Abertura Encontro Internacional Cultura e Tecnologias Digitais – Os Novos Desafios da Gestão Cultural 23 de setembro de 2014 Sesc Vila Mariana Nietzsche1, filósofo alemão do século dezenove, em seu livro A Gaia Ciência, nos diz: “(...) O novo, em todas as circunstâncias, é o mal, pois é aquilo que deseja conquistar, derrubar os marcos fronteiriços, abater as antigas crenças; somente o antigo é o bem! Os homens de bem, em todas as épocas, são aqueles que implantam profundamente as velhas ideias para lhes dar fruto, são os cultivadores do espírito. Mas todo o terreno acaba por se esgotar, é preciso sempre que o arado do mal volte (...).” Na temeridade de não percebermos os códigos e as cifras que as palavras escondem sob a pele das sintaxes2, não gostaria de me deter na busca de um entendimento sobre o bem ou o mal. A história de cada um se encarregará de apontar, transformar e até de fazer esquecer as definições que tais termos tomarão nas nossas vidas. O que este pensamento parece trazer, para mim, é algo mais simples de admitir do que a eterna luta dos contrários. O fato é que tendemos a não aceitar muito bem o que nos é novo. Quando somos o novo e procuramos nosso lugar nesta aceitação, é óbvio que tal fato não se dá. Mas é bom lembrar que o novo não é perpétuo, mesmo e principalmente quando ele está em nós. Um dia, levaremos conosco a tradição, os velhos costumes que nos moldaram quando éramos ainda uma novidade. Quando as novas tecnologias surgiram – e elas não são mais novas e o termo corrente é: as mais recentes tecnologias – a cisão entre o novo e o tradicional se deu de modo fervoroso. Parecia, e às vezes ainda parece, que quando se discutia a tecnologia digital, se fazia como defesa ou ataque a preceitos religiosos. Éramos verdadeiros fiéis em uma feroz justificação de nossos deuses. No entanto, esta batalha, hoje em dia, mostra-se arrefecida pelo modo cotidiano com que temos que lidar com as tecnologias digitais. Elas facilitaram encontros, encontraram curas, escancararam corrupções e desvelaram corrompidos; enquadraram crimes e criminalizaram o transbordar dos quadros. Encobriram verdades, revelaram mentiras, movimentaram os músculos inertes e congelaram o tempo; aceleraram o cosmo e a informação. Deformaram a memória e estagnaram o vírus; bombearam corações e reviraram vísceras; distanciaram as bombas e aproximaram os destroços; ajudaram e confundiram. Fizeram e desfizeram, como qualquer ser humano, em qualquer tempo e em qualquer lugar, faria. 1 Friedrich Wilhelm Nietzsche (Röcken, 15 de Outubro de 1844 — Weimar, 25 de Agosto de 1900) foi um filólogo, filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão do século XIX. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Nietzsche 2 Referência a um verso de Carlos Drummond de Andrade: “Sob a pele das palavras há cifras e códigos”. Não sei se somos o começo, nem sei se algum fim seríamos. Sei que somos, como tudo o que inventamos, um meio. Um meio de resistir à morte com a nossa própria vida. Sigamos, então, nesta seara, onde os frutos tradicionais do conhecimento sempre encontrem os fios renovadores dos arados intransigentes. Um ótimo Encontro e muito obrigado! Danilo Santo de Miranda Diretor Regional do Sesc no Estado de São Paulo