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Anuário da Produção
Acadêmica Docente
Vol. XII, Nº. 2, Ano 2008
A TRANSFERÊNCIA ERÓTICA E O MANEJO
NA PRÁTICA DO PSICANALISTA
RESUMO
Leandro A. Rodrigues dos Santos
Centro Universitário de Santo André
[email protected]
Renata Rampim Silveira
Centro Universitário de Santo André
[email protected]
Tatiana Schork Peres Flores
Centro Universitário de Santo André
Abre um debate sobre a transferência erótica no tratamento, considerando esta questão como um assunto muito delicado e definitivamente influente no curso do processo. Este artigo tem como
objetivo problematizar o manejo deste tipo de situação entre o psicanalista e o paciente, seus efeitos e conseqüências no tratamento.
Partindo de entrevistas com psicanalistas, investiga-se a sutil e
difícil situação desse tipo de transferência, em diferentes relatos. A
conclusão preliminar apontar para a questão do estilo, particular e
específico em cada caso.
Palavras-Chave: Amor transferencial, manejo, psicanálise.
[email protected]
ABSTRACT
It opens a debate through the erotic transference in the treatment,
considering this issue as a very delicate subject and definitely influent in the course of the process. This article has the goal to render problematic the handling of this kind of situation among the
patient and the psychoanalyst, its effects and consequences in the
treatment. Starting from interviews with psychoanalysts, investigate the rarefied and hard situation of this kind of transference, in
different reports. The preliminary conclusion points to the matter
of the style, particular and specific in each case.
Keywords: Transferential love, handling, psychoanalysis.
Anhanguera Educacional S.A.
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 2000
Valinhos, São Paulo
CEP. 13.278-181
[email protected]
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Artigo Original
Recebido em: 2/10/2008
Avaliado em: 3/12/2008
Publicação: 19 de dezembro de 2008
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A transferência erótica e o manejo na prática do psicanalista
1.
A TRANSFERENCIA EROTICA E O MANEJO NA PRATICA DO PSICANALISTA
Durante o processo de confecção de nosso trabalho de conclusão de curso, percebemos
que há um tema que, apesar de ser pouco explorado, se faz presente na clínica psicanalítica. Abordamos nesse trabalho alguns conceitos como transferência, demanda, transferência erótica e manejo. Para iniciarmos, é importante ressaltar que a transferência é,
sobretudo, o motor para que haja a análise. Partindo desse pressuposto, nosso objetivo
neste artigo, é tentar proporcionar ao leitor a reverberação das reflexões advindas de
uma questão que ainda nos interroga: como ocorre o manejo do psicanalista em relação
à transferência erótica a partir dessa demanda de amor e com isso, como o mesmo lida
com este aspecto?
Para respondermos a essas perguntas, devemos salientar nossa percepção durante a defesa formal do trabalho de conclusão de curso, no qual apreendemos que cada analista tem seu próprio estilo em relação ao manejo, particularizando e reafirmando o famoso alerta de que cada caso é um caso.
No desenvolvimento desta pesquisa, utilizamos conceitos teóricos extraídos
do campo da Psicanálise, principalmente do ensino de Freud e Lacan e fomos a campo
entrevistar quatro psicanalistas de abordagem lacaniana. As entrevistas obtiveram um
roteiro semi-estruturado e foram gravadas mediante autorização para posteriormente
serem transcritas e analisadas na íntegra.
Dos psicanalistas entrevistados dois são do sexo feminino e dois do sexo masculino e os mesmos serão nomeados como 1; 2; 3; 4, para preservar as suas identidades.
No decorrer deste artigo iremos correlacionar as falas dos entrevistados com o material
bibliográfico pesquisado.
Para alcançarmos o objetivo proposto, é fundamental conceituarmos minimamente este conceito de transferência que, segundo Laplanche e Pontalis (1992, p. 517)
classificam nas seguintes palavras: “[...] transferências são reimpressões, cópias das
moções e das fantasias que devem ser despertadas e tornadas conscientes à medida dos
progressos da análise [...]”, pois a transferência ocorre quando o paciente deposita na
figura do analista seus sentimentos reprimidos do passado, uma carga afetiva que nem
sempre é vista de forma positiva, podendo muitas vezes apresentar outras conotações.
Notamos isso na visão da entrevistada 2, pois a mesma afirma:
Quando se faz o diagnóstico há transferência. A transferência também é um ponto de diagnóstico. Como é que transferencialmente esse sujeito que te procura reage? Como é a transferência. Que lugar é esse que ele te coloca, como é que ele te
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trata [...] Como é que ele atua com você? Isso diz do sintoma, diz da estrutura
dessa pessoa, diz como ela é também na vida de alguma forma [...]
Partindo dessa idéia é importante lembrarmos que a transferência não ocorre
somente em análise e sim durante toda a vida do sujeito, podemos constatar isso através das teorizações de Freud (1914/1969), nas quais nos lembra que sempre há relações
de repetições na vida das pessoas, mas que no processo analítico isso será fortemente
reavivado com o psicanalista.
Quando pensamos em transferência, devemos também pensar num outro conceito importante, a demanda que, originada e marcada pela falta, transforma-se sempre
numa demanda de amor que, supostamente, sendo satisfeita, obturaria esta falta primordial e tão angustiante.
A transferência é um conceito tipicamente psicanalítico, e começa a tomar
forma ainda no início da prática do jovem Sigmund Freud (1893-1895), que começou
um tratamento com uma paciente que declara e demonstra fortemente a paixão por seu
médico e anseia viver plenamente este amor; estamos falando aqui de Ana O., caso
prototípico da história da psicanálise. Freud a ajudou a recordar fatos reprimidos de
sua infância, até descobrir que a mesma desejava seu pai e queria ver sua mãe morta,
de uma maneira classicamente edipiana. O amor que a paciente sentia pelo analista era
uma repetição do amor que sentia por seu pai. O caso foi diagnosticado e então tratado
como histeria e a paciente em vários momentos apresentou seus sintomas modificados:
em um momento estava cega, em outro com as pernas paralisadas, pois até o início do
tratamento com Freud era tratada sob hipnose, e a hipnose; como sabemos, por força
da sugestão, destitui o sintoma, não a causa.
Segundo Lacan (1960-1961) “[...] a demanda não é explícita. Ela é, mesmo,
muito mais que implícita, ela é oculta para o sujeito, ela é como algo que deve ser interpretado [...]”. Então, podemos dizer que a demanda é quando o paciente busca o saber no outro, busca inconscientemente no analista o saber da cura, esperando algum
reconhecimento, ou seja, o paciente se “apaixona” pelo saber do analista, mas na verdade ele está na busca do seu próprio desejo, então, cabe ao analista acreditar, na medida do possível, que pode responder aquilo que o outro demanda, sendo seu papel
compreender o que é suposto pelo sujeito, tendo em mente que isto pode ser um facilitador da transferência.
O entrevistado 3, nos aponta que “[...] Às vezes falar algumas coisas que vêm
a demanda fale (responda ao paciente), é uma maneira de empurrar o paciente a falar,
é muito interessante isso, se você não faz isso a pessoa não fala [...]”
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No decorrer do tratamento o paciente revela, através do seu discurso, seus desejos mais inconscientes, aos quais não consegue dar conta pela via de uma recordação
ou até mesmo pela elaboração, por isso repete para, e com o analista todas as suas fantasias. Ou seja, o psicanalista, através do seu manejo, faz com que o paciente deixe de
repetir através do ato e passe a elaborar seus verdadeiros desejos, por isso este manejo
tão específico é crucial na análise. Porém, deve-se ficar muito atento com o significado
de manejo, pois não existe uma regra fixa, pelo fato de se tratar de algo subjetivo, lembrando que cada profissional tem seu próprio estilo no atendimento de seus pacientes e
nas estratégias frente aos momentos delicados do tratamento.
Referenciando a entrevistada 2, o manejo para ela
[...] é se colocar num lugar de vazio, é não responder de repente algumas coisas...
Eu acho também que o analista não pode ter uma presença muito marcante, roupas, etc. ..., porque pode remeter a várias coisas. Mas, cada um tem um lugar que
se ocupa.
Consultando o dicionário, Houaiss (2004) compilação dos significados, encontramos algumas definições para o termo manejo:
a) Uso de algo com auxilio da [s] mão [s]; maneio,manuseio (m.de uma
máquina).
b) Exercício, desempenho (m. de uma arte).
c) Fig. Direção, governo (vacila no m. de seus comandados).
d) ECO gestão do ambiente de seus recursos, de modo a que seu uso ser
constante, sem redução no futuro indefinido.
Isolan (2005) descreve que sua forma de manejo é mostrar ao paciente a realidade do que está sendo pedido, pois quando o analista interpreta e coloca através de
palavras a troca de emoções inconscientes, leva o mesmo a refletir sobre aquilo que está
trazendo para a análise. Esta resposta, que o analista oferece ao sujeito só ocorre, pois
existe uma demanda inicial por parte do paciente, uma autorização transferencial endereçada a este outro encarnado no analista.
O caso clínico de Dora, relatado por Freud em sua obra, cujo tratamento iniciou-se em 1900, apesar de ter sido nomeado como a análise de um caso de histeria, nos
mostra claramente a importância da percepção do terapeuta em relação à transferência.
Contudo, para Decker (2000), Freud falhou no manejo da transferência. Dora fazia análise todos os dias com exceção dos domingos e, certo dia, parou a análise, pois Freud
não soube lidar com o tempo da transferência, ou seja, o seu manejo não obteve o resultado esperado. Nessa época ele ainda criava suas teorias e nesse caso não conseguiu lidar com a transferência e a resistência que apareceram muito forte na paciente. Apesar
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de futuramente estes conceitos terem “ajudado” várias pessoas, na época do caso de
Dora, isso aparentemente não foi possível.
Para Freud (1912/1969) a transferência pode ocorrer também como uma forma
de resistência, ou seja, é um obstáculo que irrompe de uma forma inconsciente à análise, portanto quando a transferência aparece dessa maneira, o analista deve, de alguma
forma, trabalhá–la, pois se esta resistência não for bem manejada pode levar ao final do
tratamento. A entrevista 2 relata:
[...] como Freud disse, o amor é o motor da análise, quando isso está muito evidente pode atrapalhar, vira resistência. Por isso não pode ser tão evidente assim,
não pode ser maior do que a vontade de se analisar, então o amor tem que servir
à análise e não a análise servir para ficar no amor que sente pelo analista, porque
se não, não tem análise [...]
Então, a resistência ocorre quando o paciente inconscientemente resiste ao tratamento, ocultando assim seus desejos reprimidos como nos mostra Ferreira (2004,
p.34).
Cabe então a pergunta: o que resiste? O que resiste é justamente o que não pode
ser significado e que está prestes a ser revelado. Em uma análise quando alguma
associação ligada ao recalque se desloca para a pessoa do analista, exatamente ai
surge à resistência.
Freud (1914/1969) denota que o analista deve mostrar ao paciente sua resistência e familiarizá-lo com ela e que “só quando a resistência está em seu auge é que
pode o analista, trabalhando em comum com o paciente, descobrir os impulsos instintuais reprimidos que estão alimentando a resistência”. (p. 202).
Com isso, entendemos que a resistência é um mecanismo que devemos tratar
com cautela e cabe ao analista manejá-la com o objetivo de não deixar que esta “barreira” inconsciente atrapalhe o tratamento.
No caso Ana O., como relatado anteriormente, podemos dizer que é demonstrado de uma forma explícita a transferência erótica da paciente para com seu analista
que, no caso Freud, trabalhou utilizando a hipnose em um primeiro momento e posteriormente a associação livre, ajudando-a recordar e elaborar seus reais desejos inconscientes.
Parafraseando Isolan (2005), a transferência erótica ocorre quando um paciente se sente enamorado por seu analista, sendo um processo importante para o desenvolvimento da análise e conforme Freud (1915-1914/1969), o médico deve entender
que o amor do paciente é desencadeado pela situação analítica e não por sua pessoa.
Haja vista que o paciente, por sua posição de “amante”, deixará de atentar-se às suas
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questões de análise e pensará somente no amor que sente por seu médico, colaborando
para que neste caso a transferência apareça fortemente sob a forma de resistência.
A entrevistada 2 relata que:
[...] tem alguns pacientes... E é muito comum o analisante de algum jeito seduzir,
tanto o homem quanto a mulher, de querer convencer, ou fazer de conta de que
ele é uma pessoa maravilhosa, que todos os outros tem problemas menos ele. É
bem interessante isso, é uma coisa muito narcísica. E o que eu percebo nos homens é assim. Eles fazem muita propaganda de si mesmo, de como eles funcionam bem, de como eles conquistam as mulheres, de como eles são maravilhosos...
do que se fala, de como se fala, eles querem seduzir o analista [...]
Pensando nos conceitos teóricos e analisando as entrevistas, percebemos que a
transferência erótica é algo muito comum e rotineiro na clínica psicanalítica, podendo
provocar dificuldades no manejo do profissional, como também pode beneficiar o tratamento. Durante a análise das entrevistas constatamos que todos os entrevistados deixam claro que utilizam os conceitos de Freud e Lacan como base para pensar na forma
de manejar e na análise dos casos, bem como um auxílio para diagnóstico e desenvolvimento da análise.
Cada analista entrevistado apresentou algum caso que podemos classificar
como transferência erótica ou amor transferencial, porém os quatro citaram casos de
pacientes com o sexo oposto. Por exemplo, analista homem e paciente mulher, deixando bem claro que esse amor transferencial sempre ocorre independentemente do gênero.
Dos entrevistados, citaremos dois que falaram sobre o silêncio em análise. O
entrevistado 1 relata que permite o silêncio na sessão em um caso específico, pois o silêncio permite o outro falar, já o 3 relata que em um caso específico não permite o silêncio, pois a paciente apresenta a transferência erótica e se há silêncio na sessão ela se
insinua através de “caras e bocas” para ele, apresentando esta transferência como resistência, “não abrindo espaço” para falar de seus conflitos, e é através desses relatos e
dos estudos, que definimos que o manejo é efetivamente peculiar e subjetivo. Já nossa
entrevistada, 2, diz que seu manejo em certos momentos é se colocar num lugar de vazio, não responder, nem intervir em nada e deixar com que o paciente entre em contato
consigo mesmo, ressaltando que isso depende de cada profissional e de cada caso e que
não se deve generalizar.
Gostaríamos de salientar que no decorrer das entrevistas enfatizamos um
pouco mais sobre a questão do gênero, no sentido de que sempre há amor transferencial em pacientes e analistas do mesmo sexo, porém, este amor com pessoas do mesmo
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sexo vem de uma forma mais implícita, mais de carinho, mais terna, pensamos em algo
parecido com amor entre mãe e filho (a), o que nos faz supor que o saber que é demandado neste caso seria uma busca de amor materno, paterno e/ou fraterno.
Ao discutirmos sobre o manejo com a entrevistada 4, esta nos relata que ainda
é difícil perceber como acontece a transferência em alguns casos e já em outros se percebe mais facilmente e, para ela, o manejo também acontece conforme o caso. Um exemplo que nos conta é quando um de seus pacientes, uma criança, lhe dá um beijo e
um abraço, ela fica sem reação naquele momento, não sabendo como manejar esta situação e termina a sessão. Já com outro paciente, um homem, que a convida para fazer a
sessão em um restaurante, ela tem de manejar rapidamente lhe dizendo não, e que a
análise deve ser feita sempre no consultório. Segundo Kernberg (1995) apud Isolan
(2005) podemos dizer que:
[...] As questões técnicas mais importantes no manejo da transferência erótica são:
primeiro, a tolerância do terapeuta ao desenvolvimento de sentimentos sexuais
em relação ao paciente... finalmente a capacidade do terapeuta de analisar a expressão do amor transferencial do paciente e as reações do mesmo à frustração,
que inevitavelmente acontecerá [...] (p.191).
O manejo para o entrevistado 1, em relação à transferência erótica, vai muito
do estilo do analista, segundo ele, caso uma paciente demonstre explicitamente esta
modalidade transferência, o profissional deve cortar. Acredita que o corte é o melhor
manejo nesta situação. Ele considera que em relação ao paciente há uma sutileza em
seu estilo, na sua forma de cumprimentar, etc. Ele não se diz frio, apenas sutil, portanto
se alguma paciente sentiu algum desejo por ele, não demonstrou, pois acredita que devido a sua sutileza o paciente é influenciado, e em virtude disso não demonstra de uma
forma explícita qualquer sentimento que venha surgir. Seria como se o analista fosse o
espelho do paciente, como Freud recomendava.
De acordo com o entrevistado 3, o manejo também depende de cada caso. O
interessante é que, para ele, a experiência na área clínica ajuda na hora de manejar, apesar de não ser igual para todos. Ele nos diz que o analista deve ter um tempo para se
instalar no processo da escuta psicanalítica, ou seja, quando o paciente traz a demanda,
o analista necessita de um tempo para escutar essa demanda e em alguns casos até respondê-la, para assim manter vivo o desejo do analisando pela análise.
Seguindo essa linha de raciocínio, Isolan (2005) nos mostra que “[...] cabe ao
terapeuta mostrar a realidade do que está sendo pedido, o que poderá ser feito pela
análise detalhada dos sentimentos [...]”, ou seja, o analista deve se atentar à demanda
trazida pelo paciente.
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Percebemos através dos relatos, o quanto existe a peculiaridade dos profissionais durante o manejo, como quando o entrevistado 3 relata que precisa de um tempo
para se instalar no processo analítico, ou seja, para que ele possa desenvolver uma análise, necessita do seu tempo. Enquanto a entrevistada 4 nos aponta que, em alguns casos, tem dificuldades em perceber a transferência, esses fatos fazem parte exclusiva do
estilo do analista para desenvolver o seu trabalho.
Então, podemos dizer que o panorama deste artigo é desafiador e intrigante, e
percebemos através dos relatos o quanto há de cada profissional, na sua forma de intervir, no que falar. Aprendemos, não somente com as entrevistas, mas também com o
percurso de nossa formação.
Este artigo nos fez refletir acerca da transferência erótica e das dificuldades do
analista em lidar com seu próprio manejo, no desenvolvimento da análise e em relação
à transferência erótica, pois quando a transferência é bem manejada o paciente modifica a “sua visão”, ou seja, ele elabora seus desejos.
Neste sentido, podemos dizer que o amor é um sentimento presente, que “anda” junto com a análise e fora dela também e, por isso, concordamos com Ferreira
(2004, p. 8), quando diz que “o paradoxo do amor reside no fato de que o que falta ao
amante é precisamente o que o amado também não tem”.
Ressaltamos que o ser humano está e sempre estará em busca de algo que lhe
falta, de algo que possa satisfazer seu desejo, e não basta amar, o que ele deseja é ser
desejado pelo outro, mas mesmo esse outro o desejando não cessará sua necessidade,
sua falta, pois a necessidade de ser amado é algo incessante. Porém, é necessário lembrarmos que transferências sempre existirão, pois transferir é algo inerente a nós seres
humanos, e que por mais que utilizemos os nossos mecanismos de defesa, sempre estaremos transferindo algo para o outro, vivendo uma luta constante em busca dos “nossos desejos” e esses desejos estão intrinsecamente relacionados com a palavra amor.
O que sabemos sobre o amor? Quando nascemos, a grande maioria recebe afeto, demonstração de carinho e até nas broncas há uma sutileza da preocupação com o
futuro, há uma expectativa do que cada ser humano vai buscar no decorrer da sua vida. Quando criança todas as histórias falam de amor, mostrando o sofrimento de uma
forma às vezes implícita, mas sempre no final aparece a frase “E viveram felizes para
sempre”. Esta frase mostra uma busca desenfreada pela felicidade, no qual o ser humano demanda e transfere durante toda a sua vida.
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No inicio da existência, acredita que a mãe é exclusivamente sua, mas com o
tempo, descobre que há uma terceira pessoa nessa relação de amor, e com esses acontecimentos durante o percurso de cada individuo, desenvolve-se os desejos reprimidos e
ocorre à busca constante por este amor, como já dissemos anteriormente tentamos encontrar no outro aquilo que nos falta, mas... sempre faltará algo.
Contudo, percebemos através da elaboração deste trabalho, juntamente com a
vivência dos atendimentos e supervisões, que a transferência erótica em muitos casos
ocorre durante a análise, às vezes de forma explícita outras mais camufladas. Cabe ao
analista fazer bom uso de seu estilo na hora de manejar, ou seja, cada um tem o seu
momento para intervir, para entender a transferência, para responder a demanda se for
necessário e de forma sutil, para deixar o paciente em silêncio se necessário, entender
que as declarações de amor na verdade não são para ele, mas para alguém que suponha ser e aprendemos que o papel do analista e a função da análise é, em última instância, fazer com que o sujeito se responsabilize por seus atos.
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