CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES Niterói RJ: ANINTER-SH/ PPGSD-UFF, 03 a 06 de Setembro de 2012, ISSN 2316-266X ECONOMIA CRIATIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE Rafael Saad Fernandez Graduado em Letras pela Universidade de São Paulo e Mestrando do Programa de PósGraduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC [email protected] Neusa Serra Doutora em Engenharia (Produção) pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC [email protected] Resumo: A importância econômica dos setores considerados criativos tem sido discutida intensamente no mundo nas últimas décadas, trazendo à tona conceitos chave para a compreensão desse fenômeno, como economia, cultura e criatividade. Além de trazer essa discussão, o artigo traça um panorama histórico dos debates sobre a Economia Criativa em organizações nacionais e internacionais que têm se dedicado a mensurar a importância dessas atividades para a economia e subsidiar a elaboração de políticas públicas de apoio. Por fim, são apresentados exemplos de políticas bem sucedidas na área e o papel recém assumido pelo Ministério da Cultura no Brasil de formulador de políticas públicas que transcendem a esfera cultural e impactam no desenvolvimento econômico e social. Palavras-Chave: Economia Criativa; Cultura; Políticas Públicas. Nas últimas três décadas houve grande preocupação por parte de organismos nacionais e internacionais em observar mais atentamente a dinâmica dos setores econômicos relacionados à cultura e à criatividade (UNESCO, 2005; DEPS, 2005; IBGE, 2007; FIRJAN, 2008; OIC, 2008, 2009; KEA, 2009; MCH, 2009; UNCTAD, 2008, 2010; DCMS, 2010; CAIADO, 2012 entre outros). Esse movimento foi motivado pela necessidade de buscar alternativas ao modelo de desenvolvimento até então 1 vigente, que privilegiava a indústria tradicional, e partir para um novo modelo no qual a cultura e a criatividade ocupassem lugar de destaque. A partir dos levantamentos realizados por essas instituições, observou-se que as atividades intensivas em conhecimento apresentavam franco crescimento e ocupavam ano a ano uma fatia cada vez maior da economia global, enquanto setores que haviam carregado a economia por décadas passavam por sucessivas crises. Quanto ao emprego, os estudos têm mostrado (CAIADO, 2012) que esses setores são extremamente atrativos para a parcela mais jovem da população, porém exigem profissionais com maior nível de escolaridade. Esse requisito garante melhores salários aos trabalhadores, mas ao mesmo tempo coloca desafios para as políticas públicas de formação de recursos humanos. Além de exigir um novo perfil profissional, as relações de trabalho nas atividades criativas também estão mudando drasticamente, vide a porcentagem cada vez maior de freelancers e trabalhadores em regime de home work. Mesmo quando o trabalho se dá na empresa, as mudanças em relação às décadas anteriores são perceptíveis: horários mais flexíveis; valorização e estímulo à criatividade; áreas de lazer e convivência etc. Apesar de não haver consenso sobre a melhor forma de agrupar essas atividades, a terminologia mais empregada atualmente para reunir os setores intensivos em conhecimento, cultura e criatividade é Economia Criativa. Segundo a Organização das Nações Unidas - ONU, essas atividades encontram-se no cruzamento das artes, da cultura, dos negócios e da tecnologia, compreendendo o ciclo de criação, produção e distribuição de bens e serviços que utilizam o capital intelectual como sua principal matéria-prima. Isso inclui desde as manifestações folclóricas, música, livros, artes plásticas, teatro e dança até setores intensivos em tecnologia como cinema, televisão, animação digital, games ou campos mais orientados aos serviços como arquitetura e publicidade. Tais atividades podem gerar benefícios de diversas formas, mas principalmente por meio do comércio, da prestação de serviços e dos direitos de propriedade intelectual (UNCTAD, 2010). Neste cenário, algumas instituições voltaram o olhar para as possibilidades de promoção do desenvolvimento que podem advir da valorização das atividades. Boa parte do esforço de organismos internacionais concentrou-se na análise de políticas públicas que foram bem sucedidas ao fomentar as atividades culturais e criativas e difundi-las por meio de publicações e encontros em diferentes partes do globo. 2 Entre as ações registradas nesses documentos encontram-se desde incentivos fiscais até renovações completas de grandes centros urbanos deteriorados, passando pela recuperação de parques industriais decadentes, formação de clusters criativos, políticas de incentivo às exportações de bens e serviços culturais, de promoção do emprego e do empreendedorismo. Os inúmeros sucessos alcançados por estas iniciativas nos fazem crer que é preciso discutir de maneira mais atenta as possibilidades desse tipo de ação para países em desenvolvimento, especialmente para o Brasil. Metodologia A partir de uma revisão das principais referências da literatura que abordam essa temática busca-se a origem dos conceitos de Economia, Cultura e Criatividade, com o objetivo de melhor esclarecer as bases do conceito de Economia Criativa. Com base nesses trabalhos, é apresentado um breve panorama da história recente destes estudos e os principais trabalhos de instituições que se dedicaram a fomentar as atividades culturais e criativas, discutindo-se algumas de suas diferenças conceituais. Em seguida, são apresentados exemplos de políticas públicas bem sucedidas e que podem contribuir para a expansão dessas atividades no Brasil. É dada ênfase a iniciativas como a da Rede de Cidades Criativas da Unesco e alguns projetos de renovação urbana. Por fim, são feitas considerações sobre o papel assumido pela recém criada Secretaria de Economia Criativa no Ministério da Cultura e a importância deste agente nas ações voltadas para as atividades criativas no país ao longo dos próximos anos. O debate conceitual Throsby (2001, p.3-4) considera a “Economia” como sendo uma ciência que trata da escassez e de como recursos limitados são distribuídos entre os indivíduos que compõem uma sociedade. De maneira relativamente oposta, a “Cultura” escapa à lógica da escassez. Em um sentido sociológico, ela envolve atitudes, crenças, modos, costumes, valores e práticas compartilhadas por um povo e que são infinitamente multiplicáveis de maneira oral e escrita pelo contato entre os indivíduos. Para ele, são culturais as atividades humanas envolvem criatividade na sua produção, comunicam 3 significados simbólicos e geram, mesmo que apenas de forma potencial, algum tipo de propriedade intelectual. Raymond Williams (1976, p.87-90) vai buscar no termo latino colere, “ancestral” da palavra cultura, uma gama bem variada de acepções que ajudaram a compor o sentido que hoje reconhecemos nesta palavra e que se registra desde a Antiguidade: habitar (no sentido de “colonizar”, a partir de colonus de mesmo radical); cultivar (daí o uso no português de expressões como “cultura da cana” ou “suinocultura”); proteger; honrar com devoção (no sentido religioso de “culto”). A cultura no sentido romano expressava, assim, a conexão entre homem e natureza, sendo a agricultura, que dela advém, mais valorizada que a fabricação de objetos e obras de arte. Marilena Chauí (2006) lembra que o termo, donde deriva “puericultura” relaciona-se também ao cuidado com as crianças e o “cultivo do espírito para a verdade e a beleza, inseparáveis da natureza.” (CHAUÍ, 2006, p.12). No mundo grego, o conceito que melhor refletia a noção que temos hoje de cultura era paideia (παιδεία), que engloba não só o ensino, a transmissão de conhecimentos, mas também a elevação do indivíduo a uma condição intelectual e espiritual mais privilegiada e que depende principalmente da incorporação dos valores e conhecimentos passados através do convívio em sociedade e da reflexão sobre os saberes (ALVES, 2010, p.24). Adentrando mais especificamente no conceito de “Criatividade”, John Howkins, considerado o pai do conceito de Economia Criativa, vê nela a habilidade humana de gerar algo novo. Para ele, a criatividade depende do envolvimento de pessoas (pois as ideias só surgem a partir delas), da originalidade (visto que a criatividade relaciona-se à novidade) e de um significado (cria-se coisas com um determinado sentido e objetivo, carregadas de conteúdo simbólico). Ele acredita que no mundo atual, as pessoas criativas, isto é, aquelas que são capazes de ter ideias, estão se tornando mais poderosas que os indivíduos que trabalham nas máquinas e até mesmo mais poderosas que os donos das máquinas, o que as torna ao mesmo tempo alvo de admiração e temor (HOWKINS, 2001). No entanto, apesar de ser bastante claro que todos os seres humanos são dotados de algum grau de criatividade, o que vemos na sociedade é que nem todos os indivíduos optam (ou têm oportunidade de optar) por viver de sua capacidade de criação, seja escrevendo um romance ou inventando um novo computador. Por outro lado, é preciso ter em conta que a criatividade não é uma atividade necessariamente econômica, mas 4 que pode assumir esta forma quando é transformada em um bem ou serviço consumível pelos indivíduos. Na busca por estabelecer algumas fronteiras e distinções entre a variada gama de atividades enquadradas sob a rubrica de Economia Criativa, vale lembrar ainda que: a cultura relaciona-se com objetos e é um fenômeno do mundo; o entretenimento relaciona-se com pessoas e é um fenômeno da vida. Um objeto é cultural na medida em que pode durar; sua durabilidade é o contrário mesmo da funcionalidade, que é a qualidade que faz com que ele novamente desapareça do mundo fenomênico ao ser usado e consumido (ARENDT, 2006, p. 260). Ao destacar a durabilidade, o caráter de “permanência” no mundo do objeto ou obra cultural, em oposição à ideia de “funcionalidade”, associada puramente à satisfação de necessidades, Arendt estabelece os alicerces que nos permitem fazer a distinção entre expressões culturais genuínas e a indústria do entretenimento e da moda, só para citar alguns exemplos. No entanto, é importante fazer tais distinções por que, segundo ela: A cultura é ameaçada quando todos os objetos e coisas seculares, produzidos pelo presente ou pelo passado, são tratados como meras funções para o processo vital da sociedade, como se aí estivessem somente para satisfazer a alguma necessidade – e nessa funcionalização é praticamente indiferente saber se as necessidades em questão são de ordem superior ou inferior (ARENDT, 2006, p. 261). A linha demarcatória estabelecida entre as qualidades durável e descartável, permanente e transitório, utilidade para a sobrevivência e alimento para o espírito, objeto de uso e objeto de deleite é fundamental para que, ao nos referirmos ao grande campo da Economia Criativa, não percamos de vista que ele engloba conteúdos de diferentes naturezas. Em grandes linhas, essas diferenças referem-se, de um lado, a conteúdos puramente simbólicos, constitutivos de identidades coletivas, expressos pelas artes e pelo patrimônio histórico, arquitetônico e cultural, não totalmente mensuráveis em termos monetários e, de outro, a uma infinidade de bens e serviços facilmente reprodutíveis e circunscritos ao mundo das mercadorias. História recente dos estudos sobre economia, cultura e criatividade Em 1994, é produzido na Austrália o Creative Nation, um dos marcos iniciais desta nova linha de pensamento que vê no tripé economia, cultura e criatividade 5 possibilidades de promoção do desenvolvimento através da valorização da diversidade, da expressão dos indivíduos e do conhecimento por eles produzido. Nessa obra, os australianos veem a cultura e a identidade de maneira entrelaçada, seja ela da nação, da comunidade ou dos indivíduos. Para eles, encontrar formas de preservar e promover a cultura, os valores e as tradições é a única maneira de se chegar a uma melhor compreensão de quem realmente somos e de traçar metas para o que desejamos nos tornar no futuro (NATIONAL LIBRARY OF AUSTRALIA, 1994). Esse documento estipulou uma série de compromissos que teriam de ser cumpridos para que se alcançasse um grau mais elevado de desenvolvimento social e cultural. Previa-se, por exemplo, uma política permanente de promoção de festivais que valorizassem as culturas tradicionais e suas formas de expressão; a criação de mecanismos legais que protegessem as manifestações artísticas; maiores aportes financeiros para empresas que estivessem desenvolvendo atividades em alinhamento com os objetivos nacionais de valorização da cultura etc. Um dos resultados mais visíveis globalmente foi o incentivo às produções audiovisuais para cinema e televisão, os quais parecem ter surtido enorme efeito, sobretudo nas produções direcionadas à faixa etária dos adolescentes, as quais têm sido exportadas para diversos países, inclusive para o Brasil (vide os seriados Ninguém Merece, Portal do Intercâmbio e Ciência Travessa, recentemente exibidos na TV Cultura). Ainda nos anos 1990 esse tipo de discurso desembarca no Reino Unido, difundindo ainda mais a ideia de que os setores culturais/criativos poderiam realmente alavancar o crescimento econômico e promover o desenvolvimento em seu sentido pleno. Essa percepção foi decisiva para que os britânicos adotassem uma série de políticas nacionais que visavam arrancar a economia do país da estagnação e levá-la para um novo patamar de crescimento, aproveitando o ritmo acelerado de setores como design, audiovisual e informática. O principal objetivo do país nesse período foi revitalizar a economia nacional, até então muito dependente da indústria tradicional, apostando todas as fichas na criatividade. Isso não significava, como pode parecer à primeira vista, que os setores tradicionais seriam deixados à agonia enquanto todos os investimentos seriam concentrados em arte – muito pelo contrário. Um dos fatores que permitiram o sucesso dessa iniciativa foi justamente a incorporação de novas ideias a produtos e serviços tradicionais. Um exemplo desse tipo de ação pode ser verificado no design, que passou a ocupar um local de destaque na indústria conforme se tornou mais evidente que sua 6 participação na determinação do valor dos bens era grande e poderia levar a um aumento do valor agregado aos produtos britânicos. O sucesso dessa iniciativa tornou a experiência do Reino Unido uma referência importante para os estudos que vieram posteriormente. Os britânicos trabalharam essencialmente com o conceito de indústrias criativas1 até 2004, quando passaram a adotar o termo economia criativa. Para eles, neste conjunto de setores encontram-se aquelas atividades cujo elemento central é a criatividade, a habilidade e o talento individuais. Todas elas possuem grande potencial para a geração de riqueza e de trabalho por intermédio da criação e da exploração da propriedade intelectual (DCMS, 2001). O Department of Media, Culture and Sports – DCMS2 cria então a Creative Industries Task Force, equipe responsável por elaborar estudos que viabilizassem uma renovação dos setores tradicionais da economia britânica, em franca decadência, e promovessem os setores mais intimamente ligados à criatividade (UNCTAD, 2010). Segundo Flew e Cunningham (2010), essa equipe foi responsável por quatro grandes contribuições à ideia de fomentar as Indústrias Criativas no Reino Unido. A primeira teria sido atribuir a essas atividades o foco principal da economia pós-industrial britânica, tendo em vista sua importância econômica, sobretudo no que se refere à oferta de emprego e contribuição à formação do Produto Interno Bruto. Em segundo lugar, mostrou que tais setores não seriam importantes apenas por seu valor intangível, mas também por contribuírem para o desenvolvimento da economia como um todo, devido ao seu grande efeito multiplicador dos investimentos. A terceira ação importante foi destacar a questão do fomento à cultura não apenas do ponto de vista do subsídio e do patrocínio, mas como objeto de políticas mais amplas, que envolvessem a exportação de bens e serviços culturais, propriedade intelectual, desenvolvimento urbano e educação (esta última tendo culminado em uma completa reestruturação do ensino básico, com foco no incentivo à criatividade desde o início da escolarização). Sua quarta ação foi estimular não só as formas tradicionais de se produzir bens culturais/criativos, mas também envolver formas modernas de produção diretamente relacionadas às tecnologias da informação e ao que se tem considerado como “nova economia”. 1 O termo creative industries no inglês comporta não apenas as atividades industriais, mas também o setor de serviços. A tradução do termo como indústrias criativas em português tem sido a causa de alguns desentendimentos ao redor do conceito. 2 O DCMS é o departamento britânico responsável pelas políticas relacionadas ao setor cultural, mídia (tanto impressa quanto rádio, televisão e internet) e esportes. Ele possui status ministerial e é o responsável pela realização de grandes eventos no Reino Unido, como é o caso dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Londres em 2012. 7 Passando agora para as discussões no âmbito de agências internacionais, é importante ressaltar que a Unesco tem se preocupado com este debate desde 1986, quando publicou o primeiro Framework for cultural statistics. Esse documento era composto por uma série de indicações metodológicas que visavam uma padronização dos dados sobre os setores culturais de forma a possibilitar a comparação de informações de diferentes países, criando uma série histórica consistente. O intuito do projeto era facilitar o levantamento, a divulgação e a análise de informações sobre a cultura nos países membros, subsidiando a elaboração de políticas públicas culturais. No entanto, até os anos 1990, a preocupação da instituição concentrava-se na questão estritamente cultural, sem uma perspectiva econômica e de desenvolvimento, que se tornaria o mote dos estudos mais tarde realizados. A partir daí, a Unesco começa a apostar no desenvolvimento de uma metodologia (UNESCO, 2005) que permitiu comparar o volume e a composição da balança comercial de bens e serviços culturais dos países membros, tornando clara a importância dessas atividades para a economia global e a necessidade de voltar os olhos com mais atenção para seu potencial, obscurecido pelas movimentação internacional de commodities e produtos manufaturados de baixo valor agregado. A Unesco considera como setores econômicos ligados à cultura aqueles diretamente relacionados à criação, produção, comercialização e ensino de conteúdos intangíveis e culturais em sua natureza. Essas atividades são vistas como intensivas em trabalho e conhecimento e estimulariam a criatividade e a inovação dos processos de produção e comercialização. Além dessas, são consideradas atividades relacionadas a esses setores o turismo e as atividades esportivas e recreativas (UNESCO, 2005, p.19). Outra importante ação da Unesco no fomento às atividades culturais/criativas foi a criação da Rede de Cidades Criativas (Creative cities network), sobre a qual falaremos adiante. Ainda no sistema ONU, a Unctad produziu estudos sobre a Economia Criativa, especialmente sobre sua conceituação (UNCTAD, 2008; 2010), trabalhou em prol do levantamento de informações internacionalmente comparáveis3 e na elaboração de uma metodologia que permitisse aferir a importância dos setores econômicos criativos para a economia dos países. 3 Há um banco de dados com informações sobre o fluxo de bens e serviços criativos entre os países que pode ser acessado em: http://unctadstat.unctad.org/ReportFolders/reportFolders.aspx?sRF_ActivePath=P,10&sRF_Expanded=,P,10. 8 Além disso, os Creative Economy Report (2008 e 2010) trazem um grande conjunto de experiências bem sucedidas de políticas públicas implementadas em diferentes países e que podem servir de modelo para serem adaptadas a países como o Brasil. Entre as principais alternativas propostas pela Unctad encontram-se ações como a implantação de uma infraestrutura tanto de equipamentos culturais quanto de apoio às atividades econômicas criativas (como espaços adequados para a instalação de empresas dos setores criativos, acesso às redes informacionais, espaços para troca de informações, melhor acesso aos mercados consumidores etc.); suporte financeiro adequado na forma de crédito e incentivos especialmente desenhados de acordo com as características específicas de cada setor criativo; instrumentos legais que favoreçam o desenvolvimento de atividades criativas; estímulo à formação de clusters criativos; estímulo ao empreendedorismo, entre outras iniciativas. Um destaque merece ser dado a uma das propostas que nos parece ser fundamental para o estímulo inicial a essas políticas, pensando especialmente no caso brasileiro: o estabelecimento de instituições dedicadas exclusivamente à promoção da Economia Criativa, responsáveis tanto pelo levantamento e divulgação de informações como pelo desenvolvimento de pesquisas, elaboração de propostas de políticas públicas, estímulo à interação entre os agentes envolvidos em todas as etapas das atividades criativas e pela proposição de ações que aumentem a sinergia entre empresas, governo e consumidores de bens e serviços criativos. O Brasil parece ter começado a trilhar este caminho a partir da criação recente da Secretaria de Economia Criativa no Ministério da Cultura, sobre a qual trataremos adiante. Na América Latina, um dos países que mais tem se debruçado sobre essa temática nos últimos anos é a Argentina. Buenos Aires, por ser considerada internacionalmente como uma Cidade do Design e fazer parte da Rede de Cidades Criativas da Unesco, tem se preocupado em realizar uma série de estudos para mensurar o impacto dessas atividades na sua economia. Com o intuito de melhor observar a importância desses setores para a economia da cidade, o governo municipal criou o Observatorio de Industrias Creativas - OIC, constituído por uma equipe multidisciplinar empenhada na elaboração de políticas específicas de promoção das atividades criativas portenhas. A cidade tem apostado fortemente nos setores criativos como uma forma de impulsionar o desenvolvimento da economia local e destacá-la no cenário internacional, havendo fortes evidências de que estes setores poderiam arrancar o país das sucessivas crises pelas quais vem passando ao longo das últimas décadas (OIC, 2008). 9 Desde 2005, o OIC tem publicado relatórios contendo dados quantitativos e qualitativos do setor, sobretudo no que se refere ao emprego em atividades criativas, comércio exterior, produção, comercialização e consumo de bens e serviços culturais na Argentina (OIC, 2009, p. 6) Para o OIC, são criativas as seguintes atividades: - Artes cênicas e visuais (teatro, dança, pintura, escultura etc.); - Editoriais (livros, jornais e revistas); - Música (gravada e ao vivo); - Audiovisual (cinema, rádio, televisão etc.); - Design (gráfico, industrial, moda etc.); -Serviços criativos conexos (informática, games, internet, arquitetura, publicidade, agências de notícias, bibliotecas, museus etc.). Já no caso do Brasil, os estudos sistemáticos sobre cultura e criatividade começaram a ser desenvolvidos pelo IBGE em 2004, quando foi firmado um convênio com o Ministério da Cultura para a elaboração de estatísticas referentes à Economia da Cultura no país, compreendida como o grupo de atividades econômicas geradoras de bens e serviços culturais. Para esse fim foi criado o Sistema de Informações e Indicadores Culturais, que assumiu a função de democratizar o acesso às informações existentes nas bases do IBGE, permitindo a elaboração de pesquisas mais aprofundadas sobre o tema (IBGE, 2007). No primeiro ano de trabalhos foram utilizados dados de 2003 e, a partir desse ponto, vem sendo construída uma série que contou com informações mais recentes (IBGE, 2007), apresentados de maneira comparativa (2003-2005). Segundo o IBGE: Consideram-se como atividades econômicas diretamente relacionadas à cultura as atividades características que são típicas da cultura, tradicionalmente ligadas às artes. Neste campo estão incluídas as atividades de edição de livros, rádio, televisão, teatro, música, bibliotecas, arquivos, museus e patrimônio histórico. As atividades econômicas indiretamente relacionadas à cultura referem-se às que agregam em uma mesma classificação aquelas consideradas propriamente culturais e outras não necessária ou exclusivamente vinculadas ao setor em questão.(IBGE, 2006, p.13). A concepção de cultura adotada nos estudos do IBGE relaciona-se às atividades econômicas geradoras de bens e serviços culturais, observadas tanto do ponto de vista da oferta como do consumo. O setor cultural foi definido pelo IBGE de uma maneira 10 empírica, tomando-se como referência inicial a definição da Unesco e adaptando-a para as bases de dados e sistemas de classificação existentes no Brasil. Em São Paulo, a Fundação do Desenvolvimento Administrativo – Fundap, entrou para a lista de instituições em busca de definições para este campo de estudos em 2008, com o início do projeto “Caracterização das Cadeias Produtivas Baseadas na Criatividade”. O resultado desse estudo (CAIADO, 2012) apresenta, além de um breve panorama sobre o que tem sido feito no Brasil e no Mundo, um diagnóstico de como se situa a cidade de São Paulo em termos de empregos e empresas criativas e elenca alguns modelos de políticas públicas aplicadas em diversos países e que poderiam ser adaptadas ao caso paulistano, ajudando a alavancar os setores criativos do município de acordo com as características específicas identificadas para as diferentes regiões da cidade e setores nela instalados. Políticas públicas para Economia Criativa O que parece ser uma regra em todos os estudos aqui apresentados é a participação do poder público como um ente ativo no processo de fomento às atividades criativas. Seu papel de formulador de políticas pode ser decisivo para o sucesso ou insucesso de empreendimentos ligados à Economia Criativa, seja no âmbito internacional ou no nível de pequenas áreas das cidades. Muitas dessas ações dependem de investimentos maciços, o que pode inibir iniciativas, mas há uma série delas que dependem muito mais da criação de instrumentos de regulação e do exercício do papel de liderança estratégica do governo do que de recursos financeiros. No entanto, pelo ainda pequeno número de ações que vêm sendo desenvolvidas, nota-se que a preocupação dos governos continua direcionada para outras áreas, cabendo elaborar formas de atrair a atenção dos formuladores de políticas públicas para a importância desse conjunto de setores e seu potencial. Dessa forma, os estudos aqui apresentados procuraram estabelecer metodologias que permitissem aferir de maneira objetiva o impacto econômico das atividades culturais/criativas e demonstrar empiricamente o significado delas para a economia como um todo. Alguns números sobre a Economia Criativa no Brasil Apesar de os gastos do governo federal com cultura terem praticamente dobrado nos últimos cinco anos, alcançando em 2011 a marca dos R$ 946 milhões, são ainda 11 absurdamente insuficientes quando comparados com os gastos de países como França e Alemanha que beiram a casa dos R$ 20 bilhões ao ano! (KEA, 2006). Para um país tão grande e diverso como o Brasil, a marca realmente impressiona. Por outro lado, quando olhamos os dados brasileiros referentes a esses setores percebemos que eles são muito significativos quando comparados com outros ramos de atividade. Segundo dados da Firjan (2011), a participação da cadeia produtiva ligada aos setores criativos no PIB brasileiro teria alcançado já em 2010 18,2%, enquanto a indústria automobilística, que tem sido mais contemplada pelos estímulos governamentais, respondeu por apenas cerca de 5% do PIB (ANFAVEA, 2012). Mesmo que considerássemos os números da Firjan extremamente otimistas ou se tomássemos apenas o que o núcleo criativo, isto é, as atividades mais diretamente ligadas à criatividade, a cifra chega aos 2,5% de participação no total do PIB, o que coloca este conjunto de setores em uma posição bastante importante na economia brasileira. No Estado de São Paulo, responsável pela maior concentração de profissionais e empresas criativas do país, os empregos formais na Economia Criativa têm crescido a uma taxa superior a 8% ao ano, contra cerca de 5% no total do emprego formal. Se considerarmos que uma parte significativa dos trabalhadores nesses setores exercem atividades informais (estima-se que no Estado de São Paulo apenas 1/3 dos profissionais criativos sejam formalizados) o dinamismo das atividades criativas fica ainda mais evidente (CAIADO, 2012). Algumas políticas no nível internacional No nível dos organismos internacionais, tem sido extremamente importante a ação das entidades do sistema ONU no fomento às atividades criativas. Neste sentido, cabe destacar o papel da Unctad, com ações concentradas principalmente na divulgação de informações estatísticas sobre o setor, realização de estudos sobre políticas públicas, organização de grandes eventos para discussão do tema, assim como presença de seus representantes em diversos eventos sobre o assunto em todo o mundo, inclusive no Brasil. No caso da Unesco, a principal ação da entidade para as atividades culturais/criativas tem se dado no âmbito da Rede de Cidades Criativas. Esta rede nasceu da Aliança Global para a Diversidade Cultural, uma iniciativa criada em 2002 pela Unesco com o intuito de promover parcerias entre agentes públicos, privados e sociedade civil voltadas para as atividades econômicas culturais. Seu principal objetivo 12 é a promoção do desenvolvimento social, econômico e cultural das cidades, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento, de acordo com as prioridades globais elencadas pela Unesco para a cultura e o desenvolvimento sustentável. Essa rede conecta cidades que querem compartilhar experiências, ideias e melhores práticas para o desenvolvimento cultural, social e econômico. As cidades solicitam o ingresso na rede através de um pedido formal, composto de um dossiê que apresenta as características da cidade e a importância dos setores criativos na sua história e no seu planejamento econômico para o futuro. Esse documento deve ser preferencialmente elaborado por um comitê misto, composto por especialistas de diversas áreas, gestores do poder público, representantes da iniciativa privada e membros da sociedade civil organizada4 Uma vez aceita na rede, a cidade pode compartilhar suas experiências com as demais e também tomar contato com o repertório de políticas que tem sido bem sucedidas em outros lugares, o que auxilia na formulação de políticas públicas no nível local. As cidades criativas integram sete grupos, de acordo com o setor mais característico de cada local. Elas podem ser Cidades da Literatura, do Cinema, da Música, das Artes Folclóricas e do Artesanato, do Design, da Mídia ou da Gastronomia. Atualmente os grupos são formados por 34 cidades localizadas em quatro continentes, havendo uma série de outras de todas as regiões do mundo à espera de serem avaliadas para se juntar à Rede5 Fazem parte da Rede de Cidades Criativas: - Cidades da Literatura: Edinburgo (Reino Unido), Iowa (EUA), Melbourne (Austrália), Dublin (Irlanda), Reykjavik (Islândia) e Norwich (Inglaterra); - Cidades do Cinema: Bradford (Reino Unido) e Sydney (Austrália); - Cidades da Música: Bolonha (Itália), Ghent (Bélgica), Glasgow (Reino Unido), Sevilha (Espanha) e Bogotá (Colômbia); - Cidades das Artes Folclóricas e do Artesanato: Aswan (Egito), Kanazawa (Japão), Santa Fé (México), Icheon (Coreia do Sul) e Hangzhou (China); 4 Mais informações sobre o processo de candidatura à Rede de Cidades Criativas podem ser obtidas em: http://portal.unesco.org/culture/en/ev.php-URL_ID=36800& URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html. 5 Mais informações sobre a Rede de Cidades Criativas podem ser obtidas no site: http://www.unesco.org/new/en/culture/themes/creativity/creative-industries/creative-cities-network. (Acesso em 14 de agosto de 2012). 13 - Cidades do Design: Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina), Kobe e Nagoya (Japão), Montreal (Canadá), Shenzhen, Xangai e Pequim (China), Seul (Coreia do Sul), Saint-Étiene (França) e Graz (Áustria); - Cidade da Mídia: Lion (França); - Cidade da Gastronomia: Popoyan (Colômbia), Chengdu (China), Östersund (Suécia) e Jeonju (Coreia do Sul). Como se vê, ainda não há cidades brasileiras na lista, cabendo aí a ação das nossas municipalidades no sentido de solicitarem sua inclusão no grupo para partilharem experiências que poderiam ser bastante benéficas para o desenvolvimento local. Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro são candidatas óbvias, mas as possibilidades que a inclusão nesta rede oferece para municípios fora dos grandes centros urbanos, mas que se destacam nacional e internacionalmente em diferentes ramos criativos, são imensas. Algumas políticas nacionais promovidas por outros países -China A cidade de Xangai, um dos mais importantes centros manufatureiros da China, sofreu muitas transformações nos últimos anos. Desde que o governo local optou por incluir em sua lista de principais objetivos de desenvolvimento o fomento à Economia Criativa, em 2007, uma série de iniciativas foram postas em prática para atingi-los. Entre essas iniciativas destaca-se a criação de parques industriais criativos, um projeto que envolveu a reforma de galpões industriais em desuso e sua oferta a preços baixos para empreendedores dos ramos criativos, galerias de arte e estúdios que ali quisessem se instalar. A iniciativa deu tão certo que no mesmo ano mais de 75 parques foram criados nestes moldes na cidade. Com o sucesso da iniciativa, o governo de Xangai optou por estender a ideia para a formação de clusters em regiões da cidade que agrupavam determinados nichos criativos. Foram dados incentivos diversos para que as empresas se concentrassem nessas áreas, de forma que se formaram regiões de teatro, cinema, quadrinhos, artes plásticas e games, que hoje concentram uma parte bastante significativa da produção nacional nesses setores (UNCTAD, 2010, p. 211-212). - Argentina A cidade de Buenos Aires é um dos mais importantes centros econômicos e turísticos da América Latina, atraindo milhares de visitantes que ali desembarcam em 14 busca de cultura e entretenimento oferecidos por seus inúmeros monumentos, museus, teatros, casas de tango, parques e centros culturais. Apesar do período de grave crise pelo qual a Argentina tem passado, o governo municipal não deixou de realizar investimentos em setores relacionados à cultura e à criatividade por entender que estas são formas eficazes de se promover o desenvolvimento da cidade ao mesmo tempo em que se valoriza a cultura local. Entre as muitas iniciativas empreendidas pela municipalidade destaca-se o Centro Cultural Recoleta, localizado em um edifício histórico do séc. XVII, uma das mais antigas construções preservadas de Buenos Aires. O centro é responsabilidade do governo da cidade de Buenos Aires e é gerido em parceria com uma Associação de Amigos do Centro Cultural, com apoio da iniciativa privada (via patrocínio). Ao lado do Cemitério de la Recoleta, um dos pontos turísticos mais visitados da cidade, o Centro oferece um espaço amplo para a realização de eventos culturais, exposições e cursos, dedicando-se principalmente a quatro linhas de ação: artes visuais, artes cênicas, música e pesquisa com foco em cultura. Nos últimos anos, os eventos realizados no espaço atraíram mais visitantes do que todos os museus municipais e nacionais juntos, com uma taxa média de crescimento de público ao ano da ordem de 20% (OIC, 2008), uma evidência do grande sucesso da iniciativa. Sob a praça na qual se encontra o espaço existe um grande shopping de design com foco em objetos para o lar. Os dois espaços de certa forma estabelecem uma relação na medida em que o shopping costuma expor os trabalhos dos designers formados no centro cultural. Além disso, o espaço também interage com uma grande feira de antiguidades e artesanato, que ocorre na praça em frente, o que gera um “intercâmbio” de público que promove os três espaços. Outra iniciativa bastante interessante é o Centro Metropolitano de Design CMD. Localizado no bairro de Barracas, próximo a uma das regiões mais pobres da cidade, o espaço é administrado pelo governo da cidade de Buenos Aires e tem por objetivo estimular as atividades relacionadas ao design no município. O centro está subordinado à Dirección General de Industrias Creativas y Comercio Exterior6 e foi instalado no edifício de um antigo mercado de peixe (no local, encontram-se em exposição diversos equipamentos utilizados no processamento do 6 A DGIC é o órgão municipal responsável pelas políticas municipais relacionadas ao desenvolvimento das indústrias criativas da cidade de Buenos Aires. Para saber mais sobre o trabalho deles: http://industriascreativas.mdebuenosaires.gov.ar. 15 pescado como uma forma de preservar a história do edifício), tendo passado recentemente por uma grande reforma que deu maior capacidade de utilização aos seus mais de 14 mil m2. Entre as principais atividades do CMD estão cursos e oficinas, incubadoras de novos negócios e a organização de eventos e feiras que reúnem profissionais e empresas interessados em promover o design na cidade. Por meio dessas atividades o CMD pretende mostrar a importância do design para a indústria portenha e o quanto ele pode contribuir para alavancar os diferentes setores da economia e agregar valor aos produtos. Dentro do CMD funciona também o Observatorio de Industrias Creativas – OIC, responsável pela elaboração de relatórios anuais sobre as condições das indústrias criativas na cidade, comparando esses dados ao total da economia argentina. O OIC também realiza pesquisas sobre novas formas de se promover a criatividade no município, incentivando a municipalidade a adotar políticas públicas específicas para esse fim. Entre as medidas mais recentes está a formação de uma série de clusters em diferentes regiões da cidade que vão abrigar setores criativos, sendo oferecidos incentivos para a instalação de empresas desses setores, especialmente para aquelas que fazem uso intensivo de tecnologia. Aliado à estratégia de atração de empresas, faz parte da iniciativa o incentivo aos profissionais que queiram viver mais próximos de seus locais de trabalho por meio da isenção de impostos para os que fizerem essa opção. Essa medida é vista como uma forma de reduzir o impacto no trânsito do deslocamento das pessoas para o trabalho, melhorando assim a qualidade de vida e desenvolvendo o bairro como um todo. A política para Economia Criativa no Brasil Com a recente criação da Secretaria de Economia Criativa, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, fica evidente que o país está tomando um posicionamento mais ativo em relação ao tema, havendo uma preocupação crescente com a elaboração e implementação de políticas públicas de estímulo aos setores criativos. Esta secretaria chama para si a responsabilidade de refletir sobre o potencial do setor e levantar dados que subsidiem políticas públicas com este foco no país. No final de 2011 foi lançado o plano da secretaria (MINC, 2011) para o período 2011-2014, que procura apresentar, além de uma carta de intenções, uma forma de proporcionar um ambiente no qual a criatividade dos brasileiros seja estimulada, tendo 16 em vista a importância que as atividades econômicas relacionadas à cultura e à criatividade têm assumido nos últimos anos. Assim, o documento aponta para uma perspectiva na qual a diversidade deixa de ser vista como pomo da discórdia para se tornar o ativo mais valioso em uma sociedade que anseia por bens e serviços culturais. O primeiro desafio ao qual se propõe o Plano da Secretaria de Economia Criativa é chegar a um conceito mais claro de Economia Criativa, adaptado para a realidade brasileira. Ao invés de adotar abertamente um conceito pré-existente, o documento realiza uma nova investida sobre este objeto e não se detém em aceitar como criativas as atividades nas quais o insumo principal é a criatividade ou das quais há geração de propriedade intelectual, mas conceitua: [...] os setores criativos são todos aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de valor simbólico, elemento central da formação do preço, e que resulta em produção de riqueza cultural e econômica (MINC, 2011, p. 22). Nesta perspectiva, a Economia Criativa é definida de forma próxima ao que já é proposto pela Unctad, ou seja: [...] a partir das dinâmicas culturais, sociais e econômicas construídas a partir do ciclo de criação, produção, distribuição/circulação/difusão e consumo/fruição de bens e serviços oriundos dos setores criativos, caracterizados pela prevalência de sua dimensão simbólica (MINC, 2011, p. 23). Assim, são consideradas atividades da Economia Criativa: - Patrimônio (material e imaterial, arquivos e museus); - Expressões culturais (artesanato, culturas populares, indígenas e afrobrasileiras, artes visuais); - Artes de espetáculo (dança, música, circo e teatro); - Audiovisual e do livro, da leitura e da literatura (cinema e vídeo, publicações e mídias impressas); - Criações funcionais (moda, design, arquitetura e arte digital). A secretaria se volta especialmente para ações que visem a uma maior capacitação dos profissionais criativos do país; ao estabelecimento de marcos legais específicos para os setores criativos, protegendo-os e incentivando-os a crescer ainda mais e a promoção do turismo cultural nas regiões brasileiras potencialmente favoráveis. 17 Uma das principais ações sob responsabilidade da secretaria e que foi posta em prática no início de 2012 foi o lançamento do Observatório Brasileiro da Economia Criativa – OBEC, o qual tem como objetivos: Permitir a centralização e fácil acesso a dados e informações sobre o setor, inclusive sobre o seu impacto na dinâmica social e econômica do País, favorecendo debates sobre o tema e o fomento a um ambiente acadêmico-prático de estudos e pesquisas que envolva, em rede, estudiosos, especialistas, agentes governamentais e representantes do setor cultural (OBEC, 2012). Além disso, o OBEC pretende realizar uma série de atividades que incluem o mapeamento dos dados referentes à Economia Criativa no Brasil; a elaboração de indicadores para as atividades econômicas criativas que permitam desenvolver e acompanhar as políticas públicas implementadas no país; a condução e a divulgação de pesquisas sobre esses setores e a organização de apresentações e debates nas diferentes regiões do país com o intuito de divulgar as possibilidades de desenvolvimento que podem advir de um maior incentivo aos setores criativos, entre outras ações. Conclusão Olhando para a quantidade de eventos, reportagens e artigos científicos que tem tomado conta da mídia no último ano tratando de Economia Criativa parece-nos que todas as ideias que passaram despercebidas nos últimos 30 anos estão vindo à tona de uma só vez. No Google, o termo “economia criativa” aparece mais de 120 mil vezes nesse período, uma evidência de que o debate sobre este tema tem sido intenso. Cultura e Economia, vistas até pouco tempo atrás em polos completamente opostos tem sido aproximadas através dos conceitos de Economia da Cultura e Economia Criativa numa tentativa evidente de promoção do desenvolvimento econômico e social. Alternativas para o rompimento dessa barreira têm surgido e parece haver interesse de todos os lados para que isso aconteça. Os estudos que trataram do processo de aproximação das atividades criativas à lógica do mercado têm sido bem sucedidos. Pode-se dar o devido mérito às iniciativas da ONU e de organismos nacionais por conseguirem levantar informações que comprovam a importância cada vez maior dos setores culturais/criativos na economia global e o potencial deste tipo de atividade para a geração de emprego e renda. Os argumentos apontados por estas instituições parecem paulatinamente chegar aos 18 ouvidos dos formuladores de políticas públicas e têm dado resultados positivos em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. O que se vê em países como o Reino Unido, França, Austrália, China e Argentina são exemplos de que pensar de maneira criativa e apostar em políticas que fujam do pensamento tradicional pode ser interessante. A importância do poder público nesse processo é clara e indica a necessidade de haver maior ação tanto no sentido de propor novas políticas como também em motivar as empresas e profissionais destes setores a interagirem e acreditarem que o caminho trilhado por eles tem grandes chances de sucesso. O que tem sido feito no Brasil desde os estudos preliminarmente realizados pelo IBGE até o cenário atual de adoção da Economia Criativa como uma questão estratégica para o país indicam que já há certo grau de convencimento de que as coisas podem mudar. Se as iniciativas propostas pelo Ministério da Cultura derem certo, estará aberto o caminho para uma participação maior da cultura na determinação dos rumos do país e as possibilidades de desenvolvimento sustentável com inclusão social estarão mais próximas da realidade. Essa mudança de perspectiva parece já estar dando frutos, mas é preciso que o discurso de desenvolvimento que acompanha o debate de Economia Criativa atinja ainda mais fortemente os tomadores de decisão se quisermos que a cultura, a criatividade e o conhecimento cheguem ao patamar de importância que realmente lhes cabe. Neste sentido, é fundamental o trabalho intenso de instituições e pesquisadores que defendam a tese de que a cultura e a criatividade são alternativas viáveis para o desenvolvimento. Por sua vez, cabe também ao poder público adotar uma postura um pouco menos tradicional e se deixar convencer de que a cultura não pode mais ser vista como o último item da lista de prioridades. Basta apenas um pouco mais de criatividade para que isso seja possível. 19 Referências Bibliográficas ALVES, Paulo César (org.). Cultura: múltiplas leituras. Salvador: EDUFBA, 2010. ANFAVEA. Anuário da indústria automobilística brasileira. São Paulo: Anfavea, 2012. ARENDT H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992 CAIADO, A. . C. Economia criativa: economia criativa na cidade de São Paulo. São Paulo: Fundap, 2011. CHAUÍ, Marilena. Cidadania cultural: o direito à cultura. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006. DCMS. Creative Industries Economic Estimates Statistical Bulletin. London: DCMS, 2010. Disponível em: <http://www.culture.gov.uk/global/research/ statistics_outputs/>. ________. Creative Industries Mapping Document. London: DCMS, 2001. Disponível em: <http://www.culture.gov.uk/creative_industries/QuickLinks/ publications>. DEPS. L’emploi culturel dans l’union européenne en 2002: donnés de cadrage et indicateurs. Paris: DEPS, 2005. HOWKINS, J. 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