UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO PAULA TAPIA GOMES PEREIRA Avaliação de métodos de descontaminação de globos oculares em Banco de Olhos RIBEIRÃO PRETO 2013 PAULA TAPIA GOMES PEREIRA Avaliação de métodos de descontaminação de globos oculares em Banco de Olhos Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências Médicas. Área de Concentração: Mecanismos Fisiopatológicos nos Sistemas Visual e Áudio-Vestibular. Orientador: Prof. Dr. Sidney Júlio de Faria e Sousa RIBEIRÃO PRETO 2013 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial desta dissertação, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. FICHA CATALOGRÁFICA Pereira, Paula Tapia Gomes Avaliação de métodos de descontaminação de globos oculares em Banco de Olhos / Paula Tapia Gomes Pereira - Ribeirão Preto, 2013. 59p.: 5il. 30 cm Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Área de Concentração: Mecanismos Fisiopatológicos nos Sistemas Visual e Áudio Vestibular. Orientador: Sousa, Sidney Júlio de Faria e 1. Globos oculares; 2. Descontaminação; 3. Banco de Olhos; 4. Iodo-povidine; 5. Ciprofloxacino; 6. Moxifloxacino. Aluna: Paula Tapia Gomes Pereira Título: Avaliação de métodos de descontaminação de globos oculares em Banco de Olhos. Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências Médicas. Área de Concentração: Mecanismos Fisiopatológicos nos Sistemas Visual e Áudio-Vestibular. Aprovado em: Banca Examinadora Prof. Dr. ________________________________________________________ Instituição: ______________________________________________________ Assinatura ______________________________________________________ Prof. Dr. ________________________________________________________ Instituição: ______________________________________________________ Assinatura ______________________________________________________ Prof. Dr. ________________________________________________________ Instituição: ______________________________________________________ Assinatura ______________________________________________________ Dedicatória Dedico este estudo à minha família, que é meu alicerce. Especialmente meu aos meus pais, Luiz Fernando e Yadira e ao marido, Elísio, que sempre me apoiaram incondicionalmente. Dedico também ao meu oritentador, Prof. Dr. Sidney Júlio de Faria e Sousa, por ser um exemplo de dedicação à Medicina e à Oftalmologia, pelo seu compromisso com a verdade e beneficência ao paciente. Agradecimentos Agradeço à equipe do Banco de Olhos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; Dafne, Solange, Érica, Renata e Francisco; pela colaboração, apoio e amizade. Agradeço à Marcela e Liliane, do laboratório de microbiologia desse hospital, pelo esforço e dedicação. Resumo Resumo PEREIRA, P.T.G. Avaliação de métodos de descontaminação de globos oculares em Banco de Olhos. 59f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto. 2013. Objetivos: Avaliar a eficiência de diferentes métodos de descontaminação de globos oculares humanos, bem como sua taxa de contaminação e traçar o perfil dos microorganismos contaminantes. Métodos: Cento e setenta globos oculares enucleados foram divididos aleatoriamente em cinco grupos, sendo um controle e outros quatro que receberam tratamentos distintos. Foram colhidas culturas para bactérias e fungos por meio de imersão do globo ocular em caldo de tioglicolato, antes da imersão na solução descontaminante e novamente após o tratamento, com imersão em um novo caldo de tioglicolato. Os grupos foram compostos da seguinte maneira: Grupo I ou controle: coleta das duas culturas por meio de mergulhos sucessivos em dois recipientes, cada um contendo 8 mL de caldo de tioglicolato; uma amostra de cada recipiente foi colhida para análise microbiológica; Grupo II: imersão e agitação do globo em 10 mL de solução fisiológica por cinco vezes consecutivas, no mesmo recipiente, durante cinco segundos; Grupo III: imersão em 8 mL de solução de iodo-povidine a 10 mg/mL, durante cinco minutos; Grupo IV: imersão em 8 mL de colírio de ciprofloxacino a 3 mg/mL, durante cinco minutos; Grupo V: imersão em 8 mL de colírio de moxifloxacino 5 mg/mL, durante cinco minutos. Os resultados dos globos com cultura negativa na primeira coleta foram considerados para o cálculo da taxa de contaminação, mas não para a avaliação da eficiência dos diferentes tratamentos. Resultados: Dos 170 globos oculares estudados, 130 (76,4%) estavam contaminados com bactérias na primeira cultura. Não houve crescimento de fungos em nenhuma das culturas em todo o estudo. As bactérias mais frequentemente encontradas foram: Staphylococcus epidermidis (presente em 36,6% das culturas positivas); Staphylococcus aureus (13,6%); Pseudomonas aeruginosa (10,0%) e Escherichia coli (6,4%). O grupo controle e o grupo tratado com solução fisiológica não apresentaram redução da taxa de contaminação. O grupo tratado com iodo-povidine apresentou redução da contaminação em 45,9% das culturas. Os grupos tratados com ciprofloxacino e moxifloxacino mostraram ausência de contaminação em todas as culturas positivas antes dos tratamentos. Conclusões: A taxa de contaminação encontrada foi condizente com as taxas descritas na literatura. O perfil de bactérias encontradas nos olhos enucleados foi diferente daquele esperado para a flora normal dos olhos de seres humanos vivos, devido à maior frequência de bactérias gram negativas encontradas neste estudo. O simples mergulho dos globos em caldo de tioglicolato e a imersão e agitação em solução fisiológica não promoveram nenhuma descontaminação. As imersões em soluções de ciprofloxacino 3 mg/mL e moxifloxacino a 5 mg/mL, por cinco minutos, mostraram-se eficientes para a descontaminação bacteriana e esses antimicrobianos foram significativamente superiores ao iodo-povidine a 10 mg/mL por cinco minutos. Palavras chave: Globos oculares; Descontaminação; Banco de Olhos; Iodopovidine; Ciprofloxacino; Moxifloxacino. Abstract Abstract PEREIRA, P.T.G. Evaluation of ocular globes decontamintion methods in Eye Bank. 59f. Dissertation (Master) - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto. 2013. Purposes: to evaluate the efficiency of different human ocular globes decontamination methods as well as to determine the contamination rate and the microbiological profile of these globes. Methods: One hundred and seventy enucleated ocular globes were randomly divided in five groups, one control group and other four wich received different treatments. Cultures were collected by immersion of the globes into thioglycolate broth before and after treatment. The groups were composed as follows; Group I or control: consecutives immersions of the globe into two recipients, each one containing 8mL of thioglycolate broth; Group II: agitation of the globe into 10 mL of saline solution for 5 times consecutively in the same recipient, during 5 seconds; Group III: immersion in povidone-iodine 10 mg/mL solution during 5 minutes; Group IV: immersion in ciprofloxacin 3 mg/mL ophthalmic solution during 5 minutes; Group V: immersion in moxifloxacin 5 mg/mL ophthalmic solution during 5 minutes. Results: Of the 170 globes studied, 130 were contaminated for at least one bacteria on the first immersion into the thyoglicolate broth. There was no fungal growth in any culture collected. The most frequently found bacteria were Staphylococcus epidermidis (present in 36,6% of the positive cultures), Staphylococccus aureus (13,0%), Pseudomonas aeruginosa (10,0%), followed by Escherichia coli (6,4%). The control group and the saline treated group had no reduction of the contamination rate. The povidone-iodine treated group had a 45,9% bacterial contamination reduction. The ciprofloxacin and moxifloxacin treated groups had no contamination in all the cultures that were positive before treatment. Conclusions: The contamination rate found in this study is similar to those reported in the literature. The contaminant bacteria present in the enucleated globes were different from the expected for the living human normal ocular flora because a greater frequence of gram negative microorganisms was found in this study. The simple immersion of the globes into the thioglycolate broth and the treatment with saline solution did not promote any decontamination, whereas the immersion for 5 minutes in ciprofloxacin 3mg/mL solution and in moxifloxacin 5 mg/mL solution has shown to be efficient for bacterial decontamination of the globes and these antimicrobial agents were significantly superior to povidone-iodine 10mg/mL solution for 5 minutes. Key-words: Ocular globes; Decontamination; Eye Bank; Povidone-iodine; Ciprofloxacin; Moxifloxacin. Lista de Figuras Lista de Figuras Figura 1: (A) Globo ocular sendo armazenado em câmara úmida. (B) Globo ocular em avaliação sob biomicroscopia em lâmpada de fenda...............................................................................................19 Figura 2: (A) Retirada do botão córneo-escleral. (B) Armazenagem do botão córneo-escleral em meio de preservação .............................22 Figura 3: (A) Trepanação do botão córneo-escleral; (B) Separação do anel córneo-escleral do enxerto corneano; (C) Enxerto corneano que será suturado no olho receptor ................................23 Figura 4: Aspecto normal do pós-operatório do transplante de córnea .........24 Figura 5: (A) Experimento sendo realizado com PVPI, 10 mg/mL. (B) Experimento com Moxifloxacino 5 mg/Ml..................................31 Lista de Tabelas Lista de Tabelas Tabela 1: Dados obtidos dos globos oculares enucleados em todos os grupos e números de contaminação obtidos no TIO1 ..................34 Tabela 2: Classificação e frequência das bactérias em 130 globos oculares contaminados.................................................................35 Tabela 3: Classificação e frequência das bactérias no grupo não tratado ...36 Tabela 4: Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do tratamento com soro fisiológico ....................................................37 Tabela 5: Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do tratamento com PVPI a 10 mg/mL................................................38 Tabela 6: Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do tratamento com colírio de Ciprofloxacino a 3 mg/mL ...................39 Tabela 7: Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do tratamento com colírio de Moxifloxacino 5 mg/mL........................40 Tabela 8: Cultura e antibiograma de globos oculares que foram descontaminados apesar das bactérias serem resistentes aos antibióticos....................................................................................41 Tabela 9: Comparação entre a contaminação bacteriana dos globos enucleados com a flora normal de pacientes atendidos no Ambulatório Geral de Oftalmologia do HCFMRP-USP .................44 Lista de Abreviaturas Lista de Abreviaturas A- Ausência de crescimento bacteriano AIDS- Sigla em inglês para Acquired Immune Deficiency Syndrome - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida Ciproflox- Ciprofloxacino EBAA- Sigla em inglês para Eye Bank Association of America Associação de Banco de Olhos da América. HCFMRP-USP- Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HIV- Vírus da Imunodeficiência Humana IC- Intervalo de confiança Moxiflox- Moxifloxacino PVPI- Solução de iodo-povidine R- Resistência ao antibiótico S- Sensibilidade ao antibiótico SF- Soro fisiológico SNC- Sistema nervoso central TIO- Tioglicolato TIO1- Amostra de tioglicolato colhida antes do tratamento TIO2- Amostra de tioglicolato colhida após o tratamento SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO..............................................................................................17 2. OBJETIVOS..................................................................................................26 3. MATERIAL E MÉTODOS .............................................................................28 3.1. Amostragem dos globos enucleados ...............................................................29 3.2. Coleta do material para análise........................................................................30 3.3. Análises microbiológicas..................................................................................32 3.4. Análise estatística ............................................................................................32 4. RESULTADOS .............................................................................................33 4.1. Análise por grupos...........................................................................................35 4.1.1 Grupo I: não tratado ................................................................................35 4.1.2 Grupo II: Tratamento com Soro Fisiológico .............................................36 4.1.3 Grupo III: Tratamento com Iodo-povidine a 1% (PVPI)............................37 4.1.4 Grupo IV: Tratamento com colírio de Ciprofloxacino a 0,3% ...................38 4.1.5 Grupo V: Tratamento com colírio de Moxifloxacino 0,5%........................39 5. DISCUSSÃO.................................................................................................42 6. CONCLUSÕES.............................................................................................51 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................53 8. ANEXO .........................................................................................................58 1- Introdução 18 Introdução As técnicas de transplante de córnea são aplicadas desde o início do século XX. O progresso das tecnologias que envolvem esses transplantes contribui para o sucesso dos resultados obtidos pela maioria dos pacientes que se submetem a este tratamento (Yanoff; Duker, 2004). A córnea é o tecido mais frequentemente transplantado no mundo e as indicações para o seu transplante abrangem ampla variedade de doenças que afetam a sua transparência (Tan et al., 2012). O refinamento nas técnicas de seleção e preservação do tecido doador, os avanços nos instrumentais cirúrgicos utilizados e o maior rigor no controle das complicações pós-operatórias, contribuíram para a melhora dos resultados ópticos (Cvintal, 2004; Yanoff; Duker, 2004). As enfermidades corneanas, passíveis de tratamento com o transplante, não ameaçam a vida do paciente. O transplante de córnea é uma cirurgia eletiva indicada para pacientes que desejam a reabilitação visual. Isto o distingue dos transplantes de outros órgãos como rim, pulmão ou coração, nos quais a indicação cirúrgica é habitualmente feita como último recurso para a preservação da vida (Vieira Silva et al., 2006). Embora seja considerado um procedimento seguro e de pequena morbidade, o transplante de córnea, assim como o de outros órgãos, apresenta riscos de transmissão de doenças e expõe o receptor a infecções que podem encurtar sua expectativa de vida (Cvintal, 2004). Para minimizar esses riscos e melhorar os resultados dos transplantes de córnea, os Bancos de Olhos exercem função árdua e minuciosa para o controle de qualidade dos tecidos a serem doados. Os Bancos de Olhos possuem equipes de profissionais que recebem os comunicados de óbito e acionam sua central de trabalho. Funcionários treinados abordam a família da pessoa falecida para solicitar a autorização para a retirada dos olhos. Uma vez obtido o consentimento familiar, procede-se à etapa de captação dos globos oculares. Estes são enucleados com os cuidados de esterilidade próprios das cirurgias oftalmológicas, independentemente do local onde o procedimento é realizado. Em seguida, os globos são colocados em câmara úmida, um recipiente com tampa, estéril, de 19 Introdução volume suficiente para conter um globo ocular, com fundo revestido por chumaço de gaze saturado de soro fisiológico (SF) (Figura 1). Desse modo, os globos oculares são transportados ao laboratório do Banco de Olhos, onde serão examinados. (Filatov, 1935; Panda et al., 2005; EBAA, 2012). A B Figura 1: (A) Globo ocular sendo armazenado em câmara úmida. (B) Globo ocular em avaliação sob biomicroscopia em lâmpada de fenda. Existem três princípios que regem o controle de qualidade do tecido doado: transparência, vitalidade e inocuidade. A transparência da córnea é avaliada no globo ocular íntegro, em câmara úmida, com o auxílio de uma lâmpada de fenda, com aumento de 10 vezes, em exame minucioso realizado por profissionais capacitados do Banco de Olhos. Vitalidade é a propriedade da córnea em manter-se desidratada e transparente no leito hospedeiro, o que depende da integridade funcional do endotélio corneano. A função dessa camada de células pode ser indiretamente avaliada morfologicamente, com auxílio da microscopia especular (Escapini Jr et al., 1979). A seleção das córneas, segundo os critérios de inocuidade, baseia-se na análise dos exames sorológicos para detecção da Síndrome da 20 Introdução Imunodeficiência Adquirida (AIDS), hepatite B e C, além da avaliação do prontuário médico do doador. Em seu manual de procedimentos e condutas, a Associação Americana de Banco de Olhos (EBAA) sugere que os Bancos de Olhos considerem uma lista de condições potencialmente perigosas para a transmissão de moléstias através do enxerto de córnea. Elas podem ser resumidas em seis categorias: 1) exposição prévia do doador a condições favoráveis à contaminação da superfície ocular (imunossupressão, terapia intensiva, pneumonia e septicemia); 2) infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), história de exposição a drogas; 3) hepatites de origem infecciosa, presumivelmente infecciosa, ou insuficientemente caracterizadas; 4) doenças do sistema nervoso central (SNC) de origem infecciosa, presumivelmente infecciosa, ou insuficientemente caracterizada; 5) neoplasias do sangue ou do sistema linfático; 6) neoplasias oculares ou de órbita. Essa lista também inclui condições oculares como: cirurgias oculares prévias, glaucoma, uveítes de repetição ou história de quaisquer condições que, apesar de não transmissíveis, possam prejudicar a vitalidade ou transparência do enxerto (EBAA, 2012). As enfermidades comprovadamente transmissíveis pelo transplante de córnea são: hepatite B, raiva, doença de Creutzfeldt-Jakob e retinoblastoma (Mata, 1939; Houff et al., 1979; Gandhi et al 1981; Javadi et al., 1996; Hoft et al., 1997; Hammersmith et al., 2004; Maddox et al., 2008). Embora não haja comprovação da transmissão da hepatite C e AIDS, essas doenças constituem contraindicações absolutas para o uso das córneas em transplantes, devido a sua gravidade. Há relatos de transplantes realizados inadvertidamente com tecido de portadores assintomáticos do HIV. Os receptores de órgãos sólidos contraíram o vírus, enquanto que os receptores das córneas continuaram soronegativos (Schwarz et al., 1987; Simonds et al., 1992). Entretanto, o vírus HIV e o da hepatite C foram isolados a partir de córneas de indivíduos portadores desses vírus (Salahuddin et al., 1986; Lee et al., 2001). Passada a etapa de seleção do doador e avaliação da transparência e vitalidade da córnea, persistirá ainda uma preocupação relacionada ao risco de 21 Introdução infecção pós-transplante, que pode ter como origem a contaminação do tecido doador. A taxa de contaminação bacteriana da superfície de globos oculares enucleados que não foram submetidos a qualquer tratamento para descontaminação, varia em torno de 80% (Wilson; Bourne, 1989; Vieira Silva et al., 2006), podendo chegar a 100% (Polack et al., 1967). Quanto à taxa de contaminação por fungos, encontram-se na literatura relatos de valores que variam de zero a 11,5 (Pardos; Gallagher, 1982; Mindrup et al., 1993; Panda et al., 2006; Lindquist et al., 2011). Estudos anteriores observaram associação entre a presença de contaminação do tecido corneano a ser transplantado, verificado por cultura coletada de material obtido na cirurgia do transplante, com maior ocorrência de endoftalmite (Leveille et al., 1983; Antonios et al., 1991; Rehany et al., 2004). A infecção do enxerto corneano pode acarretar falência do transplante, úlceras corneanas, endoftalmite, maior chance de rejeição, perda definitiva da visão e ameaça da integridade do globo ocular. Os agentes contaminantes consistem em bactérias, fungos e vírus, com relatos de transmissão do doador para o receptor do enxerto (Houff et al., 1979; Wilson; Bourne, 1989; Kloess et al., 1993; Javadi et al., 1996; Hammersmith et al., 2004). A incidência de endoftalmite, descrita na literatura, é de 0,1% (Polack et al., 1967; Pardos; Gallagher, 1982). Apesar da sua ocorrência rara, esta complicação continua sendo motivo de preocupação devido as suas consequências catastróficas para o globo ocular. As causas da infecção podem estar relacionadas com fatores préoperatórios, contaminação inadvertida durante a cirurgia, contaminação de origem palpebral e condições de higiene do paciente receptor no pósoperatório. A atuação dos Bancos de Olhos pode interferir no controle dos fatores predisponentes pré-operatórios. A contaminação por bactérias pode ser reduzida para 2,4 a 61%, com a imersão do globo ocular íntegro em soluções contendo antibióticos (Polack et al., 1967), ou antissépticos (Nash et al., 1991; Gopinathan et al., 1998; Panda et al., 2006). 22 Introdução A descontaminação é feita com o globo ocular íntegro, porque ainda não existem estudos que comprovem a resistência do endotélio corneano à exposição aos colírios oftálmicos ou antissépticos, preparados em concentrações para uso sobre a superfície ocular. Durante as avaliações do tecido no Banco de Olhos, ao se considerar que o globo ocular armazenado na câmara úmida está próprio para o transplante, inicia-se uma nova etapa, denominada preservação da córnea. Nesta etapa, a córnea é separada do globo ocular, sendo retirada juntamente com uma borda de esclera para sua proteção (Figura 2). Esta nova peça anatômica chama-se botão córneo-escleral e, em seguida, será armazenada em um recipiente de vidro estéril contendo meio de preservação. Este meio é um líquido que fornece nutrientes para a córnea manter sua vitalidade e que também contém antibióticos. Neste ambiente, a córnea está pronta para ser transplantada e pode permanecer por um período variável, entre um e 14 dias, dependendo da demanda e da logística dos centros que executam os transplantes. A preservação do botão córneo-escleral é realizada em condições assépticas, em capela de fluxo laminar. Imediatamente antes do seu início, é possível submeter o globo ocular a um tratamento para reduzir a taxa de contaminação (EBAA, 2012). A B Figura 2: (A) Retirada do botão córneo-escleral. (B) Armazenagem do botão córneoescleral em meio de preservação. 23 Introdução O uso de meios de preservação que contenham antibióticos também pode contribuir para a redução da taxa de contaminação da superfície dos botões córneo-esclerais (Leveille et al., 1983; Antonios et al., 1991; Farrell et al., 1991). Ainda assim, após a permanência no meio de preservação, os botões córneo-esclerais apresentam taxa de infecção de 11 a 39% (Mathers; Lemp, 1987; Antonios et al., 1991; Farrell et al., 1991; Rehany et al., 2004). Na sala cirúrgica, a córnea é separada do botão córneo-escleral por meio de um trépano circular, que corta uma circunferência central da córnea formando um disco de diâmetro que pode variar de 7 a 9 mm. Este é o enxerto corneano, o tecido que será efetivamente transplantado e suturado no olho receptor (Figuras 3 e 4). A B C Figura 3: (A) Trepanação do botão córneo-escleral; (B) Separação do anel córneoescleral do enxerto corneano; (C) Enxerto corneano que será suturado no olho receptor. Introdução 24 Figura 4: Aspecto normal do pós-operatório do transplante de córnea. O tecido restante passa a se chamar anel córneo-escleral. Alguns bancos de olhos, inclusive o Banco de Olhos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), optam por enviar os anéis córneo-esclerais, provindos das cirurgias de transplantes realizadas neste hospital, com a finalidade de controlar o nível de contaminação dos botões córneo-esclerais fornecidos pelo Banco. Ocorre, entretanto, que eles são indicadores indiretos desse parâmetro, uma vez que o tecido ficou exposto ao antibiótico contido no meio de preservação tecidual. Diante das altas taxas de contaminação dos globos que chegam aos Bancos de Olhos, da dificuldade em se obter um método confiável de controle de esterilidade do tecido a ser doado e da gravidade do quadro clínico de uma infecção do enxerto, seja na forma de úlcera corneana ou endoftalmite, tornase imprescindível que o Banco de Olhos dispenda todo o esforço possível para descontaminar os tecidos pelos quais é responsável. Existem diferentes métodos de descontaminação do globo enucleado: lavagem simples com SF, banho com antissépticos como iodo-povidine (PVPI) e antibióticos, ou a combinação de todos eles (Mata, 1939; Salahuddin et al., 1986). Ainda não existe consenso sobre qual seria o método mais eficaz para 25 Introdução tal finalidade. As diretrizes da Associação Americana de Banco de Olhos, revisadas em 2008 (EBAA, 2012), sugerem o uso da imersão dos globos oculares enucleados em solução de antibiótico. Alguns estudos defendem o uso do antisséptico iodo-povidine, devido ao seu baixo custo, amplo espectro de ação contra fungos, bactérias, vírus e protozoários; além da sua baixa toxicidade para o epitélio corneano (Gopinathan et al., 1998; Pels; Vrensen, 1999; Panda et al., 2006). O Banco de Olhos do HCFMRP-USP estabeleceu em seu protocolo de condutas, o uso do banho de imersão do globo ocular em colírio de Ciprofloxacino (Ciproflox) 3 mg/mL por 10 minutos. O Ciproflox é um antibiótico que faz parte da segunda geração da classe das quinolonas, que tem sido aprimorada desde a década de 1960 e atualmente compõe-se de quatro gerações de fármacos bactericidas, de espectro cada vez mais amplo e de boa penetração nos tecidos oculares (Oliphant; Green, 2002; Miller, 2008). A primeira geração, atualmente utilizada com pouca frequência, oferece cobertura contra bactérias gram negativas e é indicada em infecções do trato urinário baixo. Os derivados fluorados do ácido nalidíxico deram origem às fluoroquinolonas Iomefloxacino), de segunda terceira geração geração (Ofloxacino, (Levofloxacino) e Ciprofloxacino quarta e geração (Moxifloxacino e Gatifloxacino) (Silva, 2012). À medida que evoluíram, as fluoroquinolonas tiveram seu espectro ampliado, inicialmente com cobertura para bactérias gram negativas e ação restrita para bactérias gram positivas, nos fármacos de segunda geração; até a situação atual de boa cobertura para as bactérias gram negativas e positivas, ação contra micobactérias atípicas e bactérias anaeróbias e nos fármacos de quarta geração, como o Moxifloxacino (Moxiflox) (Oliphant; Green, 2002). Com o advento de fórmulas comerciais de colírios das novas fluoroquinolonas, de maior espectro de ação e menor toxicidade, somando-se ao conhecimento de estudos que apontavam o PVPI como opção de fármaco utilizado na descontaminação dos globos oculares, decidiu-se realizar um estudo prospectivo para avaliar as taxas de descontaminação promovidas por diferentes soluções que pudessem ser aplicadas sobre a superfície de globos oculares. 2- Objetivos 27 Objetivos Os objetivos deste estudo foram avaliar a taxa de contaminação dos globos oculares enucleados pelo Banco de Olhos da HCFMRP-USP e também o perfil dos microorganismos que contaminam esses globos oculares. Além disso, analisar a eficiência dos seguintes métodos propostos para descontaminação dos globos oculares: imersão e agitação do globo ocular em SF, imersão em solução aquosa de iodo-povidine, em colírio de Ciproflox e de Moxiflox. 3. Material e Métodos 29 Material e Métodos 3.1 Amostragem dos globos enucleados Foram estudados 170 globos oculares, considerados inviáveis para o transplante de córnea, segundo os critérios de seleção adotados pelo Banco de Olhos do HCFMRP-USP. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa desta Instituição Proc. nº 13419/2009 (Anexo). A enucleação de cada globo ocular foi realizada pela equipe do Banco de Olhos. O procedimento era realizado após assepsia das pálpebras com iodo-povidine a 100 mg/mL e utilizando-se campo, paramento e material cirúrgico estéril. O saco conjuntival era amplamente irrigado com SF antes da retirada do orgão. Cada globo ocular enucleado era acondicionado em câmara úmida e transportado ao Banco de Olhos, em caixa térmica, à temperatura de 4ºC. Após ser analisado e considerado inapto para transplante, o globo era armazenado em geladeira a 4ºC até a realização do experimento, com intervalo de até 72 horas. Foram excluídos globos com sinais macroscópicos de infecção na sua superfície, como úlceras corneanas, necrose conjuntival ou escleral. Os tratamentos propostos para a descontaminação dos globos oculares consistiram em: efeito mecânico da imersão do globo ocular em SF; imersão completa deste durante cinco minutos nas soluções de PVPI a 10 mg/mL; colírio de Ciproflox a 3 mg/mL e de Moxiflox a 5 mg/mL. Para demonstrar a eficiência de cada tratamento em reduzir a contaminação da superfície do globo ocular, foram colhidas culturas antes e depois da imersão do globo na solução descontaminante, com exceção dos globos que fizeram parte do grupo controle, dos quais foram apenas colhidas culturas, sem o tratamento interposto. Os globos foram distribuídos aleatoriamente em cinco grupos, com as seguintes características: Grupo I: Controle, não tratados; apenas coleta de cultura por meio da imersão em caldo de tioglicolato (TIO) (BD Thioglycollate Medium®, BD- Interlab distribuidora, São Paulo-SP). 30 Material e Métodos Grupo II: Imersão do globo ocular em SF estéril (Cloreto de Sódio 0,9%, Farmace, Barbalha-CE) por cinco vezes consecutivas durante cinco segundos; Grupo III: Imersão do globo ocular em solução de iodo-povidine a 10 mg/mL* (Riodeine®, Rioquímica, São José do Rio PretoSP) durante cinco minutos; Grupo IV: Imersão do globo ocular em colírio de Ciproflox 3 mg/mL (Ciloxan®, Alcon, São Paulo-SP) durante cinco minutos; Grupo V: Imersão do globo ocular em colírio de Moxiflox 5 mg/mL (Vigamox®, Alcon, São Paulo-SP), durante cinco minutos. O iodo-povidine foi diluído da concentração original do Riodine® de 100 mg/mL para 10 mg/mL, utilizando água destilada estéril. 3.2 Coleta do material para análise O material para cultura foi colhido por meio da imersão do globo ocular em um recipiente estéril contendo caldo de TIO. Este é um meio líquido utilizado em microbiologia para transporte e cultivo de microorganismos anaeróbios e aeróbios (Allen et al., 1985). Após esse contato, o globo era retirado do recipiente. O caldo de TIO remanescente, supostamente contaminado, era aspirado com agulha e seringa estéreis e transferido para um tubo de ensaio também estéril. Este tubo era codificado e enviado ao Laboratório de Microbiologia do HCFMRP-USP, Departamento de Clínica Médica / Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Em todos os grupos, as culturas eram colhidas antes e depois de cada tratamento em experimento. A primeira imersão em caldo de TIO foi denominada TIO1 e a segunda imersão, após o tratamento, TIO2. Devido à possibilidade de ocorrer efeito mecânico de descontaminação do globo ocular, induzido pela simples imersão no caldo de TIO, foi criado o grupo controle, no 31 Material e Métodos qual foram colhidas as duas culturas, TIO1 e TIO2, sem a interposição do tratamento. Nos grupos II, III, IV e V, o experimento foi realizado com o uso de três recipientes estéreis (Figura 5). Um recipiente destinado à primeira imersão do globo ocular no caldo de TIO, TIO1; um segundo, à imersão na solução de tratamento correspondente a cada grupo e o terceiro, à última imersão em caldo de TIO TIO2. Todas as imersões dos globos oculares foram realizadas em ambiente asséptico e câmara de fluxo laminar. Entre as sucessivas imersões, aguardavam-se alguns segundos para o escoamento do excesso de líquido proveniente da solução anterior. No grupo controle, foram utilizadas pinças distintas para a colocação e retirada do globo no caldo de TIO. Nos grupos que receberam tratamento, a ponta da pinça que manipulava o globo também era mergulhada no meio de tratamento em estudo. A B Figura 5: (A) Experimento sendo realizado com PVPI, 10 mg/mL. (B) Experimento com Moxifloxacino 5 mg/mL. Material e Métodos 32 3.3 Análises microbiológicas Os tubos de ensaio eram identificados de modo que os técnicos do laboratório não obtivessem informações sobre qual tratamento havia sido processado nas amostras. Os meios de TIO foram semeados em ágar sangue, chocolate e Saboraud. A identificação das bactérias e os testes de sensibilidade aos antibióticos foram realizados pelo "Laboratory Testing System VITEK 2 (bioMérieux, Durham, USA)" e, quando necessário, complementados por métodos não automatizados, por análise visual das colônias e o antibiograma pelo método de discos de difusão de Kirby-Bauer. 3.4 Análise estatística Os resultados obtidos das análises microbilógicas de cada grupo foram submetidos ao teste estatístico de McNemar, para variáveis categóricas, usando o programa Stata (Stata®, Stata Corp, College Station - USA). Foi utilizado intervalo de confiança (IC) de 95%, sendo considerado resultado significativo quando p<0,05. 4. Resultados 34 Resultados Dos 170 globos oculares estudados, 130 apresentaram culturas positivas para pelo menos uma bactéria, configurando uma taxa de contaminação de 76,4%. Todas as culturas foram negativas para fungos. O número de globos experimentais foi diferente entre os cinco grupos porque, apesar de todos os grupos conterem 34 globos avaliados, alguns desses globos não estavam contaminados, o que inutilizou o experimento. Os resultados dos globos com culturas negativas em TIO1 foram considerados apenas para a avaliação da taxa de contaminação (Tabela 1). Tabela 1: Dados obtidos dos globos oculares enucleados em todos os grupos e números de contaminação obtidos no TIO1. Número total de globos examinados Número de globos contaminados Ausência de crescimento Crescimentos Isolados Crescimentos Múltiplos Controle 34 26 8 24 2 Soro Fisiológico 34 21 13 21 0 PVPI 34 32 2 27 5 Ciprofloxacino 34 25 9 25 0 Moxifloxacino 34 26 8 24 2 Total 170 130 40 117 9 Tratamento As bactérias mais frequentes identificadas nas culturas positivas de TIO1 foam: Staphylococcus epidermidis (36,6%), Staphylococcus aureus (13,6%), Pseudomonas aeruginosa (10,0%), Escherichia coli (6,4%), Klebsiella pneumoniae (5,7%) e Proteus mirabilis (5,0%), conforme demonstrado na Tabela 2. 35 Resultados Tabela 2: Classificação e frequência das bactérias em 130 globos oculares contaminados. Família Staphylococcaceae Gênero Staphyloccocus Espécie Frequência aureus 19 capitis 2 epidermidis 51 haemolyticus 5 hominis 2 intermedius 1 lugdunensis 1 schleiferi 1 warneri 2 % 60% Streptococcaceae Streptococus pneumoniae 2 1,5% Pseudomonaceae Pseudomonas aeruginosa 14 10% aerogenes 3 cloaceae 2 Escherichia coli 9 Klebsiella pneumoniae 8 Proteus mirabilis 7 Providencia stuartii 1 Enterococcaceae Enteroccocus faecalis 5 4% Moraxellaceae Acinetobacter baumanii 2 1,5% Bacillaceae Bacillus subtilis 2 1,5% Enterobacter Enterobacteriaceae Total 22% 139 4.1 Análise por grupos 4.1.1 Grupo I: não tratado Dos 34 globos testados como grupo controle, 26 (76,4%) apresentaram contaminação. Foi detectada presença de 28 culturas positivas para bactérias, com predomínio da espécie Staphylococcus aureus (35,7%), seguida de Staphylococcus epidermidis (32,1%) e Enterococcus faecalis (10,7%). As bactérias encontradas na primeira imersão em TIO1 se repetiram em TIO2, exceto em um dos globos, que apresentou a primeira cultura positiva para 36 Resultados Staphylococcus warneri e a segunda mostrou resultado negativo (Tabela 3). Tabela 3: Classificação e frequência das bactérias no grupo não tratado. Família Microorganismo Não tratados TIO1 TIO2 Staphylococcus aureus 10 10 Staphylococcus epidermidis 9 9 Staphylococcus haemolyticus 1 1 Staphylococcus hominis 1 1 Staphylococcus intermedius 1 1 Staphylococcus warneri 1 0 Pseudomonaceae Pseudomonas aeruginosa 1 1 Enterococcaceae Enterococcus faecalis 3 3 Bacillaceae Bacillus subtilis 1 1 28 27 Staphylococcaceae Total O ICde 95% da taxa de descontaminação pelo tratamento variou de 0% a 18%. 4.1.2 Grupo II: Tratamento com Soro Fisiológico Dos 34 globos testados neste grupo, 21 estavam contaminados (61,7%). A frequência das espécies de bactérias detectadas neste grupo mostrou predomínio de Staphylococcus epidermidis (57,1%), Klebsiella pneumoniae (14,2%), Pseudomonas aeruginosa (9,5%) e Staphylococcus haemolyticus (9,5%). Nas culturas colhidas após o banho em SF, foram encontradas as mesmas espécies de bactérias, não havendo, portanto, descontaminação. Apenas um dos globos apresentou crescimento positivo para Staphylococcus epidermidis, detectada apenas antes do tratamento (Tabela 4). 37 Resultados Tabela 4: Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do tratamento com soro fisiológico. Família SF Microorganismo TIO1 TIO2 Staphylococcus aureus 1 1 Staphylococcus epidermidis 12 11 Staphylococcus haemolyticus 2 2 Staphylococcus schleiferii 1 1 Enterobacteriaceae Klebsiella pneumoniae 3 3 Pseudomonaceae Pseudomonas aeruginosa 2 2 21 20 Staphylococcaceae Total O IC de 95% da taxa de descontaminação pelo tratamento variou de 0% a 23%. 4.1.3 Grupo III: Tratamento com Iodo-povidine a 10 mg/mL Dos 34 globos testados neste grupo, 32 estavam contaminados (94,1%), apresentando 37 culturas positivas. Houve predominância de Staphylococcus epidermidis (27,0%), Escherichia coli (16,2%), Proteus mirabilis (10,8%), Klebsiella pneumoniae (8,1%) e Pseudomonas aeruginosa (8,1%). As Staphylococcaceae contaminantes; as corresponderam a Enterobacteriaceae 40,5% e dos microrganismos Enterococcaceae, juntas, corresponderam a 48,6% e as Pseudomonaceae a 8,1% do total das bactérias. Das 37 culturas positivas em TIO1, 17 apresentaram-se negativas em TIO2, evidenciando redução da taxa de contaminação em 45,9% dos exames. Entre as Staphylococcaceae, o PVPI foi capaz de negativar 11 das 15 culturas que se encontravam positivas em TIO1 (redução de 73%). Entretanto, em relação às Enterobacteriaceae, apenas seis culturas, dentre as 17 positivas em TIO1, se tornaram negativas em TIO2 (redução de 35%). Em três casos houve cultura positiva para Pseudomonas aeruginosa em TIO1 e nenhum deles foi convertido para negativo em TIO2 (Tabela 5). 38 Resultados Tabela 5: Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do tratamento com PVPI a 10 mg/mL. Família Microorganismo PVPI TIO1 TIO2 Staphylococcus aureus 2 1 Staphylococcus capitis 1 0 Staphepidermidis 10 3 Staphylococcus haemolyticus 1 0 Staphylococcus lugdunensis 1 0 Enterobacter aerogenes 2 1 Enterobacter cloaceae 1 1 Escherichia coli 6 4 Klebsiella pneumoniae 3 3 Proteus mirabilis 4 1 Providencia stuarti 1 1 Enterococcaceae Enterococcus faecalis 1 1 Pseudomonaceae Pseudomonas aeruginosa 3 3 Moraxellaceae Acinetobacter baumannii 1 1 37 20 Staphylococcaceae Enterobacteriaceae Total O IC de 95% da taxa de descontaminação pelo tratamento variou de 30% a 63%. 4.1.4 Grupo IV: Tratamento com colírio de Ciprofloxacino a 3 mg/mL Dos 34 globos oculares testados neste grupo, 25 se apresentaram contaminados (73,5%). Em todas as culturas positivas houve crescimento de microrganismos isolados. Todos os globos contaminados na primeira cultura se converteram em culturas negativas na segunda coleta. Nesta amostragem, comparando-se os resultados de TIO1 e TIO2, houve descontaminação de todos os globos. Foi observada distribuição de microrganismos semelhante ao grupo tratado com PVPI, sendo 40,0% compostas por Staphylococcaceae, 32% por Enterobacteriaceae e Enterococcaceae juntas e 12% por Pseudomonaceae (Tabela 6). 39 Resultados Tabela 6: Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do tratamento com colírio de Ciprofloxacino a 3 mg/mL. Família Microorganismo Ciprofloxacino TIO1 TIO2 Staphylococcus aureus 3 0 Staphylococcus capitis 1 0 Staphylococcus epidermidis 6 0 Enterobacter aerogenes 1 0 Enterobacter cloaceae 1 0 Escherichia coli 3 0 Klebsiella pneumoniae 1 0 Proteus mirabilis 1 0 Pseudomonaceae Pseudomonas aeruginosa 3 0 Enterococcaceae Enteroccocusfaecalis 1 0 Streptoccocaeae Streptopneumoniae 2 0 Moraxellaceae Acinetobacter baumannii 1 0 Bacillaceae Bacillussubtilis 1 0 25 0 Staphylococcaceae Enterobacteriaceae Total O IC de 95% da taxa de descontaminação pelo tratamento variou de 86% a 100%. 4.1.5 Grupo 5: Tratamento com colírio de Moxifloxacino a 5 mg/mL Neste grupo foram testados 34 globos, e 26 se mostraram contaminados (76,4%), correspondendo a 28 culturas positivas. Todos os globos contaminados na primeira imersão em TIO1 apresentaram resultados negativos nas culturas colhidas após o tratamento. As Staphylococcaceae constituíram 71,4% dos agentes contaminantes, Enterobacteriaceae 10,7% (Tabela 7). Pseudomonaceae 17,8% e 40 Resultados Tabela 7: Classificação e frequência das bactérias antes e depois do tratamento com colírio de Moxifloxacino 5 mg/mL Família Staphylococcaceae Enterobacteriaceae Pseudomonaceae Total Microorganismo Moxifloxacino TIO1 TIO2 Staphylococcus aureus 3 0 Staphylococcus epidermidis 14 0 Staphylococcus haemolyticus 1 0 Staphylococcus hominis 1 0 Staphylococcus warnerii 1 0 Klebsiella pneumoniae 1 0 Proteus mirabilis 2 0 Pseudomonas aeruginosa 5 28 0 0 O IC de 95% da taxa de descontaminação pelo tratamento variou de 88% a 100%. O Gráfico 1 apresenta o resumo dos resultados por grupos. Gráfico 1: Número de culturas com resultado positivo antes e depois dos tratamentos em cada grupo da pesquisa. 41 Resultados Nos grupos IV e V, as bactérias detectadas em TIO1, tornaram-se ausentes em TIO2. O antibiograma de algumas dessas bactérias apresentaram resultados de resistência para o antibiótico utilizado no experimento (Tabela 8). Tabela 8: Cultura e antibiograma de globos oculares que foram descontaminados apesar de as bactérias serem resistentes aos antibióticos. Tratamento Ciproflox. Moxiflox. TIO1 TIO2 Ciproflox. Moxiflox. Klebsiella pneumoniae A R R Pseudomonas aeruginosa A R R Pseudomonas aeruginosa A R R Staphylococcus aureus A R R Staphylococcus capitis A R R Staph epidermidis A R R Pseudomonas aeruginosa A R R Pseudomonas aeruginosa A R R Staphylococcus aureus A R R Staphylococcus aureus A R R Staphylococcus epidermidis A R R Staphylococcus epidermidis A R R Staphylococcus epidermidis A R R Staphylococcus epidermidis A R R Staphylococcus epidermidis A R R Staphylococcus haemolyticus A R R Staphylococcus hominis A S R TIO= Caldo de Tioglicolato; Ciproflox.= Ciprofloxacino; Moxiflox.= Moxifloxacino; A= Ausência de crescimento na cultura; R: Resistência ao antibiótico; S: Sensilidade ao antibiótico. 5. Discussão 43 Discussão Neste estudo observou-se taxa de contaminação dos globos oculares enucleados semelhante à descrita na literatura. Entre os grupos estudados, foi encontrada superioridade dos colírios de Ciproflox e Moxiflox em relação ao iodo-povidine, para descontaminação dos globos oculares, na metodologia utilizada. Uma possível falha estatística pode ser atribuída ao fato de que não houve controle dos pares dos globos oculares e de sua distribuição entre os grupos. Dos 170 globos oculares estudados, 130 apresentaram culturas positivas, na coleta feita antes dos tratamentos, para pelo menos uma bactéria, antecipando a taxa de contaminação em nossa região de 67% a 80%, com IC95%. Na literatura, os dados de contaminação de globos oculares enucleados variam entre 52 e 100% (Polack et al., 1967; Nash et al., 1991; Mindrup et al., 1993; Gopinathan et al., 1998; Pels; Vrensen; 1999; Tandon et al., 2008). Essa variação na taxa de contaminação pode ser atribuída a diferentes condições em que ocorre a enucleação, por exemplo, ao uso facultativo da irrigação do fundo de saco conjuntival com solução salina, ou instilação de antibióticos. Nenhum dos globos apresentou cultura positiva para fungos. Estudos relatam contaminação por fungos de 0,02% (Pardos; Gallagher, 1982) e 0,78% (Mindrup et al., 1993). Um estudo, que colheu culturas de fundo de saco conjuntival de doadores para captação in situ, encontrou 2% de culturas positivas para fungos (Lindquist et al., 2011). Panda et al. (2006) encontraram 11,5% de contaminação fúngica. A bactéria mais frequentemente encontrada neste estudo foi Sthaphylococcus epidermidis, seguida de bactérias gram negativas, como Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Proteus mirabilis. A comparação das frequências de bactérias encontradas nos globos enucleados com a flora normal de 108 pacientes acompanhados no Ambulatório Geral de Oftalmologia do HCFMRP-USP demonstrou predomínio de espécies de Staphylococcus nas duas amostras, porém os globos 44 Discussão enucleados apresentaram maior proporção de enterobactérias, enteroccocus e pseudomonas (Tabela 9). Tabela 9: Comparação entre a contaminação bacteriana dos globos enucleados com a flora normal de pacientes atendidos no Ambulatório Geral de Oftalmologia do HCFMRP-USP. Família Olhos vivos Olhos enucleados Ficher’s valor de p Staphylococcaceae 78 (66%) 84 (59%) 0,367 Streptococcaceae 14 (12%) 2 (1,5%) 0,001* Pseudomonadaceae 2 (2%) 14 (10%) 0,008* Enterobacteriaceae 13(11%) 30 (22%) 0,029* Enterococcaceae 0 (~0) 5 (4%) 0,027* Bacillaceae 5 (4%) 2 (1,5%) 0,253 Outras bactérias 6 (5%) 2 (1,5%) 0,148 118 139 - Total *diferença estatisticamente significativa com p<0,05. Desde a década de 1960, estudos descrevem a semelhança entre o perfil de bactérias encontradas em olhos de cadáveres doadores e a flora de olhos normais de pessoas vivas. Existem relatos de maior frequência de bactérias gram negativas nos globos enucleados do que entre os olhos de pessoas vivas (Polack et al., 1967; Farrell et al., 1991; Nash et al., 1991; Mindrup et al., 1993; Gopinathan et al., 1998), o que corrobora os dados deste estudo. Outros dois estudos, que avaliaram as bactérias presentes em globos oculares enucleados para doação do órgão, encontraram predomínio de Staphylococcus epidermidis, apresentando 29,1% e 42,8% das culturas positivas; seguido de Pseudomonas aeruginosa, que correspondeu a 18,5%, e 22,9% das culturas (Panda et al., 2006; Tandon et al.; 2008). Tandon et al. (2008) debatem, ainda, sobre a tendência de maior frequência de bactérias gram negativas em Bancos de Olhos que captam globos oculares após 45 Discussão autopsias, em mortuários e enfermarias de hospitais, principalmente de doadores com internação prolongada. Um estudo recente da flora normal analisada por cultura de fundo de saco conjuntival de pessoas saudáveis candidatas à cirurgia de catarata, observou predomínio correspondiam a de todas bactérias as gram espécies positivas. de Dessas, Staphylococcus, 78,6% 7,8% de Corynebacterium e apenas 0,9% de Streptococcus. As bactérias gram negativas constituíram 9,4%, sendo que as Pseudomonas corresponderam a 1,8% do total de culturas positivas (Hsu et al., 2013). Essa variabilidade entre os estudos pode ser atribuída a diferenças regionais de populações de bactérias, de métodos de coleta da cultura e captação do globo ocular. Deve-se considerar que olhos de cadáveres podem sofrer a influência das circunstâncias do óbito, entre internação hospitalar, uso de antibióticos sistêmicos e permanência em ventilação mecânica, o que poderia aumentar a frequência de bactérias gram negativas. Na escolha da metodologia dos experimentos realizados neste estudo, considerou-se o efeito mecânico da imersão dos globos oculares em meios líquidos como possível agente de descontaminação. Este é o motivo pelo qual foi criado o grupo controle. Caso a imersão no caldo de TIO promovesse alguma descontaminação, este método não poderia ser utilizado para a coleta das amostras a serem enviadas para cultura. A Tabela 3 apresenta a classificação e frequência de contaminação bacteriana detectada na primeira coleta (TIO1) e na segunda (TIO2) no Grupo I, ou controle. Nesse grupo, o simples banho com uma substância viscosa como o TIO, fez com que um em 28 olhos sofresse descontaminação, antecipando a taxa de descontaminação na população de globos enucleados de 0 a 18%, em 95% dos casos (IC 95%). A Tabela 4 mostra a classificação e a frequência das bactérias contaminantes antes (TIO1) e depois (TIO2) do tratamento com SF. Neste grupo, a agitação do globo ocular por cinco segundos no SF, fez com que um em 22 olhos sofresse descontaminação, antecipando a taxa de descontaminação na população de globos enucleados de 0 a 23%, em 95% Discussão 46 dos casos (IC 95%). Como o IC deste grupo se sobrepôs ao do grupo anterior, é possível concluir que o SF, do modo como foi usado, teve efeito descontaminante inexpressivo, indistinguível ao do grupo controle. Muitos estudos avaliaram o efeito do SF em diversas situações e apontam um possível efeito benéfico quando utilizado em irrigação com volume corrente após a enucleação. Nessa situação, há descrição de redução da contaminação em 20% (Panda et al., 2006). Possivelmente, o fato de o experimento do presente estudo ter sido realizado com a agitação do globo ocular com pequeno volume de SF (aproximadamente em 10 mL, o suficiente para que cobrisse o globo) em recipiente pequeno e sem escoamento, contribuiu para que não houvesse nenhuma descontaminação. Outro estudo demonstrou aumento da contaminação após a irrigação antes da enucleação (14,4%), tendo como causa hipotética o enxague dos microrganismos perioculares ou que estivessem alojados nas criptas conjuntivais, levando-os para a superfície do globo ocular (Nash et al., 1991). Nos grupos III, IV e V, a eficácia dos tratamentos testados dependia da concentração do fármaco e do tempo de exposição do globo ocular. O PVPI foi utilizado na concentração de 10 mg/mL em virtude de sua alta toxicidade para o tecido corneano em concentrações maiores, considerando-se o tempo de imersão de cinco minutos. Os colírios de antibiótico foram utilizados nas concentrações das fórmulas comerciais já estabelecidas para o uso sobre a superfície ocular. A imersão do globo ocular em colírio de Ciproflox a 3 mg/mL durante dez minutos era utilizada como rotina pelo Banco de Olhos. Devido à hipótese desse tempo ser excessivo, optou-se por tempo de exposição de cinco minutos nos experimentos. A Tabela 5 mostra a classificação e a frequência das bactérias presentes antes (TIO1) e depois (TIO2) do tratamento com PVPI 10 mg/mL. Nesse grupo, a imersão na solução antisséptica fez com que 17 dos 37 globos sofressem descontaminação, antecipando a taxa de descontaminação na população de globos enucleados de 30 a 63%, em 95% dos casos (IC 95%). Pels e Vrensen (1999) avaliaram a penetração do PVPI na córnea e sua toxicidade pela análise de atividade mitocondrial de fibroblastos corneanos, Discussão 47 bem como sua eficácia em diversas concentrações. Foi demonstrado que o PVPI penetra na córnea e pode causar danos aos fibroblastos. Porém, quando utilizado nas concentrações entre 5 mg/mL e 50 mg/mL por dois minutos, não foi observado iodo nas camadas estromais. Os autores sugerem como uso seguro e eficiente do PVPI, na concentração de 5 mg/mL durante dois minutos. Com essa metodologia obtiveram redução da contaminação de 47% de 69 globos testados. Atualmente, existe a tendência de preferência pelo uso do PVPI, em detrimento de outros antibióticos, para a descontaminação dos globos oculares. O PVPI tem sido considerado eficiente também para a descontaminação bacteriana, com redução da contaminação documentada entre 40 e 70%. Além disso, parece possuir a capacidade de atuar contra fungos e vírus. A baixa detecção desses microrganismos na superfície do globo ocular dificulta o estudo de métodos para eliminá-los. Na maioria dos estudos, o PVPI se mostra tão eficaz quanto os antibióticos testados para eliminação de bactérias por banhos de imersão dos globos oculares. Para alguns autores, esse antisséptico foi mais eficiente que o Ciproflox, quando avaliado o seu efeito isolado sobre o Staphylococcus coagulase negativo. Entretanto, essa superioridade não foi estatisticamente significativa para outras bactérias, e os métodos utilizados em todos os estudos que compararam o PVPI com o Ciproflox empregaram irrigação com SF antes ou depois do tratamento, não sendo possível extrair conclusão sobre o efeito isolado do fármaco sobre a contaminação (Nash et al., 1991; Mindrup et al. 1993; Gopinathan et al., 1998; Pels; Vrensen, 1999; Panda et al., 2006). Em estudo prospectivo, Nash et al. (1991) encontraram taxa de descontaminação de 69%, em globos oculares imersos em PVPI a 10 mg/mL por três minutos, mas não compararam com outro método de imersão em antibiótico, apenas com a embebição da gaze da câmara úmida em 5 mL de neomicina, polimixina B e gramicidina. Em outro estudo prospectivo, Mindrup et al. (1993) defendem o uso de PVPI a 50 mg/mL por três minutos para descontaminação do globo ocular, demonstrando redução de 76% das culturas positivas. Entretanto, este valor se refere às ações associadas da imersão em 48 Discussão PVPI e irrigação com SF, que os autores utilizaram antes da coleta da cultura com swab limbar. Além disso, não comparam com nenhum antibiótico. Gopinathan et al. (1998), também realizaram estudo prospectivo para descontaminação de globos oculares, comparando o uso de imersões em PVPI a 50mg/mL, Ciproflox 3 mg/mL e gentamicina 3 mg/mL, todos com duração de exposição de três minutos, e também associaram irrigação com SF após a imersão nas três soluções descontaminantes, antes da coleta da cultura póstratamento com swab limbar. Os autores encontraram taxa de descontaminação de 44% no grupo que utilizou PVPI, 14% no que utilizou Ciproflox e 15% no que usou gentamicina. Houve superioridade estatisticamente significativa do uso do PVPI para descontaminação apenas do Staphylococcus coagulase negativo, o que não ocorreu com outras bactérias. Panda et al. (2006), em estudo prospectivo, analisando 200 globos oculares, compararam PVPI com Ciproflox e verificaram maior descontaminação no grupo do PVPI, porém não estatisticamente significativa. Também associaram a irrigação com SF aos métodos de imersão e utilizaram menor concentração de Ciproflox (0,2%), comparada à utilizada no presente estudo. O PVPI tem se mostrado eficiente para eliminar bactérias gram positivas e ainda serão necessários estudos adicionais para elucidar sua eficiência contra bactérias gram negativas. A Tabela 6 apresenta a classificação e frequência das bactérias contaminantes antes (TIO1) e depois (TIO2) do tratamento com colírio de Ciproflox 3 mg/mL. Nesse grupo, a imersão na solução de antibiótico fez com que os 25 globos tratados fossem descontaminados, antecipando a taxa de descontaminação na população de globos enucleados de 86 a 100%, em 95% dos casos (IC 95%). Este estudo é o único que demonstra o efeito isolado de cada tratamento, sendo observada maior eficiência do Ciproflox, diferente dos achados de Gopinathan et al. (1998) e Panda et al. (2006), que também testaram o antibiótico, conforme descrito anteriormente. 49 Discussão A Tabela 7 apresenta a classificação e frequência das bactérias contaminantes antes (TIO1) e depois (TIO2) do tratamento com colírio de Moxiflox 5 mg/mL. Nesse grupo, a imersão na solução de antibiótico descontaminou os 28 olhos testados, antecipando a taxa de descontaminação na população de globos enucleados de 88 a 100%, em 95% dos casos (IC 95%). Não existem estudos na literatura que tenham testado o Moxiflox como solução descontaminante para imersão do globo ocular. Ritterband et al. (2006) estudaram o Moxiflox como aditivo no meio de preservação Optisol-GS. Compararam o efeito do Optisol-GS convencional, como controle, com o do Optisol-GS fortificado com Moxiflox. Foram avaliadas a redução da contaminação dos botões córneo-esclerais e a toxicidade ao endotélio, utilizando microscopia eletrônica e corantes das células endoteliais. Os autores documentaram que o Moxiflox não causou maior agressão ao endotélio, comparando-o ao controle com o Optisol-GS não fortificado. A taxa de contaminação dos botões córneoesclerais após quatro dias de exposição aos meios de preservação foi menor no grupo que utilizou o Moxiflox. Estudos relacionam a toxicidade das fluoroquinolonas à presença de conservantes, principalmente o cloreto de benzalcônio. Estudos conduzidos In vitro demonstraram menor toxicidade do Moxiflox em relação às outras fluoroquinolonas, por não conter o cloreto de benzalcônio como aditivo (Sosa et al., 2008; Mencucci et al., 2011). Entretanto, considera-se que os experimentos conduzidos in vitro possam ter maior sensibilidade do que estudos in vivo em animais. Além disso, os efeitos deletérios seriam dependentes da presença de defeitos prévios ao epitélio corneano, como erosões, úlceras e abrasões traumáticas. Um fato surpreendente no presente estudo foi a constatação de que algumas bactérias foram eliminadas com a imersão em um antibiótico ao qual não eram, em princípio, susceptíveis, segundo os dados dos antibiogramas que estão descritos na tabela 8. Serão necessários estudos que controlem as possíveis variáveis e que possam explicar essa discrepância entre os resultados dos antibiogramas e o resultado obtido da cultura após o tratamento Discussão 50 com o antibiótico. Entretanto, esses achados induzem à hipótese de que a susceptilidade bacteriana a um antibiótico também pode depender, dentre outras variáveis, do tempo de exposição e da quantidade do fármaco disponível. Panda et al. (2006) consideraram que o tempo de exposição aos antibióticos por 10 minutos pode ter sido insuficiente, pois microorganismos que eram suscetíveis in vitro não foram eliminados. Isto ficou evidente ao avaliarem a gentamicina, que só descontaminou o globo ocular após sua permanência por 48 horas no meio de preservação que tinha este antibiótico na sua composição. Além disso, ao contrário do resultado clínico, que apresentou maior descontaminação com o PVPI, o Ciproflox foi o agente que apresentou maior eficácia nos estudos conduzidos in vitro. 6. Conclusões 52 Conclusões Após a análise dos resultados concluiu-se que: 1. Mesmo com cuidados de antissepsia típicos de uma cirurgia ocular durante o procedimento de enucleação, a taxa de contaminação esperada para a superfície de globos oculares enucleados pode ser elevada. No Serviço de Oftalmologia do HCFMRP-USP existe probabilidade de 95% de que ela varie entre 70 e 90%. 2. As espécies de estafilococos constituíram as bactérias mais frequentemente encontradas na superfície dos globos oculares enucleados no Banco de Olhos do HCFMRP-USP, seguidas das espécies de pseudomonas. A distribuição das bactérias encontradas na superfície dos globos oculares enucleados foi diferente da distribuição da flora normal de olhos de seres humanos vivos. Houve maior proporção de bactérias gram negativas e menor proporção de estreptococos, comparando-se à flora normal. 3. A agitação do globo ocular por cinco segundos em SF foi ineficaz na redução da contaminação da superfície dos globos oculares enucleados. 4. A imersão dos globos oculares por cinco minutos em solução de PVPI a 10 mg/mL antecipou, com probabilidade de 95%, a taxa de descontaminação entre 30 e 60%, desempenho inferior quando comparado aos banhos de imersão com os colírios de Ciproflox e de Moxiflox. 5. Os colírios de Ciproflox 3 mg/mL e Moxiflox 5 mg/mL, na forma de banhos de imersão por cinco minutos, mostraram-se eficazes na descontaminação da superfície de globos oculares enucleados. 7. Referências Bibliográficas Referências Bibliográficas 54 Allen SD, Siders JA, Movler M. 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