A REFLEXÃO FENOMENOLÓGICA – NÚCLEO CONCEITUAL1 MAYCOL MARQUES LACERDA MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS “PAULINO SOARES DE SOUSA”, DA UFJF. ACADÊMICO DO CURSO DE DIREITO DA UFJF. SUMÁRIO: I – Apresentação; II – Discurso acerca do núcleo da mensagem fenomenológica; III – Ensaio acerca do núcleo da mensagem fenomenológica; IV – Conclusão; V – Referências Bibliográficas. A palavra “Fenomenologia” significa, antes de mais nada, um conceito de método. Ela não caracteriza a consciência de fato do objeto da investigação filosófica, mas seu como... Esse termo expressa um lema que poderia ser assim formulado: às coisas mesmas! – por oposição às construções soltas no ar e aos achados casuais; em oposição à admissão de conceitos apenas aparentemente verificados e aos falsos problemas que se impõem de geração em geração como problemas verdadeiros.” Martin Heidegger 1 O presente trabalho originou-se de uma proposta curricular do professor Juarez Sofiste, quando ministrou a matéria Antropologia Filosófica II no primeiro semestre letivo do ano de 2006; e foi substancialmente alterado e ampliado para ser aqui apresentado. I – APRESENTAÇÃO Quando do enfrentamento da questão de como produzir um texto sobre o “núcleo da mensagem fenomenológica”, me deparei com um breve dilema: das duas, uma: ou faria um texto do tipo “acadêmico”, em terceira pessoa, à moda de um ensaio, com citações, o que bem acalentaria o ideal acadêmico de produção de texto (nota-se uma tangência, aqui, com o rigor positivo); ou daria um testemunho, de cunho “filosófico”, em primeira pessoa, evitando citações, ou seja, um discurso particular sobre meu autêntico – embora não original – entendimento sobre a temática (e aqui, em oposição, vingaria a proposta fenomenológica aplicada no próprio texto que a veicula). A solução foi tão breve quanto o problema: produzi ambos os texto. Daí porque esse trabalho são dois trabalhos: um discurso e um ensaio. O discurso é para ser lido. O ensaio é para ser, eventualmente, consultado2. Ambos não estão finalizados, estão abertos, sujeitos a mudanças fruto de críticas, sugestões e de novos aprendizados. Discurso e ensaio se complementam, embora o leitor vá notar uma certa descontinuidade entre eles. Se diferenciam porquanto no ensaio procurei retratar o que se entende por fenomenologia (logo esse ensaio se destina ao esquecimento... vez que o que vai dito já foi dito, e melhor, em outros inúmeros textos sobre o tema), enquanto no discurso me permiti opinar, de forma casual e atrevida, e esboçar uma crítica – inofensiva enquanto sou inofensivo. O destino do discurso não será outro..., mas, creio que se esse trabalho chamar alguma atenção, o será por conta desse discurso (e talvez pela quarta parte do ensaio), vez que ali se encontra minha reserva (ainda não totalmente delineada) quanto à fenomenologia. Logo, caso desperte algum frisson, será nos degustadores da filosofia de Husserl e não nos demais; daí, se eu tiver sorte, receberei mais reparos, críticas e ofensas do que benevolência, concordância e adesão. Convivo (cordialmente, até agora) com pessoas que consideram falta grave levantar a voz – ainda que insignificantemente desafinada e débil como a minha – contra a fenomenologia; sinto-me herético e isolado: acusam-me de “positivista” ou de “impregnado pelas idéias da modernidade”. Pode ser que tenham razão. É com eles, porém, que quero dialogar, pois dominam o que não conheço e é honesta minha intenção de aprender mais sobre a fenomenologia. Assim, felicito-me em agradecer a gentileza de alguns desses, que se dispuseram à leitura dessas linhas (em sua primeira versão, bem mais reduzida do que essa que vai a público): o acadêmico Marcelo Mattos e o professor Juarez Sofiste. Agradeço, ainda, ao professor Luciano Camerino, que atendendo ao meu pedido, gentilmente, leu esse trabalho, em sua primeira versão, se limitando a promover correções ortográficas e a dizer que “gostou do estilo”. Aduziu que não poderia ajudar muito, pois, modesto, afirmou: “Não entendo de fenomenologia.” Ao professor Ricardo Vélez, manifesto minha satisfação e gratidão pela oportunidade de divulgar meu estudo, sendo que, em temas de filosofia, estou agora estreando para o “grande público”, graças ao seu convite de integrar o Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Souza”. Espero corresponder minimamente às expectativas 2 Em tempo menciono que a eventual consulta será ou seria feita apenas por mim mesmo, quando necessitar de uma rápida investida pelos meandros da fenomenologia. Com isso, digo também que esse ensaio tem pouco a contribuir (um eufemismo para não se dizer que não tem nada a contribuir) para o repertório de interpretações da obra de Husserl. 2 e ao nível de conteúdo exigido e forcejei nesse sentido. Oxalá seja esse o primeiro de outros. Feitas essas devidas menções, levanto, brevemente, a minha motivação em trabalhar com esse tema. E basta uma palavra para explicá-lo: curiosidade. Quando da produção desse texto me vi curioso e incomodado ante uma novidade: a fenomenologia. Novidade entre aspas, pois se trata de um termo recorrente em certos meios e mesmo antes de cursar filosofia já ouvira menção a essa doutrina, que (é) (foi) moda (e modas vão e voltam). Há, me parece, até um uso “leigo” desse termo, talvez apropriado pelo senso comum, talvez mal assimilado por leitores de filosofia, que aderem às pressas ao que mais encanta. A novidade substancial para mim seria a eventual compreensão do sentido técnico da expressão e, pois, da filosofia que ela encerra. Nesse patamar iniciei minha modestíssima investigação e, agora, arbitrariamente, me coloco entre os estudiosos (na condição de aprendiz3, claro) dessa filosofia; Fenomenologia. Esse termo era (ainda é?) para mim misterioso, quando, iniciando meus estudos nessa casa4, ouvia noticias aqui e acolá. O estudante, principalmente, deve bem saber do que trato. Fenomenologia é uma palavrinha, mas quê (!?) universo carrega consigo (!?)..., e assim se dá com vários termos do nosso repertório filosófico. Quando ignoramos os significados desses termos, a palavra ganha uma dimensão misteriosa, encantada, esotérica (no sentido de um saber reservado a poucos), quase uma palavra mágica, como “abre-te cesamo”. Para mim não abriu, mas deixou-se ver uma “brechinha”. Esse trabalho me trouxe mais para perto (a) (da) notícia fenomenológica e por isso me foi útil em minha formação acadêmica. Alhures trato de uma analise crítica acerca da ciência. É verdade que sob uma perspectiva teórica inteiramente distinta, mas, como a fenomenologia envolve uma proposta epistemológica de renovação da ciência, compreendê-la, ainda que sumariamente, me pode ser útil, quando da finalização desse outro estudo. Por fim, não fica de toda afastada – muito pelo contrário – a vaidade intelectual e a conseqüente afetação que me ocorre com a oportunidade de publicação dessas humildes linhas. Presumo que esse seja um sabor que só ao iniciante seja dado: um certo deslumbramento palpitante de estar, no fim e ao cabo (apenas) se exibindo. Mas – sendo aqui bem enfático – em momento algum quis aparentar ser mais sabido do que sou (simular conhecimento), ou ser menos ignorante do que sou (dissimular desconhecimento). Se assim agi, foi sem o propósito e, aí, flertei com a soberba, que “é uma alegria cuja origem está em o homem sentir-se mais do que é.”, como gravou Spinoza5. Encerro essa apresentação fazendo dois registros: a forma de estruturação desse trabalho deriva da influência decorrente de minha leitura da obra do professor Eros Roberto Grau, eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, intitulada “Ensaio e Discurso sobre a Interpretação e Aplicação do Direito”; e um ou outro fraseado 3 Entretanto, como existem aprendizes e aprendizes, não posso deixar de citar que, em pelo menos duas ocasiões, me vi na condição de explicador de fenomenologia para outros alunos. Um deles me solicitou o empréstimo desse estudo, que agora, modificado, torno público, para auxiliá-lo na compreensão da obra “A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia”, vez que não estava tendo sucesso em suas tentativas de entendimento. Se fui útil, e pude experimentar o doce sabor de ensinar, esse trabalho já se justificou. 4 Refiro-me à UFJF, onde sou aluno há 12 anos. 5 Apud Abbagnano, verbete “Soberba”. 3 dessa apresentação ali se inspira. Segundo: satisfeito com esse meu labor intelectual – sempre modesto, claro – prazerosamente o divido, com primazia, com meus dois (quase que únicos) debatedores. Andrê Marques Lacerda, meu primeiro e único discípulo, acadêmico de medicina, meu irmão caçula, que será, sem resto de dúvida, um dos médicos com mais notícia filosófica dos últimos tempos (o que lhe será ótimo, para (des) humanizar-se) e Leandro dos Reis Lucheses, Gestor Governamental, especialista em Direito da Concorrência, cineasta amador (ama o cinema), interlocutor de muitos anos, velho amigo, que irá revolucionar a cultura desse país, assim que trocar de Ministério (menos Justiça e mais Cultura, meu chapa!). II – DISCURSO FENOMENOLÓGICO ACERCA DO NÚCLEO DA MENSAGEM FENOMENOLÓGICA. Este discurso é honesto e de boa-fé. E o digo, antes de mais nada, para que não me acusem de leviandade. O que se tem aqui é um testemunho; é alguém relatando suas experiências e impressões ao travar um estudo sobre uma determinada filosofia. Talvez o que vai dito tenha pouco interesse para muitos (e algum interesse para poucos); o texto não tem um destinatário especificado, serviu como exercício argumentativo, tentativa de aprendizado e iniciação científica. Serviu, pois, a mim. Verei outras utilidades. Este pequeno discurso resulta, inicialmente, de inferências que acumulei sobre o tema, seja pelos debates em sala de aula, seja por notícias esparsas, ouvidas a boca pequena, aqui ou ali, nos contatos que tive com essa ou aquela opinião, escrita ou falada, acerca da fenomenologia. Resulta, por fim – e principalmente – das (poucas) leituras que serviram de base para a produção do ensaio, que se segue após este discurso. Todavia, apesar da boa-fé (à moda de Montaigne), não posso olvidar que esse discurso possa ser fruto de uma equivocada leitura minha acerca da fenomenologia, o que seria de todo escusável, ante o fato de ser esse o meu primeiro contato formal com essa filosofia. Não me escapa que uma corrente de pensamento, que há mais de cem anos vem se esmerando, não possa ser (mal) atacada por alguém que há três ou quatro meses sequer sabia o que era essa corrente, e só porque ouviu três ou quatro palavras sobre o assunto já se arvora capaz de hastear a bandeira da crítica. Desse modo – desde logo aviso – se há algo errado, deve ser comigo e não com a fenomenologia, evidentemente. Não obstante, errado ou não, assumo o título de ser como sou; e não é de agora que tenho sido crítico: eventualmente, a partir de agora posso passar a ser criticado... Para evitar isso – ser tido por maldizente – direi pouco... Porém, sou crítico; e costumo me definir como alguém que não sobreviveu a uma autocrítica. E, sendo assim, estou a vontade para discursar como faço agora, em respeito a minha opinião e fazendo minhas as minhas palavras. E – vejam – não estou tão certo sobre o que digo: duvido de mim mesmo; e, pois, duvidem de mim. A dúvida como recurso metodológico, de Cícero à Cartesius, revela-se uma vereda retórica para certezas. Aqui não é esse o caso. Minhas dúvidas aqui não são desse nível: duvido porque ignoro; e sou crítico porque não sou um ignorante, sendo que só 4 os ignorantes estão isentos de dúvidas. Por isso me valho de um recurso, parcialmente retórico, assaz utilizado, que é dizer: da dúvida provém o espírito crítico, o qual, ponderando, acredita ser preferível o erro, filho do arrojo, do que o acerto ordinário. E mais: se erro, erro por ousadia, o que já é um acerto. Então, se duvido da fenomenologia e erro a seu respeito, não o faço por má-fé, mas por honestidade comigo mesmo. Nada mais posso fazer, além do que fiz; e forcejei por compreender o “núcleo da mensagem”. Se não o fui capaz, o que posso fazer? Estudar mais? Quero fazer isso pelo resto da vida. Dos meus colegas, que bem intuíram a mensagem fenomenológica, não posso deixar de sentir uma pontada de inveja [inveja filosófica, claro, que não deseja mal (filosófico) a ninguém] e, pois, de me sentir um tanto diminuído. A fenomenologia lhes caiu bem. Entrou sem maiores problemas. Estamos todos a ruminando: vamos ver como lhes será a saída. Bom, o que fica certo é que para redigir esse trabalho me foi necessário a suspensão de meus juízos pessoais: de fato, tentei “por entre parênteses” meus (pré) conceitos para tentar entender a fenomenologia. Assim é que tentei aplicar o próprio método a fim de tentar entendê-lo. Talvez não tenha funcionado..., talvez as categorias de que me valho ao pensar filosoficamente estejam de tal maneira entranhadas que não “baixou” a epoché, suficientemente. Uma razão para essa falha de entendimento (e aceitação) talvez seja porque, não posso negar, tenho uma certa inclinação pessoal (de gosto) pela filosofia da ciência, pela filosofia “positivista”. Não – obviamente – o positivismo do século XIX (ou o do Empirismo Lógico do Círculo de Viena), que é o que Husserl estava criticando, e sim o atual estágio da filosofia da ciência positiva, que até ganhou a nova alcunha de “póspositivismo”. Esse movimento intelectual abarca pensadores díspares, que só se reduzem a um único termo (“pós-positivismo”) por questão didática. Representam esse pensamento as obras de Popper, Lakatos e demais filósofos que primam pela racionalidade endógena da ciência, somadas às contribuições “historicistas” de Kuhn, Feyerabend e outros que levantam a questão sócio-culturológica como elemento exógeno e determinante na produção do conhecimento. Embora em grande medida sejam antagônicas, essas posturas teóricas, separada ou conjuntamente, promoveram severas críticas ao conhecimento científico “clássico”, que, me parece, não carecer da tese fenomenológica para ser substituído. Parece-me, atualmente, que na metaciência contemporânea pode-se obter bons desempenhos epistemológicos (para uma correta crítica à ciência) tomando-se as contribuições dos filósofos metodológicos (normativos) e dos filósofos construcionistas (descritivos), sem que seja necessário o apelo às metáforas do “mundo da vida”, do “ser-nomundo”, da “intuição de essências”, do “retorno às coisas mesmas” etc. Não entrarei aqui em nenhum detalhe sobre o pós-positivismo, obviamente porquanto estaria fugindo ao tema a que me proponho. Isso ficará para um próximo momento. Na bibliografia constam algumas obras de filosofia da ciência por conta de ter feito nesse trabalho algumas citações que lá se encontram e não porque vá avançar aqui nesse terreno. Assim, tendo em vista minha formação (que está em construção, evidentemente) tive e tenho alguma resistência aos fundamentos da fenomenologia. Citando casualmente, não me soa bem o cânone fenomenológico, donde extraio a equivalência essência-aparência6 (os Nominalistas medievais e Wittgenstein responderiam 6 A quarta parte do ensaio é destinada a explicação desse ponto. 5 que a questão da essência é menos metafísica e mais lingüística: a linguagem articulando o saber e a experiência dos homens os dá a impressão de estarem com isso acessando realidades essências); ou a idéia de que a ciência ignore o “mundo da vida” e necessite, por meio da fenomenologia, regressar a esse mundo (parece-me que a ciência não quer responder ou tratar de todas as questões humanas, ela não quer e não pode oferecer respostas para tudo. O “mundo da vida” é muito maior que a ciência. Ela tem uma atuação específica, que, v.g., Sir Karl bem demarcou). Além disso, os “positivistas” contemporâneos rejeitam a unidade metodológica (o chamado reducionismo radical) e bem convivem com a situação de cada “ciência” ter sua metodologia particular (não havendo mais o impositivo cânone do método fisicalista). Quanto a crítica segundo a qual a “ciência ignora as vivências pessoais das pessoas”, cabe o rebate de que a ciência tem um método – assim como a fenomenologia tem seu método – e este método tenciona validar intersubjetivamente um dado conhecimento (teoria), que tem uma ambição delimitada e, eventualmente, não pretende tratar da vivência pessoal de fulano ou sicrano. A ciência não reivindica o status de ser a única verdade do mundo; se a vivência pessoal de alguém não lhe é relevante por qual motivo deveria ela considerá-la? Há mais – e aqui me detenho um pouco mais: a fenomenologia parte do pressuposto da insuficiência da “ciência moderna” (o entendimento “clássico” acerca do que seja ciência) para tratar, ou compreender, o humano. E aqui a crítica se delimita: dividindo esse conhecimento em “ciências humanas” e “ciências da natureza”, o ataque da fenomenologia se direciona às “ciências humanas” (que estariam vitimadas pela onipresença do modelo metodológico das ciências naturais e, por conta disso, entre outras coisas, não poderiam “dar conta do humano”). Pois bem, supondo que um dos grandes préstimos da fenomenologia seja sua “epistemologia existencial” de compreensão do humano (donde, suponho, um botânico, por exemplo, prescinda de Husserl em seus estudos: melhor ele se dirigir às plantas com suas pré-categorizações teóricas do que “deixar a planta falar”), tomemos também outras suposições: supondo que “compreender o homem” seja um modo de “conhecer o homem”. E, também por hipótese, supondo que conhecer o humano implique em se poder responder a seguinte pergunta: “o que é o homem?” Seguindo essa linha, temse o que se segue; A fenomenologia – essa idéia será estendida no existencialismo – responde a pergunta acima dizendo que o homem é a existência do homem e, sendo assim, passa a estudar (descrever) as contingências dessa existência, como forma de delineamento da resposta sobre o que é o homem. O ser humano, então, não é tido como algo dado, pronto e acabado, como uma obra finalizada e, portanto, delimitada e definível (daí o inexorável fracasso em se tentar definir o humano). É, em verdade, algo em permanente mudança, construindo-se perenemente, refazendo-se permanentemente na história, pelo que só se pode descrevê-lo e não conceituá-lo por definições. Essas descrições [“a descrição é um discurso que conduz à coisa através de suas pegadas” – Diógenes Laércio, séc. III d.C. (apud Abbagnano, verbete “Essência”)] são comumente erráticas por conta de sua tentativa de seguir o homem em seu percurso claudicante no devir histórico. Daí que a fenomenologia, em certos momentos, abandona a lógica e, belamente, se filia à poesia7. Descrever o homem, nesses termos, responde a pergunta “o 7 Ou outras formas artísticas, como o cinema, que exploram outras narrativas para esboçar uma “visualização” amplificada do humano. E falando na sétima arte, cito, por todos, o belíssimo filme “A Encantadora de 6 que é o ser humano?” da seguinte maneira: o homem é o homem. Mas aí alguém questiona: “sim, mas e o que é o homem?” E a resposta, novamente, será: “O homem é o homem” e assim se vai até o infinito e além. Há uma alogicidade evidente, por conta da petitio principii: a descrição fenomenológica explica, mas não explica; fazendo arte. Acredito que isso seja uma grande contribuição da fenomenologia, que vem a somar ao repertório filosófico novos elementos, talvez menos epistemológicos e mais ontológicos. Mérito real, todavia, levanto algumas questões – não por filodoxia – de índole epistemológicas, que gostaria de ver aclaradas. Dê-se o nome que se dê, há o “conhecimento”. Ele recebe nesse ou naquele contexto lingüístico o nome de “caracterização”, “descrição”, “interpretação”, “compreensão”, “apropriação”, “idealização”, “conceituação”, “teorização”, “percepção”, “definição”, “reflexão”,...e a listagem não tem fim. Claro que há sutilezas e evidências diferenciadoras entre o sentido desses termos, mas o que há em comum entre eles é que são “conhecimento”. E conhecer é limitar. Vou tomar isso como uma premissa axiomática – de base transcendental8 – que servirá como eixo argumentativo. A fenomenologia se coloca – acredito; e contando que estejam corretas as premissas acima – diante de um paradoxo epistêmico (solucionável artisticamente, é verdade), pois ela quer “conhecer”, mas não quer “limitar”. Sua proposta de compreensão do humano, operando por descrições e interpretações – e não por definições e conceituações – se baseia na suposição de que assim procedendo não se esteja partindo para o mundo com uma categorização prévia. Com Kant9 (talvez antes com Hume) aprendemos que o “eucognoscente” se dirige ao “não-eu” (o mundo) com categorias prévias a esse contato com o mundo. Os filósofos da ciência adotaram o transcendentalismo ao postularem que “abordamos tudo à luz de uma teoria preconcebida”, ou “todo conhecimento é impregnado de teoria, inclusive nossas observações”10. E, por mais que se tente “suspender” essas categorias a priori, o homem é sempre produtor, ou co-produtor (esse “ou” tem aqui o emprego lógico excludente, isto é, “ou” exclusivo e não inclusivo) do objeto de seu conhecimento. Ou seja, a descrição não é um programa neutro. A prosopopéia utilizada pela fenomenologia pela qual se deve “deixar a coisa falar” pressupõe uma neutralidade epistemológica do “eu-ouvinte” muito questionável. E essa suposição dos fenomenólogos permite-lhes um certo proselitismo, por ser a sua filosofia uma “filosofia melhor”, uma “fundamentação para ciência”. Mas, se estiver certo que descrever é conhecer e que conhecer é limitar, a Baleias”, que facilmente permite uma interpretação fenomenológica. Ali se encontra exemplo de que expectativas do sujeito (prévias aos acontecimentos) comumente geram distorções e “cegueira” que o impedem de enxergar o humano. 8 Panoramicamente, pode-se colocar que se entre os antigos o conhecimento era tido como “identidade/semelhança” , entre os modernos conhecimento passa a ser “representação/síntese”: conhecimento como limitação subjetiva. 9 Diz o filósofo: “(...) a razão só vê o que ela mesma produz segundo seu projeto (...) e deve obrigar a natureza a responder suas perguntas.” 10 Ambas as frases são de Karl Popper, respectivamente em “A Ciência Normal e seu perigos” (Lakatos, 1979) e “O Conhecimento Objetivo”. Onde Popper foi além de Kant – só para constar – se percebe nessa passagem de “O Conhecimento Objetivo”: “Quanto Kant disse que nossa inteligência impõe suas leis à natureza, estava certo – só que não notou quantas vezes nossa inteligência falha ao tentá-lo: as regularidades que tentamos impor são psicologicamente a priori, mas não há a menor razão para admitir que sejam válidas a priori, como pensou Kant.” 7 diferença entre definir e descrever diminui sensivelmente. Embora haja diferença, embora grandes progressos tenham sido feitos por conta dessa diferença, embora nenhuma crítica desautorize a importância do modo descritivo, ainda assim é questionável a sua “pureza” tão louvada por uns e outros. Numa palavra: a fenomenologia ao tratar do humano também o limita, ao conhecê-lo. E aí, cabe perguntar, o que seria melhor: conhecer o humano, ainda que para isso se deve limitá-lo, ou não conhecê-lo para não o limitar? Em outros termos, se o conhecimento é limitativo, isto é, deturpa, reduz, empobrece, simplifica o conhecido, devemos, então, não conhecer, sob pena de, despropositadamente, limitar? A tentativa de superar esse contra-senso gira em torno do seguinte ponto, já mencionado: a fenomenologia quer conhecer, mas não quer limitar o conhecido e supõe que tal seja possível com base no seguinte raciocínio: o homem é uma totalidade impossível de ser apreendida por inteiro, de uma só visada; deve-se, então, descrever suas facetas. Isso a rigor não resolve o paradoxo (pois, nas “facetas descritas” há conhecimento? Se há, ele é limitativo?), restando unicamente o recurso a uma filosofia do conhecimento que não seja limitativa e, para tanto, não se auto-proclama uma filosofia epistemológica, mas sim uma filosofia existencial. Logo, não é uma filosofia do conhecimento e sim uma filosofia da existência, ou da vivência, como queiram. É por conta disso que essa filosofia da existência – que reponha as essências na existência11 – comumente faz menção à “referências pré-reflexivas” (trata-se da busca de um conhecimento que não limite): é como se fosse uma reflexão que compreenda a vida antes da reflexão e que não se deturpa por ser uma atividade reflexiva. A imersão dentro dessa filosofia – que assim ganha cores e sabores poéticos – obriga o filósofo à vertigem teórica, à errância intelectiva, à ilogia conceitual, à angustia cognitiva para se tentar um discurso que equivalha à existência. Ou seja, um discurso que equivalha ao não discursivo. O exército metafórico da fenomenologia é uma tentativa de se evitar a “conceituação” e, como na arte, vale-se de figurações para se falar da existência. Penso que o paradoxo, ainda assim, não se resolve, pois que a arte também é uma forma de limitação. Isso porque a linguagem limita, o pensamento limita, o conhecimento limita (ainda que não conceitue). Diante disso resta a opção por se abandonar o transcendentalismo moderno, não mais se falando em “sujeito”, “eu”, “espírito” ou “consciência”. Há apenas o mundo; e o homem como parte do mundo (como as vacas, por exemplo). Essa não me parece ser a escolha da fenomenologia, que tem na noção de “consciência” um de seus pilares, ainda que rompendo com o subjetivismo moderno e idealista. Outra opção seria uma filosofia fragmentada, que forneça uma utopia12 epistemológica, pela qual se conhece, mas não se conhece, falando-se – quase que poeticamente – em “intuição de essências” em um nível pré-reflexivo (que talvez nem seja filosófico) e depois transpondo para o discurso (agora filosófico) a descrição dessas essências, em um vórtice teórico que se pretende suficiente para prosear sobre o homem e o mundo sem aprisioná-los em esquemas conceituais. Todos esse pontos, assim noticiados sumariamente, constam para problematizar e não sei se bem desqualificam os argumentos dos fenomenólogos. Especificamente quanto à crítica à ciência, menciono que já ouvi um emblemático reparo à 11 12 Conforme Merleau-Ponty. Emprego o termo sem a sua carga pejorativa. 8 fenomenologia vindo de um respeitado professor meu, cuja autoridade filosófica me é indiscutível – e não mencionarei seu nome, pois o estaria vinculando sem sua autorização, vez que o referido comentário foi feito em uma conversa informal. Ele disse: “A fenomenologia está criticando o que ela desconhece.”; querendo dizer que os fenomenólogos desconhecem o que se entende hoje por ciência e, por conta, disso, dirigem a ela uma critica impertinente. Supondo respaldado esse comentário, cabe aduzir que, igualmente, posso estar criticando o que desconheço. E, se assim realmente o for, não terei pudor em mudar de opinião. Se por ventura vier a aprender mais sobre fenomenologia e, aí, constatar o quanto me equivoquei em entendê-la equivocada, penso que não hesitarei em rever minhas opiniões, afinal, sapientis est mutare consilium. Acredito, nessa hipótese, que, devido à resistência que tenho, se vier a me converter à fenomenologia, será uma experiência orgástica, pois percebo, que há algo de vigoroso e relevante que está me escapando, além de notar o entusiasmo cálido de meus colegas que a professam. Obviamente a minha ressalva não é total. Poderia citar outros agrados que a fenomenologia me causa, mas, por todos, cito o ponto “intencionalidade da consciência”: considerar a consciência não como “substância” e sim como “atividade”, isto é, ação de sentir, imaginar, valorar, perceber,...e algo profícuo. Não há desabono no fato de a professora Thereza Calvet, em palestra ministrada na “XIV Semana de Filosofia” realizada de 10 a 14 de julho de 2006, no Instituto de Ciências Humanas da UFJF, conseguir já identificar em Descartes alguns desses atributos da consciência; nem que se mencione, citando Merleau-Ponty que a intencionalidade da consciência não é algo novo, que tenha surgido com Husserl/Brentano. Claro que a fenomenologia tem seu lugar, valor, utilidade e razão de ser. Por isso ela tem tantos partidários e apologistas. Vários filósofos de peso a adotaram ou a ela fazem menção. Ela recebe muito mais adesões do que reparos. Por isso, é de todo desnecessário que eu venha aqui elencar seus sucessos. Coloco apenas uma eventual vicissitude: entre nós fundamenta políticas culturais do atual governo, vale dizer, os próceres do planalto central se valem do cânone fenomenológico para embasar e articular programas de incentivo à cultura nacional – segundo me informa o amigo mencionado na Apresentação, que a esta altura já se transferira do Ministério da Justiça para o da Cultura, tornando confiável a informação. Quanto a esse comentário, maldosamente associando fenomenologia e o atual governo federal, esclareço que não foi minha intenção fazer uma crítica latente à filosofia de Husserl. De todo modo, para que não pareça má vontade, relato brevemente, um caso pessoal que talvez demonstre o que a fenomenologia tem a dizer. Certa feita, conheci e convivi com um espírito (e corpo!) positivo. Era uma médica, muito “humana” como certas mulheres o são, mas profundamente educada pelos rigores da ciência (note meu leitor a concessão que faço e oponho “humanidade” e “ciência”), a qual, em sua área, a grosso modo, tem uma concepção mecanicista acerca do corpo humano. Pois bem, ela encarnava em si uma ambivalência da contemporaneidade: simultaneamente se via crente da “ciência” e do “sobrenatural”, do “físico” e do “metafísico”, na “medicina mecanicista” e na “medicina espiritual”. Seu dilema surgiu do seguinte problema: ela amava muito seu trabalho, a pesquisa, o aprendizado e a possibilidade da ajudar as pessoas, mas enfrentava um revés: sempre que entrava em hospitais sentia um calafrio misterioso, fúnebre e mortificante. Nesses recintos sentia suas forças se esvaindo, fraquejava, chorava sozinha, ou na frente dos pacientes, sem entender o 9 por quê. No início ela tentou ignorar a sensação, tomou-a por estresse, ou excesso de trabalho, mas logo viu que a situação não poderia se arrastar por muito tempo: uma médica que não podia freqüentar hospitais?! A coisa foi até tal ponto que ela se viu obriga a pedir ajuda, pois sua profissão estava ameaçada. Constatou que não poderia desabafar claramente – comigo ou com seus colegas versados nos mistérios da psique – pois não sabia o que lhe afligia com nitidez. Necessariamente tinha de ser vaga ao manifestar seus sintomas. Daí diagnosticariam que estava com depressão ou coisas do tipo. Mas, ela sabia, não estava deprimida, nem triste, nem amargurada; sua vida pessoal e familiar era perfeita, tudo corria tão bem à sua volta e, o mais misterioso, saindo do hospital tudo voltava a ser bom e a vida tinha novamente seu sabor. Recorreu, então, a uma prática religiosa, o espiritismo – religião que, aliás, tem ares positivos. Lá lhe foi feito um “trabalho espiritual”, no qual lhe foi dito que tinha “dons mediúnicos” e os “espíritos carregados” existentes nos hospitais lhe sugavam as energias. Saindo dali para o trabalho ela teve a surpresa de não mais sentir os males que lhe afligiam. E assim está até hoje (suponho). Essa é uma “vivência pessoal” que é profundamente validada, para a moça em questão. E é dessa “validade” que a fenomenologia quer tratar, me ficou parecendo. Essa é uma verdade; manifesta uma realidade, que, supostamente, escapa à ciência, a qual, dirão, não tem meios de deslegitimá-la, embora o faça. Uma parte da crítica dos fenomenólogos passa por aí. E a ciência, deveras, mereceu críticas, e, de fato, não teria se tornado o que é se não fosse uma série de levantamentos críticos que sofreu (entre os quais o da fenomenologia). Seu saber não está acabado vez que, como lembra Popper, nossa ignorância é necessariamente infinita. Este discurso também não está acabado e minha ignorância também é infinita. Este diminuto discurso – como já não bastasse a abertura de todos os textos pelo simples fato de ser texto – é um discurso aberto, ou seja, não está pronto; está em construção, permanentemente. Creio que essa leitura é também fenomenológica, sendo certo que a fenomenologia é uma filosofia “inacabada”. Acrescento ser a interpretação aqui por mim esposada fruto da atividade de minha consciência intencional. Ou seja, minha “interpretação” esboçada vem da “intencionalidade” de minha consciência; se essa interpretação for equivocada, os fenomenólogos devem valer-se da epoché e tentar entender os meus pontos de vista. Sim, pois, coisas muito mais absurdas são plausíveis ante a “suspensão do juízo”, ao que me ficou parecendo. Eu sou humano, a fenomenologia que dê conta de mim. Posta essas questiúnculas, vou adiante. Entendendo que haja um “núcleo da mensagem fenomenológica”, parece ser legítimo supor que haja, também, uma “periferia da mensagem fenomenológica”. Essa “periferia” foi aqui desconsiderada. Isto é dizer: o arsenal conceitual que circunda o âmago teórico da fenomenologia – ou, como se queira, as noções e definições descritivas (e justificativas) do saber filosófico chamado “fenomenologia” – não está em pauta nesse discurso. Isso encurta o texto, diminui os argumentos, evita (mais) circunlóquios, prolepses, giros verbais e os demais recursos retóricos que põem tinta no papel. Vou direto no coração13: quer a fenomenologia promover uma volta da ciência à vida; uma volta da ciência ao homem. Pressupondo que racionalidade implique 13 É de se notar a desnecessidade da seguinte metáfora, infantil e pobre: o coração é um órgão caro à fenomenologia, assim como o cérebro o é para a filosofia positiva. 10 em finalismo (télos) e sendo o fim da razão a promoção do homem, a razão torna-se função: razão está em função. Implica em direcionamento. E a ciência, dizem, em sua acepção positiva, perdeu essa “direção”; o positivismo apartou teleologia e racionalidade. A fenomenologia ambiciona reconciliá-los, trazendo a ciência para “mundo da vida”, pois ela quem deva inserir-se neste e não o contrário. O que foi dito acima é pouquíssimo para abarcar em forma textual a amplitude teórica da filosofia de Husserl, claro. De maneira que o leitor (desavisado leitor...) que não conheça minimamente os meandros da fenomenologia, deve iniciar a leitura desse trabalho pela primeira parte do ensaio (intitulada “A síntese da síntese”) ... , pois não é aqui que serão tratados certos conceitos. Agora, hic et nunc, nada se conceitua em homenagem ao tema, segundo o qual conceituar é indevidamente limitar. Além disso, a fenomenologia traz consigo uma miríade de outras questões, com evidentes reflexos epistemológicos, que serão, algumas delas, en passant, mencionadas no ensaio; às outras me reservo a faculdade de enfrentá-las quando de uma discussão mais específica, no texto em que pelejo alhures. Em síntese, meu palavrório pretende colocar o seguinte: tendo aplicado o método (redução fenomenológica) e suspendido minha já formadas opiniões, acredito ter, então, intuído (ou ter chegado quase lá) a filosofia fenomenológica e, ante essa crença de compreensão – e aderindo à radicalidade do método proposto por essa filosofia –, rechaço toda a forma de conceituação, que, em instância máxima, seria uma concessão indevida ao espírito positivo. E dizendo isso, digo o âmago deste meu testemunho, que já se encerra: não entronizei a mensagem fenomenológica, muito embora ela, principalmente para outros espíritos, o mereça (evito, assim, uma dose de proselitismo encontrada em muitos dos adeptos de Husserl e companhia). E não o fiz, talvez, por conta de não ter bem digerido seu contornos e possibilidades. Aqui é uma questão de tempo, meu tempo. Dos entusiastas de Husserl ganharei, indubitavelmente, a galhofa. Mas... Mas, é de se notar que muito embora ela clame pelo mundo da vida, o mundo real, não pude deixar de notar que há ali algo de evanescente, que, quando apreendo, se apreendo, logo me escapa, esfumaçante. É uma idiossincrasia, não há dúvida; aliás, é sobre isso que discurso. Naturalmente, por excelência, a fenomenologia é a filosofia que respeita idiossincrasias. Acredito, pois, ainda estar dentro de minha proposta (um breve discursar fenomenológico sobre a fenomenologia). Eis é o meu relato, datado e mal acabado. O discurso, a quem interessar, me proporcionou maior divertimento (pela desfaçatez) do que o ensaio (que deu mais trabalho) e o ponho a termo à maneira Descartes, declarando que estou certo que isso não servirá para tornar-me considerável no mundo, embora, diferentemente dele, eu tenha alguma vontade de sê-lo. III – ENSAIO14 ACERCA DO NÚCLEO DA MENSAGEM FENOMENOLÓGICA 14 Theodor Adorno teria deixado registrado que “O ensaio não começa com Adão e Eva, mas com aquilo de que quer falar; diz o que lhe ocorre, termina onde ele mesmo acha que acabou e não onde nada mais resta a dizer: assim ele se insere entre os despropósitos.” 11 O ensaio está dividido em quatro partes. A primeira – que foi por onde todo esse trabalho começou – é quase que integralmente baseada na introdução de Urbano Zilles à obra de Edmund Husserl, intitulada “A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia”. Urbano assina também a tradução dessa conferência de Husserl, sendo que em sua introdução sintetiza, em dez tópicos conceituais (cerca de 43 páginas) a fenomenologia. A primeira parte deste ensaio é um esforço de síntese (09 páginas) do resumo promovido por Zilles. Na segunda parte fez-se uma breve resenha da conferência professada, em Viena, por Husserl no ano de 1935. Seguem, então - parte três - comentários de alguns trechos (Prefácio e Cap. IV da Introdução) da obra de Merleau-Ponty, na qual esse filósofo revisita a temática fenomenológica. Na quarta parte, fez-se uma investigação terminológica a fim de justificar uma certa tomada de posição quanto ao emprego, na fenomenologia, da noção de “essência” e sua possível equivalência à noção de “aparência”. 1ª Parte – A síntese da síntese Edmund Husserl iniciou seus interesses acadêmicos estudando matemática e, após – eventualmente por conta disso – pretendeu inaugurar uma nova filosofia, uma filosofia científica. A essa sua filosofia deu o nome de “Fenomenologia” 15, cujo delineamento inicial ocorreu na obra “Investigações Lógicas” datada de 1900-1901 (cf. Abaggnano, verbete “Fenomenologia”). Nesse processo foi importante a influência de seu professor Franz Brentano. Husserl nasceu em 1859 e faleceu em 1938; sendo essas datas relevantes para se contextualizar historicamente a sua inserção intelectual. Isto porque ele viveu em um período de domínio do ideário positivista e sua empreitada filosófica se destaca como uma forte contestação aos postulados dessa filosofia. Em seu intento, o filósofo promove uma radical renovação da filosofia, tendo por base a descrição rigorosa do mundo como ele se dá na consciência. Sua proposta filosófica, aparentemente, calca-se em uma epistemologia descritiva16 (e, nessa hipótese, seria uma oposição à epistemologia normativa do positivismo). Porém, o fundo filosófico que sustenta a fenomenologia pretende ser relativo à existência: logo é ontológico e não epistemológico. E o que se entende por fenomenologia a partir de Husserl? Ele próprio responde: fenomenologia é a “doutrina pura descritiva das essências das estruturas imanentes da consciência.”17 (apud Zilles) 15 Urbano Zilles, na introdução citada faz um breve e instrutivo inventário da polissemia que o termo “fenomenologia” possui e destaca que após Husserl o termo ganhou um significado próprio, qual seja o de referir-se à proposta filosófica desse pensador. Todavia, a palavra já foi empregada, sempre com outro significado, em Ernst Mach, Teilhard de Chardin, Lambert, Kant, Hegel, entre outros. 16 Husserl fala na fenomenologia como “a ciência descritiva eidética da consciência pura transcedental” (apud Zilles) 17 Sem maiores explicações essa frase, assim com a fenomenologia como um todo, beira o esoterismo. Portanto, tentar-se-á aqui uma explicação, na medida do possível, uma vez que a filosofia de Husserl é pouco palatável. Para um quase leigo, como o autor dessas linhas, é escusável tal consideração, ainda mais porque 12 Decompondo a frase acima, chega-se à conclusão, seguindo a trilha de Urbano, que, enquanto doutrina, a fenomenologia é um conjunto teórico de idéias, com metodologia própria; mas é mais que isso: é uma atitude ou postura filosófica, a qual exige de seus adeptos o radicalismo que o método propõe. E o estudo fenomenológico propõe o exercício de se pesquisar a “significação das vivências da consciência”, na expressão utilizada por Zilles. E o que a consciência vivencia é o “fenômeno”, tal como ele se mostra a ela. Desta maneira, a fenomenologia se propõe a estudar o fenômeno, tal como este se apresenta à consciência. Ou, nos termos de Urbano: “A fenomenologia propõe-se como tarefa analisar as vivências intencionais da consciência para aí perceber o sentido dos fenômenos.” Aqui é de todo pertinente abrir-se alguns parágrafos para tratar das noções de “consciência” e “fenômeno”, eis que fundamentais para que se bem compreenda a filosofia husserliana. Pois bem, o filósofo (cf. Zilles) percebe três significações para o termo consciência, sendo apenas uma aqui tratada, por ser a fundamental: consciência como vivência intencional. Para Husserl a consciência é intencional: consciência é consciência de algo, visa algo; daí se dizer que “consciência é intencionalidade”, um verdadeiro lugarcomum da argumentação fenomenológica. Urbano nos ensina que em Husserl a consciência “ao ser estudada em sua estrutura imanente18, mostra-se como algo que ultrapassa o plano empírico e emerge como condição a priori de possibilidade do próprio conhecimento, ou seja, como consciência transcendental.” E mais: as vivências se dão na consciência, de modo que o mundo está contido na consciência, sem que isso implique em idealismo19 ou solipsismo (pois, aparentemente, não se nega a existência de um mundo “extra-humano”, isto é, um mundo que exista independentemente da existência da consciência que o percebe; apenas este “outro mundo” não é levado em conta); numa palavra: pretende-se colocar que o mundo é conteúdo da consciência, sendo apenas esse conteúdo relevante, ou seja, o mundo em outro sentido, isto é, fora da consciência, é irrelevante para a fenomenologia. Isso seria dito pelos fenomenólogos nos seguintes termos: “O mundo existe para nós como produto intencional.” Quanto ao outro termo, para destacar sua importância, basta dizer que dele deriva o nome da filosofia de Edmund. Logo, sem delongas maiores, fica abaixo uma síntese do sentido que o termo “fenômeno” possui entre os praticantes da fenomenologia. Fenômeno é aquilo que se dá na consciência (de modo intencional). Portanto, diga-se, há uma sinonímia entre os termos “fenômeno” e “objeto intencional”, já que ambos querem denotar aquilo que pode habitar nossa consciência. A fenomenologia Urbano, do alto de sua especialização, registrou: “Husserl nunca foi nem será um filósofo popular. Sua obra é de mui difícil interpretação.” 18 O termo aqui parece ser empregado no sentido de um “idealismo fenomenológico” e se confunde com “transcendental” empregado por Husserl, significando a “consciência” como “mundo interior”. Ou seja, aparentemente, “imanente” ali empregado quer significar “interior”. Isso vai dito porquanto Maria Lúcia de A. Aranha e Maria Helena P. Martins, no mini-dicionário constante de sua obra “Filosofando”, mencionam outro significado para o termo, uma vez que na fenomenologia “imanência” também é o mesmo que “facticidade”, sendo que com isso se quer significar o “caráter do que existe como puro fato” e a noção pela qual “o ser humano se encontra lançado entre as coisas em situações dadas e não escolhidas por ele.” (ver verbetes). A noção de “facticidade” é retomada, brevemente, na divisão terceira do ensaio, quando da rápida análise do texto de Merleau-Ponty. 19 Para pontos de contato entre fenomenologia e idealismo, ver a quarta parte desse ensaio. 13 estuda os conteúdos de nossa consciência intencional, ou seja, os fenômenos. Ela não se ocupa do “ser em si”20, nem de “representações do sujeito cognoscente a cerca do ser” (ou seja, as idéias). Em outras palavras: não há a “coisa” e a “idéia da coisa”, que acabam por ser duas coisas distintas. Há apenas o fenômeno, que se manifesta na consciência: para a fenomenologia basta o ser enquanto algo presente pela intencionalidade da consciência (ou seja, o fenômeno). O fenômeno é significação. E, ao conjunto de todas as significações reunidas em uma unidade, chamamos “mundo”. Vinculando intimamente fenômeno e consciência (objeto e sujeito) há a intencionalidade, a qual é produtora de sentido de um na outra. Edmund, em um momento de clareza, registrou que a intencionalidade “nada mais significa que esta particularidade que tem a consciência de ser consciência de algo, de trazer, em sua qualidade de cogito, seu cogitatum em si mesmo.” (apud Zilles) Juntando essas referências chega-se à noção de “sujeito transcendental”21, aquele que habita o “mundo da vida”22 (integração correlacional entre consciência e mundo), dando-lhe significado. Do conjunto de sujeitos transcendentais 20 É bom registrar, como muito bem o fez Urbano Zilles, que o postulado kantiano da “coisa em si” (númeno) quer significar uma realidade independente do sujeito cognoscente. A Teoria do Conhecimento denomina essa situação como “realismo ontológico”. A fenomenologia, sob pena de filiar-se ao Idealismo (conceber a realidade como fruto do pensamento) ou igualar-se ao solipsismo (doutrina segundo a qual a única realidade no mundo é o eu, ou, em outros termos, sustentar que o eu individual de que se tem consciência é quem conforma toda a realidade) não pode negar esse realismo. E de fato não o faz, como expressamente o fazem outros filósofos (cita-se, por todos, Thomas Kuhn, o qual textualmente – pág. 253 do posfácio de sua obra A Estrutura das Revoluções Científicas – rejeita a categoria ontológica “mundo em si”), que embora não sejam idealistas ou solipsistas, filiam-se a uma corrente a qual seus opositores denominaram “relativista” ou “construcionista social”. Muito embora Zilles, em algumas colações, se refira à ciência de Husserl com egologia (o próprio Husserl também empregava esse termo nas Meditações Cartesianas, cf Abbagnano, verbete “Egologia”) e se encontrem várias passagens como as que se seguem [“O interesse teórico da atitude fenomenológica dirige-se exclusivamente ao universo da subjetividade no qual se nos dá o mundo como existente.”; “(...) uma atitude transcedental na qual a consciência constitui o mundo (...)”; “Assim as essências não existem fora do ato de consciência.” ; “Na verdade a macieira percebida só existe enquanto percebida.” ; “Na atitude fenomenológica o objeto é constituído na consciência. E a fenomenologia torna-se o estudo da constituição do mundo na consciência.” ; “Se tudo o que eu posso entender como verdadeiro ser não é outra coisa que um acontecimento intencional de minha própria vida cognoscente (...)”], todas colhidas no texto de Urbano Zilles e que, em uma primeira leitura, podem levar a um entendimento errôneo, é certo que não se pode considerar que a fenomenologia pregue o irrealismo ontológico, pois, a ciência de Husserl parece passar à margem da categoria kantiana, como se infere do texto do mesmo autor [“Husserl não nega a relação do fenômeno com o mundo exterior, mas prescinde dessa relação.” ; “(...) a fenomenologia não é sinônimo de fenomenismo no sentido de que tudo o que existe seja apenas um fenômeno da consciência.” ; “Para chegar ao fenômeno puro, Husserl suspende o juízo em relação à existência do mundo exterior (transcendente). Descreve apenas o mundo como se apresenta na consciência, (...)” ; “O idealismo fenomenológico de Husserl não nega a existência do mundo real.”]. Queira perdoar o leitor o excesso de citações, a eventual falta de contextualização das mesmas e, por fim, o tamanho dessa nota; ocorre que essa temática é das mais interessante entre as que envolvem a fenomenologia. Assim, fez-se o que se pode. 21 Urbano nos ensina que há particularidades no emprego de certos termos em Husserl. Assim, cabe lembrar que transcendental em Edmund quer significar “mundo interior”, ou seja, consciência. À “exterioridade” o filosofo usa o termo transcendente, sendo que considera o transcendente prescindível, bastando-lhe a subjetividade transcendental para o sucesso de sua epistemologia. 22 É Urbano quem também ensina que “mundo da vida, no sentido de mundo experimentado pelo homem, significa uma realidade rica, polivalente e complexa, que o próprio homem constrói. Mas, ao mesmo tempo, o Lebenswelt (mundo da vida) é constituído pela história, linguagem, cultura, valores,...” É esse o mundo que Husserl acusa o positivismo de ignorar ante a opressão do paradigma cientificista. 14 surge a noção de intersubjetividade transcendental, a qual permite a edificação de um mundo “verdadeiro”, “objetivo” para todos os sujeitos, que tomam ciência, simultânea e reciprocamente, de si e do mundo humano que os cerca. Do exposto acima, notadamente acerca da noção de fenômeno, fica, salvo juízo mais qualificado, autorizada a conclusão de um postulado epistemológico da doutrina de Husserl, qual seja, o de que “a aparência é a essência.23” Com efeito, para o filósofo o que aparece à consciência, leia-se, fenômeno, já é a coisa mesma, em sua qüididade. E, sendo o fenômeno imanente à consciência, isto é, o fenômeno está na consciência; ou, por um outro giro verbal, o fenômeno é a significação dada pela intencionalidade na (da) consciência; então, é legitimo inferir que a essência das coisas e do mundo é cognoscível à consciência, pois, a essência das coisas é da mesma qualidade do aparecer dessa coisa (ou seja, do fenômeno) em uma consciência. Soma-se, então, que haverá inúmeras essências, pois sempre há inúmeras significações na consciência intencional. Já que a essência nada mais é do que o modo de aparecer do fenômeno, e sendo o fenômeno o resultado interpretativo (logo, prenhe de significado), variando este, variável será a sua correlata essência. O que se quer frisar é que para a fenomenologia a essência de algo é o sentido dado pela intencionalidade da consciência a esse algo. A aparência é a essência; e a essência é fenômeno; e o fenômeno é a verdade; e a verdade é significação da consciência intencional. Como o fenômeno é contingente, assim o serão a essência e a verdade, pois estas categorias são interpretações possíveis da consciência intencional. À necessidade de percepção dessa essência, a fenomenologia chama de “volta às coisas mesmas”. Onde “coisa” nada mais é do que o fenômeno como se manifesta na consciência, quando se suspendem (epoché24) os juízos, os preconceitos, os pressupostos (como a empiria) e então se intui a essência. Esse último dado é de todo relevante. Para Edmund, conhece-se as essências através da intuição. Sendo, portanto, a intuição o conhecimento de essências. Ou: essências são intuídas. Trata-se aqui da intuição eidética, pela qual a essência se revela à consciência transcendental. Com essa sua argumentação a fenomenologia se propõe a superar o antagonismo entre o “objetivo-naturalista-fisicalista” e o “subjetivo-transcedental” da filosofia moderna (cf. Zilles). Para tanto, tomou “sujeito” (consciência) e “objeto” (fenômeno) como um todo amalgamado na intencionalidade da consciência. Edmund lembra que a concepção filosófica da modernidade (de Descartes à Kant, passando pelo empirismo inglês) engendrou o ideário iluministapositivista, que teve seu cume com a filosofia de Augusto Comte. E, sem negar o progresso que a ciência possibilitou como prática25, aponta variada crítica à sua ideologia, bem como à sua metodologia, que comumente empobrecem a dimensão humana. O filosofo, nos idos 23 Para maiores detalhes quanto a essa afirmação, conferir a quarta parte deste ensaio. A palavra é grega e teve emprego inicial com os antigos céticos em sua postura de nada aceitar e nada refutar; assim é a “suspensão do juízo” em Pirro: nada se afirma, nada se nega. Com Husserl, o termo ganha um novo sentido e é empregado como “contemplação desinteressada”: as ciências em geral se “interessam” pelo mundo, o que as impede de contemplá-lo, captando sua essência. Por meio da epoché fenomenológica o juízo prévio fica suspenso para a então possível intuição da coisa-mesma. 25 Afinal, Husserl não viu, mas como registraram David E. e Arnold R. Brody: “Entramos no século XX a cavalo. Sairemos dele a bordo de naves espaciais.” (apud Aranha); tudo pela mão da ciência. 24 15 da década de 30 do século passado, nos fala da “crise” da razão ocidental e do fracasso da ciência. Seu diagnóstico é de ambas se afastaram do “mundo da vida”26, que é o mundo do homem real, vivido na experiência de sua subjetividade, tendo idealizado a natureza, por meio de sua matematização27. Assim é que o mundo real, contingente, multifacetado, isto é, o “mundo da vida” tornou-se, na concepção positiva, uma idealização reducionista. A superação da crise é uma possibilidade para a fenomenologia (eis o prognóstico), na medida em que esta é uma ciência (ou antes, uma pré-ciência, fundamental para a edificação das ciências28), que se norteia no homem, na cultura humana, nos valores do homem. Numa palavra: no “mundo da vida”; e não em um pseudo neutralismoformalista do cientificismo, que, em última instância, conduz a redução do ser a uma dimensão físico-matemática29. Nesse ponto da exposição, far-se-á uma parada para se contornar o que se entende por fenomenologia (cf. Zilles): é um método, que envolve uma atitude, levantando uma proposta e demandando uma atividade; e essa filosofia possui as seguintes características: • ausência de pressupostos (busca da evidência apoditica; não há uma filosofia anterior à fenomenológica); • calcada no binômio fenômeno/subjetividade transcendental (não há especulação acerca de metafísicas fundadas na transcendência); • epistemologia descritiva (não conduz a uma conceituação metodológica, há tão só a descrição do que se dá na consciência); • conhecimento a priori (a fenomenologia é a base do conhecimento, produz certeza não por fundar-se em dados empíricos, mas por ser ela própria o a priori universal das ciências.); • vinculada à história (condição temporal do “mundo da vida”) e a uma teleologia (orientação para a auto-realização do humano). Feita essa apertada síntese esquemática, passa-se agora a abordar, também brevemente, o método fenomenológico. E o método dessa filosofia é a chamada análise intencional. Esse método pretende isolar o fenômeno puro, daí propõe a suspensão do mundo transcendente (exterioridade), para se descrever o fenômeno na consciência, isto é, reduzido na consciência. Suspender ou colocar entre parênteses (Husserl emprega também a palavra grega epoché) são equivalentes e promovem a redução fenomenológica (não se duvida do mundo como Descartes, apenas o coloca em suspenso): o fenômeno, despido pela epoché do que não lhe é essencial, torna-se essência (essa é a redução à essência, ou redução eidética). Com sucessivas reduções chega-se à última delas, a redução transcendental, onde a própria consciência é posta entre parênteses, para depois se tornar consciência absoluta, pura. Como acima foi feita uma menção ao filosofo francês, atente-se para algumas observações. Edmund foi bastante influenciado por René, pois, como ele, buscou 26 Ver nota 22. Note o leitor a insuspeição dessa crítica, uma vez que ela provém de um matemático. 28 Edmund concebe a filosofia como a “ciência dos fundamentos” e a fenomenologia como a “filosofia primeira” (apud Zilles). Para Husserl “as ciências positivas são ingênuas, enquanto pré-fenomenológicas”, como registrou Urbano. 29 Volta-se a citá-lo: “As teorias lógico-matemáticas substituíram o mundo da vida pela natureza idealizada na linguagem dos símbolos. Cabe à fenomenologia recuperá-lo, tirá-lo do anonimato (...)” Urbano Zilles. 27 16 rigor em suas investigações e procurou validar um tipo de conhecimento, ou seja, ambicionou chegar à verdade. Mas também lhe direcionou uma intensa crítica. O alemão notou que idéia cartesiana de representação deveria ser combatida [com René o conhecimento é estudado como uma relação entre duas coisas: a coisa real, externa e a representação desta (a idéia)]. Husserl, em oposição, propõe um novo modelo, chamado “fenomenologia noético – noemática”. Permita-se fazer uma paráfrase de Zilles para dizer que: o propósito da estrutura noético-noemática ou intencional da consciência é fazer-me descobrir na consciência (no sujeito) e somente aí descobrir um objeto (fenômeno). Noese, na fenomenologia, é o aspecto subjetivo da vivência; trata-se da experiência de compreender o mundo por meio da ciência de ser uma consciência transcendental, que intencionalmente dota de sentido o noema, que seria lado objetivo da vivência, ou seja, o objeto vivenciado30. Husserl, então, faz uma proposta epistemológica, qual seja, a de se elucidar as condições que conformam nosso entendimento, mas sua filosofia envolve também um humanismo, tanto no sentido do ideal socrático do “conhece a ti mesmo” (o homem deve penetrar-se em si a fim de conhecer-se; disso decorre a ciência de uma consciência, ou seja, a possibilidade de conhecimento se dá em uma dada consciência, a qual conhece algo; a consciência é consciência de algo. A isso Husserl chama “consciência transcendental”, como visto), quanto como um resgate da plenitude da dimensão humana, que se viu diminuída pelo paradigma positivista. Na fase de seu pensamento denominada historicista31 (calcada na citada obra “A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia”32), o filosofo opõe dois mundos: o mundo da ciência (artificial, pseudo-objetivista, abstrato, quantificativo, formalizante) e o mundo da vida (o mundo das coisas mesmas, qualitativo, da realidade vivida, visceral). O primeiro é conceitual, empírico, carente de uma série de pressupostos; que, em última instância, acaba por distanciar o conhecimento do ser humano. O segundo é o mundo das essências, onde se dão os fenômenos captados pela intuição na consciência. Husserl critica o ideal cientificista, pois ele reduz a pluridimencionalidade do ser humano, e, ao mesmo, tempo implica em uma desvalorização ética, ante a suposta neutralidade do universo formal-matemático-objetivista ao mundo do dever-ser. A fenomenologia ambiciona uma “volta ao humano”, um reencontro entre a ciência e a vida, sob o enfoque de que esta é maior que aquela. Como epistemologia iguala aparência e essência, condensadas na noção de fenômeno. Como ontologia calca-se na noção de consciência transcendental, hábil a apreensão intuitiva das essências. Como método de ação, propugna pela epoché, pela qual se suspendem os juízos, colocando-se “entre parênteses” tudo o que se refere à existência objetiva do mundo e das categorias mundanas (a hipérbole da dúvida metódica cartesiana). Tudo isso com um direcionamento (teleologia), qual seja, o melhoramento do ser humano. A humanidade enquanto titular e objeto de um projeto de 30 O qual é diverso do mero “objeto”. Vale um exemplo: para o autor dessas linhas o Karman-Ghia é tão só um carro antigo (mero objeto), mas para o pai do autor dessas linhas, cujo primeiro carro foi um KarmanGuia, é mais que um objeto qualquer, é um objeto vivenciado (na especialidade do “mundo da vida”), tornando-se “o primeiro carro”, cheio de lembranças, odores, cores, sons, texturas, detalhes afetivos etc. 31 O estudiosos de Husserl apontam-lhe três fases: a lógica-essencialista, a do idealismo transcendental e a fase do vitalismo-historicista. (apud Zilles) 32 Conferir a segunda parte deste ensaio. 17 auto-realização de si mesma. Por isso a fenomenologia é uma filosofia radical, pois, ela ambiciona uma proposta de humanidade e quer dar sentido (finalidade – télos) à vida. Já findando esta parte do estudo, menciona-se que a fenomenologia teve grande influência em vários ramos do conhecimento (v.g. ética, sociologia, antropologia, filosofia da linguagem, estética, direito, psicologia,...), tendo sido o pensamento de Husserl estudado por vários outros pensadores como Heidegger (que foi seu aluno e substitui-lhe na cátedra), Merleau-Ponty, Sartre, Gadamer, Habermas, Appel, Ricoeur, entre outros (cf. Zilles). 2ª Parte – Um vir-a-ser espiritual tendente ao infinito Na mencionada conferencia, intitulada “A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia”, Edmund Husserl retrata a dicotomia das ciências: de um lado relata a prosperidade das ciências naturais como técnica e de outro constata o fracasso das ciências do espírito, como filosofia genuína. Seu pensamento é uma tentativa de viabilizar as ciências do espírito – que hoje chamamos de ciências humanas – afastando-as do cânone fisicalista-naturalista e trazendo-as (de volta) para o mundo humano (ou “mundo circundante”, como comumente emprega o filósofo). O positivismo naturalista, argumenta Edmund, afastou a racionalidade de sua teleologia, gerando, dessa forma, a crise da humanidade européia33. Ele pretende reconciliá-las. Assim, faz um passeio histórico a fim de registrar os equívocos que engendraram a crise e, após, coloca sua proposta, ambicionando o resgate do télos espiritual da humanidade européia – “um vir-a-ser espiritual tendente ao infinito”. Nesse seu intento, descreve um belíssimo e apaixonado quadro da filosofia grega e do labor filosófico34, destacando como a paidéia irradiou a humanidade grega no tempo e no espaço, tornando-a uma humanidade européia (nos termo do autor, sendo que, hoje, mais plausível seria falar “humanidade ocidental”): a europa-espiritual nasce na Grécia (séc. VII e VI a.C.), quando surge a filosofia (uma inédita criação espiritual, que tomou forma na cultura, abarcando o universal, a ciência da totalidade do mundo, da unidade plena de tudo o que existir) e, após, as ciências particulares (ontologias regionais: especificidades do ser no devir tornaram a ciência uma – leia-se filosofia – em diversas ciências regionais). Esse novo ambiente cultural gestou um novo homem (e um novo mundo), que, embora finito (mortalidade do ser real), se direciona para o infinito (perenidade35 do ser ideal)36. 33 Aqui a referencia é à Europa espiritual – e não meramente geográfica – que compreende, em síntese, o ideário greco-ocidental. E é muito interessante lembrar que Husserl aduz em uma “unidade espiritual européia” em meio à guerras mundiais, que tiveram a Europa como palco. 34 Destaca-se, com a insuspeição de quem não se considera um entusiasta da fenomenologia, uma passagem de Husserl, que, sem sombra de dúvida, se coloca entre as mais belas frases de textos de filosofia: “ É próprio, pois, da atitude teórica do filósofo a decisão constante e predeterminada de consagrar toda a sua vida futura à tarefa da teoria, a dar a sua vida um caráter universal, e a construir in infinitum conhecimento teórico sobre conhecimento teórico.” 35 Nesse sentido é que se entende a imortalidade de Tales, Platão, Aristóteles, ... 18 E esse novo homem se diferencia e se destaca por ser crítico, vez que questiona o dado posto, a tradição, o pré-estabelecido e a empiria sensorial; e o mundo decorrente é um “mundo objetivo”, baseado na “verdade absoluta” e na “realidade universal”. O somatório desse processo repercute na práxis existencial humana, pautada, agora, por novos valores, com reflexos, inclusive, no universo político (em vários âmbitos: família, nação, comunidade de nações37). A Europa é filha desse quadro, no qual a filosofia sempre teve um papel dirigente e garante da reflexão livre, plena e universal. Husserl é da opinião de que crise decorre de uma “aberração do racionalismo38”. Ele revela-se um entusiasta da ratio grega, mas desgosta da ratio iluminista, a quem imputa a crise. E, da mesma forma que há duas acepções para a razão (grega e moderna), há, também, duas acepções para a filosofia: uma datada, fruto contingente de uma dada época; e outra como tarefa infinita de promoção do humano. A razão iluminista (“filosofia datada”) revelou-se ingênua em seu dogmatismo objetivista39, o qual naturalizou o espírito, por meio do que Husserl chama de dualismo psico-físico, o qual, por sua vez, considera o espírito como (mais) um objeto do mundo. Para Edmund não é possível dar ao espírito uma realidade natural e submetê-lo ao cânone fisicalista, como quis a ingênua unilateralidade do positivismo. Assim, o espírito demanda uma nova ciência, uma nova razão, uma nova filosofia. Essa nova ciência abarca o “mundo circundante” (mundo da vida), o subjetivo e as coisas humanas; é, pois, totalmente diversa do que se entendia por ciência até então. Aduziu Husserl: “Julgo, com toda a seriedade, que nunca existiu nem existirá uma ciência objetiva a cerca do espírito, uma doutrina objetiva da alma, (...)”. O filósofo propugna por um neo-racionalismo-espiritualista: uma cosmovisão do espírito em sua intencionalidade, ou seja, a sua filosofia fenomenológica; redentora para a Europa, analéptica para o cansaço que abate o espírito e oblitera sua imortalidade. 3ª Parte – Em busca de um sucesso de público: na filosofia como na arte –I– Merleau-Ponty, que morreu prematuramente para um filósofo40, aos 53 anos em 1961, filia-se entre os que seguiram a vereda filosófica inaugurada por Edmund Husserl. Assim, no prefácio de sua obra “Fenomenologia da Percepção” retoma o tema da 36 Nesse parágrafo fica evidenciado fortes traços hegelianos no pensamento de Husserl. Curioso observar que, ao tempo de Edmund, já se falava, como o próprio título de seu texto indica, de algo próximo ao que hoje conhecemos como União Européia. 38 Tal se dá quando o racionalismo se vê absorvido pelo naturalismo/objetivismo. 39 Ele foi muito útil como técnica, de grande eficácia prática. A ciência aplicada, não o ignorava Edmund, transformou maravilhosamente o mundo. 40 Que, em geral, vivem muito, o que talvez seja um bom motivo para tentar ser um deles. Russell viveu 98 anos, Kelsen, 92, como Popper. Dewey, 93 e Thomas Hobbes (que nasceu no séc. XVI) viveu 91 anos! Filósofo que viveu menos que Merleau-Ponty, v.g., foi o sofrido Baruch Spinoza que morreu aos 45 anos. 37 19 filosofia de seu mestre e, mesmo, chama a atenção para a necessidade de o fazê-lo, eis que – poderíamos hoje em dia dizer – um século após Husserl, sua filosofia ainda não logrou alcançar suas plenas possibilidades, nem fez um sucesso de público que merecia; desse modo se compreende “por que a fenomenologia permaneceu tanto tempo em estado de começo, de problema, de promessa”, como colocou Ponty. Ensina o filósofo francês: a fenomenologia não se destina a explicar, analisar ou conceituar as coisas, pois, todas essas noções são formas limitantes do real (limitam o fenômeno), que conformam (deformam) o existente. A fenomenologia, ao contrário, apenas descreve o existente, tal como ele se apresenta ao humano; sendo essa descrição do mundo humano necessariamente difusa, fragmentária, aberta. Por esse pensamento, o homem sem deformar-se – sem descaracterizar-se – não se encaixa à perfeição nos arquétipos conceituais das “ciências” (biologia, psicologia, sociologia etc, etc e etc41). Sendo o homem o criador desses modelos e não o contrário. Daí o filósofo apontar que a ciência é uma “expressão segunda” do homem e do mundo, ou seja, a ciência é produto do homem no mundo; e vem lógica e cronologicamente após o homem, sendo falso o raciocínio inverso (pelo qual, v.g., o homem é um “ser biológico”, como define a biologia, ou um “ser social”, como quer a sociologia e assim por diante). Em síntese: não é a ciência que define o homem e sim, o contrário. O mantra fenomenológico do “retorno às coisas mesmas” quer justamente significar a compreensão do mundo pré-categorial, pré-científico. A esse mundo Husserl nomeava lebenswelt, que em nossa língua ganhou tradução como “mundo da vida” ou “mundo circundante”. Pois bem, é nesse mundo que – primeiramente – o homem se vê inserido, em uma inserção permanente e eterna por mais que obliterada pelo verniz da “positividade” (notadamente após a modernidade). Removida, então, essa “casca” – que Merleau adjetiva de ingênua e hipócrita – de representações científicas, restará apenas o mundo e o ser. Entenda-se: o ser encarnado, situado, ser em relação (e não um ser abstrato, racionalista, como o cogito de Cartesius) e o mundo como lebenswelt42. A existência desse ser nesse mundo Merleau-Ponty nomeia “facticidade”. Ou seja: a inserção do ser (de um corpo determinado) em um mundo dado e não escolhido. Paralelamente a essa argumentação, no prefácio vem se listando outros temas correlatos do pensamento de Edmund, como o entendimento de ser a fenomenologia o estudo das essências na existência; ou de ser a consciência intencional (diz Merleau: “Enquanto sou consciência, quer dizer, enquanto algo tem sentido para mim”); ou da equivalência43 entre “aparência” e “essencia” (escreveu Merleau: “O mundo é aquilo mesmo que nós nos representamos”); ou ainda do fato de ser a redução fenomenológica um meio de acesso epistemológico ao mundo44 e de ser o filósofo aquele que permanentemente começa, sem pré-requisitos e preconceitos. Além desses temas, ganha destaque a notável 41 Homenagem de estilo ao finado professor José Wilson Ferreira Sobrinho, o qual tinha o hábito de assim se expressar quando do emprego do “etc”. 42 Ver nota 22, acima. 43 Maurice não faz expressamente essa afirmativa, tendo ela sido colhida nas entrelinhas, por interpretação. Para uma justificativa dessa assertiva, conferir a quarta parte do ensaio. 44 Embora tenha o filósofo, interessantemente, registrado que “o maior ensinamento da redução é a impossibilidade de uma redução completa” ; particularmente, fez-se aqui o seguinte entendimento, expresso pela metáfora: a cobra, que muito esfomeada (algo parecido com o fenomenólogo ansioso em proceder a “redução”) e não tendo mais o que comer, começa a engolir o próprio rabo. Ser-lhe-á impossível comer-se a si própria completamente. 20 passagem em que se trata da “questão da alteridade” e de como a fenomenologia compreende a existência de consciências para si e umas para com as outras, reciprocamente, na dialética ego-alter. Em boa síntese, dir-se-ia, com Husserl e Merleau-Ponty, que a vivência do ser legitima sua percepção do mundo, ou, de modo mais geral, que a vivência legitima a percepção antes de qualquer atividade intelectual reflexiva45. A reflexão racional, classificativa e interpretativa do real, só é possível em um segundo momento, após a percepção visceral da facticidade46. Então, se tem aqui o grande passo epistemológico oferecido pela fenomenologia: o mundo real – o mundo verdadeiro – é o mundo percebido. Só o impossível ao humano é irreal; todo o resto de possibilidades da existência (tudo o que se vive) é o mundo, é real. Como registra Merleau: “A aquisição mais importante da fenomenologia foi sem dúvida ter unido o extremo subjetivismo ao extremo objetivismo em sua noção de mundo ou da racionalidade.”, o que equivale a dizer que a fenomenologia valida um mundo existente na intersecção objetiva de experiências intersubjetivas. Agora o mundo não é um dado e sim uma construção, ou seja, um mundo construído pela significação que lhe é atribuída pelas subjetividades. (assim registrou o filósofo: “O mundo fenomenológico não é a explicitação de um ser prévio, mas a fundação do ser.”). Daí se resulta que a filosofia não é fruto de uma verdade posta, anterior, da qual ela decorre naturalmente como atividade explicativa. Não. Para a fenomenologia a filosofia – como a arte – realiza a verdade, isto é, cria, constrói, edifica uma verdade, que lhe é posterior. Antes dela há apenas o mundo, o homem e as coisas todas – entre as quais a própria filosofia, que é atual ao mundo; após, a filosofia, ao tratar desse mundo do qual ela participa, o relê (ou antes, o lê, vez que é a primeira leitura), ou seja, lhe dá significado e, nesse sentido, o constrói (reconstrói), revelando-lhe. A fenomenologia, como propõe Merleau-Ponty, é a revelação do mundo, portanto. É, nesse passo, uma filosofia inacabada, inexoravelmente: revela incessantemente um mistério infindável. Por isso a ela cabe, antes de tudo, admirar-se diante desse mundo, assim como faz a arte, seja em Proust ou em Cézanne. – II – Merleau inicia o capítulo intitulado O Campo Fenomenal criticando o empirismo por reduzir indevidamente as percepções humanas no que tange ao “sentir”, uma 45 A fenomenologia, por meio da redução eidética, tem a ambição de “igualar a reflexão à vida irrefletida da consciência” como registrou o francês, isto é, por meio desse proceder (redução eidética) quer se alcançar um pensamento que corresponda (que compreenda) à vida antes do pensamento (a vida sentida, percebida, enfim, a vida vivida). 46 É contundente a observação que Merleau-Ponty faz na página 13 do citado prefácio. Ali, aparentemente, como quem não quer nada, ele faz uma velada crítica a Descartes. Como notório, este pensador tem passagem célebre na qual tenta distinguir o sonho da realidade e conclui que o que chama de realidade pode ser um sonho e vice-versa, legitimando assim a dúvida que tem a cerca do mundo. Bem, diz Merleau, se se pode através de critérios distinguir o sonho do real (ou mesmo que não se possa, como quer seu conterrâneo moderno), e, logo, pode-se falar em “sonho” e “realidade”, em “imaginário” e “real”, é porquanto esses conceitos já estão no ser antes de qualquer análise distintiva, tendo já sido experimentados na facticidade do ser no mundo. Assim, a dúvida cartesiana não procede. Aduziu Ponty: “não é preciso perguntar-se se nós percebemos verdadeiramente um mundo, é preciso dizer, ao contrário: o mundo é aquilo que nós percebemos.” 21 vez que o coloca – friamente objetivista – como análise de qualidades. Enquanto o “sentir”, diz o filósofo, é rico e prenhe de capacidade significativa47. Ele influi em nosso olhar – daí se infere que o “sentir” é sempre referente ao eu-corpóreo – situando-nos no mundo. Como bem coloca o próprio autor: “O sentir é essa comunicação vital com o mundo que o torna presente para nós como um lugar familiar de nossa vida.” E, como várias vezes dito, a fenomenologia pretende ser uma filosofia que dê conta dessa dimensão humana: então, já no pensamento de Merleau, coloca “sentir” como intencionalidade. Redimensionando o “sentir” na filosofia (reconstrói-se a noção de “associação” – “afinidade” – como conjunto de significações), se impõe uma nova definição aproximativa para o próprio entendimento, ante a insuficiência deste no sentido que lhe emprestou a modernidade. O entendimento ganha com a fenomenologia uma inerência vital (além de sua dimensão racional): “a infra-estrutura instintiva e as superestruturas que, pelo exercício da inteligência, se estabelecem sobre ela”, nos termos marx-merleau-pontynianos. Nessa passada, o autor critica os pressupostos filosóficos da ciência enquanto forma de conhecimento, repetindo a repreensão epistemológica levada a cabo por Husserl: o objetivismo empírico-racionalista que crê em uma verdade posta e acredita que o conhecimento caminhe – desvinculando-se paulatinamente de enganos – em direção a essa verdade; olvidando que há um ser (existente, real, vivo, pulsante, que sente, sua, sofre, cria, ama, ...) por onde, necessariamente, passa esse conhecimento, essas crenças e percepções. E esse ser, antes de entender (pensar racionalmente), sente e tem mil facetas, que não se apertam em uma estrutura causalista, que reduz o homem a meros mecanismos psicofísicos. O conhecimento, então, deve, antes, basear-se nesse ser significativo e não este se basear em um conhecimento pré-estabelecido, que o defina. O conhecimento, igualmente e por conseguinte, deve basear-se no mundo vivido (lebenswelt), antes de calcar-se no mundo objetivo mirado pela ciência. Do exposto, fica que deve entrar na conta epistemológica: a subjetividade, a inserção histórica do ser, a afetividade, o “sentir”, a vivência individual, a criatividade, a variabilidade cultural. A esse conjunto Merleau-Ponty nomeia “campo fenomenal”. Ele é que constrói o sentido e dá significação ao mundo. É nele que se situa a intencionalidade fenomenológica. Partindo desses pontos, Ponty aduz que a investigação acerca da percepção deve iniciar-se pela psicologia fenomenológica: dentro do campo fenomenal farse-á descrições psicológicas das vivências perceptivas do ser encarnado. 4ª Parte – O Progenitor dos párvulos –I– A questão que ora se coloca é da eventual correção de se afirmar que no discurso promovido pela fenomenologia haja uma equivalência conceitual entre dois 47 Merleau exemplifica que “a luz de uma vela muda de aspecto para a criança quando, depois de uma queimadura, ela deixa de atrair sua mão e torna-se literalmente repulsiva.” 22 termos clássicos da filosofia: “aparência” e “essência”. Como esses termos são polissêmicos e têm uso particularizado conforme a doutrina ou o pensador, vale-se aqui, do auxílio de um dicionário, onde supostamente dois requisitos sejam atendidos, a saber: síntese dos significados, vez que o interesse aqui é panorâmico e amplitude semântica, para que, sumariamente, todos os significados sejam trazidos a baila. A escolha recaiu pelo mais renomado dos autores, Nicola Abbagnano. Assim, as colações que abaixo constam são retiradas da obra desse filósofo italiano, de maneira que, com esse dito, furta-se à obrigação de, a todo o tempo, mencionar a fonte de onde foi colhida essa ou aquela idéia. Por fim, registra-se que essa parte do ensaio não se destina a explicações didáticas acerca de escolas, doutrinas, pensamento de autores ou explicação de termos outros. Passar-se-á ao largo de vários temas sem maiores explicações e em outros será feita breve menção, mas, em ambos os casos, será exigido do leitor conhecimentos prévios. – II – Há duas significações filosóficas para o termo “aparência”, assim resumidas: a primeira como ocultação da realidade. A segunda, diametralmente aposta, significa manifestação ou revelação da realidade. No primeiro caso, para se conhecer a verdade deve-se superar a aparência e, então, chega-se ao real. No segundo, o que aparece já é a própria realidade/verdade a ser conhecida. Essa ambivalência do termo é reflexo de uma dicotomia clássica da filosofia ocidental, que constitui verdadeiro ponto nevrálgico da filosofia de todos os tempos. Entre os antigos, “aparência” no primeiro significado (ocultação) remonta a Parmênides e Platão, enquanto no segundo sentido (referência da verdade) é a base do ceticismo de Sexto Empírico, por exemplo. No mundo moderno, a “aparência” foi revalorizada como “realidade” sob a noção de “fenômeno”, notadamente com a filosofia empirista dos séc. XVII e XVIII, o que possibilitou, posteriormente, Kant distinguir “aparência” e “ilusão”. No autor da Crítica da Razão Pura, “ilusão” é a ocultação do real, enquanto “aparência” equivale à realidade – aliás, a única realidade cognitivamente possível ao homem – sob a noção de fenômeno, mundo fenomênico48. Dessa valorização da “aparência” promovida pela modernidade é tributária a filosofia hegeliana e o seu entendimento do caráter absoluto do conhecimento humano. Se em Kant a razão do sujeito cognoscente é capaz de impor algumas formas a priori ao conteúdo (matéria) fornecido pela experiência, no idealismo hegeliano essa imposição da razão é extremada, passando ela a conformar toda a realidade. Assim, em Hegel não há o númeno kantiano: toda a realidade é acessível ao conhecimento, donde se conclui que a “aparência” já manifesta o real; a essência (substância necessária no sentido aristotélico) do mundo e das coisas já é o que eles aparentam ao espírito. Aduz Hegel: “Aparecer é a determinação por meio da qual a essência não é ser, mas essência; e o aparecer desenvolvido é o fenômeno. A essência não está, portanto, atrás ou além do fenômeno; mas justamente porque essência é o que existe, a existência é o fenômeno.” (apud Abbagnano, verbete “Aparência”) 48 A filosofia do iluminismo é tida como fenomenista (cf. Abbagnano, verbete “Fenomenismo”) 23 Essa mudança do criticismo para o romantismo rompe com a idéia da suposta limitação cognoscitiva do ser humano, mas paralelamente evidencia uma proximidade entre o idealismo e o solipsismo. Wolff notou que “o solipsismo é uma espécie de idealismo que reduz a idéias não só as coisas, mas também os espíritos.” (apud Abbagnano, verbete “Solipsismo”). Resta claro que, se o solipsismo é a tese segundo a qual as coisas do mundo são criações do eu, ele, de fato, é muito próximo ao idealismo romântico, pelo qual o mundo é idéia, ou, como sintetizou Schopenhauer: “O mundo é minha representação” (apud Abbagnano, verbete “Idealismo”). O Idealismo Transcendental de Kant, pois, relaciona-se com o solipsismo moderno, via Idealismo Absoluto de Fitche, onde, substituindo-se o “eu” (do solipsismo) pelo “espírito” (do idealismo), chega-se a filosofias, em grande medida, equivalentes. Hegel é herdeiro dessa tradição. De outra banda, a valorização do “fenômeno”, como sendo “o que aparece” (aliás, essa é a origem etimológica da palavra) co-incidiu, e mesmo, fomentou o desenvolvimento da ciência prática e engendrou, conseqüentemente, o surgimento da filosofia positivista, que teve em Comte seu grande corifeu. Para Augusto Comte a ciência é o único conhecimento válido e legítimo, sendo, pois, o único verdadeiro. Ela lida somente com fenômenos, restando à metafísica o númeno, sendo irrelevantes para a ciência investigações desse teor (não é negada a “coisa em si”, ou seja, há uma existência que independe do sujeito cognoscente; de maneira que agora não se pode falar em solipsismo). No positivismo “aparência” diverge da “essência”: aquela é “fenômeno” e, pois, real, positiva e reveladora da verdade; enquanto a “essência” equivale ao númeno kantiano e não tem interesse para a investigação científica. Nesta investigação a causalidade não retrocede ad infinitum: a ciência não trata da causa primeira (que é inalcançável), embora trate de causalidade: o “por que” originário é númeno, o “como” é o fenômeno. Assim, a mente positivista investiga o funcionamento do mundo, enxergando “fatos”, donde descobre “leis” que o regem49. Comte, então, entendeu que à filosofia resta sistematizar os produtos dos saberes das diversas ciências – daí Garcia Morente ter dito: “o positivismo é o suicídio da filosofia” (apud Aranha). Seja como for, o positivismo é também herdeiro do idealismo transcendental de Kant. Do exposto se percebe que a “essência” é cognoscível para o idealismo romântico e não o é para o positivismo comteano. O primeiro iguala o aparecer fenomênico das coisas à sua essência e, portanto, à realidade/verdade. O segundo distingue fenômeno e essência (númeno): o critério de verdade está na “aparência” (= fenômeno), que envolve a realidade cognoscível, sendo a “essência” ignorada por inacessível. Em ambos, porém, “aparência” é tomada no segundo sentido filosófico, isto é, como “manifestação do real”. De modo esquemático: no positivismo: aparência ≅ fenômeno ≅ realidade essência. No idealismo: aparência ≅ fenômeno ≅ realidade ≅ essência. A fenomenologia maneja rotineiramente o termo “essência” [“A fenomenologia é o estudo das essências, (...)” Merleau-Ponty] – “essência” na fenomenologia tem particularidades50, mas, a grosso modo, é noção conexa à teoria da substância criada por Aristóteles (cf. Abbagnano, verbete “Essência”) – e não emprega o 49 A extensão desse modus operandi à explicação do “humano” impôs um fisicalismo mecanicista, pautado pelo determinismo, nas ciências humanas. Aqui se situa uma pertinente crítica ao positivismo levada a cabo pela fenomenologia. 50 A noção de “essência” na fenomenologia liga-se a outras como “intencionalidade”, “redução”, “objeto intencional”, “vivência” etc. Ver a respeito na primeira parte desse ensaio. 24 termo “aparência”51, de maneira que a tese aqui defendida deve ser entendida com “um saco de sal”. Com efeito, entender, como aqui é feito, que a fenomenologia trate uma coisa como sendo equivalente à outra (“aparência” ↔ “essência”) é uma interpretação que transpõe a batalha para terreno inimigo. Isto é, a fenomenologia estaria sendo analisada com os termos e pressupostos de uma corrente de pensamento da qual ela pretende se desligar. Ainda assim, como ela se vale de seu próprio repertório para analisar outras filosofias, parece possível que seja também analisada por um instrumental que lhe seja alheio. Autorizado por essa premissa e levando-se em conta a temática ora abordada, pode-se apontar que, entre as duas posturas acima mencionadas (idealismo e positivismo), a fenomenologia parece mais próxima do idealismo. Ou pelo menos há uma possível semelhança no que tange a “questão das essências” entre a tese idealista e a proposta fenomenológica, como se pretende demonstrar. Evidentemente não se ignora que a fenomenologia, em seus próprios termos, desautorize a mencionada equivalência entre “aparência” e “essência” (embora pareça crer na equivalência entre “fenômeno” e “essência”). Como sugerido, ela não lida com o referido dualismo – há apenas um mundo, o “Lebenswelt”, e não dois, um aparente e outro essencial. Não há a ocultação do real; no fenômeno (de Husserl) o “ser-no-mundo” intui essências e conhece a verdade. Logo, “aparência” no sentido de “ocultação do real” não encontra correspondência no discurso fenomenológico. Todavia, “aparência”, no segundo sentido, é possível, desde que se considere que “fenômeno” é o que aparece (como a própria etimologia da palavra indica, aliás) e que, assim, revela (ou, ante, é) a “essência”. A fenomenologia prescinde do conceito “aparência” pois já lhe tem um sucedâneo, que melhor lhe faz as vezes, qual seja, “essência”. As “essências” são a base da filosofia de Husserl, que, sem descaracterizar-se, bem poderia chamar-se “essenciologia”. Assim, evidentemente, para ela as “essências” são cognoscíveis (“são intuidas”), diferentemente do que pregou Kant52, por exemplo. Nota-se, portanto, uma proximidade entre teses: assim como no idealismo hegeliano, na fenomenologia essências são cognoscíveis. Diferenciam-se porque o idealismo não admite “mundo” fora da idéia, o que ocasiona um emparelhamento com o egomismo, enquanto a fenomenologia parece admitir um “mundo” independente da consciência intencional (o qual, a bem da verdade, não tem qualquer relevância em sua argumentação e, a rigor, nem poderia receber o nome de “mundo”). Como dito, em Husserl, essência é o que define o ser, de modo necessário, revelando o que ele tem e não pode não ter para ser o que é. Essa é, também, a noção de substância de Aristóteles e é equivalente ao que se denomina de “essência necessária”; noção essa compartilhada pela fenomenologia. Nesta, o esquema seria: fenômeno ≅ essência ≅ realidade. E o acesso às “essências” (a “volta às coisas mesmas”) ocorre por meio da percepção do fenômeno. Recorrendo mais uma vez ao referido dicionário se constata três acepções filosóficas para o termo: “fenômeno” equivalendo a “aparência” (no sentido de oposição à “realidade”); “fenômeno” como sendo o que aparece (essa é a concepção de 51 Embora se colha em Husserl a seguinte passagem, na qual ele coloca que na consciência, como percepção imanente, “não há lugar para discordância, aparência, possibilidade de ser outra coisa. Ela é uma esfera de posição absoluta.” (apud Abbagnano, verbete “Conhecimento”, sem grifo no original) 52 Daí porque Merleau-Ponty diz: “O transcendental de Husserl não é o de Kant, (...)” 25 fenômeno utilizada pela filosofia idealista transcendental do séc. XVIII, sendo uma noção que se opões à “coisa em si” ou númeno e revela o aparecer das coisas ante condições a priori cognitivas do homem. Aqui o termo não significa conhecimento ilusório – muito ao contrário – embora esteja imbuída a noção de limitação do conhecimento humano); O terceiro sentido da palavra surge com a fenomenologia e significa o que se manifesta em si mesmo (ou seja, essência). O fenômeno é a manifestação do ser que se dá em uma consciência intencional: fenômeno é a manifestação do ser em sua quintaessência, não sendo mera aparência (no sentido de “ocultação de essências”), mas sim aparência (como manifestação da essência; sendo que o que aparece no fenômeno já é a própria essência). Nessa perspectiva é que parece ser possível se afirmar que na fenomenologia a “essência” é equivale à “aparência”. E não é porque a fenomenologia não trate do dualismo “essênciaaparência” que ela terá eliminado esse dualismo53: ela se vale de um discurso outro, não “tradicional”, e tem por superado o tema, quando – parece – ele não está. Husserl define sua filosofia como “a doutrina pura descritiva das essências das estruturas imanentes da consciência.” (apud Zilles), claramente se filiando a uma tradição idealista (na qual há o mencionado dualismo). Aliás Zilles usa a expressão “idealismo fenomenológico”: na fenomenologia, o fenômeno existe enquanto relação a uma consciência, que vivencia coisas significando-as e, nesse processo, dando sentido ao fenômeno. Se retirarmos a carga negativa que o termo “aparência” possui, ele pode ter uso corriqueiro no repertório fenomenológico, vez que, como dito, o aparecer do mundo é o modo intencionalinterpretativo de uma consciência encarnada (facticidade-transcendência) de intuir o mundo em sua essência. E, como sempre convém o recurso ao argumento de autoridade, cito dois. Abbagnano, que entre os tópicos de que se vale para resumir a fenomenologia, assim se expressa: “Caráter privilegiado da “percepção imanente”, ou seja, da consciência que o eu tem das suas próprias experiências, porquanto nessa percepção aparecer e ser coincidem perfeitamente (...).” (v. verbete “Fenomenologia”. Sem grifo no original). E por fim, Sartre: “O fenômeno de ser exige a transfenomenalidade do ser. Isto não quer dizer que o ser está escondido atrás dos fenômenos (vimos que o fenômeno não pode mascarar o ser), nem que o fenômeno é uma aparência que remeta a um ser distinto (só enquanto aparência o fenômeno é, ou seja, ele se indica sobre o fundamento do ser) (...).” (apud Abbagnano, verbete “Fenomenologia”. Sem grifo no original). IV – CONCLUSÃO 53 Nicola nesse ponto foi misterioso. Com efeito ele menciona que a fenomenologia não reduz a existência à aparência, logo, não se deve confundir a filosofia de Husserl com o “fenomenismo”, mas acrescenta ambiguamente: “Por outro lado, tampouco implica a eliminação da diferença entre parecer e ser, embora esse antigo dualismo seja eliminado.” (verbete “Fenomenologia”) 26 Não há o que concluir. Aqui eu poderia apenas resumir o que foi dito, o que me parece de todo desnecessário. Porque o trabalho em seu conjunto – menos nas partes especulativas e mais no resto – pretende, minimamente, prestar como prolegômenos de fenomenologia. E, creio, essa filosofia está em busca de uma conclusão. E não tenho estatura para tanto. Ou talvez ela – por essência – rejeite uma conclusão. Queira ser – talvez – uma filosofia que está aí, se fazendo, inacabada. Recusando-se a se definir. Permitindo que temas inefáveis ganhem estatuto filosófico por meio de metáforas. Caso diga algo a guisa de conclusão, vou falar de mim, de novo, como no discurso. E nesse caso posso aborrecer (mais) o leitor. Serei, então, breve. Tenho 30 anos. Meu tempo, logo, é curto. Estou com pressa. E, para o meu caso, Merleau-Ponty já advertira: “O leitor apresado renunciará a circunscrever uma doutrina que falou de tudo e perguntar-se-á se uma filosofia que não consegue definir-se merece todo o ruído que se faz em torno dela, e se não se trata antes de um mito e de uma moda.” E, apresado, não fiz uma leitura mais detalhada da filosofia de que trato – o que nos nichos acadêmicos chamam de “revisão bibliográfica” – de modo que fui até onde fui porque parti de onde parti. É esse o motivo, alias, pelo qual intitulo esse trabalho como estudo do “núcleo da mensagem”, assim já me defendendo de futuras opiniões que venham a considerar minha leitura superficial. A mim ficou a impressão de que a fenomenologia está a demandar o “retorno do pêndulo”, ao menos no que tange à crítica a ciência: sua postura foi além, exagerou. Não obstante, como já deixei claro em mais de uma ocasião, trata-se apenas de uma impressão, que nada vincula e pouco ambiciona; talvez até o “pêndulo já tenha retornado” em filósofos da segunda, terceira ou quarta geração de fenomenólogos. Para concluir digo que quis ser atraente, me exibir, exercitando-me, nada mais. E o fiz de modo desorientado – e a responsabilidade, logo, é toda minha – na medida em que não fui orientado por alguém na produção desse texto, que surgiu do encontro da ocasião (manejo curricular da obra “A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia”) com a oportunidade (convite do professor Ricardo Vélez para me exibir). E aí, como emplacou o famoso e tantas vezes juramentado Hipócrates (de Cós), citado pelo professor Colin Ronan, “A vida é breve, a arte longa, a oportunidade fugas, a experiência, traiçoeira, o julgamento, difícil”, então, diante disso, fiz o que pude, nada mais. V – REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2003. DESCARTES, René. O Discurso sobre o método. Trad. de Paulo M. de Oliveira. Bauru: EDIPRO, 1996. HUSSEL, Edmund. A Crise da Humanidade Européia e a Filosofia. Trad. de Urbano Zilles. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Valério Rohden. São Paulo: Abril, 1974. KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. Trad. de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perpectiva, 2001. 27 LAKATOS, Imre (Org.). 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