Transferência: condição de poder ou resistência a ele

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Transferência e Poder: Algumas reflexões
BREDER, Bárbara; MATTOS, Paulo Roberto;SERRA, Carlos Henrique Aguiar.
Este trabalho objetiva trazer o foco ao debate sobre a cena analítica tendo em
vista a análise da relação de poder. Esta estabelecida em virtude da assimetria das
posições ocupadas pelo analista e analisando via transferência. Para tanto, propomos
abordar a temática do poder a partir da perspectiva foucaultiana presente em “a Ordem
do Discurso”. Bem como o conceito de transferência, proposto por Freud e retomado
por Lacan. Para este, princípio de poder na análise, para aquele, via de condição dela.
Segundo Foucault, o discurso situa-se nas ordens das leis e se lhe ocorre ter
algum poder, é de nós e sobre nós que ele advém. Ou seja, nas sociedades, a produção
de discurso é ao mesmo tempo, controlada, selecionada, organizada e redistribuída por
certo números de procedimentos que interditam, selecionam aqueles que falam e o lugar
onde os discursos podem emergir. Desta forma, revelam a relação do discurso com o
desejo e o poder.
Isto quer dizer que, sorrateiramente, obedecemos a regras de uma política
discursiva que reativamos em cada um de nossos discursos. Desta forma, atendemos a
vontade de verdade que se expressa no poder coercitivo que pressiona e apóia-se em
práticas e saberes. Assim, que nos interessa neste ponto, a fim de promover uma
conexão com a clínica psicanalítica é o fenômeno de rarefação dos sujeitos que falam.
Foucault ressalta que “ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas
exigências ou se não for, de início, qualificados para fazê-lo”. E ainda que, existem
lugares fechados que se produzem e circulam os discursos sendo estes redistribuídos
somente segundo regras restritas.
A psicanálise nos ensina que certas condições devem ser estabelecidas para que
um processo analítico possa ocorrer. Dentre elas destacamos o endereçamento de uma
questão ao analista a partir do suporte transferencial que promove uma assimetria entre
analista e analisado. Ou seja, através da transferência, o paciente impõe ao analista um
lugar e uma existência particular a partir de onde o paciente receberá as intervenções
clínicas. “Pois é pelo que o analisando (sujeito) imputa o analista a ser que é possível
que uma interpretação volte ao lugar de onde pode ter peso na distribuição das
respostas” (Lacan, 1958). O sintoma passa a ser endereçado através da cadeia
significante ao analista que está no lugar do Outro (A) cabendo-lhe transformar este
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sintoma na questão que Lacan denomina como “que queres” (Che vuoi?), questão
chamada desejo. Desta forma, a constituição do sintoma analítico é correlata ao
estabelecimento da transferência que faz emergir o sujeito suposto saber: o analisando
supõe que o analista detém a verdade sobre seu sintoma. Trata-se de uma ilusão, um
erro subjetivo imanente à entrada em análise.
Portanto, a psicanálise teria em seu âmago a dissimetria de posição e sua
condição de acontecimento, em primeira instância é o estabelecimento de uma relação
de poder, na qual a um dos personagens é atribuído o saber enquanto ao outro a
demanda de saber passa a ser o vínculo com o mestre. Diferente de Sócrates, que no
Banquete de Platão denuncia o engano e despreza ironicamente a suposição de saber
que lhe faz Alcebíades, o analista deve assumir uma posição diferente e deve “fazer-deconta”, ocupar esta posição “provocando uma torção dos termos que era do discurso
histérico e fazendo com que o candidato à análise entre no discurso analítico
propriamente dito.” (Quinet,1991, p.31). Que podemos depreender disto? Que a análise
tem como ponto de partida a coerção de uma parte por outra, o estabelecimento de
relação de poder assimétrica, que tem como produção a demanda de um discurso do
paciente a figura do analista, que ilusoriamente, tudo-sabe. O que se produz então é uma
dominação de aparição do discurso, que em princípio deve cumprir este esquema de
emergência. Assim como a seleção dos sujeitos que falam, uma vez que não
contemplado esta condição, não há possibilidade de análise.
Por sua vez, Freud localiza no processo transferencial a ilusão e o engano que se
configuram como motor da própria análise; presente no conceito de clichê estereotípico
através do qual o paciente atualiza na figura do médico, ideias antecipadas, conscientes
e inconscientes. Porém, o que se mostrava motor da análise, possui outra face ao tornarse o mais poderoso meio de resistência. Poderíamos nos perguntar se esta dinâmica de
forças proposta por Freud, não denunciaria um embate de vetores. Expondo uma luta de
poder onde o analista se encontra defensor de um movimento de recordação de
conteúdos inconscientes, ao qual impele o paciente. Enquanto este, em resposta, entra
em transferência e através do enamoramento e engaja-se em um movimento de
resistência à coerção que aquele lhe impunha. Seria uma dinâmica de luta, em que os
dois lados esforçam-se em saírem vitoriosos.
“A resistência acompanha todo o tratamento passo a passo. Cada
associação isolada, cada ato da pessoa em tratamento tem de levar em
conta a resistência e representa uma conciliação entre forças que
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estão lutando, no sentido do restabelecimento e as que lhe opõe”.
(Freud, 1912, p.138)
Freud no texto “Recordar Repetir Elaborar” de 1914 nos surpreende com suas
metáforas bélicas onde defende a idéia de um embate ativo entre: médico e paciente,
entre o intelecto e a vida instintual, entre a compreensão e a procura da ação. Todos
travados quase exclusivamente no terreno da transferência. Desta forma, destacamos a
oposição entre médico, paciente, caracterizado por ele como luta. Mais a frente ele
ressalta que é neste campo que a vitória tem que ser conquistada, cuja expressão é a
cura permanente da neurose. “O paciente retira do arsenal do passado as armas com
que se defende contra o progresso do tratamento – armas que lhe temos que arrancar,
uma por uma.” (Freud, 1914, p.198) Assim, concluímos que resta ao paciente defenderse do progresso analítico dirigido pelo analista tendo como objetivo último o
preenchimento de lacunas de memória. E que a arma mais poderosa que o paciente
lança mão frente à coerção do tratamento é o amor. A irrupção da exigência de amor é,
portanto, fruto da resistência. Ou seja, a resistência passa a utilizar-se do amor a fim de
“estorvar a continuação do tratamento, desviar todo seu interesse do trabalho e
colocar o analista em posição canhestra.” (Freud, 1915, p.212). Em suas metáforas
Freud prossegue e afirma que o psicoterapeuta tem uma batalha tríplice a travar: a
primeira em sua própria mente, contra as forças procuram arrastá-lo para baixo do nível
analítico: a segunda concerniria a opositores fora da análise, que discutem a importância
da psicanálise e por último, a batalha se inscreveria também dentro da análise, “contra
as pacientes, que a princípio comportam-se como opositoras” (p.220, idem) Afirma
ainda que o manejo dos mais perigosos impulsos mentais resulta na obtenção do
domínio sobre eles, em benefício do paciente.
Lacan está em consonância a Freud ao afirmar a característica de
fechamento do inconsciente promovido pela transferência, que é ao mesmo tempo
obstáculo à rememoração e presentificação do fechamento do inconsciente e
paradoxalmente a atualização da realidade inconsciente. Trata-se de um fenômeno em
que estão incluídos, juntos, o sujeito e o psicanalista; é um fenômeno essencial, ligado
ao desejo como fenômeno nodal do ser humano. Porém, é importante repetir que para
haver transferência é necessário o estabelecimento do Sujeito Suposto Saber. É
igualmente essencial destacar que a função do analista centra-se, em certa medida, em
encarnar esse Sujeito Suposto Saber. (Lacan, 1964, p.220) E não em assumir apoiado
na certeza este lugar. Queremos dizer que não se trata de uma identificação irrestrita do
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analista a este lugar. Que é suposto e não o é de fato. É necessário considerar o aviso de
Lacan de que a posição do analista se acha na transferência constituída por um sujeito
suposto saber que altera a correlação de forças existentes no contexto de uma análise.
Ou seja, o lugar do analista conta com o caráter de suposição do saber e não de sua
existência intrínseca. O que se trata é de uma função e não de identificação a este
lugar que levaria o analista a posição de mestre e por conseqüência a obstrução do
trabalho analítico.
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