado Brasileiro. Mesmo com os mais ferozes críticos afastados do arranjo de
1822, como Joaquim Gonçalves Ledo e Cipriano Barata, tanto os tidos liberais
“moderados” quanto os “extremados” tentaram conter os poderes do Imperador,
especialmente aqueles que permitiam vetar leis e dissolver o parlamento.
Prevendo um desastre se a Assembleia, em curso, conseguisse de fato
seus objetivos, em 12 de novembro de 1823, D. Pedro a dissolveu à força e
imediatamente criou um Conselho de Estado que rapidamente redigiu uma
29
constituição. A decisão de dissolução inflou a oposição ao Imperador, jogando
boa parte da imprensa contra aquilo que foi categorizado como uma atitude
arbitrária e despótica. Seria um fim abrupto na relação cordial do monarca com a
sociedade política imperial.
No plano internacional, o imobilismo gerado pelos tratados do período da
Independência e a desastrada guerra contra as Províncias Unidas do Prata, na
qual, o Brasil perde a região Cisplatina, atual Uruguai, dá o abalo decisivo na
estabilidade institucional do país. Apesar da recusa de D. Pedro I, em 1830, após
a morte de seu pai D. João VI, de assumir a coroa portuguesa sua por direito, não
deixava de ser um estrangeiro para seus súditos, reinando em uma terra que não
era a sua. O clima de hostilidade e ódio crescente resultaram nos fatos que
derivaram na abdicação do Imperador Pedro I do Brasil, ocorrida em 7 de abril de
1831, em favor de seu filho D. Pedro de Alcântara, futuro D. Pedro II, então com
apenas cinco anos.
O novo Imperador, D. Pedro II, de sangue Habsburgo e Bragança, era
demasiadamente jovem para assumir uma função ativa, sendo que nos anos que
se seguiram foi preparado para suas futuras funções de monarca. No campo
político foi instituída uma Regência para administrar o país, marcada por uma
grande descentralização administrativa e aumento das lutas internas. Por um
período de dez anos reproduziu-se no Brasil, em escala reduzida, o fenômeno
centrífugo que agitou as colônias espanholas após a prisão de Carlos IV e
Fernando VII. Agitações populares, revoltas federalistas, três delas separatistas, e
ampla movimentação desestabilizadora, colocaram o Brasil e sua unidade
nacional em sério perigo. Da Cabanagem no Pará, passando pelos Farroupilhas
no Sul do país e pela Sabinada na Bahia, até a Balaiada no Maranhão, entre
outros diversos movimentos, as demandas das elites locais e de setores sociais
negligenciados desde a Independência pela Corte do Rio de Janeiro se fizeram
ouvir. (CARVALHO, 2012, p.90-97)
Na órbita palaciana, liberais e conservadores digladiavam pela disputa do
poder e na representação de alguns dos seus ideais. Em geral, a disputa das
30
duas correntes de pensamento variavam na organização política que o Império
deveria ter, sendo que com pouca variação, dominariam a cena política do Brasil
Império até seu momento derradeiro. Os conservadores defendiam um Estado
forte e altamente centralizado, e um Governo formado pelas classes por eles
chamadas de conservadoras, ou seja, na sua maioria proprietários de terra
voltados para a exportação, por grandes comerciantes e pela burocracia,
concentrados especialmente nas províncias do Rio de Janeiro, Bahia e
Pernambuco.
Os
liberais
defendiam
uma
descentralização
política
e
administrativa. Em geral eram mais abertos às medidas como abolição do tráfico
de escravos, e congregavam, especialmente, os proprietários rurais que tinham
sua produção voltada ao mercado interno, como Minas Gerais, São Paulo e Rio
Grande do Sul, além da classe média urbana. (CHACON, 1981, p.35-36)
Em 1840, os conservadores no poder haviam aprovado várias medidas de
centralização política e redução da autonomia das províncias, causando grande
descontentamento entre os redutos liberais. Com medo de que novas reformas
aumentassem ainda mais o componente de centralização do Estado, recorreram
a uma causa popular que pedia a antecipação da maioridade do Imperador, que
só se daria em dezembro de 1843. A movimentação teve um apoio generalizado
da corte e a população aderiu em peso. D. Pedro, com apenas quatorze anos,
aconselhado por seus mestres e tutores, aceitou a antecipação e sua maioridade
foi aprovada pela Assembleia Geral.
Durante toda a década de 1840, o Brasil aprenderia a lidar com mais
naturalidade com o Poder Moderador. Nos tempos de seu pai, D. Pedro I, a falta
de ‘brasilidade’ do representante real instigava a oposição permanente a sua
figura, algo que D. Pedro II não teria de se preocupar. Brasileiro, Habsburgo e
Bragança, contava com ampla base de legitimação simultaneamente nacional e
dinástica. A Constituição Politica do Império do ‘Brazil’, de 25 de março de 1824,
que perduraria até a República, sendo até hoje a constituição que mais tempo
durou na história do Brasil, foi o caminho para a introdução do ‘quarto’ poder, ou
seja, a fonte constitucional do poder real. Inspirados pelo pensamento do francês
Benjamin Constant, o texto e a lógica de funcionamento da constituição de 1824
31
foram baseados na divisão dos poderes e tinha no centro de suas noções
constitucionais a ideia de representação. Sua estrutura visava limitar qualquer
poder que pudesse ser tão poderoso a ponto de sufocar os outros e ao mesmo
tempo dar voz aos anseios de amplos setores da sociedade.
Esse foi o momento de consolidação e ajuste dessa concepção de
Estado, algo que estava incompleto desde a Independência e sofreu sério revés
durante a Regência. Os liberais, que pelo apoio à maioridade do Imperador foram
chamados a compor o primeiro gabinete do Segundo Reinado, logo perderiam
seu posto e os conservadores voltariam ao poder. Temerosos da volta dos
conservadores, recorreram às armas. Entre 1842-44, os liberais foram derrotados
no campo de batalha pelas forças legais, e o Imperador já com alguma
experiência, usou das prerrogativas do Poder Moderador, oferecendo-lhes anistia
e a chance de voltar ao Governo. Nesse momento fica claro que a alternância de
poder era possível sem a necessidade de recorrer à violência, e o poder
monárquico poderia arbitrar e regulamentar as querelas políticas, legitimando de
uma vez o poder de D. Pedro II. A última rebelião do período regencial, a
Farroupilha, em 1845 é encerrada com um acordo entre a elite local e o Governo
Central; e a última grande rebelião liberal, a Praieira, derrotada em 1845, fazendo
com que a estabilização caminhasse a passos largos.
Com a consolidação definitiva do Poder Moderador, da alternância entre
conservadores e liberais sob os olhos atentos do Imperador e da estrutura de
representação legislativa, o Brasil finalmente teve tranquilidade interna para sair
do imobilismo que o aprisionava desde a Independência e criar uma matriz de
política que o acompanharia até o final do Império. Eliminadas as revoltas,
consolidado finalmente o regime, o Governo passa a olhar para os outros
problemas urgentes, que perpassam a área social, econômica e a política
externa.
A escravidão foi um dos pontos mais importantes e urgentes a serem
tratados. Na época da Independência, o Brasil tinha como objetivo central a
aceitação nacional do seu novo status de soberania. Nesse período, o poder
32
britânico e seu reconhecimento era algo que o recém-empossado Governo
brasileiro não poderia deixar de abrir mão. O Império pagou um alto preço, e entre
eles estava à determinação para que o tráfico de escravos fosse extinto. Proibido
em 1831 pelo acordo com a Grã-Bretanha, ele conseguiu inicialmente reduzir o
fluxo de vinda de negros ao Brasil, mas com a escassez e completa dependência
das estruturas econômicas dessa mão-de-obra, seu ritmo se intensificou. Os
britânicos sentindo-se contrariados dos seus interesses, autorizando a sua
Marinha a atacar e dar tratamento de piratas aos navios negreiros, levando-os a
julgamento nos tribunais do Vice-Almirantado. A medida foi extremamente
impopular na imprensa e nas ruas. Ela foi encarada com um completo desrespeito
à soberania nacional, além de ameaçar frontalmente uma das matrizes essenciais
da economia Imperial.
Na década de 1850, os conservadores gozavam de força e prestígio
interno e, incapazes de fazer frente aos ditames britânicos, resolvem de vez abolir
o tráfico. A nova lei aprovada na Assembleia e publicada em 4 de setembro de
1850 conseguiu aquilo que a anterior de 1831 não foi capaz: reprimir e extinguir
de fato o tráfico negreiro. Apesar de não solucionar o problema da escravidão
dentro do país, a abolição foi essencial no esforço de fazer valer as
determinações do Estado central e resolver um litígio que vinha se arrastando
desde a década de 30 com os britânicos. Além disso, a década foi marcada pela
criação de um código comercial e a mudança da lei fundiária que previa a venda
de terras públicas para o financiamento de contratação de mão-de-obra livre para
suprir os inconvenientes do fim da vinda dos escravos negros.
Na esfera internacional, o período foi de definição sobre o ponto mais
essencial durante todo o Império: a questão platina. Desde a perda da Cisplatina,
na guerra de 1828, o Brasil manteve-se em um distanciamento que foi quebrado
quando se viu obrigado a definir sua posição em função da política de Rosas,
governador do Estado Confederado de Buenos Aires, que com suas pretensões
expansionistas interferira no Uruguai a favor de Oribe. O Brasil preocupou-se
ainda mais quando Oribe passou a hostilizar os proprietários brasileiros que
33
habitavam o Uruguai, levando o Governo brasileiro a romper relações com Rosas
em 1851 e aliar-se com seus inimigos na disputa:
Em 1852, Rosas foi derrotado pelas forças aliadas na
batalha de Monte Caseros. Com essa intervenção, o ministério, sob a
influência de Paulino José Soares de Sousa, futuro visconde do Uruguai,
definiu a política do país na área, que poderia ser resumida na frase: não
conquistar e não deixar conquistar. O alvo principal da política era,
naturalmente, a Confederação Argentina. (CARVALHO, 2012, p. 101)
A década de 1860 foi marcada pela luta política e efervescência do
debate público, sendo uma das décadas de mais intensa mobilização, discussão
de ideias e longos embates em conferências públicas e no Legislativo.
Internamente, o receio de revoltas ou com uma possível fragmentação haviam
sido deixados no passado, fazendo desse um período centrado, sobretudo, nas
grandes disputas sobre a natureza do sistema político. Aos poucos os liberais
começaram a colocar dúvidas sobre pontos essenciais do regime, em especial
matérias constitucionais. Na mira das críticas estavam à vitalidade dos cargos
senatoriais, as eleições indiretas, a longa discussão sobre centralização política e
administrativa, a dependência do Judiciário ao Executivo e o Poder Moderador.
As propostas reformistas só se abstinham de contestar àquela altura o sistema
político, ou seja, a monarquia constitucional. (CARVALHO, 2012, p.103-110)
O amplo processo de debates políticos foi interrompido por um
acontecimento imprevisto: a Guerra da Tríplice Aliança ou Guerra do Paraguai,
iniciada ao final de 1864, colocando Argentina, Brasil e Uruguai em uma inusitada
aliança contra a República do Paraguai. Naqueles anos nenhum assunto podia
rivalizar com o conflito em marcha. Sua importância se deu tanto no acirramento
das contradições internas, mas também na visão de mundo sobre o Brasil. Não
nos cabe aqui problematizar e contextualizar as causas e o andamento da guerra,
já que as consequências na política externa serão tratadas em um espaço
oportuno ainda neste estudo. De qualquer forma, a questão fronteiriça e a livre
navegação dos rios, especialmente o Paraná, foram cruciais para levar a
34
escalada dos eventos à maior contenda internacional da história da América do
Sul.
O entendimento geral no início dos combates era de que seria um conflito
rápido e uma vitória sem maiores consequências. A guerra, entretanto, se
estendeu por cinco anos, representando consideráveis perdas materiais para
todos os envolvidos, especialmente ao Paraguai, que perdeu parte significativa da
sua população masculina. Com o fim da guerra, em 1870, o Paraguai não foi
submetido a um acordo geral de paz, tendo que selar seus acordos
individualmente com cada parte envolvida. À Argentina foi reconhecida a atual
província de Formosa, localizada entre os rios Pilcomayo e Bermejo. Além disso,
a soberania argentina foi reconhecida sobre a atual província de Missões, no
nordeste do país, território que se encontrava em litígio e que foi ocupado pelas
forças de López durante o conflito. O Brasil, em 1872, conseguiria a
reinvindicação de livre navegação no Rio Paraná e o reconhecimento pelas
autoridades paraguaias dos territórios reclamados desde os tempos coloniais,
sendo que o novo limite entre o Império e o Paraguai passou a ser os rios
Paraguai, no oeste, e Apa, no sul.
A Guerra do Paraguai, nascida durante um gabinete liberal, sob a chefia
de Zacarias, constituiu o ponto inicial da crise que desencadearia o Império. A
ruptura entre o experiente marechal Caxias, que àquela altura era comandante
das forças brasileiras no Paraguai, e os liberais, provocou a queda do Gabinete e
a volta dos conservadores ao Governo (1868). Os liberais encararam como um
golpe sério ao equilíbrio de poder que deveria ser patrocinado pela Coroa, e se
distanciam do regime.
Apesar de historicamente as tentativas de limitar os
poderes imperiais e a acentuação do federalismo fossem tradicionais no
movimento liberal brasileiro, a partir desse momento acrescenta-se ataques à
própria instituição monárquica. (DONGHI, 2005, p.194-198)
O apoio do Imperador à Caxias não garantiu o apoio dos militares.
Outrora herói do exército, fazia parte de uma geração de militares que dominaria
a cena pela última vez durante a Guerra do Paraguai. Do conflito, emerge uma
35
nova geração, mais consciente da própria força e mais exigente em face da
Coroa, a qual se revela pouco sensível às pressões dos militares. O conflito que
obrigou a esforços imprevisíveis ao corpo das forças armadas resultou em uma
estruturação renovada, o que contrastava com a classe política cada vez mais
distante das suas demandas. Se não todo o exército, mas ao menos os oficiais
mais jovens, descobriram no positivismo a ideologia adequada para legitimar seus
posicionamentos.
No positivismo, os oficiais encontraram também os instrumentos para
formular os moldes de um novo modelo de autoritarismo de tipo progressista,
contrariando o padrão encontrado no resto da América Latina, e se mostrando
sensível a causas como a abolição da escravidão. Delineia-se assim uma
corrente militar Repúblicana, especialmente no exército, que consegue um poder
de difusão à medida que é usada como instrumento de defesa dos interesses da
corporação militar do corpo de oficiais. Em 1885, essa corrente se alinha em
defesa de um colega, ameaçado de punição por ter criticado o ministro da guerra
em um jornal. Era o ponto final da estabilidade institucional e do apoio de um dos
principais alicerces do regime.
O Repúblicanismo dos militares não foi o único a se manifestar no
período. Em 1870, foi redigido o Manifesto Repúblicano que trazia várias
reivindicações e ataques ao regime. O “Manifesto Repúblicano” que chegaria ao
Rio de Janeiro levado pela voz do primeiro número do periódico A República, de 3
de Dezembro de 1870, tinha como líderes Quintino Bocaiúva, Joaquim Saldanha
Marinho e outros, que viriam inclusive a participar do futuro Governo Repúblicano.
Apesar de ainda não contar com apoio e representatividade política consistente,
os novos ideais Repúblicanos defendidos pelos civis passariam a influenciar,
mesmo que ainda marginalmente, a política brasileira. A visão sobre o Brasil e
seu papel no mundo sofreria um processo de lenta mudança nos anos que se
seguiram e a visão Repúblicana ganharia cada vez mais força:
36
Somos da América e queremos ser americanos. A nossa
forma de Governo é, em sua essencia e em sua prática, antinômica e
hostil ao direito e aos interesses dos Estados americanos. A
permanência dessa forma tem de ser forçosamente, além da origem da
oppressão no interior, a fonte perpetua da hostilidade e das guerras com
os povos que nos rodeiam. Perante a Europa passamos por ser uma
democracia monarchica que não inspira sympathia nem provoca
adhesões. Perante a América passamos por ser uma democracia
monarchisada, aonde o instincto e a força do povo não podem
preponderar ante o arbítrio e a omnipotencia do soberano. Em taes
condições pode o Brazil considerar-se um paiz isolado, não só no seio
da América, mas no seio do mundo. O nosso esforço dirige-se a suprimir
este Estado de cousas, pondo-nos em contacto fraternal com todos os
povos, em solidariedade democratica com o continente que fazemos
parte. (Manifesto Repúblicano de 1870).
No livro O Ocaso do Império, Oliveira Vianna vai tomar como sendo a
primeira grande fissura no sistema parlamentarista o caso do Gabinete Liberal de
1868. (VIANNA, 2006, p.26) Desse pequeno período que se estende a queda de
Zacarias (1868) ao Manifesto Repúblicano (1870), está o ponto de partida de todo
o movimento político que desembocará no golpe deflagrado pelos militares, que
resultaria na destruição do último Gabinete e a queda do Império:
Este fato (golpe de 1868) – a queda dos liberais chefiados
por Zacarias – é decisivo para o prestígio das instituições em nosso país.
Pode-se dizer que o grande processo de desintegração do sistema
monárquico data daí – e isto pela maneira singular por que se operou a
modificação da situação parlamentar, em perfeito contraste com as
ideias dominantes no nosso ambiente político por aquele tempo, reflexo,
por sua vez, das ideias dominantes no ambiente político do mundo.
(VIANNA, 2006, p.8)
O regime monárquico ainda enfrentaria outras ameaças às suas colunas
de sustentação. O choque entre a maçonaria, que tinha o presidente do Conselho
como Grão-Mestre, e o clero, comprometeram ainda mais a monarquia,
comovendo a população e permitiu a oposição ao regime armar-se usando os
descontentes como ponto de apoio. A ordem Imperial se enfraquecia com a
postura de vários grupos políticos, aa perda do apoio seguro e decisivo do
exército, além da debilidade da relação com a Igreja.
37
A decadência geral da sociedade Imperial era evidente e se abateu em
quase todas as esferas da vida institucional. O último grande desafio ao Império
seria a questão da escravidão, apesar de ter perdido muito da sua importância
desde a proibição do tráfico negreiro na metade do século. A liberdade para os
filhos dos escravos, a ‘Lei do Ventre Livre’ decretada em 1871, apressou ainda
mais o desaparecimento de uma instituição já em declínio. A queda foi
vertiginosa: em 1850, os escravos eram dois milhões e meio, em 1874 caiu para
um milhão, e em 1887, setecentos e cinquenta mil. (CALÓGERAS, 1957, p. 373383)
O Imperador declarava-se favorável a emancipação, a ponto de
preocupar os velhos oligarcas que ainda usavam da mão-de-obra escravista. Com
o passar dos anos, havia um consenso em toda a sociedade de que não
demoraria muito a ocorrer à libertação dos cativos. O maior problema era a
indefinição sobre a indenização aos proprietários, algo que as finanças brasileiras
não tinham condição de enfrentar. Por outro lado, os setores emergentes
cafeeiros não necessitavam mais recorrer à mão-de-obra negra e se negavam a
colaborar em qualquer acordo sobre indenização. Finalmente, em 1888, pelas
mãos da Princesa Isabel, chegou-se à emancipação sem indenização de qualquer
espécie. O Barão de Cotegipe tentou resistir até o último momento contra a
tomada dessa medida. Em conferência com a Princesa-Regente, que o havia
inquerido sobre a demora na solução da questão, teria ouvido a profética resposta
de Cotegipe: “Vossa Alteza redimiu uma raça, mas perdeu seu trono” (COTEGIPE
apud CALÓGERAS, 1957, p.382)
Nesse momento demoliu-se a última trincheira que protegia o Governo
Imperial: os agrários escravagistas consideraram-se isentos da obrigação de
fidelidade à monarquia que tanto haviam defendido. O Brasil do café não
precisava mais da escravidão; a imigração europeia cobriria essa necessidade. A
expansão demográfica passara em 1872, de dez milhões, para quatorze milhões
em 1888. A velha ordem institucional pesava e limitava as margens de autonomia
da oligarquia emergente cafeeira. A corrente Repúblicana cada vez mais popular
no exército, enraizada na Província de São Paulo, sede de vanguarda do
38
desenvolvimento da produção do café, e em uma das províncias mais povoadas
do Brasil no momento, Minas Gerais, que se afastava cada vez mais dos
monarquistas. (COSTA, 1987, 357-360)
O Imperador pouco fez para defender a monarquia e nunca cogitou
pugnar pela coroa contra a vontade popular (CALÓGERAS, 1957, p.394). Seu
longo reinado foi baseado especialmente no seu prestígio, e com ele ajudara a
manter a unidade nacional mesmo nos conjunturas mais difíceis. Nos momentos
finais viveu seu período de maior tranquilidade pessoal, com viagens ao exterior e
contato com a cultura dos países centrais. Viajou por museus, assistiu a
espetáculos teatrais e musicais, e teve a oportunidade de transitar nas rodas mais
exclusivas de artistas, intelectuais e cientistas. Na França, teve contato com
grandes nomes como Victor Hugo e foi eleito membro do Institut de France. Em
1887, a sua saúde deteriorara, forçando-o a se tratar na Europa, onde esteve a
beira da morte no mês de maio de 1888. Ao voltar ao Brasil em agosto, não tinha
mais condições de governar, mas não aceitou renunciar. Foi acusado de naqueles
anos de ter aceitado quase com fatalismo a queda do regime, como se a
República fosse inevitável, não se preocupando nem em preservar a monarquia
para sua filha. (CARVALHO, 2012, p.126-127)
A abolição, assim como as tentativas de reforma introduzidas pelo último
gabinete de Ouro Preto, deveria ser vista como uma forma da monarquia
preservar-se, uma vez que antecipariam mudanças que mais cedo ou mais tarde
lhe
seriam
exigidas,
no
entanto,
foram
inócuas
ao
encaminhar
do
desenvolvimento histórico. Os Repúblicanos, com auxílio do apoio recémconquistado em 1889 do Marechal Deodoro da Fonseca, que foi líder dos
conservadores no exército e historicamente apoiara D. Pedro II, deferiu um Golpe
de Estado, que não encontrou a menor resistência e alheio de qualquer
participação popular.
O Golpe estava marcado para o dia 17 de Novembro de 1889, mas um
boato de que Deodoro seria preso, e a Guarda Nacional atacaria os quartéis,
anteciparam os eventos para o dia 15. Cerca de seiscentos militares
39
congregaram-se no Campo de Santana, em frente ao comando geral do Exército.
Aproximadamente às 9 horas, Deodoro se encontrou com o Visconde de Ouro
Preto, último presidente do Conselho de Ministros e o depôs, sem tocar no
assunto do regime. O Imperador, avisado e sem dar muito crédito às noticias,
desceu de Petrópolis em direção à capital. O dia foi de grande indefinição, até que
somente à noite, quando Deodoro soube da indicação de que um inimigo pessoal
iria substituir Ouro Preto no gabinete, decidiu-se pela Proclamação da República.
A família Imperial foi intimidada a deixar o país na madrugada do dia 17.
Foi escolhido o período matinal para evitar grandes aglomerações, uma vez que
os golpistas receavam que movimentos e tumultos pudessem ocorrer, gerando
derramamento de sague. O navio os levou a Lisboa, onde o Imperador e sua
família foram recebidos com honras de Estado pelo seu sobrinho Carlos I,
decretando o fim do Império. (CALÓGERAS, 1957, p. 398-399)
Na atuação internacional, foco de interesse do estudo, no interlúdio
entre o fim da Guerra do Paraguai (1870), até a crise derradeira (1889),
prevaleceria a Distensão externa como força da face soberana, conforme os
termos do paradigma. Durante os anos finais do regime, as relações com o Prata
seriam intensas, especialmente antes de 1876. A relação e a proximidade com os
países da região faziam com que as Repúblicas platinas fossem a prioridade
sempre presente na pauta de assuntos externos e destino prioritário da projeção
de poder Imperial. Com a consolidação da Argentina como uma ameaça
potencial, o subsistema platino foi o palco mais importante da atuação
internacional no período.
Não se pode dizer o mesmo do Pacífico. A floresta Amazônica e as
Cordilheiras dos Andes funcionaram historicamente como uma barreira quase
intransponível dentro do continente, fazendo com que qualquer aproximação
fosse difícil e desafiadora. Com exceção da Guerra do Pacífico e da aliança virtual
com o Chile, não houve maiores interações na região. O reatamento das relações
cortadas com o Peru por conta da Guerra do Paraguai marcou um período de
40
maior tranquilidade e afastamento do Império para a região, deixando
transparecer uma possível Distensão histórica. (RRNE, 1869, p.18)
Por fim, foi às propostas interamericanas um dos grandes desafios ao
Império. Nelas, o Brasil monárquico tinha de lidar com seus vizinhos
Repúblicanos, e tentar a todo custo evitar que sua influência minasse as bases
fundamentais das instituições do país. Diferente do aspecto fundamentalmente
conjuntural do Prata, seria nesse caso uma Distensão histórica do Império com
finalidades objetivas.
Dessa forma, a investigação e a exposição desse capítulo serão
divididas em três partes: o primeiro tratando do Prata, das consequências da
Guerra do Paraguai e da Distensão na região; a segunda explorando as questões
do Pacífico e das questões que obrigaram o Império a se posicionar; e por último
os ideais americanistas e a relação do Brasil com os fóruns regionais. As
discussões se centrarão no objetivo de revelar em qual medida o sentido da
Distensão esteve presente nos mais importantes eventos do período aqui tratado.
2.1 As Repúblicas do Subsistema do Prata
No dia 01 de Março de 1870, morria em Cerro Corá o ex-presidente do
Paraguai, Solano López, encerrando o longo conflito. Em toda a parte, o Governo
Imperial declarava sua felicidade com o desfecho dos combates. O Império se
apoiava na tese que a guerra, apesar do enorme ônus para o país, seria
necessária para a defesa do interesse nacional. O relatório da Repartição dos
Negócios Estrangeiros de 1869-1870, apresentado à Assembleia Geral pelo então
Ministro Barão de Cotegipe, congratulava a vitória como um “triunfo da moral”,
exaltando a participação do Brasil e dos aliados como sendo a de defensores de
uma “causa justa, da liberdade e da civilização”. (RRNE, 1869, p.1-2) Na Fala do
Trono (1977, p.392-393), durante a abertura da Assembleia Geral em 6 de Maio
de 1870, D. Pedro II afirmava que a história atestaria em todos os tempos que a
41
geração que lutou a Guerra do Paraguai mostrou uma constante e inabalável
força para recuperar a honra do Brasil.
A situação objetiva, no entanto, apresentava desafios complexos à
diplomacia do Império. De fato, desde a Independência em 1822 até a guerra
generalizada no Prata, diferente das diversas nacionalidades ambíguas e
conflituosas que surgiram do processo de fragmentação do Império Espanhol na
região, o Brasil teve a seu dispor desde o primeiro momento um Estado
relativamente organizado, dispondo de uma burocracia e de um quadro militar
competente, possibilitando uma atuação até aquele período de uma preeminência
na política externa regional. Com o conflito, encerrava-se um ciclo histórico, com o
qual a região passaria a contar com a Argentina consolidada, passando a disputar
espaço de força muito mais acintosa com os brasileiros, começando ainda
durante os últimos eventos da guerra. (BANDEIRA, 2003, p.34-35)
2.1.1 O Fim da Guerra do Paraguai
Assim que as tropas da aliança entraram em Assunção, portanto, antes da
morte de López, os combates cada vez mais raros iam se transformando em
batalhas diplomáticas entre os altos funcionários dos governos da região. A
primeira grande discussão foi sobre a continuidade da guerra, uma vez que com a
capital ocupada, não haveria mais forças materiais para uma perda na campanha.
Os defensores dessa tese, entre eles Caxias, argumentavam que o Tratado da
Tríplice Aliança10 seria categórico nas intenções da guerra ser exclusivamente
com a finalidade de derrubar do Governo paraguaio e nada mais. Para eles, uma
vez destituída a autoridade legal, moral e real do antigo presidente, não haveria
motivos para prosseguir com uma campanha tão onerosa e mortífera. O Governo
10
Tratado de Alliança Offensiva e Defensiva entre o Brazil e as Repúblicas Argentina e Oriental do
Urugay contra o Governo do Paraguay – (Tratado da Tríplice Aliança), 01/05/1865, RRNE, 1872,
anexo I, p. 1-28.
42
Imperial, especialmente o Imperador, entendia ser absolutamente essencial para
os interesses brasileiros a captura do rival, trabalhando em todas as instâncias
para que assim o fosse.
Enquanto a captura não ocorreria, um dos primeiros movimentos do
Império para acelerar o término formal do conflito foi realizado pelo Conselheiro
Paranhos, depois Visconde de Rio Branco, em tentar junto aos representantes
argentinos e uruguaios a criação de um governo provisório no Paraguai. O seu
objetivo era instituir, em uma atitude conjunta com os aliados, quais seriam as
condições e mediante a quais delas poderiam os Governos aliados reconhecerem
o novo poder legal. O seu estabelecimento era uma necessidade não só para os
paraguaios, mas para todos os aliados, para que houvesse uma autoridade legal
com representatividade, tendo a função de tratar das problemáticas oriundas da
guerra.
A lógica que determinava as ações de Paranhos era a clássica visão dos
conservadores sobre os domínios do Prata, que desde de 1868, com a volta ao
poder, pretendiam desempenhar: a defesa da autonomia e independência do
Paraguai e Uruguai em contraposição à influência da Argentina e suas pretensões
de expansão. Dessa forma, ao almejar um equilíbrio de poder platino, conseguiria
o Governo Imperial conservar o status quo da região e o mesmo tempo
resguardar-se de que não seria ameaçado em seus interesses.
No dia 31 de março de 1869, trezentos paraguaios se reuniram em
Assunção, nomeando nessa ocasião três membros, encarregados em nome do
Governo do Paraguaio de entender-se com os plenipotenciários aliados a respeito
do estabelecimento de uma autoridade que fosse a expressão “legítima da
soberania popular” e que contribuísse para a derrubada dos resquícios do poder
de López e seus seguidores. (RRNE, 1869, p.3)
Em uma das primeiras conferências entre os representantes da Aliança,
Paranhos ofereceu a seus colegas um apontamento de bases para os ajustes
preliminares. Inicialmente afirmava que o Governo Provisório deveria ser livre
escolha dos cidadãos paraguaios, constituídos por pessoas que garantissem a
43
paz, a estabilidade e a capacidade administrativa, definidos em eleições livres.
Definia a adesão do Paraguai aos termos do Tratado da Tríplice Aliança, dessa
forma, teriam direitos e autoridade moral e legal para ajustes complementares. O
acordo afirmava que apesar da adesão ao Tratado garantir plena liberdade no
exercício da sua soberania, no que se refere à guerra, e aos direitos dos aliados,
por conta das causas e consequências da mesma guerra, ficaria ligado aquele
pacto a proceder de inteiro acordo com os aliados, ou seja, reparações e outras
necessidades oriundas da guerra. Além disso, o Governo Provisório não poderia
entrar em contato com López ou qualquer pessoa que o represente e os generais
aliados ficariam inteiramente livres e independentes do Governo provisório nas
operações contra o inimigo comum, sendo esse obrigado a cooperar nas
operações aliadas. Sua jurisdição civil e criminal não se estenderia aos quartéis,
acampamentos e indivíduos pertencentes à Aliança, além de garantir a livre
navegação dos rios às nações aliadas. (RRNE, 1869, p.3-5)
Para finalizar, sugeria nas propostas, no intuito de “animar o espirito de
união entre os paraguaios e de assegurar o apoio ao novo Governo, conviria à
criação de uma Junta Governativa composta por três membros”, tendo um deles o
título de presidente e exercendo o poder administrativo de delegação e
representação. (RRNE, 1869, p.3-5)
Logo houve divergência entre os representantes da aliança no que se
refere à questão dos poderes de influir no Tratado da Tríplice Aliança pelo
Governo Provisório do Paraguai. Em memorando do plenipotenciário argentino
(RRNE, 1869, p.3-5), seu representante afirmava que só convinha “dar a mão aos
poucos paraguaios que existem em Assunção” ajudando-os a constituírem um
governo provisório que prepare a futura organização do país e que o poder de
realização de Tratados, que demandam garantias futuras, seria demais para essa
etapa do processo. O Governo do Uruguaio foi pelo mesmo caminho, lamentando
discordar do representante de Sua Majestade Imperador do Brasil, mas entendia
que a celebração dos ajustes de paz só poderia ser realizado com o Governo
definitivo do Paraguai e “carregado de legitimidade popular”.
44
Após a troca de memorandos, em uma conferência final foram assinados
dois protocolos, sendo que a proposta de Paranhos foi aceita quase na íntegra,
com exceção à capacidade do Governo provisório em realizar Tratados. (RRNE,
1869, p.3-5) Essas condições foram comunicadas por nota coletiva de 8 de Junho
de 1869 e assinado no dia 20 de Junho pelo Governo Provisório do Paraguai:
1. Estabelecia a paz entre o Império do Brasil, a República Argentina, a
República Oriental do Uruguai e a República do Paraguai;
2. Aceitação dos Termos do Tratado da Tríplice Aliança pelo Paraguai;
3. Livre navegação dos rios as nações aliadas;
4. Os Aliados se comprometem a não influir direta nem indiretamente
na política e eleição do futuro governo permanente;
5. Liberdade do Paraguai em defender sua soberania territorial,
deixando os litígios de fronteira fora da lógica da conquista.
O protocolo adicional afirmava que eleições deveriam ocorrer três meses
após a criação do Governo Provisório, no entanto, as eleições só foram realizadas
no dia 24 de novembro do mesmo ano. Do pleito saíram vencedores: D. Cirilo
Antonio Rivarola como presidente e Caio Miltos como vice. No mesmo dia foi
realizado o juramento à Constituição, a primeira da história do país, redigida com
bases nas constituições dos Estados Unidos, Argentina e de outros países,
abrindo espaço para as negociações definitivas de paz.
2.1.2 A Paz em Separado e o Acirramento das Negociações
Com o encaminhar das conversas, o grande problema para o Império
ficava por conta das ações argentinas e seu interesse territorial na guerra.
Absolutamente proibido pelos termos da aliança, a conquista territorial parecia ser
45
um desejo da Argentina que o Brasil entendia ser essencial neutralizar. As
movimentações mais explícitas ocorreram quando o general chefe do exército
argentino ocupou a região do Chaco e as autoridades argentinas afirmaram por
meio de uma comunicação que a região era exclusivamente sua, e não havia
nada o que fazer ali as autoridades paraguaias. A comunicação formal foi
resposta à atitude do Governo do Paraguai em ter ordenado que suas autoridades
sujeitassem um cidadão americano, chamado de Eduardo Hopkins, ao imposto
correspondente à sua indústria de corte de madeiras instalada na região. A região
caiu imediatamente em litígio, já que o Paraguai afirmou que a região do Chaco
pertencia a seu território, não aceitando a posição do vizinho.
O argumento da República Argentina consistia em afirmar que o território
em questão lhe pertencia exclusivamente, e que a posse dele por parte do
Paraguai foi uma usurpação. Sua reinvindicação pela força das armas aliadas
seria, portanto, uma ocupação material e lógica. Apesar disso, alegava que a
vitória não dava direito por si só de declarar as definições de fronteira e que o
Tratado definitivo deveria ser negociado com o Paraguai. Nessa linha, a Argentina
defendia que não resolveu a questão de limites unilateralmente, mas sim, tomou
pelo direito da vitória o que entendeu ser seu, mas declarou que estaria disposto
a devolver se o Paraguai apresentasse melhores provas. (RRNE, 1869, p.9-11) A
ocupação também não significaria que não queria discutir com a Bolívia suas
reinvindicações, já que essa área também estava em disputa com aquele país
muito antes desse período, e sua decisão foi adiada para após os entendimentos
da Guerra do Paraguai.
A delicada situação merecia uma resposta sábia do Império, uma vez que
sem os ajustes de paz assinados por todos os membros da aliança com o
Paraguai, a escalada dos desentendimentos poderia ter um resultado trágico.
Paranhos, portanto, tentou criar uma postura neutra, afirmando que respeitava o
ato praticado pelo general argentino, mas não vinculando responsabilidade desse
ato ao Governo Imperial, já que apenas o Tratado da Aliança poderia estabelecer
os ajustes finais da paz. Para reforçar a isenção do Brasil na questão, renovou em
termos amigáveis o que previa o Tratado da Tríplice Aliança, e a única ressalva
46
relativa de sua parte ficou aos direitos que a Bolívia alegava ter sobre uma parte
do Chaco. As forças brasileiras que estavam no Chaco permaneceram lá, como
faziam antes, onde achassem mais convenientes, pelos termos da aliança.
Não seria o primeiro problema desse tipo durante o processo. O Governo
argentino solicitou também durante esse período a desocupação da ilha do Atajo,
em que existe uma posição naval brasileira, usando como argumento que a ilha
prestava-se com facilidade ao contrabando. A ilha do Atajo fica na foz do rio
Paraguai, e foi ocupada desde a invasão do Paraguai para poder ser usada como
ponte para as operações militares da aliança, servindo como um ponto de apoio
para os sítios em Tuynty, Curapaity e Hummaitá. Os generais brasileiros
ocuparam a ilha, certo de que estavam em território inimigo, já que ali existia um
posto militar paraguaio, denominado guarda do Cerrito.
Foram trocadas notas entre o Governo Imperial e o da República
Argentina, nelas reconhecendo que a ilha de Atajo não pertencia ao Brasil. O
Governo Imperial solicitou a saída das tropas brasileiras que a estavam
ocupando, mas eximiu-se de qualquer responsabilidade quanto à questão de
domínio sobre ela. A situação caminhava para um acirramento que ia contra os
interesses brasileiros.
Além disso, os representantes paraguaios enviaram à Corte, em maio
de 1871, o Sr. Carlos Loizaga, ministro das relações exteriores, para solicitar a
garantia do Governo Imperial, ou ao menos apoio moral para um empréstimo
pretendido pelo seu país, destroçado pela guerra. O apoio moral referido consistia
em fazer saber nas praças financeiras que, caso fosse necessário, o Brasil não
apresentaria objeção nenhuma derivada das definições de paz.
O Império respondeu não poder tomar sobre si a responsabilidade dos
empenhos financeiros de outros países, mas que sempre animado das intenções
mais justas e benévolas para com o Paraguai, não se opunha, e torcia para que
conseguisse realizar a operação de captação de crédito que almejavam, apenas
devendo ter atenção para que tal operação não prejudicasse os direitos dos
aliados à reparação. O alto escalão paraguaio se indignou com a recusa
47
brasileira, criando um mal estar que acirraria ainda mais os sérios problemas
envolvendo as negociações de paz.
O comportamento do Império em todas essas matérias pouco variou no
que se refere à doutrina em política externa. Como demonstração dessa visão,
por ocasião de uma das três vezes que viajou ao exterior, D. Pedro II dirigiu
conselhos à filha Isabel, que o substituiu como regente. Para exemplificar os
contornos desses princípios, cabe à citação do seguinte trecho da carta
endereçada a ela, e que endossa o espírito Imperial na relação com a esfera
internacional:
Cumpre ceder logo no que for justamente reclamado. Com
os nossos vizinhos devemos ser generosos, e evitar tudo o que nos
possa fazer sair da neutralidade a todos os respeitos, sem sacrifícios,
todavia da honra nacional, que não depende, por nenhuma forma, do
procedimento de quaisquer brasileiros, que tenham sido causa de seus
justos sofrimentos em país estrangeiro. Esta política é às vezes
dificílima; mas, por isso mesmo tanto mais necessária. Creio que assim
desaparecerão finalmente as prevenções da parte de nossos vizinhos
cujas instituições devemos considerar tão necessárias à sua
prosperidade, com a qual não podemos deixar de lucrar, como julgamos
das nossas quanto a nosso progresso. (D. PEDRO II – CARTAS À
PRINCESA ISABEL – 03/05/1871)
Rio Branco entendia e tentava executar essa doutrina durante sua missão
na região. Pouco depois, o Visconde foi obrigado a interromper os trabalhos da
sua missão nas Repúblicas do Prata, após concluir o acordo prévio entre os
aliados, pois havia sido nomeado para o cargo de novo presidente do Conselho
de Ministros. Seria o começo do gabinete de maior duração na política imperial,
marcando uma época de transformações profundas do Brasil. (TORRES, 1968,
p.75)
O acordo tinha como objetivo uniformizar as propostas que seriam
apresentadas ao Paraguai, para que fosse possível realizar o Tratado Definitivo
de Paz. Os principais artigos versavam sobre11: Art.1 – haveria desde a data do
11
Negociações e ajustes definitivos de paz com a República do Paraguay, 25/01/1871
48
Tratado, paz entre o Imperador do Brasil, a República da Argentina, a República
Oriental do Uruguai, a República do Paraguai, e seus cidadãos; Art. 3 a 6 – O
Paraguai aceitaria como dívidas de guerra o total dos gastos com a campanha
dos aliados, além dos danos e prejuízos às propriedades públicas e particulares
argentinas, brasileiras e uruguaias. Seriam criadas três comissões mistas, cada
uma das quais compostas por dois juízes e dois árbitros, para examinar as
questões das indenizações provenientes a cada estado. Em caso de divergência
entre os juízes, seria escolhido um dos árbitros e este decidiria a questão. Os
artigos também fixavam dois anos de prazo para apresentação de todas as
reclamações que deviam ser julgadas nas comissões mistas. A dívida seria paga
pelo Paraguai, à medida que se for liquidando, em apólices ao par, que venceriam
o juro de seis por cento e teriam a amortização de um por cento por ano; Art. 7 a
9 – A navegação dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai seria livre para o comércio
de todas as nações desde o Rio do Prata até os portos habilitados e para os
navios de guerra das nações ribeirinhas. A lei não se estendia aos afluentes para
comércio, mas se mantinha para os navios de guerra dos estados ribeirinhos,
ficando proibidos navios de guerra de países fora da região sem autorização
expressa; Art. 15 – Os membros da aliança se comprometeriam a respeitar, cada
um por sua parte, a independência, soberania e integridade do Paraguai, e a
garanti-las coletivamente durante o prazo de cinco anos; Art. 17 – O Paraguai,
como
Estado
soberano
e
perfeitamente
independente,
declarar-se-ia
perpetuamente neutro, e também seria reconhecido como tal por outras partes
contratantes, nos casos de guerra entre os seus vizinhos ou entre algum desde e
qualquer outra potência. A questão de limites ficou adiada para ser decidida
durante as negociações com o governo definitivo paraguaio. (RRNE, 1871, p.318)
No dia 09 de Agosto, foi incumbido ao Barão de Cotegipe, na condição de
enviado extraordinário e ministro plenipotenciário em missão especial nas
Repúblicas Oriental do Uruguai, Argentina e do Paraguai, substituindo Rio Branco
na tentativa de uma paz que fosse benéfica ao Império. A missão foi realizada
juntamente com o representante argentino, Manuel Quintana, e o representante
49
uruguaio Adolfo Rodríguez. O grupo entregou em 3 de novembro as credenciais
ao presidente do Paraguai, iniciando as negociações.
As tratativas entre os plenipotenciários ficaram seriamente comprometidas
por divergência sobre uma cláusula que garantia a independência, a integridade
territorial e neutralidade da República do Paraguai, obrigando aos povos
ribeirinhos a não levantar, sobre seu litoral e ilhas, fortificações ou baterias que
pudessem impedir a liberdade de navegação comum. O representante argentino
argumentou que essa disposição, pela sua natureza, tinha força de lei e deveria
ser submetida à sua Câmara dos Deputados. O Barão de Cotegipe afirmou ser
esse artigo um protocolo já aprovado em consonância com os termos da aliança,
logo não poderia ser desaprovado por outros. Além disso, o plenipotenciário
brasileiro temia que essa possibilidade de necessidade de aprovação pudesse
trazer consequências inesperadas. A delegação do Uruguaia acompanhou o
Brasil e entendeu ser válida a manutenção dos termos como previamente
acordados.
Além dessa problemática, outra divergência residia no fato da Argentina
querer reafirmar a cláusula do art.º 16 do Tratado da Tríplice Aliança, que tratava
da posse da região do Chaco.
Cotegipe ponderou que uma decisão dessa
natureza
prematura,
seria
extremamente
e
que
deveria
ser
discutida
posteriormente entre a Argentina e o Paraguai. Sua tese se baseava na projeção
que nenhum acordo que saísse daquele escopo seria aceito no futuro, e que
muito possivelmente, pela desigualdade de condições, o Paraguai sairia
prejudicado caso houvesse uma definição de limites com todos os aliados ao
mesmo tempo. Os desentendimentos com o Brasil culminaram com o retorno do
representante argentino à Buenos Aires, levando Cotegipe, ansioso por uma
resolução rápida das tratativas de paz com o Paraguai a negociar a paz em
separado com o Paraguai.
Com a retirada do ministro plenipotenciário da Argentina para Buenos
Aires, o Barão de Cotegipe recebeu do Paraguai uma nota na qual este indagava
sobre a posição brasileira frente à decisão do enviado argentino. O Governo do
50
Paraguai desejava saber se realmente cessariam as negociações entre este e os
aliados, devido aos acontecimentos. Cotegipe respondeu12:
Nenhuma dúvida tenho em abrir negociações para o ajuste
das questões pendentes entre o Brazil e o Paraguay, desde que o
Governo da República nisso convenha enomeie o plenipotenciário com
quem eu deva tratar (...) Estou convencido de que o Sr. plenipotenciário
argentino fallará em nome do seu Governo e não dos aliados, havendolhe eu communicado a resolução de entabolar negociação com o
Governo do Paraguay, desde que elle a isso se recusasse e sabendo
que o Sr. Ministro plenipotenciário oriental achava-se de perfeito accôrdo
com aminha opinião. (RRNE, 1871, p.16-17)
As negociações foram retomadas sem a presença dos aliados e resultaram
no Tratado Loizaga-Cotegipe, em 9 de janeiro de 1872, que incluíam quase na
íntegra as cláusulas negociadas por Rio Branco. Essencialmente o Tratado tinha
como objetivo referendar a paz e amizade entre o Império e a República do
Paraguai, mas também versava sobre limites, comércio, navegação, entrega de
criminosos e desertores, todos aprovados pelo congresso paraguaio e ratificados
pelo Governo Imperial.
As negociações sobre limite se encaminharam para estabelecer a fronteira
entre o Brasil e o Paraguai no rio Apa, não levando em consideração o rio Igurei
que constava no Tratado da Tríplice Aliança. A fronteira negociada coincidia com
a que Paranhos propusera na década de 1850 ao Paraguai, ainda governado por
Carlos Antonio López, pai do presidente Francisco Solano López, e remonta ao
período colonial, quando Portugal e Espanha desejavam a região, dando à
requisição uma áurea de desinteresse brasileiro em expandir seu território além
daquelas em litígio há muitos anos. A navegação livre pelos rios paraguaios foi
estabelecida, dessa forma, o Brasil conseguia uma via fluvial para a província do
Mato Grosso. A paz final determinava também que os gastos brasileiros com a
guerra eram de responsabilidade paraguaia.
12
Nota do Governo paraguaio ao plenipotenciário brasileiro, 13/12/1871.
51
O Império rompia com um dos principais pontos do Tratado da Tríplice
Aliança, o artigo 6º, com o qual os países se comprometeram a não negociar a
paz em separado. O argumento do Império quanto às acusações de contrariar o
Tratado da Aliança foi que o acordo de paz prévio entre as nações aliadas e o
Paraguai já havia sido assinado. A Argentina demonstrava nessa questão o
interesse de seu país em anexar parte do território paraguaio. O Brasil prevendo
que a se manutenção dos termos da aliança fosse mantida na íntegra, o Paraguai
seria envolvido em uma rede de influência direta argentina, algo que contrairia os
interesses brasileiros na região. O Império necessitou abrir mão do legalismo para
prosseguir com sua atuação histórica de proteção ao Paraguai e Uruguai como
estados soberanos, independentes e aliados brasileiros na região para
contrabalançar a presença argentina.
As notícias de que o plenipotenciário brasileiro estaria negociando
separadamente com os paraguaios a paz definitiva, levou jornalistas de Buenos
Aires a serem hostis ao Brasil, acusando-o de violar o Tratado da Aliança do 1º de
maio de 1865. A opinião pública da República Argentina via nos ajustes firmados
em Assunção como a criação de um protetorado brasileiro sobre o Paraguai, além
de significar uma aliança dos vencedores com o vencido, algo categorizado como
pérfida e desleal para vários jornais argentinos. O próprio presidente argentino
Sarmiento descreveu um cenário de extrema tensão entre as duas potências
regionais, uma vez que a paz assinada por Cotegipe levaria a uma situação
guerra ou a simples aceitação do seu país de que o Paraguai passaria a ser uma
província brasileira. (DORATIOTO, 2002, p.465-467)
O Império sabia que era necessário responder as acusações feitas ao
tratado para não deslegitimar o avanço. Em resposta à imprensa argentina e aos
seus agentes diplomáticos, a defesa do Brasil enviou circulares ao governo
argentino, afirmando que: Primeiro - O Brasil não pretendeu do Paraguai
concessões que este não pudesse e não devesse fazer aos outros aliados;
Segundo - Que exigiu, na questão dos limites, menos do que estava estabelecido
no Tratado da Tríplice Aliança; Terceiro - Que não tinha pretensão e nem lhe foi
oferecida nenhuma espécie de protetorado; Quarto - Que sua garantia à
52
independência do Paraguai não exclui a garantia coletiva; Quinto - Que o Brasil
não violou nenhum termo no Tratado, que mantém seus compromissos, e estará
sempre pronto a entender-se com seus aliados para empreendimentos comuns;
Sexto - Que o Brasil optou pela paz em separado quando depois de repetidos
esforços e de um adiamento de dois anos, não lhe deixaram outra opção após as
declarações e retirada do negociador argentino; Sétimo - Que a questão do
Chaco era a única dificuldade oferecida aos ajustes definitivos de paz entre a
Argentina e o Paraguai, mas que o Governo Imperial estava certo de que a
sabedoria e prudência do gabinete de Buenos Aires venceria essa dificuldade,
sem criar uma situação complicada para si e para seus aliados, e sem agravar a
sorte do estado paraguaio, extremamente dependente da aliança, merecendo a
continuação de um procedimento justo e generoso. (RRNE, 1871, p.18-19)
A resposta brasileira não diminuiu a perplexidade causada pela paz em
separado. O Presidente Sarmiento sabia, porém, que não tinha condições
materiais para fazer o Império recuar nos Tratados assinados e defender seus
direitos resguardados no Tratado da Tríplice Aliança no Chaco pelas vias
militares, pois a inferioridade era notória, especialmente no aspecto naval. Desse
momento em diante, o Governo da Argentina tentou superar sua debilidade e
encomendou nos estaleiros ingleses a construção de oito belonaves de maior
porte e uma flotilha de pequenas torpedeiras, criando uma marinha moderna de
guerra. O Império, por sua vez, também buscou fortalecer sua Marinha já
existente, lançando ao mar nos anos seguintes uma canhoneira e uma corveta,
além de um encouraçado e dois cruzadores. A corrida militar aumentava a tensão
entre os dois países que pareciam caminhar a uma guerra. (DORATIOTO, 2002,
p.465-467)
O quadro militar de uma corrida armamentista e o tom das notas
diplomáticas mostrava que a guerra era eminente, mas ao considerar sua
fragilidade militar, restou à Argentina uma saída diplomática. Na metade de 1872,
enviou ao Rio de Janeiro uma missão especial com a finalidade de chegar a um
acordo sobre os pontos pendentes entre os dois países a respeito dos ajustes
definitivos de paz com o Paraguai. Para essa missão foi incumbido o Brigadeiro
53
Geral D. Bartolomé Mitre, ex-presidente argentino durante a Guerra do Paraguai,
com o caráter de enviado extraordinário e ministro plenipotenciário. Mitre chegou
à corte no dia 6 de Julho, sendo recebido pouco depois pelo Imperador em
audiência pública. Assim que se realizaram as negociações diretas entre os dois
Governos, Mitre convidou o Brasil para finalizar as negociações referentes ao
Tratado de Paz, no entanto, achou por bem o Governo Imperial convidar o
Uruguai e o Paraguai para sentar a mesa de negociações.
Por meio da Legação em Montevidéu, o Governo Imperial lembrou a
importância de se fazer representar nas conferências que, em nome da aliança,
poderia necessitar de sua aprovação conjunta. Em nota da Legação Imperial ao
Uruguai, do dia 24 de Setembro de 187213, o Império convidava aos
representantes uruguaios para discutirem os assuntos referentes à paz. (RRNE,
1871, Anexo I – p.67) A resposta Uruguai veio em nota do dia 1 de Outubro de
187214, afirmando que as negociações são exclusivamente assunto do Brasil e da
Argentina, e o Governo Oriental julgou ser mais prudente não tomar parte nos
debates, ao menos “por enquanto”. (RRNE, 1871, Anexo I – p.64-66) A intenção
uruguaia era manter-se a distância, porém não totalmente alheio às questões,
assim conseguiria conservar sua imparcialidade, que seria extremamente
necessária se houvesse um rompimento entre os dois vizinhos, podendo agir
como agente conciliador em favor da paz. Segundo afirmação da nota:
O interesse da República Oriental consiste em que se dê
um conflito que poderia ter funestas e incalculáveis consequências, é ele
demasiadamente sincero para que o Governo do Brasil possa duvidar da
lealdade de suas vistas, que neste caso lhe inspira a sua conduta.
(RRNE, 1871, Anexo I – p.67)
O Governo Imperial, tendo conhecimento desta resposta, em nota do dia
04 de Novembro de 187215, recomendou a sua Legação em Montevidéu que
13
Nota do Governo Imperial ao Governo do Uruguai, 24/09/1872.
14
Nota do Governo uruguaio ao Brasil, 01/10/1872.
15
Nota do Governo Imperial ao Governo do Uruguai, 04/11/1872.
54
declarasse oficialmente que não insistiria para demovê-lo das suas escolhas, mas
que não lhe era possível aceitar os fundamentos em que essa se assentava.
(RRNE, 1871, Anexo I – p.66) A nota ressaltava que as tratativas da conferência
não eram assuntos exclusivamente de argentinos e brasileiros, mas sim sobre
direitos e obrigações contraídos no Tratado da Tríplice Aliança. Caso o Governo
Uruguaio entendesse ser melhor abster-se, seria por um ato de vontade e
responsabilidade exclusivamente sua. E, finalmente, que se prometiam bons
ofícios se infelizmente não chegasse a um acordo o Brasil e a Argentina, o mais
certo e eficaz seria tomar parte nas negociações como lhe cabia sendo membro
da aliança, colaborando com suas observações e seus votos para evitar um
rompimento que pudesse levar a um conflito.
Com a recusa uruguaia, as negociações foram retomadas no dia 5 de
Novembro de 1872 apenas entre o plenipotenciário nomeado pelo Império,
Marquês de S. Vicente, e o da República Argentina, Bartolomé Mitre. As
negociações se encaminharam até o dia 19, chegando a um acordo assinado por
eles de forma a resolver as questões pendentes entre os dois países relativos a
paz com o Paraguai. Dentre os vários pontos no Tratado destacam-se: Primeiro Ficou declarado e acordado que o Tratado do 1º de maio de 1865 continuava em
vigor, com todas as obrigações impostas por ele; Segundo – Ficou declarado que
a paz em separado do Brasil continuava também em seu pleno vigor; Terceiro - A
Argentina negociaria por sua parte com o Paraguai o seu respectivo Tratado de
Paz, comércio e navegação, assim como limites, respeitando ao Tratado da
Aliança. O Uruguai estava igualmente convidado, conjuntamente ou não com a
Argentina, a celebrar com o Paraguai tratados de mesma natureza; Quarto - Que
os aliados retirariam suas tropas três meses depois de celebrados os Tratados
definitivos de paz entre os aliados e a República do Paraguai, ou antes, caso os
aliados concordarem entre si. Caso demorasse mais de seis meses daquela data,
o Brasil e a Argentina se entenderiam a fim de marcar um prazo razoável para a
desocupação. Ficava subentendido também que o Brasil desocupará ao mesmo
55
tempo a ilha de Atajo, foco de litígio com a Argentina; Quinto – O Paraguai
reconheceria as dívidas de guerra, nos termos do art. 1416 do Tratado da Tríplice
Aliança; Sexto – Concluídos os ajustes definitivos dos outros aliados, entrar em
pleno e inteiro vigor o compromisso da garantia de todos eles a favor da
independência e integridade do Paraguai.
O acordo realizado entre Brasil e Argentina acerca da paz definitiva com o
Paraguai obrigava o Governo Imperial a cooperar eficazmente com sua força
moral, quando os aliados julgassem oportuno, para que a República Argentina e o
Uruguai chegassem a um acordo amigável com o Paraguai. Para dar
cumprimento a essa obrigação, confiou ao Barão de Araguaia uma missão
especial no Paraguai com o caráter de enviado especial extraordinário e ministro
plenipotenciário. O representante argentino nas negociações foi o general
Bartolomé Mitre, o mesmo das negociações no Rio de Janeiro, no ano anterior.
O representante brasileiro chegou a Assunção e logo apresentou suas
credenciais, mostrando a disposição do Governo Imperial em honrar o
compromisso firmado por Mitre no Rio de Janeiro. A tensão se iniciou logo com a
chegada do Barão do Araguaia, recebendo a informação do Governo Paraguaio
que estava decidida a não entrar em negociação com o general Mitre sem que
fosse primeiramente revogado o decreto argentino sobre a posse do Chaco.
O Presidente do Paraguai, Salvador Jovellanos, desistiu dessa requisição
logo depois, por vários motivos. Inicialmente o Paraguai já havia protestado sobre
as determinações argentinas sobre o Chaco e a ocupação da Villa Ocidental,
além de reconhecer o fato de que a Argentina ter enviado um ministro com plenos
poderes para ajustar os seus limites era um reconhecimento tácito de que não
16
Art.14º Os aliados exigirão desse Governo o pagamento das despesas de guerra que se viram
obrigados a aceitar, bem como reparação e indenização dos danos e prejuízos às suas
propriedades públicas e particulares e às pessoas de seus concidadãos, em expressa declaração
de guerra; e dos danos e prejuízos verificados posteriormente com violação dos princípios que
regem o direito da guerra. (Tratado da Tríplice Aliança, 01/05/1865, RRNE, 1872, Anexo I, pp. 128)
56
bastavam as suas determinações unilaterais para resolver os litígios de ambas às
partes. Ficou claro que recusar uma negociação, que poderia inclusive restaurar o
território perdido, parecia ser pretexto para dificultar as negociações, algo que não
seria vantajoso ao próprio Paraguai.
As negociações se estenderam entre os meses de abril e junho de 1873,
sendo acompanhadas muito de perto pelo representante brasileiro, que ao menos
oficialmente tentou fazer parecer o Império neutro na questão. Como já se
enunciava antes das negociações, a principal desavença entre as duas partes
diziam respeito à posse do Chaco. A Argentina, que demonstrara estar aberta a
uma discussão mais ampla no Rio de Janeiro, mostrou-se intransigente sobre seu
pretenso direito de posse a todo o território em disputa. O Paraguai, por
orientação do Império, deixava claro que só aceitaria um acordo em que tivesse
que ceder até o rio Pilcomayo, ficando todo o resto sob seu território. A postura
firme dos paraguaios causou um aumento ainda maior da tensão nas
negociações, obrigando Mitre, uma vez que não haveria acordo, a voltar a Buenos
Aires dar explicações ao governo do seu país.
Ainda em 1873, o Paraguai assinou o seu Tratado de paz, amizade e
comércio com o Governo Oriental, colocando ponto final nas pendências em
aberto. A Argentina, portanto, era no final de 1873, o único dos países que
participou do conflito contra López que ainda não havia assinado o Tratado com o
Paraguai.
2.1.3 O Encerramento das Negociações e a Distensão no Prata
Dentro do Paraguai, havia uma estabilidade fraca, que eventualmente
rompia mudando completamente a conjuntura política. Na esfera interna, duas
revoluções se acometeram contra o seu Governo, sendo que nas duas vezes o
Governo Imperial foi solicitado a intervir em favor da ordem, tranquilidade e
segurança da capital Assunção, ameaçada pelos revolucionários. A primeira delas
foi vencida e a segunda houve conciliação entre as partes.
57
Em 1873, a primeira revolução, e várias tentativas de golpe ocorreram
durante a estadia do Barão de Araguaia e do general Mitre, capitaneada por
Bernadino Caballero e outros. O Barão de Araguaia, em ofício enviado ao
Governo Imperial no dia 23 de Maio de 187317, confirmou que depois de uma
conferência com o Presidente Paraguaio, general Mitre e ele, após ser exposto o
estado crítico do país, agitados pela revolução, lhe foi requisitado socorro dos
aliados para manter a ordem e a segurança de Assunção. (RRNE, 1873, Anexo I,
p.123) De comum acordo, a ajuda foi assegurada e o acordo foi levado a
conhecimento do general Barão de Jaguarão e do chefe de divisão Francisco
Pereira Pinto, para o seu devido efeito em caso de necessidade. Os combates
ocorreram até meados de Julho, sendo rechaçados pelas forças aliadas.
No início de 1874, o Governo do presidente Jovellanos enfrentou a
segunda rebelião. Novamente uma intervenção aliada foi solicitada, como no
primeiro caso para manter a ordem pública, das vidas e propriedades na capital.
Por outro lado, os chefes revoltosos pediram bons ofícios ao ministro brasileiro
para que pudesse haver uma solução amigável para a questão. Após vários
combates, um acordo entre os revoltosos e o Governo legal foi formulado, no
qual, seus principais termos davam conta da criação de um ministério de
conciliação, desarmamento geral de todas as forças após a criação do mesmo e
reconhecimento das despesas da guerra da revolução e indenização dos
prejuízos causados pela mesma.
O acordo foi firmado, mas pouco depois houve uma grave crise e
perturbou-se a harmonia duramente conquistada pelos bons ofícios. Com a ajuda
do ministro Imperial, no entanto, houve nova reconciliação e o fim do processo
revolucionário. A nova cena política foi dominada pelos líderes da rebelião, que
receberam nomeação para algum Ministério. Em 25 de junho, Juan Bautista Gill,
um dos ministros nomeados após o fim da revolução, foi eleito presidente do
Paraguai, com apoio manifestado do Império. Na Argentina, em 12 de outubro,
17
Oficio da missão especial do Brasil ao Governo Imperial, 23/05/1873.
58
Nicolás Avellaneda chegou ao poder, tentando desde o início o Governo Imperial
atuar como conciliador entre a Argentina e o Paraguai, sem conseguir grandes
avanços.
Com a ascensão de Gill no Paraguai e de Avellaneda na Argentina, as
negociações ganharam uma nova dinâmica. Após o fracasso das negociações
entre a Argentina e o Paraguai, foram ao Rio de Janeiro o representante argentino
D. Carlos Tejedor e o paraguaio Jayme Soza. O representante brasileiro foi o
Visconde do Rio Branco, autorizado a prestar apoio moral estipulado no acordo
de 19 de Novembro de 1872 e a concluírem quaisquer ajustes concorrentes em
matéria de acordo.
Durante o período de quatro conferências na capital do Império, os
representantes Tejedor e Sosa firmaram um acordo sem a presença do Brasil, no
qual o Chaco, em litígio, seria dividido entre os dois, e Villa Ocidental se
conservaria Argentina, em troca das indenizações que o Paraguai deveria pagar
pela guerra. O acordo firmado descontentou profundamente o Império, e em nota
do Governo Imperial ao Governo Argentino assinado pelo barão de Cotegipe em
31 de Agosto de 1875, afirmava que “não teve conhecimento perfeito do ajuste
concluído entre os plenipotenciários Argentino e Paraguaio.” (RRNE, 1876, p.1516) A nota afirma também que não teve conhecimento e nem poderia ter, uma vez
que a última conferência ocorreu um dia antes do ajuste final, logo o acordo foi à
revelia brasileira. A nota seguiu com um tom elevado, acima do costumeiro usado
mesmo em momentos críticos, acusando a Argentina de patrocinar uma espécie
de guerra de conquista, algo totalmente excluído do Tratado da Aliança, uma vez
que tirava vantagens do derrotado em troca de gastos de guerra. Além disso,
afirmava que o Brasil nunca havia se oposto à Argentina para reivindicar o que
considerava ser seu, e o fato do Tratado entre eles não estar assinado não
constituía uma desigualdade nascida no seio da aliança, mas de um “estado de
cousas anormal que a República Argentina, que não intencionalmente tem creado
para si e para seus aliados.” E a nota conclui que a realidade é que com exceção
a ilha do Cerrito, a Argentina “já ocupa os pontos principaes do território que
disputa com o Paraguay”. (RRNE, 1876, p.15-16)
59
A diplomacia brasileira pressionou fortemente o Presidente Gill para que
desautorizasse qualquer acerto daquele tipo, e sob o argumento que seus
representantes acordaram cláusulas sem o seu consentimento, optou por não
ratificar o acordo. A presença de tropas brasileiras na capital e a forte influência
brasileira no Governo de Assunção foram decisivas para que o desfecho não
fosse contra as vontades do Império.
O impasse se prolongava com consequências sérias para o Paraguai, que
com a recusa do Brasil em conceder um empréstimo, além da má relação com as
autoridades brasileiras, tentou uma aproximação com a Argentina. No final de
novembro já havia especulações de que o Paraguai e a Argentina estariam
negociando de forma secreta, e que Villa Ocidental seria mesmo território
argentino. Em dezembro, uma tentativa de golpe apoiada pelo representante
brasileiro, sem o conhecimento do Governo Imperial foi um ponto sem volta nesse
afastamento. Felipe José Pereira Leal, chefe da Legação brasileira em Assunção
foi afastado do cargo e substituído por Antônio Araújo e Gondim, mas as relações
nunca mais foram às mesmas. O presidente Gill recebeu então, apesar do receio,
garantias de que o afastamento do Império não lhe seria prejudicial. A
aproximação com a Argentina resultou, em 03 de fevereiro de 1876, no Tratado
de Paz, Limites, Amizade e de Comércio e Navegação entre os dois Governos.
(DORATIOTO, 2002, p.467-469)
O Brasil, como “prova de deferência e de espírito conciliador que muito
contribuiu para o bom êxito da negociação, (...) evitou cuidadosamente tudo
quanto pudesse causar-lhe desnecessária dificuldade”, apesar de considerar que
o justo seria que as novas negociações ocorressem na corte. (RRNE, 1876, p.6)
O Tratado determinou o rio Paraguai como o limite entre a Argentina e o
Paraguai, sendo que o território do Chaco Central e Missões ficariam mesmo com
a Argentina. O restante do Chaco foi dividido em duas partes, com a renúncia
Argentina das suas pretensões entre a Bahía Negra e o rio Verde. O litígio sobre
Villa Ocidental continuaria e seria levada a arbitragem internacional, no entanto,
ficaria sob administração argentina até que fosse decidido seu destino. As dívidas
de guerra, sob as regras da aliança, foram também reconhecidas pelo Paraguai.
60
As tropas brasileiras se retiraram no dia 03 de junho de 1876, encerrando
a ocupação e sendo tema de destaque na Fala do Trono proferida pela Princesa
Isabel:
As forças brasileiras, que ocupavam a capital do Paraguai,
recolheram-se ao Império. A disciplina, de que deram constante e
apreciável testemunho, e os sacrifícios, que por anos suportaram, têm
direito a que deste lugar, eu, em nome do Imperador e da nação, lhes
dirija um voto de agradecimento e louvor. (FALAS DO TRONO, 1977, p.
439)
A independência, soberania e integridade territorial do Paraguai só foram
totalmente asseguradas por um protocolo assinado em Montevidéu, no dia 30 de
Julho de 187718, que determinava o prazo de cinco anos a contar da sua
assinatura para que a segurança coletiva fosse mantida. (RRNE, 1877, p.3-4)
2.1.4. As Consequências da Guerra do Paraguai para a Política Externa
Com a retirada das tropas de ocupação, já era possível enxergar com
mais clareza as consequências do conflito para o Império e seu impacto direto
nos anos que se seguiram até a queda da monarquia. As perdas de
aproximadamente 50 mil mortos brasileiros foram trágicas, em um país que
contava com uma população de nove milhões de habitantes, desses 139 mil
participaram da guerra, ou seja, 1,5% da população. A guerra também foi o ápice
do Império e sua obra de unificação, tornando-se um fato de fortalecimento da
identidade nacional a existência de um inimigo. (DORATIOTO, 2002, p.458-461)
O Brasil pouco ganhou da Guerra com o Paraguai, que arruinado pelo
conflito, sequer pode pagar uma parcela da dívida de guerra. (PRADO JR., 1974,
p.193) A longa e árdua campanha, em pleno processo de sua formação
18
Protocolo de Garantia colletiva da independência, soberania e integridade territorial do Paraguay
61
econômica, colocou o Império em uma situação delicada. No terreno econômico
os resultados foram nulos, já que não havia lucro possível em uma guerra contra
um vizinho militarmente equipado e economicamente fraco, que não representava
ameaça a sua própria economia. Do ponto de vista do desenvolvimento, o único
resultado positivo da vitória foi a ocupação de pequena área de fronteira, e
assegurar a navegação dos rios Paraná e Paraguai, com grande importância para
as comunicações com a província do Mato Grosso. O conflito também
comprometeu as finanças públicas, já que as grandes despesas causaram
profundos desequilíbrios na vida financeira do país. Apesar de o próximo decênio
a guerra ser de volta promissora do crescimento econômico, prova que o Império
seria naquele momento um organismo vivo em pleno crescimento, e as
repercussões imediatas foram agudas.
No plano regional, os anos seguintes de política do Partido Conservador
foram determinantes para evitar que a Argentina se apossasse de todo o Chaco,
como estava estipulado no Tratado da Tríplice Aliança, especialmente pela opção
deliberada na Distensão externa. A preocupação sempre foi em evitar o aumento
da fronteira com a Argentina, obrigando o Império a aliar-se com o vencido para
impedir a concessão territorial argentina por direito. Apesar da hegemonia
brasileira no Prata estar enfraquecida durante os acordos entre o Paraguai e a
Argentina, em 1876, os objetivos do Império foram alcançados. O território em
disputa foi retomado por solução arbitral dos Estados Unidos e a autonomia do
Paraguai garantida, sendo esse último o desejo mais explícito da diplomacia
Imperial.
Quanto à questão da indenização de guerra, essa provocou grandes
discussões, especialmente no Conselho de Estado. Pelo Tratado Definitivo de
Paz assinado em Assunção entre o Império e o Paraguai, ficou estipulado que
uma convenção especial iria se reunir para decidir quanto o Paraguai deveria
pagar ao Brasil, sendo que o Governo se comprometeu a usar de benevolência
nessa decisão. As discussões são esclarecedoras, e mostram como a diplomacia
usou dessa matéria para neutralizar a posição argentina. No parecer do
Conselheiro de Estado Bernardo de Souza Franco, a preocupação era evidente:
62
As exigências do Império parece que devem limitar-se, por
um lado, pelas considerações tiradas da impossibilidade em que ficou o
Paraguai de satisfazer uma dívida muito avultada e da má figura que
faria o Império em exigi-la. Do outro lado, está a grande conveniência de
não aliviar de todo o Paraguai de encargos que tornem menos cobiçada
a sua absorção por alguns dos países vizinhos. (CONSULTAS DA
SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS,1871-74, p.164)
O parecer do Conselheiro de Estado Barão das Três Barras também ia
na mesma direção:
Os cálculos do Tesouro elevam as despesas da guerra a
500 mil contos: seria grande generosidade do vencedor reparti-las em
partes iguais com o vencido, dando-lhe longos prazos de modo a
acomodar o pagamento às circunstâncias financeiras do devedor. Mas a
questão do dinheiro não é a que deve preocupar o Brasil, até porque a
insolubilidade do devedor tira-lhe toda a importância. Cumpre atender a
outros interesses maiores. Pouco importa averiguar nosso estado
financeiro, quando o devedor não pode contribuir para melhorá-lo. O que
vale liquidar uma grande dívida, quando ela é puramente nominal?
Quanto ao do Paraguai, sabemos que é deplorável no presente; e todos
os cálculos relativos ao futuro serão falíveis. (CONSULTAS DA SEÇÃO
DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, 1871-74, p.165-166)
Para finalizar, o parecer duro do Conselheiro de Estado Francisco de
Paula de Negreiros Sayão Lobato:
(...)é mais do que suspeita a Confederação Argentina, para
se pronunciar sobre a matéria, estreme do impulso do próprio interesse:
é de primeira intuição que, adquirido o Chaco, pela sua parte, terá a
Confederação alcançado sobeja indenização dos gastos da guerra, tão
inferiores aos do Brasil e, pois, lhe é muito fácil a generosidade na
aparente renúncia de toda a indenização dos gastos da guerra, como
custosa ao Brasil a extrema redução de indenização dos enormes
gastos, no que dará prova de verdadeira generosidade (CONSULTAS
DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, 1871-74, p.169)
Como se pode ver, usando o expediente das indenizações, o Brasil
diminuiu infinitamente seu valor para um patamar muito mais crível de
pagamento, apesar de considerar a dívida apenas nominal. O perdão dela
também não era positivo para os objetivos do Império, uma vez que a sua
63
existência garantiria que a Argentina não ameaçasse o Paraguai o anexando, o
que consequentemente faria dela responsável pela enorme quantia da dívida para
com o Brasil.
Ano após ano, a morosidade das comissões para julgar os valores de
indenização era retratada pelo Governo Imperial. Conforme os dispositivos da paz
de 1872, as dívidas de guerra eram públicas, Paraguai ao Império e para com os
particulares prejudicados pelo conflito, podendo o Governo apenas diminuir a
parte que lhe cabia, ou seja, as dívidas para com o Estado Brasileiro. Algumas
reclamações sequer haviam sido julgadas em 1879 e o relatório de 1880 trazia a
situação trágica em que se encontrava o governo guarani:
Por falta de recursos para remunerar sufficiente numero de
empregados confiou o ser o serviço da expedição (de apólices de
pagamento) a um só, e esse, o Contador Geral, sobrecarregado de
trabalho, não póde desempenhar a sua commissão com breviedade.
(RRNE, 1879, p.6)
A situação elucida a situação precária que irá se encontrar o Paraguai nos
anos que se seguiram até o final do Império e além. A derrota foi causa de uma
ruptura definitiva do modelo de crescimento econômico que era realizado no país,
além de minar todas as bases de expansão capitalista em todo o seu sistema
produtivo. A reorganização levou décadas, e em termos comparativos com os
vizinhos, o Paraguai não conseguiria alcançar os mesmos patamares do período
pré-guerra. Para o Uruguai, as repercussões da guerra foram menores, apesar de
o país ter sido o pivô central dos eventos que culminaram no conflito. Algumas
convulsões internas se sucederam, mas em geral as consequências foram
pequenas. (DORATIOTO, 2002, p.483-485)
Na Argentina, o descontentamento do interior do país com o conflito e da
aliança com o Império, contribuiu para a eclosão de várias rebeliões contra o
Governo Central, que ao conseguir reprimi-las, consolidou definitivamente o
Estado e suas bases de legitimação. Com os presidentes Bartolomé Miltre (186268) e Sarmiento (1868-74), a Argentina organizava pela primeira vez um exército
nacional e permanente, reprimindo as dissidências federalistas. O presidente
64
Nicolás Avellaneda (1874-80) deflagrou a campanha para extermínio dos índios,
promoveu a federalização de Buenos Aires, isto é, elevando a cidade como
capital da Argentina. Com a estruturação do Estado, a rivalidade com o Brasil
continuou a acirrar-se, levando em 1882 o general Julio A. Roca, então presidente
da Argentina afirmar ser “inevitável” uma guerra contra o Brasil, uma “guerra fatal
a que ambos os países estariam destinados por contraposição de interesses e
choque de civilizações”, especialmente pelo acirramento de litígios de fronteira.
(BANDEIRA, 2003, p.48-51)
Se para a Argentina, as relações internacionais platinas durante os anos
imediatos ao final do conflito constituíam-se como sendo um fracasso territorial e
dos seus interesses regionais, a consolidação estrutural interna vai criar uma
geração na década de oitenta que será lembrada como uma era de ouro na sua
história. Com um crescimento econômico espetacular, mantido a uma taxa anual
de mais ou menos cinco por cento, a Argentina impulsionou seu lugar de
destaque no contexto regional e até mesmo global. Sua transformação foi em
grande parte resultado das mudanças que ocorreram na América e na Oceania e
na corrente principal do comércio mundial. De forma geral e sintética, a Argentina
se beneficiou enormemente do estabelecimento das novas rotas de comércio, a
redução dos custos de transporte, o aumento do comércio mundial, além do
movimento agudo iniciado pelo deslocamento de capital e trabalho para a periferia
do sistema.
A contenda pela região de Missões será então o palco do último grande
embate com o Brasil durante o período Imperial, apenas resolvido por laudo
arbitral pelo presidente Cleveland, em 1895, portanto já na República Brasileira,
dando ganho de causa ao Brasil. Até essa resolução, embora efetivamente os
dois lados não quisessem a guerra, e a corrida armamentista iniciada no período
após a guerra levaria a um acirramento das tensões, só houve um
recrudescimento das relações em 7 de setembro de 1889, quando em Buenos
Aires a negociação do Tratado que iria submeter a região à resolução arbitral foi
assinado.
65
Apesar da rivalidade com a Argentina, as relações do Império para o todo
platino será de uma vigilância a distância, apenas comparecendo em caso de
necessidade. Com relação ao Paraguai, a partir de 1876 até o fim da monarquia,
ela deixou de ser prioritária, embora a sua importância como contrapeso à
influência argentina fosse extremamente importante. As relações próximas com o
Uruguai, na mesma matriz de pensamento com relação ao Paraguai, se
mantiveram nos últimos anos do Império. De forma geral, a política para a região
seria norteada pela Distensão externa, nos moldes apresentados anteriormente
nesse estudo, apesar dessa configuração só poder ser vista em todos os seus
contornos após a retirada das tropas brasileiras de Assunção, em 1876.
2.2 A Diplomacia Imperial para o Pacífico
As relações do Império e as Repúblicas do Pacífico foram raras ou
mesmo sazonais na maior parte do período Imperial. Com a Hispano-América, só
o Prata mereceu atenção constante e vigilante por parte do Império durante toda
a sua duração. Desse fato, originou-se uma ampla tradição de pensamento sobre
a política exterior que negligenciava essa esfera diplomática, por entender que
nela não residiam discussões elementares para o entendimento do processo
histórico. Nos últimos anos, alguns autores passaram a procurar nessa esfera de
interação algo que pudesse auxiliar no desenho mais completo da diplomacia
Imperial, e entre tantos, o que mais inovou foi Luís Cláudio Villafañe G. Santos,
em sua obra O Império e as Repúblicas do Pacífico: As Relações do Brasil com
Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia (1822-1889), que realizou uma análise
sobre as relações do Brasil com as repúblicas do Pacífico.
Segundo sua obra e as fontes consultadas para esse trabalho, apenas
alguns problemas, especialmente nas demarcações de fronteira e definição de
limites ocupavam a agenda Imperial para a região, marcando as relações do
Império com essas repúblicas com afastamento, ou Distensão histórica, como
usados nos moldes desse estudo.
66
Ainda assim, o período que compreende os anos de 1870-1889 foi
marcado por uma alteração das interações ocasionais com o Pacífico por
momentos de interesse agudo e contínuo. Contribuiriam para isso problemáticas
residuais da Guerra do Paraguai, acertos de limite, convites para congressos
internacionais, e acima de tudo a Guerra do Pacífico. Esse último foi um dos
assuntos internacionais mais mencionados nas Falas do Trono, trazendo enorme
preocupação para o Império sobre a estabilidade na região.
2.2.1 A Neutralidade na Guerra do Pacífico e as Repúblicas do Pacífico
Com o final da década de 1860, o quadro geopolítico sul-americano
sofreu importantes alterações. Enquanto no Prata a Guerra do Paraguai alterara
definitivamente o quadro político regional, no Pacífico, após o fim da ameaça de
recolonização, encarnada na Guerra da Quádrupla Aliança contra a Espanha,
ressurgiam as tensões entre os antigos aliados, especialmente por questões
econômicas. Além disso, a crescente rivalidade entre Argentina e Chile pela
disputa da posse da Patagônia e dos Estreitos ao sul do continente quase
levariam a uma guerra com potencial de envolver todos os países da região. Esse
quadro de política continental transformou a interação entre os países das duas
regiões em uma caricatura da política de balança de poder europeia, com várias
sucessões de propostas de alianças e contra-alianças, às quais o governo
Imperial evitou ao máximo associar-se. Desse caleidoscópio de alianças,
resultaria apenas um resultado concreto, o Tratado de 1873 entre a Bolívia e o
Peru. (SANTOS, 2002, p.166-167)
Desse período nasce o embrião do mito que se arrastaria durante muitas
décadas de uma aliança entre o Brasil e o Chile. Apesar de o Império ter negado
qualquer tentativa de estabelecer qualquer tipo de pacto, o governo de Santiago
não abandonou a ideia de ter auxílio brasileiro em caso de conflito com a
Argentina. Para o Império, a falta de interesse tinha várias razões: inicialmente
não havia peso econômico que vinculasse os dois países; no plano político, uma
67
aliança com o Chile só aumentaria as tensões com a Argentina, cada vez mais
fortalecida e vivendo um período de esplendor econômico. O Governo Chileno
nada fez para negar as suspeitas, pelo contrário, sempre que pode as reforçou
para usar como contrapeso nas relações internacionais da região. Em outra
oportunidade chegou a pedir ao Imperador que se apresentasse como árbitro dos
litígios de fronteira com a Argentina, algo que foi negado pelo Ministério dos
Negócios Estrangeiros para que não suscitasse mais dúvidas sobre a
neutralidade do país frente às questões envolvendo os dois. (SANTOS, 2002,
p.126-127)
Em 1879 eclodiu a chamada Guerra do Pacífico (1879-1883), o segundo
conflito mais intenso e importante da América do Sul, colocando em lados opostos
o Chile, que por mais mal preparado que estivesse, estava a muitos passos de
distância dos seus confrontadores, e do outro a Bolívia e o Peru. A escala do
conflito tem sua gênese desde a Independência das Repúblicas do Pacífico,
quando o Chile e seus vizinhos do Norte, a Bolívia e o Peru, vinham disputando a
linha de fronteira do deserto do Atacama. As discussões mornas tiveram um
grande revés quando os recursos do território, especialmente o guano e o nitrato,
se tornaram passíveis de exploração comercial e o capital estrangeiro se
apressou a explorá-los. As relações entre os vizinhos, que era regida por uma
sucessão ininterrupta de tratados foi alterada, quando por uma anulação unilateral
da Bolívia de um Tratado com o Chile sobre os interesses estrangeiros em
Antofagasta, cidade que fazia parte do território boliviano, precipitou uma grave
crise diplomática. O Peru, ligado por um Tratado de Aliança defensiva e ofensiva,
tentou desesperadamente evitar o conflito. Assim que teve conhecimento da
aliança dos vizinhos, o Chile tentou pressionar ambos os países a ceder, e diante
da recusa das autoridades bolivianas, declarou a guerra.
A Guerra do Pacífico obrigou o Governo Imperial a afirmar qual era seu
posicionamento, especialmente pela desconfiança generalizada de que o Império
teria uma aliança com o Chile, além de ter surpreendido a legação brasileira em
Santiago que sempre imaginou que o conflito viria das querelas com a Argentina e
não com a Bolívia e o Peru. Em nota do dia 27 de Maio de 1879, o Ministério
68
encaminhou circular aos Presidentes das Províncias, lamentando sinceramente
que a questão não tivesse sido resolvida por meios pacíficos, fazendo votos para
que em breve a paz se restabelecesse. Por ordem do Imperador, o Governo
Imperial decidiu manter a mais estrita neutralidade. Nas Falas do Trono, o tom era
de preocupação e reafirmação da neutralidade:
Continuam inalteráveis as relações de benévola
reciprocidade, que cultivamos com as potências estrangeiras. Lamento
que perdure a guerra, que infelizmente travou-se entre algumas
repúblicas do Pacífico. Neutros, como devemos ser, nessa luta de
nações amigas, faço sinceros votos para que seja a paz entre elas
quanto antes restabelecida, segundo o exigem os sentimentos de
humanidade e os interesses da civilização (FALAS DO TRONO, 1977,
p.457)
Alguns incidentes atrapalharam a neutralidade brasileira. O mais
importante foi o bloqueio decretado pelo Chile aos portos peruanos. O bloqueio
apenas nominal por parte dos chilenos levou a secretaria de Relações Exteriores
do Peru, em nota do dia 14 de Janeiro de 188019, reclamar da atitude do rival.
Segundo o Governo Peruano, impotente para fechar a entrada dos principais
portos da sua extensa costa por meio de uma ocupação real, o Chile introduziu no
Pacífico o “bloqueio de papel”, ou seja, onde não há forças suficientes para se
valer da determinação. (RRNE, 1880, Anexo I - p.15-16) A nota termina por
afirmar que os países neutros tem o direito de considerar o bloqueio inócuo, uma
vez que concordar com ele seria uma condescendência que poderia de algum
modo prejudicar a própria neutralidade.
O Governo brasileiro, em nota de 7 de Abril de 188020, afirmou que não
tendo o Chile forças o bastante para bloquear efetivamente os portos peruanos,
esse tende a introduzir no Pacífico a prática dos “bloqueios de papel’’, que não é
19
Nota do Governo Peruano ao Governo Imperial, 14/01/1880.
20
Nota do Governo Imperial ao Governo Peruano, 07/04/1880.
69
reconhecido por nenhuma potência. O Governo Imperial, respaldados na
Convenção de Paris, de 1856, da qual era signatário, não reconheceria a
obrigatoriedade do bloqueio se não fosse efetivo e voltasse às atividades
comerciais de antes do pretenso cerco. (RRNE, 1880, Anexo I - p.16)
Com o prolongamento da guerra, o Império por meio do seu corpo
diplomático ofereceu aos três beligerantes os seus bons ofícios para o
restabelecimento da paz. Nenhum dos países mostrou-se interessado. Logo
depois, o Governo da Argentina convidou o Brasil para uma mediação conjunta.
Essa proposta foi aceita pelo Império, e foi seguido de várias trocas de
correspondências sobre o melhor modo de se proceder. Infelizmente, no entanto,
os resultados foram nulos, levando a chancelaria brasileira a lamentar o fato da
atuação conjunta não ter surtido resultados, especialmente por razão de
problemáticas oriundas da guerra e da política interna de cada um dos países
envolvidos. As legações imperiais em Lima, Santiago e em La Paz também se
prestaram durante o período, com aprovação do Governo, a fazer chegar
socorros aos peruanos que estavam prisioneiros no Chile, e a obter dos
comandantes das forças chilenas as concessões e garantias das ambulâncias do
Peru e da Bolívia.
Apesar da falta de preparação de ambos os lados e um início incerto, as
forças navais e terrestres chilenas venceram a guerra de forma categórica. O
Chile, resistindo à pressão regional em favor de um tratamento magnânimo aos
vizinhos derrotados, saiu do conflito com substancial aumento territorial, incluindo
as regiões de nitrato do Atacama, transformando os minérios em grande riqueza
nos anos seguintes, correspondendo a aproximadamente a metade da receita
comum do Governo. (BLACKMORE, 2008, p.415-416)
Terminada a guerra, o Chile assinou em 23 de junho de 1881, com o
representante argentino um Tratado de Limites, que fazia desaparecer o espectro
de uma guerra travada ao longo de todas as suas fronteiras, reconhecendo a
Patagônia como Argentina. A perspectiva de abandonar as reinvindicações sobre
a Patagônia foi objeto de intensos debates no parlamento chileno. Alguns dias da
70
assinatura do Tratado, o ministro brasileiro em Santiago, João Duarte, recebeu
Adolfo Ibañez, ex-ministro das relações exteriores do Chile, para contar-lhe a
situação das discussões no parlamento. Ele relatou que o argumento para aceitar
aquele Tratado residiria no fato de que entre os parlamentares chilenos havia a
certeza de que nenhum apoio poderia esperar do Império em caso de um conflito.
A intenção de Ibañez era conseguir uma garantia para negar o Tratado:
Assim sendo, afirmou que o Brasil, ‘com uma só palavra que
nos inspire confiança, um ‘sim’ transmitido pelo telégrafo, o Tratado será
imediatamente desaprovado sem que seu nome apareça até o momento
oportuno e, chegada essa oportunidade, poderá contar com um decidido
aliado’. Com esse telegrama, Ibañez poderia convencer os demais
parlamentares de que o Império se poria ao lado do Chile frente a uma
eventual agressão argentina (SANTOS, 2002, p.141-142)
Quando informados da proposta, a chancelaria brasileira instruiu seus
representantes a confirmar ao chileno que não havia nenhuma intenção do
Império em concordar com aquela ideia. Por falta de apoio do Império, então, foi
aprovado o Tratado e ratificado pelo congresso chileno.
Pouco depois, a Itália, a Grã-Bretanha e a França fizeram com o Chile
três convenções, em cada uma se ajustou respectivamente as reclamações sobre
as operações executadas por forças chilenas nos territórios e a costa do Peru e
Bolívia fossem submetidas a um julgamento definitivo de três comissões, um dos
quais seria designado pelo Imperador. D. Pedro II aceitou o encargo, e de acordo
com os seus Ministros, nomeou o ministro plenipotenciário em Washington,
Conselheiro Felippe Lopes Netto. Antes da escolha ser realizada, o Governo
Imperial argumentou com o Chile sobre a conveniência de mandar apenas um só
juiz para as três comissões, para assim assegurar a harmonia das decisões, o
que foi aceito pelo governo chileno. Após várias reclamações sobre sua conduta,
Lopes Netto foi substituído pelo senador Lafayette Rodrigues Pereira, que em
dezembro de 1886 renunciou ao posto. O terceiro e último escolhido foi o Barão
de Aguiar de Andrada, e os julgamentos duraram até o ano de 1888.
71
Por fim, nos últimos anos do Império, o meio obrigatório de arbitragem em
questões territoriais estava para ser discutido em Washington, em 1889. A
perspectiva de ter o problema reaberto alarmava o governo chileno, que então
visando obter o apoio do Império contra a adoção desse principio, enviando à
corte Manuel Villamil. Conseguiu do Brasil a promessa que não sustentaria esse
preceito, mantendo-se fiel às orientações do Congresso de Paris, as quais
rejeitavam a obrigatoriedade de arbitramento, além de coordenarem as posições
nas negociações que viriam a ocorrer. No entanto, antes que o congresso
ocorresse, caiu a monarquia brasileira e as orientações não se mantiveram as
mesmas.
O último baile oferecido pelo Imperador foi, aliás, em homenagem à
tripulação do navio de guerra “Almirante Cochrane”, que se encontrava no Rio de
Janeiro, sendo inclusive oferecido pelo governo de Santiago o transporte para o
Imperador deposto ir ao seu exílio europeu. Ainda assim, um mês depois,
reconheceria o novo regime Republicano. (SANTOS, 2002, p.160-161)
2.3 A Distensão Histórica Do Império E Os Ideais De Integração No
Continente Americano
Desde a independência, a adoção do regime monárquico alçou o Império
a um modelo que não identificava paralelos com seus vizinhos. O Estado
Brasileiro se apresenta à comunidade internacional em 1822, preocupado em
reivindicar um papel de novo membro e ator internacional. A verdade é que na
ocasião, o Brasil tinha pouco de brasileiro: o Governo agia e pensava aos moldes
europeus, na medida em que era ainda um transplante direto do Estado
Português. Em contrapartida, os nexos de família entre D. Pedro e a princesa
Leopoldina, em 1816, se não ajudariam no processo de reconhecimento do novo
status político do Brasil pelos outros Estados, serviria ao menos para sustentar a
única monarquia americana. (CERVO & BUENO, 2008, p.22-23)
72
Foi com a construção formal do Estado Brasileiro por meio da
Constituição de 1824, e a escolha pelo modelo de monarquia constitucional, que
fez o Brasil dar sua originalidade ao sistema internacional. Sua posição passa, e
isso perdurará até o final do Império, a ser sustentada externamente por se
chocar ao sistema americano e ao Repúblicanismo continental. Em uma escolha
entre ser americano ou europeu, o Império terá quase que invariavelmente sua
escolha orientada pela segunda opção. Dentro desse quadro constitucional, o
Brasil além de destoar do resto, trazia consigo a problemática de geograficamente
estar localizado em um continente que não tinha, e não queria na maior parte do
tempo, ter ligações profundas. A ideia de América não casava com as opções
adotadas pelas elites imperais, criando um abismo que permearia toda e qualquer
proposta de criação de um sistema legitimamente americano.
É importante notar que a denominação Novo Mundo foi uma fórmula
encontrada para consolidar a tese de que a América era um terreno aberto e
totalmente novo e, portanto, poderia chegar a ser outra Europa. Essa primeira
ideia da terra americana era extremamente positiva, revestida por uma exaltação
da exuberância e diversidade da natureza e especialmente na idealização da
figura indígena. Com o decorrer da colonização e com a empresa colonial
funcionando na sua plenitude, essa interpretação benevolente foi revertida e a
definição americana passou a ser dada como um suposto caráter de inferioridade
e decadência. (SANTOS, 2004, p.56-7). Essa nova tese americana acabaria por
despertar uma reação intelectual e política das elites criollas na América
espanhola, alimentando ainda mais os diversos movimentos de independência:
Mas a ilusão é aqui (na América) mais forte do que a
realidade porque emerge diretamente de uma experiência americana
básica: a de que é possível fundar uma nova ordem e, mais ainda, a de
que é possível fundá-la com a consciência profunda de um continuum
histórico. Na verdade, a expressão «Novo Mundo» só ganha sentido face
a um Mundo Antigo, mundo que, se bem que admirável por outras
razões, foi rejeitado por não ter podido encontrar solução para os
problemas da pobreza e da opressão. (ARENDT, p.27, 1979)
73
Do ponto de vista político, se pode considerar que a intenção de criar
um sistema interamericano inicialmente foi dada como uma reação à tese
antiamericana, criando rupturas ideológicas entre o Novo e o Velho Mundo. O
mundo criado pela ordem da Santa Aliança, conservadora e avessa às demandas
nacionais, não era e nem poderia ser aceita pelos povos americanos. Thomas
Jefferson, um dos mais proeminentes Founding Fathers, criou em suas cartas
datadas de 1808, 1809 e 1811, o conceito de hemisfério ocidental, relatando ser a
unidade dos povos americanos devida à similaridade de seus modos de
existência, o que os diferenciaria do resto do mundo. (SANTOS, 2004, p. 58)
O conceito de hemisfério ocidental é um dos primeiros para designar
politicamente o conjunto das Américas. A unidade geográfica do continente é
assim vista como sendo uma unidade histórica única, diferenciada apenas pelas
diferentes latitudes de zonas exploradas, mas em desacordo com o estado da
cultura dos povos europeus da época colonial. Porém, apesar do advento das
nacionalidades e das rivalidades continentais que nasceram já durante as
Guerras da Independência, a ideia de ruptura com a Europa e seu sistema
permaneceu pautando as iniciativas de integração por muito tempo. O repúdio à
ideia de ser absorvido novamente pelo sistema europeu fez com que qualquer
movimento que pudesse lembrar as ideologias da ‘Velha’ Europa causassem
reações, por vezes exacerbadas.
A independência, especialmente na América espanhola e nos Estados
Unidos, conquistada à custa de sangrentas batalhas e por períodos de grandes
incertezas ressaltou as diferenças fundamentais entre as teses europeias e
americanas. Diferente do Brasil, como afirma Halperin Donghi (2005, p.94), que
teve sua capital colonial, o Rio de Janeiro, tornada imprevistamente sede da corte
portuguesa, e tendo sua independência feita por um membro de uma dinastia
europeia reinante na antiga metrópole, o resto da América sofreu pesada herança
material, e especialmente no inconsciente dos povos que participaram das suas
lutas pelo fim do regime colonial. Esse sofrimento reforçou a tese de clivagem
entre América e Europa, ainda mais com a perspectiva sempre aparente de uma
74
possível tentativa de retomada pelos europeus dos antigos impérios coloniais e
consequentemente de risco da volta de perda da liberdade política.
Em cada parte do continente, vários movimentos nasceram dessa
perspectiva. Apesar de, como afirma Hélio Lobo (1939) na sua obra O PanAmericanismo e o Brasil, o termo pan-americanismo, lugar comum nas análises
sobre integração continental, só ter sido usado pela primeira vez nos Estados
Unidos por ocasião da Primeira Conferência Internacional Americana, a
originalidade da tentativa de criação de sistema americano ressoou na política do
continente durante todo o século XIX. A história dos movimentos interamericanos
contou com duas vertentes originais: a norte-americana, inicialmente concebida
como uma doutrina de interesse continental, encarnada na Doutrina Monroe, e o
Bolivarianismo, explicitado pelas ideias do Libertador Simón Bolívar no Congresso
do Panamá. Para o Brasil, significava lidar com o ‘outro’ irreconciliável, já que era
o único Estado a ter no sistema dinástico sua base fundamental de legitimação
nacional.
2.3.1 O Confederalismo Bolivariano e a Inflexão Imperial
Para entender a relação do Império com os movimentos de integração,
especialmente os Bolivarianos, se faz é necessário um breve recuo histórico. A
Doutrina Monroe, antes dela, foi um alicerce fundamental na gênese do processo
interamericano. Na declarada Guerra de Independência das antigas colônias
espanholas em todo o continente (1810), as Treze Colônias já se constituíam
como uma república organizada no norte do continente americano. Com o
reconhecimento da independência das novas nações nascidas do escombro do
Império Espanhol pelos americanos, ocorreu um processo nascente de
solidariedade que foi intensificado com a manifestação política de proteção
continental anunciada pelo presidente Monroe. (LOBO, 1939, p.3-4) Segundo
Delgado de Carvalho, a Doutrina Monroe, nascendo nos primórdios da
75
independência dos países latino-americanos, despertou o “entusiasmo e
aprovação, esperanças e fé.” (CARVALHO, 1959, p.295)
Na obra, História Diplomática do Brasil, Delgado de Carvalho (1959, p.
282) afirma que a “Doutrina Monroe nos dá a impressão de um instrumento de
música cujas cordas desprendem árias diferentes, segundo a inspiração de quem
as tange”. A figura desenhada por ele demonstra a amplitude com que o
monroísmo foi entendido, já que seu conceito é tão difícil de definir que, durante
toda a história do presidencialismo americano, nunca a interpretação feita por dois
presidentes americanos consecutivos foi idêntica, apesar de todos se sentirem na
obrigação de dar sua visão ao conceito.
De forma sintética, podemos caracterizar a doutrina como sendo a
obrigação moral dos Estados Unidos em se interessar e intervir nos assuntos do
continente americano, e não ver com indiferença o interesse que outros países,
especialmente da Europa, poderiam vir a manifestar. (CARVALHO, 1959, p.282283) Sua aplicabilidade à realidade continental e aos inúmeros ataques sofridos
por sua eficácia e verdadeiras intenções por trás do discurso americanistas, fez
com ela adquirisse uma áurea de pouca credibilidade, quase sempre sendo citada
como exemplo perigoso de um imperialismo disfarçado em princípios de direito
internacional. O fato é que a doutrina se confunde com a própria história da
construção dos Estados Unidos e da América Latina e sua aplicabilidade muito se
deve aos momentos políticos dos norte-americanos.
A doutrina Monroe surge com a tentativa da Santa Aliança, que reunia
as potências vencedoras da Guerra contra Napoleão Bonaparte, de suprimir a
revolução na Espanha de 1820. Porém esta doutrina contou com a oposição
britânica, que não estava disposta a apoiar qualquer intervenção reformista no
hemisfério ocidental e o ministro de Negócios Estrangeiros Britânico, George
Canning, propôs uma ação conjunta com os Estados Unidos para manter a Santa
Aliança fora do alcance das colônias espanholas na América. Do ponto de vista
geopolítico, a Grã-Bretanha queria manter a América Latina fora do alcance de
outra potência europeia, já que isso mudaria a dinâmica da política mundial. O
76
argumento britânico era de que a Espanha, com ou sem suas colônias, era uma
potência de segunda ordem, mas se outra força europeia assumisse o controle do
antigo Império Espanhol, a posição tanto dos Estados Unidos quanto da GrãBretanha ficaria seriamente afetada.
No radar britânico também estava à ameaça restauradora, que após a
invasão da Espanha pelos franceses, comandados por Napoleão Bonaparte,
havia deixado as colônias a seus próprios recursos e livre iniciativa. A posterior
restauração dos Bourbon no trono Espanhol configurava, assim, uma ameaça às
conquistas realizadas sobre a maioria da antiga rede de comércio espanhol e que
beneficiava, sobretudo, aos ingleses. Entretanto, as vitórias de San Martin e de
Simon Bolívar haviam demonstrado que a presença europeia não era condição
essencial para a manutenção de sistemas políticos razoavelmente estáveis na
América Latina, sendo possível, sim, reconhecer aqueles movimentos como
legítimos aos povos sul-americanos.
Os Estados Unidos compreenderam a gravidade das preocupações
britânicas, mas não confiaram em uma aliança para ações conjuntas com a exmetrópole. Sentindo-se forte, pela conjuntura política do momento, o presidente
Monroe e Quincy Adams, seu Secretário de Estado, proclamaram em 1823 a
Doutrina Monroe, que excluía o colonialismo europeu a partir de uma decisão
unilateral:
Com a doutrina Monroe, proclamada em 1823, o oceano
que separava os Estados Unidos da Europa tornou-se um fosso. Até
esse momento, a regra principal da política externa americana tinha sido
a do não envolvimento nas disputas europeias de poder. A doutrina
Monroe deu o passo seguinte, declarando que a Europa não devia
envolver-se nos assuntos americanos. E a noção de Monroe do que
constituía os assuntos americanos era, na realidade, extensiva:
compreendia todo o hemisfério ocidental. [...]. Declarou que os Estados
Unidos considerariam qualquer extensão do poder europeu a qualquer
porção deste hemisfério como perigosa para a paz a segurança nacional.
(KISSINGER, 2007, p.26)
Se, em 1823, os Estados Unidos avisaram aos europeus de que
deveriam se afastar do hemisfério ocidental, já em 1845 a explicação da
77
incorporação do Texas foi tratada como sendo necessário para prevenir que um
estado independente se tornasse aliado ou dependente de uma potência
estrangeira, ameaçando a segurança nacional dos Estados Unidos. Em outras
palavras, a doutrina Monroe justificava a intervenção americana não só contra
uma ameaça existente, mas contra qualquer possibilidade de desafio aberto –
assim como os europeus fizeram com o equilíbrio de poder. (KISSINGER, 2007,
p.27)
A Doutrina Monroe muitas vezes está ligada a uma tentativa de
enfrentamento dos Estados Unidos a graves situações. Uma política cujo objetivo
essencial é o paradigma de segurança dos Estados Unidos. Se os dois princípios
que regeram os ideais de 1823 tivessem se mantido intactos, o do não
restabelecimento de colônias europeias na América e o da não intervenção,
poderiam até supor que a doutrina teria sido uma base aceitável para uma
verdadeira política pan-americana, ou mesmo um sistema de regulação do ainda
emergente sistema interamericano. O fato é que os preceitos defendidos e
recepcionados, em um primeiro momento com grande euforia pelos políticos
emergentes dos diversos estados americanos, se transformaram em decepção e
sinônimo de uma crescente assimetria de poder no continente.
O diplomata boliviano Gaston Nerval (pseudônimo), citado por Delgado
de Carvalho (1959, p.287), afirma que há duas Doutrinas Monroe, “a autêntica,
original na Mensagem de 1823, e a outra, a dos sucessores de Monroe, mal
compreendida, mal interpretada e mal empregada”. Desta forma, não se pode
considerar a Doutrina Monroe como uma base para uma política interamericana,
já que seu caráter unilateral e absolutamente não afirmativo vai de encontro a
qualquer ideia de unidade continental. Interessante assinalar que a própria
extensão geográfica da exclusão pretendida variou, sendo que o presidente
James K. Polk em 1845 reduziu a “zona de proteção americana” apenas à
América do Norte.
A doutrina transformava-se, assim, em uma ferramenta de grande
elasticidade, casada a cada necessidade conjuntural política da sua época. Até o
78
final do século XIX, a doutrina seguiu com usos diversos, mas sem criar maiores
expectativas acerca do seu projeto interamericano. Entretanto, como seus autores
visavam resolver contingências momentâneas e favorecer interesses americanos,
ao invés de fomentar uma noção de unidade continental, a doutrina passou a ser
vista como uma prática nociva para a manutenção da paz e da autonomia
continental. Os políticos das novas nações independentes não aceitavam a ideia
de trocar uma dominação de uma potência europeia por outra, dentro do seu
próprio continente.
Dessa forma, os movimentos de integração feitos na América
espanhola recém-emancipada, tinham três grandes sentimentos: permitir a
manutenção e o fortalecimento das conquistas das guerras de independência,
conquistar real autonomia politica-institucional para os novos estados, rompendo
ideologicamente com o Velho continente, ou seja, com o modo europeu de fazer
politica e por fim estabelecer uma autonomia aos Estados Unidos.
A Carta da Jamaica, escrita em 1815 pelo Libertador Simón Bolívar, é
um marco inicial nesse processo de construção de um sentimento interamericano,
independente e absolutamente novo. Bolívar propunha formar no Novo Mundo
uma única nação, com vínculos que ligassem suas partes entre si e como um
todo. Mais do que uma simples confederação, a base da sua proposta explicitava
uma unificação clara e formal, baseada no que seria “para si” essa América: os
países hispano-americanos, já que eles tinham uma origem única, uma língua
hegemônica, costumes próximos e uma mesma religião. O ideal de se formar uma
unidade fundamentada juridicamente em um Governo, para os diversos Estados
que viriam a formar essa Confederação, mostrava uma noção política diferente de
América, já que nessa proposta estavam excluídos o Brasil e os povos de origem
anglo-saxã, ao norte. (BOLÍVAR. Carta da Jamaica-1815)
Para Bolívar, e explicitado com muita preocupação, a escolha do
melhor regime de Governo era crucial para que pudesse assegurar os ganhos da
guerra de independência, garantir a prosperidade e, acima de tudo, garantir a
capacidade de guerra em uma eventual tentativa de reconquista espanhola, que
79
àquela altura estava extremamente presente na mente das elites criollas. O
projeto de Bolívar era amplamente apoiado pelo Repúblicanismo, já que, para ele,
as pequenas Repúblicas eram regimes de Governo mais confiáveis pelo seu
caráter durável, e melhor para assegurarem os ideais americanos que todos os
povos hispano-americanos tanto almejavam. No ideal do Libertador, todas as
pequenas repúblicas partilhariam assento em uma Confederação com um único
Governo, tendo sua sede no Panamá, onde as diversas nações poderiam dialogar
entre si e com o resto do mundo sobre a paz, a guerra e as demais questões
internacionais:
¡Qué bello sería que el istmo de Panamá fuese para
nosotros lo que el de Corinto para los griegos! Ojalá que algún día
tengamos la fortuna de instalar allí un augusto Congreso de los
representantes de las repúblicas, reinos e imperios a tratar y discutir
sobre los altos intereses de la paz y de la guerra, con las naciones de las
otras tres partes del mundo.” (BOLÍVAR. Carta da Jamaica-1815). 21
Os ideais de Simon Bolívar e suas iniciativas resultaram em uma
vertente diferente daquela de segurança continental estipulada pelo Governo de
Washington. Ainda, no seu período embrionário, já davam uma dimensão nova e
evidenciavam, entre outras coisas, um novo modo de se fazer política
internacional. O americanismo Bolivariano nasce como paradigma ainda hoje não
realizado por completo:
21
Que bonito seria se o istmo do Panamá fosse para nós o que foi Corinto para aos
gregos! Esperemos que algum dia nós tenhamos a sorte de instalar ali um augusto congresso dos
representantes das repúblicas, reinos e impérios, para deliberar sobre os altos interesses da paz e
da guerra, com as nações das outras três partes do mundo. (Bolívar. Carta da Jamaica-1815 Tradução nossa)
80
Tinha sem dúvida o pan-americanismo Bolívariano
grandiosos ideais a perseguir: implantar soberanias temperadas por
interesses comuns supranacionais, regulamentados por acordos de
comércio, por meios de se evitar a guerra, de superar os conflitos de
fronteira, de uniformizar o direito público, de conciliar os litígios por
arbitramentos obrigatórios, em suma, a criação do direito internacional
americano, visando compensar o esfacelamento político regional
resultante das independências políticas. (CERVO & BUENO, 2008, p.
142)
Bolívar organiza e inicia um movimento que se repetiria por quase todo
o século XIX. Com o Congresso do Panamá, em 1826, iniciava uma série de
reuniões que seriam a base de atividade interamericana, funcionando como um
fórum onde as proposições poderiam ser colocadas em pauta e as ideias
poderiam sair do campo teórico para adquirir contornos na realidade.
O Congresso se inicia por proposta do próprio Bolívar, (que não
compareceu, por se encontrar envolvido com problemas no Alto Peru) sendo essa
a primeira reunião com intuito claro dos plenipotenciários de criar uma
organização supra estatal, dotada de códigos de conduta e regulamentação para
todos os Estados representados. Encabeçados pelos Estados Unidos da
Colômbia (Colômbia, Venezuela e Equador), o convite foi enviado por Bolívar
para Buenos Aires, México, Peru e Chile. Por sua vez, Francisco de Paula
Santander, libertador da Colômbia, estendeu o convite aos Estados Unidos, ao
Império do Brasil e à Guatemala. (CARVALHO, 1959, p. 296)
Aceitaram o convite, mas deixaram de comparecer, os Estados Unidos,
o Brasil, o Chile e Buenos Aires. As razões foram diversas: Buenos Aires não
aceitava nenhuma autoridade supranacional; os Estados Unidos discutiram tanto
no Senado a questão, que seus representantes não chegaram a tempo; o Chile
também chegou tarde. Quanto ao representante nomeado pelo Brasil, ele nem
sequer chegou a partir:
Tendo desejos de entrar em relações com as novas
repúblicas e trabalhar em concerto com elas para a prosperidade geral
da América, como se expressou, evitava o Brasil comprometer-se em
projetos de anfictiônia, como os que se anunciavam, além de saber que,
nos planos políticos do Libertador, se continha, a propósito de nossa
guerra na Cisplatina, o de uma coligação para arrancar da América a
planta exótica, isto é, nossa Monarquia. (LOBO, p. 11-12, 1939).
81
No dizer de Delgado de Carvalho, referindo-se aos resultados do
Congresso do Panamá “só se pode dizer que foram um glorioso fracasso”.
(CARVALHO, p. 297, 1959). De todas as matérias discutidas e não ratificadas,
tratou-se de solução de litígios por arbitramento, de abolição do tráfico, de
garantias de integridade territorial, de incremento das relações comerciais, da
criação de ações e práticas para tornar efetiva a Doutrina Monroe. Apesar do não
avanço nessas importantes questões, cada vez mais com o afastamento do
tempo da reunião ocorrida no Istmo do Panamá cresce a importância e o valor
que aqueles delegados ainda não estavam em condições para compreender.
Com o fracasso de suas ideias, Hélio Lobo nos conta que Bolívar teria
exclamado “He arado en el mar”22. O andamento da história mostraria, no entanto,
que o Congresso do Panamá lançaria sementes do que viria a ser o direito
interamericano moderno e foi o primeiro de uma série de congressos que se
realizariam sempre sobre a égide e inspiração das ideias do Libertador.
Aproximadamente vinte anos depois foram feitas novas tentativas,
cabendo ao Peru à iniciativa. Novamente o perigo da reconquista pairava sobre
as Repúblicas da região e um pacto defensivo se fazia necessário para conter a
ameaça externa. Em dezembro de 1847 reuniram-se em Lima os representantes
da Bolívia, Chile, Equador e Nova Granada. Assim como no Panamá, vários
dispositivos deixaram de ser assinados, mas mantiveram-se as ideias
Bolivarianas, fazendo com que algumas questões referentes ao comércio, guerra
e direitos fossem discutidos.
Após esse encontro, teríamos mais alguns outros Congressos
interamericanos, todos tratando de temas de interesse regional e sempre
permeados da questão de segurança e ameaça externa. Uma segunda
Conferência de Lima foi reunida em 1864 e outra de fins jurídicos realizada em
1878. Todas tomadas pelo ideal americano criado por Bolívar, mas sem realizar
os ideais do Libertador. O sistema americano de estado estaria sempre norteado
22
Algo como: é como arar no mar
82
pelas forças da assimetria entre a Grande República do Norte e os países do Sul,
e pelas múltiplas tentativas de criar na América algo que na Europa não foi
possível: um verdadeiro instrumento de regulação entre os Estados que aqui
nasceram.
De todos os congressos interamericanos, Panamá (1826), Lima (18471848), Santiago (1856), Washington (1856), Lima (1864-1865) e novamente
Washington (1889-1890), o Brasil somente participou do último desses encontros
- a Primeira Conferência Interamericana, convocada pelos Estados Unidos. O
Governo Imperial, desde 1826, ocasião do Congresso do Panamá, entendia que
essas iniciativas poderiam ser uma fonte de resistência. O Governo era norteado
pela Distensão histórica que resultava na ambivalência de entender que, ao
mesmo tempo, poderia se tornar uma frente comum contra os interesses
brasileiros e, também, pelo receio de se ver excluído, caso algumas das
iniciativas propostas alcançassem sucesso.
Além disso, o Império foi na América, pelo menos até 1889, um grande
problema para uma configuração segura do continente na visão dos seus
vizinhos. O Brasil e sua monarquia bragantina, foi um dos destaques de um
quadro marcado por Repúblicas, e especialmente na América do Sul viam na
antiga
colônia
portuguesa
uma
ameaça
constante
à
manutenção
da
independência e no Imperador brasileiro um possível instrumento da Santa
Aliança nos assuntos americanos. Apesar de a história diplomática dar pouco
suporte a essa tese, essa lógica permeou todo o período Imperial brasileiro.
Apesar disso, as originalidades dos instrumentos aqui empregados fizeram do
sistema interamericano um dos menos intempestivos, e mesmo com alguns
conflitos de largas proporções, nunca vivenciou um estado de guerra geral que
arrastasse todos os membros para a destruição mútua.
A explicação para a excepcional firmeza e consistência da política
americanista do Império está, como já mostramos, na natureza de legitimação do
Estado Brasileiro em contraste com seus vizinhos americanos. A adoção de um
regime monárquico condicionava a política externa brasileira para temer e por
83
vezes repudiar as iniciativas interamericanas. Ao adotar o modelo de legitimação,
como sendo o princípio dinástico, os vizinhos americanos passaram a
representar, no imaginário, o Império como sendo o outro irreconciliável. Deve-se
ressaltar que a identidade das Repúblicas americanas nascia exatamente na ideia
de ruptura com o Antigo Regime e metaforicamente com a Europa. A noção de
Novo e Velho Mundo, América e Europa, influenciava decisivamente as iniciativas
interamericanas, tornando para o Império a tarefa de associar-se muito difícil, sem
colocar em xeque sua própria base de legitimidade:
O Império via-se civilizado e europeu, e assim de uma
natureza distinta daquela de seus anárquicos vizinhos. Integrar-se a eles
seria pôr em risco a própria essência de sua identidade. Se a ideia de
civilização propagada pelas elites brasileiras era, estranhamente,
compatível com a escravidão a exclusão da maioria da população do
corpo politico da nação, a adoção do nacionalismo e da cidadania como
fonte de legitimação do Estado era potencialmente explosiva em uma
sociedade fracamente integrada regionalmente e com população
composta em grande parte por escravos. (SANTOS, 2004, p.28)
O Brasil sentia enorme dificuldade em integrar-se com seus vizinhos,
que tinham como principal bandeira a ideia de ruptura com os antigos laços, uma
síntese ideológica pautada na diferença entre América e Europa, nascida
especialmente nos movimentos pela independência ocorridos em toda a América.
No continente americano, ao lado dos Estados Unidos, o Brasil representava uma
variante linguística e de costumes. No ponto de vista da política externa, a Guerra
Cisplatina e a Guerra do Paraguai foram, diversas vezes, interpretadas como um
movimento do Império em realizar suas ambições egoístas e expansionistas. O
Governo Imperial chegou a reconhecer a fugaz experiência do Império de
Maximiliano no México, uma precipitação que não colaborou para melhorar a
imagem ou ao menos evitar tensões desnecessárias com as Repúblicas vizinhas.
A própria constituição do quadro político brasileiro não propiciava a
integração continental. Os estadistas brasileiros do século XIX, formados na
escola de pensamento conservador, eram essencialmente realistas. Para o corpo
institucional e político brasileiro, a ordem resultaria do primado da autoridade
sobre os ideais. As instituições pretendidas pelos hispânicos e tidas como
84
utópicas pelos imperiais, não lhes davam garantias, resultando em um deliberado
afastamento ou Distensão. Por isso, não acreditavam que as relações
interamericanas pudessem fluir de forma harmônica, oriunda de estatutos
jurídicos convencionados pelos Estados, negando participarem do Congresso de
Lima (1878) e aceitando a contragosto participar do convite americano de 1881
para uma conferência, que não aconteceu por causa da guerra do Pacífico.
(CERVO & BUENO, 2008, p.142)
O realismo brasileiro também denotava uma habilidade fundamental
para a diplomacia no período. O Governo Imperial nunca se obstou
categoricamente a qualquer iniciativa pelo temor de que qualquer movimentação
nesse sentido evoluísse para um foro puramente hispânico e antibrasileiro. A
ameaça de reconquista espanhola e as rivalidades entre as Repúblicas diminuíam
a eminência desses perigos, mas convinha ao Governo acompanhar congresso
por congresso, ponderar sobre a decisão de participar ou não, dependendo das
conveniências e conjunturas políticas do momento, e protelar ao máximo a
presença brasileira:
Aceitou o convite para participar do Congresso do Panamá,
mas seu enviado não chegou. Acompanhava desde 1840 o possível
‘congressos geral de plenipotenciários dos Estados americanos’,
respondia positivamente ao convite chileno, depois ao mexicano, mas
não esteve em Lima, em 1847, em última análise porque os hispânicos
consideravam sua presença dispensável. Aderiu em1864 ao pensamento
de um congresso americano a convite do Peru, mas não compareceu
para evitar debate sobre a guerra da tríplice aliança. Recusou o convite
do Peru para o Congresso de Lima (1878) alegando não acreditar em
seu propósito de uniformizar as legislações de alguns Estados. Após
aceitar o convite norte-americano de 1881, manifestou-se contrário ao
congresso oficioso de Caracas (1883) por ocasião do centenário de
Bolívar, quando se lançou um projeto de ‘União dos Estados
Americanos’, sob a forma de aliança ampla, cujas consequências não se
podia medir. Esteve presente pela primeira vez em um congresso
americano em 1888, em Montevidéu, para firmar quatro convenções
sobre direito internacional privado, que aliás não ratificou (CERVO &
BUENO, 2008, p. 142-143)
O
Governo
brasileiro
contrapunha
a
diplomacia
idealista
do
interamericanismo como sua própria diplomacia pragmática e realista, pela qual
resolveu totalmente ou parcialmente, durante o Império, todos os problemas
85
centrais de relacionamento, como limites, navegação, comércio e segurança. A
Distensão externa, pensando no sentido de um afastamento vigilante, foi exercida
de forma peculiar e exitosa.
2.3.3 Os Congressos Durante o Final do Império
Após a Guerra do Paraguai e o acirramento de forças no âmbito
interno, a adesão parcial ao pan-americanismo passa a representar uma tentativa
do Império de se adequar à nova conjuntura, sendo que em um contexto mais
amplo o Imperador se esforçava para trocar ‘a coroa pela cartola’. Durante o
período final do Império, ou seja, entre 1870 e 1889, o Brasil foi convidado para
participar de vários fóruns e convenções. Em sua maioria, versavam sobre a
tentativa de criar um direito interamericano que pudesse regular com mais
facilidade as relações da região. O Império foi chamado a participar das reuniões
por diversas vezes, mas as respostas em maioria foram reativas, em consonância
com a política histórica de Distensão externa para com o tema, apesar de
experimentar uma morosa flexibilização.
Em um deles, o Governo peruano convidou o Brasil, por meio de nota
expedida pelo seu ministério das relações exteriores no dia 11 de Dezembro de
187523, a mandar representantes a um congresso de plenipotenciários
jurisconsultos para tratar de uniformizar as legislações dos diversos Estados
Americanos. As pretensões eram ousadas, dentre elas a de chegar a um acordo
geral em matéria de leis civis, uniformidade na legislação de casamentos,
formalidades nas relações externas, códigos de extradição uniformizados,
legislação comercial no que se refere à falência e privilégios, propriedade
intelectual, uniformidade de pesos e medidas, sistema monetário e uma
convenção posta entre os Estados Americanos. O Governo Peruano argumentava
23
Nota do Governo peruano ao Governo Imperial, 11/12/1875.
86
que
“com
o
desenvolvimento
das
relações
internacionais,
as
rápidas
communicações entre os povos mediante estabelecimento da navegação a vapor
e da correspondência telegráfica”, mudava a dinâmica das relações entre os
povos do continente americano, e essa problemática deu origem um projeto para
lidar com esses ‘novos’ desafios. (RRNE, Anexo I, p.191-193)
Em nota do dia 20 de abril de 187624, assinada pelo Barão do Cotegipe
em nome do ministério dos negócios estrangeiros, o Império reconheceu à
conveniência e a necessidade de se tornarem uniformes as legislações nos
pontos indicados. (RRNE, Anexo I, p.193-194) Ainda assim, o Governo Imperial
alegou que essa matéria só seria resolvida em futuro remoto, porque “depende de
trabalho lento e constante e muito mais acção scientifica individual e colletiva do
que a acção diplomática”. O posicionamento brasileiro assegurou que esperaria
os resultados dos trabalhos internacionais das nações europeias sobre direito
internacional antes de qualquer outra posição e que conviria um congresso geral,
antes do que exclusivamente americano, como proposto pelo Governo Peruano.
O Império, sem negar a necessidade da discussão, mas pelos motivos expostos,
julgou conveniente não tomar parte no projeto do congresso, apesar de agradecer
o convite a ele dirigido.
Em outro caso, em uma reunião na cidade de Caracas, no dia 14 de
Agosto de 1883, os representantes de alguns Estados Americanos firmaram uma
ata contendo declarações que procuravam o estabelecimento de uma União
Americana e à convocação de um congresso. O convite partiu do Presidente dos
Estados Unidos da Venezuela, imbuídos de espírito americanista por ocasião das
festas do centenário do Libertador Símon Bolívar. O encarregado de assuntos
brasileiros foi consultado verbalmente sobre a possibilidade de tomar parte na
conferência, e respondeu que não estava autorizado para isso. Por seu
intermédio, logo depois disso, o Governo Imperial foi convidado a aderir às
referidas declarações.
24
Nota do Governo Imperial ao Peru, 20/04/1876.
87
O Governo Imperial após refletir sobre o convite optou por diversos
motivos a não aceitar a proposta venezuelana. Inicialmente, a ata que se lavrou
foi assinada pelo Primeiro Magistrado da Venezuela, e exprimia o pensamento do
seu Governo; mas além dele foi também assinada por agentes diplomáticos e
consulares de outros Governos Hispânicos presentes em Caracas para fim
diverso, sem poderes que o autorizassem a tratar de um assunto tão amplo e
complexo. A ata, portanto, não tinha base suficiente para a solicitação de adesão.
Quanto às declarações em sua generalidade, ela tratava de uma ampla
e perpétua aliança para todos que com ela se comprometessem, algo com
consequências difíceis de prever, segundo o Governo Imperial. Além disso, vários
itens iam contra os interesses históricos brasileiros. Suas menções não incluiam a
parte portuguesa da América25 e em outros temas versavam sobre uma resolução
única para os litígios territoriais, obrigatoriedade da arbitragem como única
solução de toda a controvérsia, e uma tentativa de unificação do direito
internacional e dos pesos e medidas. (RRNE, Anexo I, p. 210-212)
O Império também não considerou conveniente se sujeitar a qualquer
uma dessas decisões do congresso, uma vez que as questões territoriais,
segundo o Governo Brasileiro vinham sendo resolvidas de forma direta e
amigável; não podia contrair compromisso algum sobre os direitos do cidadão
sem violar algumas disposições da constituição Imperial; além de manter as
opiniões já registradas em outros fóruns de mesma natureza sobre unificações de
direito internacional privado e outras questões.
Por fim, outro ponto de interação e conflito foram as questões de
saúde, que tiveram momentos dramáticos no pós-guerra especialmente na região
platina, originando vários congressos para tratar da questão. Em um dos casos,
uma grande epidemia se acometeu de Montevidéu durante três meses, e por isso
a República Argentina fechou os portos aos navios uruguaios, como medo de
uma possível contaminação. A epidemia não cessou por conta dessa medida,
25
Nota do Governo Venezuelano à Legação Imperial (Protocolo da Conferencia), 08/10/1883.
88
com reclamação do Uruguai a tal procedimento. Para que fossem retiradas tais
deliberações, exigiu-se que Montevidéu se impusesse quarentena aos navios
procedentes dos portos brasileiros, sob pretexto que no Império havia surtos de
febre amarela. A exigência foi atendida, impedindo-se que tivessem livre prática
os navios procedentes do Brasil para Buenos Aires e Montevidéu, com exclusão
dos que não tivessem passado pelo país recebendo passageiros, carregamento
ou malas. Várias foram às reclamações por parte do Império.
Classificada como “vexatória medida”, que não era aconselhada pelo
estado sanitário do Império, só serviria para prejudicar o comércio e excitar os
ânimos entre os dois países. Internamente, a Direção da Associação Comercial
do Rio de Janeiro enviou uma representação contra essa medida à repartição de
negócios estrangeiros, da qual foram comunicadas as legações em Buenos Aires
e Montevidéu, fazendo as recomendações necessárias para que sejam
defendidos os interesses comerciais brasileiros. Para tentar solucionar a questão,
o governo Imperial expediu poderes ao seu ministro, Conselheiro Antonio José
Duarte de Araujo Gondim, para celebrar com os plenipotenciários das Repúblicas
do Uruguai, Argentina e Paraguai, que iriam se reunir em Montevidéu para discutir
uma convenção que regule o regime sanitário que deveria ser aplicado em cada
um dos estados com relação às embarcações procedentes de lugares
infecionados ou suspeitos, mas não houve resolução para o caso. (RRNE, 1871,
p.25)
Os recorrentes problemas sanitários levavam problemas e reclamações
de lado a lado na região do Prata, especialmente por medidas adotadas
unilateralmente para evitar a invasão de alguma epidemia do país vizinho. O
Brasil por meio do então ministro Cotegipe, respondendo às legações das
Repúblicas da região platina, afirmou que o único meio de evitar questões desta
natureza seria uma convenção que regulasse os direitos e deveres recíprocos de
cada Estado, e não imposição de opiniões que contrariam interesses de um e de
outro. Da iniciativa brasileira nasceu uma convenção sanitária que ocorreu no Rio
de Janeiro em 25 de Novembro de 1887. O Paraguai, convidado a participar das
conferências em que seriam discutidos os atos internacionais, alegou falta de
89
tempo, mas que poderia oportunamente aderir, assim como outros Estados da
América do Sul.
Finalmente, o Brasil recebeu um convite simultâneo dos governos
argentino e uruguaio, por comunicado do Ministério das Relações Exteriores do
Uruguai, datado do dia 1º de Março de 1888, a participar de um congresso no
qual se formulariam tratados sobre matérias compreendidas no Direito
Internacional Privado. O convite foi aceito, mas não mandou logo seus
plenipotenciários, autorizando que os Ministros residentes em Montevidéu e
Buenos Aires a representá-lo no ato da abertura do Congresso e nos
subsequentes que não exigissem discussão. O nome escolhido para participar
das conferências ficou a cargo do Conselheiro de Estado Domingos de Andrade
Figueira, pela aptidão com as matérias que iam ser discutidas.
O Congresso foi aberto no dia 25 de Agosto de 1888 e foram firmados
Tratados sobre: propriedade literária e artística; processo judicial; marcas de
comércio e de fábrica; patentes; direito comercial internacional; direito penal
internacional; direito civil internacional; exercício de profissões; além de um
protocolo adicional estabelecendo regras gerais para a aplicação das leis de
qualquer Estado contratante nos territórios dos outros, nos casos determinados
nos referidos Tratados. O plenipotenciário brasileiro só assinou os primeiros cinco
Tratados e o protocolo adicional, abstendo-se quanto aos outros por razões
diversas. Em geral, os Tratados continham, nos seus dispositivos, atribuições que
iam contra as leis internas do Império ou continham matérias que o
plenipotenciário considerou sendo fora da esfera do direito internacional.
Os casos destacados pelos Relatórios da Repartição dos Negócios
Estrangeiros (RRNE) demonstram a inflexibilidade apresentada pelo Império até
os últimos anos de regime monárquico em suportar qualquer intenção mais
profunda de criação de um verdadeiro interamericanismo, apesar de ser possível
vislumbrar pequenas aberturas nessa conduta. A Distensão externa e histórica
representada nas iniciativas regionais, sempre acompanhadas de uma constante
vigilância para evitar qualquer coalisão antibrasileira, foi o sentido atribuído pelos
90
formuladores da política externa e pela elite Imperial para evitar qualquer
consequência que poderia afetar a estabilidade do regime monárquico. Essa
postura só começou a ser alterada quando as forças internas passaram a
questionar a validade de tal conduta ou quando um problema prático obrigava a
atuar na direção contrária a Distensão histórica, como no caso dos diversos
problemas
sanitários.
Esse
impulso
de
afastamento
iria
contrastar
vertiginosamente com os impulsos Universalistas verificados para com as
potências centrais e fora do contexto regional, tema esse do próximo capítulo.
91
3. O UNIVERSALISMO EXTERNO
Assim como Distensão, são muitos os sentidos atribuídos ao termo
Universalismo. Seu uso é normalmente conferido em descrições e adjetivações
sobre o caráter universal ou universalista de uma conduta ou instituição. O mais
frequente dos seus usos é aquele em que define uma “tendência de se tornar
universal uma religião, uma ideia, um sistema, etc., fazendo com que se dirija ou
abranja a totalidade e não um grupo particular”. (HOUAISS, 2012)
A tendência ao Universalismo na política externa Imperial teria sido
elevada como sentido norteador de sua atuação por conta de uma conjuntura
onde o retraimento não era aconselhável, segundo a hipótese levantada por
Amado Luiz Cervo (2008). Sua atuação seria explicada pela face subordinada de
atuação
externa,
aquela
que
condicionava
e
beneficiava
os
setores
agroexportadores, alinhados com o elemento liberal do paradigma liberalconservador. As transformações no cenário internacional do período que se
estende entre a Guerra do Paraguai e a Proclamação da República são
essenciais para reforçar o sentido Universalista na postura externa Imperial,
conforme se faz necessário esclarecer de forma mais objetiva antes de uma
análise
mais
focada
em
cada
uma
das
ações
externas
do
período
individualmente.
A maior dessas alterações acontece no começo da década de 1870,
quando tem início o sistema europeu de alianças criada por Otto von Bismarck.
Ainda que a pentarquia do Concerto Europeu26, fundado em 1815 pelo Congresso
26
O Concerto Europeu, iniciado pelos Acordos de Viena (1814-1815), puseram fim a um quarto de
século de levantes e de guerras, trazendo novo equilíbrio para o sistema europeu. O mapa da
Europa foi redefinido sem se levar em conta aspirações dos povos ou qualquer direito dos
inúmeros príncipes destituídos pelos franceses, mas com considerável atenção ao equilíbrio dos
cinco grandes: a Rússia, a Grã-Bretanha, a França, a Áustria e a Prússia. A declaração das cinco
92
de Viena para conter os efeitos da Revolução Francesa, fosse a característica
essencial do sistema político europeu, o equilíbrio de poder tornou-se diferente
durante o período de 1870-1889. A França experimentou uma fase de
introspecção após a derrota na guerra Franco-Prussiana, tentando de alguma
forma restaurar seu prestigio internacional abalado pela derrota. A Grã-Bretanha,
que desde o final das Guerras Napoleônicas dominava a economia global,
passava a conhecer um incômodo pluralismo econômico oriundo das outras
potências industriais, vendo-se forçada a repensar a sua política de isolamento
dos assuntos continentais. A Áustria e a Rússia, alijadas pela nova conjuntura,
passaram a desempenhar um papel menor daquele que vinham realizando até
então.
Dessa forma, o arranjo central das forças europeias se centrou na
Alemanha, que apesar de possuir potencial econômico e militar suficientemente
poderoso para romper com toda a lógica dos poderes consagrados desde Viena,
optou nesse período uma postura cautelosa, protegendo a recém-unificação e
neutralizando a possibilidade de um revanchismo francês. (LESSA, 2008, p.131133) A construção vitoriosa do Segundo Reich constituiu o evento mais
importante do último quartel do século XIX, e a influência da sua presença e do
seu chanceler Bismarck foi tão grande, que é possível falar em um sistema
Bismarckiano no período que compreende entre 1870-1890:
potências foi formalizada em 1818 pela Declaração de Aachen (Aquisgrana), em que declaravam
sua intenção de manter uma união íntima de consultas regulares para a preservação da paz.
(WATSON, 2004, p. 334-335) Como Hobsbawn (2007, p.168-172) afirma: “Os reis e estadistas
não eram mais sábios nem tampouco mais pacíficos do que antes. Mas inquestionavelmente
estavam mais assustados”, e talvez por isso eles tenham sido inusitadamente tão bem-sucedidos.
De fato, não houve nenhuma guerra total na Europa, nem qualquer conflito armado entre duas
grandes potências, da derrota de Napoleão à Guerra da Crimeia (1854-1856). Além disso, com
exceção desta, não houve nenhuma guerra que envolvesse mais do que duas grandes potências
entre 1815 e a Primeira Guerra Mundial.
93
A paz não era confortável. (...) O equilíbrio que havia
mantido e ajustado desde Viena, primeiro na paz, e depois em guerras
menores, tornou-se estável. Durante alguns anos, o controle
considerável de Bismark e seu hábil malabarismo diplomático
mantiveram a ordem europeia. Lembrando o destino de Napoleão, ele
estava determinado a evitar uma querela com a Rússia ou com a
Inglaterra. (...) Em todo o sistema, ele fez com que a sua Prússia
aumentada se comportasse como uma potência satisfeita e pronta a
cooperar. (Watson, 2004, p. 348)
As intenções de Bismarck foram atendidas, agindo de forma a preservar a
paz e a consolidação do Império, ao passo que impediram a França de levar a
cabo qualquer pretensão de seu nacionalismo chauvinista. Morgenthau, no
clássico A Política Entre as Nações (2003, p.92) afirma que Bismarck soube usar
dos tratados de aliança de forma muito particular, já que ele empregou da função
frequente de preservar o status quo em uma determinada área. Segundo ele,
após a conclusão vitoriosa da Guerra Franco-Prussiana, e a fundação do
Segundo Reich, em 1871, Bismarck tentou proteger a posição hegemônica
conquistada na Europa pela Alemanha, e para isso recorreu a alianças para
prevenir e isolar a França em qualquer intuito de uma guerra de vingança. Já em
1879, a Alemanha e a Áustria concluíram uma aliança de defesa mútua contra a
Rússia e, em 1884, a França e a Rússia firmaram uma aliança defensiva contra a
combinação da Alemanha com a Áustria.
O sistema bismarckiano irá durar até 18 de março de 1890, quando o
Chanceler de Ferro se indispôs com o herdeiro do trono alemão por problemas de
política interna e renuncia ao posto. Durante todo o período, conseguiu
transformar as relações internacionais europeias em um sistema que girava em
torno da Alemanha. Para o sistema mundial, que dependia e tinha relações
diretas com a Europa, era uma nova porta na relação com os países centrais. O
sistema europeu conviveria com uma nova multipolaridade, muito mais aguda do
que aquela experiência vivenciada durante todo o século XIX até então,
especialmente pela emergência de novas potências e o declínio de outras, dando
uma dinâmica original ao sistema.
94
Dentro dessa lógica que vai de 1870 a meados de 1890, os nacionalismos
e as rivalidades geravam grandes pressões na Europa. De uma forma geral, o
período foi marcado por uma grande expansão territorial para fora das fronteiras
continentais do Velho Continente, resultando em um deslocamento das tensões
para fora do centro do sistema. As pretensões coloniais foram vorazes no
período, sendo que a partir da segunda metade da década de 1870 o continente
africano em sua quase totalidade já estava retaliado. Apesar disso, dentro do
intervalo entre 1870-1889, essa competição por novos mercados não teve
maiores consequências para a política continental europeia, sendo que suas
crises foram em sua maioria administráveis.
No geral, os europeus se focaram na gerência da prática competitiva por
meio de acordos e da regulação da nova corrida colonial, por exemplo, a
Conferência de Berlim (1884-1885) que realizou a partilha da África entre as
diversas potências que nela participaram. A Alemanha, por exemplo, via com
benevolência as pretensões francesas nas possessões coloniais, já que
desviavam o foco do rival a não intervir no equilíbrio de poder europeu. (LESSA,
2008, p.131-133)
Na economia, o período foi marcado por uma longa recessão econômica
na Europa e mudança paulatina no poder mundial. Ainda que os ritmos das
correntes de comércio se mantiveram crescendo, a produtividade cresceu de
forma abrupta, gerando um grande descompasso entre a oferta e a demanda,
afetando diretamente os preços. As relações econômicas se mundializaram,
transformando as realidades locais por meio do capital dos países centrais, cada
vez mais pulverizados ao redor do planeta. Os fluxos financeiros alcançaram
níveis inéditos, especialmente pela velocidade decorrente das novas tecnologias.
A Grã-Bretanha, por conta da grande acumulação de riquezas nas
décadas anteriores,
especialmente
pelo
pioneirismo
do desenvolvimento
industrial, tinha supremacia nos investimentos estrangeiros e na capilaridade do
seu capital ao redor do globo. Ao mesmo tempo em que os concorrentes
industriais (especialmente Alemanha, Estados Unidos, França) concorriam contra
95
a sua participação nos fluxos de comércio internacional, crescia a importância do
mercado financeiro para a economia do país, que passara a ser a partir de 1870 o
maior exportador de investimentos do mundo e de serviços como fretes e
seguros. Londres deixava de ser a capital industrial de outrora, tornando-se a
praça financeira mais importante do planeta, elevando a economia britânica a um
novo patamar. De forma sintética, a Grã-Bretanha que atuou durante um longo
período como o motor industrial da economia global, agora atuava como centro
financeiro de uma estrutura global que se tornava cada vez mais complexa.
O período também será marcado por profundas transformações na
relação do homem com o meio, como consequência do maciço desenvolvimento
científico que tiveram consequências irreversíveis para a economia e a sociedade.
A formação de um novo paradigma tecnológico, usualmente chamado de
Segunda Revolução Industrial ou Revolução Técnico-Científica, diferia do primeiro
por não se tratar de mudanças nos processos produtivos decorrentes de
experimentos ocasionais de homens práticos, ou seja, de um empirismo
tecnológico, sendo que sua principal base foi a ciência, sendo usada pelas
grandes empresas para produção de novos modos de produção e tecnologia.
Além do uso ostensivo de novas fontes de energia, como a eletricidade e o
petróleo, a revolução nos transportes e nas telecomunicações, com o
desenvolvimento das técnicas de refrigeração e pasteurização, foi possível o
translado mais rápido e seguro dos gêneros alimentícios, o que colaborou para a
diminuição global dos preços. Com a abertura do Canal de Suez, em 1869, que
reduziu as distâncias do Ocidente com o Oriente, e entregou comercialmente uma
parte substancial do planeta que estava apartada do centro do sistema
internacional, provocou uma queda acentuada no preço dos produtos agrícolas.
(LESSA, 2008, p.122-131)
Com as novas tecnologias e a influência cada vez mais esmagadora da
pesquisa e desenvolvimento na capacidade de produção, houve uma crescente
concentração empresarial, uma vez que os competidores menores não podiam
arcar com as despesas necessárias para manter a rentabilidade. Com a crise da
superprodução, a disputa por mercados tornou-se cada vez mais feroz, uma vez
96
que a oferta crescia em escala muito superior a capacidade de aquisição de
novos mercados. Essa conjuntura econômica estagnou, ou em alguns casos
forçou a queda dos salários, ao mesmo passo que com a revolução incessante
nas técnicas de produção, a oferta de novos empregos também sofria
consequências negativas.
A estrutura social europeia sofria por conta da depressão econômica,
sendo que o aumento da pobreza criava uma pressão que só conseguiu ser
moderada
com
as
imigrações
ultramarinas,
cujo
volume
cresceu
exponencialmente nos anos 1880, até tornar-se um fenômeno generalizado,
especialmente em países que haviam sofrido grandes perdas por ainda terem
economias extremamente dependentes do campo. Entre os principais, podemos
citar a Itália, a Espanha, Áustria-Hungria, Rússia e toda a região balcânica, e tinha
como seus principais destinos a América, entre eles o Brasil, ávido por mão-deobra por conta da questão servil. Para se proteger dessa tendência, a maioria dos
países centrais interromperam décadas de liberalismo econômico, e passaram a
executar medidas de proteção à economia e criação de reservas de mercado,
criando obstáculos ainda maiores para a recuperação econômica.
A depressão que marcou o período de 1870-1890, aliado a velocidade e
intensidade da industrialização em várias partes do globo e os ideais nacionalistas
do período, fizeram desse ciclo um dos mais elementares na formação do que
iríamos conhecer como um sistema global de Estados. A integração econômica e
política, sendo acompanhada das transformações resultantes da chegada do
capital em diversas regiões que antes estavam distantes da lógica capitalista,
fizeram desse um momento de violentas transformações. Por um lado, a
conjuntura levou os britânicos a serem cada vez mais eclipsados por novos
adversários, em uma estrutura com a qual nenhum poder isolado poderia resolver
todas as disputas e por outro, com a competição por mercados e o colonialismo, a
defesa comercial encarnada no protecionismo deu fim a décadas de expansão do
liberalismo econômico.
97
Voltada para a produção de produtos primários e de exportação, a
América Latina passou por sérias mudanças por conta das alterações no sistema
capitalista global. Após décadas de crises internas, os países da região
começavam a respirar a consolidação do projeto econômico-político das suas
elites, que tem nesse período o nascedouro de uma hegemonia que só irá sofrer
seus primeiros revezes decisivos por ocasião da Primeira Grande Guerra. A
aceitação e preferência das elites locais de forma quase incondicional com a sua
posição na divisão internacional do trabalho trouxe um avanço rápido no
crescimento material e um período de esplendor, consolidação política e dos
arcabouços institucionais, só possíveis pela nova conjuntura. (MALAMUD, 2005,
p.327) Em muitos casos, o crescimento econômico se deu em ambiente
representativo, quase sempre com o Parlamento em seu pleno funcionamento,
dando ao período a sua versão latina americana da belle époque. A presença
europeia na região se fez sentir, especialmente na economia, com a circulação de
capitais, tecnologias e produtos; social, pela chegada massiva de imigrantes
europeus em vários países sul-americanos; e finalmente política, por pressão de
estarem presentes nos acordos comerciais, necessários para as potências
europeias na briga por novos mercados.
Nesse complexo sistema internacional estava inserido o Brasil, composto
por sua sociedade baseada em uma economia agrária, um regime político de tipo
monárquico, que ainda fazia uso da mão de obra negra na sua estrutura de
produção e estava inserido em uma lógica global e especialmente regional muito
díspar daquela que se fazia presente no país. A nova ordem internacional que
vinha se consolidando desde a metade do século XIX foi o desafio essencial para
os formuladores de política externa do Império do Brasil. O Império se esforçava
para manter a intensidade dos vínculos políticos e econômicos mantidos pelo país
com o resto do mundo, especialmente do centro, saindo de um bilateralismo para
um universo crescente do multilateralismo, sendo essa uma tendência crescente
até o final da monarquia. (ALMEIDA, 2001, p.375-381)
98
Em 1851, a Exposição Universal do Crystal Palace, em Londres,
realizada pela “iniciativa privada”, dava início a uma sucessão de conferências,
congressos, seminários científicos e industriais. É nessas reuniões, com múltiplos
objetivos, normalmente vinculados a algum assunto “técnico”, que se ressaltam a
maior participação de atores no jogo da política mundial, denotando uma
amplitude universalista nas relações internacionais. Os convites foram usuais em
toda a década de 1870, e especialmente de 1880. Os Relatórios do Ministério dos
Negócios Estrangeiros contêm uma infinidade de convites ao Brasil, sendo
solicitado para quase todos os assuntos consideráveis do período, entre eles:
convenções postais, união postal, acordos referente aos mares, convenção
telegráfica, acordos de proteção industrial e de marca, exposições internacionais,
entre outros.
O Império participou das mais importantes realizações do período, em
especial as grandes Exposições ‘Universais’ do período. Em 1876, milhões de
visitantes foram visitar a Feira da Filadélfia para conhecer a invenção do telefone,
entre eles o próprio Imperador, em uma das suas visitas internacionais, que junto
do presidente americano Grant, inaugurou a exposição, em plena euforia do
centenário da independência dos Estados Unidos. Na Feira de Paris, em 1889,
onde foi inaugurada a Torre Eiffel, o Brasil foi representado com um grande
pavilhão, próximo à torre. A importância desses eventos se dava na promoção
comercial e aumento do prestígio do Império, que por mais que tivesse àquela
altura uma econômica praticamente monoprodutora, sua ação determinava a
importância brasileira ao resto do mundo.
No comércio internacional, a alteração na matriz das exportações do
Império determinou a reorientação geográfica do destino dos produtos brasileiros,
especialmente com a Grã-Bretanha, mercado modesto para o essencial café,
perdendo importância principalmente para os Estados Unidos, mas também para
países da Europa continental, marcando assim um Universalismo também na
atuação econômica externa. (ABREU & LAGO, 2010, p.24)
99
O café foi um dos responsáveis para essa atuação e agente
fundamental na tentativa Universalista da política externa brasileira. Com sua
cultura totalmente adaptada ao solo do sudeste do Brasil, e com o fácil
escoamento da produção e armazenagem, a mercadoria era o mais bem
sucedido produto brasileiro no comércio internacional durante o período final do
Império. Na década de 1870 foram introduzidos vários tipos de despolpadores
mecânicos e aperfeiçoadas as técnicas de torrefação. Na de 1880, uma praga
assolou os concorrentes asiáticos do café brasileiro, fazendo com que a
conjuntura favorável expandisse rapidamente as plantaçõe. Se durante a década
de 1830, as exportações de café eram de aproximadamente 60.000 toneladas
anuais; em 1871 o Brasil exportaria 216.000 toneladas, chegando até os últimos
anos do Império na casa das 888.000 toneladas. (DEAN, 2008, p.669-670)
A partir de 1873, o café brasileiro teve assegurada a livre entrada no
mercado americano com a política Republicana do “free breakfast table”. No final
dos 1880, o Brasil era responsável por aproximadamente 70% do total de
importações de café dos Estados Unidos, o que contrastava com a Europa, onde
o café era pesadamente taxado por impostos de importação ou sobre consumo.
As exportações para a Grã-Bretanha caíram de forma vertiginosa, enquanto as
exportações para os Estados Unidos tendiam a ultrapassar 40% do total (ver
quadro 3).
A mudança da estrutura de origem das importações no período
Imperial também refletiu a mudança das posições dos países centrais no sistema
capitalista global. O declínio da capacidade competitiva das importações
britânicas foram paulatinamente substituídos por produtores concorrentes,
especialmente a Alemanha e os Estados Unidos (ver quadro 3). O Brasil dependia
quase que exclusivamente de importações para o suprimento de um amplo leque
de bens manufaturados. Em meados dos 1870 “artefatos de algodão”
correspondiam a 27,5% das importações, bebidas a 18%, peixes a 10%,
“artefatos de lã” a 6,6%, trigo e farinha de trigo a 5%, carvão a 3,9%. Máquinas
respondiam por apenas 1,7% do total, embora sua importância tenha talvez
dobrado na década de 1880 (ABREU & LAGO, 2010, p.24)
100
Quadro 3 – Setor Externo (1820-1889)
Brasil: Setor Externo, 1820-1889*
1820 1830 1850
1870
1889
Estrutura
Café (% do total)
18,4
43,8
48,1
56,6
61,5
Açúcar (% do total)
30,1
24
21,2
11,8
9,9
Algodão (% do total)
20,6
10,8
6,2
9,5
4,2
Couros e Peles (% do total)
13,6
7,9
7,2
5,6
3,2
Borracha (% do total)
0,1
0,3
2,3
5,5
8
Grã-Bretanha (% do total)
17,4
27,9
35,5
36,9
13
Estados Unidos (% do total)
0
16,6
32,4
29,3
43
França (% do total)
34,8
6
6,1
8,7
11,7
Alemanha (% do total)
17,1
11,8
5
7,6
14,8
Grã-Bretanha (% do total)
40
48,4
53,3
51,5
31,4
Estados Unidos (% do total)
0,6
11,8
8,5
5,6
12,4
França (% do total)
7,8
12
13,5
14,6
8
Alemanha (% do total)
7,6
5
5,9
6,8
9,4
Destino – Exportações
Origem - Importações
* Média por década. Fonte: IBGE, EHB, 1990; IBGE, Anuário, 1939-1940; BALBI (2004) apud ABREU & LAGO (2010, p.23-24)
A procura por maior prestígio e a procura de resoluções de problemas
internos pelas vias externas também se fizeram sentir. As viagens do Imperador,
a tentativa de solução do problema servil, os impactos e as tentativas de solução
da Questão Religiosa, além da pluralidade de parceiros no centro do sistema
internacional, fizeram com que o Império tivesse de se relacionar com os mais
diferentes parceiros, nos mais diferentes temas. A explosão de interações
internacionais, que chamamos aqui de Universalismo pela hipótese de Cervo,
seria, portanto, muito mais reativa do que positiva; ou seja, não foi uma política
deliberada, mas a forma como a conjuntura impôs a necessidade ao Império.
Para analisarmos e por a prova a hipótese será analisada de forma
pormenorizada nesse capítulo os fatos essenciais levantados pelas Falas do
Trono e nos Relatórios do Ministério dos Negócios Estrangeiros, divididos em
subitens com as relações bilaterais mais importantes e outros assuntos de grande
relevância.
101
3.1 A Neutralidade na Guerra Franco-Prussiana e as Relações com a
Alemanha
Um dos grandes desafios que o sistema internacional reservou ao
Governo Imperial foi à posição durante a Guerra Franco-Prussiana. O Brasil, em
14 de agosto de 1870, recebeu um comunicado do Sr. Hocmelle, encarregado de
negócios da França, que por ordem do seu governo, declarava que para defender
a honra e o interesse dos franceses, seu governo viu-se na necessidade de
declarar guerra à Prússia e seus aliados que lhe prestavam auxílio. O Imperador
dos franceses deu ordem afim de que, durante a guerra, os comandantes de suas
forças de terra e de mar que conservassem neutras as regras do direito
internacional, e se conformem especialmente aos princípios assistidos na
declaração do Congresso de Paris, de 16 de Abril de 1856.27
O Brasil respondeu que declarava manter a mais “escrupulosa
neutralidade”, como era do interesse do Brasil. (RRNE, 1870, p.7) A autoridade
Imperial declarava lamentar profundamente que o desentendimento entre a
França e a Prússia não pudesse ser resolvida de forma pacífica e amigável. De
acordo com circular expedida aos presidentes das províncias de 27 de Agosto de
1870, o Imperador determinou que fosse cumprido por todas elas o mais rigoroso
processo de neutralidade, incluindo auxílio às embarcações litigantes, uso do
telégrafo para anunciar a chegada e partida de navios de alguns dos lados ou
qualquer outro ato que pudesse comprometer a posição oficial do país. (RRNE,
1870, p.7)
Durante o conflito, vários problemas na condição de país neutro
constrangeram o Brasil e criaram zonas de atrito com os países litigantes. Em um
27
Congresso de Paris, de 16 de Abril de 1856: 1º O corso é e fica proibido; 2º O pavilhão neutro cobre a
mercadoria inimiga, com exceção do contrabando de guerra; 3º A mercadoria neutra, com exceção do
contrabando de guerra, não pode ser apresada sob pavilhão inimigo. 4º Os bloqueios, para serem
obrigatórios, devem ser efetivos, isto é, mantidos por força suficiente para proibir o acesso ao litoral inimigo.
102
deles, no dia 14 de Setembro de 1870, entraram no porto do Rio de Janeiro os
navios mercantes alemães Lucie e Concordia, que haviam sido apreendidos pelo
navio de guerra francês Hamelin. Esse fato originou uma discussão diplomática
entre o governo Imperial e as legações prussianas e francesas.
Além dessa problemática, ocorreu em 17 de Outubro do mesmo ano
um caso de dezoito passaportes, dados pelo cônsul da França a cidadãos
franceses, com a declaração de que estes se achavam contratados para o serviço
militar, e que deviam apresentar-se ao seu país à autoridade competente. O chefe
de polícia entendeu que devia recusar o visto, por ser contra a neutralidade do
Brasil, uma vez que não era lícito a nenhum agente de qualquer um dos
beligerantes arregimentarem forças militares do seu governo por meio de
recrutamento ou de contratos semelhantes no território brasileiro.
Com o avançar das tropas prussianas, o corpo diplomático manifestou
ao Conde de Bismark, por intermédio do seu ministro dos negócios estrangeiros,
o desejo de serem avisados no caso de bombardeamento de Paris e habilitados
para se retirarem da cidade, assim como de que lhes fossem autorizado expedir
cada semana um correio exclusivamente diplomático. O Chanceler Alemão
respondeu que não poderia por questões militares avisar sobre a ocupação e
confrontos em Paris e que autorizaria a saída de cartas abertas dos agentes
diplomáticos, uma vez que seu conteúdo não resultasse inconveniente ao serviço
militar.
Os membros do corpo diplomático mandaram então uma nota coletiva
ao Conde Bismarck, na qual disseram que aceitariam de bom grado as ordens,
porém, era impossível para eles, por conta do compromisso da confidencialidade
dos dados, mandarem cartas abertas, ficando então impossível encaminhar
relatórios oficiais com os respectivos governos. (RRNE, 1871, p.23-26)
Com o bombardeamento de Paris, em outra nota coletiva, datada em
13 de Janeiro de 1871, o corpo diplomático denunciando à Bismarck os
desastrosos efeitos do bombardeamento da cidade, pediu intervenção para que
as autoridades militares providenciassem aos súditos das potências neutras
103
meios de salvarem seus familiares e pertences. A resposta do Chanceler
ponderou que a reclamação do corpo diplomático não encontrava nos princípios
de direito internacional suficiente base para sua justificação. Sua nota afirmava
que as pessoas que estabeleciam residência em uma região de guerra e nela
permaneceram por livre vontade durante as operações de guerra deviam estar
preparadas para os inconvenientes que dela resultassem. Bismarck reitera que
não faltaram avisos e recomendações aos súditos das potências neutras para
deixarem a cidade, sendo que depois destes e durante meses, permitiu-se que os
neutros atravessassem as fronteiras sem outra condição além de provarem sua
nacionalidade e identidade. (RRNE, 1871, p.23-26)
As informações de Bismarck rebatem a acusação feita pelo governo
Imperial que foi recusada a alguns brasileiros a permissão de sair de Paris. O
caso ocorreu em 21 de Novembro, quando se vendo prolongar o cerco, foi
solicitado o pedido e recusado por Bismarck com o argumento de que houve
sequências de abusos resultantes de anteriores concessões, portanto, as
autoridades militares resolveram não renová-las.
A guerra trouxe como resultado a queda de Napoleão III e sua dinastia.
Em nota, o Sr. Julio Favre, ministro dos negócios estrangeiros, comunicou o fato
ao representante do Brasil em Paris. No dia 4 de Abril de 1871, a mesma legação
comunicou que tendo sido declarada a deposição da dinastia, fora proclamada a
República; e que a Assembleia Constituinte nomeou em 17 de Março o Sr. Thiers
Chefe do Poder Executivo e Presidente do Conselho. Em resposta a esse
comunicado e satisfazendo ao pedido francês, o Brasil reconheceu o novo
governo adotado pela França.
Com a nova reorganização do poder na Europa, mudou também a
atuação da Alemanha em escala global. Do ponto de vista político, as relações do
Império com a Alemanha, especialmente comerciais, eram uma prova do caráter
multifacetado do sistema que emergiu nas décadas de 1870 e 1880. Se
culturalmente a preferência das elites imperiais sempre foi pela França e
politicamente as relações mais estreitas eram para com a Inglaterra, a Alemanha
104
despontava naqueles anos como um competidor à altura do desafio. O Brasil
parecia também estar disposto a ampliar seu intercâmbio com outros polos de
poder, e dentro das possibilidades escapar da alternativa britânica. A Alemanha
empenhando-se na concorrência com a Inglaterra, logo após o conflito contra a
França, faz do Império Brasileiro mais um dos cenários em que se desenrolaria o
conflito econômico das grandes potências. (CAMPOS, 2004, p.253-254)
Com o progresso originado pela unificação política, apesar da
constante oposição inglesa, houve espetacular crescimento da marinha mercante
alemã, cabendo a Hamburgo um papel decisivo nos contatos com o Brasil. Em
1867 fundou-se a Hamburg-Sued, cujos vapores, a partir de 1871, levavam pela
primeira vez a bandeira de Hamburgo ao Atlântico Sul e mais onze empresas
diversas. Em 1876, estenderam-se suas linhas ao Brasil o Norddeutscher Lloyd,
que foi fundada em Bremen, pelo Consul H. H. Meyer, em 1857. Nessa época já
se encontrava o Brasil integrado a navegação no amplo episódio de concorrência
teuto-britânica, que ajudaria a culminar na guerra de 1914. Não apenas
empreendimentos procedentes da Alemanha, mas também de alguns alemães
radicados no Brasil, e passou-se depois da unificação a aumentar o intercâmbio
entre os dois países e com o resto da Europa Central, incluindo o Império AustroHúngaro, denotando um Universalismo com gênese na conjuntura ímpar do
período.
As atividades desses empreendimentos se expandiram de tal forma
que, mesmo levando em conta o papel secundário do Brasil nos interesses
comerciais
alemães,
especialmente
comparados
à
África,
acabou
por
desempenhar um papel importante na luta global por novos mercados. Em vários
produtos importados pelo Brasil, especialmente vinculados à indústria açucareira
no Nordeste, até importações de artigos como louças, vidros, entre outros, cada
vez mais as mercadorias alemãs passaram a rivalizar com qualquer outro nos
portos do Império, especialmente em Santos. No âmbito da exportação, o tabaco
e o café foram os principais itens, apesar do pessimismo do Império com a
capacidade de absorção daquele mercado dos produtos brasileiros. (CAMPOS,
2004, p.259-266)
105
3.2 As Relações com a França
As relações foram amistosas entre o Governo Imperial e o Governo da
França durante os últimos anos da monarquia, salvo os pequenos problemas
durante a Guerra Franco-Prussiana e algumas questões de limites. Do ponto de
vista das relações culturais, a influência francesa foi sentida durante todo o século
XIX e é muito anterior ao período de Universalismo dos anos 1870-1889.
Especialmente nas artes plásticas, a vinda da Missão Francesa no começo do
século e sua permanência durante todo o período Imperial promoveram com êxito
o ensino de esquemas acadêmicos no desenho, na pintura, na escultura e na
arquitetura. (BOSI, 2012, p.227-228)
Na elite Imperial, as representações externas dominantes em todos os
aspectos da vida social e cultural pertenciam à França. A literatura consumida no
país, artigo de luxo em uma sociedade composta de uma pequena elite cercada
por analfabetos, era prioritariamente francesa, sendo que mesmo os romances
ingleses eram traduções francesas. Com exceção de Darwin e Spencer, os
pensadores franceses como Auguste Comte, Ernest Renan Arthur, Conde de
Gobineau, predominavam na vida intelectual da fase final do Império. Apenas a
ópera italiana era mais apreciada do que a francesa nos teatros cariocas e de
outras cidades brasileiras. Na moda, as tendências parisienses eram as mais
procuradas na Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro. (BETHELL, 2012,
p.153)
Grandes políticos, letrados e até o Imperador tinham grande fascínio
pela representatividade da França na história. A capital francesa, Paris, exercia
grande admiração entre a elite Imperial. Joaquim Nabuco, apesar da sua notória
preferencia por Londres, afirmava ser quase impossível chegar pela primeira vez
em Paris e tornar-se indiferente ao maravilhoso que o surpreende a cada passo.
Independente do seu gosto pessoal reconhecia que Paris “foi, e é (era) a paixão
cosmopolita em redor de nós”. (NABUCO, 1963, p. 50-84)
106
Nas trocas comerciais, a supremacia das importações francesas feitas
pelo Império eram de artigos que vestiam e alimentavam o brasileiro, além de
itens para uso doméstico e nas estruturas de produção aqui residentes. As
mercadorias variavam, com preeminência de manufaturas e tecidos, além de
vinhos, manteiga, vestes e produtos industrializados em geral. As exportações
acompanhavam o resto das operações com as potências centrais, com grande
primazia do café, conquistando em alguns exercícios fiscais, inclusive, superávit
nas relações comerciais. (DEVEZA, 2004, p.198-200)
No campo diplomático, o Governo Francês, por meio da legação
brasileira em Paris, solicitou ao Governo Imperial que auxiliasse na comissão
mista para tratar de reclamações de nacionais francesas que sofreram perdas
durante a Guerra de Secessão Americana. A comissão mista seria composta por
três membros, sendo um francês e outro americano, e o terceiro nomeado por
uma terceira potência, nesse caso por comum acordo indicado pelo Imperador do
Brasil. O governo Imperial aceitou o convite e os trabalhos se estenderam até 31
de Março de 1883, e a escolha do Império recaiu sobre o Barão de Arinos,
ministro plenipotenciário em Bruxelas, mostrando o prestígio externo do Império e
o alcance do Universalismo do período. (RRNE, 1879, p.11-12)
Em outra oportunidade, o Governo Francês, por meio da sua legação
no Rio de Janeiro, em detrimento de uma guerra da França contra a China,
classificou o arroz entre os artigos de contrabando, mas que, para não prejudicar
o comércio dos países neutros, admitia que continuasse a ser livre a
comercialização destinada apenas aos portos do Sul do Império Chinês. O
Império, não entendendo o arroz por artigo reputado à guerra, ou seja, sairiam
das regras conveniadas em artigos anteriores entre os dois países, julgou do seu
dever chamar atenção dos franceses sobre a matéria em nota do dia 24 de Abril
de 188528. Apesar de nessa correspondência reafirmar essa resolução, não
comprometia os interesses do Império, uma vez que parecia improvável que
28
Nota do Governo Imperial à Legação da República Franceza (1884)
107
navios brasileiros fossem a China e ali se empregassem no transporte de arroz;
ainda assim, pedia atenção para que se evitasse qualquer situação que pudesse
comprometer interesses brasileiros legítimos na região. (RRNE, 1884, Anexo I,
p.57-58)
Por fim, houve um incidente em 1886, classificado por Delgado de
Carvalho como “um acontecimento mais cômico do que sério no Amapá”. O
incidente tem origens que remontam o período colonial e estava em litígio as
áreas na fronteira norte do país com a Guiana Francesa. A questão teve início
quando um geógrafo francês, Jules Gros, fundou uma república no contestado: a
República do Cunani, com um Ministério e uma ordem honorífica, a “Estrela do
Cunani”. A nova vizinha do Brasil teve pouca duração, mas motivou alguns
protestos da parte do Governo Francês que tomou para si a defesa da região, não
gerando grandes consequências. (CARVALHO, 1959, p.203)
Por fim, no apagar das luzes do regime monárquico, o Brasil teria uma
participação importante na Exposição Universal de Paris, em 1889. Originalmente
concebida em um formato nacional, no intuito de comemorar o centenário da
Revolução Francesa, foi fortemente criticada pelos monarquistas e passou a
sofrer o boicote das principais casas reais da Europa. O Império havia por um
decreto de 1888 autorizado a criação de uma comissão para o evento, com um
gasto de até 300 contos de réis, mas chegou a hesitar quanto a sua participação.
Depois de muita discussão, e com restrições orçamentárias, o Brasil, a última
monarquia da América, aceitou participar da exposição. (ALMEIDA, 2001, p.240242)
Para a exposição, a comissão brasileira preparou uma grande obra de
apresentação do Brasil, Le Brésil em 1889, além de um pavilhão em três andares
de ferro e vidro, inaugurado em 14 de Junho de 1889. O projeto foi assinado pelo
renomado arquiteto francês Louis Dauvergue, ocupando 1.2 mil metros quadrados
em uma ótima localização perto da Torre Eiffel, mostrando um país progressista,
recém-emancipado da questão escravista, em pleno desenvolvimento econômico
e moderno. O sucesso e a impressão positiva causada foram tão grandes, a
108
ponto de ter ocorrido uma verdadeira consternação da opinião pública francesa
com a queda da monarquia, já nos momentos finais da exposição na capital
parisiense.
3.3 As Relações com a Santa Sé
A constituição de 1824 referendava o Catolicismo como sendo a religião
oficial do Império29, o que trazia consequências imediatas nas relações com as
autoridades da Igreja em Roma. (CALÓGERAS, 1957, p. 348-351) No Brasil,
diferente do ocorrido em várias repúblicas hispânicas, as duas instituições
conviveram com relativa harmonia e respeito mútuo. A grande mudança ocorreu
quando o Papa Pio IX (1846-1878) mudou as diretrizes da Igreja e estabeleceu a
autoridade suprema do papado. Como efeito dessa mudança, os bispos e padres
no Brasil começaram a se rebelar contra a subordinação do Estado.
O conflito se iniciou na sentença do Bispo de Olinda, Dom Vital, que
julgou interditada uma irmandade da cidade de Recife por não ter afastado os
membros notoriamente maçons (5 de janeiro de 1873). A irmandade viu-se na
impossibilidade de cumprir o mandato episcopal, e o Bispo impôs à corporação a
pena de interdito. No Pará, o bispo Dom Antônio de Macedo Costa agiu de forma
idêntica (março de 1873). A irmandade recorreu, segundo as leis do Império, à
Coroa. Interpelado pelo presidente da província, o Bispo limitou-se a declarar que
semelhante recurso era condenado por várias disposições da Igreja, preferindo
assim deixar sua causa à revelia, a dar uma prova de submissão às leis do país.
Depois de ouvir o Conselho de Estado, o Imperador por meio do Ministro do
29
Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas
as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso
destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO
BRASIL DE 25 DE MARÇO DE 1824)
109
Império respondeu que o ato foi uma desobediência formal das leis imperiais,
declarando, em suma, que as atitudes foram completa oposição aos poderes do
Estado. (CALÓGERAS, 1957, p. 351-360)
O Governo, para evitar o agravamento do conflito, resolveu enviar em
missão especial o Ministro plenipotenciário do Brasil em Londres, Barão de
Penedo. As ordens dadas a ele eram de procurar obter que o Papa deixasse de
instigar os bispos à sua desobediência e, ao contrário, aconselhá-los que agissem
em conformidade com os preceitos constitucionais e com as regras de
convivência entre as relações da Igreja e o Estado. O Império usava da política
externa como instrumento de solução interna, algo que se mostrou vital durante
aqueles anos. (CALÓGERAS, 1957, p. 360-363)
As instruções no trato com os representantes da Santa Sé davam o
tom das animosidades:
(...)tanto nas conferencias que tiver, como nas
communicações que dirigir ao cardeal secretario, usará V. Ex. de uma
linguagem moderada, mas firme. O Governo Imperial não pede favor,
reclama o que é justo e não entra em transacção. (RRNE, 1873, p.42)
Dando continuidade às instruções, foi informado que em paralelo à
missão com o Papa, o Governo Imperial ordenou abertura do processo contra o
Bispo de Pernambuco e, deixando claro sua intenção, se necessário, de
empregar outros meios legais para solucionar o caso.
Em Roma, o enviado brasileiro dirigiu-se aos representantes da Santa
Sé em inúmeras conferências e conversas sobre o caso. Em oficio de 25 de
Novembro de 1874, o Barão de Penedo comunicava a solução final da questão,
como a mais “completa e satisfaria possível”. Com desfecho das negociações,
ficou acertado que o Papa estaria disposto a empregar os meios que julgasse
apropriados para por fim ao “deplorável conflito”. Dentre os métodos que ele se
referia estava uma carta que seria endereçada ao bispo de Olinda, fazendo
110
censuras sobre seu posicionamento e recomendando que levantasse os interditos
lançados sobre as igrejas da sua diocese. (RRNE, 1873, p.42)
A carta que seria enviada ao bispo foi mostrada ao Barão de Penedo e
declarava que a atitude do bispo causara ao Santo Padre um grande pesar. Dizia
que o bispo entendera mal as instruções da Santa Sé, e que se houvesse a
tempo o consultado sobre o assunto, teria lhe poupado essa amargura. Por fim, o
Papa ordenava que restabelecesse o antigo estado das coisas, ou seja, a volta da
paz da Igreja com o Estado Imperial.
Permanecia ainda o problema do julgamento do Bispo. O Barão
afirmou não ter levado a questão aos encontros, já que seria demais pretender
que a Santa Sé reconhecesse o direito que, segundo a Igreja, só ela tem direito.
Dom Vital foi preso em 24 de janeiro de 1874 e enviado ao Rio de Janeiro, onde
pouco depois, foi condenado a quatro anos de prisão com trabalho forçado, algo
que ocorreria em breve com o bispo do Pará, também envolvido com a questão.
No Supremo Tribunal de Justiça e durante a sentença proferida, o
representante apostólico no Brasil afirmou ser essa uma violação dos direitos e
leis da Igreja, especialmente da imunidade eclesiástica e protestou contra o
pretenso abuso. A resposta do Império foi enérgica, e em uma nota do Governo
Imperial aos representantes apostólicos do dia 1ª de Março de 187430, disse:
O tribunal, que julgou o Rev. Bispo de Olinda e que há de
julgar o do Pará, é o Supremo Tribunal de Justiça do Império, por nossas
leis competentes; e esta competência não depende do juízo de nenhuma
autoridade estrangeira, seja ella qual fôr. (RRNE, 1874, Anexo I, p.307308)
O protesto foi considerado pelo Império impertinente e nulo, e como tal
sem capacidade de produzir algum efeito, no entanto, o conflito entre a Santa Sé
e o Brasil não se resolveu com a resposta. Em nota do cardeal secretário de
30
Nota do Governo Imperial à Nunciatura Apostólica, 01/03/1874.
111
Estado à Legação Imperial junto a Santa Sé, do dia 30 de Março de 1874,
afirmava que:
(...) o sr. barão de Penedo assegurou (...) que seu Governo
não tomaria medida alguma desagradável entre o bispo de Pernambuco
e, era muito natural que assim acontecesse, achando-se pendentes as
negociações entre a Santa Sé e o Governo Imperial. (RRNE, 1873, p.44)
O Governo Imperial alegou que não duvidava das palavras do
Secretário de Estado de Sua Santidade, mas não podia deixar de ter inteira fé ao
seu agente, cujas informações contrariam aquela versão. O Governo afirmou que
sabendo a Santa Sé da inteira independência dos poderes políticos do Estado, e
tendo conhecimento que uma vez o processo instaurado, devia seguir todos os
trâmites legais, não deveria ser surpresa o ocorrido. Por fim, alegou ser
impossível ao Barão de Penedo ter feito uma promessa que não estava
autorizado e que em nenhum caso seria cumprida. Além disso, reafirmava que
nos ofícios trocados entre a Santa Sé e o Império, havia a informação do
procedimento judiciário, e a surpresa do representante do papado deve ter ficado
a cargo de pensar que apenas as palavras do Santo Padre poderiam resolver por
si só a questão.
Em seguida o Papa enviou uma carta ao Imperador ameaçando-o com
o juízo divino que: "quanto mais alto estiver alguém, mais severo será o ajuste de
contas". Em uma análise política precisa, o Santo Padre também disse que
"Vossa Majestade (...) descarregou o primeiro golpe na Igreja, sem pensar que ele
abala ao mesmo tempo os alicerces do seu trono". A Questão Religiosa só iria se
resolver definitivamente em 1875, durante o Ministério de Caxias, quando este
obtém do Imperador a anistia aos religiosos, porém, o estrago causado seria
permanente e fundamental para a derrocada do regime. (BARROS, 1974, p. 362363)
112
3.4 As Relações com a Grã-Bretanha
Se a face subordinada e liberal tinha um grande farol, não podia ser
outro que não o britânico. Apesar de se enquadrar dentro do Universalismo
daqueles anos, as relações com a Grã-Bretanha são anteriores e fundamentais
na compreensão do Brasil. O tema basilar das relações do Império com os
ingleses se centrou historicamente na discussão acerca da natureza desse
vínculo, ou seja, se o Brasil teria ou não sido um mero interlocutor dos interesses
britânicos na América do Sul, em especial na região do Prata. A árdua disputa
pelo entendimento do verdadeiro caráter dessa relação entre os dois atores não
chegou a nenhum consenso, mesmo que tenha se conveniado por alguns setores
da intelectualidade atribuir ao Brasil um papel de representante de uma espécie
de Império informal britânico. Por outro lado, grandes nomes como Oliveira Lima,
no capítulo sobre o Império e a Política Exterior da obra O Movimento da
Independência – O Império Brasileiro (1821-1889) sentencia que a Grã-Bretanha
“nunca exerceu sobre o Brasil a espécie de protetorado que sob o disfarce de
aliança de há séculos exerce sobre Portugal.” (LIMA, 1962, p.468)
De qualquer forma, o Império gozou nos últimos anos de uma inegável
margem de autonomia frente à política externa britânica, especialmente após a
extinção do tráfico negreiro, o reatamento das relações diplomáticas depois do
término da Questão Christie (1862-1865) e o apaziguamento das disputas
regionais, originando uma relação entre os dois países no mínimo amigáveis.
O Império sempre lidou de forma extremamente dual em relação às
requisições inglesas: era corriqueiro estes fazerem exigências exorbitantes, e em
geral, a diplomacia do Império respondia verbalmente e publicamente manifestava
suas intenções de satisfazer aos pedidos; por outro lado, usava do expediente de
adiar, procrastinar e tornava insignificante grande parte da substância objetivada
pelos britânicos. A única diferença se dava quando as forças internas se
somavam aos pedidos britânicos ou quando entendia ser necessário realmente
tomar determinada posição, o Império cedia. (GRAHAM, 2004, p.168-172)
113
Apesar de a relação de subordinação ser o elemento condicionador
das ligações entre os dois Estados, o Brasil parecia usar desse expediente para
de alguma forma resguardar um pouco de sua autonomia frente ao poder
britânico. Esse recurso não invalida o paradigma e sua face subserviente ao
capitalismo europeu, mas demonstra que a simplificação da análise pode resultar
em sínteses que não levam em conta toda a realidade.
As questões econômicas, especialmente comércio e investimentos,
eram sem dúvidas, as matérias essenciais entre os dois países naqueles anos.
Não que se possam ignorar as esferas de influência cultural, sobretudo nos
núcleos da intelectualidade brasileira, entre eles Rui Barbosa e Joaquim Nabuco,
esse último, confesso apaixonado pelos ingleses e grande apreciador das suas
instituições. De qualquer forma é incontestável terem sido os interesses britânicos
no Império de ordem acentuadamente econômico, incluindo nesse contexto a
questão da escravidão, tão cara à diplomacia destes. A Lei do Ventre-Livre, em
1871, muito deve à pressão britânica, fruto de uma das mais acirradas
controvérsias entre o Brasil e a Inglaterra, que era a questão servil.
As relações econômicas da Grã-Bretanha com o Brasil, e com toda a
América Latina durante os anos de 1870 e de 1880, representaram uma época de
ouro para esses países, especialmente pelo salto exponencial dos setores da
economia baseados na exportação. Essa explosão se deu, especialmente, pelo
aumento da demanda (inclusive inglesa) de gêneros alimentícios e matériasprimas, que só foi possível pela revolução comandada pelos britânicos nas
comunicações e nos transportes, além da maciça entrada de capitais daquele
país. O tamanho dos investimentos estrangeiros na América Latina é difícil de
mensurar, porém, há algum consenso de que o investimento britânico era de ao
menos 200 milhões de libras em 1880, sendo que quase um quarto de valor seria
investimento no Brasil. Naqueles anos era desnecessária qualquer interferência
direta nos assuntos da região, e em especial do Império, uma vez que o avanço
das relações econômicas fazia das intervenções diretas absolutamente
dispensáveis. Usualmente as elites viam com muito bons olhos a penetração do
capital britânico, recebendo daquela fonte os benefícios da modernização
114
capitalista, parecendo ser essa uma das explicações mais elementares do
Universalismo daqueles anos para com o centro do sistema capitalista.
(BETHELL, 2009, p.582-598)
A situação britânica, no entanto, não foi isenta de dificuldades e
desafios. As ameaças alemãs e especialmente norte-americanas incomodavam a
primazia comercial na região, apesar de até o derradeiro momento da queda da
monarquia, os investimentos de nenhum deles tirarem a soberania do capital
britânico. No comércio imperavam as importações de produtos manufaturados,
especialmente têxteis, artigos de algodão, mesmo quando as manufaturas têxteis
brasileiras começaram a produzir sua própria roupa. Vários artigos de produção
também vinham da Grã-Bretanha, e isso contribuía para aumentar a dependência
estrutural da economia brasileira àquele país.
As exportações de café para com os britânicos nunca alcançaram os
patamares que o mercado americano possuía, sendo que somente com o
aumento da produção de borracha que o mecanismo exportador brasileiro voltou
a vender produtos em grande escala. Nessas condições deficitárias, as
importações deveriam ser pagas por outros meios pelo Império. Um dos meios
mais
relevantes
desse
pagamento
consistia
nos
lucros
obtidos
pelos
comerciantes britânicos no Brasil. Em meados de 1870, a sociedade de Philips
Brothers & Co. exportava anualmente cerca de meio milhão de sacas de café,
avaliadas em 2 milhões de libras esterlinas, e outra importante sociedade
mercantil, a de E. Johunston & Co. abriu uma filial em Santos em 1881, sem
contar as múltiplas empresas de transporte, que praticamente monopolizavam os
fretes internacionais dos produtos brasileiros. Além disso, as casas bancárias,
empresas de serviços urbanos, as ferrovias, ou seja, quase todos os serviços
essenciais tinham presença hegemônica do capital direto britânico, e assim o foi
durante todo o período final do Império. (GRAHAM, 2004, p.172-180)
Na diplomacia, o caso das Guianas merece alguma atenção. A origem
deste litígio se deu quando um alemão chamado Schombourg fez nos anos de
1836 e 1838 algumas viagens e explorações pelo Rio Branco, e pela Guiana
115
Britânica, sobre a qual escreveu uma obra intitulada A descripition of British
Guyna, publicada em 1840 na capital britânica. Pouco depois da sua partida para
a Inglaterra, um missionário inglês chamado Youd saiu de Demerára e
estabeleceu uma missão no campo do Pirára. O Presidente da província do Pará,
à qual pertencia o território naquele momento, tendo conhecimento do ocorrido,
ordenou que um oficial acompanhado de uma escolta intimidasse o missionário a
voltar para os territórios de possessão britânica. A execução dessa ordem gerou
longas discussões, na qual o governo britânico declarou ao Brasil que os índios
de Pirára, que por ele considerava independentes, tinha se colocado sob sua
proteção.
O impasse terminou temporariamente com um acordo provisório, cujas
principais condições eram o Brasil retirar qualquer destacamento da região,
reconhecer provisoriamente a neutralidade do território, sob a condição de ficarem
as tribos de índios independentes e de posse exclusivamente do terreno até a
decisão definitiva dos limites. Em 1843, não se tendo um acordo sobre as bases
de um tratado definitivo, foi mandado a Londres o Conselheiro Araujo Ribeiro,
depois Visconde de Rio Grande, para negociar um sobre limites com a Guiana
Britânica. A negociação foi interrompida pelos britânicos, e o território ficou
neutralizado.
Em 1887, sendo o Barão de Cotegipe o Ministro dos Negócios
Estrangeiros, expediu à legação Imperial em Londres instruções para propor um
ajuste por meio de uma comissão mista encarregada de reconhecer o dito
território, como um ato preparatório para um tratado definitivo de limites. Houve
grande esforço para a resolução da contenda pela região, especialmente em
1888, quando uma tentativa feita pelo Barão de Penedo junto ao Lord Salisbury
para a nomeação de uma comissão mista encarregada de reconhecer o território
litigioso, mas não surtiu efeito algum. (CARVALHO, 1959, p.212) A definição só
se daria em 1904, mediante arbitragem do rei da Itália, Victor Emanuel II, que
alegou ser impossível definir qual o direito preponderante na região litigiosa,
resolvendo assim dividi-la.
116
3.5 O Problema da Mão-de-Obra
Nenhum assunto ocupou maior atenção dos homens do Império
naqueles últimos anos de regime monárquico do que o sistema servil. A
escravidão era a contradição mais essencial da sociedade brasileira, uma vez que
a sua autoimagem, projetada pelas velhas elites, especialmente sobre os
vizinhos, traziam no Império a ideia de civilização e luzes. O fim da Guerra do
Paraguai trouxe uma nova fase nas questões abolicionistas, e sua luta contra “o
cancro que roía as entranhas da sociedade brasileira”, como bem definiu José
Bonifácio. (CARVALHO, 2007, p.130)
Desde a Guerra de Secessão Americana, o Imperador já havia
demonstrado interesse em resolver a questão escravista, ao menos sobre os
filhos de escravos nascidos no Brasil. A tese sustentada pelos defensores da
alternativa gradual de eliminação da mão-de-obra escrava residia no argumento
de que controlando e eliminando a vinda de novos cativos para o Brasil, com a
posterior iniciativa do ‘Ventre Livre’, a prática se erradicaria naturalmente. Seria
uma forma de conter os movimentos abolicionistas que passaram a cada vez
mais encampar a sua luta no cenário político Imperial.
Para a diplomacia era grande o desafio. A pressão vinha de
importantes setores da opinião pública interna, além das pressões externas
originadas especialmente pela Inglaterra e no final da década de 1880 da Santa
Sé. Incapaz de evitar as consequências da manutenção da escravidão, coube à
diplomacia o papel naquelas duas décadas de potencializar qualquer avanço
rumo à abolição e ao mesmo tempo trabalhar para garantir que não faltasse mãode-obra. Em mais um caso, a face Universalista externa deveria agir para garantir
e solucionar as demandas internas.
117
Por ocasião da promulgação da lei de reforma servil, pela Lei nº2040
de 28 de Setembro de 1871, a ‘Lei do Ventre Livre’31, o Império recebeu diversas
congratulações por parte das legações estrangeiras e consulados, que felicitaram
por haver adotado uma tão importante reforma econômica e social, algo que “não
podia deixar de ser acolhida com satisfação pelas nações civilizadas”.
Aproveitando a oportunidade, as legações brasileiras na Europa e na América
manifestaram a satisfação que causou ao Império a realização de uma medida
tão importante para o futuro do Brasil. (RRNE, 1871, p.28)
Foram muitas as trocas de ofícios e notas oficiais congratulando o
Império pelo avanço na emancipação, demonstrando a pluralidade das relações
do Brasil naquele momento. Dentro os principais foram: a Santa Sé, Portugal,
Estados Unidos, França, Rússia, Alemanha, Itália, Bélgica, Áustria, Espanha,
Peru, Uruguai, Chile, Argentina, Países Baixos, Suécia, Noruega, Baviera,
Dinamarca, Suíça e Bolívia.
O conteúdo pouco variou entre elas, que de forma sintética se
mostravam extremamente alegres com a iniciativa do país estar lidando com
tamanho problema. A Legação portuguesa, por exemplo, felicitou o Império por
ser “de agora em diante livres todos os que nascerem nas terras de Santa Cruz”,
e dessa forma elevando o país no conceito de “todos os povos cultos”.32 O
representante alemão, Hermann Haupt, ressaltou o fato de o Brasil ter resolvido
pacificamente e espontaneamente uma questão, que “tem custado a outros
países rios de sangue e profundos abalos”.33 O encarregado Thomaz Clement
Cobbold, da Grã-Bretanha, ressaltava que a promulgação daquela lei contribuiria
para fortalecer os laços de amizade entre os dois povos, em clara alusão à
histórica requisição britânica para que o Império acabasse com a instituição
31
Art.1º - Os filhos da mulher escrava, que nasceram no Império desde a data desta lei, serão
considerados de condição livre. Lei nº2040 de 28 de Setembro de 1871.
32
Nota de S. Magestade Fidelissima de Portugal ao Governo Imperial, 28/08/1871.
33
Nota da Legação da Alemanha ao Governo Imperial, 30/09/1871, RRNE, 1871.
118
escravocrata.34 (RRNE, 1871, Anexo I, p.402-412) O governo Imperial fez questão
de responder a todos com o agradecimento devido e trabalhou para potencializar
o prestígio externo conquistado com essa medida.
Internamente, não obstante, a Lei do Ventre Livre mostrava-se tacanha
perto das pretensões dos abolicionistas e setores da sociedade favoráveis a
abolição imediata. As maiores críticas versavam sobre seu dispositivo legal que
respeitava o princípio de inviolabilidade do domínio do senhor sobre o escravo,
além de efetivamente ter proporcionado um avanço questionável. (NABUCO,
2000, p.3-6) Após período de apatia sobre o assunto, o movimento abolicionista
fundou em setembro de 1880 a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, com
participação ativa de Joaquim Nabuco, que faria dessa a maior luta de sua vida.
O declínio da população escrava, apesar de ainda não estar
emancipada como gostariam os grupos abolicionistas, era perceptível. Em 1874,
a população escrava no Brasil era de 1.540.829; em 1884 eram 1.240.806, e em
1887, ou seja, nos últimos momentos antes da abolição, a população era de
723.419. O aumento dos preços dos escravos e a falta que sentiam as áreas
cafeeiras da região Sudeste, especialmente São Paulo, de mão-de-obra para a
produção rural fizeram com quem houvesse uma procura enorme por alternativas
além da escravista. Ainda assim, contrariando o movimento geral de praticamente
todas as regiões brasileiras, São Paulo passou a usar cada vez mais desse tipo
de força de trabalho, sendo que no período de 1874, com 80.000 escravos, a
província passa a 107.329 pouco antes da Lei Aurea. (REIS, 2000, p.91)
A sensação geral de que a manutenção da escravidão seria temporária
e que a solução de trazer escravos de outras regiões do país era apenas
paliativa, levaram os fazendeiros de café e seus representantes no governo a
pensar seriamente a partir dos anos 1870 e 1880 em uma alternativa viável para a
agricultura do Império. A preferência notória sempre foi pela mão-de-obra
europeia, especialmente pelos laços civilizatórios e pelas teses carregadas de um
34
Nota da Legação da Grã-Bretanha ao Governo Imperial, 02/10/1871.
119
grande componente racista, onde predominaria a ideia de transformar a
população negra em branca por meio da imigração. Não era essa a primeira
iniciativa, sendo que elas remontam desde os primeiros anos do Império, contudo,
por conta da distância, da língua e o caráter exótico, o potencial imigrante não se
sentia tentado a se aventurar no Brasil.
Apesar das dificuldades, a crise europeia e a mudança nas matrizes
econômicas auxiliou o Império na recepção de estrangeiros a procura de uma
melhor oportunidade de vida. O grande problema é que a quantidade de
imigrantes ainda era incipiente para compensar as dificuldades em substituir a
mão-de-obra escrava, e até a década de 1880, São Paulo, o maior polo de
necessidade de braços para a lavoura, só havia recebido algumas centenas de
imigrantes ao ano. (IBGE, 1960)
A Repartição dos Negócios Estrangeiros foi mobilizada para auxiliar na
empreitada. Em 1872, o regulamento consular preocupado com a atração cada
vez mais necessária de imigrantes e recomendava que os Cônsules se
esmerassem em indagar se havia “pobres robustos, trabalhadores e diligentes no
serviço, entre criados de servir, lavradores, ferreiros, carpinteiros, pedreiros e
mais ofícios mecânicos dispostos a emigrar.” (CASTRO, 2009, p.146)
As grandes dificuldades não paravam por ai. Teve a diplomacia
Imperial de lidar com inúmeros casos problemáticos que comprometeriam a já
complicada imigração ao Brasil. Em um deles, a Legação alemã, por nota de 28
de Abril de 1872, protestou contra o fato de um padre católico ter casado duas
mulheres alemãs da colônia de Santa Leopoldina mesmo sabendo que elas eram
casadas com protestantes. O assunto foi levado ao Conselho de Estado e seu
parecer foi: Primeiro - Que o sacerdote católico, pelo fato de conferir matrimônio,
violou os cânones aceitos no Brasil, e, além disso, incorreu em criminalidade, não
podendo, contudo, ser processado senão por queixa dos ofendidos; Segundo Que as ditas alemãs cometeram poligamia, e podiam ser processadas mediante
ação pública ou particular; Terceiro - Convinha chamar atenção aos bispos
brasileiros para os inconvenientes de ordem pública, que poderiam acarretar fatos
120
semelhantes, comprometendo inclusive a imigração alemã ao Brasil. (RRNE,
1873, p.45-46)
Outros problemas se seguiram. Em agosto de 1875, uma circular do
Governo da França publicou um ato proibindo a imigração para o Brasil, por
necessidade de proteger seus cidadãos contra abusos de alguns agentes de
colonização. Poucos colonos franceses vinham ao Brasil, sendo a questão de
importância moral, e talvez por isso muito maior do que parecesse à primeira
vista. O problema aumentou quando em setembro de 1875 o Governo Italiano
também tomou a mesma medida. A legação em Roma foi instruída a interceder
sobre o caso e recebeu a resposta do que a imigração era livre, mas a medida era
destinada apenas a impedir abusos por parte de agentes de imigração. Pouco
depois houve mudança de ministério na Itália, e o novo Ministro do Interior
expediu outra circular, substituindo a primeira por uma série de dispositivos para
prevenir abusos, mas respeitando o direito de imigração a todos os italianos.
Entre esses e outros problemas, o relativo insucesso na atração de
imigrantes europeus durou até a abolição da escravidão, incitando o Governo
Imperial a considerar a importação de força de trabalho chinesa. A prática não era
nova, já que naquela mesma época os Estados Unidos faziam uso do mesmo
expediente, os chamados coolies, trazidos para a construção das grandes linhas
ferroviárias que deviam unir as duas costas. Na América do Sul a prática não era
novidade, uma vez que o Peru também havia recorrido a essa saída. Pelo porto
de Callao, entre 1850 e 1874, haviam entrado no país um total de 87.952
trabalhadores chineses, mais de um quarto dos quais, 25.303, chegaram ao país
no biênio de 1871-1872. (BONILLA, 2001, p.556-557)
Em 1880, ao custo de 120 contos de réis especialmente alocados na
ocasião, decidiu-se enviar uma missão diplomática especial à China. (ALMEIDA,
2001, p.364) Na esfera interna, longos foram os debates sobre o assunto. O alto
custo da missão à China e as disputas acerca da imigração levaram a
apaixonados debates nas tribunas parlamentares. O grande adversário da
proposta era Joaquim Nabuco, e mais tarde, Alfredo d’Escragnolle Taunay, sendo
121
o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Antônio Moreira de Barros, o principal
defensor da empreitada.
A oposição à imigração chinesa contava com algumas das maiores
inteligências da época, que souberam combatê-la com grande veemência,
dissuadindo as diversas vozes no confronto de ideias do Parlamento. Os
argumentos eram de várias naturezas: políticos, econômicos, históricos,
biológicos e até mesmo racistas. (CERVO, 1981, p.178-180) Em um dos
momentos de maior exaltação, na sessão do dia 3 de Setembro de 1879, Nabuco
afirma que:
Perguntei em primeiro lugar se os chins eram reclamados
pela lavoura e provei que não. A lavoura do Norte não os quer, a lavoura
do Sul não os pediu. Mas, sendo os chins reclamados pela lavoura,
serão eles convenientes? Não, por muitos motivos: etnologicamente,
porque vêm criar um conflito de raças e degradar as existentes no país;
economicamente, porque não resolvem o problema da falta de braços;
moralmente, porque vêm introduzir na nossa sociedade essa lepra de
vícios que infesta todas as cidades onde a imigração chinesa se
estabelece; politicamente, afinal, porque, em vez de ser a libertação do
trabalho, não é senão o prolongamento, como até disse o nobre ministro,
do triste nível moral que a caracteriza e a continuação ao mesmo tempo
da escravidão. (NABUCO, 2010, p.241)
Nabuco após uma série de antagonismos nos discursos, ao mesmo
tempo exalta e rebaixa os povos asiáticos, apelando às leis da evolução das
espécies, e conclui que se viessem os chineses, aos poucos iriam dominar a
civilização ocidental, transformando-a em uma civilização imóvel e asiática. O
medo de que a lógica de escravidão se reconstituísse também estava na sua
tese, uma vez que vários chineses que foram para Cuba, Peru e Hong Kong
tinham contratos que se assemelhavam ao sistema escravista. Moreira Barros foi
à tribuna e refutou as ideias de Nabuco, que por vezes subiu a tribuna para
defender-se. Ainda assim, o crédito para a viagem foi aprovado, mesmo sob
fortes protestos de vários setores políticos.
Com os valores disponíveis para a viagem, a delegação estava
incumbida de propor, negociar e concluir um tratado de amizade, comércio e
122
navegação com a China. Além disso, havendo possibilidade, se atentasse
também a demanda crescente por imigrantes de trabalhadores agrícolas, cada
vez mais escassos depois das últimas reformas no trabalho escravo. Para este
fim foram nomeados em caráter de enviados extraordinários o ministro
plenipotenciário Eduardo Callado, então ministro residente no Paraguai, e o Chefe
de Divisão Arthur Silveira da Motta.
Um primeiro acordo com a China foi firmado em 5 de Setembro de
1880, que os brasileiros aceitariam, se não fosse possível realizar mais algumas
alterações. A tentativa que se fazer novas negociações foi bem sucedida em
quase todos os pontos submetidos à revisão, e o novo tratado então foi aprovado
e assinado em 3 de outubro de 1880, pelo representante brasileiro Callado.
Estava prevista a promulgação para alguns meses após ter sido assinado e
aceito, uma vez que por conta da grande distância, a demora tornava-se
inevitável. Na segunda fase da negociação, o governo pode corresponder-se com
o representante brasileiro pelo telégrafo.
O tratado foi finalmente promulgado pelo decreto nº8651 de 24 de
Agosto de 188235 e tinha como os principais artigos: 1º Tratado afirmava que
haveria paz perpétua e amizade entre os Impérios do Brasil e da China, além de
estar livre de um para outro o transito de súditos, inclusive para residência; 2º
Para facilitar as relações dos dois Estados, ficaram acertados que se julgasse
conveniente, os dois poderiam trocar nas respectivas capitais representantes
diplomáticos, gozando dos dois lados de todas as prerrogativas, isenções e
imunidades concedidas aos agentes diplomáticos; 3º A troca de consulados para
os portos e cidades mais importantes também estaria resguardada; 4º e 5º O
trânsito e o comércio poderiam ser efetuados por súditos dos dois países,
conforme regras pré-estabelecidas; 6º Os súditos e navios mercantes das duas
nações contratantes ficariam sujeiras, nos portos abertos da outra, aos
35
Tratado de amizade, commercio e navegação celebrada entre o Brazil e a China em 03/10/1881
– Promulgado 24/06/1882.
123
regulamentos comerciais em vigor, ou que pudesse vir a vigorar. (RRNE, 1882,
Anexo I, p. 41-52)
Além disso, os súditos dos dois países não seriam obrigados a pagar
imposto de importação ou exportação mais elevada do que pagavam os súditos
da nação mais favorecida; Artigo 7º Os navios de guerra de cada um dos dois
Estados seriam admitidos nos portos do outro, e seriam tratados no mesmo pé
que os da nação mais favorecida. Os comandantes dos navios de guerra
brasileiros, na China, tratariam em pé de igualdade com as autoridades locais; 9º
Os brasileiros na China que tivessem qualquer motivo de queixa contra algum
chinês, deveriam se dirigir-se ao cônsul brasileiro. Se um chinês tivesse alguma
reclamação contra um brasileiro na China, deveria o cônsul brasileiro ouvi-lo e
esforçar-se por fazê-los chegar a um acordo amigável. 10º Os súditos brasileiros,
na China, que cometessem algum crime contra súditos chineses, seriam presos
pela autoridade consular e punidos pelas leis brasileiras. Os súditos chineses que
fossem culpados de um ato contra brasileiros na China, seriam presos e punidos
pelas autoridades chinesas. Em regra geral, todo o processo civil ou criminal na
China, deveria ser julgado em conformidade com as leis e pelas autoridades da
nação a que pertencia o réu acusado. Se, na China, qualquer súdito chinês fosse
autor ou cumplice contra algum súdito brasileiro, a autoridade chinesa informaria
o fato a autoridade consular brasileira e ambas nomeariam agentes para a
captura dos criminosos, os quais não poderiam ser protegidos ou ocultados. 13º
Os súditos chineses no Brasil teriam livre acesso aos tribunais e justiça, ficando
sobre as regras brasileiras, e gozariam dos direitos e privilégios da nação mais
favorecida. (RRNE, 1882, Anexo I, p. 41-52)
O Brasil fazia seu tratado desigual, típico do período e extremamente
semelhante àqueles que as potências centrais impunham a diversos Estados ao
redor do mundo, conforme foi mencionado na introdução. O episódio, um dos
mais coloridos e interessantes do período, deixa com contornos claros as
justificas para o argumento do sentido Universalista da conduta internacional.
124
O grande objetivo da negociação, que era a introdução de
trabalhadores no Brasil em benefício da agricultura não foi alcançado diretamente.
Apesar dos esforços dos representantes brasileiros, houve grande resistência do
Governo Chinês, contudo, havia fé na capacidade do artigo 1º do tratado, que
versava sobre a capacidade dos súditos dos dois países contratantes poderem ir
de um Estado para outro residir, pudesse indiretamente ter o efeito esperado.
Ainda assim, a imigração pretendida não foi alcançada, sendo
considerada a missão um total fracasso para uma parcela dos deputados. Não se
pode, porém, atribuir total perda de tempo à missão brasileira na China, uma vez
que à resistência se deu por conta dos líderes chineses estarem àquela altura
sensibilizados com as campanhas de difamação contra os seus imigrantes. Por
isso, tomaram a defesa de seus súditos e não aceitaram o acordo, apesar de ter
conseguido garantir a abertura dos portos brasileiros ao comércio e a imigração
voluntária chinesa. (CERVO,1981, p.184-187) A imigração chinesa foi apenas
esporádica nos momentos derradeiros do Império, ainda que a imigração
europeia, especialmente portuguesa, italiana e alemã tenham aumentado
substancialmente.
Por fim, ainda faltava dar o último golpe na escravidão e destruir a
instituição escravista. Durante esse período, o Imperador teve de viajar à Europa
para tratamento médico, e em 1887, deixou a regência para sua filha Isabel.
Notoriamente favorável à abolição e uma católica fervorosa, fizeram com que
Joaquim Nabuco, um dos mais notáveis abolicionistas, políticos do Império e
ferrenho opositor da mão-de-obra chinesa, fosse por intermédio de amigos em
Londres visitar o Papa Leão XIII e solicitar uma Encíclica36 de condenação à
escravidão.
Nabuco sempre lastimou a neutralidade do clero perante a escravidão.
A sua esperança, e do partido abolicionista, só reacenderam quando por ocasião
do jubileu de Leão XIII, a Igreja publicou cartas convidando os seus diocesanos a
36
Mensagem dirigida pelo Papa, em formato de carta, a todos os fiéis católicos
125
oferecer como dádiva ao Santo Padre cartas de liberdade aos escravos. Ele sabia
que recorrer ao Papa inspiraria mais do que qualquer outra coisa a Princesa
Isabel a realizar o projeto de finalmente acabar com a instituição escravista, além
de considerar legítimo o uso da opinião pública mundial como arma contra esta.
Com cartas de apresentação assinadas pelo cardeal Manning, obtidas por seus
colegas da Anti-Slavery Society e Mr. Lilly, da União Católica Inglesa, foi
recepcionado pelo Pontífice. (NABUCO, 1963, p.222-224)
Em seu diário do dia 10 de Fevereiro de 1888, Nabuco escreveu:
Hoje, o Papa recebeu-me em audiência particular e
conversou cerca de uma hora comigo, prometendo-me publicar
brevemente a sua Encíclica aos bispos brasileiros contra a escravidão
(...) Não vi a mínima vacilação no seu espírito a respeito do modo de
pronunciar-se na questão. Interrogou-me sobre as disposições do
governo, dos partidos, da família Imperial, dizendo mais de uma vez:
‘Quando o Papa falar, [os católicos] hão de obedecer’(NABUCO, 2006,
p.258)
Leão XIII prometeu que publicaria a Encíclica o mais breve possível, mas
Nabuco esperava que fosse divulgado antes da abertura do Parlamento Imperial
em Maio, o que não se concretizou por pressões de Cotegipe junto ao Vaticano.
Apesar de tentar ao máximo protelar a publicação do conteúdo da Encíclica, seu
conhecimento se tornou público e contribuiu para a abolição da escravidão, pela
Lei Áurea de 13 de maio 1888.
A Princesa Izabel explicitava a importância do momento para a história do
país na Fala do Trono, em 3 de Maio de 1888:
Quando o próprio interesse privado vem espontaneamente
colaborar para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as
necessidades da lavoura haviam mantido confio que não hesitareis em
apagar do direito pátrio a única exceção que nele figura em antagonismo
com o espirito cristão e liberal das nossas instituições. Mediantes
providências que acautelem a ordem na transformação do trabalho,
apressem pela imigração o povoamento do país, facilitem as
comunicações, utilizem as terras devolutas, desenvolvam o crédito
agrícola e a aviventem a indústria nacional, pode-se asseverar que a
produção sempre crescente, tomará forte impulso e nos habilitará a
chegar mais rapidamente aos nossos auspiciosos destinos.(FALAS DO
TRONO, 1977, p. 504)
126
Terminada a escravidão, a grande maioria dos imigrantes, 60% em
1888/1889, eram de italianos em São Paulo, que colhia os benefícios por estar
desde a metade da década de 1880 subsidiando as passagens. O Censo de 1890
mostrava uma população de 22% de estrangeiros em São Paulo, a maior parte de
italianos, usados em grande escala na produção do café. Assim, os anos finais do
Império foram marcados pelo início em massa da imigração italiana, somando
uma nova dimensão aos múltiplos vínculos do Brasil com a Europa, e impactando
de forma aguda em várias esferas diplomáticas do período republicano.
(BETHELL, 2012, p.152-153)
3.6 As Relações com os Estados Unidos
Os Estados Unidos conquistaram sua independência da Grã-Bretanha
após uma sangrenta guerra de independência no século XVIII, com a ajuda do
então maior inimigo de sua ex-metrópole, a França. O primeiro Estado americano
era dominado e em grande escala ocupado por povos de origem britânica ou de
outras origens europeias. Seus valores e princípios vinham de uma tradição
extremamente marcada pelo pensamento europeu, sendo que a organização
política do Estado americano foi amplamente influenciada pelas ideias do Velho
Continente, apesar de boa parte da ideologia do novo Estado estar baseada na
ideia de superação e até mesmo antagonismo para com os europeus. (WATSON,
2004, p. 371)
Tornado poderoso pela expansão a partir da costa leste e dotado de um
sistema econômico e politico inovador, em um continente rico e virtualmente
inexplorado, os Estados Unidos já surgiram como Nação em condição de exercer
supremacia continental. Como aponta Kissinger, na obra Diplomacia (2007, p.21),
dois fatores são essenciais para entender a projeção mundial dos Estados Unidos
para os assuntos internacionais: seu poder, em rápida expansão, e o desmoronar
gradual da lógica do sistema internacional centrado na Europa.
127
Os Estados Unidos traziam um novo impulso para o modelo Ocidental
que entrava, ainda no século XIX, em uma fase de grande crise, sendo que sua
política externa acompanhava essa evolução. Nos primeiros anos da República
Americana, as questões internacionais refletiam o seu interesse nacional, que
tinha como meta essencial o fortalecimento da independência de uma nova
nação. Por diversas vezes, os fundadores manipularam as potências da época,
França e Grã-Bretanha, usando os argumentos de não alinhamento e
neutralidade como armas efetivas no jogo global e sempre que possível negando
o modo europeu de fazer política internacional. A própria expansão para o oeste,
em territórios não pertencentes às antigas Treze Colônias, eram para os políticos
americanos considerados como um assunto interno da América e não uma
questão de política externa. Evitando o jogo europeu, que desencadeara
inúmeras guerras para prevenir a ascensão de forças potencialmente dominantes,
e se centrando em um crescimento rápido no âmbito interno, inspirado pela
confiança do processo revolucionário e suficientemente afastado para engrenar a
sua
política,
os
Estados
Unidos
se
tornavam
distantes
e
imparciais
suficientemente para seguir um caminho novo na realidade internacional.
(KISSINGER, 2007, p.23)
Com o passar dos anos, a política americana teve pouca inflexão. A tese
básica dos Estados Unidos era defender a causa da desaprovação da política
europeia baseada no equilíbrio de poder, enquanto consideravam a sua expansão
como sendo um “destino manifesto”. De forma sintética podemos dizer que,
durante todo o século XIX, a política externa americana era basicamente cumprir
seu destino e permanecer livre de qualquer envolvimento estrangeiro. Dentro
desse quadro histórico e político, a decisão de excluir a política europeia do poder
no hemisfério ocidental, usando se necessário alguns dos métodos da diplomacia
europeia, era absolutamente inovadora. (KISSINGER, 2007, p.23-24)
Na década de 1860, contradições internas levaram a Guerra de
Secessão Americana (1861-1865), entre o Norte industrial e Sul escravocrata. Em
1865, o povo americano estava exaurido pela longa guerra civil. Os quatro anos
de carnificina haviam deixado mais de seiscentos mil soldados mortos e mais um
128
número não conhecido de inválidos e muitos cidadãos de luto por algum parente
ou conhecido. Para a história americana, no entanto, o conflito e a vitória do Norte
significou a abolição da escravidão, a preservação do governo central e o término
das longas disputas internas que permeavam o país desde a independência.
(SCHOULTZ, p.101, 2000)
A conquista da estabilidade interna possibilitou um avanço rápido rumo ao
desenvolvimento econômico e militar. No ano de 1885 os americanos já haviam
ultrapassado a Grã-Bretanha, até então considerada a maior potência industrial
do mundo em termos de produção. No limiar do século, os Estados Unidos já
consumiam mais energia do que a Alemanha, a França, a Áustria-Hungria, a
Rússia, o Japão e a Itália juntos. Após a Guerra Civil, a produção de carvão, os
carris de aços, as estradas de ferro e a produção de trigo já estavam entre as
maiores do planeta. A imigração e a vibrante economia produziam um acúmulo de
riqueza em uma velocidade não antes vista e parecia acelerar. (KISSINGER,
p.28, 2007)
Com exceção do breve interlúdio dos anos de Guerra Civil, dando espaço
para que a Europa assumisse posições na região, a influência dos Estados
Unidos na América Latina foi ampla. Durante o intervalo que se estende entre
1870-1889, ainda não se verá com contornos claros o imperialismo na condução
dos assuntos hemisféricos como nos anos subsequentes, mas tornava-se a partir
de então cada vez mais impossível mensurar qualquer impacto na região sem
considerar a influência americana.
Nos anos de 1870, já não havia dúvidas sobre o papel crescente de poder
da grande República do continente. A fascinação era exercida em vários setores
da sociedade Imperial, especialmente entre os núcleos Repúblicanos e mesmo
entre monarquistas, caso de Joaquim Nabuco, que apesar da sua preferência
pelas instituições britânicas, reconhecia a pujança da nova nação que pareciam
“estar inventando a vida, como se nada existisse até hoje”. (NABUCO,1963,
p.157) A posição cada vez mais central que os Estados Unidos desempenhavam
no jogo mundial fazia com que sua presença não pudesse ser negligenciada.
129
Historicamente, as relações do Império com os Estados Unidos sempre
foram cordiais, a iniciar pelo fato de terem sido os primeiros a reconhecer a
Independência com Portugal e as animosidades terem sido rapidamente
solucionadas. Apesar de alguns atritos originados pela tentativa americana de
apresentar bons ofícios durante a Guerra do Paraguai, e encontrando a total
recusa por parte do Brasil, com o fim do conflito, em 1870, as relações bilaterais
passaram a ser ditadas pelo respeito mútuo. Em 1876, no tempo da Presidência
Grant, D. Pedro II fez uma visita aos Estados Unidos, onde passou por várias
cidades e deixou uma impressão muito positiva da sua figura e do Brasil, algo que
iremos tratar mais adiante. (CARVALHO, 1959, p.362-363)
No campo diplomático, houve vários convites do Brasil para participar de
convenções e fóruns internacionais, o mais importante deles, o Congresso de
Washington, de iniciativa americana, será retomado mais à frente. Em um dos
momentos de maior relevância na relação bilateral, os Governos dos Estados
Unidos e da Grã-Bretanha, desejando chegar a acordo amigável relativo às
reclamações provenientes de atos durante a guerra entre os Estados do Norte e
os do Sul da União Americana, celebraram um Tratado, assinado em Washington,
em 8 de Maio de 1871, com o fim de darem solução as reclamações de ambos os
lados.
Conforme com o art.1º do mesmo Tratado, as reclamações seriam
levadas a um tribunal de arbitramento, composto de cinco membros, sendo um
deles nomeados pelo Imperador do Brasil. (RRNE, 1871, p. 02-03) O convite foi
feito em notas entregues no dia 21 de Agosto de 1871, sendo que os
representantes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha manifestaram inteira
confiança que o Imperador, amigo comum dos dois Estados, julgaria com espírito
de justiça e imparcialidade que o distingue. O pedido foi acompanhado de um
sincero desejo que D. Pedro II não recusasse a prestar os bons ofícios que lhe foi
solicitado. As Falas do Trono mencionaram o fato com grande destaque,
mostrando a importância e prestígio conferido ao governo Imperial:
130
O governo Imperial foi convidado para nomear um dos
árbitros que, em virtude do tratado de Washington, tem de decidir as
reclamações pendentes entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da
América. Aceitei aquele convite com o cordial desejo de dar novo
testemunho de nossa amizade às duas altas partes contratantes, e de
corresponder à confiança que elas depositam no governo do Brasil
(FALAS DO TRONO, 1977, p.401)
O convite foi recebido de bom grado pela Princesa Isabel em nome do
Imperador, e por meio do Decreto de 13 de Setembro de 1871, foi nomeado como
membro do tribunal de arbitramento o Sr. Barão de Itajabá, ministro
plenipotenciário na França. As legações dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha,
ao terem conhecimento da nomeação, declararão que lhes fora agradável a
notícia da escolha.
Ainda que cordiais, as relações do Brasil com os Estados Unidos
sofreram alguns abalos substanciais. O mais importante deles foi em 1869,
quando houve a suspensão das relações entre o Império Brasileiro e os Estados
Unidos. Alguns anos antes, 1867, o general Webb, representante norte-americano
na corte do Rio de Janeiro conseguiu, por meio de uma política de ameaças e
pressão, uma enorme quantia de indenização do Império por supostas perdas de
proprietários de navios americanos. Após conseguir as reparações pretendidas,
reclamou indenização pela embarcação Canadá, que havia encalhado a mais de
dez anos. As relações se estremeceram e foram rompidas em 10 de maio de
1869. O Governo Americano desautorizou a atitude de Webb e restabeleceu as
relações com o Império.
Em 1872, depois de pedido da Legação Brasileira na capital americana,
os Estados Unidos entenderam que o Brasil sofreu uma extorsão no caso da
reparação de 1867, especialmente no caso de um dos navios, o Caroline. O
Governo Americano, em ação contra o Webb, atribuiu ao general a culpa por
embolsar parte considerável da indenização paga pelo Brasil, remetendo apenas
uma parte ao Departamento de Estado e de “segundo a qual elle gastou parte do
dinheiro recebido em subornar brazileiros que exerciam funcções oficiais” (RRNE,
1874, p.22-28)
131
Após várias investigações, também no Brasil, sobre a corrupção que
poderia ter havido, chegou-se a conclusão que não houve influencia oficial dentro
do Governo em favor de Webb. A reclamação foi paga unicamente, segundo o
Marquês de Caravellas, porque o Governo Imperial quis evitar rompimento com
os Estados Unidos, já que na ocasião necessitava de toda a energia e recursos
na guerra contra López. (RRNE, 1874, p.22-28) Optou naquela situação por não
abalar as relações por conta de um assunto financeiro. Em 1974, o Governo
norte-americano devolveu ao representante brasileiro US$96.406,73, valor
correspondente a quantia paga pelo Caroline, acrescido de juros anuais de 6%.
(BANDEIRA, 1978, p.114)
As relações diplomáticas, em geral amistosas, escondiam um
crescimento enorme da participação americana na economia brasileira,
eclipsando junto de outros desafiantes, como a Alemanha e a França, o domínio
histórico britânico. No ano de 1870, os Estados Unidos, segundo dados
apresentados por Bethell (2012, p.172), respondiam por aproximadamente 6%
das importações brasileiras, especialmente farinha e laticínios, sem que não
houvesse um grande investimento direto significativo da sua parte no Brasil. Aos
poucos essa realidade mudaria: em 1880 a Singer Manufacturing Co., uma
subsidiária da Standard Oil, especializada em vaselina, abriu escritórios no Rio de
Janeiro e as exportações brasileiras com destino os Estados Unidos ultrapassou
os 15% nos anos 1840 para aproximadamente 30% a 40% nos anos de 1870 e
1880. Data dos últimos anos do Império, especificamente 1872, a eliminação da
tarifa sobre o café, fazendo com que quase dois terços do café exportado pelo
Brasil tivessem destino o mercado americano.
3.7 As Viagens de D. Pedro II e o Prestígio Imperial
O Imperador realizou três longas viagens entre as décadas de 1870 e
1880, causando ampla repercussão interna e pelos lugares de seu destino,
imprimindo grande prestígio externo, tão caro ao Império. A viagem do Imperador
132
pelos mais importantes seios políticos, científicos e intelectuais do período parece
ser a metáfora perfeita para justificar o sentido Universalista da ação externa. A
discussão sobre o assunto, contudo, é vasta, uma vez que o real impacto dessas
viagens para o prestígio nacional ainda não é totalmente consensual e perpassa
inclusive a própria estrutura constitucional Imperial.
O regime monárquico caracterizava e condicionava as opções do Império,
agindo simultaneamente e norteando as opções disponíveis. A relação da Casa
Imperial com as monarquias europeias era fator de grande relevância para o
próprio Imperador e para a posição do país nas redes de interesses
internacionais. Internamente, o regime levou a uma grande concentração da
política externa nas mãos do Executivo e do Imperador. Com o Conselho de
Estado, os ministros e especialmente com o monarca, figura que nas querelas
internacionais todos devem aconselhar-se e a quem todos devem se submeter às
decisões, fizeram com que a tomada de decisão na esfera externa ficasse
extremamente encapsulada.
A política externa em todas as suas faces é por definição a atribuição
mais essencial da figura do chefe de Estado. Nele reside a personificação da
Nação e, portanto, sua face externa. No caso de um regime monárquico, como
era o brasileiro, o Imperador era a personificação do Brasil, estando dentro ou
fora do Império, na situação que fosse. Apesar de absolutamente óbvio que a
passagem do Imperador do Brasil, por onde quer que ele fosse, tivesse causado
grande mobilização, para não dizer comoção, torna-se difícil avaliar se as suas
viagens realmente foram um instrumento para elevar o prestígio Imperial, ou
meramente viagens particulares, de um Imperador cansado e entediado pelos
longos anos de atividade política sem trégua.
As opiniões se dividem na importância das viagens e suas consequências
práticas. Amado Luiz Cervo, por exemplo, atribue grande relevância para o
Império e sua visão externa:
133
Empreendeu três importantes viagens pelo Ocidente (1871,
1875 e 1887), durante as quais estabeleceu contatos de alto nível com
governos e instituições dos Estados Unidos, de quase todos os países
europeus, incluindo a Rússia dos czares, o Império Otomano, a Grécia, a
Terra Santa e o Egito. O chefe do Estado brasileiro tornava assim o país
mais conhecido e respeitado no exterior. (CERVO & BUENO, 2002,
p.135-136)
A grande controvérsia das viagens foram as acusações de uma
possível falta de conteúdo diplomático e a reação desfavorável que produziram
nos meios políticos, da imprensa e da opinião pública do Império. Os críticos
afirmavam que as visitas eram apenas turísticas e com pouca profundidade nos
contatos mantidos, além das dúvidas suscitadas quanto ao real interesse que
teria levado D. Pedro II a decidir por elas. O caráter ambíguo das viagens era,
inclusive, reiterado pelos meios oficiais. No Relatório da Repartição dos Negócios
Estrangeiros de 1881, afirmava-se que:
Com maior jubilo vos communico que a presença de Sua
Magestade o Imperador e de sua Augusta Consorte na Europa, foi
saudada por modo summamente lisongeiro a nação brazileira. Apezar de
viajarem como simples particulares, forao Suas Majestades acolhidos em
todos os paízes que visitárão com demonstrações de especial symphatia
e consideração (RRNE, 1871, p.1-2)
Após grandes discussões no Parlamento, uma vez que pelo art. 104 37 da
constituição do Império era obrigatório à liberação deste para que a ausência do
Imperador não configurasse abdicação do trono, o Imperador embarcou para a
primeira delas, mesmo com gritos da oposição, especialmente pelo momento
político sério após o término da Guerra do Paraguai. O Imperador confiante que o
Gabinete Rio Branco equilibraria o quadro de inquietações políticas, não hesitou
37
Art. 104. O Imperador não poderá sahir do Imperio do Brazil, sem o consentimento da
Assembléa Geral; e se o fizer, se entenderá, que abdicou a Corôa. (CONSTITUIÇÃO POLÍTICA
DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 25 DE MARÇO DE 1824)
134
em fazer a primeira viagem, ainda mais quando recebeu a noticia do falecimento
de sua filha, Princesa Leopoldina, Duquesa de Saxe. (GOUVÊA, 1978, p.107-108)
Usando das prerrogativas de um chefe de estado que tinha ligações
com várias casas reinantes europeias e por ser monarca do maior país da
América do Sul, o Imperador conseguiu acesso natural aos mais restritos meios
políticos e culturais, que renderam ganhos na promoção da sua autoimagem, e
por consequência, a imagem do Império no exterior.
Do dia 25 de maio de 1871 a 30 de março de 1872, visitou Portugal,
Espanha, França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Itália, Ásia Menor e Palestina.
Durante o percurso, se encontrou com diversas personalidades do mundo político
e acadêmico-intelectual, como: Thiers, a rainha Vitória, o rei Leopoldo, Guilherme
I, Francisco José I da Áustria, Vitor Emanuel, Papa Pio IX, Leão XIII, Gladstone,
Alexandre Herculano, Gobineaus, Richard Wagner e Camilo Castelo Branco.
(DANESE, 1999, p.246)
A segunda viagem se estendeu do dia 26 de março de 1876 a 26 de
setembro de 1877, após ter visitado os Estados Unidos – no momento histórico do
primeiro monarca em visita pelo país -, visitou o Canadá, Alemanha, Suécia,
Finlândia, Rússia, Áustria, França, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Holanda, Suíça e
Portugal. O trecho relativo aos Estados Unidos tornou-se o mais conhecido, pois
não só percorreu várias cidades em todo o Estados Unidos, além de ter
acompanhado o presidente Grant na Exposição da Filadélfia, por ocasião do
centenário da Independência americana:
E, para realçar o significado histórico do dia, o Imperador do
Brasil mostrará, pela sua presença, a amizade do Brasil ao nosso povo e
o interesse pela feira internacional. O caráter americano da Exposição do
Centenário sobreleva no fato notável de que os governantes das suas
grandes nações americanas tomarão parte na solenidade.
(GUIMARÃES, 1961, p.225)
Essa viagem foi dedicada a contatos sociais, oficiais e com grandes
acadêmicos e cientistas. Nos Estados Unidos conheceu Alexander Bell e falou ao
135
seu invento, o telefone, a sensação da exposição; encontrou o filósofo Emerson e
os poetas John Whittier e Longfellow. Na Europa, reencontrou Gobineau, que foi
guia de parte da viagem do Imperador na sua segunda passagem pelo continente.
Encontrou por duas vezes Victor Hugo e Alexandre Herculano, além de visitar
Guilherme I, o czar Alexandre II e o Papa Pio IX. Por fim, na sua terceira viagem,
dessa vez com fins médicos, ficou fora do Império entre 30 de junho de 1887 a 22
de agosto de 1888, visitando Portugal, França, Alemanha, Bélgica e Itália.
(DANESE, 1999, p.246-247)
Pouco depois cairia a monarquia brasileira, mas com poucas exceções, a
impressão geral deixada pelo Imperador ao mundo não criou grande comoção
sobre a adoção do regime Repúblicano. O poliglota soberano, Bragança e
Habsburgo, com livre circulação entre os círculos mais restritos dos países
‘civilizados’, deixou por onde passou a melhor das impressões, transparecendo
uma visão modernizadora do exótico reino do Atlântico Sul.
3.8 A Primeira Conferência de Washington
As iniciativas interamericanas, como foram vistas em momento
oportuno, foram um dos focos mais acentuados de Distensão, inflexão e
resistência da autoridade Imperial, apesar da pequena abertura apresentada em
alguns eventos. Seria apenas com o Congresso de Washington, norteada pelos
impulsos Universalistas, que o Império aceitaria se encontrar com todo o
continente pela primeira vez na mesma tribuna, dando início a uma história de
convivência em escala continental. Não deixa de ser paradoxal a queda do regime
monárquico ocorrer em paralelo a esse evento de enormes proporções. Com a
dupla influência de mudanças internas e alterações profundas nas relações de
poder continentais e mundiais, o Brasil foi convidado a ter assento nas
deliberações daquele que seria o Primeiro Congresso de Washington, realizado
em 1889.
136
James G. Blaine foi um dos primeiros e mais importantes articuladores
da ideia de um encontro continental. O ideal de hemisfério ocidental, defendido
por Jefferson, as relações pacíficas, a mediação de conflitos, a redução da
influência europeia e o aumento do comércio dos Estados Unidos, tudo se
encontra ligado de maneira intrínseca. Nesse contexto, o Governo Imperial foi
convidado pelos Estados Unidos, por meio da sua Legação no Rio de Janeiro, no
dia 3 de Fevereiro de 188238, a participar com dois representantes de um
congresso de todas as nações americanas, que ocorreria em Washington, no dia
22 de novembro do mesmo ano. (RRNE, 1882, Anexo I - p.3-4) O assunto que
seria discutido versaria sobre os meios mais oportunos de manter a paz no
continente americano. Entendendo ser a matéria muito complexa e de difícil
resolução, mas digna de apreciação, o Governo Imperial aceitou participar como
lhe foi solicitado, em consonância com o Universalismo para com as potências
centrais.
O Governo americano indicou a abertura com tanta distância, com a
esperança de que Bolívia, Chile e Peru, que estavam em guerra, pudessem
comparecer ao encontro, porém, o objetivo não foi alcançado. Por meio de uma
nota39 ao Governo Brasileiro do dia 9 de Agosto de 1882, o Governo americano
adiou indefinidamente a sua realização. (RRNE, Anexo I, p.39-40) As causas
apresentadas foram duas: primeiramente a continuidade da Guerra do Pacífico, já
que era considerado essencial a uma reunião que fosse tratar de evitar a guerra
ter a mais profícua e harmoniosa relação entre seus participantes; segundo por
que o Congresso, a quem o Governo Americano submetera o projeto de
convocação, não havia tomado nenhuma resolução a esse respeito. A nota
terminava por ressaltar que não foi totalmente inútil o convite para a reunião, uma
vez que chamou a atenção de todos os povos da América para a necessidade de
38
39
Nota da Legação Americana ao Governo Imperial, 03/02/1882.
Nota da Legação Americana ao Governo Imperial, 09/08/1882.
137
se pensar numa alternativa de paz hemisférica, fazendo com que as relações
internacionais do continente se dirigissem de forma mais satisfatória a todos.
Após o fracasso ao tentar convocar uma conferência anos antes, a
ideia de um papel mais ativo dos Estados Unidos no continente ganhou maior
apoio no final década de 1880. Em maio de 1888, o Congresso solicitou ao
Presidente Grover Cleveland que convidasse os Estados latino-americanos para
uma conferência que trataria de assuntos de interesse geral. (SMITH, 2009,
p.616-617) A convocação formulada pela Secretaria de Washington fora feita nos
termos mais convidativos e sedutores. Nela, descrevia que todos os estados
independentes da América estariam em absoluta igualdade, a necessidade de
franqueza e de simpatia, e a mais absoluta ausência de maquinações secretas e
alianças egoístas, recomendando prudência, oportunidade e disposição pacífica.
Junto do convite de participação endereçado, o Governo Imperial é
informado que a conferência seria incumbida de tomar em consideração as
medidas tendentes à conversação e prosperidade dos Estados da América, tais a
formação de uma união aduaneira americana; estabelecimento de comunicação
regular e frequente dos portos; estabelecimento de um sistema uniforme de
regulamentos sobre importação e exportação; criação de um sistema uniforme de
pesos e medidas e de leis protetoras às patentes; adoção de uma moeda comum
de prata, que seria emitida por cada um dos governos, com curso legal em todas
as transações comerciais continentais; acordo sobre um plano definitivo de
arbitragem a fim de se resolver pacificamente os conflitos e evitar a guerra; e, por
fim, considerar quaisquer outros assuntos relativos à prosperidade dos diversos
Estados representados na conferência.
A ambiciosa agenda de discussão, o caráter interamericanista do
convite e o fato de ter sido feito pela maior potência continental, logo provocou
grandes discussões acerca do tema. No final de 1888, o Conselho de Estado
realizou consulta conjunta das seções dos Negócios Estrangeiros e da Fazenda,
questionando se devia ou não aceitar o convite; caso aceitá-lo, para quais
assuntos iria se dispor discutir ou se algum deles ele solicitaria excluir.
138
A lucidez dos membros do Conselho deve ser registrada. O
Conselheiro de Estado, Marquês de Paranaguá, por exemplo, registra a mudança
de paradigma continental e a situação brasileira no continente em detrimento às
iniciativas interamericanas. Afirma:
Não é só um dever de cortesia, a aceitação, por nossa
parte; é de alta política, quaisquer que sejam as vistas daquela grande
nação [...]. Devemos, igualmente, ter em vista que os Estados Unidos,
sendo uma nação eminentemente manufatureira, a conferência sugerida
pode, com razão, despertar ciúmes das potências rivais da Europa, cujas
simpatias não nos convém alienar. E, pois, é sobremaneira delicada e
difícil a nossa posição: se, por um lado, o Brasil, única monarquia na
América, não deve isolar-se do convívio, sempre útil, das nações do
mesmo continente, por outro lado – nada tendo a recear, ao contrário,
tudo a esperar das nações da Europa – não pode, de maneira nenhuma,
entrar em liga contra elas. (CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS
ESTRANGEIROS, 1875-89. p.336-7).
Na mesma consulta realizada, o Conselheiro de Estado Lafayette
Rodrigues Pereira faz observações de grande valor analítico:
O Brasil é uma potência americana e a mais importante, por
sua população, riqueza, civilização e poder, entre as sul-americanas. [...].
A abstenção do Brasil de se fazer representar na conferência importaria
de sua parte, como que o abandono de interesses internacionais, a que
razoavelmente não pode nem deve ser estranho; e abriria espaço a
suspeita de que alimenta repugnância de entrar no sistema de política
internacional, que evidentemente se forma entre os Estados americanos,
e de participar da solidariedade que, em termos corretos, deve existir
entre povos vizinhos e que ocupam o mesmo continente: suspeita que
naturalmente se suscitaria, porque o Brasil já tem sido arguido, na
tribuna e na imprensa de alguns Estados da América do Sul, de mais
imbuído do espírito europeu do que do americano, suspeita que convém
afastar, porque tenderia a nos colocar debaixo de uma certa prevenção
da parte desses Estados, a nos alienar a sua confiança e a pôr-nos em
isolamento.(CONSULTAS
DA
SEÇÃO
DOS
NEGÓCIOS
ESTRANGEIROS, 1875-89, p.339)
As intenções do Governo americano visavam estabelecer instrumentos
que viabilizassem o programa de expansão capitalista sobre o continente. Apesar
de fazer concessões aos idealistas, a iniciativa americana dava contornos
pragmáticos e trazia pela primeira vez a esfera econômica para discussões que
sempre tiveram como plano central as questões políticas.
Pela via do
139
panamericanismo, os Estados Unidos miravam uma reserva de domínio
continental, semelhante como procediam aos colonialistas europeus em suas
áreas de expansão. Em uma hábil manobra, os americanos conseguiriam por
meio das propostas do encontro manter o protecionismo diante das outras
grandes potências capitalistas e agir de forma liberal no contexto regional, criando
uma Zollverein, ou seja, um mercado comum, que fundasse bases concretas de
uma política claramente nacionalista. (CERVO & BUENO, 2008, p.144)
Foram decisivas para o aceite do convite e participação ativa nas
discussões que se desenrolaram durante a reunião as perspectivas de poder no
continente, a mudança da esfera interna e o peso dos assuntos tratados, que
poderiam colocar em jogo o interesse nacional em todos os aspectos. O impulso
Universalista, ligado a subordinação aos países centrais, incluídos aqui os
Estados Unidos, também foi decisivo por essa opção, mesmo reticente sobre qual
seria sua contribuição. Todos os países americanos aceitaram o convite dos
Estados Unidos, especialmente por ponderarem, como o Brasil, que os assuntos
tratados não poderiam ser simplesmente ignorados.
O Governo Imperial, preocupado com tais questões, deu as instruções
que convinham para a manutenção da clássica posição brasileira de neutralidade
e cordialidade. A proposta de pesos e medidas não era oportuna para o Império,
já que no entendimento brasileiro, o sistema adotado no país era o melhor e não
parecia provável outro o substituir; o direito de invenção já contemplado em
Tratado assinado em Montevidéu, sem que ainda houvesse um pronunciamento
oficial do Governo àquela altura; quanto à propriedade literária, o Governo
Imperial também havia firmado em Montevidéu um acordo, sem que o Governo
tivesse naquele momento enunciado o seu juízo; as marcas de comércio já
possuem uma resolução legislativa expedida em 23 de outubro de 1875, que
regulava o direito que tem o fabricante e o negociante de criar marcas para os
produtos de sua indústria e do seu comercio, além disso, o Brasil havia ajustes
em separados com várias nações, e era signatário da convenção de 1883 de
propriedade industrial; na extradição de criminosos, o Império tinha o imperativo
140
legal de se o criminoso reclamado for cidadão brasileiro, não poderia ser
entregue, a não ser que seja um caso de crime político.
Foi claro sobre a posição do não estabelecimento de arbitragem dentro
do continente, pois sentia que poderia ser vítima das históricas antipatias antimonarquistas e não convinha aceitar arbitragem das “inconstantes Repúblicas do
continente”, além do fato de temer a possibilidade dos Estados Unidos usarem de
instrumento e, como projeção de sua força, virasse árbitro da região. Em relação
à União Aduaneira, novamente o Brasil tinha interesses diversos do que era
proposto na conferência para a qual fora convidado.
O Brasil, que iniciara a conferência como Monarquia e terminaria como
República, participou da Conferência de Washington mesmo que pronto para
discordar de todos os pontos essenciais na discussão. A alternativa de ser o único
Estado a não comparecer e o Congresso transformar-se em tribuna antibrasileira
fez com que o Governo assumisse o ônus do tipo de negociação que o Império
estava pronto a fazer.
Porém, o fim do Império reverteu a situação e permitiu a delegação
brasileira participar ativamente e de forma propositiva no encontro. A chefia da
missão passou para Salvador de Mendonça, que recebeu dos novos
representantes da República mudanças elementares nas instruções anteriores, ou
seja, carregar a participação brasileira de um “espírito americano”. (SANTOS,
2004, p. 127) Essa mudança se traduziu na reversão da questão do arbitramento
obrigatório, que passou a ser apoiada em conjunto com a abolição da conquista
territorial por meio de guerras. Mendonça rompia assim com a tradição de uma
diplomacia iniciada desde o início do Império, tornando-a positivamente
caudatária dos interesses econômicos e políticos da grande potência do Norte.
(CERVO & BUENO, 2008, p.144-145)
O resultado final da conferência foi modesto, em detrimento à sua
ousadia programática: os planos de criação de uma União Aduaneira hemisférica
foram negados por liderança conjunta da Argentina e do Brasil; o arbitramento
obrigatório sofreu sérias objeções do Chile, que havia obtido importantes
141
conquistas territoriais na Guerra do Pacífico. Todavia, a conferência criou a União
Internacional das Repúblicas Americanas, com um Conselho Comercial das
Repúblicas Americanas autorizado a coletar e divulgar informações relativas às
tarifas e às regulamentações comerciais. (SMITH, 2009, p.617)
Apesar dos resultados questionáveis, o Congresso de Washington foi a
maior e a última grande expressão interamericana durante o século XIX. A
originalidade do encontro pela relevância e substancialidade dos assuntos
tratados, a união de todos os plenipotenciários em prol de discussões de
interesse geral e o caráter americano foi de grande importância histórica. O
encontro, realizado na capital americana, criou laços que sedimentariam espaços
que viriam a ser ocupados com a criação do direito interamericano no século
seguinte. Do ponto de vista econômico foi um grande avanço, já que o fórum deu
espaço para temas antes deixados em segundo plano e para as contingências
políticas.
Para o Brasil, foi também a primeira demonstração das prioridades
políticas do governo republicano que viria a sofrer várias alterações no seu curso
externo, mas que, naquela altura, foi recepcionado de forma geral com grande
entusiasmo. Terminada a conferência, o Brasil tentou bilateralmente estabelecer
com os Estados Unidos uma aliança ofensiva e defensiva, mas não conseguiu
interessar os americanos, que acabariam por firmar com o novo governo
brasileiro, em 31 de janeiro de 1891, um convênio comercial. Terminava assim a
longa tradição Imperial quanto ao resto do continente, e acima de tudo, demolida
as bases de legitimação do poder monárquico, foram possíveis uma aproximação
mais efetiva com o resto dos vizinhos continentais. O novo regime abandonou, em
detrimento à política realizada durante todo o Império, a oposição sistemática às
iniciativas interamericanas.
Com o fim do regime, findou o período de negação e passou a tentar,
de fato, criar uma identidade americana, algo impossível nos períodos anteriores.
A participação peculiar brasileira na Conferência em Washington foi emblemática
nesta mudança de paradigma. O Brasil mudaria sua situação marcada pelo
142
isolamento e passaria a atuar como um dos líderes no avanço dos ideais
interamericanos, que culminariam com a criação da Organização dos Estados
Americanos e das diversas organizações internacionais regionais.
De qualquer forma, a síntese do período Imperial é de profunda
resistência, ou mesmo de uma impossibilidade a uma ‘americanização’ efetiva da
sua política externa, sendo traduzida na sua relação com o interamericanismo
continental. Uma afinidade próxima com os vizinhos e uma ruptura ideológica com
o sistema europeu poderia representar desarticulações, especialmente na esfera
interna, algo que o Império não permitiu acontecer durante toda sua duração.
Cabe reafirmar que mesmo contando com posição diversa daquela que seria
tomada pela República posteriormente, foi ainda durante o regime monárquico
que houve o aceite do convite para o Congresso, o que denota uma pressão das
circunstâncias sobre os tomadores de decisão do Império, refletindo no sentido
Universalista da medida.
143
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As duas tendências, Distensão e Universalismo, se sobrepunham e se
uniam para formar o grande periscópio das relações internacionais do Império no
período de 1870-1889. Essa hipótese testada, baseada nos eventos ocorridos na
política externa daqueles anos, com base na análise do paradigma liberalconservador, revelou que de fato foram elas os principais eixos de atuação e o
sentido máximo da atuação externa, ainda que caibam algumas ressalvas,
especialmente quando analisados os eventos de forma mais minuciosa.
No subsistema do Prata, onde reside boa parte da face soberana e
autônoma do Império, apenas em 1876, com a retirada das tropas de Assunção
pode-se afirmar haver uma verdadeira Distensão da região. As relações após
esse período tornaram-se cada vez menos centrais para os últimos anos do
Império, o que não significou um período livre de sérios contratempos. Apesar da
escalada de tensão entre Brasil e a Argentina no pós-guerra, levando muitos a
acreditarem na guerra inevitável, essa possibilidade não se concretizou. No
Uruguai e no Paraguai a influência brasileira oscilou, especialmente pelo aumento
da presença argentina. De qualquer forma, a política da Distensão evitou a guerra
e possibilitou uma vigilância distante, o que contrastava com as soluções de força
das décadas anteriores.
Com o Pacífico, as interações ocasionais foram substituídas por
momentos de interesse contínuo, especialmente se ressaltarmos a atenção dada
pelas Falas do Trono, notadamente fonte que só tratava dos assuntos da mais
alta urgência e relevância para o Império. Contribuiriam para isso problemáticas
residuais da Guerra do Paraguai, acertos de limite, convites para congressos
internacionais, e acima de tudo a Guerra do Pacífico. No entanto, é impossível
dizer que as relações com aquela parte da América do Sul teriam evoluído para
algo além de uma lógica de distanciamento histórico. Diferente da região platina,
o Império não tinha intenção ou mesmo possibilidades de projetar seu poder
144
naquela região, transparecendo uma Distensão histórica e não apenas
conjuntural, como no caso do Prata.
Algo muito semelhante com o ocorrido nas tentativas interamericanistas,
especialmente as com tendências fundadas no Bolivarianismo. Usando a noção
de Distensão como sinônimo de distanciamento, o período pode ser interpretado
como sendo a reprodução da tendência histórica do Império de resistência a
qualquer uma dessas experiências, ainda que as pressões externas obrigassem o
Brasil a abrir algumas frentes de conversa. Mesmo quando por força das
circunstâncias foi obrigado a participar de qualquer tribuna internacional, e assim
evitar a formação de qualquer coligação antibrasileira, as recomendações aos
representantes imperiais eram de manter a neutralidade e minar qualquer medida
que contrariasse o interesse histórico do regime e suas elites. Mesmo no caso
emblemático e paradoxal do Congresso de Washington, quando o Brasil entra
uma Monarquia e sai República, as primeiras instruções ainda durante o regime
Imperial eram de resistência a qualquer inovação desagradável aos interesses
nacionais. Sendo assim, ainda que estivesse nesse último caso sob o efeito do
Universalismo externo, como foi visto, muito mais reativo do que propositivo, o
Império ainda era incapaz de ultrapassar certas barreiras, especialmente por
essas contrariarem as velhas instituições imperiais.
A explosão do multilateralismo após a adoção do sistema bismarckiano
na política continental europeia, a pauta ampla de assuntos com as principais
potências capitalistas e a mudança nos fluxos de comércio internacional dos
produtos brasileiros, especialmente o café, foram fundamentais para reforçar esse
sentido último de Universalismo. A abertura de novos mercados auxiliou a
consolidar a dominação da elite agroexportadora também pela política externa, se
transformando em um dos elementos primordiais de inserção internacional. Um
dos caminhos para isso foi a participação em todos as conferências, congressos,
seminários científicos e industriais possíveis, como meio de usar do prestígio
desses eventos como motor propulsor do aumento das exportações.
145
A experiência global do período obrigava o Império, o Imperador e todos
os formuladores de política externa de expandirem as relações em níveis até
então inéditos, denotando claramente a vertente Universalista como sentido da
condução dos assuntos externos. Isso vai ficar claro no uso ostensivo da esfera
internacional para auxiliar em graves problemas internos, inclusive alguns deles
responsáveis diretos pela queda do regime, como a Questão Religiosa e a
Questão Servil; e na procura pelo prestígio externo, simbolizado nas viagens de
D. Pedro II aos recantos mais civilizados do globo e das inúmeras arbitragens e
mediações nos quais o Brasil foi convidado a participar. As duas tendências,
portanto, foram fundamentais para dar inteligibilidade ao período e se apoiam com
maior ou menor assertividade nos eventos mencionados do período.
146
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