Caroline Vitor LOUREIRO - Laboratório de Geomorfologia

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IMPACTOS AMBIENTAIS RESULTANTES DA IMPERMEABILIZAÇÃO DO SOLO NA
CIDADE DE FORTALEZA-CE
LOUREIRO, Caroline Vitor 1. Universidade Federal do Ceará (UFC). Email: [email protected];
FARIAS, Juliana Felipe2. Universidade Federal do Ceará (UFC). Email: [email protected];
Resumo
A expansão urbana de Fortaleza-CE, assim como grande parte das cidades dos países subdesenvolvidos,
realizou-se de forma negligente com os recursos naturais. Caracterizou-se na realização de aterramentos
de corpos hídricos, intensa ocupação do solo, desrespeito às Leis de Uso e Ocupação e infra-estruturas
insuficientes ao contingente populacional. Objetivando diagnosticar os impactos ambientais resultantes da
impermeabilização do solo em Fortaleza, a fim de gerar um diagnóstico que fomente ações conscientes do
uso do solo da cidade, é que se julgou importante a realização deste estudo. Fez-se uma pesquisa
bibliográfica especializada, visitas à campo, análise de material cartográfico de Fortaleza-Ce, consulta ao
Plano Diretor da cidade e à Lei de Uso e Ocupação do Solo, bem como visita à sites institucionais a fim de
obter dados demográficos. Pautando-se, sobretudo em uma visão sistêmica do objeto. A agressão às áreas
verdes, juntamente com a impermeabilização do solo resulta em problemas de inundação, e
consequentemente em doenças de veiculação hídrica e elevação da temperatura em áreas com grande
número de construções e pavimentações. Entendemos que para a cidade de Fortaleza é necessária a
criação de uma gestão que supere décadas de negligência com o ambiente, uma maior fiscalização das
construções (vias de transporte, habitações), bem como uma Educação Ambiental efetiva, a fim de
conscientizar as pessoas da importância da preservação das áreas verdes e recursos hídricos.
Abstract
Urban sprawl of Fortaleza (Ceará, Brazil), as well as other cities in many developing countries, was
carried out negligently with the natural resources. It has been characterized in the realization of the
ground water bodies, an intense occupation of the ground, ignoring the Laws of Use and Occupancy and
insufficient infrastructure to populational contingent. Aiming to diagnose the environmental impacts
resulting from soil sealing in Fortaleza, in order to generate a diagnostic to promote awareness actions of
land use of the city, wich is believed to be important to this study. It was performed a specialized literature
search, field visits, cartographic material analysis of Fortaleza, consult to the Master Plan of the city and
to the Law of Occupation and Use of Soil, as well as institutional sites visits to obtain demographic data.
It is guided, especially in a systemic view of the object. The assault on green areas, along with the soil
sealing results in problems of flooding, and consequently in waterborne diseases and temperature raising
in areas with large number of buildings, paving and homogeneous typology. We believe that for the city
of Fortaleza is necessary to establish a management that overcomes decades of neglect with the
environment, greater surveillance of buildings (means of transportation, housing), and an effective
Environmental Education, to raise awareness of people regarding preserving green areas and water
resources.
Introdução
O crescimento das cidades brasileiras, de uma forma geral, não é acompanhado pelo crescimento
de infra-estruturas, moradias, empregos, etc, de forma suficiente a toda a população, que embora nas
1
Primeira autora, licenciada em Geografia e ex-bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET - SESU/MEC) do
departamento de Geografia.
2
Segunda autora e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET - SESU/MEC) do departamento de Geografia/UFC.
últimas décadas venha crescendo a níveis menos acelerados, ainda não acompanha o ritmo dos países de
primeiro mundo.
A cidade de Fortaleza no estado do Ceará, não foge à essa regra. Grande parte dos problemas
ambientais possui estreita relação ou se desencadeiam em decorrência do processo de desenvolvimento
urbano vigente, em seus mais variados aspectos, como econômicos, infra-estrutural e de ordem social.
O processo de urbanização vem desrespeitando a dinâmica natural dos ambientes, alterando os
ciclos de entrada e saída de energia, desencadeando impactos ambientais.
A intensa e desordenada ocupação do solo na cidade de Fortaleza criou amplas áreas
impermeabilizadas, consequência da diminuição da cobertura vegetacional e pavimentação da cidade.
Objetivando diagnosticar os impactos ambientais resultantes da impermeabilização do solo em
Fortaleza, analisando os processos desencadeantes, a fim de gerar um diagnóstico que fomentem ações
conscientes do uso do solo da cidade, respeitando a Lei de uso e ocupação do solo (LEI Nº 7987 DE 23
DE DEZEMBRO DE 1996 - CONSOLIDADA EM JULHO DE 1998), bem como as resoluções do
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), é que se julga importante a realização deste estudo.
Materiais e métodos
Com o intuito de alcançar os objetivos propostos por este trabalho, foram definidas as seguintes
etapas de estudo: uma pesquisa bibliográfica especializada, visitas à campo, análise de material
cartográfico da cidade de Fortaleza-Ce, consulta ao Plano Diretor da cidade e à Lei de Uso e Ocupação do
Solo, bem como visita à sites institucionais a fim de obter dados demográficos da cidade em epígrafe.
A pesquisa foi direcionada na utilização dos conceitos de Cidade, Urbanização e Impactos
Ambientais, sendo feita no acervo literário da Universidade Federal do Ceará (UFC), Programa de
Educação Tutorial (PET) Geografia/UFC e Laboratório de Planejamento Urbano e Regional
(LAPUR)/UFC. Os conceitos foram de extrema importância para fundamentar a pesquisa e
encaminhamento dos resultados.
As visitas a campo foram realizadas em alguns dos principais ambientes lacustres, ainda resistentes
ao processo de urbanização da cidade de Fortaleza, durante os períodos seco e chuvoso, e a áreas com
elevado grau de impermeabilização, a fim de observar como esses ambientes respondem a episódios
pluviais com totais mais elevados.
O material cartográfico analisado (mapa de cobertura vegetal, densidade populacional por Área de
Expansão Demográfica (AED)), serviu de subsídio para uma análise das áreas mais ocupadas de
Fortaleza, e a construção de um mapa resultante de sobreposição destes mapas para uma análise da relação
ocupação x cobertura vegetal.
As consultas ao Plano Diretor e à Lei de Uso e Ocupação do Solo (LEI Nº 7987 DE 23 DE
DEZEMBRO DE 1996 - CONSOLIDADA EM JULHO DE 1998) foram de singular importância para
observar o respeito ou desrespeito às normas que regem o uso e ocupação da cidade.
Por fim, as consultas à sites institucionais como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (SEMACE), forneceram dados demográficos pertinentes
à realização da pesquisa.
O estudo pautou-se, sobretudo em uma visão sistêmica do objeto.
Resultados e Discussões
Na sociedade atual as cidades possuem determinada importância atribuída a elas, pois são as
expressões físicas do modelo social vigente. Na cidade se concentram as maiores parcelas da população,
os investimentos financeiros e infra-estruturas.
Corrêa (1989) compreende a cidade como espaço urbano, ou seja, o reflexo da sociedade, em
constante produção e reprodução, fragmentado e articulado, resultado da posse e do controle do uso da
terra urbana pelos agentes produtores do espaço.
No Brasil com a entrada do capital industrial na segunda metade do século XX, dinamizando a
economia, as cidades industriais se consolidaram.
A mecanização e o aparecimento do agronegócio no campo trouxeram para as cidades grande
parcela da população rural que vinha em busca de melhores condições de vida. Consequentemente, com
este aumento da população, cresceu também o tecido urbano das cidades.
Firkowski (2006) ressalta que
[...] é das cidades que emanam os fluxos econômicos e financeiros que regem o capitalismo
atual e é para elas que converge grande parte das riquezas geradas em diferentes lugares e de
diferentes formas, mas é também nas cidades que se observam as maiores contradições, as
manifestações mais fortes da violência, da pobreza e da exclusão. (p.58).
Além dessa visão política e social da cidade de aglomeração humana, infra-estruturas, funções,
centro de decisões, etc, a cidade é também, sob a ótica da ecologia, um sistema aberto e complexo, rico de
instabilidade e contingência (MACHADO, 1993 apud COELHO, 2006).
O crescimento das cidades brasileiras não é acompanhado pelo crescimento de infra-estruturas,
moradias, empregos, etc, de forma suficiente a toda a população. A cidade de Fortaleza no estado do
Ceará, não foge à essa regra. Na década de 1970 a cidade se consolidou como uma metrópole regional.
Sua influência ultrapassava o estado e chegava às regiões de Parnaíba-PI e Mossoró-RN. Com a
implantação de políticas de desenvolvimento urbano-industrial, provenientes, por exemplo, das políticas
da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE (1959) e do Banco nacional de
Habitação (1964) atraiu um expressivo contingente populacional vindo do campo em busca de melhores
condições de vida.
A demanda por serviços e moradias conseqüentemente aumentou. Para atender a essas crescentes
demandas acentuou-se cada vez mais em Fortaleza a transformação de ambientes naturais em artificiais
para a produção do solo urbano, no período de 1979-1984 onde se construiu bastante em Fortaleza.
A urbanização, processo que Oke (1980) apud Brandão (2006) entende como “[...] o processo de
conversão do meio físico natural para o assentamento humano, acompanhada de drásticas e irreversíveis
mudanças do uso do solo [...]” (p. 53), na capital cearense resulta em uma série de impactos ambientais, os
quais são verificados com maior intensidade nos recursos hídricos, destacando-se também o problema do
desmatamento.
Como impacto ambiental Coelho (2006) explica o processo de mudanças sociais e ecológicas
causado por perturbações (uma nova ocupação e/ou construção de um objeto novo: uma usina, uma
estrada ou uma indústria) no ambiente.
Os impactos ambientais na cidade de Fortaleza são em sua maioria resultantes de processos como a
redução da cobertura vegetal e impermeabilização do solo, processo no qual há a diminuição do potencial
de permeabilidade do solo. Aliado à diminuição da vegetação tem-se redução do potencial de infiltração
de água da chuva no solo e a sobrecarga da rede de drenagem, produzindo áreas de inundações,
alagamentos e consequentemente doenças de veiculação hídrica.
O caso da cidade de Fortaleza-CE
Localizada na faixa central da zona litorânea do Ceará, no Norte do Nordeste do Brasil, entre as
coordenadas geográficas 3º45´47”S e 38º37´35”W (ZANELLA & MELO, 2006), (ver Figura I), a cidade
de Fortaleza possui uma área de aproximadamente 33.516,5 ha, segundo dados da Prefeitura Municipal de
Fortaleza (2004). Os dados do IBGE (censo 2000) apresentam uma população de 2.141.402 habitantes e
densidade 63,89 hab/ha.
A expansão do tecido urbano desta cidade se deu pautada na lógica capitalista de desenvolvimento,
disseminada nos países subdesenvolvidos, o desenvolvimento em detrimento dos recursos naturais, ou
seja, a negligência e o desrespeito aos ambientes naturais e seus ciclos de entrada e saída de energia.
Figura I – Mapa de localização da área.
Fonte: SUDENE
Para Almeida e Rosen (1993) em Fortaleza “A lógica implícita política e econômica escancara a
contradição no que diz respeito à uma lógica social, humana e ambiental desejável.” (p. 68).
O crescimento demográfico da cidade acentuado na década de 1970 aumentou os problemas
ambientais urbanos. Os gestores governamentais sem esperar este crescimento vertiginoso da população
urbana não foram capazes de suprir as necessidades de infra-estruturas que aumentavam. Os migrantes
necessitavam de áreas para moradias, os fluxos de transporte aumentavam e consequentemente o tecido
urbano e a necessidade de novas vias de circulação.
Para suprir inicialmente as carências do setor imobiliário foram construídos conjuntos
habitacionais populares. Para isto foram aterradas várias lagoas que pontilhavam a cidade. Áreas foram
desmatadas e planícies de rios, riachos e lagoas foram ocupadas.
As vias de circulação que se expandiam, juntamente com as áreas para habitação, resultaram na
impermeabilização do solo da cidade e alteraram a permeabilidade deste. A Lei de Uso e Ocupação do
Solo de Fortaleza prevê que todas as construções deixem um percentual de área livre para a água penetrar
no solo e não escoar diretamente para as ruas.
Na capital cearense o desrespeito aos recursos naturais é tão claro que construções são realizadas
na época de estiagem quando os ambientes lacustres estão secos, conforme observado em trabalho de
campo. No período chuvoso o lençol freático ressurge e as construções são inundadas.
Um exemplo é o conjunto Cidade 2000, construído na década de 1970. Segundo Almeida e Rosen
(1993), “O conjunto Cidade 2000, foi outro setor da cidade que teve graves consequências, visto ter sido
projetado (...) em período de estiagem, quando grande parte das áreas alagadas, devido a formação de
lagoas temporárias, não foram observadas.” (p.92).
As áreas mais densamente ocupadas são também as que possuem menor cobertura vegetal, o que
torna esses espaços os de menor infiltração de água no solo, portanto, as áreas mais impermeáveis da
cidade (ver Figura II). Este fato remete ao desrespeito à Lei de uso e ocupação do solo, tornando esses
ambientes propícios a impactos ambientais.
As consequências destes acontecimentos na capital cearense são inúmeras. Dentre as principais
resultantes do processo desordenado de impermeabilização do solo de Fortaleza aliado à deficiência de
infra-estruturas de drenagem urbana, entre outros fatores, pode-se destacar as inundações que acometem a
cidade no período chuvoso, as doenças de veiculação hídrica muitas das quais intensificadas por ocasião
das chuvas e as ilhas térmicas (MOURA, 2008).
Figura II
Inundações
As inundações podem ser entendidas pelo fenômeno onde o leito menor de um curso d`água não
consegue conter mais o escoamento, e este transborda e se espalha pelo leito maior (VEYRET, 2007).
Fortaleza situa-se na zona litorânea, próxima à linha do Equador, recebendo altos índices de
insolação, repercutindo em elevadas temperaturas durante todos os meses do ano, baixa amplitude térmica
e altas taxas de evaporação.
A cidade apresenta duas estações bem definidas, uma seca e outra chuvosa (ver Gráfico I), com
variação temporal e espacial da precipitação, resultado da atuação dos sistemas atmosféricos regionais
com os fatores geográficos locais.
Gráfico I - Precipitação Média Mensal de Fortaleza (1972-2001)
Precipitação Média Mensal para Fortaleza
(1972-2001)
350
(
P
ç
r
ã
e
o
c
i
p
m
i
m
t
a
300
250
200
150
100
)
50
0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
Fonte: Posto Meterológico do Campus do PICI.
A ZCIT é o principal mecanismo produtor de chuvas em Fortaleza, atuando de fevereiro a maio,
quando atinge sua máxima posição ao sul. Os VCAS geram precipitação principalmente em janeiro e
fevereiro. Os CCMs provocam chuvas fortes e de curta duração durante o período chuvoso bem como as
LI. As Ondas de Leste atuam em junho e julho.
O presente ano caracteriza-se como um ano de La niña, que intensifica as chuvas nas regiões Norte
e Nordeste do Brasil. Só no mês de abril de 2009 foram registrados em torno de 580mm, enquanto que no
mesmo mês do ano anterior a precipitação foi de 402,4mm (ver tabela I) e a média histórica é de 350 mm.
Durante o período seco, Fortaleza fica sob a ação do Sistema Tropical, vinculado ao Anticiclone
do Atlântico Sul, causando a estabilidade do tempo a partir do segundo semestre. Observa-se que as
maiores totais de chuvas ocorrem durante a presença da ZCIT (ver figura III) quando seu deslocamento
ocorre na posição mais meridional (fevereiro a maio).
Tabela I - Precipitação dos quatro primeiros meses de 2008 e 2009
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Total
2008
140,5mm
80mm
265,4mm
402,4mm 888,3mm
2009
146,5mm
304,9mm
451mm
580,8mm 1483,2mm
Fonte: Dados FUNCEME
Na quadra chuvosa, que vai de fevereiro a maio, ocorre inundações com maior frequência. A rede
de drenagem não suporta o aporte de água das chuvas, e devido a impermeabilização, a quantidade de
água produzida escoa para os cursos d`água. Estes bastante assoreados extravasam e provocam
inundações, acometendo parte da população que reside próxima a eles.
Figura III- ZCIT atuando no estado do Ceará em 30/04/09.
Fonte: INPE
Também devido à alta taxa de impermeabilização do solo, as áreas mais pavimentadas da cidade,
quase sem nenhuma cobertura vegetal, apresentam pontos de alagamento. No ano de 2007 a Autarquia
Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania de Fortaleza (AMC) verificou 36 pontos da
cidade em que ocorrem alagamentos nas vias.
Segundo o Jornal Diário de Nordeste, no dia 28 de abril de 2009 a Defesa Civil registrou 87
ocorrências, sendo 61 alagamentos, 9 inundações, 9 riscos de desabamentos, 5 desabamentos, dois
deslizamentos e um incêndio. A figura IV registra um alagamento ocorrido no centro da cidade em janeiro
de 2009.
Figura IV – Alagamento no bairro Centro em Fortaleza no dia 22/01/09.
Fonte: Jornal O Povo.
Em suma, os problemas de inundações em Fortaleza resultam da alteração do uso do solo e ocupação dos
ambientes fluviais e lacustres, que aliado às chuvas mais intensas e concentradas da quadra chuvosa, bem como ao
não acompanhamento do crescimento de infra-estruturas e equipamentos de drenagem no mesmo ritmo do
crescimento da cidade, gera problemas desta natureza.
Doenças de veiculação hídrica (dengue, leptospirose)
Com o extravasamento dos canais de drenagem e corpos hídricos, devido à impermeabilização do
solo, a água atinge a população propiciando a manifestação de algumas doenças. Esses fatos somados aos
problemas sociais como falta de saneamento básico e a precariedade das habitações, bem como aos
eventos pluviométricos intensos, favorecem a propagação de doenças como a dengue e a leptospirose, que
tem o seu ciclo de vida de alguma forma relacionada a água.
De acordo com Genovez (2007),
”Na zona urbana, principalmente em grandes cidades, durante a época das chuvas, as
inundações se constituem no principal fator de risco para a ocorrência de surtos epidêmicos de
leptospirose humana. Localidades com más condições de saneamento básico são as
principalmente acometidas de surtos devido à presença de esgoto a céu aberto e lixões,
proximidade com córregos, os quais propiciam o contato direto com as águas contaminadas com
urina de roedores sinatrópicos (ratos e camundongos) e cães errantes”.
É importante ressaltar que a água não é o único meio de propagação da leptospirose, podendo ser
transmitida em qualquer ambiente que forneça condições necessárias a sobrevivência do seu vetor. No
entanto, elevados índices de precipitações, que como já foi mencionado, promovem um escoamento das
águas que transbordam dos canais fluviais que cortam a cidade e que não infiltram em função da baixa
permeabilidade do solo, favorecem um maior contato da população com a urina do rato.
Segundo dados do Centro de Controles de Zoonozes do Município de Fortaleza-CE a ocorrência
dessas doenças de veiculação hídrica tem uma relação direta com a quadra chuvosa de Fortaleza, período
no qual aumenta consideravelmente o número de pessoas que contraem essas doenças.
Dados do Ministério da Saúde do Brasil mostram que no ano de 1998 houve 44 casos de
leptospirose no estado do Ceará, enquanto que no ano de 2004, 2005 e 2006 ocorreram 103, 62 e 133
casos respectivamente. Os anos de 1982-1983 e 1997-1998, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE) correspondem aos anos de El Niño mais intenso desde a existência de "observações" de
Temperatura da Superfície do Mar - TSM ocorreu em 1982-83 e 1997-98, o que demonstra que nos anos
onde o El Niño de atuação forte, com pouca pluviosidade nas regiões Norte e Nordeste do Brasil,
ocorreram baixos índices de leptospirose em relação aos em que não houveram forte diminuição das
chuvas.
Partindo desta análise ocorrência de casos de leptospirose x fatores ambientais, Genovez (2007)
afirma,
“A ocorrência de leptospirose está estreitamente vinculada aos fatores ambientais, que podem
dar lugar a um foco de infecção, cuja amplitude está na dependência de condições favoráveis.
Podem permanecer viáveis em água limpa por até 152 dias, mas não toleram alta salinidade,
dessecação, pH ácido e a competição bacteriana em meios muito contaminados. Sem dúvida a
água das chuvas é ideal para a sua sobrevivência. Na zona urbana, principalmente em grandes
cidades, durante a época das chuvas, as inundações se constituem no principal fator de risco para
a ocorrência de surtos epidêmicos de leptospirose humana”.
No caso da dengue, com o aumento das precipitações temos o acúmulo de água em locais que
favorecem a deposição dos ovos do mosquito e, conseqüentemente, a proliferação do vetor da doença, no
caso especifico a fêmea. O mosquito da dengue encontra nas poças d’água que surgem após as
precipitações as condições necessárias para se desenvolverem, água parada e limpa, que não infiltra
devido à impermeabilidade do solo.
Estas doenças estão relacionadas aos períodos onde ocorre inundação (período chuvoso de
Fortaleza - fevereiro a maio), aumentando de intensidade e distribuição em regiões com alta concentração
populacional e em áreas de risco de inundação. Esses espaços da cidade são caracterizados por elevada
vulnerabilidade socioambiental e por serem habitados por população com baixo poder aquisitivo, sendo
próximas aos corpos hídricos da cidade, ou mais especificamente, localizadas em suas planícies de
inundação.
Ilhas térmicas
Moura (2008) através de estudo publicado em dissertação de mestrado na Universidade Federal do
Ceará (UFC), com uma análise que objetiva definir a freqüência e a intensidade das ilhas térmicas (ilhas
de calor e frescor) nas realidades intra e inter-urbanas de Fortaleza tendo como referência pontos
experimentais representativos da realidade urbana, apontou as áreas de Fortaleza onde ocorrem ilhas de
calor.
Fundamentando-se em Oke (1987), Pitton (1997) Moreno (1999) e Malveira (2003) que apontam
como causas que contribuem para a formação das ilhas de calor o maior armazenamento de calor durante
o dia na cidade, graças às propriedades térmicas e caloríficas dos materiais de construção urbana, e sua
devolução para atmosfera durante a noite; Adição do calor antropogênico na área urbana pela utilização de
aquecedores e refrigeradores, transportes e atividades industriais; Diminuição do fluxo do calor latente
devido ao aumento de superfícies impermeáveis e redução da vegetação e das águas superficiais (lagoas,
lagos e rios); identificando que as ilhas de calor em Fortaleza podem ultrapassar o valor de 5ºC e ocorrem
com maior freqüência e intensidade no período diurno.
Segundo este autor são nos setores sudoeste, oeste, noroeste e porção central da cidade onde as
ilhas de calor se concentraram, ou seja, analisando-se a Figura II, as áreas com menor cobertura vegetal e
maior impermeabilização do solo, além de construções e intenso fluxo de veículos e pessoas.
Moura (2008) conclui ainda que “[...] as ilhas térmicas são resultantes do albedo urbano, ou
melhor, da mudança dos fluxos de energia solar incidente na superfície da cidade que consequentemente
por meio de processos físicos produz alterações na temperatura do ar” (p. 46).
Conclusão
O processo de expansão urbana de Fortaleza-CE, assim como grande parte das cidades dos países
subdesenvolvidos, realizou-se de forma negligente com os recursos naturais. O processo se caracterizou
na realização de aterramentos de corpos hídricos, uma intensa ocupação do solo, desrespeito às Leis de
Uso e Ocupação e infra-estruturas insuficientes ao contingente populacional.
A natureza, por ter seu ciclo natural de entrada e saída de energia alterados, não completa seu
ciclo, e as águas por não encontrarem no solo o mesmo grau de permeabilidade de outrora, refletem
impactos ambientais na cidade.
A agressão às áreas verdes, juntamente com a impermeabilização do solo resulta e/ou agrava os
problemas de inundação, e consequentemente de doenças de veiculação hídrica, além da elevação da
temperatura em áreas com grande número de construções, pavimentações, entre outros fatores.
Os problemas resultantes da impermeabilização do solo da capital cearense refletem em alterações
na qualidade ambiental, ou seja, alteram o estado das principais variáveis do ambiente que afetam o bemestar dos organismos, particularmente dos humanos.
Após este diagnóstico entende-se que para a cidade de Fortaleza é necessária a criação de uma
gestão que supere décadas de negligência com o ambiente, uma maior fiscalização das construções (vias
de transporte, habitações) para o cumprimento das recomendações da Lei de Uso e Ocupação do Solo.
Faz-se necessário, ainda, programas de Educação Ambiental, a fim de conscientizar as pessoas da
importância da preservação das áreas verdes e recursos hídricos, o que contribuiria para evitar a
sobrecarga do sistema de drenagem ainda deficiente da cidade.
A destinação e o uso das áreas verdes ainda existentes na cidade devem ser fiscalizados pelos
órgãos responsáveis e cobrados pela população, para assim, impedir a emissão de licenças que permitam a
agressão ambiental aos recursos naturais.
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