2010 1 – amor patológico

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Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Psicologia
Trabalho de Psicologia do Desenvolvimento III:
Patologias do Amor
Ana Paula Lanza
Annelise Júlio
Diego Las Casas
Júlia Frayha
Paulo Júlio
Pedro Freire Castro
Pedro Torres Barros
Trabalho
realizado
como
parte dos requisitos da disciplina de
Psicologia do Desenvolvimento III,
ministrada no primeiro semestre de
2010
pelo
Malloy-Diniz.
Belo Horizonte
2010
professor
Leandro
1 – AMOR PATOLÓGICO
O Amor Patológico caracteriza-se pela atitude descontrolada de prestar cuidado
e atenção ao parceiro, de modo que ela se torna prioritária na vida do indivíduo, em
detrimento de outras atividades antes valorizadas, e causa prejuízos não só a ele, mas ao
parceiro e outras pessoas próximas.
Ele pode se apresentar em outros transtornos psiquiátricos, associado a sintomas
ansiosos e depressivos, ou pode aparecer isoladamente em personalidade vulneráveis,
com baixa auto-estima e sentimentos de rejeição.
Alguns autores acreditam que a gravidade dos transtornos depressivos e ansiosos
poderiam contribuir para a manutenção de relacionamentos conturbados. Esse padrão de
relacionamento funcionaria, para o indivíduo, como proteção contra a angústia advinda
do medo de ficar só, de ser abandonado. A hipótese é de que a tensão da relação
acarretaria uma liberação adrenérgica, tornando mais difícil o aparecimento de sintomas
depressivos.
Há, também, uma relação com comportamentos obsessivo-compulsivos, pois o
Amor Patológico pode chegar a um ponto em que o indivíduo fica obcecado e deixa de
viver sua vida para viver a vida do parceiro, impedindo que ele tenha uma vida própria.
A atitude de cuidar do companheiro é descontrolada e este começa a ocupar mais espaço
na vida da pessoa do que a família, os amigos, o trabalho, ou outras atividades; o
indivíduo passa a vigiar o parceiro, pois o medo da relação acabar é incontrolável.
Outros autores sugerem, ainda, uma co-morbidade com o transtorno de
personalidade dependente, caracterizada por uma necessidade invasiva e excessiva de
ser cuidado, que leva a um comportamento submisso e aderente, e ao medo da
separação.
O Amor Patológico se assemelha aos critérios diagnósticos empregados na
dependência de álcool e outras drogas. Comparando os critérios para dependência
química, estabelecidos pela Associação Psiquiátrica Americana com os sintomas,
geralmente apresentados pelos portadores de Amor Patológico, observa-se que seis dos
sete critérios são comuns às duas doenças:
1. Sinais e sintomas de abstinência: quando se sente sob ameaça de abandono, o
indivíduo pode sentir insônia, taquicardia, tensão muscular, alternando períodos de
letargia e atividade intensa;
2. O indivíduo começa a se queixar de manifestar atenção ao parceiro por um
período mais longo e com maior freqüência do que pretendia no início;
3. Insucesso nas alternativas de reduzir ou controlar o comportamento
patológico;
4. O indivíduo gasta muito tempo e energia tentando manter o parceiro sob
controle;
5. Abandono de interesses e atividades antes valorizadas;
6. O comportamento compulsivo é mantido, apesar dos problemas sociais e
familiares.
Um estudo realizado por vários cientistas do New York State Psychiatric
Institute constatou que o amor excessivo causa no Sistema Nervoso Central uma
sensação de euforia similar ao que é induzido pelo uso de anfetaminas. Segundo essa
pesquisa, o amor produziria sua própria substância tóxica: a fenilitilamina. Essa
substância está presente no chocolate, tão apreciado pelos amantes patológicos em
períodos de ausência do companheiro.
O Amor Patológico acomete homens e mulheres, mas prevalece na população
feminina, pois as mulheres no geral, pelo menos na nossa cultura, dão maior ênfase aos
comportamentos amorosos e priorizam a relação a dois. A própria denominação dos
grupos de apoio ao Amor Patológico exclui os homens: Mulheres que Amam Demais
Anônimas (MADA). Os homens são mais freqüentes no grupo dos Dependentes de
Amor e Sexo Anônimos (DASA), pois são em maior número, nesse gênero, os
diagnósticos de desejo sexual excessivo.
O diagnósticos de Amor Patológico dever ser feito com muito cuidado e deve-se
levar em consideração:
1. O grau de limitação e de prejuízo que o comportamento patológico vem
acarretando para a qualidade de vida do portador, do parceiro e dos familiares;
2. Os aspectos clínicos, os sintomas e a história familiar do portador de Amor
Patológico, diferenciando esse quadro d outros tipos de patologias;
3. O diagnóstico responsável pelo quadro de Amor Patológico, cujos sintomas
podem estar presentes em diversos transtornos, ou se apresentar como uma
manifestação independente.
1.1. Diagnóstico diferencial
O “love addiction”, como vem sendo denominado por alguns autores (SIMON,
1982; TIMMERECK, 1990) deve ser diferenciado do amor saudável, no qual o
comportamento de cuidar do parceiro ocorre com controle e duração limitada, sendo
preservados os planos pessoais.
Deve-se diferenciar o Amor Patológico também da chamada Síndrome de
Clerambault, um transtorno delirante, do subtipo erotomaníaco, cuja descrição clínica
vem sendo realizada há mais de um século por diversos estudiosos. Na Erotomania
(CLERAMBAULT, 1942) o indivíduo está convencido que alguém, geralmente
desconhecido e de posição superior o ama, no Amor Patológico ocorre uma oscilação
entre certeza ilusória e incerteza de que o parceiro do presente ou do passado virá a
amá-lo, com raiva e culpa alternando-se em todo momento.
Outro tipo de transtorno delirante, o delírio de ciúmes, também precisa ser
diferenciado do AP, cujo portador também pode referir ciúmes. O delírio de ciúmes
ocorre principalmente entre homens com alcoolismo crônico para os quais eventos
triviais passam a ser provas da “veracidade” do recorrente delírio. O AP, por sua vez, é
predominante em mulheres e se caracteriza pela excessiva desconfiança e
possessividade, em geral decorrentes de baixa auto-estima, como abordado
anteriormente. Assim como ocorre no AP, no ciúme patológico também existe difícil
distinção entre o normal e o patológico, medo da perda do outro ou do espaço afetivo
ocupado
na
vida
deste,
além
de
correlação
com
autoestima
rebaixada,
conseqüentemente à sensação de insegurança. No entanto, diferentemente do AP, o
ciúme patológico aparece como uma preocupação infundada, irracional e irreal. O
potencial para atitudes violentas e egoístas também é destacado nesse quadro, que
desperta importante interesse da psiquiatria forense.
Outra diferenciação necessária diz respeito ao transtorno de personalidade
borderline que, como o AP, é marcado pela instabilidade nos relacionamentos
interpessoais, na auto-imagem e nos afetos, além de ocorrer acentuada impulsividade,
desde a infância. O grande diferencial entre as duas patologias é que o portador de
transtorno de personalidade borderline apresenta este quadro em uma variedade de
contextos e, no portador de AP, estes sintomas ocorrem apenas em relação ao
companheiro mediante ameaça de ruptura do laço amoroso.
Outros transtornos mentais, como a esquizofrenia, a mania ou a síndrome
cerebral orgânica também devem ser excluídos para o diagnóstico diferencial do AP.
Assim, o diagnóstico diferencial do AP deve se embasar no descontrole sobre o ato de
cuidar do parceiro e no abandono dos interesses próprios, além da natureza das
suposições (ilusões) de vir a ser amado, que deve se fundamentar em dados mais ou
menos reais (viáveis) e não delirantes.
1.2. Instrumentos de Avaliação
Há vinte anos os estudos sobre instrumentos de avaliação (escalas e
questionários) para comportamentos associados ao amor (Tabela 1) vem sendo
publicados. Também, outros instrumentos são utilizados para analisar a qualidade do
relacionamento afetivo estão discriminados na Tabela 2. O desenvolvimento de tais
instrumentos são muito úteis para a uma possível psicoterapia. Entretanto, os dados
obtidos devem ser associados com informações obtidas em entrevista com amigos e
familiares próximos.
FONTE: SOPHIA, TAVARES& ZILBERMAN. (2007)
1.3. Considerações sobre o tratamento
Os indivíduos com Amor Patológico buscam o tratamento quando suas angústias
estão bastante afloradas. Isso acontece quando aquilo que apascenta seus medos
definha: quando o relacionamento termina. Eles chegam ao contexto clínico para com a
seguinte intenção: “O que devo mudar em mim para ter meu amor de volta”? Sendo
assim, o primeiro trabalho terapêutico seria no sentido de desfazer essa idéia, fazendo o
paciente compreender e aceitar a patologia. Ultrapassada essa barreira, passa-se a
entender e restabelecer os sintomas que vieram desde a infância.
Uma associação interessante é a psicoterapia com grupos de ajuda mútua. O
grupo serve para dar acolhimento, proteção e ainda encaminhamento médico, quando
necessário.
A avaliação psiquiátrica é fundamental para definir um possível tratamento
farmacológico, apesar de não existir um direcionamento do mesmo específico para o
Amor Patológico.
2 – Do amor da dor: uma pesquisa experimental
A pesquisa foi realizada no intuito de analisar as experiências afetivas relativas
ao amor e ao sofrimento psíquico entre jovens de 18 a 30 anos e adultos entre 31 a 70
anos, com e sem experiência de vida conjugal compartilhada.
Na introdução ao tema proposto, foi feita uma análise histórica de como o amor
é estudado, representado na nossa sociedade e como vão se fazendo modificações ao
longo dos tempos e dos grupos sociais. Assim desde a Antiguidade, o amor tem sido
objeto de interesse dos mais diversos campos de saber, realizando uma travessia
histórica desde a mitologia, com o cortejo dos deuses e homens em batalha, passando
pela literatura, com narrativas de personagens e suas histórias de paixões e tragédias
meticulosamente tramadas, especialmente, por Proust e Goethe. O tema conseguiu ser
seguramente ancorado na ciência após um longo percurso de mudanças de sentido.
Platão se interrogou sobre a significação psíquica do amor, no plano
fenomenológico e metafísico, encontrando em Eros uma força vital e absoluta. Já no
âmbito da Psicanálise, M.Klein analisa as experiências afetivas de amor e dor como
processos constitutivos do eu, tecidos nos mecanismos de projeção e introjeção das
relações intersubjetivas desenvolvidas entre os sujeitos.
O amor é também o “movimento que conduz um sujeito em direção a outro”,
uma função imanente constitutiva da vida psíquica, dinâmica conduzida por um objeto,
mas não provocado por esse, já que o outro é a representação que o próprio sujeito
ocasiona. “O amor encontra-se, antes de tudo, intricado no seu objeto e não apenas
ligado a ele: o objeto de amor não precede ao amor na sua existência, mas somente tem
existência com e pelo amor” (Simmel, 1988).
Configurado como um fenômeno constituído de dupla face, dor e prazer, o amor
encontra-se visceralmente relacionado à dor ou infelicidade quando possuindo
existência na ausência de reciprocidade. O sofrimento portanto encontra-se na origem
da condição humana, uma espécie de nadificação da condição humana. Diante de sua
própria nudez, o homem se reconhece incompleto com sua solidão. A angústia é
portanto inerente a condição humana, sendo uma forma de sofrimento, mas não um
estado patológico. E é precisamente essa angústia que faz emergir o desejo. Desejo que
somente se vincula ao que se furta, se nega, se retrai, se recusa um medo do
desconhecido. E no momento em que se realiza um desejo se consome um valor.
No que concerne aos processos psicossociais, as representações constituem uma
das vias de comunicação do eu com o outro, do sujeito com a realidade que constrói e
onde se encontra imerso (Berger & Luckmann, 2000), ou inversamente, do homem que
não está no mundo, mas que sua linguagem é o limite do seu próprio mundo. As formas
e os conteúdos das RS revelam-se como uma das provas mais significativas de que as
representações coletivas não se constituem um domínio situado à parte, dissociado do
psíquico e emocional. Assim, o teste de associação livre de palavras como técnica
projetiva, possibilita a manifestação de conteúdos afetivos latentes e a revelação de
estruturas cognitivas.
Após a explanação sobre as dinâmicas afetivas, o método da pesquisa foi
abordado. Na pesquisa, foi selecionada uma amostra de cem sujeitos de classe média,
residentes na cidade de Recife, PE. Os sujeitos foram classificados em grupos,
conforme experiência afetiva (com prática conjugal e sem experiência de vida
compartilhada), e idade.
Para a coleta de dados, utilizou-se o multimétodo (qualitativo e quantitativo) e
através da Análise Fatorial de Correspondência, interpretou-se os dados. Ou seja,
técnicas de natureza projetiva – o teste de associação livre de palavras e de natureza
discursiva – entrevistas em profundidade e semi-estruturadas com 17 sujeitos.
Quanto ao teste de associação livre, foram inicialmente, organizados quatro dicionários
correspondentes aos quatro estímulos indutores (amor, sofrimento, si mesmo, outro).
Foram processadas no Tri-Deux Mots um total de 1437 palavras; após agrupamento por
similaridade semântica, foram computadas 733 palavras diferentes. Finalmente foi
elaborado o banco de dados e, em seguida, realizada a AFC (Análise Fatorial por
Correspondência). Para configuração do gráfico síntese, do processamento estatístico,
foram consideradas apenas as palavras com freqüência de repetição mínima e acima de
10 vezes (10%). Enquanto que uma tabela foi feita, expressando as contribuições de
cada modalidade na construção dos fatores, havendo uma repetição com freqüência
igual e superior a 5%. (Ver Figura 1.)
A análise do plano fatorial é feita a partir do jogo de oposições reveladas pelas
modalidades (respostas aos estímulos indutores), a partir dos resultados da AFC. “O
princípio da AFC consiste em colocar em destaque a estrutura dos desvios à
independência destacando os eixos e, com esse procedimento, explicando uma maior ou
menor parte da variância total das respostas” (Comby, 1993) (Ver Figura 2).
Acerca dos resultados, a variável fixa, faixa etária, demonstrou relevância na
composição do espaço gráfico, e que o grupo de jovens se encontra em oposição às
representações construídas pelo grupo de adultos, com relação ao amor e sofrimento.
Pode-se observar que todas as representações do amor são avaliadas de modo
positivo, independente da faixa etária, sexo, compartilhamento ou não de experiências
com parceiro (a)s. Ou seja, no que concerne à estrutura, os grupos não se diferenciam
uma vez que todos os sujeitos interpretam a realidade como dimensões bipolarizadas,
seja na interpretação do amor versus sofrimento, seja como saúde versus doença. Os
elementos representacionais são selecionados de modo hierarquizado na forma de
categorias organizadas em pólos oposicionistas, nos quais aspectos caracterizados como
positivos são identificados ao amor (felicidade, amizade, vida), assim como as
representações elaboradas para si mesmo (amigo, compreensivo, feliz). Em pólo oposto,
as atribuições predominantemente negativas referem-se ao outro, ficando estabelecido o
distanciamento social realizado através do mecanismo de comparação social com
relação ao que é considerada a alteridade (egoísta, nervoso, desonesto, falso.)
caracterizada na visão dicotômica de interpretação da realidade.
A pesquisa coloca em evidência a dialética que se instaura entre os sistemas
cognitivo e social dos indivíduos, destacando as diferenças de conteúdos
representacionais, já que os sujeitos partilham socialmente as RS quanto às suas funções
(orientação na comunicação, edificação de condutas, identitária e justificadora) ainda
que de modo diferenciado, o que implica critérios particularizados no tratamento das
informações absorvidas e na construção seletiva das representações dos respectivos
grupos.
Embora algumas expressões de amor e de dor façam eco à memória social das
mesmas formulas, interrogou-se se os sujeitos que foram escutados estariam
comunicando o desinvestimento das relações amorosas, nos modelos tradicionalmente
conhecidos, e substituindo-as por “vivencias de experiências” ou, quem sabe,
informando sobre o que é possível ser feito do amor nos tempos de hoje.
Figura 1:
Fonte: NÓBREGA, FONTES & PAULA (2005)
Figura 2:
3 - Síndrome de Clérambault ou Erotomania
Patologias do amor vem sendo descritas desde tempos antigos. Foram
encontrados vários relatos nos escritos de grandes filósofos como Hipócrates, Plutarco e
Galeno; séculos depois (XVII e XVIII) alguns médicos relataram variantes patológica
do amor como a ninfomania, a melancolia erótica e a erotomania. No ano de 1921 o
psiquiatra francês Gaëtan Gatian de Clérambault contatou delírios eróticos na ausência
de qualquer outra anormalidade psiquiatria e por isso a erotomania foi associada a seu
nome (“síndrome de De Clérambault”). É importante entender que para constatação
desta síndrome não pode haver comprovação de nenhuma outra (psicose, esquizofrenia).
A incidência da erotomania é desconhecida, mas parece não ser exclusiva de
uma única cultura ou sociedade. Os pacientes do sexo feminino predominam nas
amostras clínicas gerais; porém, em amostras forenses, a maioria dos pacientes é do
sexo masculino. Comumente, não é detectada como uma síndrome específica, sendo
anexada a categorias psiquiátricas maiores.
3.1. Etiologia:
Observou que muitos pacientes eram pouco atraentes, solitários e que buscavam
compensações psicológicas por meio de construções delirantes narcísicas projetadas em
pessoas admitidas como mais valorizadas socialmente, ou, nas palavras de Kraepelin
(1948), buscavam “uma compensação psicológica para os desapontamentos da vida
(real).” De Clèrambault sugeriu que, estimulados por uma falta de real aprovação
sexual, os delírios erotomaníacos desenvolver-se-iam como meio de satisfazer essa
demanda, provendo o paciente de uma gratificação narcísica que a realidade, até então,
não lhe havia proporcionado.
Em alguns pacientes, delírios erotomaníacos fixos serviriam como defesa contra
impulsos heterossexuais agressivos (os pacientes inconscientemente saberiam da
impossibilidade de ocorrer uma relação sexual real), segundo Seeman, (1978). Em outro
grupo de pacientes, agora com delírios recorrentes, ela reutilizou a interpretação
freudiana da erotomania como defesa contra desejos homossexuais e como tentativa de
incorporar poder e sucesso à própria imagem, corroborando com a crença de Freud de
que a erotomania seria uma das diversas permutações do centro de conflito de paranóia
numa pessoa.
Grande nomes como Erik Erikson (1950) afirma que o senso de confiança seria
derivado de experiências infantis precoces e muito das relações de confiança na vida
adulta dependeriam da qualidade dessas relações entre mãe e filho. Um fator comum
entre a erotomania e os ciúmes patológicos, por exemplo, poderia ser a falha nessa
confiança básica entre mãe e filho, na infância. Isso poderia resultar em dificuldades
para outros tipos de relacionamentos íntimos, como o da vida conjugal. Também já foi
proposto que a erotomania poderia se desenvolver a partir da busca por uma figura
paterna segura, erotizada e inatingível, bem como da necessidade de o paciente afastar
de si impulsos homossexuais. Raskin e Sullivan (1974) entenderam a erotomania como
uma adaptação que afastaria tristeza e solidão do paciente, fornecendo lhe uma fonte
extra de proteção e de controle em seqüência a períodos de perda ou iminente ameaça
de perda.
Testes neurofisiológicos, por exemplo, sugeriram que a erotomania poderia estar
associada a déficits na flexibilidade cognitiva e na leitura associativa, mediadas pelo
sistema frontal subcortical, e a déficits nas habilidades verbal e de visão espacial.
Déficits no funcionamento da visão espacial ou lesões no sistema límbico,
particularmente nos lobos temporais, em combinação com experiências amorosas
ambivalentes e de isolamento afetivo, poderiam contribuir com as interpretações
delirantes na erotomania. O sistema límbico medeia à interpretação do ambiente ao
acrescentar uma resposta afetiva aos estímulos externos Alguns autores propõem dois
subtipos de pacientes com erotomania: aqueles com déficits viso-espaciais e aqueles
com disfunções límbicas, particularmente nos lobos temporais. Um fator que pode
contribuir para a manutenção dos delírios erotomaníacos é a rigidez cognitiva, surgida
de disfunção frontal subcortical, a qual pode resultar em inabilidade de alterar um
sistema de crenças. Disfunções nessas mesmas áreas têm sido associadas a outros
transtornos delirantes.
3.2. Características Clínicas
O médico que deu o nome a síndrome descreveu a erotomania como uma
síndrome de emoções patológicas que segue uma evolução ordenada, passando pelos
estágios de esperança, despeito e rancor. Essa evolução foi considerada por ele como
invariável, sendo a fase de rancor a mais importante delas e, na verdade, o que mais
bem caracteriza toda a síndrome, ao invés do estágio de amor. Quando o paciente
erotomaníaco alcança o estágio de rancor, depois de repetidas rejeições que sofre, não
raro exerce retaliações contra seu objeto de amor ou contra terceiros. Embora atos
físicos ou sexuais sejam incomuns, esses pacientes podem trazer significativo impacto
psicológico e social à vida de suas vítimas, em conseqüência de perseguições por
períodos prolongados, que variam de chamadas telefônicas a declarações de amor em
ambientes públicos e movimentados. O paciente pode desejar ter relações sexuais com o
objeto de seu amor delirante, pode tentar seduzi-lo para esse fim ou passar a acreditar,
inclusive, que está gestando um filho dele. Os homens tendem mais à perseguição de
seus objetos que as mulheres O paciente pode desejar ter relações sexuais com o objeto
de seu amor delirante, pode tentar seduzi-lo para esse fim ou passar a acreditar,
inclusive, que está gestando um filho dele. Os homens tendem mais à perseguição de
seus objetos que as mulheres.
Nas descrições clássicas, o surgimento dos delírios é abrupto, o que nem sempre
é observado na prática clínica. O objeto é o primeiro a supostamente “declarar” seu
amor, que pode ser ou não correspondido pelo sujeito. Uma observação marcante é a de
que o típico paciente, homem ou mulher, leva uma vida reservada, socialmente
inexpressiva; poucos são casados, muitos são privados de contato sexual por anos, a
maioria ocupa cargos subalternos, e alguns são muito pouco atraentes. Esse
comportamento pode resultar de traços de personalidade hipersensível, desconfiança
acentuada ou assumida superioridade em relação às outras pessoas. Por outro lado, os
objetos de amor delirante, na realidade ou em fantasia, são sempre superiores em
inteligência, posição social, aparência física, autoridade ou uma combinação destes
atributos. Quase sempre, o paciente sente-se como que livrado de sua solidão pelo amor
que o objeto supostamente lhe dedica. Também compõe o quadro clínico a crença de
que o objeto de amor iniciou o caso amoroso através de mensagens cifradas, olhares
significativos, mensagens de jornal, de televisão ou mesmo telepáticas. O paciente
mantém uma contínua vigilância sobre o objeto de seu amor e uma simpatia quase
universal é causada entre os circunstantes pelo romance em curso.
3.3. Classificação:
Hollender e Callahan (1975) subdividiram a erotomania em uma forma primária,
na qual o delírio erotomaníaco se apresenta isolado de outras manifestações
psiquiátricas, e uma forma secundária, na qual o delírio é parte de um distúrbio
psiquiátrico mais amplo. A erotomania secundária tem sido associada à esquizofrenia,
ao transtorno esquizoafetivo, ao transtorno bipolar de humor e a síndromes orgânicas
agudas ou crônicas.
3.4. Diagnóstico:
Os critérios diagnósticos para transtornos delirantes no DSM-IV são: delírios de
conteúdo lógico, com duração mínima de um mês; não preencher critérios para o
diagnóstico de esquizofrenia (alucinações tácteis ou olfativas podem estar presentes nos
transtornos delirantes, desde que relacionadas ao tema dos delírios); exceto pelo
impacto dos delírios ou de suas ramificações, o funcionamento mental do paciente não
está acentuadamente prejudicado, seu comportamento não é visivelmente bizarro; se
episódios de humor ocorrerem durante os delírios, sua duração será breve; a perturbação
observada não se deve aos efeitos diretos de uma substância ou de uma condição médica
geral.
3.5. Tratamento:
Dos medicamentos disponíveis, os neurolépticos são os mais utilizados para o
tratamento de pacientes erotomaníacos, embora seus efeitos sejam modestos, com pouca
ação sobre o núcleo delirante. Quando agem, servem para diminuir a intensidade dos
delírios e das idéias de referência que os acompanham; a minoria dos pacientes alcança
completa remissão de seus sintomas. Ocasionalmente, eletroconvulsoterapia pode ser
usada como tratamento, mas raramente produz uma melhora significativa nos quadros,
algumas vezes levando a uma mudança moderada no curso da doença. Não há
evidências de que psicoterapia individual possa ajudar os pacientes erotomaníacos;
alguns deles têm de ser afastados de seus objetos de amor, ao menos temporariamente,
por meio de hospitalizações, mandados judiciais ou prisão. Alguns autores acreditam
que separações forçadas sejam tão efetivas no tratamento dos delírios quanto o são os
medicamentos. Há relatos de rápida resolução de delírios erotomaníacos com
hospitalização e tratamento com risperidona. A maioria dos casos publicados de
erotomania secundária ao transtorno de humor bipolar mostrou uma melhora dos
sintomas simultâneos de mania e erotomania quando se empregam estabilizadores de
humor como lítio, carbamazepina e valproato de sódio.
3.6. Conclusão:
Em razão dos escassos achados neurobiológicos, constata se que a maior parte
das explicações etiológicas são feitas em bases psicodinâmicas. São lógicas e
pertinentes, contudo, com os dados disponíveis até o momento, e não há evidências
suficientemente robustas para que se estabeleça uma relação de causalidade entre elas e
os sintomas da doença. Podem ser proveitosas pesquisas na área de neuroimagem
funcional, avaliando o metabolismo cerebral, bem como na área de pesquisa genética,
para melhor delinear o diagnóstico e trazer resultados mais homogêneos e eficazes à
terapêutica.
4 - Erotomania, amor e enamoramento: contradições
Todas as ciências que têm como objetivo estudar os distintos aspectos do ser
humano levaram algum tempo tentando entender e explicar esse fenômeno que muitos
qualificam como loucura, o amor. Segundo Agustín, “se quer conhecer alguém, não lhe
pergunte o que pensa e sim o que ama”, ou seja, somos definidos pelo amor e pelo
que/quem amamos.
Encontramos, ao longo dos séculos, uma insistente exigência de elaborar uma teoria
do amor e fundamentá-la em uma filosofia das paixões. No entanto, ela se encontra
rodeada de contradições que não permitem que sua base seja sustentada. Tanto as
explicações que o homem atribui a seus sentimentos, quanto o jeito com que o amor
governa o sujeito, se encontram cercados por essa essência contraditória que caracteriza
Eros. Como disse Lacan, “não se pode dizer nada sem se contradizer”.
4.1, Táticas
É muito difícil usar a linguagem para falar de um tema (Amor verdadeiro) que
depende tanto da experiência individual. Temas como desejo, paixão, relacionamento,
casamento se confundem conceitualmente, visto que cada pessoa os entende da maneira
que sua experiência e sua moral permitem. O amor é uma tática, uma forma de sair da
solidão e de ter acesso ao outro.
4.1.1. Um recurso
A primeira pergunta que deve ser feita é de que modo o amor é um recurso do
psicótico? Freud, em seu texto “Três Ensaios Sobre Uma Teoria Sexual”, apresenta
alguns elementos que são importantes para a compreensão deste tema. Segundo Freud,
existem dois estágios prévios que antecedem a consolidação das relações objetais e, é
através destes estágios, que é possível entender um pouco como as patologias do amor
se estruturam.
O estágio auto-erótico é o estagio no qual o sujeito se relaciona apenas com o seu
próprio corpo, um corpo desfragmentado, e é onde podemos localizar a solidão e o
isolamento da esquizofrenia. O esquizofrênico falha em abandonar esta solidão, não
porque não queira amar, mas porque não consegue, devido a fragilidade da sua
formação psíquica, que origina sua psicose.
O segundo estagio é o estágio propriamente narcisista, no qual se consolida a
satisfação do sujeito em torno de si mesmo, lhe permitindo maior solidez e um corpo
por fim unificado. Freud dizia que o amor não parte do outro e sim do narcisismo, que é
a origem de todas as patologias mentais. É neste estágio que se encontra a Erotomania,
considerada o paradigma da estratégia amorosa narcísica com que o psicótico tenta
alcançar o outro. O erotómano ama o outro, porém este outro é tão diferente e tão
distante que só pode ser identificado através do delírio.
A terceira forma de psicose, a melancolia, é a que melhor traduz os conhecimentos
das paixões amorosas, pois a base do verdadeiro amor se encontra entre a melancolia e a
tristeza, entre o vazio puramente psicótico e a falta. A melancolia é definida como o mal
do amor por excelência, pois como dizia Ferrand, em seu tratado, “a melancolia erótica
é o amor que ultrapassa os limites da razão”.
O amor não está excluído das psicoses e podemos concluir que existe como que uma
estratégia que fracassa na esquizofrenia, triunfa parcialmente na Erotomania e se esgota
na melancolia.
4.2. Um modo
O amor que chamamos de convencional ou de casal difere em grande medida do
Amor com maiúscula. A paixão tem sido adequadamente chamada de “loucura
transitória”, mas o que realmente a diferencia do Amor verdadeiro é o caráter de
continuidade.
Rougemont (1996), em sua critica ao mito do matrimonio ocidental, fala de um
“amor de fidelidade” que, ao contrario do que se possa pensar, sua afirmação “tudo que
se diga contra o matrimonio está certo” não significa que o verdadeiro amor se encontra
apenas na infidelidade. Para o escritor suíço, o problema dos casais não vem do
compromisso e sim das conseqüências que o mesmo acarreta.
4.3. Um estado
O Amor verdadeiro é um estado que não chega a se converter em um modo social,
como reclama a temporalidade do neurótico, nem é um mero recurso do psicótico. Não
avança, por assim dizer, até o casal e nem se estanca no delírio. Tem um caráter
limítrofe entre o desejo e a angústia. Para Amar tem que estar presente a falta e também
o vazio.
4.4.Triângulos
O amor desenha um triângulo, no qual o terceiro vértice está sempre presente, desde
o momento em que aparece a angústia ao tempo em que emerge o desejo.

Dimensões
O amor se desenvolve em torno de uma crença, do encontro e da palavra.
Crença: o erotómano tem crenças, certezas e não idéias. Sabe que é amado sem
nenhuma dúvida. O neurótico, ao contrário, se instala em um território das idéias
quando está apaixonado, ou seja, realiza um esforço de suposição: se espera amar e ser
amado. Se for uma hipótese significa que pode existir mais de uma opção possível. O
sujeito só se encontra envolvido na relação quando esta já é uma crença delirante.
A única experiência neurótica que não desemboca no delírio é o Amor verdadeiro.
Do Amor verdadeiro não se duvida porque não é necessário confrontá-lo com o outro,
não existe uma segunda opinião. O Amor se comporta como uma crença limítrofe entre
a certeza psicótica da Erotomania e a dúvida neurótica do apaixonado.
Encontro: O Amor é um acontecimento que alija o sujeito do mecânico e do
repetitivo e não existe amor se não existe surpresa. O erotómano vive um amor clínico
com a intenção de superar a idéia de que o psicótico seja, por definição, alguém incapaz
de se surpreender. O delírio de amor lhe permite sair temporariamente de um estado
estático e expectante.
Palavra: Se fala continuamente sobre o amor, porém, pela condição intrínseca da
linguagem, nunca se chega a dizer nada do amor como um todo e sim do que se
pretende. Segundo Voltaire, o amante se encontra diante de um vazio muito próximo a
psicose quando pretende se declarar. O Amor em estado puro não necessita de
explicações e considera a contradição como única possibilidade viável.

Afetos
O segundo vértice do triângulo é composto pelos três afetos, a esperança, o orgulho
e o desejo, que coincidem com os afetos que Clérambault descreveu em seu postulado
central sobre Erotomania.
Esperança: a esperança é o afeto necessário para gerar toda a paixão, independente
do caso e exige que exista ao menos a possibilidade de reciprocidade para se
estabelecer. Não podemos separar a esperança da temporalidade. Para o psicótico a
certeza do delírio de ser amado transcende os limites do temporal, não existe dúvida,
logo o tempo é um inimigo em sua história de amor. No entanto, no Amor verdadeiro, a
esperança existe carente de toda temporalidade. Gandhi definiu o Amor como “aquilo
que dura o tempo exato para que seja inesquecível”.
Orgulho e Desejo: o desejo é um afeto que triunfa no relacionamento, se encontra
apaziguado e sustentado por outros desejos acessórios e se vê escurecido na Erotomania
pelo orgulho. Pelo orgulho se mantém a esperança. De sua onipotência, de seu
idealismo em definitivo, identifica-se quase sempre o amor psicótico com o amor
platônico. Podemos dizer que no amor é o orgulho que deseja e se deseja por orgulho.
Segundo Lacan, o verdadeiro Amor sempre é correspondido, porque nada pode resistir a
entrega incondicional do outro.

Registros
O amor supõe a união dos três registros (Imaginário, Simbólico e Real), revelandose três aspectos subjetivos: a demanda, o desejo e a pulsão.
No Amor, encontramos o registro imaginário no sujeito, ou seja, o narcisismo com
partida e destino da demanda amorosa. Também o simbólico (a palavra como tradutor
do desejo) e o real (a pulsão, o proibido, o sem sentido, a loucura) são partes dessa
enfermidade que é o Amor.
Falta na psicose o registro simbólico: há uma restrição ao acesso a palavra que faz
com que o sujeito se tope diretamente com o Real e a angústia do seu vazio. A
Erotomania é um exemplo de como o delírio realmente vem em ajuda ao psicótico, pois
ao tentar amar, e sabendo-se amado, consegue sair do medo que o invade.
As dimensões, os afetos e os registros e sua relação com o Amor nos permitem
perceber que as características do Amor se localizam em territórios muito mais pertos
da psicose do que se podia imaginar para uma emoção que se costuma definir como
própria de um indivíduo sano.
4.5. Contradições
“Ou te amo ou te odeio”. No delírio de amor não há equilíbrio intermediário, a
balança sempre tende para um dos lados. O “terceiro” não está ausente nem está
presente e sim excluído do jogo entre o “louco” e seu objeto de amor.
5 - Estudos de caso (Patologias do Amor)
Dois estudos de caso sobre erotomania podem ajudar a elucidar certas características
da doença. Nos dois questiona-se se o caso pode ser tido como erotomania primária ou
secundária. É um dado interessante notar que, apesar de a maioria dos estudos de caso
são conduzidos em mulheres, a maioria dos casos forenses relacionados a erotomania
são relacionados a homens
Caso 1 – Calil & Terra
Mulher de 46 anos, com seguimento psiquiátrico desde os 40. Casou-se grávida aos 16.
Teve três filhos e divorciou-se aos 23 porque o marido a agredia. Trabalhou com
confecções durante 14 anos mas aposentou-se devido ao transtorno mental. Os delírios
erotomaniacos surgiram quando tinha 14 anos. Tratou com outros 3 psiquiatras com
fenotiazinas, com os quais ganhou peso e teve que ser afastada do trabalho. Isso
dificultou a posterior aderência aos tratamentos. No tratamento apresentou-se
depressiva, ocasionalmente com ideação suicida. Narrava casos amorosos com homens
importantes que a cortejavam. O primeiro medico com quem tratou (uma figura
importante na sua cidade) era o centro de suas idéias delirantes. Ele e sua esposa
estariam perseguindo a paciente por vários meios (helicóptero ou por meios de
terceiros), e o medico teria tirado uma foto de sua vagina e vendido para publicação em
livros científicos. Aderiu a tratamento com risperidona, com a qual teve boas respostas.
Mesmo sob medicação, continua guardando remorso do medico, mas não tem planos ou
pensamentos agressivos.
Caso 2 - Sampaio et al.
Mulher de 42 anos, casada, três filhos. Duas tias maternas com “problemas
psiquiátricos”, mãe hipertensa, falecida. Desempregada, ultima ocupação como auxiliar
de limpeza. Sempre apresentou dificuldades em arrumar emprego, e foi inclusive foi
despedida pela irmã por “falta de habilidade e desempenho”. Tem contatos sociais
pobres. Foi encaminhada da unidade básica de saúde com hipótese diagnostica de
“impulso sexual excessivo”. Vem apresentado, a 5 anos, um “aumento do apetite
sexual”. Costuma manter relações sexuais com o marido até três vezes no mesmo dia e
masturba-se até quatro vezes ao dia. Imagina outros homens na masturbação,
especialmente cunhados e o genro. Casou-se virgem aos 23 anos, teve a primeira filha
um ano depois. Após a primeira gestação, na qual perdeu a visão no olho esquerdo
(descolamento de retina), começou a se relacionar com outros homens e dizia procurar
“alguém que pudesse lhe dar uma vida melhor”. Matinha o discurso que os cunhados e
o genro se interessavam sexualmente por ela. Foi orientada anteriormente ao psiquiatra
pela irmã mais velha aos 25 anos, por estar “muito namoradeira”. Ficou internada por 2
dias e não aderiu ao tratamento ambulatorial. Retomou tratamento ambulatorial aos 35
anos. Reportava que o medico nutria um grande interesse sexual por ela, e relatou que
teve uma relação sexual com o médico dentro do consultório. A irmã estranhava a
relação da paciente com o psiquiatra anterior, porque ela descrevia os detalhes da vida
pessoal do medico e dizia que ele se declarava apaixonado. Após seis meses de
tratamento foi encaminhada para a psicoterapia, mas não a fez e interrompeu a
medicação. Durante a entrevista elogiou varias vezes o medico. Mantinha o discurso de
que homens se apaixonavam facilmente por ela. Nega abuso sexual e relações
homossexuais. Não sofre de alucinações. Iniciou o tratamento com risperidona, mas
passou a apresentar “fraqueza e sonolência”. Queixou-se também da diminuição do
desejo sexual. Os médicos trocaram o antipsicotico para haloperidol de deposito. S.
Relatou melhora com o remédio, mas após dois meses de uso passou a apresentar
efeitos colaterais (liberação extrapiramidal). Passou a usar biperideno, depois
trifluoperazina para substituir o haloperidol. Após pouco tempo recusou-se a tomar mais
medicações. Relatou estar com medo de “ficar dura de novo”. Mostrava-se paranóide
com a equipe medica e com as medicações. Afirmou diversas vezes que iria abandonar
o tratamento, dizendo preferir ficar do jeito que era antes, e que seu marido também
preferia. Nesse ponto a família foi convocada pela equipe medica para esclarecimento.
Durante 15 dias a paciente permaneceu sem antipsicotico, quando retornaram os
pensamentos delirantes. Depois desse período iniciou-se o uso de tiorizadina. A
paciente mantém uso irregular da medicação e tem pouco suporte familiar, apesar das
advertências da equipe medica. Exames de ressonância nuclear magnética revelam
cisternas e sulcos corticais alargados e lesões de caráter inespecífico.
6 - Modelo de intervenção para o tratamento de Amor Patológico
O texto que segue é uma tradução livre e adaptada de uma carta publicada na seção
de Cartas aos Editores da Revista Brasileira de Psiquiatria (2008). Apesar dos autores
considerarem os resultados do estudo realizado indicadores promissores para a terapia
psicodramática no tratamento do “transtorno” do amor patológico, limitações devem ser
apontadas. Pequeno tamanho amostral, ausência de grupo-controle, instrumento de
testagem marcado pela subjetividade na pontuação e a negligência da dimensão
longitudinal (os pacientes, seis meses depois de participarem do programa de
intervenção, permaneceram “curados”?) são fatores em potencial para a refutabilidade
do estudo.
“Prezado editor,
Amor patológico (AP) é um quadro caracterizado pelo comportamento
repetitivo de cuidados excessivos e incontroláveis direcionados ao par romântico,
acompanhados de uma renúncia a atividades de interesse apresentado por um dos
parceiros de uma relação amorosa. Lee (1998) descreveu-se seis tipos de estilos
amorosos (Eros, Ludus, Storge, Pragma, Ágape e Mania). Nesse modelo, o último
corresponde ao AP cuja experiência é percebida pelo indivíduo como sentimento
obsessivo que o impulsiona a continuar atraindo a atenção do parceiro de maneira
constante.
Nós selecionamos, através de anúncios midiáticos, oito indivíduos que
relataram que seu modo de amar os fazia sofrer. A intervenção proposta foi baseada na
análise psicodramática. A terapia de grupo psicodramática é uma abordagem eficaz
para a melhoria das relações interpessoais por meio da produção de insights
psicológicos e elevação da auto-estima, o que contribui para o desenvolvimento de
relacionamentos mais saudáveis. A intervenção foi composta por 18 semanas
consecutivas sumarizadas na Tabela 1.
A média de idade dos participantes foi de 41,5 anos (DP=9.75) e a maioria
deles eram mulheres atualmente solteiras ou casadas. Comorbidades psiquiátricas
foram verificadas por meio do exame Mini International Neuropsychiatric Interview
(MINI) e a depressão maior foi o diagnóstico mais freqüente (n=5).
Os participantes responderam à escala analógica de 6 pontos Likert-type que
avaliou a dependência no relacionamento e a motivação para a busca de tratamento
(altos escores significando relacionamentos saudáveis). O escore na escala Love
Health Scale (LHS) varia de 0 a 100 e é inicialmente definida pelo paciente que
compartilha com o grupo as razões para seu escore individual. Em seguida, um escore
final é determinado pelas interações e sugestões de outros membros do grupo, tendo os
terapeutas como facilitadores imparciais no processo de pontuação. A escala Love
Atitudes Scale (LAS) fornece escores em cada tipo de amor previamente descrito no
trabalho de Lee. O mais baixo escore entre todas as seis categorias é o estilo de amor
predominante no indivíduo. O LHS e o LAS foram administrados no início e na última
sessão do programa.
No pré-teste os escores na escala LHS variaram de 0 a 60 (média=18.1,
SE=7.8) e, no pós-teste, a variação foi de 60 a 90 (média=72.5, SE=4.5), uma
diferença significativa na ANOVA para medidas repetidas (F[1,7] = 65.5, p < 0.001).
Em relação ao LAS, no início do tratamento sete pacientes obtiveram a Mania como
estilo amoroso predominante. Ao final do tratamento, apenas três participantes
mantiveram o tipo Mania como estilo predominante, uma diferença que se aproxima da
significância no teste Fisher (p=0.09).
Considerando o pequeno tamanho amostral e a ausência de controle, a
generalização torna-se inviável. No entanto, é o primeiro relato de uma abordagem
terapêutica estruturada para o AP. Os resultados deste estudo preliminar sugerem que
a análise psicodramática é uma abordagem promissora para o AP.”
Tabela 1
Fonte: Lorena, Sophia, Mello,Tavares, Zilberman (2008)
7 – Relações Passionais
Aulagnier (1979) concebeu as relações passionais como o protótipo das relações
assimétricas, em contraposição às relações simétricas representadas pelas relações
amorosas.
Ela definiu como assimétricas duas formas de relação. A relação passional
estabelecida com o outro amado apaixonadamente. E a relação que o psicótico
estabelece com o outro enquanto representante e garantia da existência da realidade.
Apesar de essas relações serem bastante diferentes, elas possuem um ponto em comum:
o poder de causar prazer e sofrimento intensos presente entre os dois parceiros aponta
para uma diferença qualitativa e não mais quantitativa.
No que diz respeito à relação passional, o objeto – no caso do outro amado
apaixonadamente - só reconhece neste “Eu apaixonado” um poder de prazer, jamais de
sofrimento. No caso do psicótico também temos duas possibilidades: na primeira, os
outros dos quais o psicótico tem necessidade não reconhecem o índice de realidade de
seu próprio Eu. Na segunda, eles só reconhecem seu poder ansiogênico, de sofrimento,
jamais um poder de proporcionar prazer.
As relações passionais abrem um flanco para refletir sobre uma clínica que, muitas
vezes, não se encaixa bem no registro da neurose e também não se configura como um
funcionamento psicótico propriamente dito. Ou seja, estamos diante de uma terceira
categoria constituída a partir da análise de sujeitos extremamente comprometidos
psiquicamente e que, diferentemente dos psicóticos, não têm a possibilidade de lançar
mão de um pensamento delirante para dar conta de seu sofrimento.
Aulagnier (1979) considera que a análise que ela propõe sobre a problemática
necessidade-prazer nas relações passionais é muito próxima daquela desenvolvida por
Joyce McDougall sobre determinados sujeitos que são “obrigados” a transformar a
realidade de modo que ela fique de acordo com o seu mundo interior sem, para isto,
fazer apelo ao delírio (Aulagnier,1979: 174). Antes de passar a essas relações, todavia,
é importante situar aquilo que a autora designou como “relação amorosa” como
contraponto à “relação passional”.
7.1. A relação amorosa: protótipo das relações de simetria
Aulagnier começou a teorizar sobre as relações de simetria a partir do que ela
designou como o “outro-pensado” (Aulagnier, 1979: 124), isto é, a mediação necessária
entre o Eu e o Eu do outro investido. Através deste termo, ela valoriza o fato de o Eu
possuir uma representação psíquica do amado e da relação que se estabelece com ele.
Esta “relação pensada” (Aulagnier, 1979: 124) tem duas funções: a primeira é garantir
um suporte à libido nos momentos em que o outro amado está ausente. A segunda é
assegurar uma relativa estabilidade do investimento nos momentos de conflito, de modo
que este não ultrapasse certa intensidade.
Além disso, ela chama atenção para um caráter específico da “relação pensada”:
o fato de ser dizível, de poder ser formulada em palavras e, por isso, ser comunicada. O
desejo do Eu é sempre um desejo falado, um desejo de ser reconhecido pelo outro como
destinatário e anunciante de uma palavra de desejo. Aulagnier é categórica ao afirmar
que o apoio na fala é uma exigência para o investimento do Eu.
Na medida em que no registro do Eu a relação libidinal estabelece-se entre estes
três termos: o Eu que investe, a relação pensada com o outro e o outro tal como ele
apresenta-se na realidade, deparamo-nos com a seguinte pergunta: Qual é a relação
entre esta “relação pensada” e o Eu do outro? De saída, ela marca uma diferença. A
“relação pensada” é sempre diferente da relação que conseguimos estabelecer com o
outro. Para a autora, temos três razões para isto. A primeira diz respeito ao fato de
existir um limite para o conhecimento que o Eu pode ter do outro, conseqüência do
limite do próprio autoconhecimento. A segunda gira em torno do fato de que o outro
pensado é sempre mais próximo do outro esperado do que do outro real. “A tentação da
idealização fonte de um “a-mais” de prazer para o Eu que idealiza encontra menos
obstáculos quando concerne ao encontro pensado” (Aulagnier: 1979: 128). A terceira é
uma conseqüência necessária da anterior: o outro pensado é uma reconstrução, um
resultado do trabalho de pensamento do Eu.
Apesar desta diferença, é preciso que se opere uma junção entre a “relação
pensada” ou o representante ideativo e o Eu real. Esta junção, contudo, precisa ser
sucedida pelo reconhecimento de uma distância entre estes termos. Distância porque o
prazer de dar prazer deve ser proporcional ao prazer de decepcionar, de não-resposta.
Em função disto, Aulagnier insistiu na economia da relação amorosa, na medida em que
ela ajuda a esclarecer a dinâmica estabelecida entre o Eu e a realidade, pois possui duas
características que devem ser destacadas: a simetria e a interdependência presentes na
relação entre dois Eus. “O que Eu espero, o que Eu demando e o que Eu preciso receber
do outro é também o que o outro precisa me pedir e esperar do meu Eu enquanto
existente e desejante autônomo” (Aulagnier, 1979: 134).
Amar implica e exige que o Eu tenha podido diversificar e preservar um número
de destinatários para as suas demandas de prazer. Numa relação amorosa o que está em
jogo é a capacidade de deslocamento e mobilidade dos investimentos de acordo com os
diferentes momentos da existência ou do cotidiano. O amor pressupõe partilha ou pelo
menos a ilusão desta partilha. Por relação de simetria, Aulagnier define uma relação
onde: Cada um dos dois Eus é para o Eu do outro objeto de um investimento
privilegiado no registro do prazer, privilegiado não quer dizer exclusivo. E uma relação
na qual cada um dos dois Eus se revela ao outro e é reconhecido pelo outro como fonte
de um prazer privilegiado e também como detentor de um poder de sofrimento
igualmente privilegiado (Aulagnier, 1979: 170-71 – grifo da autora).
Portanto, a relação de simetria é definida por este “e” que liga prazer e
sofrimento. Não há, como nas relações passionais, a preponderância de um em relação
ao outro. Neste sentido, podemos dizer que a simetria é uma reciprocidade do poder
afetivo através que um dos parceiros exerce sobre o outro. Ainda que esta simetria
nunca seja perfeita, ela é suficiente para proteger o ‘Eu amante’ de uma situação de
dependência absoluta, fonte de uma angústia avassaladora.
7.2. A relação passional: protótipo da relação de assimetria
A ‘relação passional’ é aquela na qual um objeto tornou-se para outro Eu fonte
exclusiva de todo prazer, a ponto desse objeto ter se tornado uma necessidade.
No caso da relação passional, quando outro Eu se torna objeto, ocorre uma
relação distinta da relação amorosa em função da qualidade e não da quantidade: a
paixão não é excesso de amor, mas amor deslocado do registro do desejo para o da
necessidade. A definição que Aulagnier dá ao termo “paixão” não comporta uma
relação compartilhada ou recíproca. “Pelo termo “paixão” defino a relação em que o Eu
situa o Eu do outro como objeto de necessidade, tornando, portanto, o seu próprio Eu
privado daquilo que apenas este objeto poderia tornar possível (Aulagnier, 1979: 180).
Para que o Eu do apaixonado possa projetar este poder desmedido e alienante no outro,
é necessário que os seus mecanismos projetivos permaneçam inconscientes, facilitando
que o outro se apresente revestido de onipotência e desprovido de qualquer falta. Antes
de anunciar as hipóteses estruturais desta problemática, a autora apresenta um quadro
descritivo a fim de caracterizar este tipo de relação. O Eu se pensa como capaz de
oferecer prazer ao objeto e, ao mesmo tempo, incapaz de causar qualquer sofrimento.
Este objeto é revestido de um poder de prazer exclusivo, ou seja, ele passa a ser o único
capaz de satisfazer o que se tornou, para o apaixonado, uma necessidade de prazer.
Sendo assim, ele também possui um poder desmedido no registro do sofrimento, já que
o Eu apaixonado pode chegar a preferir a morte diante da ausência ou da rejeição deste
objeto. Além disso, se o Eu sente-se incapaz de causar sofrimento para o objeto de sua
paixão, ele acaba por convencer-se de sua capacidade de sofrimento, transformando o
seu lema em “eu sofro, portanto eu amo” e não mais “eu gozo, portanto eu amo”.
Desta forma, o que caracteriza uma relação passional é a prevalência da vivência
de sofrimento, seja pela rejeição efetiva por parte do objeto, seja pelo medo desta
rejeição. No registro da paixão, o Eu acredita que não tem a capacidade de causar
sofrimento para o outro. No caso da paixão, esta pode ser vivida com alguém que
praticamente desconhece a existência do apaixonado. Há uma última e fundamental
característica que compõe este quadro descritivo da paixão: a idealização. O início de
uma paixão é compatível com o famoso “amor à primeira vista”: um deslumbramento
passional é o que geralmente caracteriza esse registro. Muitas vezes, o encontro ocorre
por acaso “numa vida que se caracterizava pela calma e pela opacidade dos
investimentos” (Aulagnier, 1979: 182). Pode ser um encontro que não foi procurado,
um encontro imprevisto, que leva o sujeito instantaneamente a um estado passional,
como pode ocorrer com o primeiro contato com a droga. O interessante é que Aulagnier
afirma que esta idealização só precisa persistir em um único ponto: no “poder de vida”
que é atribuído ao objeto da paixão. Ou seja, o apaixonado pode reconhecer que este
objeto tem os seus defeitos, contudo, eles não são suficientes para retirá-lo deste lugar
da necessidade.
Enfim, ao transformar o objeto de prazer em objeto de necessidade e, mais
ainda, de uma necessidade cuja satisfação é vital, o estado passional destitui o Eu de
suas possibilidades, inclusive, de toda responsabilidade no registro da escolha. “Objeto
obrigado, prazer obrigado e, sobretudo, vida imposta” (Aulagnier, 1979: 183). O Eu
vive uma eterna espera do objeto necessário, até o ponto em que esta espera passa a ser
causa da sua existência. Em vários casos, o deslocamento da categoria do prazer para a
categoria da necessidade não parece ter estado presente em outras experiências
anteriores à passional. Tudo acontece como se o encontro com a possibilidade passional
viesse, de repente, revelar ao sujeito alguma coisa que ele não sabia que estava presente
em sua relação com a realidade.
8 - Referência Bibliográfica:
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Disponível em: http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php, acesso em 10 de abril
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