Revisitando a Hipótese Locacional: algumas razões para

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Revisitando a Hipótese Locacional:
algumas razões para voltar atrás...
Sergio Menuzzi, CNPq/UFRGS
Pablo Ribeiro, CNPq/UFRGS
Eduardo Soares, CAPES/UFRGS
Seminário de Teoria e Análise Linguística
PPGL/UFRGS, 15 de abril de 2011
1. Introdução
• Tema geral: "teoria da associação" (ing. linking theory) entre a
semântica dos predicados e a realização sintática de seus
argumentos
• Questões básicas da teoria da associação:
(a) quais os elementos de significado dos predicados são relevantes
para a associação com a sintaxe?
(b) quais os princípios que regem esta associação?
• Exemplos bem-conhecidos do problema, limitando-nos às
possibilidades de associação para Sujeito [SUJ] e Objeto [OBJ]:
(1) "Verbos de ação": 'Agente' = SUJ, 'Paciente' = OBJ
João comeu/mordeu/cortou a maçã
(2) "Verbos de movimento": 'Tema' = SUJ, 'Trajeto' = OBJ
A garrafa atravessou/cruzou/?percorreu o oceano
(3) "Verbos de continência": 'Continente' = SUJ, 'Contido' = OBJ
O livro tem/contém/inclui três capítulos
• Objetivos da "teoria da associação": o que há de comum a
'Agentes', 'Temas' e 'Continentes' nestes predicados? como esta
propriedade hipotética resulta na associação com a função de SUJ?
• Algumas das concepções em sintaxe gerativa:
(a) representação semântica do predicado abreviada por uma lista de
"papéis temáticos"; algum mecanismo de associação (p.ex., regras
de redundância) ligando-os a uma representação lexical própria para
a sintaxe (traços de subcategorização, estrutura de argumentos,
etc.). Ex.: Stowell (1981), Pesetsky (1982), Grimshaw (1979)
(b) representação semântica idem; princípio de associação exigindo
biunicidade entre "papel temático" e "posição estrutural". Ex.:
UTAH de Baker (1987)
(c) representação semântica do verbo em termos de algum tipo de
"estrutura de eventos", diretamente expressa em configuração
sintática. Ex.: VP shells de Larson (1988), inventário de
configurações lexicais de Hale e Keyser (1993)
• EM COMUM a estas abordagens: preocupação com propriedades
estruturais das sentenças (e.g., relações de c-comando entre
complementos, possibilidades de movimento-A, etc.), pouca
preocupação com motivação da teoria semântica subjacente.
• Para discussão, ver Levin & Rapaport-Hovav (2005)
• AQUI: o contrário – uma teoria cuja preocupação é motivar a
representação semântica básica dos predicados e a partir dela
propor alguma versão da "teoria da associação". Portanto, nosso
foco é na pergunta: "que elementos de significado são relevantes?"
• Especificamente, nossa pergunta será: quanto da chamada "hipótese
temática/locacional", como formulada em Jackendoff (1983), deve
ser abandonada?
• Em Jackendoff (1990), ela é abandonada na análise de duas das
noções centrais para a semântica dos eventos complexos: as noções
de "incoação" e da "causação manipulativa".
• O que vamos sugerir é que isso é um erro: (a) as análises propostas
por Jackendoff (1990) apresentam problemas; por exemplo, a
análise da "causação manipulativa" é uma tentativa complicada de
incorporar os insights de Talmy (1986, 1988, 2000); (b) uma das
evidências fundamentais da "hipótese locacional" – a distribuição
de preposições – indica o contrário.
2. Jackendoff (1983) e a "Abordagem Locacional"
• Hipótese básica, especialmente em Jackendoff (1983) (formulada
pela primeira vez por Gruber 1965):
Semântica dos predicados é uma representação da estrutura de
eventos cujo elemento central é uma "relação locacional" – estática
(locação propriamente dita) ou dinâmica (mudança de locação).
Isto é: em princípios, todos os eventos refletem um "núcleo
conceitual locacional"; eventos que parecem não envolver locação
ou deslocamento espacial são, na verdade, concebidos, por
"extensão metafórica", como tal.
• Uma das motivações básicas: a polissemia pervasiva de "verbos
básicos", que ocorrem em diversos campos semânticos:
(4) Verbo ser (predicado primitivo: BE)
Campo locacional: O xerox é no segundo andar.
Campo temporal: O encontro é às duas.
Campo da posse: O livro é do João.
(5) Verbo passar (GO)
Campo locacional: O sofá passou do quarto para a sala.
Campo temporal: A aula passou de terça para quarta
Campo da posse: A casa passou do pai para o filho.
(6) Verbo manter (CAUSE STAY)
Campo locacional: Nós mantivemos o sofá na sala.
Campo temporal: Nós mantivemos a aula na terça.
Campo da posse: Nós mantivemos as jóias da vovó na família.
• A implementação de Jackendoff (1983): predicados são
decompostos em "predicados primitivos", que expressam
componentes de significado em comum.
• Funções básicas para "eventos simples", i.é, de "pura locação ou
puro deslocamento"; sentenças da forma [NP V NP/PP]:
(7) [PLACE] => [Place IN/AT/ON/etc. (THING)]
(8) [PATH]
=> [Path TO/FROM/etc. (THING/PLACE)]
(9) [EVENT] => [Event GO (THING, PATH)]
[Event STAY (THING, PLACE)]
(10) [STATE] => [State BE (THING, PLACE)]
[State ORIENT (THING, PATH)]
[State GOExt (THING, PLACE)]
• Exemplos de representações semânticas:
(11) John entered the house / João entrou na casa
[Event GO (JOHN, [Path TO ([Place IN (HOUSE)])])]
(12) John approached the house / João se aproximou da casa
[Event GO (JOHN, [Path TOWARD (HOUSE)])]
(13) John left the house (in a hurry)/João saiu da casa (apressado)
[Event GO (JOHN, [Path FROM (HOUSE)])]
• "Papéis temáticos" = argumentos das funções conceituais
primitivas. Em particular, TEMA = todo o argumento em uma
"relação locacional" com um PLACE ou um PATH.
• Uma observação empírica importante: "funções locacionais" são
mais freqüentemente lexicalizadas pelo verbo em inglês do que em
português. Outros dois exemplos:
(14) Verbos de contato:
The car hit the pole / O carro bateu no poste
John touched Mary / João tocou/encostou em Maria
John stepped the grass / João pisou no gramado
(15) Give/Dar leves expressando contato:
John gave the table a kick / *a kick to/at the table
João deu um chute na mesa
John gave Mary a kiss / *a kiss to/on Mary
João deu um beijo em Maria
• "Eventos complexos": envolvem CAUSAÇÃO e introduzem o
'Agente/Causador'; sentenças da forma [NP V NP (PP)]:
(14) [EVENT] => [Event CAUSE (THING/EVENT, EVENT)]
[Event LET (THING/EVENT, EVENT)]
(15) Beth threw the ball out the house/jogou a bola para fora da casa
[Event CAUSE (BETH, [Event GO (BALL, [TO ([OUT HOUSE)])])]
(16) The chief's visit kept Mary in the office /
A visita do chefe manteve Maria no escritório
[Event CAUSE ([Event VISIT], [ STAY (MARY, [IN OFFICE])])])]
(17) Bill released the bird from the cage / soltou o passarinho...
[Event LET (BILL, [GO (BIRD, [FROM CAGE])])])]
• Estendendo a "semântica locacional" aos demais tipos de eventos:
Natureza do argumento: similaridade de inferências semânticas e de
realização sintática!! Exs. anteriores: tempo e posse
• Para o "campo identificacional" (categorização e propriedades)
(18) The light is red / O sinal está vermelho
[State BEIdent (LIGHT, [Place ATIdent ([Property RED])])]
(19) The light went/changed from red to green/
O sinal foi/mudou/trocou do vermelho pro verde ("O sinal abriu")
[Event GOIdent (LIGHT, [FROMIdent (RED), TOIdent (GREEN)])]
(20) The smoke darkened the sky
[Event CAUSE (SMOKE, [GO (SKY, [TO DARK])])])].
• IMPORTANTE: "incoação" expressa por [GO TO]!
• Para o "campo circunstancial": eventos como PLACES ou PATHS!
(21) Fred is composing a quartet / Fred está compondo um quarteto
[St BECirc (FREDX , [ ATCirc ([Ev COMPOSE (X, QUARTET)])])]
(22) Fred kept composing the quartet/
Fred se manteve compondo o quarteto
[Ev STAY (FREDX , [ ATCirc ([Ev COMPOSE (X, QUARTET)])])]
(23) Louise kept Fred composing quartets/
Louise manteve Fred compondo quartetos
[Ev CAUSE (LOUISE, [STAY (FREDX, [ AT COMPOSE (X, Q)])])]
(24) Fred started composing quartets/
Fred começou a compor quartetos
[Ev GO (FREDX , [ TOCirc ([Ev COMPOSE (X, QUARTETS)])])]
• "Verbos de manipulação" entram nesta análise:
(25) Susie forced Jim to sing / Susie forçou Jim a cantar
[Ev CAUSE (SUSIE, [GO (JIMX , [TO ([Ev SING (X)])])]
(26) Susie prevented Jim from singing/Susie impediu Jim de cantar
[CAUSE (SUSIE, [STAY (JIMX , [NOT AT ([SING (X)])])]
(27) Susie allowed Jim to sing / Susie permitiu a Jim cantar/
Susie autorizou Jim a cantar
[LET (SUSIE, [GO (JIMX , [TO ([ SING (X)])])]
• IMPORTANTE: (26) expressa a idéia de que prevent significa algo
como make X stay away from Z, sendo que away from Z é analisado
como "not at Z". Como Jackendoff nota, isto torna from in (26)
"unrelated to the source-function expressed by from" (p.200).
• Algumas observações para lembrar:
(a) "funções locacionais" são mais freqüentemente incorporadas ao
verbo nas lexicalizações do inglês do que nas do português;
(b) "incoação", no sistema de S&C, é na verdade uma "extensão
metafórica" de "movimento espacial/mudança de locação" – é
expressa, conceitualmente, por [GO (X, [TO PROPERTY])].
(c) "manipulação positiva" também recebe "tratamento temático",
sendo concebida como "causação de movimento direcional":
[CAUSE (X, [GO (Y, [TO EVENT(Y,...)])])]
(d) mas "manipulação negativa" não, com perda da generalização
óbvia que emerge de todos os demais padrões:
(e) preposições diagnosticam as "funções locacionais" subjacentes!
• Quanto à teoria da associação: o que emerge das várias análises são
generalizações muito simples, embora S&C nem as aponte, muito
menos as tente explicar:
(a) em "eventos simples", o tema é associado ao sujeito e as
"funções locacionais" são complementos (OD ou PP, dependendo
da lexicalização verbal);
(b) em "eventos complexos", o agente/causador é associado ao
sujeito, o tema ao OD e as "funções locacionais" por PPs (quando
sintaticamente manifestas).
3. Jackendoff (1990): Limitando o Escopo da Hipótese Temática
• Uma observação inicial importante: embora Jackendoff (1983) dê a
atender que primitivos adotados são todos "temáticos", isto não é
correto: CAUSE não é uma função que envolva PATHS ou
PLACES!! Jackendoff (1990) observa outros problemas que o
afastam ainda mais a teoria da "hipótese temática"
• O primeiro: ausência de um tratamento para processos (dormir,
roncar) e atividades (dançar, trabalhar); introdução do primeiro
primitivo "não locacional" para "eventos simples" = [MOVE(TH)]
(28) John danced through the room / João dançou pela sala
GO (JOHNX, [THROUGH ROOM])
[BY ([MOVE (X)])]
• O segundo, que nos interessa mais aqui: o tratamento dado à
"incoação"! Lembrando: "ter uma propriedade" é analisado como
[BE AT PROPERTY] e "passar a ter uma propriedade" é analisado
como [GO TO PROPERTY]:
(29) As páginas estão amarelas (de tão velhas).
[BE (PÁGINAS, [AT AMARELO])]
(30) As páginas amarelaram (com o tempo)
[GO (PÁGINAS, [TO AMARELO])]
• Aparentemente: "tema" e "locação" são os mesmos; o que muda é,
simplesmente, é a "relação temática".
• Mas Jackendoff observa que a alternância entre estado e mudança
de estado nem sempre pode ser analisada de modo tão simples.
• Em particular: o resultado semântico parece ser incorreto para
verbos que já possuem "significado temático" (isto é, não se trata
de extensão metafórica para outro domínio conceitual):
(31) a) A bússola apontava para o norte.
[ORIENT (BÚSSOLA, [TOWARD NORTE])]
b) A bússola apontou para o norte.
#[GO (BÚSSOLA, [TO NORTE])]
Significado: "A bússola foi para o norte"
(32) a) A estrada de Santos alcança o litoral.
[GOEXT (ESTRADA, [TO LITORAL])]
b) A nova estrada alcançou o litoral.
#[GO (ESTRADA, [TO LITORAL])]
Significado (literal): "A nova estrada foi até o litoral"
• Solução de Jackendoff: introdução de uma nova função primitiva,
INCH, que denota o evento de incoação/incepção de um estado:
(33) [EVENT] => [INCH ([STATE])]
(34) As páginas estão amarelas/amarelaram.
(cf. (29)-(30))
[BE (PÁGINAS, [AT AMARELO])]
[INCH ([BE (PÁGINAS, [AT AMARELO])])]
(35) A bússola apontava/apontou para o norte.
(cf. (31))
[ORIENT (BÚSSOLA, [TOWARD NORTE])]
[INCH ([ORIENT (BÚSSOLA, [TOWARD NORTE])])]
(36) A nova estrada alcança/alcançou o litoral.
[GOEXT (ESTRADA, [TO LITORAL])]
[INCH ([GOEXT (ESTRADA, [TO LITORAL])])]
(cf. (32))
• Importante: INCH é uma função de estados, nada tem a ver com
"locação" – portanto, em princípio, nenhuma relação sistemática
com preposições espaciais.
• Uma outra observação importante: Jackendoff reconhece que o
tratamento de processos de mudança por meio do primitivo GO e
suas "trajetórias" permanece justificado para alguns casos. Por
exemplo, o exemplo abaixo não pode ser tratado por INCH:
(37) a) A sopa está fria
[BE (SOPA, [AT FRIO])]
b) A sopa esfriou por minutos (mas continua quente)
# [INCH ([BE (SOPA, [AT FRIO])])]
[GO (SOPA, [TOWARD FRIO])]
• Terceiro e último problema: não é bem um problema para os
primitivos temáticos, já que faz com que Jackendoff elabore sua
teoria da causação. Mas, para ele, o resultado é criar uma "camada
conceitual" que, diferente de CAUSE, não se aplica diretamente a
"noções locacionais"; o resultado é que torna estas ainda menos
fundamentais para a estrutura de eventos e a teoria da associação.
• A questão básica: as noções básicas de "ator" e "paciente" (ou
"afetado"), que estão associadas às funções de SUJ e OBJ, são
independentes das "funções temáticas"!
• Exemplo de Jackendoff:
(38) What happened to NP?
a) Mary hit Fred
b) The car hit the tree
c) Mary hit the ball into the field
(39) a) Sue
hit
Fred
Tema
Meta
Ator/Agente Paciente
b) The car hit
Tema
Ator(/Instr)
c) Sue
Causa
Ator
hit
(Camada Locacional)
(Camada Accional)
the tree
Meta
Paciente
the ball
(Camada Locacional)
(Camada Accional)
into the field
Tema
Meta
Paciente -
(Camada Locacional)
(Camada Accional)
• A implementação de Jackendoff: introduzir nas representações
conceituais dos eventos um "componente accional", correspondente
ao que Talmy (1985, 1988) chama de "sistema de dinâmica de
forças": um sistema composto pela interação de dois participantes,
um "agonista" e um "antagonista".
• "Agonista": o participante que tem alguma tendência inerente,
dinâmica ("para realizar alguma ação") ou estática, de repouso
("para não realizar alguma ação").
• "Antagonista": o participante que interage (ou pode interagir) com
o agonista por meio de "transmissão de força", podendo impedir ou
auxiliar o agonista em sua tendência inerente.
• Formalmente: [AFFECT± (X, Y)]
• Voltando aos exemplos:
(40) a) Sue hit Fred
GO (SUE, [TO FRED])
AFFECT− (SUE, FRED)
b) The car hit the tree
GO (CAR, [TO TREE])
AFFECT− (CAR, TREE)
c) Sue hit the ball into the field
CAUSE (SUE, [GO (BALL, [TO FIELD])])
AFFECT−(SUE, BALL)
• Conseqüências da introdução de AFFECT: são várias (por
exemplo, tratamento para verbos psíquicos), mas aqui nos interessa
uma: um novo tratamento, mais completo, para os "verbos de
manipulação" – baseado nos três valores possíveis para AFFECT:
(a) AFFECT− = verbos em que o "antagonista" vai contra a
tendência do "agonista": force, pressure, urge, prevent, hinder
(b) AFFECT+ = verbos em que o "antagonista" vai a favor da
tendência do "agonista": help, assist, aid
(c) AFFECT0 = verbos em que o "antagonista" tem poder de intervir
na tendência do "agonista", mas não o faz: let, allow, permit
• Tratamento dos verbos de "manipulação negativa" (ver SS, p.131):
não mais baseado numa "metáfora temática"!!
(41) Susie forced Jim to sing / Susie forçou Jim a cantar
S&C: [ CAUSE (SUSIE, [GO (JIMX , [TO ([ SING (X)])])]
SS:
CAUSE (SUSIE, [SING (JIM)])
AFFECT− (SUE, FRED)
(42) Susie prevented Jim from singing/Susie impediu Jim de cantar
S&C: [CAUSE (SUSIE, [STAY (JIM, [NOT AT ([SING (X)])])]
SS:
CAUSE (SUSIE, [NOT [SING (JIM)]])
AFFECT− (SUE, FRED)
• Notar: agora, perda completa da relação com as preposições!!
• Duas coisas para guardar:
(a) a introdução de INCH na análise da "incoação" desvincula esta
noção da "base locacional" e, portanto, do domínio das "extensões
metafóricas" das "relações espaciais" – isto é, exclui qualquer
associação sistemática com preposições espaciais.
(b) o tratamento da "causação manipulativa" em termos de AFFECT
permite unificar vários casos; mas elimina a necessidade de recorrer
às "relações espaciais" a fim de dar conta dos "conflitos de orientação
entre agonista e antagonista"; novamente, há custo: exclui a noção do
domínio das extensões metafóricas das relações espaciais...
4. Alguns problemas e soluções
• Os problemas de uma representação primitiva para "incoação":
(a) O argumento conceitual de Jackendoff é falho. Lembrar o
problema: resultado incorreto para verbos com "conteúdo temático":
(43) A bússola apontava/apontou para o norte.
[ORIENT (BÚSSOLA, [TOWARD NORTE])]
#[GO (BÚSSOLA, [TO NORTE])]
[INCH ([ORIENT (BÚSSOLA, [TOWARD NORTE])])]
Importante: a origem do problema é conceitual; INCH sugere que
"incoação" é uma noção pertinente para entidades estruturadas
temporalmente – estados e eventos; evidente que GO TO, aplicado
diretamente a THINGS e PLACES, não pode dar certo.
• Mas lembrar "extensão metafórica" das relações temáticas para o
"campo circunstancial":
(44) Fred is composing a quartet / Fred está compondo um quarteto
[St BECirc (FREDX , [ ATCirc ([Ev COMPOSE (X, QUARTET)])])]
(45) Fred kept composing the quartet/
Fred se manteve compondo o quarteto
[Ev STAY (FREDX , [ ATCirc ([Ev COMPOSE (X, QUARTET)])])]
(46) Louise kept Fred composing quartets/
Louise manteve Fred compondo quartetos
[CAUSE (LOUISE, [STAY (FREDX, [ AT COMPOSE (X, Q)])])]
Importante: na leitura "circunstancial", as funções temáticas se
aplicam diretamente a eventos e estados, concebidos como
"locações"!!
• O caso crucial: "incoação" de eventos!
(47) Fred started composing quartets/
Fred começou a compor quartetos
[Ev GO (FREDX , [ TOCirc ([Ev COMPOSE (X, QUARTETS)])])]
• A observação crucial: estes verbos selecionam preposição em
português, e ela é como se poderia esperar! Notar, em particular, a
oposição entre "incoação" e o processo inverso, de "cessação"!
(48) Fred começou a compor quartetos
Fred iniciou a compor quartetos
Fred passou a compor quartetos
(49) Fred parou de compor quartetos
Fred deixou de compor quartetos
• Pergunta: por que não em inglês? Resposta: por causa das
tendências gerais de lexicalização das duas línguas!!
(50) Fred started/began composing quartets
(mas tb. com to)
(51) Fred stopped/let composing
(sem from)
• Proposta para a "incoação" (e a "cessação"): extensões metafóricas
de GO TO (e de GO FROM) para o domínio circunstancial:
(52) As páginas estão amarelas/amarelaram.
[BE (PÁGINAS, [AT AMARELO])]
[GO (PÁGINASX , [TO ([BE (X, [AT AMARELO])])]
(53) A bússola apontava/apontou para o norte.
[ORIENT (BÚSSOLA, [TOWARD NORTE])]
[GO (BÚSSOLAX , [TO ([ORIENT (X, [TOWARD NORTE])])]
• As principais conseqüências:
(a) INCH não é necessária, e o inventário das funções primitivas
permanece pequeno;
(b) mais que isso: para "eventos simples" – especialmente, "eventos
nucleares", permanece restrito às funções locacionais!! (Lembrar,
entretanto: problema das processos e atividades permanece.)
(c) correlação entre "verbos de incoação/cessação" e preposições
espaciais capturada.
(d) analogia entre propriedades de predicados "ascripcionais" e
"trajetórias" conservada (cf. obs. de Jackendoff sobre esfriar)
• Os problemas da representação da "causação manipulativa" por
meio de AFFECT:
(a) O principal, como vimos: desvincular a semântica da "causação
manipulativa" das relações locacionais; portanto, perda de explicação
para a correlação óbvia com preposições espaciais:
AFFECT− = verbos em que o "antagonista" vai contra a tendência do
"agonista": forçar, pressionar, impelir, persuadir a ; prevenir, impedir,
diassuadir de
AFFECT+ = verbos em que o "antagonista" vai a favor da tendência do
"agonista": ajudar, estimular a (mas assistir em...)
AFFECT0 = verbos em que o "antagonista" tem poder de intervir na
tendência do "agonista", mas não o faz: autorizar a (mas deixar,
permitir diferentes...)
(b) De novo, a fonte do problema é conceitual: a teoria da dinâmica
de forças ["componente DF"] adotada por Jackendoff é baseada na
análise profunda de Talmy; mas AFFECT é implementação
inadequada do componente DF:
- CAUSE e AFFECT não são componentes primitivos, mas
derivados do sistema DF de Talmy;
- a implementação de Jackendoff não consegue capturar o fato de
que a noção de "tendência inerente do agonista" apresenta
correlação com as funções locacionais primitivas, como se vê pela
forte correlação com as preposições locacionais em português!!
• Nossa conclusão: a representação da dinâmica de forças deve
incluir como elementos primitivos as funções locacionais. Mas não
tentaremos desenvolver uma análise aqui…
5. Resumindo…
• De uma teoria relativamente simples da estrutura de eventos em
S&C, Jackendoff migrou para uma mais complicada.
• Em S&C: eventos básicos de natureza locacional; apenas um
predicado para eventos complexos: CAUSE
• Em SS: além de CAUSE, INCHOATIVE e AFFECT; abandono da
idéia de eventos complexos como “extensão metafórica de eventos
locacionais” para o domínio circunstancial
• Motivação de Jackendoff: incoação com verbos espaciais; verbos
de manipulação
• Nosso argumento: (a) tanto no domínio da incoação quanto no da
manipulação, encontramos correlações entre a “orientação” dos
eventos e preposições em português; e (b) a correlação é
precisamente aquela que se esperaria com base numa análise
baseada na extensão metafórica dos predicados locacionais.
• Nossa conclusão: talvez, seja possível retomar a hipótese original
de Jackendoff em S&C, mesmo no domínio dos eventos
complexos.
Referências
Baker, M. (1987) Incorporation: A Theory of Grammatical
Function Changing. Chicago: University of Chicago Press.
Grimshaw, J. (1979) Complement Selection and the Lexicon.
Linguistic Inquiry 10:2, 279-326.
Hale, K. & Keyser, S. J. (1993) On Argument Structure and the
Lexical Expression of Syntactic Relations. In Hale & Keyser,
eds., The View from Building 20: Essays in Linguistics in Honor
of Sylvain Bromberger. Cambridge, Mass.: MIT Press.
Jackendoff, R. (1983) Semantics and Cognition. Cambridge,
Mass.: MIT Press.
Jackendoff, R. (1990) Semantic Structures. Cambridge, Mass.:
MIT Press.
Larson, R. (1988) On the Double Object Construction. Linguistic
Inquiry 19:3, 335-391.
Levin, B. & Rapaport-Hovav, M. (2005) Argument Realization.
Cambridge: Cambridge University Press.
Pesetsky, D. (1982) Path and Categories. Tese de Doutorado, MIT,
Cambridge, Mass.
Stowell (1981) Origins of Phrase Structure. Tese de Doutorado,
MIT, Cambridge, Mass.
Talmy, L. (1988) Force Dynamics in Language and Cognition.
Cognitive Science 12, 49-100.
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