Avaliação de métodos de descontaminação de globos oculares em

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO
PAULA TAPIA GOMES PEREIRA
Avaliação de métodos de descontaminação de globos
oculares em Banco de Olhos
RIBEIRÃO PRETO
2013
PAULA TAPIA GOMES PEREIRA
Avaliação de métodos de descontaminação de globos
oculares em Banco de Olhos
Dissertação apresentada à Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo para obtenção do título de
Mestre em Ciências Médicas.
Área de Concentração: Mecanismos
Fisiopatológicos nos Sistemas Visual e
Áudio-Vestibular.
Orientador: Prof. Dr. Sidney Júlio de Faria e Sousa
RIBEIRÃO PRETO
2013
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial desta dissertação, por
qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde
que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
Pereira, Paula Tapia Gomes
Avaliação de métodos de descontaminação de globos oculares em
Banco de Olhos / Paula Tapia Gomes Pereira - Ribeirão Preto,
2013.
59p.: 5il. 30 cm
Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo. Área de Concentração:
Mecanismos Fisiopatológicos nos Sistemas Visual e Áudio
Vestibular.
Orientador: Sousa, Sidney Júlio de Faria e
1. Globos oculares; 2. Descontaminação; 3. Banco de Olhos;
4. Iodo-povidine; 5. Ciprofloxacino; 6. Moxifloxacino.
Aluna: Paula Tapia Gomes Pereira
Título: Avaliação de métodos de descontaminação de globos oculares em
Banco de Olhos.
Dissertação apresentada à Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo para obtenção do título de
Mestre em Ciências Médicas.
Área de Concentração: Mecanismos
Fisiopatológicos nos Sistemas Visual e
Áudio-Vestibular.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. ________________________________________________________
Instituição: ______________________________________________________
Assinatura ______________________________________________________
Prof. Dr. ________________________________________________________
Instituição: ______________________________________________________
Assinatura ______________________________________________________
Prof. Dr. ________________________________________________________
Instituição: ______________________________________________________
Assinatura ______________________________________________________
Dedicatória
Dedico este estudo à minha família, que é meu alicerce.
Especialmente
meu
aos meus pais, Luiz Fernando e Yadira e ao
marido,
Elísio,
que
sempre
me
apoiaram
incondicionalmente.
Dedico também ao meu oritentador, Prof. Dr. Sidney
Júlio de Faria e Sousa, por ser um exemplo de dedicação à
Medicina e à Oftalmologia, pelo seu compromisso com a
verdade e beneficência ao paciente.
Agradecimentos
Agradeço à equipe do Banco de Olhos da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto; Dafne, Solange, Érica, Renata e
Francisco; pela colaboração, apoio e amizade. Agradeço à
Marcela e Liliane, do laboratório de microbiologia desse
hospital, pelo esforço e dedicação.
Resumo
Resumo
PEREIRA, P.T.G. Avaliação de métodos de descontaminação de globos
oculares em Banco de Olhos. 59f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto. 2013.
Objetivos: Avaliar a eficiência de diferentes métodos de descontaminação de
globos oculares humanos, bem como sua taxa de contaminação e traçar o
perfil dos microorganismos contaminantes. Métodos: Cento e setenta globos
oculares enucleados foram divididos aleatoriamente em cinco grupos, sendo
um controle e outros quatro que receberam tratamentos distintos. Foram
colhidas culturas para bactérias e fungos por meio de imersão do globo ocular
em caldo de tioglicolato, antes da imersão na solução descontaminante e
novamente após o tratamento, com imersão em um novo caldo de tioglicolato.
Os grupos foram compostos da seguinte maneira: Grupo I ou controle: coleta
das duas culturas por meio de mergulhos sucessivos em dois recipientes, cada
um contendo 8 mL de caldo de tioglicolato; uma amostra de cada recipiente foi
colhida para análise microbiológica; Grupo II: imersão e agitação do globo em
10 mL de solução fisiológica por cinco vezes consecutivas, no mesmo
recipiente, durante cinco segundos; Grupo III: imersão em 8 mL de solução de
iodo-povidine a 10 mg/mL, durante cinco minutos; Grupo IV: imersão em 8 mL
de colírio de ciprofloxacino a 3 mg/mL, durante cinco minutos; Grupo V:
imersão em 8 mL de colírio de moxifloxacino 5 mg/mL, durante cinco minutos.
Os resultados dos globos com cultura negativa na primeira coleta foram
considerados para o cálculo da taxa de contaminação, mas não para a
avaliação da eficiência dos diferentes tratamentos. Resultados: Dos 170
globos oculares estudados, 130 (76,4%) estavam contaminados com bactérias
na primeira cultura. Não houve crescimento de fungos em nenhuma das
culturas em todo o estudo. As bactérias mais frequentemente encontradas
foram: Staphylococcus epidermidis (presente em 36,6% das culturas positivas);
Staphylococcus aureus (13,6%); Pseudomonas aeruginosa (10,0%) e
Escherichia coli (6,4%). O grupo controle e o grupo tratado com solução
fisiológica não apresentaram redução da taxa de contaminação. O grupo
tratado com iodo-povidine apresentou redução da contaminação em 45,9% das
culturas. Os grupos tratados com ciprofloxacino e moxifloxacino mostraram
ausência de contaminação em todas as culturas positivas antes dos
tratamentos. Conclusões: A taxa de contaminação encontrada foi condizente
com as taxas descritas na literatura. O perfil de bactérias encontradas nos
olhos enucleados foi diferente daquele esperado para a flora normal dos olhos
de seres humanos vivos, devido à maior frequência de bactérias gram
negativas encontradas neste estudo. O simples mergulho dos globos em caldo
de tioglicolato e a imersão e agitação em solução fisiológica não promoveram
nenhuma descontaminação. As imersões em soluções de ciprofloxacino
3 mg/mL e moxifloxacino a 5 mg/mL, por cinco minutos, mostraram-se
eficientes para a descontaminação bacteriana e esses antimicrobianos foram
significativamente superiores ao iodo-povidine a 10 mg/mL por cinco minutos.
Palavras chave: Globos oculares; Descontaminação; Banco de Olhos; Iodopovidine; Ciprofloxacino; Moxifloxacino.
Abstract
Abstract
PEREIRA, P.T.G. Evaluation of ocular globes decontamintion methods in
Eye Bank. 59f. Dissertation (Master) - Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto. 2013.
Purposes: to evaluate the efficiency of different human ocular globes
decontamination methods as well as to determine the contamination rate and
the microbiological profile of these globes. Methods: One hundred and seventy
enucleated ocular globes were randomly divided in five groups, one control
group and other four wich received different treatments. Cultures were collected
by immersion of the globes into thioglycolate broth before and after treatment.
The groups were composed as follows; Group I or control: consecutives
immersions of the globe into two recipients, each one containing 8mL of
thioglycolate broth; Group II: agitation of the globe into 10 mL of saline solution
for 5 times consecutively in the same recipient, during 5 seconds; Group III:
immersion in povidone-iodine 10 mg/mL solution during 5 minutes; Group IV:
immersion in ciprofloxacin 3 mg/mL ophthalmic solution during 5 minutes;
Group V: immersion in moxifloxacin 5 mg/mL ophthalmic solution during 5
minutes. Results: Of the 170 globes studied, 130 were contaminated for at
least one bacteria on the first immersion into the thyoglicolate broth. There was
no fungal growth in any culture collected. The most frequently found bacteria
were Staphylococcus epidermidis (present in 36,6% of the positive cultures),
Staphylococccus aureus (13,0%), Pseudomonas aeruginosa (10,0%), followed
by Escherichia coli (6,4%). The control group and the saline treated group had
no reduction of the contamination rate. The povidone-iodine treated group had a
45,9% bacterial contamination reduction. The ciprofloxacin and moxifloxacin
treated groups had no contamination in all the cultures that were positive before
treatment. Conclusions: The contamination rate found in this study is similar to
those reported in the literature. The contaminant bacteria present in the
enucleated globes were different from the expected for the living human normal
ocular flora because a greater frequence of gram negative microorganisms was
found in this study. The simple immersion of the globes into the thioglycolate
broth and the treatment with saline solution did not promote any
decontamination, whereas the immersion for 5 minutes in ciprofloxacin 3mg/mL
solution and in moxifloxacin 5 mg/mL solution has shown to be efficient for
bacterial decontamination of the globes and these antimicrobial agents were
significantly superior to povidone-iodine 10mg/mL solution for 5 minutes.
Key-words: Ocular globes; Decontamination; Eye Bank; Povidone-iodine;
Ciprofloxacin; Moxifloxacin.
Lista de Figuras
Lista de Figuras
Figura 1: (A) Globo ocular sendo armazenado em câmara úmida. (B)
Globo ocular em avaliação sob biomicroscopia em lâmpada de
fenda...............................................................................................19
Figura 2: (A) Retirada do botão córneo-escleral. (B) Armazenagem do
botão córneo-escleral em meio de preservação .............................22
Figura 3: (A) Trepanação do botão córneo-escleral; (B) Separação do
anel córneo-escleral do enxerto corneano; (C) Enxerto
corneano que será suturado no olho receptor ................................23
Figura 4: Aspecto normal do pós-operatório do transplante de córnea .........24
Figura 5: (A) Experimento sendo realizado com PVPI, 10 mg/mL.
(B) Experimento com Moxifloxacino 5 mg/Ml..................................31
Lista de Tabelas
Lista de Tabelas
Tabela 1:
Dados obtidos dos globos oculares enucleados em todos os
grupos e números de contaminação obtidos no TIO1 ..................34
Tabela 2:
Classificação e frequência das bactérias em 130 globos
oculares contaminados.................................................................35
Tabela 3:
Classificação e frequência das bactérias no grupo não tratado ...36
Tabela 4:
Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do
tratamento com soro fisiológico ....................................................37
Tabela 5:
Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do
tratamento com PVPI a 10 mg/mL................................................38
Tabela 6:
Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do
tratamento com colírio de Ciprofloxacino a 3 mg/mL ...................39
Tabela 7:
Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do
tratamento com colírio de Moxifloxacino 5 mg/mL........................40
Tabela 8:
Cultura e antibiograma de globos oculares que foram
descontaminados apesar das bactérias serem resistentes aos
antibióticos....................................................................................41
Tabela 9: Comparação entre a contaminação bacteriana dos globos
enucleados com a flora normal de pacientes atendidos no
Ambulatório Geral de Oftalmologia do HCFMRP-USP .................44
Lista de Abreviaturas
Lista de Abreviaturas
A-
Ausência de crescimento bacteriano
AIDS-
Sigla em inglês para Acquired Immune Deficiency Syndrome
- Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
Ciproflox-
Ciprofloxacino
EBAA-
Sigla em inglês para Eye Bank Association of America Associação de Banco de Olhos da América.
HCFMRP-USP- Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
HIV-
Vírus da Imunodeficiência Humana
IC-
Intervalo de confiança
Moxiflox-
Moxifloxacino
PVPI-
Solução de iodo-povidine
R-
Resistência ao antibiótico
S-
Sensibilidade ao antibiótico
SF-
Soro fisiológico
SNC-
Sistema nervoso central
TIO-
Tioglicolato
TIO1-
Amostra de tioglicolato colhida antes do tratamento
TIO2-
Amostra de tioglicolato colhida após o tratamento
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................17
2. OBJETIVOS..................................................................................................26
3. MATERIAL E MÉTODOS .............................................................................28
3.1. Amostragem dos globos enucleados ...............................................................29
3.2. Coleta do material para análise........................................................................30
3.3. Análises microbiológicas..................................................................................32
3.4. Análise estatística ............................................................................................32
4. RESULTADOS .............................................................................................33
4.1. Análise por grupos...........................................................................................35
4.1.1 Grupo I: não tratado ................................................................................35
4.1.2 Grupo II: Tratamento com Soro Fisiológico .............................................36
4.1.3 Grupo III: Tratamento com Iodo-povidine a 1% (PVPI)............................37
4.1.4 Grupo IV: Tratamento com colírio de Ciprofloxacino a 0,3% ...................38
4.1.5 Grupo V: Tratamento com colírio de Moxifloxacino 0,5%........................39
5. DISCUSSÃO.................................................................................................42
6. CONCLUSÕES.............................................................................................51
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................53
8. ANEXO .........................................................................................................58
1- Introdução
18
Introdução
As técnicas de transplante de córnea são aplicadas desde o início do
século XX. O progresso das tecnologias que envolvem esses transplantes
contribui para o sucesso dos resultados obtidos pela maioria dos pacientes que
se submetem a este tratamento (Yanoff; Duker, 2004). A córnea é o tecido
mais frequentemente transplantado no mundo e as indicações para o seu
transplante abrangem ampla variedade de doenças que afetam a sua
transparência (Tan et al., 2012). O refinamento nas técnicas de seleção e
preservação do tecido doador, os avanços nos instrumentais cirúrgicos
utilizados e o maior rigor no controle das complicações pós-operatórias,
contribuíram para a melhora dos resultados ópticos (Cvintal, 2004; Yanoff;
Duker, 2004).
As enfermidades corneanas, passíveis de tratamento com o transplante,
não ameaçam a vida do paciente. O transplante de córnea é uma cirurgia
eletiva indicada para pacientes que desejam a reabilitação visual. Isto o
distingue dos transplantes de outros órgãos como rim, pulmão ou coração, nos
quais a indicação cirúrgica é habitualmente feita como último recurso para a
preservação da vida (Vieira Silva et al., 2006). Embora seja considerado um
procedimento seguro e de pequena morbidade, o transplante de córnea, assim
como o de outros órgãos, apresenta riscos de transmissão de doenças e expõe
o receptor a infecções que podem encurtar sua expectativa de vida (Cvintal,
2004). Para minimizar esses riscos e melhorar os resultados dos transplantes
de córnea, os Bancos de Olhos exercem função árdua e minuciosa para o
controle de qualidade dos tecidos a serem doados.
Os Bancos de Olhos possuem equipes de profissionais que recebem os
comunicados de óbito e acionam sua central de trabalho. Funcionários
treinados abordam a família da pessoa falecida para solicitar a autorização
para a retirada dos olhos. Uma vez obtido o consentimento familiar, procede-se
à etapa de captação dos globos oculares. Estes são enucleados com os
cuidados
de
esterilidade
próprios
das
cirurgias
oftalmológicas,
independentemente do local onde o procedimento é realizado. Em seguida, os
globos são colocados em câmara úmida, um recipiente com tampa, estéril, de
19
Introdução
volume suficiente para conter um globo ocular, com fundo revestido por
chumaço de gaze saturado de soro fisiológico (SF) (Figura 1). Desse modo, os
globos oculares são transportados ao laboratório do Banco de Olhos, onde
serão examinados. (Filatov, 1935; Panda et al., 2005; EBAA, 2012).
A
B
Figura 1: (A) Globo ocular sendo armazenado em câmara úmida. (B) Globo ocular em
avaliação sob biomicroscopia em lâmpada de fenda.
Existem três princípios que regem o controle de qualidade do tecido
doado: transparência, vitalidade e inocuidade. A transparência da córnea é
avaliada no globo ocular íntegro, em câmara úmida, com o auxílio de uma
lâmpada de fenda, com aumento de 10 vezes, em exame minucioso realizado
por profissionais capacitados do Banco de Olhos. Vitalidade é a propriedade da
córnea em manter-se desidratada e transparente no leito hospedeiro, o que
depende da integridade funcional do endotélio corneano. A função dessa
camada de células pode ser indiretamente avaliada morfologicamente, com
auxílio da microscopia especular (Escapini Jr et al., 1979).
A seleção das córneas, segundo os critérios de inocuidade, baseia-se na
análise
dos
exames
sorológicos
para
detecção
da
Síndrome
da
20
Introdução
Imunodeficiência Adquirida (AIDS), hepatite B e C, além da avaliação do
prontuário médico do doador. Em seu manual de procedimentos e condutas, a
Associação Americana de Banco de Olhos (EBAA) sugere que os Bancos de
Olhos considerem uma lista de condições potencialmente perigosas para a
transmissão de moléstias através do enxerto de córnea. Elas podem ser
resumidas em seis categorias: 1) exposição prévia do doador a condições
favoráveis à contaminação da superfície ocular (imunossupressão, terapia
intensiva, pneumonia e septicemia); 2) infecção pelo Vírus da Imunodeficiência
Humana (HIV), história de exposição a drogas; 3) hepatites de origem
infecciosa, presumivelmente infecciosa, ou insuficientemente caracterizadas; 4)
doenças
do
sistema
nervoso
central
(SNC)
de
origem
infecciosa,
presumivelmente infecciosa, ou insuficientemente caracterizada; 5) neoplasias
do sangue ou do sistema linfático; 6) neoplasias oculares ou de órbita. Essa
lista também inclui condições oculares como: cirurgias oculares prévias,
glaucoma, uveítes de repetição ou história de quaisquer condições que, apesar
de não transmissíveis, possam prejudicar a vitalidade ou transparência do
enxerto (EBAA, 2012).
As enfermidades comprovadamente transmissíveis pelo transplante de
córnea são: hepatite B, raiva, doença de Creutzfeldt-Jakob e retinoblastoma
(Mata, 1939; Houff et al., 1979; Gandhi et al 1981; Javadi et al., 1996; Hoft et
al., 1997; Hammersmith et al., 2004; Maddox et al., 2008). Embora não haja
comprovação da transmissão da hepatite C e AIDS, essas doenças constituem
contraindicações absolutas para o uso das córneas em transplantes, devido a
sua gravidade. Há relatos de transplantes realizados inadvertidamente com
tecido de portadores assintomáticos do HIV. Os receptores de órgãos sólidos
contraíram o vírus, enquanto que os receptores das córneas continuaram
soronegativos (Schwarz et al., 1987; Simonds et al., 1992). Entretanto, o vírus
HIV e o da hepatite C foram isolados a partir de córneas de indivíduos
portadores desses vírus (Salahuddin et al., 1986; Lee et al., 2001).
Passada a etapa de seleção do doador e avaliação da transparência e
vitalidade da córnea, persistirá ainda uma preocupação relacionada ao risco de
21
Introdução
infecção pós-transplante, que pode ter como origem a contaminação do tecido
doador. A taxa de contaminação bacteriana da superfície de globos oculares
enucleados
que
não
foram
submetidos
a
qualquer
tratamento
para
descontaminação, varia em torno de 80% (Wilson; Bourne, 1989; Vieira Silva et
al., 2006), podendo chegar a 100% (Polack et al., 1967). Quanto à taxa de
contaminação por fungos, encontram-se na literatura relatos de valores que
variam de zero a 11,5 (Pardos; Gallagher, 1982; Mindrup et al., 1993; Panda et
al., 2006; Lindquist et al., 2011). Estudos anteriores observaram associação
entre a presença de contaminação do tecido corneano a ser transplantado,
verificado por cultura coletada de material obtido na cirurgia do transplante,
com maior ocorrência de endoftalmite (Leveille et al., 1983; Antonios et al.,
1991; Rehany et al., 2004).
A infecção do enxerto corneano pode acarretar falência do transplante,
úlceras corneanas, endoftalmite, maior chance de rejeição, perda definitiva da
visão e ameaça da integridade do globo ocular. Os agentes contaminantes
consistem em bactérias, fungos e vírus, com relatos de transmissão do doador
para o receptor do enxerto (Houff et al., 1979; Wilson; Bourne, 1989; Kloess et
al., 1993; Javadi et al., 1996; Hammersmith et al., 2004). A incidência de
endoftalmite, descrita na literatura, é de 0,1% (Polack et al., 1967; Pardos;
Gallagher, 1982). Apesar da sua ocorrência rara, esta complicação continua
sendo motivo de preocupação devido as suas consequências catastróficas
para o globo ocular.
As causas da infecção podem estar relacionadas com fatores préoperatórios, contaminação inadvertida durante a cirurgia, contaminação de
origem palpebral e condições de higiene do paciente receptor no pósoperatório. A atuação dos Bancos de Olhos pode interferir no controle dos
fatores predisponentes pré-operatórios. A contaminação por bactérias pode ser
reduzida para 2,4 a 61%, com a imersão do globo ocular íntegro em soluções
contendo antibióticos (Polack et al., 1967), ou antissépticos (Nash et al., 1991;
Gopinathan et al., 1998; Panda et al., 2006).
22
Introdução
A descontaminação é feita com o globo ocular íntegro, porque ainda não
existem estudos que comprovem a resistência do endotélio corneano à
exposição
aos
colírios
oftálmicos
ou
antissépticos,
preparados
em
concentrações para uso sobre a superfície ocular.
Durante as avaliações do tecido no Banco de Olhos, ao se considerar
que o globo ocular armazenado na câmara úmida está próprio para o
transplante, inicia-se uma nova etapa, denominada preservação da córnea.
Nesta etapa, a córnea é separada do globo ocular, sendo retirada juntamente
com uma borda de esclera para sua proteção (Figura 2). Esta nova peça
anatômica chama-se botão córneo-escleral e, em seguida, será armazenada
em um recipiente de vidro estéril contendo meio de preservação. Este meio é
um líquido que fornece nutrientes para a córnea manter sua vitalidade e que
também contém antibióticos. Neste ambiente, a córnea está pronta para ser
transplantada e pode permanecer por um período variável, entre um e 14 dias,
dependendo da demanda e da logística dos centros que executam os
transplantes. A preservação do botão córneo-escleral é realizada em condições
assépticas, em capela de fluxo laminar. Imediatamente antes do seu início, é
possível submeter o globo ocular a um tratamento para reduzir a taxa de
contaminação (EBAA, 2012).
A
B
Figura 2: (A) Retirada do botão córneo-escleral. (B) Armazenagem do botão córneoescleral em meio de preservação.
23
Introdução
O uso de meios de preservação que contenham antibióticos também
pode contribuir para a redução da taxa de contaminação da superfície dos
botões córneo-esclerais (Leveille et al., 1983; Antonios et al., 1991; Farrell et
al., 1991). Ainda assim, após a permanência no meio de preservação, os
botões córneo-esclerais apresentam taxa de infecção de 11 a 39% (Mathers;
Lemp, 1987; Antonios et al., 1991; Farrell et al., 1991; Rehany et al., 2004).
Na sala cirúrgica, a córnea é separada do botão córneo-escleral por
meio de um trépano circular, que corta uma circunferência central da córnea
formando um disco de diâmetro que pode variar de 7 a 9 mm. Este é o enxerto
corneano, o tecido que será efetivamente transplantado e suturado no olho
receptor (Figuras 3 e 4).
A
B
C
Figura 3: (A) Trepanação do botão córneo-escleral; (B) Separação do anel córneoescleral do enxerto corneano; (C) Enxerto corneano que será suturado no
olho receptor.
Introdução
24
Figura 4: Aspecto normal do pós-operatório do transplante de córnea.
O tecido restante passa a se chamar anel córneo-escleral. Alguns
bancos de olhos, inclusive o Banco de Olhos do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), optam
por enviar os anéis córneo-esclerais, provindos das cirurgias de transplantes
realizadas neste hospital, com a finalidade de controlar o nível de
contaminação dos botões córneo-esclerais fornecidos pelo Banco. Ocorre,
entretanto, que eles são indicadores indiretos desse parâmetro, uma vez que o
tecido ficou exposto ao antibiótico contido no meio de preservação tecidual.
Diante das altas taxas de contaminação dos globos que chegam aos
Bancos de Olhos, da dificuldade em se obter um método confiável de controle
de esterilidade do tecido a ser doado e da gravidade do quadro clínico de uma
infecção do enxerto, seja na forma de úlcera corneana ou endoftalmite, tornase imprescindível que o Banco de Olhos dispenda todo o esforço possível para
descontaminar os tecidos pelos quais é responsável.
Existem diferentes métodos de descontaminação do globo enucleado:
lavagem simples com SF, banho com antissépticos como iodo-povidine (PVPI)
e antibióticos, ou a combinação de todos eles (Mata, 1939; Salahuddin et al.,
1986). Ainda não existe consenso sobre qual seria o método mais eficaz para
25
Introdução
tal finalidade. As diretrizes da Associação Americana de Banco de Olhos,
revisadas em 2008 (EBAA, 2012), sugerem o uso da imersão dos globos
oculares enucleados em solução de antibiótico. Alguns estudos defendem o
uso do antisséptico iodo-povidine, devido ao seu baixo custo, amplo espectro
de ação contra fungos, bactérias, vírus e protozoários; além da sua baixa
toxicidade para o epitélio corneano (Gopinathan et al., 1998; Pels; Vrensen,
1999; Panda et al., 2006).
O Banco de Olhos do HCFMRP-USP estabeleceu em seu protocolo de
condutas, o uso do banho de imersão do globo ocular em colírio de
Ciprofloxacino (Ciproflox) 3 mg/mL por 10 minutos. O Ciproflox é um antibiótico
que faz parte da segunda geração da classe das quinolonas, que tem sido
aprimorada desde a década de 1960 e atualmente compõe-se de quatro
gerações de fármacos bactericidas, de espectro cada vez mais amplo e de boa
penetração nos tecidos oculares (Oliphant; Green, 2002; Miller, 2008).
A primeira geração, atualmente utilizada com pouca frequência, oferece
cobertura contra bactérias gram negativas e é indicada em infecções do trato
urinário baixo. Os derivados fluorados do ácido nalidíxico deram origem às
fluoroquinolonas
Iomefloxacino),
de
segunda
terceira
geração
geração
(Ofloxacino,
(Levofloxacino)
e
Ciprofloxacino
quarta
e
geração
(Moxifloxacino e Gatifloxacino) (Silva, 2012).
À medida que evoluíram, as fluoroquinolonas tiveram seu espectro
ampliado, inicialmente com cobertura para bactérias gram negativas e ação
restrita para bactérias gram positivas, nos fármacos de segunda geração; até a
situação atual de boa cobertura para as bactérias gram negativas e positivas,
ação contra micobactérias atípicas e bactérias anaeróbias e nos fármacos de
quarta geração, como o Moxifloxacino (Moxiflox) (Oliphant; Green, 2002).
Com o advento de fórmulas comerciais de colírios das novas
fluoroquinolonas, de maior espectro de ação e menor toxicidade, somando-se
ao conhecimento de estudos que apontavam o PVPI como opção de fármaco
utilizado na descontaminação dos globos oculares, decidiu-se realizar um
estudo prospectivo para avaliar as taxas de descontaminação promovidas por
diferentes soluções que pudessem ser aplicadas sobre a superfície de globos
oculares.
2- Objetivos
27
Objetivos
Os objetivos deste estudo foram avaliar a taxa de contaminação dos
globos oculares enucleados pelo Banco de Olhos da HCFMRP-USP e também
o perfil dos microorganismos que contaminam esses globos oculares. Além
disso,
analisar
a
eficiência
dos
seguintes
métodos
propostos
para
descontaminação dos globos oculares: imersão e agitação do globo ocular em
SF, imersão em solução aquosa de iodo-povidine, em colírio de Ciproflox e de
Moxiflox.
3. Material e Métodos
29
Material e Métodos
3.1 Amostragem dos globos enucleados
Foram estudados 170 globos oculares, considerados inviáveis para o
transplante de córnea, segundo os critérios de seleção adotados pelo Banco de
Olhos do HCFMRP-USP. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa desta Instituição Proc. nº 13419/2009 (Anexo).
A enucleação de cada globo ocular foi realizada pela equipe do Banco
de Olhos. O procedimento era realizado após assepsia das pálpebras com
iodo-povidine a 100 mg/mL e utilizando-se campo, paramento e material
cirúrgico estéril. O saco conjuntival era amplamente irrigado com SF antes da
retirada do orgão. Cada globo ocular enucleado era acondicionado em câmara
úmida e transportado ao Banco de Olhos, em caixa térmica, à temperatura de
4ºC. Após ser analisado e considerado inapto para transplante, o globo era
armazenado em geladeira a 4ºC até a realização do experimento, com intervalo
de até 72 horas. Foram excluídos globos com sinais macroscópicos de
infecção na sua superfície, como úlceras corneanas, necrose conjuntival ou
escleral.
Os tratamentos propostos para a descontaminação dos globos oculares
consistiram em: efeito mecânico da imersão do globo ocular em SF; imersão
completa deste durante cinco minutos nas soluções de PVPI a 10 mg/mL;
colírio de Ciproflox a 3 mg/mL e de Moxiflox a 5 mg/mL.
Para demonstrar a eficiência de cada tratamento em reduzir a
contaminação da superfície do globo ocular, foram colhidas culturas antes e
depois da imersão do globo na solução descontaminante, com exceção dos
globos que fizeram parte do grupo controle, dos quais foram apenas colhidas
culturas, sem o tratamento interposto. Os globos foram distribuídos
aleatoriamente em cinco grupos, com as seguintes características:
Grupo I:
Controle, não tratados; apenas coleta de cultura por meio da
imersão em caldo de tioglicolato (TIO) (BD Thioglycollate
Medium®, BD- Interlab distribuidora, São Paulo-SP).
30
Material e Métodos
Grupo II:
Imersão do globo ocular em SF estéril (Cloreto de Sódio
0,9%, Farmace, Barbalha-CE) por cinco vezes consecutivas
durante cinco segundos;
Grupo III: Imersão do globo ocular em solução de iodo-povidine a
10 mg/mL* (Riodeine®, Rioquímica, São José do Rio PretoSP) durante cinco minutos;
Grupo IV: Imersão do globo ocular em colírio de Ciproflox 3 mg/mL
(Ciloxan®, Alcon, São Paulo-SP) durante cinco minutos;
Grupo V:
Imersão do globo ocular em colírio de Moxiflox 5 mg/mL
(Vigamox®, Alcon, São Paulo-SP), durante cinco minutos.
O iodo-povidine foi diluído da concentração original do Riodine® de 100
mg/mL para 10 mg/mL, utilizando água destilada estéril.
3.2 Coleta do material para análise
O material para cultura foi colhido por meio da imersão do globo ocular
em um recipiente estéril contendo caldo de TIO. Este é um meio líquido
utilizado em microbiologia para transporte e cultivo de microorganismos
anaeróbios e aeróbios (Allen et al., 1985). Após esse contato, o globo era
retirado do recipiente. O caldo de TIO remanescente, supostamente
contaminado, era aspirado com agulha e seringa estéreis e transferido para um
tubo de ensaio também estéril. Este tubo era codificado e enviado ao
Laboratório de Microbiologia do HCFMRP-USP, Departamento de Clínica
Médica / Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço.
Em todos os grupos, as culturas eram colhidas antes e depois de cada
tratamento em experimento. A primeira imersão em caldo de TIO foi
denominada TIO1 e a segunda imersão, após o tratamento, TIO2. Devido à
possibilidade de ocorrer efeito mecânico de descontaminação do globo ocular,
induzido pela simples imersão no caldo de TIO, foi criado o grupo controle, no
31
Material e Métodos
qual foram colhidas as duas culturas, TIO1 e TIO2, sem a interposição do
tratamento.
Nos grupos II, III, IV e V, o experimento foi realizado com o uso de três
recipientes estéreis (Figura 5). Um recipiente destinado à primeira imersão do
globo ocular no caldo de TIO, TIO1; um segundo, à imersão na solução de
tratamento correspondente a cada grupo e o terceiro, à última imersão em
caldo de TIO TIO2.
Todas as imersões dos globos oculares foram realizadas em ambiente
asséptico e câmara de fluxo laminar. Entre as sucessivas imersões,
aguardavam-se alguns segundos para o escoamento do excesso de líquido
proveniente da solução anterior.
No grupo controle, foram utilizadas pinças distintas para a colocação e
retirada do globo no caldo de TIO. Nos grupos que receberam tratamento, a
ponta da pinça que manipulava o globo também era mergulhada no meio de
tratamento em estudo.
A
B
Figura 5: (A) Experimento sendo realizado com PVPI, 10 mg/mL.
(B) Experimento com Moxifloxacino 5 mg/mL.
Material e Métodos
32
3.3 Análises microbiológicas
Os tubos de ensaio eram identificados de modo que os técnicos do
laboratório não obtivessem informações sobre qual tratamento havia sido
processado nas amostras.
Os meios de TIO foram semeados em ágar sangue, chocolate e
Saboraud. A identificação das bactérias e os testes de sensibilidade aos
antibióticos foram realizados pelo "Laboratory Testing System VITEK 2
(bioMérieux, Durham, USA)" e, quando necessário, complementados por
métodos não automatizados, por análise visual das colônias e o antibiograma
pelo método de discos de difusão de Kirby-Bauer.
3.4 Análise estatística
Os resultados obtidos das análises microbilógicas de cada grupo foram
submetidos ao teste estatístico de McNemar, para variáveis categóricas,
usando o programa Stata (Stata®, Stata Corp, College Station - USA). Foi
utilizado intervalo de confiança (IC) de 95%, sendo considerado resultado
significativo quando p<0,05.
4. Resultados
34
Resultados
Dos 170 globos oculares estudados, 130 apresentaram culturas
positivas para pelo menos uma bactéria, configurando uma taxa de
contaminação de 76,4%. Todas as culturas foram negativas para fungos.
O número de globos experimentais foi diferente entre os cinco grupos
porque, apesar de todos os grupos conterem 34 globos avaliados, alguns
desses globos não estavam contaminados, o que inutilizou o experimento. Os
resultados dos globos com culturas negativas em TIO1 foram considerados
apenas para a avaliação da taxa de contaminação (Tabela 1).
Tabela 1: Dados obtidos dos globos oculares enucleados em todos os grupos e
números de contaminação obtidos no TIO1.
Número total
de globos
examinados
Número de
globos
contaminados
Ausência de
crescimento
Crescimentos
Isolados
Crescimentos
Múltiplos
Controle
34
26
8
24
2
Soro Fisiológico
34
21
13
21
0
PVPI
34
32
2
27
5
Ciprofloxacino
34
25
9
25
0
Moxifloxacino
34
26
8
24
2
Total
170
130
40
117
9
Tratamento
As bactérias mais frequentes identificadas nas culturas positivas de TIO1
foam: Staphylococcus epidermidis (36,6%), Staphylococcus aureus (13,6%),
Pseudomonas
aeruginosa
(10,0%),
Escherichia
coli
(6,4%),
Klebsiella
pneumoniae (5,7%) e Proteus mirabilis (5,0%), conforme demonstrado na
Tabela 2.
35
Resultados
Tabela 2: Classificação e frequência das bactérias em 130 globos oculares
contaminados.
Família
Staphylococcaceae
Gênero
Staphyloccocus
Espécie
Frequência
aureus
19
capitis
2
epidermidis
51
haemolyticus
5
hominis
2
intermedius
1
lugdunensis
1
schleiferi
1
warneri
2
%
60%
Streptococcaceae
Streptococus
pneumoniae
2
1,5%
Pseudomonaceae
Pseudomonas
aeruginosa
14
10%
aerogenes
3
cloaceae
2
Escherichia
coli
9
Klebsiella
pneumoniae
8
Proteus
mirabilis
7
Providencia
stuartii
1
Enterococcaceae
Enteroccocus
faecalis
5
4%
Moraxellaceae
Acinetobacter
baumanii
2
1,5%
Bacillaceae
Bacillus
subtilis
2
1,5%
Enterobacter
Enterobacteriaceae
Total
22%
139
4.1 Análise por grupos
4.1.1 Grupo I: não tratado
Dos 34 globos testados como grupo controle, 26 (76,4%) apresentaram
contaminação. Foi detectada presença de 28 culturas positivas para bactérias,
com predomínio da espécie Staphylococcus aureus (35,7%), seguida de
Staphylococcus epidermidis (32,1%) e Enterococcus faecalis (10,7%). As
bactérias encontradas na primeira imersão em TIO1 se repetiram em TIO2,
exceto em um dos globos, que apresentou a primeira cultura positiva para
36
Resultados
Staphylococcus warneri e a segunda mostrou resultado negativo (Tabela 3).
Tabela 3: Classificação e frequência das bactérias no grupo não tratado.
Família
Microorganismo
Não tratados
TIO1
TIO2
Staphylococcus aureus
10
10
Staphylococcus epidermidis
9
9
Staphylococcus haemolyticus
1
1
Staphylococcus hominis
1
1
Staphylococcus intermedius
1
1
Staphylococcus warneri
1
0
Pseudomonaceae
Pseudomonas aeruginosa
1
1
Enterococcaceae
Enterococcus faecalis
3
3
Bacillaceae
Bacillus subtilis
1
1
28
27
Staphylococcaceae
Total
O ICde 95% da taxa de descontaminação pelo tratamento variou de 0% a 18%.
4.1.2 Grupo II: Tratamento com Soro Fisiológico
Dos 34 globos testados neste grupo, 21 estavam contaminados (61,7%).
A frequência das espécies de bactérias detectadas neste grupo mostrou
predomínio de Staphylococcus epidermidis (57,1%), Klebsiella pneumoniae
(14,2%), Pseudomonas aeruginosa (9,5%) e Staphylococcus haemolyticus
(9,5%). Nas culturas colhidas após o banho em SF, foram encontradas as
mesmas espécies de bactérias, não havendo, portanto, descontaminação.
Apenas um dos globos apresentou crescimento positivo para Staphylococcus
epidermidis, detectada apenas antes do tratamento (Tabela 4).
37
Resultados
Tabela 4: Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do tratamento com
soro fisiológico.
Família
SF
Microorganismo
TIO1
TIO2
Staphylococcus aureus
1
1
Staphylococcus epidermidis
12
11
Staphylococcus haemolyticus
2
2
Staphylococcus schleiferii
1
1
Enterobacteriaceae
Klebsiella pneumoniae
3
3
Pseudomonaceae
Pseudomonas aeruginosa
2
2
21
20
Staphylococcaceae
Total
O IC de 95% da taxa de descontaminação pelo tratamento variou de 0% a 23%.
4.1.3 Grupo III: Tratamento com Iodo-povidine a 10 mg/mL
Dos 34 globos testados neste grupo, 32 estavam contaminados (94,1%),
apresentando 37 culturas positivas. Houve predominância de Staphylococcus
epidermidis (27,0%), Escherichia coli (16,2%), Proteus mirabilis (10,8%),
Klebsiella pneumoniae (8,1%) e Pseudomonas aeruginosa (8,1%). As
Staphylococcaceae
contaminantes;
as
corresponderam
a
Enterobacteriaceae
40,5%
e
dos
microrganismos
Enterococcaceae,
juntas,
corresponderam a 48,6% e as Pseudomonaceae a 8,1% do total das bactérias.
Das 37 culturas positivas em TIO1, 17 apresentaram-se negativas em TIO2,
evidenciando redução da taxa de contaminação em 45,9% dos exames.
Entre as Staphylococcaceae, o PVPI foi capaz de negativar 11 das 15
culturas que se encontravam positivas em TIO1 (redução de 73%). Entretanto,
em relação às Enterobacteriaceae, apenas seis culturas, dentre as 17 positivas
em TIO1, se tornaram negativas em TIO2 (redução de 35%). Em três casos
houve cultura positiva para Pseudomonas aeruginosa em TIO1 e nenhum deles
foi convertido para negativo em TIO2 (Tabela 5).
38
Resultados
Tabela 5: Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do tratamento com
PVPI a 10 mg/mL.
Família
Microorganismo
PVPI
TIO1
TIO2
Staphylococcus aureus
2
1
Staphylococcus capitis
1
0
Staphepidermidis
10
3
Staphylococcus haemolyticus
1
0
Staphylococcus lugdunensis
1
0
Enterobacter aerogenes
2
1
Enterobacter cloaceae
1
1
Escherichia coli
6
4
Klebsiella pneumoniae
3
3
Proteus mirabilis
4
1
Providencia stuarti
1
1
Enterococcaceae
Enterococcus faecalis
1
1
Pseudomonaceae
Pseudomonas aeruginosa
3
3
Moraxellaceae
Acinetobacter baumannii
1
1
37
20
Staphylococcaceae
Enterobacteriaceae
Total
O IC de 95% da taxa de descontaminação pelo tratamento variou de 30% a 63%.
4.1.4 Grupo IV: Tratamento com colírio de Ciprofloxacino a 3 mg/mL
Dos 34 globos oculares testados neste grupo, 25 se apresentaram
contaminados (73,5%). Em todas as culturas positivas houve crescimento de
microrganismos isolados. Todos os globos contaminados na primeira cultura se
converteram em culturas negativas na segunda coleta. Nesta amostragem,
comparando-se os resultados de TIO1 e TIO2, houve descontaminação de
todos os globos. Foi observada distribuição de microrganismos semelhante ao
grupo tratado com PVPI, sendo 40,0% compostas por Staphylococcaceae, 32%
por Enterobacteriaceae e Enterococcaceae juntas e 12% por Pseudomonaceae
(Tabela 6).
39
Resultados
Tabela 6: Classificação e frequência das bactérias, antes e depois do tratamento com
colírio de Ciprofloxacino a 3 mg/mL.
Família
Microorganismo
Ciprofloxacino
TIO1
TIO2
Staphylococcus aureus
3
0
Staphylococcus capitis
1
0
Staphylococcus epidermidis
6
0
Enterobacter aerogenes
1
0
Enterobacter cloaceae
1
0
Escherichia coli
3
0
Klebsiella pneumoniae
1
0
Proteus mirabilis
1
0
Pseudomonaceae
Pseudomonas aeruginosa
3
0
Enterococcaceae
Enteroccocusfaecalis
1
0
Streptoccocaeae
Streptopneumoniae
2
0
Moraxellaceae
Acinetobacter baumannii
1
0
Bacillaceae
Bacillussubtilis
1
0
25
0
Staphylococcaceae
Enterobacteriaceae
Total
O IC de 95% da taxa de descontaminação pelo tratamento variou de 86% a 100%.
4.1.5 Grupo 5: Tratamento com colírio de Moxifloxacino a 5 mg/mL
Neste grupo foram testados 34 globos, e 26 se mostraram contaminados
(76,4%),
correspondendo
a
28
culturas
positivas.
Todos
os
globos
contaminados na primeira imersão em TIO1 apresentaram resultados negativos
nas culturas colhidas após o tratamento. As Staphylococcaceae constituíram
71,4%
dos
agentes
contaminantes,
Enterobacteriaceae 10,7% (Tabela 7).
Pseudomonaceae
17,8%
e
40
Resultados
Tabela 7: Classificação e frequência das bactérias antes e depois do tratamento com
colírio de Moxifloxacino 5 mg/mL
Família
Staphylococcaceae
Enterobacteriaceae
Pseudomonaceae
Total
Microorganismo
Moxifloxacino
TIO1
TIO2
Staphylococcus aureus
3
0
Staphylococcus epidermidis
14
0
Staphylococcus haemolyticus
1
0
Staphylococcus hominis
1
0
Staphylococcus warnerii
1
0
Klebsiella pneumoniae
1
0
Proteus mirabilis
2
0
Pseudomonas aeruginosa
5
28
0
0
O IC de 95% da taxa de descontaminação pelo tratamento variou de 88% a 100%.
O Gráfico 1 apresenta o resumo dos resultados por grupos.
Gráfico 1: Número de culturas com resultado positivo antes e depois dos tratamentos
em cada grupo da pesquisa.
41
Resultados
Nos grupos IV e V, as bactérias detectadas em TIO1, tornaram-se
ausentes em TIO2. O antibiograma de algumas dessas bactérias apresentaram
resultados de resistência para o antibiótico utilizado no experimento (Tabela 8).
Tabela 8: Cultura e antibiograma de globos oculares que foram descontaminados
apesar de as bactérias serem resistentes aos antibióticos.
Tratamento
Ciproflox.
Moxiflox.
TIO1
TIO2
Ciproflox.
Moxiflox.
Klebsiella pneumoniae
A
R
R
Pseudomonas aeruginosa
A
R
R
Pseudomonas aeruginosa
A
R
R
Staphylococcus aureus
A
R
R
Staphylococcus capitis
A
R
R
Staph epidermidis
A
R
R
Pseudomonas aeruginosa
A
R
R
Pseudomonas aeruginosa
A
R
R
Staphylococcus aureus
A
R
R
Staphylococcus aureus
A
R
R
Staphylococcus epidermidis
A
R
R
Staphylococcus epidermidis
A
R
R
Staphylococcus epidermidis
A
R
R
Staphylococcus epidermidis
A
R
R
Staphylococcus epidermidis
A
R
R
Staphylococcus haemolyticus
A
R
R
Staphylococcus hominis
A
S
R
TIO= Caldo de Tioglicolato; Ciproflox.= Ciprofloxacino; Moxiflox.= Moxifloxacino; A=
Ausência de crescimento na cultura; R: Resistência ao antibiótico; S: Sensilidade ao
antibiótico.
5. Discussão
43
Discussão
Neste estudo observou-se taxa de contaminação dos globos oculares
enucleados semelhante à descrita na literatura. Entre os grupos estudados, foi
encontrada superioridade dos colírios de Ciproflox e Moxiflox em relação ao
iodo-povidine, para descontaminação dos globos oculares, na metodologia
utilizada.
Uma possível falha estatística pode ser atribuída ao fato de que não
houve controle dos pares dos globos oculares e de sua distribuição entre os
grupos.
Dos 170 globos oculares estudados, 130 apresentaram culturas
positivas, na coleta feita antes dos tratamentos, para pelo menos uma bactéria,
antecipando a taxa de contaminação em nossa região de 67% a 80%, com
IC95%. Na literatura, os dados de contaminação de globos oculares
enucleados variam entre 52 e 100% (Polack et al., 1967; Nash et al., 1991;
Mindrup et al., 1993; Gopinathan et al., 1998; Pels; Vrensen; 1999; Tandon et
al., 2008). Essa variação na taxa de contaminação pode ser atribuída a
diferentes condições em que ocorre a enucleação, por exemplo, ao uso
facultativo da irrigação do fundo de saco conjuntival com solução salina, ou
instilação de antibióticos.
Nenhum dos globos apresentou cultura positiva para fungos. Estudos
relatam contaminação por fungos de 0,02% (Pardos; Gallagher, 1982) e 0,78%
(Mindrup et al., 1993). Um estudo, que colheu culturas de fundo de saco
conjuntival de doadores para captação in situ, encontrou 2% de culturas
positivas para fungos (Lindquist et al., 2011). Panda et al. (2006) encontraram
11,5% de contaminação fúngica.
A
bactéria
mais
frequentemente
encontrada
neste
estudo
foi
Sthaphylococcus epidermidis, seguida de bactérias gram negativas, como
Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Proteus
mirabilis. A comparação das frequências de bactérias encontradas nos globos
enucleados com a flora normal de 108 pacientes acompanhados no
Ambulatório Geral de Oftalmologia do HCFMRP-USP demonstrou predomínio
de espécies de Staphylococcus nas duas amostras, porém os globos
44
Discussão
enucleados apresentaram maior proporção de enterobactérias, enteroccocus e
pseudomonas (Tabela 9).
Tabela 9: Comparação entre a contaminação bacteriana dos globos enucleados com
a flora normal de pacientes atendidos no Ambulatório Geral de Oftalmologia
do HCFMRP-USP.
Família
Olhos vivos
Olhos enucleados
Ficher’s valor de p
Staphylococcaceae
78 (66%)
84 (59%)
0,367
Streptococcaceae
14 (12%)
2 (1,5%)
0,001*
Pseudomonadaceae
2 (2%)
14 (10%)
0,008*
Enterobacteriaceae
13(11%)
30 (22%)
0,029*
Enterococcaceae
0 (~0)
5 (4%)
0,027*
Bacillaceae
5 (4%)
2 (1,5%)
0,253
Outras bactérias
6 (5%)
2 (1,5%)
0,148
118
139
-
Total
*diferença estatisticamente significativa com p<0,05.
Desde a década de 1960, estudos descrevem a semelhança entre o
perfil de bactérias encontradas em olhos de cadáveres doadores e a flora de
olhos normais de pessoas vivas. Existem relatos de maior frequência de
bactérias gram negativas nos globos enucleados do que entre os olhos de
pessoas vivas (Polack et al., 1967; Farrell et al., 1991; Nash et al., 1991;
Mindrup et al., 1993; Gopinathan et al., 1998), o que corrobora os dados deste
estudo.
Outros dois estudos, que avaliaram as bactérias presentes em globos
oculares enucleados para doação do órgão, encontraram predomínio de
Staphylococcus epidermidis, apresentando 29,1% e 42,8% das culturas
positivas; seguido de Pseudomonas aeruginosa, que correspondeu a 18,5%, e
22,9% das culturas (Panda et al., 2006; Tandon et al.; 2008). Tandon et al.
(2008) debatem, ainda, sobre a tendência de maior frequência de bactérias
gram negativas em Bancos de Olhos que captam globos oculares após
45
Discussão
autopsias, em mortuários e enfermarias de hospitais, principalmente de
doadores com internação prolongada.
Um estudo recente da flora normal analisada por cultura de fundo de
saco conjuntival de pessoas saudáveis candidatas à cirurgia de catarata,
observou
predomínio
correspondiam
a
de
todas
bactérias
as
gram
espécies
positivas.
de
Dessas,
Staphylococcus,
78,6%
7,8%
de
Corynebacterium e apenas 0,9% de Streptococcus. As bactérias gram
negativas constituíram 9,4%, sendo que as Pseudomonas corresponderam a
1,8% do total de culturas positivas (Hsu et al., 2013). Essa variabilidade entre
os estudos pode ser atribuída a diferenças regionais de populações de
bactérias, de métodos de coleta da cultura e captação do globo ocular. Deve-se
considerar que
olhos
de
cadáveres
podem
sofrer a
influência das
circunstâncias do óbito, entre internação hospitalar, uso de antibióticos
sistêmicos e permanência em ventilação mecânica, o que poderia aumentar a
frequência de bactérias gram negativas.
Na escolha da metodologia dos experimentos realizados neste estudo,
considerou-se o efeito mecânico da imersão dos globos oculares em meios
líquidos como possível agente de descontaminação. Este é o motivo pelo qual
foi criado o grupo controle. Caso a imersão no caldo de TIO promovesse
alguma descontaminação, este método não poderia ser utilizado para a coleta
das amostras a serem enviadas para cultura.
A Tabela 3 apresenta a classificação e frequência de contaminação
bacteriana detectada na primeira coleta (TIO1) e na segunda (TIO2) no Grupo
I, ou controle. Nesse grupo, o simples banho com uma substância viscosa
como o TIO, fez com que um em 28 olhos sofresse descontaminação,
antecipando a taxa de descontaminação na população de globos enucleados
de 0 a 18%, em 95% dos casos (IC 95%).
A Tabela 4 mostra a classificação e a frequência das bactérias
contaminantes antes (TIO1) e depois (TIO2) do tratamento com SF. Neste
grupo, a agitação do globo ocular por cinco segundos no SF, fez com que um
em
22
olhos
sofresse
descontaminação,
antecipando
a
taxa
de
descontaminação na população de globos enucleados de 0 a 23%, em 95%
Discussão
46
dos casos (IC 95%). Como o IC deste grupo se sobrepôs ao do grupo anterior,
é possível concluir que o SF, do modo como foi usado, teve efeito
descontaminante inexpressivo, indistinguível ao do grupo controle.
Muitos estudos avaliaram o efeito do SF em diversas situações e
apontam um possível efeito benéfico quando utilizado em irrigação com volume
corrente após a enucleação. Nessa situação, há descrição de redução da
contaminação em 20% (Panda et al., 2006). Possivelmente, o fato de o
experimento do presente estudo ter sido realizado com a agitação do globo
ocular com pequeno volume de SF (aproximadamente em 10 mL, o suficiente
para que cobrisse o globo) em recipiente pequeno e sem escoamento,
contribuiu para que não houvesse nenhuma descontaminação. Outro estudo
demonstrou aumento da contaminação após a irrigação antes da enucleação
(14,4%), tendo como causa hipotética o enxague dos microrganismos
perioculares ou que estivessem alojados nas criptas conjuntivais, levando-os
para a superfície do globo ocular (Nash et al., 1991).
Nos grupos III, IV e V, a eficácia dos tratamentos testados dependia da
concentração do fármaco e do tempo de exposição do globo ocular. O PVPI foi
utilizado na concentração de 10 mg/mL em virtude de sua alta toxicidade para
o tecido corneano em concentrações maiores, considerando-se o tempo de
imersão de cinco minutos. Os colírios de antibiótico foram utilizados nas
concentrações das fórmulas comerciais já estabelecidas para o uso sobre a
superfície ocular. A imersão do globo ocular em colírio de Ciproflox a 3 mg/mL
durante dez minutos era utilizada como rotina pelo Banco de Olhos. Devido à
hipótese desse tempo ser excessivo, optou-se por tempo de exposição de
cinco minutos nos experimentos.
A Tabela 5 mostra a classificação e a frequência das bactérias presentes
antes (TIO1) e depois (TIO2) do tratamento com PVPI 10 mg/mL. Nesse grupo,
a imersão na solução antisséptica fez com que 17 dos 37 globos sofressem
descontaminação, antecipando a taxa de descontaminação na população de
globos enucleados de 30 a 63%, em 95% dos casos (IC 95%).
Pels e Vrensen (1999) avaliaram a penetração do PVPI na córnea e sua
toxicidade pela análise de atividade mitocondrial de fibroblastos corneanos,
Discussão
47
bem como sua eficácia em diversas concentrações. Foi demonstrado que o
PVPI penetra na córnea e pode causar danos aos fibroblastos. Porém, quando
utilizado nas concentrações entre 5 mg/mL e 50 mg/mL por dois minutos, não
foi observado iodo nas camadas estromais. Os autores sugerem como uso
seguro e eficiente do PVPI, na concentração de 5 mg/mL durante dois minutos.
Com essa metodologia obtiveram redução da contaminação de 47% de 69
globos testados.
Atualmente, existe a tendência de preferência pelo uso do PVPI, em
detrimento de outros antibióticos, para a descontaminação dos globos oculares.
O PVPI tem sido considerado eficiente também para a descontaminação
bacteriana, com redução da contaminação documentada entre 40 e 70%. Além
disso, parece possuir a capacidade de atuar contra fungos e vírus. A baixa
detecção desses microrganismos na superfície do globo ocular dificulta o
estudo de métodos para eliminá-los.
Na maioria dos estudos, o PVPI se mostra tão eficaz quanto os
antibióticos testados para eliminação de bactérias por banhos de imersão dos
globos oculares. Para alguns autores, esse antisséptico foi mais eficiente que o
Ciproflox, quando avaliado o seu efeito isolado sobre o Staphylococcus
coagulase negativo. Entretanto, essa superioridade não foi estatisticamente
significativa para outras bactérias, e os métodos utilizados em todos os estudos
que compararam o PVPI com o Ciproflox empregaram irrigação com SF antes
ou depois do tratamento, não sendo possível extrair conclusão sobre o efeito
isolado do fármaco sobre a contaminação (Nash et al., 1991; Mindrup et al.
1993; Gopinathan et al., 1998; Pels; Vrensen, 1999; Panda et al., 2006).
Em estudo prospectivo, Nash et al. (1991) encontraram taxa de
descontaminação de 69%, em globos oculares imersos em PVPI a 10 mg/mL
por três minutos, mas não compararam com outro método de imersão em
antibiótico, apenas com a embebição da gaze da câmara úmida em 5 mL de
neomicina, polimixina B e gramicidina. Em outro estudo prospectivo, Mindrup et
al. (1993) defendem o uso de PVPI a 50 mg/mL por três minutos para
descontaminação do globo ocular, demonstrando redução de 76% das culturas
positivas. Entretanto, este valor se refere às ações associadas da imersão em
48
Discussão
PVPI e irrigação com SF, que os autores utilizaram antes da coleta da cultura
com swab limbar. Além disso, não comparam com nenhum antibiótico.
Gopinathan et al. (1998), também realizaram estudo prospectivo para
descontaminação de globos oculares, comparando o uso de imersões em PVPI
a 50mg/mL, Ciproflox 3 mg/mL e gentamicina 3 mg/mL, todos com duração de
exposição de três minutos, e também associaram irrigação com SF após a
imersão nas três soluções descontaminantes, antes da coleta da cultura póstratamento
com
swab
limbar.
Os
autores
encontraram
taxa
de
descontaminação de 44% no grupo que utilizou PVPI, 14% no que utilizou
Ciproflox
e
15%
no
que
usou
gentamicina.
Houve
superioridade
estatisticamente significativa do uso do PVPI para descontaminação apenas do
Staphylococcus coagulase negativo, o que não ocorreu com outras bactérias.
Panda et al. (2006), em estudo prospectivo, analisando 200 globos
oculares,
compararam
PVPI
com
Ciproflox
e
verificaram
maior
descontaminação no grupo do PVPI, porém não estatisticamente significativa.
Também associaram a irrigação com SF aos métodos de imersão e utilizaram
menor concentração de Ciproflox (0,2%), comparada à utilizada no presente
estudo.
O PVPI tem se mostrado eficiente para eliminar bactérias gram positivas
e ainda serão necessários estudos adicionais para elucidar sua eficiência
contra bactérias gram negativas.
A Tabela 6 apresenta a classificação e frequência das bactérias
contaminantes antes (TIO1) e depois (TIO2) do tratamento com colírio de
Ciproflox 3 mg/mL. Nesse grupo, a imersão na solução de antibiótico fez com
que os 25 globos tratados fossem descontaminados, antecipando a taxa de
descontaminação na população de globos enucleados de 86 a 100%, em 95%
dos casos (IC 95%).
Este estudo é o único que demonstra o efeito isolado de cada
tratamento, sendo observada maior eficiência do Ciproflox, diferente dos
achados de Gopinathan et al. (1998) e Panda et al. (2006), que também
testaram o antibiótico, conforme descrito anteriormente.
49
Discussão
A Tabela 7 apresenta a classificação e frequência das bactérias
contaminantes antes (TIO1) e depois (TIO2) do tratamento com colírio de
Moxiflox 5 mg/mL. Nesse grupo, a imersão na solução de antibiótico
descontaminou os 28 olhos testados, antecipando a taxa de descontaminação
na população de globos enucleados de 88 a 100%, em 95% dos casos (IC
95%).
Não existem estudos na literatura que tenham testado o Moxiflox como
solução descontaminante para imersão do globo ocular. Ritterband et al. (2006)
estudaram o Moxiflox como aditivo no meio de preservação Optisol-GS.
Compararam o efeito do Optisol-GS convencional, como controle, com o do
Optisol-GS fortificado com Moxiflox.
Foram
avaliadas
a
redução da
contaminação dos botões córneo-esclerais e a toxicidade ao endotélio,
utilizando microscopia eletrônica e corantes das células endoteliais. Os autores
documentaram que o Moxiflox não causou maior agressão ao endotélio,
comparando-o ao controle com o Optisol-GS não fortificado. A taxa de
contaminação dos botões córneoesclerais após quatro dias de exposição aos
meios de preservação foi menor no grupo que utilizou o Moxiflox.
Estudos relacionam a toxicidade das fluoroquinolonas à presença de
conservantes, principalmente o cloreto de benzalcônio. Estudos conduzidos In
vitro demonstraram menor toxicidade do Moxiflox em relação às outras
fluoroquinolonas, por não conter o cloreto de benzalcônio como aditivo (Sosa et
al., 2008; Mencucci et al., 2011). Entretanto, considera-se que os experimentos
conduzidos in vitro possam ter maior sensibilidade do que estudos in vivo em
animais. Além disso, os efeitos deletérios seriam dependentes da presença de
defeitos prévios ao epitélio corneano, como erosões, úlceras e abrasões
traumáticas.
Um fato surpreendente no presente estudo foi a constatação de que
algumas bactérias foram eliminadas com a imersão em um antibiótico ao qual
não eram, em princípio, susceptíveis, segundo os dados dos antibiogramas que
estão descritos na tabela 8. Serão necessários estudos que controlem as
possíveis variáveis e que possam explicar essa discrepância entre os
resultados dos antibiogramas e o resultado obtido da cultura após o tratamento
Discussão
50
com o antibiótico. Entretanto, esses achados induzem à hipótese de que a
susceptilidade bacteriana a um antibiótico também pode depender, dentre
outras variáveis, do tempo de exposição e da quantidade do fármaco
disponível. Panda et al. (2006) consideraram que o tempo de exposição aos
antibióticos por 10 minutos pode ter sido insuficiente, pois microorganismos
que eram suscetíveis in vitro não foram eliminados. Isto ficou evidente ao
avaliarem a gentamicina, que só descontaminou o globo ocular após sua
permanência por 48 horas no meio de preservação que tinha este antibiótico na
sua composição. Além disso, ao contrário do resultado clínico, que apresentou
maior descontaminação com o PVPI, o Ciproflox foi o agente que apresentou
maior eficácia nos estudos conduzidos in vitro.
6. Conclusões
52
Conclusões
Após a análise dos resultados concluiu-se que:
1. Mesmo com cuidados de antissepsia típicos de uma cirurgia ocular
durante o procedimento de enucleação, a taxa de contaminação
esperada para a superfície de globos oculares enucleados pode
ser elevada. No Serviço de Oftalmologia do HCFMRP-USP existe
probabilidade de 95% de que ela varie entre 70 e 90%.
2. As espécies de estafilococos constituíram as bactérias mais
frequentemente encontradas na superfície dos globos oculares
enucleados no Banco de Olhos do HCFMRP-USP, seguidas das
espécies
de
pseudomonas.
A
distribuição
das
bactérias
encontradas na superfície dos globos oculares enucleados foi
diferente da distribuição da flora normal de olhos de seres
humanos vivos. Houve maior proporção de bactérias gram
negativas e menor proporção de estreptococos, comparando-se à
flora normal.
3. A agitação do globo ocular por cinco segundos em SF foi ineficaz
na redução da contaminação da superfície dos globos oculares
enucleados.
4. A imersão dos globos oculares por cinco minutos em solução de
PVPI a 10 mg/mL antecipou, com probabilidade de 95%, a taxa de
descontaminação entre 30 e 60%, desempenho inferior quando
comparado aos banhos de imersão com os colírios de Ciproflox e
de Moxiflox.
5. Os colírios de Ciproflox 3 mg/mL e Moxiflox 5 mg/mL, na forma de
banhos de imersão por cinco minutos, mostraram-se eficazes na
descontaminação da superfície de globos oculares enucleados.
7. Referências Bibliográficas
Referências Bibliográficas
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8. Anexo
59
Anexo
APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
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